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«PERFIL» Novo rosto do Esporão Perto de fazer 40 anos, o sangue novo do Esporão levou-o a expandir-se para além do Alentejo e a exportar cada vez mais. Texto José Miguel Dentinho, Foto Paulo Alexandrino O Quando a família Roquette voltou do Brasil, onde estava desde 1976, João Ro- quette, o atual administrador-delegado da Esporão, tinha 5 anos de idade e falava português com sotaque brasileiro. Nessa altura, a Herdade do Esporão tinha re- gressado às mãos dos então dois proprietá- rios, o pai, José Roquette, e Joaquim Ban- deira, depois da ocupação e intervenção do Estado em 1975. Mas a operação implicou a assinatura de um acordo entre o Espo- rão e a Adega Cooperativa de Reguengos que obrigava a herdade a entregar as uvas aquela associação durante dez anos. O "ne- gócio" acabou por ser bom, porque a uva era escoada e paga a bom preço e a tempo e horas. Ao mesmo tempo, e com o apoio da Universidade de Évora, imaginavam um vinho que tivesse qualidade e mercado. Em maio de 1987, quando faltavam dois anos para o fim do contrato, deu-se o divórcio entre o Esporão e a Adega Coo- peraLiva, numa altura em que havia muitas toneladas de uva para vindimar e vinifl- car. Foi necessário construir uma adega de raiz em tempo recorde e começar a lançar os vinhos no mercado. Nesta altura, João Roquette estava no liceu, e sentia- se divi dido entre duas coisas que gostava muito de fazer. Por um lado, interessava- se pela atividade do pai. "Era mais a vida dele e não tanto o projeto do Esporão, que cami- nhava um pouco em paralelo com a ativi- dade que tinha na altura no Banco Totta & Açores, no grupo de empresas que co- meçou e no Sporting Clube de Portugal" , diz João Roquette. Mas também gostava de música, paixão que diz ser partilhada por todos os membros da sua família, que tocam pelo menos um instrumento. A gestão ea música Quando chegou a altura de escolher o fu- turo e decidir que curso iria tirar, o pai sugeriu-lhe experimentar Gestão. Entrou para o Instituto Superior de Gestão em 1992. Pelo meio fez um Erasmus em Gre- noble. França, terminando a faculdade cinco anos depois. Em paralelo, nunca deixou de tocar em bandas com amigos. O instrumento preferido era a guitarra, apesar de tocar um pouco de tudo. Após três meses de sabática, em Itá- lia, um amigo telefonou-lhe de Londres a informá-lo de que a Merrill Lynch es- tava a contratar pessoas. O banco de in- vestimento queria contratar portugueses perante a iminência de privatizações e lançamentos em Bolsa que iriam ocorrer em Portugal, serviço que até então era realizado através de Espanha. Esteve na empresa duranle três anos, dos quais dois em Londres e um em Madrid. "Passaram -se rapidamente, porque a atividade era muita e absorvente, crialiva e moiivante", diz João Roquetle, que se cruzou na Merrill Lynch com Zeinal Bava, o atual CEO da PT e Manuel Rosa da Silva, administrador da PT. "Fizemos a compra do BPA pelo BCP e operações internacionais como o ?

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«PERFIL»

Novo rostodo EsporãoPerto de fazer 40 anos, o sangue novo do Esporão levou-o a

expandir-se para além do Alentejo e a exportar cada vez mais.

Texto José Miguel Dentinho, Foto Paulo Alexandrino

O Quando a família Roquette voltou do

Brasil, onde estava desde 1976, João Ro-

quette, o atual administrador-delegadoda Esporão, tinha 5 anos de idade e falava

português com sotaque brasileiro. Nessa

altura, a Herdade do Esporão já tinha re-

gressado às mãos dos então dois proprietá-rios, o pai, José Roquette, e Joaquim Ban-deira, depois da ocupação e intervenção do

Estado em 1975. Mas a operação implicoua assinatura de um acordo entre o Espo-rão e a Adega Cooperativa de Reguengos

que obrigava a herdade a entregar as uvas

aquela associação durante dez anos. O "ne-

gócio" acabou por ser bom, porque a uvaera escoada e paga a bom preço e a tempoe horas. Ao mesmo tempo, e com o apoioda Universidade de Évora, imaginavam umvinho que tivesse qualidade e mercado.

Em maio de 1987, quando faltavamdois anos para o fim do contrato, deu-seo divórcio entre o Esporão e a Adega Coo-

peraLiva, numa altura em que havia muitastoneladas de uva para vindimar e vinifl-car. Foi necessário construir uma adega de

raiz em tempo recorde e começar a lançaros vinhos no mercado. Nesta altura, João

Roquette estava no liceu, e sentia- se dividido entre duas coisas que gostava muitode fazer. Por um lado, interessava- se pelaatividade do pai. "Era mais a vida dele e

não tanto o projeto do Esporão, que cami-nhava um pouco em paralelo com a ativi-dade que tinha na altura no Banco Totta& Açores, no grupo de empresas que co-

meçou e no Sporting Clube de Portugal" ,

diz João Roquette. Mas também gostavade música, paixão que diz ser partilhadapor todos os membros da sua família, quetocam pelo menos um instrumento.

A gestão e a música

Quando chegou a altura de escolher o fu-turo e decidir que curso iria tirar, o paisugeriu-lhe experimentar Gestão. Entrou

para o Instituto Superior de Gestão em1992. Pelo meio fez um Erasmus em Gre-noble. França, terminando a faculdadecinco anos depois. Em paralelo, nuncadeixou de tocar em bandas com amigos.O instrumento preferido era a guitarra,apesar de tocar um pouco de tudo.

Após três meses de sabática, em Itá-lia, um amigo telefonou-lhe de Londresa informá-lo de que a Merrill Lynch es-tava a contratar pessoas. O banco de in-vestimento queria contratar portuguesesperante a iminência de privatizações e

lançamentos em Bolsa que iriam ocorrerem Portugal, serviço que até então erarealizado através de Espanha. Esteve na

empresa duranle três anos, dos quais dois

em Londres e um em Madrid. "Passaram

-se rapidamente, porque a atividade eramuita e absorvente, crialiva e moiivante",diz João Roquetle, que se cruzou na Merrill

Lynch com Zeinal Bava, o atual CEO da PT

e Manuel Rosa da Silva, administrador da

PT. "Fizemos a compra do BPA pelo BCP

e operações internacionais como o ?

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?¦ lançamento em Bolsa da Telepizza eacompra da argentina YPF pela Repsol", no

início de 1999. Eram projetos de três me-

ses, muitos deles a trabalhar com equipasdiversas em culturas, cenários e indústrias

diferentes, o que lhe deu muita experiên-cia e à vontade para olhar estrategicamentee valorizar situações potenciais de negócio.

Quando Zeinal Bava saiu para a PT Multi-media, João Roquette, então com 27 anos,

sentiu que tinha de fazer outra coisa.

Das cidades à herdade

Fez um interregno de três meses, em queainda realizou algumas entrevistas embancos. Mas rapidamente percebeu queera a altura de resolver a questão da mú-sica. Com um amigo que estava estudar

produção musical em Boston, montouuma editora e um estúdio de gravação emBarcelona, que ainda hoje existe, mas no

Porto. Chama-se Meio Fumado Fonogra-mas e edita desde música eletrónica a jazz,hip hop, música contemporânea.

Estava-se em 2004, quando voltou emdefinitivo para Portugal e instalou-se no

Esporão. Vivera os últimos sete anos em ci-

dades como Londres, Madrid e Barcelona

e procurava um ambiente mais calmo.

Aproveitou para conviver mais com os

pais, que passam parte da semana na her-dade. Começou a fazer perguntas sobre os

negócios a José Roquette e a dar sugestões.O pai disse-lhe que o local ideal para isto

era conselho de administração do Esporão,até porque a entrada de sangue novo na

empresa era salutar.

Começou por participar nas reuniões

uma vez por mês. Foi com um dos projetos

que propôs, que se começou a aprofundara sua ligação à empresa. "Era essencial-

mente de contabilidade analítica, e incluía

a medição do impacto das operações exis-

tentes no ciclo produtivo de cada marcade vinho, para perceber as diferenças de

valor entre as várias referências", explicaJoão Roquette. Quando o projeto foi aceite

foi-lhe proposta a gestão do mesmo. Nessa

altura, trabalhou diretamente com DiogoCorreia Mendes, hoje administrador fi-nanceiro do Esporão, e a Accenture. O

projeto, pela sua natureza, implicou o co-nhecimento de toda a empresa, desde as

pessoas aos processos de trabalho. Segui-ram-se outros projetos até que João Dotti,

administrador-delegado da empresa há

mais de uma década, foi liderar a Nutri-cafés, em 2006, e sugeriu João Roquettecomo seu substituto na gestão do Esporão.João Roquette decidiu fazer um projeto a

cinco anos e apresentá-lo aos pais, José

Roquette e Margarida Mendonça Roquette,e aos seis irmãos. A reação positiva da fa-mília e a sua consequente nomeação parao cargo de CEO, levaram à sua execução.

Os planos do novo CEO

Este plano apostava essencialmente na

conquista de quota de mercado em Por-

tugal no offtrade, medida pela consultora

Nielsen. Em 2006, o Esporão não era líder,detendo uma parcela de 3,4%. A verdade

é que a empresa atingiu a liderança em

Portugal, em 2008, com 6% de quota do

mercado Nielsen em valor, o que repre-senta a venda de cerca de 8 milhões de

garrafas. Este resultado deveu-se princi-palmente à marca Monte Velho, que temem Portugal um preço acima da média do

mercado para a gama.O segundo objetivo era acelerar o pro-

cesso de internacionalização do Esporão,

que já exportava 26% do que produziae queria atingir 40% no final de 2011. O

objetivo de exportação também foi atin-

gido, uma vez que a empresa vai colocar

no mercado externo 50% das suas vendas.

O terceiro objectivo, era assumir a

vocação de produtores de azeite de qua-lidade e atingir 3% de quota do mercado

em vaJor das vendas em Portugal. Chegouaos 270, tendo, no entanto, a liderança na

categoria premium, ou seja, dos azeites

que vendem acima dos 4 euros por garrafade 0,75 litros.

Para fazer face à situação de crise,a empresa fez um estudo profundo dos

mercados para definir estratégias e tomarboas decisões. Também foi efetuado umtrabalho em 2006 onde foram identifica-dos alguns atributos que os consumidores

valorizam nos vinhos. Foi a base para o po-sicionamento mais claro de cada uma das

marcas da empresa. Hoje, a marca Esporãoé o porta-estandarte, "até porque repre-senta todos os valores do projeto", diz João

Roquette. O seu Reserva chega a vender

mais de 600 mil garrafas por ano, a umpreço médio de 16 euros cada uma. Os mo-novarietais, produzidos em muito menor

quantidade, visam reforçar a notoriedadeda empresa como produtora de vinhos de

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excelência. Passados 20 anos, "o MonteVelho está a evoluir de uma marca do dia

a dia para ser uma referência de ocasiões

especiais", salienta João Roquette. Já a Vi-nha da Defesa tem um posicionamento "de

certa forma inovador, principalmente em

Portugal. Explora o ambiente mais urbanoà volta do vinho. Bebe-se à noite, a copo,com tapas, sushi, num ambiente mais des-

contraído e cultural". O Alandra é o filhomais novo da gama e concorre com as mar-cas brancas, sendo, por isso, sensível no

preço. As oscilações de cêntimos corres-

pondem a variações de volumes de vendabruscas e elevadas. É algo que tem de ser

gerido de maneira muito tática do pontode vista comercial, defende João Roquette.

O Esporão sempre esteve de olho noDouro, pois este tem condições excecio-nais para fazer vinhos, possui grandenotoriedade internacional e o vinho doPorto é um produto importante no por-tefólio para o mercado externo. Mas João

Roquette sempre achou que queria iniciar

HISTÓRIA

Herdadedo EsporãoEm 1972, Joaquim Bandeira

propõe a José Roquette, na alturadirector do Banco Espírito Santo

e Comercial de Lisboa, que estefinancie o projecto para a produçãode vinhos de qualidade, do

género dos chateaux franceses.

Entusiasmado, e após a recusa

do banco em apoiar a ideia,José Roquette decidiu investir

pessoalmente. Joaquim Bandeira

tinha uma longa experiênciana Sociedade Abel Pereira da

Fonseca, uma das maiores firmasarmazenistas e exportadoras da

altura em Portugal. Os dois sócios

adquiriram a Herdade dos Esporãoem 1973. Era uma propriedade de

1873 hectares, cujos limites tinhamsido fixados em Maio de 1267.

um projeto de raiz, e, em 2008, adquiriu a

Quinta dos Murças. Está a ser preparadapara produzir cerca de 800 mil litros de

vinho em velocidade de cruzeiro por ano,o que ocorrerá a partir de 2018 a 2020.

Os 20 mercados-chave

Apesar de o Esporão vender vinhos paracerca de 50 países, somente trabalha ati-vamente 20. Para lá de Portugal, Brasil,Estados Unidos e Angola, os principaismercados do Esporão, outros como a

Suíça, Canadá, Holanda, Bélgica e a Ale-manha estão a ser trabalhados de formamais próxima. Entre os asiáticos, "os maisinteressantes são, sem dúvida, a China, o

Japão e a Coreia do Sul, que começam a teruma base de consumidores interessante ao

nível do mass market", diz João Roquette.Para este gestor hoje há mais para fa-

zer do que na altura em que assumiu o

cargo. Afinal, vender vinho português nomercado mundial não é fácil. Mas tem de

ser feito fator. O

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