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DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS DA VIDA FACULDADE DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA UNIVERSIDADE DE COIMBRA Novas estratégias terapêuticas para a leishmaniose : Efeitos do p -cimeno e 2- nitro-p -cimeno em Leishmania Infantum Mariana Vagos Ribeiro 2011

Novas estratégias terapêuticas para a leishmaniose ... · DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS DA VIDA FACULDADE DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA UNIVERSIDADE DE COIMBRA Novas estratégias terapêuticas

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  • DEPARTAMENTO DE CINCIAS DA VIDA

    FACULDADE DE CINCIAS E TECNOLOGIA

    UNIVERSIDADE DE COIMBRA

    Novas estratgias teraputicas para a

    leishmaniose : Efeitos do p -cimeno e 2-

    nitro-p -cimeno em Leishmania

    Infantum

    Mariana Vagos Ribeiro

    2011

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    DEPARTAMENTO DE CINCIAS DA VIDA

    FACULDADE DE CINCIAS E TECNOLOGIA

    UNIVERSIDADE DE COIMBRA

    Novas estratgias teraputicas para a

    leishmaniose : Efeitos do p -cimeno e 2-

    nitro-p -cimeno em Leishmania

    Infantum

    Mariana Vagos Ribeiro

    2011

    Dissertao apresentada Universidade de Coimbra para cumprimento dos requisitos necessrios obteno do grau de Mestre em Biologia Celular e Molecular, realizada sob a orientao cientfica da Professora Doutora Maria do Cu Rodrigues de Sousa (Universidade de Coimbra) e do Professor Doutor Jos Barata Custdio (Universidade de Coimbra)

  • - 3 -

    NDICE

  • - 4 -

    NDICE

    AGRADECIMENTOS Pag. 8

    NDICE DE FIGURAS E TABELAS.... Pag. 10

    ABREVIATURAS Pag. 13

    I.- RESUMO..... Pag. 16

    II - INTRODUO.................................................................................. Pag. 20

    1.- Leishmania e a leishmaniose......

    1.1- Classificao taxonmica de L. infantum....

    1.2- Morfologia e ciclo biolgico.......

    1.3- Fisiopatologia da leishmaniose....

    1.3.1- Leishmaniose visceral....

    1.3.2- Leishmaniose cutnea...

    1.3.3 - Leishmaniose muco-cutnea

    1.4- Epidemiologia..

    1.5- Teraputica......

    Pag. 20

    Pag. 20

    Pag. 21

    Pag. 23

    Pag. 24

    Pag. 25

    Pag. 26

    Pag. 26

    Pag. 28

    2- Os leos essenciais e actividade biolgica Pag. 30

    3.- Estrutura e funes da mitocndria......

    3.1- Fisiologia, ultra estrutura e funes metablicas das mitocndrias

    3.2- O sistema de transporte de electres e a fosforilao oxidativo....

    3.3- Envolvimento da mitocndria nos mecanismos de morte celular...

    3.3.1- Importncia da mitocndria nos processos apoptticos...

    3.4 - Aco da mitocndria na homeostase do Ca2+ celular...

    3.5- Permeabilidade transitria mitocondrial......

    Pag. 31

    Pag. 31

    Pag. 33

    Pag. 36

    Pag. 37

    Pag. 40

    Pag. 43

  • - 5 -

    III- OBJECTIVOS

    Pag. 47

    IV - MATERIAL E MTODOS..

    Pag. 49

    1- Susceptibilidade de Leishmania infantum ao 2-nitro-p-cimeno

    e p-cimeno..

    1.1- Origem das estirpes e manuteno das culturas..

    1.2- Determinao do crescimento..

    1.3- Estudos de viabilidade celular..

    1.4- Estudos morfolgicos.....

    2- Avaliao dos efeitos do 2-nitro-p-cimeno e do p-cimeno na

    bioenergtica mitocondrial....

    2.1- Isolamento de mitocndrias de fgado de rato...

    2.2- Determinao da concentrao de protena..

    2.3- Determinao do consumo de oxignio..

    2.4- Determinao do potencial de membrana das mitocndrias...

    3- Avaliao dos efeitos do 2-nitro-p-cimeno e do p-cimeno na

    permeabilidade transitria mitocondrial....

    4- Avaliao de efeitos do 2-nitro-p-cimeno e do p-cimeno na

    integridade das mitocndrias...

    5- Estudo estatstico

    Pag. 49

    Pag. 49

    Pag. 49

    Pag. 50

    Pag. 52

    Pag. 53

    Pag. 53

    Pag. 54

    Pag. 54

    Pag. 56

    Pag. 57

    Pag. 58

    Pag. 58

  • - 6 -

    V RESULTADOS....

    Pag. 60

    1- Actividade anti-Leishmania do 2-nitro-p-cimeno e do p-

    cimeno...................................................................................................

    1.1- Estudo do crescimento de promastigotas de L. infantum.

    1.2- Efeitos na viabilidade de promastigotas de L. infantum...

    1.3- Efeitos na morfologia de promastigotas de L. infantum...

    2- Efeitos na bioenergtica mitocondrial...

    2.1- Efeitos do p-cimeno no consumo de oxignio e potencial de

    membrana mitocondrial.

    2.2- Efeitos do 2-nitro-p-cimeno no consumo de oxignio e potencial

    de membrana mitocondrial....

    3- Efeitos do p-cimeno e do 2-nitro-p-cimeno na permeabilidade

    transitria mitocondrial..

    Pag. 60

    Pag. 60

    Pag. 61

    Pag. 62

    Pag. 64

    Pag. 64

    Pag. 70

    Pag. 77

    VI - DISCUSSO E CONCLUSES..

    Pag. 81

    VII - BIBLIOGRAFIA .

    Pag. 86

  • - 7 -

    AGRADECIMENTOS

  • - 8 -

    AGRADECIMENTOS Professora Doutora Maria do Cu Sousa por tudo que me ensinou e

    transmitiu, pelo apoio, pacincia, disponibilidade, incentivo e constante

    acompanhamento ao longo deste trabalho.

    Ao Professor Doutor Jos Custdio por me fazer ver mais alm a rea da

    bioenergtica, pelo apoio, incentivo e disponibilidade pronta com que me

    acompanhou ao longo de todo este trabalho.

    Doutora Marisa Machado por me ter integrado na dinmica de

    laboratrio, por toda a ajuda, disponibilidade, apoio e boa disposio com que

    sempre me brindou. `

    Ao Joo Vtor e Mariana Ponte Ribeiro pela ajuda e companheirismo

    preciosos.

    A toda a equipa dos laboratrios de Bioqumica e Microbiologia da

    Faculdade de Farmcia pelo companheirismo, ajuda e momentos de boa

    disposio.

    A todos os meus amigos por estarem sempre ao meu lado quando

    preciso.

    Aos meus pais e irmo pela pacincia e motivao inesgotveis, por

    continuarem a acreditar em mim mesmo quando eu tinha dvidas, sem vocs

    seria muito mais difcil.

  • - 9 -

    NDICES DE FIGURAS E TABELAS

  • - 10 -

    NDICE DE FIGURAS E TABELAS

    Figura 1 - Forma promastigota (A) e amastigota (B) (adaptado de Pace D et al

    2011) de Leishmania infantumPag. 21

    Figura 2 - Ciclo de biolgico de Leishmania sp. (adaptado de Marques et al

    2007)Pag. 22

    Figura 3 - Manifestao clnica de Leishmaniose Cutnea (adaptado de

    Malekpour M et al 2010)Pag. 25

    Figura 4 - Manifestao clnica de Leishmaniose muco-cutnea (adaptado de

    www.who.int/leishmaniasis/mucocutaneous_leishmaniasis).....................Pag. 26

    Figura 5 - Distribuio geogrfica mundial dos casos de leishmaniose, bem

    como dos casos de co-infeco com VIH 1990 a 1998Pag. 27

    Figura 6 - Mecanismos de aco dos frmacos anti-Leishmania.(adaptado de

    Croft and Coombs, 2003)........................................................Pag. 28

    Figura 7 - Estrutura qumica do p-cimeno e do seu derivado sinttico 2-nitro-p-

    cimeno..Pag. 30

    Figura 8 - Estrutura da mitocndria: modelo clssico e estrutura com locais de

    contacto nas membranas mitocondriais..Pag. 32

    Figura 9 - Representao esquemtica do sistema de transporte de electres

    (complexos I, II, III, IV) e do sistema fosforilativo (complexo V).....Pag. 35

    Figura 10 - Relao entre a mitocndria e a morte celular, evidenciando a

    importncia da quantidade de ATP nos processos apoptticos e

    necrticos.Pag. 39

    Figura 11 - Representao esquemtica dos complexos respiratrios;

    FoF1Sintetase; e dos componentes do poro de permeablidade transitria na

    membrana mitocondrial interna (MMI) e membrana mitocondrial externa

    (MME)...Pag. 44

    Figura 12 - Cmara de Neubauer para contagem de clulas.Pag. 50

    Figura 13 - Reduo do brometo 3-(4,5-dimetiltiazol-2-il)-2,5-

    difeniltetrazlio (MTT) pelas desidrogenases mitocondriais..PAG. 50

    Figura 14 Esquema de uma preparao em gota pendente usando a

    lmina de Koch..PAG. 52

    Figura 15 Representao esquemtica de um registo tpico obtido a partir de

    experincias com elctrodo de TPP+..Pag. 57

    http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed?term=%22Malekpour%20M%22%5BAuthor%5Dhttp://www.who.int/leishmaniasis/mucocutaneous_leishmaniasis).....................Pag

  • - 11 -

    Figura 16- Curva de crescimento de promastigostas de Leishmania

    infantumPag. 60

    Figura 17- Efeitos do p-cimeno e do 2-nitro-p-cimeno na viabilidade celular de

    promastigotas de L. infantumPag. 61

    Figura 18. Observao das formas promastigotas de L. infantum a fresco por

    microscopia de contraste de fases..Pag. 62

    Figura 19 - Observao por microscopia ptica de promastigotas de L.

    infantum incubadas durante 24 horas na presena e ausncia dos compostos

    em estudo, aps colorao de Giemsa..Pag. 63

    Figura 20 - Efeito do p-cimeno (PCy) nos estados 2, 3 e 4 da respirao de

    mitocndrias de fgado induzido por glutamato/malatoPag. 64

    Figura 21 - Efeito do p-cimeno (PCy) no ICR (A) e no quociente ADP/O (B).

    Pag.66

    Figura 22 - Efeitos do p-cimeno (PCy) no intumescimento mitocondrial..Pag. 67

    Figura 23 - Efeito do p-cimeno (PCy) e do ATP (A) no estado 2 e no estado 4

    da respirao, na presena de oligomicina (St4-olig) (B).Pag.68

    Figura 24 - Efeito das vrias concentraes de 2-nitro-p-cimeno (NPCy) nos

    estados 2, 3 e 4 da respirao de mitocndrias de fgado de ratoPag. 71

    Figura 25. Efeito do 2-nitro-p-cimeno (NPCy) no ndice de controlo respiratrio

    (IRC) (A) e no quociente ADP/O (B)Pag. 73

    Figura 26 - Efeitos do 2-nitro-p-cimeno (NPCy) no intumescimento

    mitocondrial..Pag. 74

    Figura 27- Efeito do p-cimeno (NPCy) e do ATP (A) no estado 2 e no estado 4

    da respirao, na presena de oligomicina (St4-olig) (B)Pag. 75

    Figura 28- Efeitos do 2-nitro-p-cimeno (NPCy) no potencial de membrana ()

    e na fosforilao oxidativa de mitocndrias de fgado de ratoPag. 76

    Figura 29 - Efeitos do p-cimeno (PCy) nos fluxos de Ca2+ de mitocndrias

    isoladasPag.78

    Figura 30 - Efeitos do 2-nitro-p-cimeno (NPCy) nos fluxos de Ca2+ de

    mitocndrias isoladas.Pag. 79

    NDICE DE TABELAS

    Tabela 1-Efeitos of p-Cymeno (pCy) em parmetros da fosforilao oxidativa

    de mitocndrias de fgado de ratoPag. 69

  • - 12 -

    ABREVIATURAS

  • - 13 -

    ABREVIATURAS

    Abs Absorvncia

    ADP Adenosina 5- difosfato

    ADP/O Razo entre as nanomoles de ADP fosforiladas e os

    nanotomos de oxignio consumidos

    AMP

    ANT

    Adenosina 5-monofosfato

    Transportador de nucletidos de adenina

    ATP Adenosina 5-trifosfato

    BSA Albumina bovina srica

    CoQ

    CyA

    Cyt.c

    DMSO

    DNA

    p

    pH

    EDTA

    EGTA

    FCCP

    F1

    Fo

    HEPES

    ICR

    MON-1

    MPT

    MTT

    NAD+

    NADH

    NADP+

    NADPH

    Coenzima Q

    Ciclosporina A

    Citocromo c

    Dimetilsulfxido

    cido desoxirribonucleico

    Potencial elctrico transmembranar

    Fora protomotriz

    Gradiente de pH

    cido etilenodiaminotetractico

    cido etilenoglicoltetractico

    carbonildiciano-p-trifluoro-metoxifenil-hidrazona

    Subunidade cataltica da ATP sintase

    Subunidade da ATP sintase inibida por oligomicina

    cido N-2-hidroxietil-piperazina-N-2-etanossulfnico

    ndice de controlo respiratrio (definido como o quociente entre

    os estados 3 e 4 da respirao

    Monpellier-1

    Permeabilidade transitria mitocondrial

    3-(4,5-dimetiltiazol-2-il)-2,5-difeniltetrazlio

    Dinucletido de nicotinamida adenina (oxidado

    Dinucletido de nicotinamida adenina ( reduzido)

    Dinucletido de fosfato de nicotinamida adenina (oxidado)

    Dinucletido de fosfato de nicotinamida adenina (reduzido)

  • - 14 -

    nAtg

    NPCy

    OMS

    PCy

    Pi

    RNA

    ROS

    RPMI

    SBF

    SD

    SDS

    TPP+

    UCPs

    UQ

    UV

    Nano tomos grama

    2-nitro-p-cimeno

    Organizao Mundial de Sade

    p-cimeno

    Fosfato inorgnico

    cido ribonucleico

    Espcies reactivas de oxignio

    Meio de cultura Roswell Park Memorial Institute

    Soro Fetal Bovino

    Desvio padro

    Dodecilsulfato de sdio

    Catio tetrafenilfosfnio

    Protenas dissociadoras (do ingls, uncoupling proteins)

    Ubiquinona ou coenzima Q

    Ultravioleta

  • - 15 -

    RESUMO

  • - 16 -

    I - Resumo

    A leishmaniose uma doena infecciosa parasitria que afecta cerca de

    12 milhes de pessoas em todo o Mundo, bem como animais domsticos e

    selvagens, ocorrendo, predominantemente, em regies tropicais e sub-

    tropicais. O agente etiolgico um parasita intracelular obrigatrio do gnero

    Leishmania e o hospedeiro infectado pode desenvolver leses cutneas, muco-

    cutneas ou viscerais, dependendo da espcie infectante, bem como da

    resposta imunitria do hospedeiro. O zimodemo de Leishmania infantum mais

    frequente na zona mediterrnica o MON-1, sendo responsvel pela grande

    maioria dos casos diagnosticados de leishmaniose visceral e por alguns casos

    de leishmaniose cutnea. Em Portugal, as leishmanioses humana e canina tm

    uma prevalncia significativa, estando as zonas de Trs-os-Montes e Alto

    Douro, Bacia hidrogrfica do Mondego, Regio metropolitana de Lisboa e

    Algarve identificadas como zonas endmicas.

    Segundo a OMS a leishmaniose visceral tem vindo a surgir com uma

    complicao associada a doenas que comprometem o sistema imunitrio,

    como o VIH. Dos primeiros 1700 casos reportados de co-infeco at 1998, em

    33 pases, 85% foram registados em Espanha, Itlia, Frana e Portugal, sendo

    esta uma problemtica emergente e prioritria na procura de novas

    teraputicas

    Actualmente, a quimioterapia constitui a principal teraputica no controlo

    da leishmaniose, no sendo, no entanto, suficientemente eficaz. Os frmacos

    mais utilizados no tratamento das leishmanioses so os compostos antimoniais

    pentavalentes, o alopurinol e a anfotericina B, mas estes, para alm de serem

    caros, tm mostrado elevada toxicidade, resistncia dos parasitas aos

    medicamentos e, na maioria dos casos, tm um sucesso limitado. , portanto,

    necessrio desenvolver terapias alternativas e caracterizar novos alvos

    teraputicos para obter tratamentos mais eficientes, especficos e menos

    txicos.

    Na procura de alternativas teraputicas, os leos essenciais e/ou os seus

    componentes, tm vindo a ganhar visibilidade devido sua aco anti-

    bacteriana, antiparasitria, antifngica e antiviral, representando um grupo de

    molculas que podem ser altamente eficazes na leishmaniose. Estudos in vitro

  • - 17 -

    demonstram que o monoterpeno p-cimeno tem uma aco antimicrobiana

    contra Staphylococcus aureus e Escherichia coli.

    Com o objectivo de estudar a actividade anti-Leishmania do p-cimeno e

    do seu derivado sinttico 2-nitro-p-cimeno, foram realizados ensaios de

    viabilidade celular e de morfologia de promastigotas de L. infantum. O p-cimeno

    no induziu perda de viabilidade celular nem alteraes morfolgicas. No

    entanto, o 2-nitro-p-cimeno teve efeitos significativos na reduo da viabilidade

    celular, com um IC50 de 145 g/ml. Estes resultados sugerem que a introduo

    do grupo nitro na estrutura qumica do p-cimeno foi determinante na actividade

    anti-Leishmania.

    O modo de aco dos monoterpenos est relacionado com vrios alvos

    na clula e embora os mecanismos especficos de actividade e os efeitos

    citotxicos permaneam por caracterizar, estudos recentes sugerem que estes

    compostos devero actuar promovendo perturbaes na permeabilidade de

    membranas, ou at mesmo afectar a integridade membranar dos

    microrganismos, interferindo com todas as suas funes.

    A mitocndria tem uma importncia fundamental nos processos de

    sobrevivncia e morte celular, dado que essencial para a produo de ATP,

    atravs do processo de fosforilao oxidativa, sendo tambm o principal

    organelo responsvel pela formao intracelular de espcies reactivas de

    oxignio e mecanismo de regulao celular. Assim, as alteraes na estrutura

    e funes mitocondriais induzidas pelo p-cimeno e pelo 2-nitro-p-cimeno foram

    tambm avaliadas atravs de ensaios sobre a bioenergtica de mitocndrias de

    rato, bem como na permeabilidade transitria mitocondrial. Os resultados

    sugerem efeitos significativos de ambos os compostos na bioenergtica

    mitocondrial, com maior actividade do 2-nitro-p-cimeno, induzidos por

    mecanismos diferentes. Nas mitocndrias incubadas com o p-cimeno, a

    estimulao induzida no estado 4 da respirao significativamente diminuda

    na presena de oligomicina, indicativo de que as perturbaes na capacidade

    fosforilativa e aumento do estado 4 da respirao se devem fuga de protes

    ao nvel da fraco Fo da ATP sintase. A estimulao do estado 4 da

    respirao induzido pelo 2-nitro-p-cimeno no foi significativamente alterada

    por oligomicina, no ocorrendo tambm alteraes no intumescimento,

    sugerindo que aumento do estado 4, a diminuio do estado 3 da respirao e

  • - 18 -

    consequente diminuio do ndice de controlo respiratrio, bem como

    diminuio do potencial de membrana se devem permeabilizao da

    membrana interna mitocondrial a protes. Embora atravs de mecanismos

    diferentes, ambos os compostos induzem perturbaes na permeabilidade

    membranar, com consequente diminuio do potencial membranar e

    diminuio da sntese de ATP. Todavia, ambos os compostos apresentam

    diferentes efeitos na capacidade de regulao do Ca2+ pela mitocndria,

    verificando-se alteraes apenas na presena de 2-nitro-p-cimeno.

    Em concluso, os resultados sugerem que a presena do grupo nitro

    fundamental na activao de mecanismos que interferem com a viabilidade

    celular, homeostase do Ca2+ e bioenergtica mitocondrial. O grupo nitro,

    conferindo um carcter anfiptico ao composto, permitir ao 2-nitro-p-cimeno

    maior facilidade em partilhar e atravessar as membranas celulares podendo

    afectar os vrios organelos intracelulares, incluindo o complexo mitocondrial.

    Esta caracterstica poder explicar as diferenas observadas entre os dois

    compostos e ser responsvel pela induo dos mecanismos de morte celular.

  • - 19 -

    INTRODUO

  • - 20 -

    II - INTRODUO

    1 - Leishmania e a leishmaniose

    A leishmaniose uma doena infecciosa parasitria que afecta cerca de

    12 milhes de pessoas em 88 pases de todo o Mundo, bem como animais

    domsticos e selvagens. Apesar de hoje ser considerada uma das principais

    doenas parasitrias tropicais (Organizao Mundial de Sade, 2009), a

    leishmaniose foi durante muito tempo uma doena negligenciada, com muitos

    casos por diagnosticar. Com uma elevada taxa de mortalidade e de prevalncia

    em zonas tropicais e sub-tropicais, esta doena causada por um parasita,

    intracelular obrigatrio, do gnero Leishmania (Santos et al., 2008) e o

    hospedeiro infectado pode desenvolver leses cutneas, muco-cutneas ou

    viscerais. O desenvolvimento da doena depende do vector de transmisso,

    vrias espcies de flebtomos, da espcie infectante e da resposta imunitria

    do hospedeiro (Barral et al. 1991; Grimaldi et al. 1991; Liew and ODonnel

    1993). Existem cerca de 350 milhes de pessoas expostas ao risco de infeco

    por Leishmania, sobretudo em pases em vias de desenvolvimento, e os casos

    de co-infeco com o vrus da imunodeficincia humana tm sido cada vez

    mais evidentes e preocupantes.

    Actualmente, a quimioterapia constitui a principal ferramenta no controlo

    das leishmanioses, no entanto este tipo de teraputica , geralmente, muito

    prolongado, caro e com elevados nveis de toxicidade.

    1.1 - Classificao taxonmica de L. infantum

    Em 1903, Leishman e Donovani descreveram, em separado, uma

    protozorio agora designado de L. donovani em tecido de bao de pacientes

    com uma doena crnica agora descrita como leishmaniose visceral

    (Herdwaldt, 1999). Na bacia mediterrnica, L. infantum, espcie pertencente ao

    mesmo gnero est descrita como sendo responsvel por 90% dos casos de

    leishmaniose visceral.

    A.espcie Leishmania infantum pertence ao reino Protista, sub-reino

    Protozoa, filo Sarcomastigophora, sub-filo, Mastigophora, classe

  • - 21 -

    Zoomastigophorea, ordem Kinetoplastidae, sub-ordem Trypanossomatina,

    famlia Tripanossomatidae e ao gnero Leishmania.

    Actualmente, a identificao e caracterizao dos sub-gneros e sub-

    espcies dos isolamentos de Leishmania feita por tipagem isoenzimtica

    (Marques et al., 2007) Neste contexto surge a designao de zimodemo,

    unidades taxonmicas que agrupam estirpes com perfis enzimticos

    semelhantes. O zimodemo de Leishmania infantum mais frequente na zona

    mediterrnica o MON-1, sendo responsvel pela grande maioria dos casos

    diagnosticados de leishmaniose visceral e por alguns casos de leishmaniose

    cutnea (Cardoso et al., 2002)

    1.2 - Morfologia e ciclo biolgico

    Durante o seu ciclo biolgico, todas as espcies de Leishmania alternam

    entre duas formas celulares morfologicamente bem distintas. A forma

    promastigota encontra-se no tracto digestivo do vector de transmisso e

    caracteriza-se por ser uma clula mvel, alongada e fusiforme, de tamanho

    varivel, entre 10 e 20 m de comprimento, com um flagelo na regio anterior.

    A forma amastigota oval ou redonda, intracelular, sem flagelo e sem

    mobilidade diferenciando-se e multiplicando-se no sistema mononuclear

    fagocitrio do hospedeiro vertebrado (Dedet et al., 1999)

    Figura 1 - Forma promastigota (A) e amastigota (B) (adaptado de Pace D et al 2011)

    de Leishmania infantum.

    B A

  • - 22 -

    Os vectores de transmisso da leishmaniose so pequenos insectos

    pertencentes ordem Dptera, famlia Psychodidae e gnero Phlebotomus no

    Velho Mundo e Lutzomia no Novo Mundo. Com uma distribuio disseminada

    por climas temperados e tropicais, estes insectos de reduzidas dimenses

    alimentam-se de sangue e so mais activos durante a noite, aproveitando o dia

    para descansar em casas, adegas, caves e grutas (Hirotomo et al., 2010). Ao

    contrrio dos mosquitos, os flebtomos voam de forma silenciosa em direco

    ao alvo e somente as fmeas se alimentam de sangue necessrio para a

    produo de ovos.

    Figura 2 - Ciclo de biolgico de Leishmania sp. (adaptado de Marques et al 2007)

    O ciclo de vida de Leishmania sp inicia-se com a picada da fmea do

    flebtomo ao hospedeiro vertebrado infectado, ingerindo os parasitas na forma

    amastigota. Uma vez no interior do vector, as amastigotas migram para o

    intestino onde se diferenciam em formas promastigotas infectantes e se

    multiplicam (Bates, 2006). Na prxima refeio sangunea, as fmeas

    infectadas inoculam no hospedeiro vertebrado as formas promastigotas do

  • - 23 -

    parasita. Sendo detectadas comp agentes invasores, as formas promastigotas

    so rapidamente fagocitadas por macrfagos. J dentro dos macrfagos as

    promastigotas diferenciam-se em amastigotas e proliferam, provocando a

    ruptura do macrfago infectado e a libertao das amastigotas no organismo

    do hospedeiro que vo ser fagocitados por outros macrfagos (Chang, 2005).

    Os macrfagos infectados podem ento migrar para os tecidos

    subcutneos ou atingir o fgado, bao, medula e gnglios linfticos, conduzindo

    ao desenvolvimento de leishmaniose cutnea ou visceral, respectivamente.

    Assim, o desenvolvimento da doena depende da eficincia do parasita no que

    diz respeito sua diferenciao na forma amastigota, tal como, da espcie

    infectante e da resposta imunitria do hospedeiro (Barral et al., 1991; Grimaldi

    et al., 1991; Liew and ODonnel 1993).

    Pensa-se que o Homem tenha comeado por ser um hospedeiro devido a

    uma exposio acidental ao ciclo biolgico do parasita. Inicialmente a

    leishmaniose visceral seria uma zoonose de animais selvagens que

    funcionavam como reservatrios, permitindo a manuteno a longo prazo dos

    parasitas na Natureza (Ashford, 1996). Com a quebra dos limites das zonas

    endmicas devido a presses antropognicas, o Homem e o co domstico

    tero ficado expostos ao ciclo de transmisso de Leishmania, passando o co

    domstico a ser um reservatrio destes parasitas. A proximidade com o

    Homem em zonas endmicas dos flebtomos permite a transmisso da doena

    e o fecho do ciclo biolgico do parasita.

    1.3 - Fisiopatologia da leishmaniose

    No Homem, as espcies de Leishmania causam uma variedade de

    doenas clnicas dependendo da capacidade do parasita proliferar em tecidos

    profundos ou superficiais. As vrias manifestaes clnicas da leishmaniose

    tm sido usadas pela OMS para classificar as leishmanioses em trs formas

    clnicas distintas de acordo com a sintomatologia e sistemas fisiolgicos

    afectados: leishmaniose cutnea, muco-cutnea e visceral.

    Alm da exposio ao ciclo biolgico do parasita na presena do vector,

    existem alguns outros factores que podem aumentar o risco de infeco e

  • - 24 -

    agravar o prognstico, como a pobreza, a desnutrio e actualmente a co-

    infeco com outras doenas, nomeadamente com o vrus da imunodeficincia

    humana (VIH) (Desjeux, 2001). A leishmaniose , ainda, uma doena

    associada pobreza em particular em pases em desenvolvimento e portanto a

    disseminao real da doena permanece camuflada em grande parte porque

    os mais afectados vivem em reas isoladas, mas tambm devido ao estigma

    social que conduz a que os pacientes se resguardem, devido s cicatrizes e

    deformaes fsicas que a doena pode causar.

    1.3.1 - Leishmaniose visceral

    A leishmaniose visceral a forma mais grave da doena, sendo a que

    apresenta maior taxa de mortalidade caso no seja devidamente tratada. A

    forma visceral tem as consequncias mais severas e pode ser causada apenas

    por trs das cerca de 20 espcie de Leishmania conhecidas: L. donovani na

    ndia e na frica Oriental; L. infantum na Europa e na bacia do mediterrneo; L.

    chagasi na Amrica Central e do Sul. O parasita atinge as clulas do sistema

    mononuclear fagocitrio, especialmente do fgado, bao, medula e dos gnglios

    linfticos. A infeco pode permanecer assintomtica ou desenvolver-se de

    forma aguda, sub-aguda e crnica conduzindo ao aparecimento de febre,

    hepatomegalia e esplenomegalia, perda acentuada de peso, cansao e anemia

    (Hirotomo, 2010). Em indivduos no tratados, a morte ocorre maioritariamente

    devida a infeces secundrias devido ao comprometimento do sistema

    imunitrio e da desnutrio.

    Segundo a OMS a leishmaniose visceral tem vindo a surgir com uma

    complicao associada a doenas que comprometem o sistema imunitrio,

    como o VIH. Dos primeiros 1700 casos reportados de co-infeco at 1998, em

    33 pases, 85% foram registados em Espanha, Itlia, Frana e Portugal, sendo

    esta uma problemtica emergente e prioritria na procura de novas

    teraputicas (Marques et al., 2007).

  • - 25 -

    1.3.2 - Leishmaniose cutnea

    Leishmaniose cutnea pode ter vrios graus de severidade podendo no

    manifestar-se durante um perodo varivel de tempo aps a infeco.

    Geralmente as leses caracterizam-se pelo aparecimento de lceras simples

    ou difusas na pele, deixando cicatrizes e, podendo mesmo, causar

    desfigurao e mutilao do paciente A leishmaniose cutnea localizada

    manifesta-se maioritariamente como um ndulo localizado que ulcera e

    cicatriza de forma natural, mas acaba por deixar marcas e alteraes na

    pigmentao da pele (Fig. 3). No caso da leishmaniose cutnea difusa, a leso

    inicial no ulcera mas as formas infectantes migram para vrios pontos da

    superfcie cutnea, acabando por se disseminar e ulcerar mais tarde,

    apresentando um tempo de incubao que vai de alguns dias a vrios anos

    Esta forma da doena pode regredir espontaneamente ou evoluir requerendo,

    ento, de tratamento (Grimaldi et al., 1991).

    Na bacia do mediterrneo 20% dos casos de leishmaniose cutnea esto

    descritos como sendo causados pela espcie Leishmania infantum MON-1,

    pelo que se coloca a questo da influncia da estirpe na manifestao clnica

    exibida pelo paciente. As leses cutneas causadas por L. infantum podem ser

    localizadas ou difusas e a sua evoluo crnica.

    Figura - 3. Manifestao clnica de Leishmaniose Cutnea (adaptado de Malekpour M

    et al 2010).

    http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed?term=%22Malekpour%20M%22%5BAuthor%5D

  • - 26 -

    1.3.3 - Leishmaniose muco-cutnea

    As leses muco-cutneas resultam, geralmente, da disseminao dos

    amastigotas desde a pele at mucosa naso-orofarngea. Na maioria dos

    casos, as manifestaes muco-cutneas tornam-se evidentes alguns anos

    aps o desaparecimento das leses cutneas, mas podem tambm aparecer

    enquanto estas ainda no esto curadas, devido a uma metastizao

    secundria pelo organismo. Pressupe-se, ento, que o tratamento adequado

    das leses cutneas diminui o risco de aparecimento de leses muco-

    cutneas. Geralmente, esta variante da doena torna-se evidente devido aos

    sintomas nasais crnicos, que passam pela destruio da mucosa naso-

    orofarngea devido a uma sobre-estimulao do sistema imunitrio (Fig. 4).

    Figura 4 - Manifestao clnica de Leishmaniose muco-cutnea (adapatado de

    www.who.int/leishmaniasis/mucocutaneous_leishmaniasis)

    1.4 - Epidemiologia

    A leishmaniose uma zoonose disseminada por todo o Mundo com uma

    maior incidncia em zonas tropicais, sub-tropicais e temperadas em que as

    diferentes combinaes de parasitas, reservatrios e vectores co-existam (Fig.

    5).

    De acordo com a OMS, existem cerca de 350 milhes de pessoas em 88

    pases em risco de infeco, com uma incidncia anual de 12 milhes de casos

    (Chang, 2005). Hoje em dia considerada umas das maiores doenas

  • - 27 -

    tropicais, apesar de durante muitos anos ter sido negligenciada e muitos casos

    no terem sido reportados e tratados. O aumento da incidncia de casos de

    leishmaniose poder estar relacionado com o aumento dos factores de risco,

    principalmente nos pases em vias de desenvolvimento.

    A co-infeco de leishmaniose visceral com o VIH tem vindo a aumentar,

    provavelmente devia alteraes no ciclo de transmisso da leishmaniose. A

    partilha de seringas por indivduos toxicodependentes pode ser um importante

    factor neste aumento dos casos de co-infeco. Este cenrio poder vir a

    agravar-se rapidamente na sia e na frica, cujos dados de prevalncia e

    deteco da co-infeco ainda no so conhecidos (Alvar et al., 2008)

    No Sul da Europa, Leishmania infantum o agente etiolgico da

    leishmaniose visceral, sendo o co o principal reservatrio do ciclo domstico

    (Moreno e Alvar, 2002). Em Portugal, as leishmanioses humana e canina tm

    uma prevalncia significativa, estando as zonas de Trs-os-Montes e Alto

    Douro, Bacia hidrogrfica do Mondego, Regio metropolitana de Lisboa e

    Algarve identificadas como zonas endmicas.

    Figura 5 - Distribuio geogrfica mundial dos casos de leishmaniose, bem como dos

    casos de co-infeco com VIH 1990 a 1998 (adaptado de WHO/NTD/IDM HIV/AIDS,

    Tuberculosis and Malaria (HTM) World Health Organization, 2010)

    Leishmaniose Co-infeco com VIH

  • - 28 -

    1.5 - Teraputica

    Actualmente, a quimioterapia constitui a principal ferramenta no controlo

    das leishmanioses, no entanto este tipo de teraputica , geralmente, muito

    prolongado, caro e com elevados nveis de resistncia e toxicidade.

    As drogas mais utilizadas contra a leishmaniose so os compostos

    antimoniais pentavalentes, o alopurinol, a anfotericina B, ou uma combinao

    de antimoniato de meglumina e alopurinol (Croft e Coombs, 2003).

    Compostos Mecanismos de aco

    Antimoniais pentavalentes (Glucantime e Pentostam)

    Tm estruturas moleculares pouco caracterizadas e a sua aco interfere directamente com a bioenergtica mitocondrial das formas amastigotas de Leishmania sp. Estes produtos ligam-se a diferentes protenas do parasita inibindo-as, especialmente a enzimas envolvidas na gliclise e no metabolismo dos cidos gordos

    Pentamidina

    Derivado aromtico da diamidina, txico para vrios protozorios atravs da sua ligao ao DNA cinetoplastidial e comportando, portanto, tambm efeitos secundrios mais graves.

    Anfotericina B Agente antifungico com uma aco eficiente, este composto liga-se membrana plasmtica aumentando a sua permeabilidade

    Paramomicina

    Em bactrias inibe a sntese proteica atravs da sua ligao subunidade 30s dos ribossomas, causando erros de leitura e finalizao precoce da traduo do mRNA. Em leishmania a paramomicina tambm afecta a mitocndria

    Miltefosina Possivelmente inibe ou modela a transduo de sinal e a homeostase do clcio

    Imiquimod Estimula a produo de xido ntrico em macrfagos

    Figura 6 Mecanismos de aco dos frmacos anti-Leishmania.(adaptado de Croft

    and Coombs, 2003)

    Os compostos antimoniais pentavalentes tm estruturas moleculares

    pouco caracterizadas e actuam directamente na bioenergtica mitocondrial das

    formas amastigotas de Leishmania. Estes compostos ligam-se a diferentes

    protenas do parasita inibindo-as, especialmente a enzimas envolvidas na

    gliclise e no metabolismo dos cidos gordos. Nos casos de leishmaniose

    visceral em que o tratamento com os compostos antimoniais no suficiente

  • - 29 -

    pode usar-se a pentamidina, derivado aromtico da diamidina, com alternativa.

    A anfotericina B um agente antifungico com uma aco eficiente. Este

    composto liga-se membrana plasmtica aumentando a sua permeabilidade

    (Chan-Bacab M and Pea-Rodrguez L., 2001). Embora estudos recentes

    tenham permitido desenvolver uma nova formulao de anfotericina B

    incorporada em lipossomas que permite uma aco melhorada deste frmaco,

    os feitos secundrios so ainda bastantes e os custos de produo desta nova

    formulao so muito elevados. , portanto, necessrio desenvolver terapias

    alternativas e caracterizar novos alvos teraputicos para obter tratamentos

    mais eficientes, especficos e menos txicos.

    Na procura de novos compostos leishmanicidas, os produtos derivados de

    plantas tm ganho algum relevo e recentemente foi evidenciada a aco anti-

    Leishmania de leos essenciais e de alguns dos seus constituintes (Rosa et al.,

    2003; Monzote et al., 2007; Oliveira et al., 2009; Machado et al., 2010).

  • - 30 -

    2 - Os leos essenciais e actividade biolgica

    Vrias actividades biolgicas com potencial teraputico tm sido

    atribudas aos leos essenciais e aos seus componentes, destacam-se a

    actividade anti-espasmdica, anti-inflamatria, anti-convulsivante, anti-oxidante

    (Sakurada, et al., 2009) e actividades biocidas como a antiviral, antibacteriana,

    antifngica e antiparasitria (Edris, 2007; Bakkali, et al., 2008; Gutierrez, et al.,

    2008 ; Hemaiswarya, et al., 2008).

    A actividade antimicrobiana de leos essenciais, ricos em compostos

    fenlicos, foi observada em fraces contendo timol e carvacrol (Lambert et al.,

    2001) e estudos in vitro demonstram que o monoterpeno p-cimeno tem uma

    aco antimicrobiana contra Staphylococcus aureus e Escherichia coli (Cristani

    et al., 2007; Mimran Shapira, 2007). Foram tambm observados efeitos

    sinrgicos entre os monoterpenos carvacrol e timol com o seu precursor p-

    cimeno (Vardar-Unlu et al., 2003). Alm disso, diversos estudos tm

    demonstrado que p-cimeno e seus derivados monoterpenos apresentam

    actividade antioxidante e anti-cancergena, estando aprovados nos Estados

    Unidos e na Europa para preservar e dar sabor aos alimentos (Burt, 2004).

    Figura 7 - Estrutura qumica do p-cimeno e do seu derivado sinttico 2-nitro-p-cimeno.

    O modo de aco dos monoterpenos est relacionado com vrios alvos na

    clula, embora os mecanismos especficos de actividade e os efeitos

    citotxicos permaneam por caracterizar. A actividade antimicrobiana est,

    geralmente, associada presena de pequenas molculas oxigenadas,

    capazes de estabelecer pontes de hidrognio, exemplos do timol, do carvacrol,

    do eugenol, do linalol, do geraniol, do neral ou do geranial. Estes compostos

    p-cimeno 2-nitro-p-cimeno

  • - 31 -

    actuam por modificao da membrana dos microrganismos, muitas das vezes

    com perda da integridade membranar que dever afectar todas as suas

    funes.

    3 - Estrutura e funes da mitocndria

    3.1 - Fisiologia, ultra estrutura e funes metablicas das mitocndrias

    As mitocndrias so organitos intracelulares com cerca de 2 m e

    existentes nas clulas eucariticas. O seu nmero por clula encontra-se

    relacionado com as necessidades energticas das clulas. Os rgos

    metabolicamente activos, como o fgado, o crebro e os msculos cardaco e

    esqueltico contm um maior nmero de mitocndrias, e apresentam maior

    susceptibilidade ao efeito de frmacos que actuam nas mitocndrias e a

    determinadas patologias, designadas como patologias mitocondriais (Szewczyk

    e Wojtczak, 2002). De acordo com a imagem clssica, a estrutura da

    mitocndria (Fig. 8 (A)) a membrana mitocondrial externa, que constitui uma

    barreira de permeabilidade para as molculas existentes no citossol maiores

    que 1500Da e separa o espao intermembranar do citossol; 2) o espao

    intermembranar, cuja composio inica semelhante do citossol e contem

    um distinto grupo de protenas incluindo o citocromo c; 3) a membrana

    mitocondrial interna paralela membrana externa, apenas permevel ao

    oxignio, dixido de carbono e gua, ou de pequenas pores desta membrana

    invaginam para o interior da matriz como cristas, designadas por cristas

    mitocondriais, onde est localizado o sistema de electres, o sistema

    fosforilativo e os transportadores membranares; 4) a matriz mitocondrial que

    contm as enzimas metablicas, o DNA e RNA mitocondrial. Este genoma tem

    unicamente genes que codificam para algumas protenas envolvidas na

    fosforilao oxidativa (Lesnefsky et al., 2001).

    No entanto, e segundo outros estudos, a estrutura mitocondrial no

    assim to simples, (Mannella, 2000) tendo sido demonstrado que as cristas no

    so simples invaginaes da membrana mitocondrial interna, mas sim

    estruturas independentes e que podem ou no estar ligadas membrana

    mitocondrial interna (Fig.8-B). De salientar que as mitocndrias no tm uma

  • - 32 -

    forma nica mas podem ter diferentes formas de acordo com o tecido onde se

    localizam. Apesar das membranas mitocondriais interna e externa serem

    estruturas bem definidas, cada uma delas possuindo diferentes conjuntos de

    enzimas e desempenhando diferentes funes, foram identificados locais de

    contacto ntimo entre as duas membranas quer a nvel morfolgico quer a nvel

    funcional (Mannella, 2001).

    Figura 8 Estrutura da mitocndria: modelo clssico e estrutura com locais de

    contacto nas membranas mitocondriais.

    (A)- Modelo clssico da mitocndria, a mitocndria constituda pela membrana

    externa; pela membrana interna que forma invaginaes para o espao

    intermembranar, originando as cristas e pela matriz mitocondrial.

    (B)- Mitocndria visualizada por tomografia electrnica em que as cristas so

    estruturas internas que podem ou no estar ligadas membrana mitocondrial interna

    (Adaptado de Lesnefsky et al., 2001;Mannella, 2001)

    A maior parte do ATP (aproximadamente 95%) que a clula necessita

    produzida pelas mitocndrias, sendo conhecidas como as centrais energticas

    da clula. A mitocndria est envolvida em vrios processos e vias

    metablicas, nomeadamente: 1) a converso do piruvato a acetil-CoA,

    processo este catalisado pelo complexo da desidrogenase do piruvato; 2) o

    ciclo do cido ctrico; 3) fosforilao oxidativa que resulta do funcionamento

    conjunto da cadeia respiratria acoplada sntese de ATP; 4) a oxidao

    (degradao dos cidos gordos); 5) parte do ciclo da ureia; 6) o fornecimento

    de intermedirios metablicos ao resto da clula; 7) o armazenamento de

    Membrana mitocondrial externa

    Membrana mitocondrial

    interna

    Cristas

    Matriz Matriz

    Membrana mitocondrial

    externa

    Membrana mitocondrial

    interna

    Cristas

    A B

  • - 33 -

    clcio, de forma a manter a concentrao de clcio citoplasmtico a um nvel

    baixo e constante; 8) a sntese de DNA, RNA e protenas; 9) a reparao do

    DNA; 10) a formao de espcies reactivas de oxignio e 11) nalguns casos a

    termognese (Pedersen, 1999). A funo mais importante das mitocndrias

    consiste na degradao de substratos energticos (cidos gordos, piruvato,

    aminocidos), provenientes do citoplasma. Obtendo-se como produtos finais,

    CO2, H2O e a sntese de ATP. As reaces do ciclo do cido ctrico levam

    oxidao dos compostos de carbono, com formao de CO2 e tambm

    fornecem equivalentes redutores, temporariamente ligados a coenzimas. A

    maioria destes processos ocorrem a nvel da matriz mitocondrial na cadeia

    respiratria que se encontra na membrana mitocondrial interna que se d a

    reoxidao das coenzimas reduzidas. A cadeia respiratria utiliza compostos

    redutores (NADH e ubiquinol), dadores de electres, para reduzir o O2 a H20. A

    esta reaco est associado o transporte de protes (H+) da matriz mitocondrial

    para o espao intermembranar, processo que origina a formao do gradiente

    electroqumico de H+ atravs da membrana mitocondrial interna, o qual

    aproveitado pela mitocndria para sintetizar ATP a partir de ADP e Pi, via

    sintase do ATP.

    3.2 - O sistema de transporte de electres e a fosforilao oxidativa

    Nas clulas animais o processo de fosforilao oxidativa requer

    numerosas protenas, verificando-se que mais de 60 protenas esto

    associadas ao sistema de transporte de electres, 16 com o complexo da

    sintase de ATP e 2 protenas constituem os transportadores do ADP/ATP e do

    H+/Pi. A cadeia respiratria mitocondrial constituda por quatro complexos

    enzimticos transmembranares o complexo I (NADH-desidrogenase), complexo

    II (succinato desidrogenase), complexo III (citocromo redutase) e o complexo IV

    (citocromo oxidase). Os dinucletidos de nicotinamida adenina (NADH) e o

    succinato conduzem os electres para os complexos I e II da cadeia

    respiratria, respectivamente, resultando na libertao de protes para o

    interior da matriz e na transferncia de electres para o transportador mais

    prximo na cadeia respiratria, a Coenzima Q (CoQ), que transfere os

  • - 34 -

    electres entre estes dois complexos e o complexo III. Posteriormente, os

    electres so transferidos para o citocromo c e finalmente para o complexo IV

    onde ocorre mais entrada de protes. no complexo IV que o O2, fornecido na

    respirao pelo sistema circulatrio, funciona como receptor de electres e se

    liga aos protes existentes na matriz levando formao de H2O (Fig 9).

    Assim, o transporte de electres atravs dos complexos respiratrios tem como

    finalidade a transferncia de energia dos substratos energticos existentes na

    matriz mitocondrial para uma forma de energia (gradiente electroqumico de H+)

    que poder ser utilizada para fosforilar o ADP. As mitocndrias produzem ATP

    atravs da associao entre o gradiente de protes, gerado pela respirao, e

    a fosforilao oxidativa do ADP pelo complexo V (FoF1ATPase ou ATPsintase).

    O complexo V constitudo por duas subunidades: a subunidade FO,

    correspondente a um segmento hidrofbico que atravessa a membrana

    mitocondrial interna e que funciona como canal a protes do complexo, e a

    subunidade F1 que corresponde cabea esfrica do complexo virada para o

    lado da matriz e possui uma funo cataltica na sntese de ATP (Fig. 9).

    Situada entre estas duas subunidades existe uma protena que confere

    sensibilidade oligomicina (OSCP oligomycin sensibility conferring proten),

    fazendo com que a ATP sintetase seja inibida por este composto Pelo facto de

    a membrana mitocondrial interna ser impermevel a protes, ocorre a sua

    acumulao no espao intermembranar gerando a formao do gradiente

    electroqumico de H+. Quando o ADP e o Pi, componentes necessrios

    sntese de ATP, esto disponveis na matriz mitocondrial, eles ligam-se

    fraco cataltica do complexo V, permitindo a abertura da fraco FO e a

    consequente entrada de protes para o interior da matriz. A energia libertada

    no influxo de protes atravs da fraco FO usada na fosforilao do ADP

    para sintetizar ATP pela fraco F1.

  • - 35 -

    Figura 9 Representao esquemtica do sistema de transporte de electres

    (complexos I, II, III, IV) e do sistema fosforilativo (complexo V), com os respectivos

    substractos e inibidores. (Monteiro P et al 2003).

    A associao entre a oxidao de substratos pela cadeia respiratria e a

    fosforilao designa-se por teoria quimiosmtica e foi proposta por Peter

    Mitchell em 1961. Na cadeia respiratria, o fluxo de electres gera energia

    redox suficientemente elevada para ser utilizada para ejectar protes do

    compartimento mitocondrial interno, para o espao intermembranar. O

    gradiente electroqumico de protes assim gerado, tambm designado por

    fora protomotriz (p), constitui a fora motriz capaz de fazer o retorno dos

    protes atravs do complexo ATPsintase. Este gradiente composto de um

    componente elctrico, o potencial transmembranar () e de um gradiente

    (pH). Como resultado, as mitocndrias so

    de cerca de

    180 mV (negativo no interior) e cujo meio interno mantm um valor de pH de

    cerca de 8. Em consequncia disto, as mitocndrias conseguem no s

    acumular compostos de carcter catinico, que sejam capazes de atravessar

    as membranas, como tambm internalizar cidos fracos na sua forma aninica.

    (Szewczyk e Wojtczak, 2002).

  • - 36 -

    3.3 - Envolvimento da mitocndria nos mecanismos de morte celular

    Existem diferentes estudos que demonstram que a mitocndria controla a

    vida e a morte celular. A permeabilizao da membrana mitocondrial precede o

    processo de morte celular por apoptose ou necrose, que dependente do tipo

    de clula ou do estmulo indutor do tipo de morte da clula, e esta

    permeabilizao constitui um dos principais factores indicador de morte celular.

    De facto, existe um nmero elevado de factores pr-apoptticos que actuam a

    nvel da membrana mitocondrial induzindo a permeabilizao da membrana e

    que, por sua vez, activam os compostos anti-apoptticos da famlia Bcl-2 a

    interagir com protenas da membrana mitocondrial evitando a sua

    permeabilizao. Outro facto que refora o envolvimento da mitocndria na

    morte celular a existncia de intervenes farmacolgicas especficas, isto ,

    atravs de compostos que actuam a nvel das protenas mitocondriais que

    evitam ou retardam a morte celular. (Loeffler e Kroemer, 2000)

    A necrose ou morte acidental pode ser desencadeada por um profundo

    dano celular ou por stresse. Ocorre ento, um rpido colapso da homeostase

    interna sendo acompanhada de lise da membrana citoplasmtica e das

    membranas internas com libertao de restos celulares para o espao

    extracelular, promovendo um processo inflamatrio. caracterizada

    morfologicamente pela formao de protuberncias na membrana plasmtica

    seguida pela eventual ruptura de algumas delas e a consequente libertao de

    componentes citoslicos (Monteiro P et al 2003).

    A apoptose um tipo de morte celular programada e trata-se de um

    processo fisiolgico essencial, necessrio ao desenvolvimento normal e

    manuteno da homeostase dos tecidos (Fumarola C et al 2004 ). No entanto,

    a apoptose est tambm envolvida em diversos processos patolgicos dos

    quais se destacam as doenas neurodegenerativas, doenas imunolgicas e

    processos cancergenos. Assim, aps um sinal apopttico as clulas sofrem

    uma srie de alteraes que culminam na sua morte, sem que ocorra a

    libertao dos seus contedos celulares (Monteiro P et al 2003). Este tipo de

    morte celular funcionar como uma espcie de triagem da populao celular

    eliminando as clulas danificadas, mutadas, envelhecidas ou potencialmente

    perigosas, tendo tambm um papel importante na regulao de programas de

    http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed?term=%22Fumarola%20C%22%5BAuthor%5D

  • - 37 -

    crescimento e diferenciao celular e tecidular. A apoptose caracterizada por

    uma diminuio do volume da clula acompanhada da formao de

    protuberncias na membrana plasmtica, estas acabam por se desprender da

    membrana originando fragmentos membranares que so fagocitados pelas

    clulas vizinhas.

    Outra das grandes diferenas entre a necrose e a apoptose reside a nvel

    da bioenergtica. Verificando-se que em clulas necrticas os nveis de ATP

    baixam drasticamente e esta perda das reservas energticas ser a principal

    causa deste tipo de morte celular (Malhi H et al 2006). Contrariamente, as

    clulas em apoptose mantm, parcialmente, as suas reservas de ATP,

    necessrias para o controlo dos mecanismos de apoptose, sendo um processo

    totalmente dependente de energia. Deste modo, a mitocndria um elemento

    fundamental nos processos de morte celular por apoptose e/ou necrose e

    poder determinar o tipo de morte celular.

    3.3.1 - Importncia da mitocndria nos processos apoptticos

    Estudos realizados com vrios sistemas mitocondriais demonstram um

    papel importante da mitocndria nos mecanismos de induo da apoptose

    (Lemasters et al., 1999). Actualmente, aceite que em muitas clulas

    apoptticas a libertao de protenas do espao intermembranar constitui um

    dos primeiros eventos da apoptose. A mitocndria perante um estmulo

    apopttico (danos no DNA, isqumia, radiaes ultravioletas e mecanismos

    vrios de stress oxidativo) desviada do seu papel original, que o da

    manuteno da vida celular, para um papel oposto, o de facilitar a morte celular

    (Fig 9). Existem vrios factores responsveis por esta alterao,

    nomeadamente, o clcio, a ceramida, o xido ntrico, as caspases (protenas

    cistenicas que actuam em resduos de aspartato), as ROS e membros da

    famlia Bcl-2). O efeito final de muitos destes factores a libertao de duas

    protenas do espao intermembranar, o citocromo c e o factor indutor de

    apoptose (AIF). Estas duas protenas participam em eventos ps-mitocondriais

    necessrios para completar o programa de morte celular. A forma como estes

    factores foram a mitocndria a participar no programa de morte celular ainda

  • - 38 -

    no inteiramente claro, contudo a hiptese mais provvel envolve a PTM.

    Numerosos dados experimentais sugerem que vrios dos factores que induzem

    a PTM so membros da famlia das protenas Bcl-2. A protena Bcl-2 um

    oncogene que tem um efeito inibitrio da PTM, enquanto outro membro da

    famlia, a Bax, pode formar complexos com a Bcl-2 anulando desta forma o

    efeito inibitrio exercido por Bcl-2 na PTM e, quando atinge determinadas

    concentraes, estimula a MPT (Danial et al 2004). A PTM seguida da perda

    do (pelo menos temporariamente), intumescimento da mitocndria e,

    finalmente, ruptura da membrana mitocondrial externa com libertao do

    citocromo c e do AIF.

    O citocromo c a protena cuja libertao parece ser mais crtica para a

    iniciao dos processos de apoptose (Desagher S et al 2000). No entanto, o

    mecanismo pelo qual ocorre a sua libertao da mitocndria no se encontra

    ainda perfeitamente esclarecido, podendo ocorrer de um modo controlado

    atravs de poros na membrana externa ou por ruptura fsica desta membrana.

    O citocromo c na presena de ATP ou dATP, forma um complexo com o apaf-1

    e a procaspase 9. A formao deste complexo designado por apoptossoma

    cliva a procaspase 9 com libertao da caspase 9 activa que cliva e activa a

    procaspase 3. Por sua vez, a caspase 3 activa induz a clivagem proteoltica de

    uma srie de protenas alvo no citosol, ncleo e membrana plasmtica

    responsveis pela morfologia caracerstica da apoptose (Parone et al 2002).

    Vrios estudos tm demonstrado que a mitocndria est tambm envolvida na

    induo da apoptose por mecanismos independentes das caspases. Durante

    este processo, ocorre libertao de protenas designadas por factor indutor da

    apoptose (AIF) e endonuclease G do espao intermembranar mitocondrial para

    o citossol, desencadeando este tipo de morte celular sem activar a cascata

    apopttica. Durante a apoptose, o AIF desloca-se da membrana mitocondrial

    externa para o citossol e, posteriormente, para o ncleo onde induz

    condensao da cromatina e fragmentao do DNA (Daugas et al., 2000).

  • - 39 -

    Figura.10 Relao entre a mitocndria e a morte celular, evidenciando a importncia

    da quantidade de ATP nos processos apoptticos e necrticos. Na morte celular por

    necrose, ocorre depleo de ATP e h ruptura da membrana plasmtica. A outra via

    de morte celular por apoptose, sendo os nveis de ATP da clula mantidos

    parcialmente. A apoptose caracterizada por uma diminuio do volume da clula

    acompanhada da formao de protuberncias da membrana plasmtica (Monteiro P et

    al 2003)

    Adicionalmente, o AIF induz a exposio da fosfatidilserina na monocamada

    externa (geralmente localizada na monocamada interna), facto que possibilita o

    reconhecimento e posterior remoo das clulas apoptticas por clulas

    vizinhas. De modo idntico, a endonuclease G, cuja funo est implicada na

    replicao do DNA mitocondrial, induz a fragmentao do DNA nuclear aps

    ser libertado do espao intermembranar durante a apoptose.

  • - 40 -

    No decurso morte celular por necrose, as clulas, as mitocndrias e

    outros organitos aumentam de volume, como consequncia da perda da

    integridade fsica das membranas plasmtica e mitocondrial, no sendo, no

    entanto, observadas quaisquer modificaes nucleares no decorrer deste

    processo. (Desagher e Martinou, 2000). A mitocndria responsvel pela

    maior parte (cerca de 80-90%) da sntese de ATP atravs da fosforilao

    oxidativa, que usa a energia resultante da respirao mitocondrial. Assim,

    factores que alterem a associao do sistema fosforilativo com o sistema de

    transporte de electres constituem mecanismos responsveis pela diminuio

    da eficincia fosforilativa das mitocndrias e, consequentemente, por um

    abaixamento dos nveis de ATP necessrios viabilidade celular. As alteraes

    estruturais induzem um aumento da permeabilidade mitocondrial a solutos de

    baixa massa molecular. Este processo conhecido por PTM acompanhado por

    um intumescimento da mitocondrial e a mitocndria perde a sua capacidade

    para manter estveis o e o gradiente de protes (isto ocorre uma

    dissociao total ou parcial da fosforilao oxidativa). Ao ocorrer uma

    permeabilizao membranar passiva constante, ocorre a hidrlise contnua do

    ATP pela ATPsintase, promovendo o esgotamento das reservas energticas

    celulares e conduzindo morte celular por necrose (Fig 10). Adicionalmente,

    h perturbao contnua dos equilbrios inicos, especialmente do Ca2+, que

    exacerbar os danos devido activao de enzimas degradativas como as

    fosfolipases, proteases e nucleases. A activao da PTM facilitada na

    presena de oxidantes e espcies reactivas de oxignio (ROS) e azoto (RNS)

    (Zoratti et al 2005). Por sua vez, a acumulao de ROS e RNS facilita a

    induo da PTM (Pedersen, 1999).

    3.4 - Aco da mitocndria na homeostase do Ca2+ celular

    A mitocndria desempenha uma aco vital na regulao do Ca2+

    citoslico, possuindo vrias protenas envolvidas na acumulao e libertao

    de Ca2+ pelo que, a mitocndria actua como um reservatrio de Ca2+.

    Adicionalmente, a mitocndria fornece a maior parte do ATP usado pelas Ca2+-

    ATPases do retculo endoplasmtico e da membrana plasmtica. (Saris e

    Carafoli 2005). Por outro lado, a adio de Ca2+ a uma suspenso de

  • - 41 -

    mitocndrias energizadas resulta na estimulao da cadeia respiratria, efluxo

    de protes da matriz e influxo de Ca2+ para dentro da mitocndria. As

    mitocndrias so capazes de acumular clcio para a matriz atravs do

    gradiente electroqumico sem que ocorra hidrlise do ATP ou ocorra

    cotransporte com qualquer outro io ou seja o influxo de Ca2+ um processo

    puramente electrognico movido pela componente elctrica, o da fora

    protomotriz (H+) A protena responsvel pela acumulao de clcio o

    uniporter de clcio, no entanto, em mitocndrias isoladas a sua constante de

    afinidade baixa, o que sugere que este no ser o mecanismo de influxo de

    Ca2+ quando as mitocndrias so expostas a rpidos e intensos pulsos de

    clcio intracelular. Uma via alternativa de influxo de Ca2+ o designado por

    RAM (do ingls rapid mode uptake), atravs do qual ocorrer a rpida captao

    de Ca2+. Apesar de a captao de Ca2+ pelas mitocndrias ser apontada

    essencialmente como um dispositivo de segurana em situaes de

    sobrecarga intracelular transitria de Ca2+ os fluxos mitocondriais de Ca2+

    fazem parte da sinalizao celular do Ca2+ (Orrenius et al., 2003). Uma vez

    dentro da mitocndria, o Ca2+ tm vrios efeitos nomeadamente, a estimulao

    de desidrogenases na matriz mitocondrial sensveis ao Ca2+, que por sua vez

    so locais de produo de NADH para a cadeia respiratria e como tal para a

    estimulao do metabolismo energtico mitocondrial (Orrenius et al., 2003).

    Todavia, as mitocndrias no conseguem captar quantidades ilimitadas

    de Ca2+ tendo por isso de o libertar a uma velocidade comparvel do influxo.

    O efluxo de Ca2+ da mitocndria para o citosol pode ocorrer atravs de

    diferentes mecanismos. Assim, pode ocorrer atravs de um mecanismo de

    antiporte com Na+ ou H+, isto , de um transporte dependente de Na+ ou de

    outro independente de Na+, que troca Ca2+ por Na+ ou por H+, respectivamente

    por reverso do uniporta de influxo de Ca2+, por alteraes na fase lipdica da

    membrana, atravs de vias de libertao mediadas por canais ou pela

    combinao de dois ou mais destes mecanismos. Adicionalmente, a libertao

    de Ca2+ da mitocndria pode tambm ocorrer por oxidao de nucletidos de

    nicotinamida adenina da matriz a ADP-ribose nicotinamida ou por oxidao de

    grupos -SH de protenas membranares que se encontram associados com a

    regulao da dinmica de Ca2+ da mitocndria. Outro mecanismo independente

    de sdio e fundamental no efluxo de Ca2+, a formao de um poro de

  • - 42 -

    permeabilidade transitria o (PMPT), em cujo estado de baixa condutncia

    responsvel pela descarga de Ca2+ para valores de concentrao abaixo dos

    limites (Bernardi P et al 1998) no entanto em estados mais avanados d

    origem a um megacanal designada de MPT que constitui igualmente um

    mecanismo importante para a libertao de clcio da mitocndria como se

    descrever mais adiante.

    Em concluso, apesar de a mitocndria poder no ter um papel

    determinante na homeostase de clcio celular em condies de repouso, ela

    determinante na forma e na durao de um pico concentracional de clcio aps

    estimulao celular. Adicionalmente o posicionamento da mitocndria junto do

    retculo endoplasmtico pode ser condicionante da sua capacidade

    tamponizante. Alm do mais a acumulao elevada de Ca2+ deletria para a

    funo mitocondrial e celular tendo sido proposto que o Ca2+ citoslico

    desempenha um papel importante na estimulao de sinais apoptticos,

    atravs da regulao de enzimas especficas que, uma vez activadas,

    conduzem morte celular, como por exemplo as endonucleases.

    Paralelamente, a excitao-contraco no msculo esqueltico e cardaco

    dependem dos nveis de Ca2+ citoslico.

    O potencial de membrana () gerado atravs da ejeco de protes pelos

    complexos enzimticos do sistema de transporte de electres. O constitui a

    fora motriz para a fosforilao do ADP pela F1Fo ATPase. Adicionalmente a

    captao de Ca2+ atravs do uniporta de Ca2+ dependente do , e a

    dissipao deste potencial anula a captao de Ca2+ mitocondrial. A

    composio molecular exacta do uniporta no conhecida e pensa-se que

    pode existir uma configurao alternativa para o poro e que ser o responsvel

    pela rpida captao de Ca2+ (RAM) atravs da qual a mitocndria pode

    rapidamente acumular quantidades limitadas de Ca2+ O efluxo de Ca2+ ocorre

    atravs do antiporta Ca2+/Na+ que troca 2 ies de Na+ por cada Ca2+. Em algum

    tipo de clulas podem tambm existir um transportador de Ca2+ e de H+. A PTM

    um mega canal e constitudo por vrias protenas mitocondriais que podem

    ser induzidas pela acumulao de Ca2+, pelo stress oxidativo. Uma vez

    induzido o poro de PTM permite a passagem de todas as molculas superiores

    a 1500Da. Contudo, ocorrem aberturas rpidas e reversveis da PTM e estas

    podem ter um papel primordial no controlo do Ca2+ mitocondrial. O influxo de

  • - 43 -

    Ca2+ associado sua libertao mediada pelos sistemas de troca constitui um

    ciclo de Ca2+ dissipador de energia mitocondrial. (Jacobson et al 2004).

    3.5 - Permeabilidade transitria mitocondrial

    A PTM consiste na abertura de uma via de permeabilidade inicialmente

    reversvel e que permite a difuso de solutos at 1500Da da matriz mitocondrial

    para o espao extramitocondrial e vice-versa. Trata-se de um processo

    complexo do qual j se conhecem vrios indutores moduladores e inibidores,

    alguns dos quais sero mencionados de seguida. A PTM causada pela

    formao e abertura de poros proteicos na membrana interna mitocondrial os

    designados poros transitrios de permeabilidade mitocondrial. Apesar de ainda

    ser um assunto muito discutido na literatura, existe algum consenso sobre o

    que poder iniciar a condio de permeabilidade transitria mitocondrial.

    sabido que a entrada macia de clcio para o interior da mitocndria, associada

    a um incremento da gerao de espcies reactivas de oxignio no interior

    daquele organelo pode levar formao dos PTM, rompendo a barreira de

    impermeabilidade caracterstica e necessria da membrana interna

    mitocondrial (Zoratti M et al., 2005). Algum consenso existe tambm sobre as

    possveis consequncias para a mitocndria uma vez que a abertura de poros

    de PTM provoca a despolarizao mitocondrial, dissociao da fosforilao

    oxidativa, libertao de solutos intramitocondriais perdendo este organelo a

    capacidade de produo de energia e a capacidade de tomada de clcio. A

    PTM est tambm associada induo de um aumento de volume

    mitocondrial, causando um rompimento da membrana externa e podendo

    mesmo levar libertao de factores indutores da apoptose, como o citocromo

    c, ou, em ltima anlise, a necrose da clula. Os poros de PTM so complexos

    multiproteicos que se formam nas zonas de unio entre a membrana externa e

    interna da mitocndria, apesar da identidade molecular deste complexo

    multiproteico no se encontrar ainda completamente definida, alguns dos seus

    componentes centrais foram j identificados (Fig 11) e incluem protenas

    citoplasmticas como a hexocinase (HK) e a creatina cinase (CK) que se

    encontra localizada no espao intermembranar, protenas da membrana

    externa o canal aninico dependente de voltagem (VDAC) e o receptor das

  • - 44 -

    benzodiazepinas (BPR), protenas da membrana interna o transportador dos

    nucletidos da adenina (ANT) e protenas da matriz mitocondrial a ciclofilina D.

    Figura 11 - Representao esquemtica dos complexos respiratrios; FoF1Sintetase;

    e dos componentes do poro de permeablidade transitria na membrana mitocondrial

    interna (MMI) e membrana mitocondrial externa (MME).

    Em condies fisiolgicas o poro permanece fechado at que o Ca2+

    aumente substancialmente. A PTM especificamente inibida por ciclosporina A

    (CyA) que se liga CphD impedindo a sua ligao s restantes protenas

    constituintes do poro e, como tal, a sua formao. A CphD uma peptidilprolilo

    cis-trans isomerase da matriz mitocondrial que em situaes de sobrecarga de

    Ca2+ e de stresse oxidativo, se liga s protenas constituintes do poro induzindo

    a sua activao e abertura conferindo-lhe sensibilidade inibio pela CyA. A

    induo da PTM modulada por diferentes factores, sendo favorecida em

    condies de elevada acumulao de Ca2+ na mitocndria, por aumento do

    quociente NAD+/NADH, por prooxidantes, por pH elevado, por peroxidao

    lipdica e pelo o stresse oxidativo devido s ROS e/ou depleo mitocondrial

    de GSH ( Colell et al 2004). A PTM induzida por Ca2+ pode ser estimulada por

    uma grande variedade de compostos com diferentes caractersticas qumicas,

    incluindo o Pi, agentes oxidantes, reagentes ditilicos, protonforos e ligandos

    do ANT, quando acompanhada por concentraes matriciais elevadas de Ca2+

    e stresse oxidativo. Nestas condies, ocorre oxidao de grupos -SH de

    protenas membranares mitocondriais, NAD(P)H, GSH matricial e depleo de

    nucletidos de adenina (Halestrap et al., 2002). Ichas e Mazat em 1998,

    propuseram que existe uma alternncia entre um estado de baixa condutncia

    MME

    MMI

    PBR

    ANT

    VDAC

    HK

    CK

    CycD

    Complexos Respiratrios

    FoF1 ATP

    Sintase

    MATRIZ

    CITOSOL

    Espao intermembranar

    PTM

  • - 45 -

    do poro de PTM que resulta de aberturas transitrias do poro e um estado de

    alta condutncia que resulta de aberturas de longa durao e que conduzem

    ao estado completamente aberto do poro. A alternncia entre os dois estados

    controlada pela ligao do Ca2+ ao poro conduzindo ao intumescimento e

    consequente disfuno mitocondrial, o que ocorre perante situaes de

    sobrecarga de Ca2+. Adicionalmente, muitas so as evidncias que sugerem a

    existncia de dois modos de abertura do poro de MPT: um modo regulado e

    outro desregulado (Lemasters, 2002). As aberturas transitrias do poro de MPT

    resultam na dissipao temporria do gradiente de protes e na despolarizao

    mitocondrial (Bernardi P e tal 1998) e so dependentes do pH e permitem a

    difuso de pequenas molculas como o Ca2+ e H+. O estado de alta

    condutncia, que permite a difuso no selectiva de grandes molculas, tem

    aberturas estveis, conduzindo dissipao do e ruptura da estrutura

    mitocondrial. A importncia fisiolgica da PTM continua por esclarecer, todavia,

    em condies patolgicas, um ou vrios dos factores reguladores da PTM

    podem contribuir para alterar a susceptibilidade sua induo. Assim, a PTM

    constitui um elemento chave no controlo da viabilidade da clula

    independentemente do fentipo da morte celular verificando-se que agentes

    que previnem ou induzem a PTM regulam a vida ou morte da clula (Zoratti M

    et al., 2005).

  • - 46 -

    III - OBJECTIVOS

  • - 47 -

    III - OBJECTIVOS

    Os produtos derivados de plantas tm ganho algum relevo e,

    recentemente, foi evidenciada a aco anti-Leishmania de leos essenciais e

    de alguns dos seus constituintes.

    Dado o papel central da mitocndria nas funes celulares e a sua

    relevncia num vasto nmero de doenas, estes organelos tm sido

    considerados como um dos principais alvos teraputicos. A mitocndria tem

    uma importncia fundamental nos processos de sobrevivncia e morte celular,

    dado que essencial para a produo de ATP, atravs do processo de

    fosforilao oxidativa, sendo tambm o principal organelo responsvel pela

    formao intracelular de espcies reactivas de oxignio. Alm disso, a

    mitocndria tambm muito importante no controlo das vias de sinalizao que

    conduzem morte celular por apoptose e necrose. Assim, as alteraes na

    estrutura e funes mitocondriais podem funcionar como alvos primrios na

    avaliao da toxicidade e morte celular induzidas pelos compostos em

    avaliao.

    Assim, o objectivo deste trabalho foi estudar a actividade anti-Leishmania

    do p-cimeno, um constituinte de leos essenciais, e do seu derivado sinttico 2-

    nitro-p-cimeno, para esclarecer possveis mecanismos de aco e toxicidade

    usando a mitocndria como modelo celular.

    Assim com este objectivo geral foram realizados estudos com os

    seguintes objectivos especficos:

    Avaliar os efeitos do p-cimeno, constituinte dos leos essenciais, e do

    seu derivado sinttico, 2-nitro-p-cimeno na viabilidade celular de promastigotas

    de L. infantum;

    Avaliar os efeitos do p-cimeno e do 2-nitro-p-cimeno na morfologia e

    mobilidade dos promastigotas de L. infantum;

    Avaliar os efeitos do p-cimeno e do 2-nitro-p-cimeno na bioenergtica e

    permeabilidade transitria mitocondrial.

    Avaliar a relao funo/estrutura qumica do p-cimeno e do 2-nitro-p-

    cimeno.

  • - 48 -

    IV - MATERIAIS E MTODOS

  • - 49 -

    IV - MATERIAIS E MTODOS

    1 - Susceptibilidade de Leishmania infantum ao 2-nitro-p-cimeno e p-

    cimeno

    1.1 - Origem das estirpes e manuteno das culturas

    As culturas de promastigotas de Leishmania infantum Nicolle (zimodemo

    MON-1) foram mantidas em ambiente estril, a 26C em meio de cultura

    Roswell Park Memorial Institute (RPMI) 1640 tamponado com cido 4-(2-

    hidroxietil) piperazina-1-etanosulfnico (HEPES) suplementado com 10% de

    SFB inactivado a 56C e penicilina G (250 g/ml) e sulfato de estreptomicina

    (250 g/ml).

    1.2 - Determinao do crescimento

    Com o objectivo de definir os tempos de incubao para a realizao dos

    estudos de actividade anti-Leishmania, foi feito o estudo do crescimento

    populacional das promastigotas de L. infantum.

    Em microrganismos unicelulares o crescimento populacional envolve um

    aumento do nmero de clulas ou biomassa como consequncia do

    crescimento e da diviso celular. Os estudos de crescimento so

    representativos das condies de todas as clulas de uma populao e no de

    variaes individuais. O crescimento populacional , portanto, avaliado

    seguindo a variao do nmero de clulas ao longo do tempo como

    consequncia do crescimento ou da diviso celular. No presente trabalho, o

    crescimento de L. infantum foi avaliado por contagem de clulas totais em

    cmara de Neubaeur (Fig. 12), ao longo do tempo de incubao.

    As promastigotes de L. infantum (106 clulas/ml) foram incubadas a 26C,

    em meio de cultura RPMI 1640 tamponado com HEPES suplementado com

    10% de SFB inactivado a 56C e penicilina G (250 g/ml) e sulfato de

    estreptomicina (250 g/ml). Em intervalos de 24 horas retiram-se da estufa

    duplicados e alquotas de cada tubo foram fixadas com uma soluo de

    formaldedo 10% em PBS. A contagem do nmero de clulas totais foi

  • - 50 -

    realizada em cmara de Neubauer ao microscpio ptico. A partir da curva de

    crescimento foi calculada a taxa de crescimento e o tempo de gerao ou

    duplicao.

    Figura 12 - Cmara de Neubauer para contagem de clulas.

    1.3 - Estudos de viabilidade celular

    A viabilidade celular foi avaliada pelo teste do 3-(4,5-dimetiltiazol-2-il)-2,5-

    difeniltetrazlio (MTT) (Denizot et al, 1986). O catio do MTT um sal

    hidrossolvel de cor amarela que as desidrogenases mitocondriais reduzem a

    uma formazana insolvel de cor azul que absorve a 530 nm. O ensaio baseia-

    se no facto de que s as clulas viveis reduzem o MTT, podendo quantificar a

    extenso dessa reduo por espectofotometria a 530 nm (Fig.13)..

    Fig.13 - Reduo do brometo 3-(4,5-dimetiltiazol-2-il)-2,5-difeniltetrazlio

    (MTT) pelas desidrogenases mitocondriais.

  • - 51 -

    O 2-nitro-p-cimeno, p-cimeno foram diludos em dimetilsulfxido (DMSO)

    a 100 mg/ml e, posteriormente, em meio de cultura RPMI 1640 tamponado com

    HEPES suplementado com 10% de SFB inactivado a 56C de modo a obter

    uma gama de concentraes de 25 a 400 g/ml. A concentrao mxima de

    DMSO nos ensaios no excedeu os 0,4%, concentrao que no interfere de

    forma significativa no crescimento celular.

    As promastigotes de L. infantum (106/ml) em fase de crescimento

    logartmica foram incubadas em tubos de 1,5ml a 26C durante 24h, em meio

    de cultura RPMI 1640 tamponado com HEPES suplementado com 10% de SFB

    inactivado a 56C, na presena de vrias concentraes p-cimeno e 2-nitro-p-

    cimeno. Em paralelo e nas mesmas condies, foram realizados ensaios de

    controlo na presena do solvente (DMSO), mas sem a adio dos compostos.

    Aps as 24 horas, os tubos foram centrifugados a uma velocidade de

    2500 rpm/5 minutos, de modo a permitir a sedimentao das promastigotes. De

    seguida, o sobrenadante foi aspirado, as clulas foram lavadas com tampo

    PBS (pH 7,2) e incubadas a 37C durante duas horas com 450 l de PBS e 50

    l de uma soluo de MTT (5 mg/ml). Depois da incubao, as clulas foram

    novamente sedimentadas, o meio foi eliminado por aspirao e os cristais

    redissolvidos em 500 l de DMSO. De cada amostra foram retirados 300 l

    para uma placa de leitura tipo ELISA e a absorvncia das amostras foi lida a

    530 nm num leitor de placas (Synergy HT, Bio-TEK). Os resultados obtidos

    foram expressos em percentagem de absorvncia relativamente ao controlo.

    As experincias foram sempre realizadas em triplicado, tendo-se

    determinado a mdia e erro padro dos resultados obtidos.

    As concentraes que induzem a perda de viabilidade a 50% (IC50) foram

    obtidas por interpolao de regresses dose-resposta extrapoladas pelo

    GraphPad Prism 5.

  • - 52 -

    1.4 - Estudos morfolgicos

    Os efeitos do p-cimeno e do 2-nitro-p-cimeno na morfologia das

    promastigotes de L. infantum foram estudados em preparaes a fresco por

    microscopia ptica de contraste de fases (Eclipse E400, Nikon) acoplado com

    cmara digital (165 DN100, Nikon) e por microscopia ptica de fase normal,

    aps colorao de Giemsa.

    Os estudos a fresco permitiram avaliar a forma, o tamanho e a mobilidade

    celular utilizando a tcnica da gota pendente, na qual, as clulas no fixadas

    ficam suspensas numa lmina escavada (lmina de Koch) (Fig 14).

    Figura.14 Esquema de uma preparao em gota pendente usando a lmina

    de Koch.

    A observao dos esfregaos corados permitiram estudar as alteraes

    na morfologia e nas estruturas das promastigotas de L. infantum.

    Para os estudos morfolgicos, as promastigotas em fase logartmica

    foram incubadas durante 24h, em meio de cultura RPMI 1640 tamponado com

    HEPES suplementado com 10% de SFB inactivado, adicionadas de solues

    do p-cimeno e do 2-nitro-p-cimeno nas concentraes correspondentes ao IC50.

    Tal como nos estudos de viabilidade, os controlos foram realizados ao mesmo

    tempo e nas mesmas condies, substituindo as solues dos compostos por

    DMSO, na concentrao correspondente presente nas solues dos

    compostos. Aps o perodo de incubao, as clulas foram sedimentadas, o

    meio rejeitado e substitudo por meio de cultura fresco. Retirou-se uma alquota

  • - 53 -

    para observao microscpica directa em lmina de Koch e outra alquota foi

    usada para execuo de um esfregao e posterior colorao por Giemsa. Aps

    a execuo do esfregao, as clulas foram fixadas em metanol puro e coradas

    com uma soluo aquosa de Giemsa (1/10, V/V) durante 10 minutos, em

    seguida as lminas foram lavadas e deixadas a secar ao ar.

    2 - Avaliao dos efeitos do 2-nitro-p-cimeno e do p-cimeno na

    bioenergtica mitocondrial

    2.1 - Isolamento de mitocndrias de fgado de rato

    As fraces mitocondriais foram isoladas a partir de fgado de ratos

    Wistar, de acordo com o mtodo descrito por Gazotti e colaboradores (1979)

    com algumas modificaes. Os animais, mantidos em jejum, foram sujeitos a

    deslocamento cervical e posteriormente decapitados de forma a sangrarem

    rapidamente. O abdmen dos animais foi aberto com recurso a uma tesoura e

    o fgado foi rapidamente removido e colocado em meio de homegeneizao

    contendo 250 mM de sacarose, 10 mM de Hepes, 1 mM de EGTA, pH 7,4 e

    albumina srica bovina (BSA) deslipidificada (0,1%) (Fernandes et al., 2008).

    Com o auxlio de uma tesoura, o fgado foi rapidamente triturado e o

    sobrenadante rejeitado de forma a remover o sangue. Em seguida o tecido foi

    ressuspenso em cerca de 60 ml de meio de homogeneizao e transferido para

    um homogeneizador de vidro tipo Potter-Elvejhen. Com o recurso a um pisto

    de teflon ligado a um berbequim, a suspenso foi homogeneizada por 6 cursos

    do pisto a 250 rpm. A suspenso foi transferida para dois tubos de centrfuga

    equilibrados que foram centrifugados a 4C durante 10 minutos a uma

    velocidade de 2500 rpm. O sobrenadante foi ento transferido para novos

    tubos e centrifugado a 10000 rpm durante 10 minutos a 4C, obtendo-se assim,

    um sedimento composto pela fraco mitocondrial. O sobrenadante foi

    eliminado por aspirao e o sedimento ressuspenso em 1 ml de meio de

    lavagem constitudo por 250 mM sacarose, e 10 mM de Hepes com pH de 7,2

    (Fernandes et al., 2008). A suspenso mitocondrial foi transferida para novos

    tubos de centrfuga e diluda em 45 ml de meio de lavagem seguida de duas

  • - 54 -

    centrifugaes sequenciais de 10000 rpm durante 10 minutos a 4C. A fraco

    mitocondrial purificada foi ressuspensa em 2 ml de meio de lavagem e mantida

    num eppendorff a 4C ao longo dos ensaios experimentais.

    2.2 - Determinao da concentrao de protena

    A concentrao de protena da fraco mitocondrial foi determinada pelo

    mtodo colorimtrico do biureto (Gornall et al., 1949). A reaco do biureto

    permite a determinao quantitativa de protenas por formao de um quelato

    de cobre com ligaes peptdicas da protena a pH alcalino apresentando uma

    colorao violeta e absorvncia a 550 nm. A reduo do Cu(II) a Cu(I)

    acompanhada por uma mudana de cor, consoante o contedo proteico da

    amostra. A concentrao de protena foi ento quantificada atravs de uma

    curva de calibrao construda a partir de padres de BSA. Assim, cerca de 50

    l da suspenso mitocondrial foram colocados num tubo de ensaio contendo

    0,95 ml de uma soluo de NaCl e 25 l de SDS a 20%. Em simultneo foram

    tambm preparados os padres de BSA com um volume final de 2 ml acertado

    com NaCl e SDS a 20%. Aps a preparao de todos os tubos foram

    adicionados a cada um deles 1,5 ml de reagente de biureto, estes foram

    incubados a 37C durante 20 minutos e a absorvncia lida a 550 nm.

    2.3 - Determinao do consumo de oxignio

    O consumo de oxignio mitocondrial associado fosforilao de ADP foi

    avaliado temperatura de 30C, recorrendo a um elctrodo de oxignio tipo

    Clark (YSI Model 5331, Yellow Spring Instruments) ligado a um registador e o

    elctrodo foi calibrado de acordo com Rickwood e colaboradores (1987). Os

    ensaios foram realizados numa cmara de reaco e a suspenso

    mitocondrial, composta por 1 mg de protena diluda em 1 ml de meio de

    respirao contendo 130 mM de sacarose, 50 mM de KCl, 2,5 mM de MgCl2,

    0,1 mM de EGTA, 5 mM de KH2PO4 e 10 mM de Hepes com pH 7,4, foi

    mantida sob agitao ao longo dos ensaios.

  • - 55 -

    Os ensaios foram iniciados com a adio de 5 mM glutamato/ 2,5 malato,

    substrato respiratrio que induz um pequeno aumento no consumo do oxignio

    pelas mitocndrias (estado 2 da respirao), aps cerca de 1 minuto foram

    adicionadas 150 nmoles de ADP suspenso, o que originou, nas situaes

    controlo, um aumento acentuado no consumo de oxignio (estado 3 da

    respirao). Aps o consumo de todo o ADP adicionado, o consumo de

    oxignio pelas mitocndrias retornou para valores prximos do inicial (estado 4

    da respirao). Em seguida foram adicionados mais 150 nmol de ADP

    imediatamente seguida da adio de oligomicina 1 M (estado 4 oligomicina)

    que bloqueia a fraco F0 da ATP sintase e nos permitiu avaliar a fuga de

    electres atravs desta. Para finalizar os ensaios, adicionou-se FCCP (ionforo

    de protes) 1 M suspenso (estado 4 FCCP). Na presena deste

    dissociador da fosforilao oxidativa, a permeabilidade da membrana

    mitocondrial aos protes mxima e, consequentemente, os consumos de

    oxignio so fortemente estimulados, pelo que, variaes na velocidade de

    consumo de oxignio registadas aps a adio do FCCP so indicadoras de

    que poder existir perturbaes no sistema de transporte de electres.

    Para avaliao dos efeitos dos compostos no consumo de oxignio, as

    suspenses mitocondriais foram previamente incubadas com as diferentes

    concentraes dos vrios compostos durante 3 minutos antes do incio da

    energizao com o substrato respiratrio.

    A velocidade do consumo de oxignio foi calculada para cada estado da

    respirao, tendo por base a calibrao do elctrodo que foi feita de modo a

    que a concentrao de oxignio de 240 nmoles/ml de meio de respirao, a

    30C, correspondesse a 300 mm de papel de registador. Os resultados obtidos

    a partir destes ensaios permitiram-nos determinar, o ndice de controlo

    respiratrio (ICR) que avalia a integridade das mitocndrias e calculado pelo

    quociente entre a velocidade de consumo de oxignio na presena de ADP

    (estado 3) e a velocidade de consumo de oxignio aps o consumo do ADP

    adicionado (estado 4). A eficincia fosforilativa calculada pelo quociente entre

    o ADP adicionado e a quantidade e oxignio consumido para o fosforilar.

  • - 56 -

    2.4 - Determinao do potencial de membrana das mitocndrias

    O potencial de membrana mitocondrial () foi determinado

    indirectamente com um elctrodo de tetrafenilfosfnio (TPP+) selectivo ao

    catio lipoflico TPP+ e como elctrodo de referncia foi usado o elctrodo de

    calomelanos (Ag/AgCl2) (modelo MI 402; microelctrodos, Inc., Bedford, NH).

    Os elctrodos foram ligados a um aparelho de pH (Crison micro pH 2001) e o

    sinal correspondente diferena de potencial gerada entre os elctrodos foi

    debitado num registador Kipp & Zonen, aps ter passado por um circuito de

    compensao de voltagem basal.

    O potencial de membrana calculado assumindo que a distribuio do

    TPP+ entre a mitocndria e o meio respeita a equao de Nernst, como o

    descrito por Kamo e colaboradores (1979), de acordo com a seguinte equao:

    (mV) = 59 log (v/V) 59 log (10 E/59 1),

    em que v, V e E representam, respectivamente, o volume mitocondrial, o

    volume do meio de incubao e a deflexo do potencial de elctrodo desde a

    linha basal. Como volume da matriz mitocondrial foi tomado o valor de 1,1

    l/mg de protena (Massini et al., 1984).

    A determinao do potencial foi efectuada numa cmara de reaco

    aberta, termostatizada a 30C, em 1 ml de meio de reaco contendo 130 mM

    sacarose, 50 mM KCl, 2,5 mM MgCl2, 0,1 mM EGTA, 5 mM KH2PO4, 5 mM

    HEPES a pH 7,4 (Fernandes et al., 2008) suplementado com 3 M TPP+ e 5

    mM glutamato/2,5 mM malato. As reaces foram iniciadas por adio das

    mitocndrias isoladas de fgado (1 mg protena) permitindo o desenvolvimento

    do potencial mximo de polarizao (Fig.15 Polarizao) sendo a

    despolarizao induzida por adio de 150 nmoles de ADP. Aps a fosforilao

    de todo o ADP adicionado ocorre a repolarizao da membrana mitocondrial

    interna e o restabelecimento do potencial membranar (Fig.15-Repolarizao).

  • - 57 -

    Figura 15 - Representao esquemtica de um registo tpico obtido a partir de

    experincias com elctrodo de TPP+

    3 - Avaliao dos efeitos do 2-nitro-p-cimeno e do p-cimeno na

    permeabilidade transitria mitocondrial

    A sonda Clcio Green 5-N uma sonda flourescente especfica para o

    clcio, de tal forma que a intensidade de fluorescncia ser proporcional

    quantidade de clcio presente ou libertado para o meio por induo da PTM.

    As reaces decorreram em cuvetes de espectrofluorimetria, a 30C e sob

    agitao contnua. A suspenso mitocondrial (0,25 mg/ml) foi adicionada a 2 ml

    de meio de reaco composto por 200 mM de sacarose, 1 mM de KH2PO4, 10

    M de EGTA, 10 mM de Tris-Mops, a pH 7,4 o qual foi suplementado com

    rotenona (2 M) oligomicina (0,5 mg/ml) e Calcium-Green (100 M)

    A observao e registo dos movimentos de clcio foi feita tendo por base

    a emiso de flourescncia da sonda quando ligada ao clcio. A monitorizao

    foi realizada pela emisso de fluorescncia usando um de excitao de 506

    nm (fenda 4 m) e um de emisso de 531 nm (fenda 10 nm) utilizando um

    espectrofluormetro Perkin Elmer LS-50 B. Esta avaliao da fluorescncia foi

    feita durante um minuto na ausncia de clcio e substratos respiratrios

    Polarizao Repolarizao

    Despolarizao

  • - 58 -

    (obteno de uma linha basal), aps o qual foi adicionado o clcio. Decorrido

    mais um minuto, as mitocndrias foram energizadas com succinato (5 mM)

    seguido de cerca de 10 minutos de monitorizao contnua. Os compostos em

    estudo e a CyA foram adicionados suspenso de membranas e incubados

    durante 3 minutos antes da adio do clcio.

    4 - Avaliao de efeitos do 2-nitro-p-cimeno e do p-cimeno na integridade

    das mitocndrias

    Para esclarecer os efeitos do 2-nitro-p-cimeno e do p-cimeno na

    integridade da membrana mitocondrial, foram avaliadas as variaes dos

    volumes osmticos por monitorizao espectrofotomtrica da absorvncia

    aparente da suspenso a 540 nm, num espectrofotmetro Perkin-Elmer,

    lambda 6 UV/VIS (Custdio et al., 1998). As experincias decorreram em 2 ml

    de meio de respirao contendo sacarose 130 mM, KCl 50 mM, MgCl2 5 mM,

    EGTA 0,1 mM, KH2PO4 5 mM e HEPES 5 mM, pH 7,4, suplementado com

    rotenona 2 M. A suspenso mitocondrial (1 mg) foi adicionada ao meio de

    respirao na presena de substratos respiratrios, temperatura de 30 C e

    sob agitao magntica constante, tendo sido feita a leitura contnua da

    absorvncia a 540 nm durante 30 minutos. Para esclarecer os efeitos dos

    compostos, a suspenso de mitocndrias foi incubada durante 3 minutos na

    ausncia (controlo) e na presena de diferentes concentraes de 2-nitro-p-

    cimeno e do p-cimeno, antes de iniciar a leitura da absorvncia a 540 nm.

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