Upload
phungkhanh
View
216
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
Aspirante(FN) Murilo Nogueira Rocha
Aspirante Bruno Francesco Farignole Dall'Antonia
Aspirante(IM) Raquel Moura de Souza
Aspirante Luis Guilherme Tosta Montez
Aspirante Rafael Maganha Ribeiro
Novos desafios acerca da securitização do Atlântico Sul
Instituição de Ensino: Escola Naval
1 Apanhado histórico do Atlântico Sul durante e após a Guerra Fria
Realizando uma análise histórica da importância do Atlântico Sul quanto as questões
internacionais, observamos, no contexto da Guerra Fria, que a sua mais importante
contribuição foi no que diz respeito ao transporte de recursos econômicos, à ligação
comercial entre os países da região e à prospecção de recursos naturais, principalmente o
petróleo. Nesse caso, entendemos o porquê de tamanha estima desde sempre dada pelos
países do hemisfério norte ao Atlântico Sul. Desde aquela época, os benefícios que este mar
fornecia sempre foram almejados por países do norte, em especial pelos Estados Unidos da
América (EUA) e pelo Reino Unido. Com isso, inúmeras foram as ferramentas utilizadas por
estes para estender suas respectivas esferas de influência sobre os países do sul. Como
exemplos, podemos citar o TIAR, o OTAS, o “Simonstown Agreement” e a Guerra das
Malvinas.
1.1 O Tratado Interamericano de Assistência Recíproca
Os EUA, baseado na política de “boa vizinhança”, criada por Roosevelt, e na ideia de
serem os defensores das Américas, propuseram o TIAR, ou Tratado Interamericano de
Assistência Recíproca, que tem como fundamento básico o apoio mútuo entre todos os países
do continente americano. Se algum dos países da América fosse atacado por um Estado
externo, este obteria apoio bélico imediatamente. Porém, ao analisarmos a fundo o que
realmente foi o tratado, concluímos que só um lado foi beneficiado com ele.
No decorrer dos anos após o firmamento do tratado, somente os EUA foram
auxiliados pelo restante dos países do continente e não somente de forma militar, mas
também econômica. O país utilizou-se dos recursos dos outros Estados americanos para
fortalecer a própria economia e o poderio militar. Isso fica claro no relatório do secretário de
Defesa, escrito para o Conselho de Segurança Nacional em 31 de agosto de 1949: “a
segurança do hemisfério ocidental e nosso [EUA] acesso aos recursos do hemisfério, que
sejam essenciais a qualquer projeção transoceânica de um maior poder ofensivo dos Estados
Unidos”.
Uma breve análise aos eventos e cooperações realizados após a criação do TIAR,
demonstram que este atuou de maneira incessante como instrumento de ampliação e garantia
da esfera de influência estadunidense sob o continente americano e o oceano Atlântico. De
fato, o Tratado atendeu muito mais aos interesses de Washington D.C. do que aos dos demais
países. Tal exposição se exemplifica na situação vivida pela Argentina durante a Guerra das
Malvinas em 1982 (a qual será descrita posteriormente neste artigo).
1.2 O Tratado de Simonstown
Este tratado foi assinado em 1955 entre África do Sul e Inglaterra e possuía termos
parecidos com o tratado descrito anteriormente. O Reino Unido iria auxiliar no
aprimoramento da força naval sul-africana e produziria navios para estes. Por sua vez, a
Inglaterra, basicamente, obteria acesso ao território africano para montar suas bases militares,
ampliando sua influência no Atlântico Sul. Além disso os ingleses conseguiram um
comprador fixo para suas embarcações.
Os termos acordados se faziam válidos tanto durante períodos de paz como em
períodos de guerra, porém não legislavam sobre a existência de auxílio de defesa mútuo entre
ambos no caso de um ataque contra um dos Estados. A explicação para isto deve-se ao
desinteresse inglês em acordar termos que em um curto e médio prazo poderiam resultar em
mais preocupações do que conquistas para a política externa britânica. Mostra-se
notoriamente que o Tratado de Simonstown, tal como o TIAR para os Estados Unidos,
demonstra sua importância para o Reino Unido como instrumento de extensão de sua zona de
influência sobre o Oceano Atlântico.
1.3 OTAS
A Organização do Tratado do Atlântico Sul foi uma proposta Argentina, levantada em
1977, de organização de um sistema de defesa integrado do Atlântico Sul, visando uma
integração entre os países dessa região. A proposta recebeu um forte apoio norte-americano,
os quais estabeleceram as bases teóricas do projeto, com as divisões dos setores de
patrulhamento e proteção. Porém, os EUA não se viam dispostos a auxiliar mais do que isso,
pois não forneciam aos seus parceiros uma assistência naval suficiente, que lhes permitisse
cumprir as determinações confiadas. Por isso, mais uma vez tinha-se a visão de que os EUA
somente buscavam expandir sua área de influência, mantendo-se como a potência marítima
local às custas das outras nações. O Brasil refutou a proposta, defendendo a ideia de que a
Organização levaria a uma corrida armamentista na região, além de deixar claro que não
teriam como mantê-la no contexto global da época sem o apoio integral dos EUA. Com o
início da disputa pelas Ilhas Malvinas, a organização logo se desmantelou, porém a ideia da
OTAS logo viria a gerar frutos futuros, com a criação, por parte do Brasil, da Zona de Paz e
Cooperação do Atlântico Sul(Zopacas), que será abordada futuramente.
1.4 Guerra das Malvinas
O evento confirma quanta importância os países do norte davam às regiões próximas
ao Atlântico Sul. Em 1982, a Argentina, alegou que as Ilhas Malvinas pertenciam a ela desde
1800 devido à acordos bilaterais da época. Esta decide tomar para si o domínio das ilhas e
aproveita a escassez de atuação inglesa na região para invadi-las.
Após verem os danos que teriam no que tange à influência no Atlântico Sul, a
Inglaterra, rapidamente, envia um grande contingente de meios navais para realizar a
retomada das ilhas. No final, a nação britânica consegue recuperar seu território, mantendo
sua área de influência. Importante relembrar que os EUA apoiam o Reino Unido,
desprezando o que foi acordado no TIAR, o que deixa claras as intenções de ambas as
nações. No jogo político, influência é poder.
2. Atuação brasileira na defesa do Atlântico Sul
O Brasil é o país com a maior costa voltada para o Atlântico Sul, o que tem direta
consequência em sua respectiva economia e relacionamento com outros Estados. Como
consequência de nossos 7,4 mil km de costa, angariamos a enorme responsabilidade de zelar
por essa enorme região, se quisermos continuar a realizar tanto a prospecção de seus minerais
como praticamente todo o nosso comércio marítimo (aproximadamente 95%). Este comércio
tem se tornado cada vez mais restrito ao Atlântico, visto que as antigas Linhas de
Comunicação Marítima, mais especificamente os canais do Suez e do Panamá, não suportam
mais as grandes embarcações de carga, assim como os enormes petroleiros.
Sendo assim, temos o Atlântico Sul emergindo cada vez mais no cenário político
internacional. Consequentemente, aquele que possuir grande influência neste, poderá dominar
todo o comércio local. Tendo essa informação em mente, já observamos a nação norte-
americana articulando suas forças para o sul, com a reativação da IV Frota, o que contribui
para o sentimento de insegurança do Brasil e de muitos outros países. Dessa forma, a
exigência de uma Marinha forte torna-se cada vez maior, visto que são necessárias ainda mais
ações de patrulhamento da região, mesmo que seja somente de forma dissuasiva. Porém,
adverso a isso, temos a política, articulada pelo Brasil, da ZOPACAS.
A Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul foi criada em 1986, principalmente,
como forma de negar a viabilização de acordos bilaterais e projetos que surgiram com o final
da 2° Grande Guerra, sendo uma importante ferramenta de expansão da influência brasileira e
fortalecimento político na região do Atlântico. Porém, todo esse planejamento esbarra em um
ponto crucial da política brasileira acerca da ZOPACAS, que é quanto ao seu discurso de não
militarização do Atlântico Sul. Torna-se impraticável pensar em manter uma hegemonia sobre
uma região tão vasta sem possuir a disposição uma força militar preparada. Não se deve
buscar os conflitos armados, mas o investimento em poderio bélico, de forma a dissuadir
possíveis tentativas de alocação de forças navais estrangeiras em nossas proximidades,
apresenta-se como uma necessidade.
Essa política afeta diretamente as perspectivas brasileiras de obtenção dos recursos
minerais existentes neste mar. Com o avanço de nossas tecnologias e o investimento nos
setores de prospecção, fomos capazes de encontrar novas fontes de petróleo em nossa costa, a
chamada camada de pré-sal. Com isso, mais olhos se voltavam para essa região, no intuito de
também aproveitarem uma parcela destes recursos. Por isso é tão importante possuirmos uma
força militarizada preparada e eficaz. Não se pode mais contar com as boas intenções de
nações vizinhas, já que, quando se trata da sobrevivência, a "boa vizinhança" torna-se
obsoleta e os jogos político-militares entram em cena.
Nesse intuito, o Brasil já vem buscando garantir seu espaço legal através de meios não
belicosos, por intermédio da Convenção das Nações Unidas para o Direito no Mar. Neste
contexto, a nação brasileira solicitou à Organização Marítima Internacional (OMI) a
ampliação de seu território marítimo, provando com argumentos geológicos que nossa
Plataforma Continental se expande além de nossa Zona Econômica Exclusiva. Com isso, o
Brasil está no caminho para se garantir contínua extração de recursos, a qual, relembra-se,
tornar-se-á impraticável, caso não se tenha meios de protegê-los e mantê-lo.
Mais voltado agora para o desenvolvimento interno com foco em ampliação da
influência nacional externa, podemos citar, rapidamente, 3 outros projetos da Marinha do
Brasil, que são, basicamente, o tripé de sua política desenvolvimentista para a atuação no
Atlântico Sul: o Programa Nuclear da Marinha (PNM), o Núcleo de Poder Naval e o brilhante
SisGAAz,
O PNM foi iniciado em 1979 e tem como foco aprimorar as tecnologias nacionais,
capacitando-nos à exploração das fontes de energias nucleares existentes em abundância no
nosso território. O programa atua em 2 vertentes principais, que são a produção de
combustível e de energia elétrica. Já o Núcleo de Poder Naval visa a aquisição e
modernização das capacidades operativas e meios navais brasileiros, o que ampliará a
capacidade de emprego do Poder Naval para a salvaguarda dos nossos interesses nas áreas
marítimas sobre nossa responsabilidade. É visível que a aplicação prática desses programas,
na questão da segurança no Atlântico Sul, materializa-se na produção dos submarinos
nucleares, meio naval que nos vai colocar em um patamar mais alto no que tange ao setor de
defesa.
Quanto ao Sistema de Gerenciamento da Amazônia Azul,(termo cunhado pelo
Almirante de Esquadra Roberto de Guimarães Carvalho, o qual se refere à Zona Econômica
Exclusiva brasileira) consiste de "um conjunto de sistemas que tem como objetivo ampliar a
capacidade de monitoramento e controle das águas jurisdicionais e das regiões de busca e
salvamento sob responsabilidade do Brasil". Ou seja, as ações da Marinha do Brasil tornam-
se completas, visto que passamos a atuar nas 3 possíveis frentes de ação no que diz respeito
ao Atlântico Sul: no monitoramento, na proteção e no incentivo à prospecção de recursos.
3. Riquezas minerais do Atlântico Sul
Uma das maiores riquezas minerais existentes na bacia hidrográfica brasileira, o
petróleo possui imensa importância na economia de qualquer país. Sendo assim, imensa
importância assume também o Atlântico Sul nesse contexto, dada a descoberta das camadas
de pré-sal pelas agências de prospecção brasileiras. Esta descoberta fez com que, de 2010 a
2014, a média de extração brasileira de petróleo aumentasse 12 vezes, nos aproximando dos
prospectores de petróleo do Oriente Médio. Porém, ainda assim, inúmeros embargos sempre
acabam sendo impostos, que dificultam a obtenção desses recursos, sejam eles discursos de
ambientalistas ou de outras nações, dizendo também possuir direitos de coletar esses
recursos.
Exemplo da situação descrita acima é a relação entre o governo brasileiro e a
Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos (International Seabed Authority - ISA), órgão
vinculado à ONU responsável pelo leito marinho e a exploração deste. Segundo o ISA, o
assoalho marinho, além das jurisdições nacionais de cada país deve ser considerado como
parte do patrimônio da humanidade. Desta maneira, a utilização por parte do Estado
brasileiro da chamada Elevação do Rio Grande, a 1500 quilômetros da costa brasileira, não
seria possível. Todavia, a constatação feita pelo Serviço Geológico do Brasil sobre a
existência de rochas continentais na região da Elevação, abriu margem para a requisição
brasileira de exploração da área, sob o pretexto de se tratar de uma possível continuação da
plataforma continental brasileira. Então, em 2014, a proposta brasileira sobre a exploração do
Elevado sobressaiu-se perante as demais, devido à integração entre os setores políticos,
ambientais e geológicos, acarretando na permissão da ISA permitiu ao Brasil a exploração
mineral dessa área no decorrer de 15 anos.
Esse é só um dos exemplos da atuação brasileira quanto à prospecção mineral no
Atlântico Sul, porém, nas últimas décadas, temos formulado um plano estratégico de
exploração destes recursos. Nossa principal medida foi a criação do LePlaC, ou
Levantamento da Plataforma Continental, que deu origem ao Programa de Prospecção e
Exploração do Atlântico Sul e Equatorial(PROAREA), que tem como principal finalidade a
identificação e avaliação da potencialidade mineral de áreas com importância econômica e
político-estratégica para nosso país. Além disso, também providencia informações técnicas,
econômicas e ambientais necessárias para desenvolver atividades de exploração mineral e
gestão ambiental. Também serve como ferramenta de ampliação da presença brasileira no
Atlântico Sul, visto que o Elevado tem sido visitado por nações estrangeiras, como Alemanha
e Rússia, o que não vem a ser uma novidade.
Isso só comprova, novamente, como a atuação das nossas forças militares é
necessária. Seja em questões políticas, econômicas, ambientais ou outras, uma nação que não
investe nas suas Forças Armadas não consegue levar adiante planejamentos que envolvam
políticas externas.
4. A questão do Golfo da Guiné
Durante a crise do petróleo, na década de 1970, os países árabes exportadores da
commoditie aumentaram abruptamente o preço do hidrocarboneto como forma de pressionar
nações ocidentais parceiras de Israel durante a guerra do Yom-Kippur. O prejuízo causado por
esse episódio fez com que os importadores buscassem novas fontes, tentando fugir do
monopólio que o Golfo Pérsico possuía sobre a exportação do produto.
Com o desenvolvimento de novas tecnologias dentro da indústria petrolífera, foi
possível descobrir grandes reservas em altas profundidades. Esse avanço favoreceu países
como o Brasil – com a descoberta da camada pré-sal – e os da costa ocidental da África,
principalmente aqueles banhados pelo Golfo da Guiné, onde o petróleo descoberto é
considerado de boa qualidade, ou seja, leve e com baixo teor de enxofre, além de ser
compatível com as características das principais refinarias da Europa e da América do Norte.
Esses dois fatores contribuíram de sobremaneira para uma grande escalada da
importância da região do Golfo da Guiné no cenário geoestratégico global. Ela seria a
alternativa que os países importadores do hidrocarboneto buscavam após a crise, e a
qualidade do minério de lá extraído serviria como um grande facilitador para sua
comercialização. O mundo passou, dessa forma, a observar a África Ocidental com novos
olhares. O que antes era visto como local de grande riqueza mineral em terra – como sua
grande reserva de diamantes – agora seria palco de disputas empresariais para a exploração
de seu território marítimo.
Os desafios, porém, vêm se impor sobre a região. Os países locais, assim como a
grande maioria das nações subsaharianas, enfrentam graves desafios socioeconômicos e
políticos, que ameaçam a realização da lucrativa atividade. O cenário de pobreza extrema,
aliado da instabilidade política e do baixo nível de desenvolvimento humano gera um alto
risco para os investimentos a serem feitos. Diversos episódios de pirataria e roubo armado
são registrados desde o início da exploração extensiva das riquezas desse golfo – foco deste
artigo –, além da ameaça causada pela presença de grupos extremistas dentro das fronteiras
de Estados costeiros, como o Boko Haram, na Nigéria.
4.1. Perigos iminentes
Desde a década de 1990, com a descoberta de uma alta quantidade de riquezas
minerais nas águas do Golfo da Guiné, a exploração petrolífera na região vem tendo
significativo crescimento. Essa atividade, ao longo dos anos, demonstrou-se fundamental
para as economias locais, e o maior exemplo disso é a Angola – um dos maiores exportadores
locais de petróleo e membro da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) –,
que teve um crescimento anual do PIB estimado em cerca de 27% no período compreendido
entre 1996 e 2008, de acordo com o Banco Mundial. Essa taxa veio a estagnar com a queda
do preço do barril de petróleo no cenário internacional entre 2009 e 2011, quebrando as
receitas do Estado angolano, e voltou a subir com a retomada do aumento dos preços do
hidrocarboneto em 2012, permitindo que o governo saldasse sua dívida e registrasse um
excedente global de 8,6% de suas riquezas totais.
Essa grande dependência que economias do Golfo da Guiné possuem do petróleo fez
com que a atividade tornasse-se um alvo para roubos armados e para a pirataria, facilitados
pelos mais diversos problemas político-sociais existentes ao longo de seus territórios. A
ocorrência de ataques no ano de 2012, de acordo com o International Maritime Bureau's
(IMB) Piracy Reporting Centre, foi registrada em 58, incluindo 10 roubos na Nigéria, país
mais afetado, apesar de possuir a maior marinha entre as nações da região, com cerca de
15000 militares.
Os ataques a navios no Golfo da Guiné aumentaram consideravelmente com as ações
efetivas tomadas para combater a pirataria no Golfo de Áden, na costa da Somália, como a
EUNAVFOR. Entre 2003 e 2011, a região mais ocidental contava cerca de 30% dos casos no
continente, e esse número aumentou consideravelmente após a implantação da operação no
chifre da África. A pirataria realizada no Atlântico, porém, possui consideráveis diferenças
em relação à realizada próxima de Suez. Enquanto o foco dos piratas somalis era o sequestro
da tripulação de navios mercantes para se pedir um alto valor por sua liberação, o dos piratas
da porção marítima a Oeste é o roubo da carga – no caso petróleo – para venda no mercado
negro – com o refino sendo realizado por refinarias artesanais instaladas nos próprios países
de origem do produto. Além disso, percebe-se a ocorrência de questões secundárias mas não
menos importantes, como a pesca ilegal – cerca de 40% do pescado local é realizado na
ilegalidade – que diminui a oferta de alimentos para as populações carentes das nações
costeiras, muito dependentes dessa atividade para o seu sustento.
Esse novo alvo dos ataques causa um desafio a mais: a segurança das tripulações dos
navios atacados. Enquanto na Somália elas eram a garantia de que o pirata teria sucesso em
seu objetivo, no Golfo da Guiné elas não possuem essa característica, desvalorizando a vida
do pessoal embarcado. Os Grupos de Ação Pirata (Pirates Action Group, em inglês) mostram,
ao longo dos anos, uma alteração do seu modus operandi. Antes trabalhavam com curtos
sequestros e eram poucos os relatos de óbices nessas ações. Agora já há registro de pessoas
cativas por dois anos e algumas mortes durante a rendição da tripulação. Esses novos
acontecimentos aumentam a preocupação com a segurança dos tripulantes dos navios que
trafegam pelo Golfo da Guiné, tendo em vista a postura cada vez mais agressiva e violenta
adotada pelos criminosos.
Uma preocupação constante entre os países e empresas que marcam presença na
exploração mineral da região é a localidade onde os ataques vêm sendo realizados. De acordo
com dados de 2014, divulgados em uma reunião do Conselho Europeu acerca da questão do
Golfo da Guiné, dos 551 ataques ocorridos na última década, a grande maioria foi registrada
dentro de águas jurisdicionais dos Estados litorâneos, sendo somente 20% registrados em
águas internacionais. Esses dados revelam um grave problema que se abate sobre a segurança
marítima da região: a incapacidade dos países realizarem a devida patrulha que lhes cabe
como nações soberanas sobre tais parcelas territoriais marítimas. Une-se a isso a
responsabilidade que esses países possuem sobre a salvaguarda da vida humana no mar,
estabelecida pelo Safety of Life At Sea (SOLAS), documento internacional que regulamenta
medidas e delega responsabilidades a serem tomadas por indivíduos e Estados acerca desse
assunto. Esses fatores aumentam os custos da exploração devido aos riscos que o
investimento – que deveria ser mais baixo que em outras regiões do globo devido a qualidade
do minério extraído – apresenta, causados pelas questões securitárias.
4.2. Medidas para combater a atuação de piratas
Levando em consideração essa incapacidade por parte dos países litorâneos do Golfo
da Guiné de garantirem a segurança para a exploração dos recursos minerais depositados nos
leitos marinhos, nações ao redor do mundo vêm tentando prover auxílio a esses parceiros
comerciais. Desde acordos para a formação de pessoal militar – como ocorre no Brasil, com a
presença de aspirantes e cadetes angolanos e nigerianos, além de praças dessas
nacionalidades compondo tripulações de navios brasileiros como forma de estágio – à venda
de equipamento militar e realização de exercícios conjuntos.
Os Estados Unidos da América já vinham buscando aumentar sua presença no
continente africano desde a década de 90, com o crescimento da ameaça terrorista na
Somália. Ataques a embaixadas norte-americanas foram ligados ao grupo terrorista Al-Qaeda,
responsáveis pelos atentados de 11 de Setembro de 2001, aumentando a preocupação com a
escalada do terror na África. Em 2006, o General Bantz Craddock afirmou que o continente
se colocava como o maior desafio de estabilidade na questão de segurança para o United
States European Command (EUCOM) e, em resposta a essa mentalidade, foi criada, no ano
seguinte, a United States Africa Command (AFRICOM). Em um primeiro momento após a
criação dessa unidade de comando, a visão geral dos Estados e organizações africanas sobre a
ação estadunidense foi negativa, incluindo uma oposição explícita por parte dos governos de
Nigéria e África do Sul, duas das maiores potências do continente. Porém, com o passar do
tempo e o aumento das importações de petróleo por parte do país norte-americano, a
AFRICOM passou a realizar exercícios conjuntos com atores locais envolvidos na segurança
marítima e a equipar as forças africanas para que pudessem conduzir a garantia da paz e
realizar apoio humanitário.
Em 2011, o Conselho de Segurança das Nações Unidas reuniu-se após um apelo por
parte do Presidente do Benim. Os eventos de pirataria haviam deslocado-se para a costa do
país, que sofreu um grave revés na economia, demonstrado claramente pela queda abrupta de
movimentação no porto de Cotonou, que gera 65% das riquezas do Estado. A taxa, que era de
150 navios por mês, passou para apenas 30. Nessa reunião, foi acordada uma cooperação com
as forças nigerianas para o combate a esses incidentes, conseguindo alcançar o objetivo de
afastar os piratas das águas do Benim, porém aumentando o índice de incidentes nas águas do
Togo, que sofreu 18 ataques em 2012, sendo que encontrava-se livre dessa situação até então.
Em 2011 e 2012, as Nações Unidas chegaram a duas resoluções acerca da questão do Golfo
da Guiné, ambas tendo como foco a importância de se prover treinamento, equipamento e
recursos para o combate à pirataria, além de incentivar a cooperação regional como forma de
diminuir a incidência de ataques.
Entidades locais, como a Economic Community of West Africa States (Ecowas), e a
Economic Community of Central Africa States (ECCAS) também têm buscado estabelecer
linhas de ação que favoreçam o combate ao crime que tanto prejudica o comércio exterior de
seus Estados-membros. A organização dos países da África Ocidental vem desenvolvendo a
ECOWAS Integrated Maritime Strategy (EIMS), enquanto a da África Central possui o plano
mais desenvolvido acerca de segurança marítima, aprovado desde 2008. Já a Maritime
Organization of Western and Central Africa (MOWCA) possui um objetivo mais ambicioso,
visando a criação de uma rede integrada das guardas costeiras da região.
A União Europeia também vem adotando estratégias para a região do Golfo da Guiné,
visto que muitos de seus membros possuem fortes relações com a exploração mineral da
região. Tentando combater o cerne do problema, os países europeus afirmam auxiliar o
desenvolvimento socioeconômico das nações litorâneas, promovendo o reforço das
instituições internas desses países através de programas regionais e bilaterais. A pesca
também é abordada pelas políticas europeias para o golfo. A UE vem registrando atividades
de pesca ilegal e, dessa forma, contribui para a regulamentação da pesca local e,
consequentemente, para o desenvolvimento da atividade.
Durante reunião do G8, no ano de 2011, foi criado o Group of Friends of Gulf of
Guinea (FOGG), buscando maximizar o apoio internacional a medidas antipirataria na
região. Esse grupo visa incentivar a cooperação entre os Estados locais e os Estados e
empresas que desejam explorar as riquezas da região, e fomentar a mentalidade de que o
desenvolvimento de um sistema político e judiciário responsáveis para com suas atribuições é
algo fundamental para se alcançar o objetivo de reduzir a pirataria.
Além de todas essas medidas, outras nações também vêm agindo de maneira bilateral
com os países banhados pelo Golfo da Guiné. Entre eles podemos citar Brasil, China, Índia e
África do Sul, todos com acordos para o desenvolvimento de políticas para um fortalecimento
institucional. Na Escola Naval brasileira, por exemplo, fazem o curso de formação de
oficiais, juntamente aos aspirantes brasileiros, 4 angolanos, 1 nigeriano, 5 senegaleses, entre
outros aspirantes de nacionalidades africanas que podem ser incluídos como parte do projeto
de reforço das instituições dos Estados costeiros da África Ocidental.
5. A importância de uma integração regional
A importância que todas essas medidas possuem para o combate à pirataria a ao roubo
armado na região do Golfo da Guiné é irrefutável. Melhores condições de vida para as
populações locais, busca de incentivos para a região, gerando mais oportunidades de emprego
e a existência de Marinhas mais bem equipadas, capazes de promover e manter a paz nas
águas dos países costeiros e de exercer suas responsabilidades sobre a salvaguarda da vida
humana no mar, são imprescindíveis para que o cenário do Oeste africano torne-se mais
propício à exploração de seus recursos minerais sem por em risco as pessoas que lá estarão
realizando essa atividade. Todas elas são medidas que devem ter um reflexo muito positivo
para a região em um período de médio a longo prazo, porém, devido à relevância da
exploração de hidrocarbonetos nos leitos marinhos dos Estados costeiros para nações ao redor
do mundo que veem nessa área uma alternativa para o combustível importado de países e
localidades historicamente conflituosas – como é o caso de Rússia e Oriente Médio,
principalmente – a situação de ameaça que o cenário da África atlântica oferece para os
navios e plataformas que lá instalam-se exige ações eficazes no sentido de garantir a
segurança para a realização das atividades de explotação, comércio e navegação.
5.1. Empecilhos para a atuação estrangeira na região
O petróleo extraído do Golfo da Guiné vem representando uma maior parcela das
importações do minério em diversos Estados. Muitos deles têm a região como sua maior
parceira comercial quando se trata do combustível fóssil, e esse cenário cobra que medidas de
curto prazo também sejam pensadas e executadas. Poucas opções se apresentam no campo
diplomático ao se pensar em ações a serem tomadas de forma mais acelerada, surgindo,
assim, a necessidade da presença de meios militares nas águas jurisdicionais dos países do
golfo, podendo-se estender a águas internacionais em casos de ameaças a rotas marítimas.
Os Estados litorâneos possuem diversas limitações em seus poderes navais, seja
devido a quantidade de meios disponíveis para a realização de patrulhas navais, seja pela
baixa autonomia dos navios das Marinhas locais, em sua maioria pequenos navios de patrulha
para operações de curta duração. Somando-se todos os navios que elas possuem, menos de
uma dezena é composta de belonaves de grande porte – como fragatas, destroyers e corvetas
– capazes de permanecer mais tempo em atividade no mar, com a missão de patrulhar uma
enorme área marítima compreendida dentro das duzentas milhas náuticas de cada um dos
países – região prevista como zona econômica exclusiva do país costeiro de acordo com a
Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM).
Tendo em vista essa situação, o apoio por parte de países de fora da região passa a ser
preciso em áreas práticas, como a presença de meios dessas nações parceiras auxiliando na
realização de missões de patrulha que visem impedir, combater e punir a ação de criminosos
dentro e fora das águas territoriais dos Estados da região. Parcerias com os países do Golfo da
Guiné são das mais diversas, como já demonstrado anteriormente, porém, são poucas as que,
atualmente, estariam dispostas a prover esse auxílio e teriam sua presença militar bem aceita
na região.
O cenário mundial vive um grave momento de tensão entre grandes potências
militares. Dentre elas, estão praticamente todos os atores que possuem interesses na questão
marítima do Oeste africano. Estados Unidos da América, República Popular da China e
União Europeia, fortes investidores na atividade de exploração de riquezas minerais no local,
passam por situações que demandam um alto nível de atenção e preparação dos
departamentos de defesa e segurança internos. O país da América do Norte, juntamente de
seus parceiros da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), tem convivido com
questões que levantam enormes preocupações em diversos aspectos, como econômico,
humanitário e, principalmente, securitário. Entre eles, dois merecem maior destaque: a Crise
na Síria, e a situação no Leste Asiático.
A guerra no Oriente Médio, que vem se prolongando sem uma previsão para término,
passa por frentes diversificadas. A maior e, talvez, a mais ameaçadora para o mundo como
um todo é o conflito entre o governo de Bashar al-Assad, apoiado pela Rússia, e rebeldes que
pedem a saída do governante, apoiados, ao menos num primeiro momento, pelos EUA e pela
UE. Recentemente, um cessar-fogo foi acordado e um cenário de esperança para o fim das
hostilidades foi criado, porém, em pouco tempo, ele foi rompido com um bombardeio aéreo.
A partir desse episódio, Moscou e Washington aumentaram o tom das acusações – incluindo
acerca do referido bombardeio que rompeu com o acordo – e já não demonstram otimismo
sobre um possível novo arranjo pacífico. A comunidade internacional vem aparentando muita
preocupação sobre esse conflito, materializado no principal objetivo do novo Secretário-
Geral da ONU, o português Antônio Guterrez: a paz na Síria. As escaramuças na península
Arábica, porém, não se resumem à questão síria. A presença do grupo terrorista Estado
Islâmico (EI), responsável por atentados que aterrorizaram o mundo, como os de Paris, no
fim de 2015, representa outra ameaça para os países da OTAN, que formou uma coalizão para
bombardeios de alvos do grupo na Síria e no Iraque. Há conflitos também no Iêmen,
resultantes da constante guerra entre sunitas e xiitas dentro do mundo islâmico, somada ao
movimento que ficou conhecido como Primavera Árabe – origem também da Guerra Civil
Síria. Todos essas situações agravam uma outra crise que vem trazendo enormes desafios
para a Europa: a crise dos refugiados, que, buscando fugir dessas ameaças, põem a própria
vida em risco para tentar chegar ao velho continente.
A República Popular da China, por sua vez, vem aumentando significativamente o
tamanho da Marinha do Exército de Libertação Popular. O Estado com a segunda maior
economia do mundo possui grandes reivindicações de soberania sobre áreas marítimas e ilhas
no Mar do Sul da China, região de imensurável importância para a navegação e comércio
internacional, visto que mais da metade da frota mercante mundial passa por ele anualmente,
além de possuir grandes reservas de recursos minerais. A China argumenta que foi a primeira
nação a exercer soberania sobre as ilhas e águas em questão e que, ao fim da Segunda Guerra
Mundial, na ocasião em que os territórios chineses foram devolvidos pelo Japão, essas áreas
estavam entre eles. Esse argumento, entre outras alegações históricas, vem acompanhado do
maior crescimento da Marinha chinesa em toda a história. O país demonstra uma enorme
capacidade de construção naval, lançando ao mar diversos meios combativos em curtos
intervalos de tempo, e erguendo ilhas artificiais em porções marinhas em disputa. Em
resposta a isso, os EUA reforçam sua presença no Pacífico e a 7ª Frota, sediada no Japão,
vem realizando exercícios constantes com parceiros na região. Nesse cenário, vale ressaltar a
questão das Filipinas, onde o atual presidente, Rodrigo Duterte, vem afastando-se da
tradicional aliança com os norte-americanos, gerando ainda mais preocupação para
Washington.
Ainda na Ásia, surge outra grande ameaça para a segurança internacional. A Coreia do
Norte, do ditador Kim Jong-Un, vem realizando testes de armamentos nucleares, gerando um
grande temor por parte dos países vizinhos, principalmente a Coreia do Sul, histórica rival do
Estado comunista. Mísseis, supostamente lançados por ela em um de seus testes, caíram não
muito distantes da costa japonesa, e a reação que os EUA e seus parceiros na região vem
tendo é a realização de diversos exercícios militares conjuntos, como sinal de prontidão para
um possível enfrentamento.
A comunidade internacional vem enfrentando diversos desafios em um momento de
extrema importância para todas as nações ao redor do globo. O momento pode ser
considerado como chave para a definição de uma ordem mundial mais adequada ao século
XXI, e diante de todas essas ameaças à balança de poder atual, a questão do Golfo da Guiné,
por mais importância que tenha para os principais atores dessa ordem, vive uma necessidade
de maior atenção e cuidado por parte de todos os interessados em suas riquezas. É nesse
cenário que cresce a importância de um parceiro próximo geograficamente, com contato
direto com todas as nações do golfo e com capacidade prática para ajudar na garantia da
segurança local.
5.2. A presença brasileira e investimentos para o futuro
A política brasileira para o Atlântico Sul é facilmente compreendida ao se observar a
organização multilateral com Uruguai, Argentina e os países do litoral Oeste da África: a
Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul. Ela foi criada na década de 1980 como resposta
a uma possível Organização do Tratado do Atlântico Sul (Otas), pensado pela Argentina ao
fim da Guerra das Malvinas e com forte apoio dos EUA. Brasil e Nigéria não apoiavam a
ideia de uma militarização da região, propondo, então, a criação de uma zona de paz e
cooperação, visando evitar a presença de armamentos nucleares na porção Sul do oceano e
minimizar a presença militar de países estrangeiros. Com esse ideal, a organização foi criada
em 1986 e sete reuniões ministeriais aconteceram. Desde a primeira, em 1988, até a
penúltima, em 2007, as diretrizes eram sempre em relação formas cooperação entre os
Estados-membros. Isso mudou na última, em 2013, no Uruguai, onde foram discutidos temas
acerca de novas ameaças, como terrorismo e pirataria, além do Brasil ter oferecido dividir
seus conhecimentos acerca de operações search and rescue (SAR), patrulha marítima e
pesquisas na plataforma continental – ressaltando que o Brasil é pioneiro na pesquisa sobre
uma possível extensão dela, com o Plano de Levantamento da Plataforma Continental
Brasileira (Leplac) – que, se provado seu prolongamento para além das duzentas milhas
náuticas previstas na CNUDM, pode aumentar os limites da zona econômica exclusiva do
país costeiro.
O Atlântico Sul tornou-se uma área de grande importância estratégica para o Brasil – sendo
comparado com a Amazônia ao se criar o conceito de Amazônia Azul, área que compreende a
soma do mar territorial, da zona contígua, da ZEE e do pleito de extensão da ZEE junto a
Organização Marítima Internacional (OMI). A II Política de Defesa Nacional (PDN), de
2005, e a Estratégia Nacional de Defesa (END), de 2008, o caracterizam como espaço
prioritário para a defesa nacional, baseando-se na proteção das diversas riquezas minerais
presentes na ZEE brasileira e nas pretensões do Brasil de se portar como ator global. Dessa
forma, a Zopacas e todas as políticas brasileiras para a costa atlântica da África ganharam
uma nova dimensão, estreitando os laços de cooperação militar entre os dois continentes
unidos pelo oceano. A Embraer – empresa do campo de aviação e a brasileira com mais
investimentos na área de defesa – vendeu aeronaves do tipo EMB 314 “Super Tucano” para
Angola, Burkina Faso e Mauritânia. Com a Nigéria, o Brasil assinou um acordo onde o país
africano demonstrava interesse em adquirir navios produzidos pela estatal brasileira Empresa
Gerencial de Projetos Navais (Emgepron). São Tomé e Príncipe – país integrante da
Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) – recebeu, recentemente, uma missão
naval brasileira, com o objetivo de auxiliar o país a construir sua Marinha e a realizar
pesquisas relativas a sua plataforma continental. Outra medida de apoio é a realização de
exercícios conjuntos com Marinhas africanas, tendo como principal exemplo a operação
Ibsamar, envolvida numa cooperação trilateral entre Índia, Brasil e África do Sul (Ibas).
Todos os exemplos apresentados reforçam o aumento da presença do Estado sul-
americano nas proximidades da costa oeste africana. Nesse cenário, o mais ambicioso projeto
da Marinha do Brasil possui um papel muito importante. Desde a década de 1970, é o poder
naval que investe no desenvolvimento de tecnologia relativa a energia nuclear, e, com esse
foco no progresso tecnológico, foi possível, juntamente à França – representada pelo apoio da
francesa DCNS – elaborar o Programa de Desenvolvimento de Submarinos (ProSub). Esse
projeto prevê a construção de quatro submarinos convencionais, baseados na classe francesa
“Scorpène”, e um com propulsão nuclear – que colocará o Brasil no pequeno grupo de países
que operam esse tipo de navio – além de uma base para essas belonaves na cidade de Itaguaí,
no estado do Rio de Janeiro. O lançamento dessas armas ao mar incluirá um enorme poder de
negação do uso mar ao país, e o submarino de ataque movido à propulsão nuclear, com sua
grande autonomia e capacidade de ocultação, será um grande incremento da presença
brasileira no Atlântico Sul.
Essas medidas de parceria sul atlântica, porém, retomam a questão do médio a longo
prazo para surtirem efeito. O novo cenário de risco que as porções de água mais a Leste do
oceano apresentam requerem uma atuação que impeça a ação de criminosos num curto prazo,
o que traz de volta a importância de uma presença militar na região. Como demonstrado
anteriormente, os países africanos banhados pelo Golfo da Guiné não vêm conseguindo
garantir a segurança regional por seus próprios meios, mas um auxílio por parte dos
principais investidores na atividade extrativista na região não se mostra possível devido às
diversas preocupações que elas possuem ao redor do globo. É nesse momento que o Brasil
surge como a mais forte opção de amparo à situação perigosa por que passa o local, e são
diversos os aspectos que favorecem uma ação brasileira na região. A ausência de conflitos
pela parte brasileira coloca o país em posição privilegiada para prover a ajuda necessária; as
boas relações políticas possibilitam o apoio dos Estados africanos a possíveis operações
conjuntas de garantia da segurança; e a experiência existente na nação sul-americana em
operações desse porte são os exemplos mais claros de como o Brasil surge como principal
opção de apoio à região.
A nação brasileira é conhecida no cenário internacional como uma das mais pacíficas
do mundo. Ela não participa de um combate desde a II Guerra Mundial, e, desde então, vem
ganhando a confiança da comunidade internacional através do apoio dado a missões de paz.
Esse cenário faz com que o Atlântico Sul seja o grande foco brasileiro na questão de defesa,
algo altamente favorável quando se fala sobre a necessidade de apoio mais incisivo aos países
banhados pelo Golfo da Guiné. Enquanto grandes investidores na região estão preocupados
com conflitos ao redor do mundo, a situação no oeste africano continua instável, e um país
que esteja com suas atenções voltadas para o oceano em questão aparece como forte
esperança de auxílio no combate a esses desafios.
A instabilidade dos Estados africanos é um grave problema que assola a região
historicamente. Com índices de corrupção altíssimos, o continente africano sofre com a perda
de credibilidade da classe política. O apoio brasileiro, porém, consegue contornar essas
questões que seriam altamente prejudiciais para uma ajuda marcada pela presença física nos
territórios marítimos desses países. As boas relações mantidas entre Brasil e os países
africanos voltados para o Atlântico mantêm-se independente de reviravoltas no campo da
política, e isso reforça o fato de que uma presença brasileira garantindo a segurança na região
não teria grandes contestações por parte de seus parceiros transatlânticos.
A Organização das Nações Unidas, recentemente, estabeleceu a primeira missão de
paz marítima em seu âmbito: a Força Tarefa Marítima da Força Interina das Nações Unidas
no Líbano (FTM-UNIFIL). Com a missão de retirar as forças israelenses do Sul do Líbano e
de auxiliar na retomada de autoridade sobre a região por parte do Estado libanês, essa força
está sob o comando brasileiro e têm em uma fragata da Marinha do Brasil seu navio
capitânia. Essa experiência com uma força-tarefa marítima capacita o país a operar no mar
em conjunto com outras nações em prol de um objetivo comum, e isso é completamente
adaptável para a questão do continente africano. Liderados por meios brasileiros, uma força
composta por integrantes da Zopacas seria capaz de garantir a paz e a segurança necessárias
para a realização das atividades econômicas locais, incluindo-se a pesca e o extrativismo
mineral.
5.3. Vantagens para o Brasil no cenário internacional
O Brasil possui uma grande aspiração por uma reformulação da forma como são
tomadas as decisões na comunidade internacional. A organização pós II Guerra Mundial que
a Organização das Nações Unidas traz consigo como expoente de decisões para o cenário
mundial está, desde sua criação, com o mesmo formato, basicamente. A questão do Golfo da
Guiné, de enorme importância para os principais atores do globo, é uma grande oportunidade
para o Brasil mostrar sua capacidade de provedor da paz e da segurança para seus parceiros e
para o mundo, e chamar a atenção para a necessidade de se atualizarem os meios decisórios.
Ao se portar como provedor da paz em uma parcela significativa do globo terrestre,
um país alcança grande reconhecimento e respeito ao redor do mundo. Sua palavra ganha
importância em debates acerca do assunto e ele passa a ser visto como capacitado para a
tomada de decisões sobre a questão de segurança. É nesse papel que entraria o Brasil ao
liderar a estabilização do Golfo da Guiné e, consequentemente, do Atlântico Sul, tudo isso
dentro do comportamento pacífico pelo qual o país é conhecido internacionalmente.
A proposta da Zopacas de reduzir a presença militar estrangeira na região possui o
apoio de países-chave do cenário africano, principalmente a Nigéria. A situação pela qual o
Golfo da Guiné vem passando ameaça esse objetivo quando põe em risco a segurança de
trabalhadores de empresas europeias, americanas e chinesas lá instaladas. Dessa forma, faz-se
necessário mostrar para esses países que as nações sul atlânticas são, de fato, capazes de
garantir a segurança em suas águas, e o Brasil, como maior marinha do Hemisfério Sul e
principal ator do grupo, deve assumir essa liderança.
6. Conclusão
Em um cenário mundial onde os combustíveis fósseis ainda são a grande fonte
energética, um espaço cheio de riquezas minerais como o Atlântico Sul ganha grande
relevância. As recentes descobertas de reservas de hidrocarbonetos em ambos os lados do
oceano aumentaram o interesse da comunidade internacional sobre a região, historicamente
deslocada do principal eixo de relações entre os maiores atores globais. Essa mudança trouxe
altos investimentos, fazendo economias crescerem e parcerias serem firmadas,
principalmente no âmbito econômico.
As ameaças, porém, surgem na forma de um inimigo conhecido e perigoso: a pirataria
e o roubo armado. O aumento das tensões na região é bastante preocupante para os países
locais, que já sofrem com diversas questões humanitárias, somando-se, com a nova situação,
riscos econômicos e ambientais. Dessa maneira, muitas medidas vêm sendo tomadas, tanto
localmente, como internacionalmente, entretanto todas visam a resolução do problema num
período de médio a longo prazo.
Num cenário onde vidas são ameaçadas a cada ataque, ações a curto prazo capazes de
detectar, impedir e punir a atuação de criminosos na região fazem-se necessárias, mas os
grandes investidores na região não conseguem conceder a atenção devida ao caso, pois
passam por um momento de enorme tensão em outras áreas do planeta, trazendo a
necessidade de uma forte integração regional. Ainda assim, os países da costa oeste africana
não demonstram capacidade de garantir a segurança para as atividades de exploração da
região, necessitando de um apoio externo mais direto, que não se restrinja ao campo
diplomático e comercial.
O Brasil, então, surge como grande opção de provedor desse apoio capaz de garantir,
de fato, a estabilização da região. Suas ótimas relações com as nações africanas, somadas à
experiência em forças marítimas internacionais e à sua preocupação que os crimes possam
atrair a presença militar de nações estrangeiras, o colocam nessa posição tão favorável para
conseguir alcançar esses objetivos. As consequências dessa ação seriam de extrema
importância para a política externa brasileira, pois aumentariam a relevância do país no
cenário mundal, aproximando-o de seu grande objetivo de se portar como ator global e de ser
reconhecido como tal.
O Atlântico Sul vem ganhando dimensões inesperadas. Suas riquezas recém-
descobertas e as ameaças que se impõem sobre a sua exploração fizeram com que o mundo
olhasse mais atenciosamente para a região. O Brasil tem o dever e a oportunidade de mostrar
para o mundo que essa porção do oceano é um espaço de paz e crescimento, defendida por
seus próprios Estados costeiros, tendo a nação verde e amarela como o principal líder na
provisão da segurança local.
7. Bibliografia
ABDENUR, A. E; SOUZA NETO, D. M. Brazil's Maritime Strategy in the South Atlantic:
the nexus between security and resources. Occasional Paper: Global Powers and Africa
Programme, South African Institute of International Affairs, n.161, nov. 2013;
BARRIOS, Cristina. Fighting piracy in the Gulf of Guinea: offshore and inshore. European
Union for Security Studies. mai. 2013;
BARROS, M. A. O Golfo da Guiné e a segurança energética global: oportunidades e desafios
subjacentes à região. Lusíada. Política Internacional e Segurança, n.9, 2013;
RUCKS, Jéssika Tessaro. A Geopolítica do Atlântico Sul: A importância das ZOPACAS para
o Brasil.Anais do I Congresso Brasileiro de Geografia Política, Geopolítica e Gestão do
Território, 2014. Rio de Janeiro. Porto Alegre: Editora Letra1; Rio de Janeiro: REBRAGEO,
2014, p. 147-158
EU Strategy on the Gulf of Guinea. FOREIGN AFFAIRS Council meeting. Council of the
European Union, Bruxelas, 17 mar. 2014;
KOTSOPOULOS, John. The Atlantic as a new security area? Current engagements and
prospects for security cooperation between Africa and its Atlantic counterparts. Atlantic
Future. Scientific Paper, University of Pretoria, jun. 2013;
Maritime Security in the Gulf of Guinea. Report of the conference held at Chatham House,
Londres, mar. 2013;
RODRIGUES, A. R. A segurança no Golfo da Guiné. Jornal de Defesa e Relações
Internacionais, Portugal, nov. 2014;
RUCKS, J. T. A geopolítica do Atlântico Sul: A importância da Zopacas para o Brasil. In: I
Congresso Brasileiro de Geografia Política, Geopolítica e Gestão do Território, 1, 2014, Rio
de Janeiro, Geografia política e geopolítica clássica e contemporânea dos séculos XX e XXI,
Editora Letra1, 2014, p. 147-158;
VAZ, A. C. O Atlântico Sul nas Perspectivas de Brasil, Argentina e África do Sul. Boletim de
Economia e Política Internacional, n.6, abr/jun. 2011;
Doutrina linear, Programa Nuclear da Marinha. Disponível em:
<http://www.doutrina.linear.nom.br/artigos/Antigos/PROGRAMA%20NUCLEAR%20DA%20MARI
NHA.htm> Acesso em 10 de Outubro de 2016;
Ministério da Defesa, Projetos estratégicos da Marinha. Disponível
em:<http://www.defesa.gov.br/industria-de-defesa/paed/projetos-estrategicos/projetos-estrategicos-
da-marinha-do-brasil> Acesso em 10 de Outubro;
Folha do Meio Ambiente, A Amazônia Azul. Disponível em:
<http://www.folhadomeio.com.br/publix/fma/folha/2005/07/amazonia_azul159.html> Acesso em 11
de Outubro de 2016;
Ministério da Defesa, O Atlântico Sul e Amazônia Azul: Cooperação e Manutenção da Paz
nos Anos Lula (2013 – 2010). Disponível em:
<http://www.defesa.gov.br/arquivos/ensino_e_pesquisa/defesa_academia/cadn/artigos/xii_cadn/o_atla
ntico_sul_amazonia_azul.pdf> Acesso em 11 de Outubro de 2016;
Movimento de Solidariedade Ibero-Americana, OTAN se "projeta" no Atlântico Sul.
Disponível em: <http://www.msia.org.br/otan-se-projeta-no-atlantico-sul/> Acesso em 14 de
Outubro de 2016;
Fundação Getúlio Vargas, Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR).
Disponível em <http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/tratado-
interamericano-de-assistencia-reciproca-tiar> Acesso em 14 de Outubrode 2016;
Clube Virtual dos Militares da Reserva e Reformados da Aeronáutica, Os Sistemas de
Segurança Regional no Atlântico Sul: da Guerra Fria ao período atual. Disponível
em:<http://reservaer.com.br/estrategicos/sistemas-seg-regional.html> Acesso em 15 de Outubro de
2016.