Número 25 - 2005 - Geografi a em Movimento

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ELIAS, D.; PEQUENO, R.

Espao urbano no Brasil agrcola moderno e desigualdades socioespaciais

cursos nanceiros, aportes jurdicos, de insumos, de mquinas, de assistncia tcnica etc, aumentando a economia urbana e promovendo redenies regionais, denotando o que Milton Santos (1988b, 1993, 1994, 1996, 2000) chamou de cidade do campo. Esta deve ser vista como a materializao das condies gerais de reproduo do capital do agronegcio globalizado, cujas funes principais associam-se s crescentes demandas de novos produtos e servios especializados, o que promove o crescimento do tamanho e do nmero das cidades no Brasil agrcola moderno, onde se processa a reestruturao produtiva da agropecuria. Assim sendo, quanto mais se intensica o capitalismo no campo, mais urbana se torna a regulao da agropecuria, sua gesto, sua normatizao. Quanto mais dinmica a reestruturao produtiva da agropecuria, quanto mais globalizados os seus circuitos espaciais da produo e seus crculos de cooperao (SANTOS, 1986, 1988; ELIAS, 2003ab), maiores e mais complexas se tornam as relaes campo-cidade, resultando numa signicativa remodelao do territrio e na organizao de um novo sistema urbano, com a multiplicao de pequenas e mdias cidades que compem pontos importantes para a realizao da agricultura cientca e do agronegcio globalizados. Da mesma forma, considerando que a difuso do agronegcio se d de forma socialmente e espacialmente excludentes, a difuso da agricultura cientca e do agronegcio globalizados promovem o acirramento das desigualdades socioespaciais tambm nas cidades do agronegcio. O presente artigo tem, assim, o objetivo de discutir esta categoria de cidade, que aqui denominamos de cidade do agronegcio, assim como as desigualdades socioespaciais que nela se reproduzem. Como objetos de anlise, foram escolhidas algumas das cidades do agronegcio do Nordeste, especialmente Limoeiro do Norte (CE), Petrolina (PE), Balsas (MA) e Barreiras (BA), sendo que as duas primeiras associam-se ao agronegcio da fruticultura e as duas ltimas ao agronegcio dos gros em especial da soja. Vale destacar que cada uma destas cidades polariza uma respectiva regio, assumindo posio de destaque em redes de cidades j consolidadas, reunindo tanto aquelas associadas ao agronegcio, como outras que ainda permanecem em padres tradicionais de produo, congurando-se intensas disparidades intra-regionais. A moradia a varivel principal escolhida para anlise, apresentando um conjunto de processos adjacentes e evidenciando as especicidades que as distinguem de outras realidades urbanas. So apresentados alguns elementos metodolgicos utilizados, visando contribuir com a identicao das interfaces axiais presentes nas cidades supracitadas com a formulao de uma sntese que possa nortear as similaridades entre as realidades percebidas nos diferentes municpios analisados. So discutidos, tambm, os principais processos at aqui constatados, objetivando-se sistematizar o conjunto de presses que levam ocorrncia dos mesmos, assim como os impactos derivados e as possveis respostas at aqui propostas pelos diferentes atores. So trabalhados, ainda, alguns elementos relacionados questo do dcit habitacional e da condio inadequada de moradia nestes municpios.

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Geograa em Movimento

Associao dos Gegrafos BrasileirosDiretoria Executiva Nacional Gesto 2004/2006 Dilogo, Respeito, Ao Presidente Jorge Lus Borges Ferreira (AGB Rio de Janeiro/RJ) Vice Presidente Marsia Margarida Santiago Buitoni (AGB So Paulo/SP) Primeira Secretria Renata de Souza Cometti (AGB - Vitria/ES) Segundo Secretrio Igor Jardim de Oliveira Pereira (AGB Niteri/RJ) Primeiro Tesoureiro Alexandre Bergamin Vieira (AGB Presidente Prudente/SP) Segundo Tesoureiro Alex Marciel da Silva (AGB Uberlndia/MG) Coordenadora de Publicaes Maria Geralda de Almeida (AGB Goinia/GO) Auxiliar da coordenadora de publicaes Renata Medeiros de Arajo Rodrigues (AGB So Paulo) Representao junto ao Sistema CONFEA/CREA TITULAR: Jos Eleno da Silva (AGB Recife/PE) SUPLENTE: Rodrigo Martins dos Santos (AGB So Paulo/SP) Representao junto ao Conselho das Cidades Jan Bitoun (AGB Recife/PE) Mestre de Edio do Stio da AGB Hindenburgo Francisco Pires (AGB Rio de Janeiro/RJ) Correio eletrnico: [email protected] Na Internet: http://www.cibergeo.org/agbnacional

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1988, 1993, 1994, 1996, 2000) construram-se os sistemas tcnicos necessrios realizao da produo e das trocas globalizadas. A organizao funcional e estrutural dos xos em redes propiciaram a construo e reconstruo de uma congurao territorial capaz de suportar a intensidade, diversidade e complexidade da uidez (de matria e informao) inerentes produo e consumos modernos. A construo de modernos sistemas de objetos associados aos transportes e s comunicaes e a diminuio relativa de seus preos propiciaram um aumento da uidez do territrio. Como conseqncia, ocorreram, concomitantemente, a disperso espacial da produo e inmeras especializaes produtivas pelo territrio nacional, disseminando-se diferentes arranjos produtivos locais. O dinamismo da produo do territrio brasileiro das ltimas dcadas pode ser revelado pela reestruturao produtiva da agropecuria e da indstria; pela expanso do comrcio e dos servios; pelas novas localizaes da indstria, em parte propiciadas pela luta dos lugares pelos investimentos produtivos; pela expanso das indstrias de base tecnolgica; pelo aumento da quantidade e qualidade do trabalho intelectual; pela expanso de novas formas de consumo; pelos intensos movimentos migratrios, entre outros. A insero do pas na ordem econmica globalizada reetiu-se, dessa forma, muito fortemente na organizao de seu territrio e na sua dinmica demogrca, caracterizado por um acelerado processo de urbanizao e crescimento populacional. O resultado uma nova diviso territorial e social do trabalho. Assim, o que temos hoje uma nova distribuio dos instrumentos de trabalho, do emprego e dos homens pelo pas. Uma das vias de reconhecimento da sociedade e do territrio brasileiros atuais o estudo da reestruturao produtiva da agropecuria, que se processa nas ltimas dcadas. Desde ento, organiza-se e difunde-se um novo modelo econmico de produo agropecuria, que aqui denominamos de agricultura cientca (SANTOS, 2000; ELIAS, 2003ab). Muitos novos espaos agrcolas so disponibilizados produo agrcola moderna nas ltimas dcadas. Nesse contexto, tambm o semi-rido e os cerrados nordestinos, que, de certa forma, compunham o exrcito de lugares de reserva tornaram-se atrativos e foram ou esto sendo incorporados produo moderna. Diante disto, a Regio Nordeste apresenta, hoje, a dicotomia entre uma agricultura tradicional e uma agricultura cientca, apresentando-se esta ltima em algumas partes bem delimitadas do territrio nordestino, constituindo verdadeiros pontos luminosos (SANTOS, 2000) em pleno semi-rido, especialmente nos seus vales midos (So Francisco, Au, Jaguaribe), associados fruticultura, da mesma forma que nos cerrados (sul do Maranho, do Piau e oeste da Bahia), associados expanso da produo de soja. Estes espaos so incorporados diferentemente na nova diviso interna e internacional do trabalho agrcola globalizado, expandindo-se formas intensivas de produo. Dentre as caractersticas da agricultura cientca est sua forte integrao economia urbana, desenvolvendo-se uma extensa gama de novas relaes campo-cidade, diluindo, em parte, a clssica dicotomia entre estes dois subespaos, construindo-se uma unidade dialtica. As cidades prximas s reas de realizao da agricultura cientca tornam-se responsveis pelo suprimento de suas principais demandas, seja de mo-de-obra, de re-

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ISSN 0102-8030

Introduo A acelerao da urbanizao e o crescimento numrico e territorial das cidades esto entre os mais contundentes impactos do processo de globalizao econmica. No Brasil, sob a gide da revoluo tecnolgica, ocorre um intenso processo de urbanizao, transformando seu espao geogrco, cuja organizao, dinmica e paisagem contrastam com as existentes antes do atual sistema temporal, que seguindo a denominao de Santos (1985, 1988, 1996), classicamos de perodo tcnico-cientco-informacional. A expanso dos modernos sistemas de objetos (SANTOS, 1994, 1996), especialmente associados aos transportes, s comunicaes, eletricao, ao saneamento equipou o territrio nacional para a modernizao agrcola e industrial, assim como para a intensicao das trocas comerciais, possibilitando a integrao territorial do pas, interligando reas at ento desconectadas. O resultado foi uma signicativa disperso espacial da produo e do consumo, com um conseqente processo de especializao da produo, estreitando as relaes entre as diferentes regies do pas, multiplicando a quantidade de xos e uxos, de matria e de informao, por todo o territrio nacional. Tudo isso fez da urbanizao brasileira contempornea um fenmeno complexo e diferenciado, dado a multiplicidade de variveis que nela passam a interferir. Quanto maior e mais extensa se torna sua diviso do trabalho, mais intenso e complexo seu processo de urbanizao. Paralelamente, ocorre um grande crescimento populacional, culminando numa nova diviso territorial e social do trabalho e, assim, numa nova repartio dos instrumentos de trabalho, do emprego e dos homens no territrio do pas. No perodo de cinqenta anos, ocorre uma verdadeira inverso da distribuio da populao no Brasil. Utilizando dados do IBGE para o perodo no qual se processa uma verdadeira inverso da urbanizao brasileira, teramos que em 1940, somente 31% da populao viviam em reas urbanas, ndice que atingiu os 77%, em 1991. Entre 1940 e 1980, o crescimento da populao brasileira extraordinrio, em especial nas cidades. Enquanto a populao total aumentou cerca de 200% (77,7 milhes de habitantes), a populao urbana cresceu mais de 525% (67,6 milhes de habitantes), ou seja, enquanto a populao total triplicou num perodo de quarenta anos, a populao urbana cresceu praticamente 6,5 vezes. Por sua vez, o nmero de municpios aumentou 153% no mesmo perodo, variando de 1.574 em 1940 para 3.987 em 1980. Este nmero cresceria ainda mais aps a promulgao da Constituio Federal de 1988, atingindo atualmente a mais de cinco mil municpios. Na Amrica Latina de maneira particular, o Brasil se destaca como um dos pases no qual mais rapidamente se difundiram inovaes associadas revoluo tecnolgica. Com a globalizao, reestruturaram-se a produo e o territrio preexistentes, desorganizando as estruturas, as funes e as formas antigas. Cada vez que o territrio reelaborado para atender produo globalizada, superpem-se novos xos articiais, aumentando a complexidade dos seus sistemas tcnicos e de suas rugosidades. H cerca de quatro dcadas ocorre uma generalizao da urbanizao da sociedade e do territrio. Com a expanso do meio tcnico-cientco-informacional (SANTOS, 1985,

Terra LivrePublicao semestral da Associao dos Gegrafos Brasileiros

ANO 21 Vol. 2 NMERO 25

Terra Livre

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Ano 21, v. 2, n. 25

p. 1-190

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TERRA LIVRE Conselho Editorial - Bernardo Manano Fernandes - UNESP - Daniel Hiernaux-Nicolas - Universidad Autnoma Metropolitana (Mxico) - Dirce Maria Suertegaray - UFRS - Eliseu Savrio Sposito - UNESP - Heinz Dieter Heidemann - USP - Jacquelyn Chase - California State University, Chico (EUA) - Jos Borzacchiello da Silva - UFC - Lana de Souza Cavalcanti - UFG - Maria Augusta Mundim Vargas - UFS Maria Geralda de Almeida - UFG Michel Chossudovsky - University of Ottawa (Canad) Paul Claval - Universit de Paris, Sorbonne (Frana) Rita de Cssia Ariza da Cruz - USP Roberto Lobato Corra - UFRJ Roberto Rosa - UFU Rogrio Haesbaert - UFF Saint-Clair Cordeiro da Trindade Jr. - UFPA Selma Simes de Castro - UFG Silvio Simione da Silva - UFAC Snia Regina Romancini - UFMT

Espao urbano no Brasil agrcola moderno e desigualdades socioespaciais* Urban space and social spatial inequalities in the modern agrarian Brazil Espacio urbano en el Brasil agrcola moderno y desigualdades socioespacialesDenise EliasUniversidade Estadual do Cear (UECE) Depto. de Geocincias Rua Vicente Leite, 2121, Apto. 301 Aldeota - Fortaleza, CE CEP: 60.170-151 [email protected]

Colaboradores Alexandra Maria de Oliveira - UFG / Antonio C. Pinheiro - UFG / Carlos Eduardo S. Maia - UFG Clia Lustosa da Costa - UFC / Horieste Gomes - ITS/UCG / Ivanilton J. Oliveira - UFG Joo B. de Deus - UFG / Jrn Seemann - URCA / Manoel Calaa - UFG Marcelo R. Mendona - CAC/UFG / Valter Casseti - UFG Editor responsvel e editorao: Maria Geralda de Almeida Co-editores: Joo Alves de Castro / Tadeu Alencar Arrais Estagirios: Alexsander Batista e Silva / Luiza Helena Barreira Machado Revisor de espanhol: Yilmer Rosales Davila Revisor de ingls: Jrn Seemann Arte da capa: Andr Barcellos Carlos Souza Tiragem: 1.000 exemplares Impresso: Grca e Editora Vieira Endereo para Correspondncia: Associao dos Gegrafos Brasileiros (DEN) Av. Prof. Lineu Prestes, 332 Edifcio Geograa e Histria Cidade Universitria CEP: 05508-900 So Paulo / SP Brasil Tel. (0xx11) 3091-3758 ou Caixa Postal 64.525 05402-970 - So Paulo / SP e-mail: [email protected] Ficha Ctalogrca Terra Livre, ano 1. n. 1, So Paulo, 1986. So Paulo, 1986 - v. ilst. Histrico 1986 - ano 1, v. 1 1992/93 - 11/12 (editada em 1996) 1987 - n. 2 1994/95/96 - interrompida 1988 - n. 3, n. 4, n. 5 1997 - n. 13 1989 - n. 6 1998 - interrompida 1990 - n. 7 1999 - n. 14 10. Geograa - Peridicos 2000 - n. 15 10. AGB. Diretoria Nacional 2001 - n. 16, n. 17 2002 - Ano 18, v. 1, n. 18; v. 2, n. 19 1991 - n. 8, n. 9 2003 - Ano 19, v. 1, n. 20; v. 2, n. 21 1992 - N. 10 2004 - Ano 20, v. 1, n. 22; v. 2, n. 23 Revista Indexada em Geodados 2005 - Ano 21, v. 1, n. 24 ww.geodados.uem.br 2005 - Ano 21, v. 2, n. 25 ISSN 0102-8030 Solicita-se permuta / Se solicita intercambio / We ask for exchange

Resumo: No Brasil, a territorializao do capital e a oligopolizao do espao agrrio tm promovido profundos impactos socioespaciais, tanto no campo como nas cidades. Isto explica em parte a reestruturao do territrio e a organizao de um novo sistema urbano, muito mais complexo, resultado da difuso da agricultura cientfica e do agronegcio globalizados, que tm poder de impor especializaes produtivas ao territrio. Neste artigo, defende-se a tese de que possvel identificar no Brasil agrcola moderno vrios municpios cuja urbanizao se deve diretamente consecuo e expanso do agronegcio, formando-se cidades cuja funo principal claramente se associa s demandas produtivas dos setores associados modernizao da agricultura, sendo que nestas cidades se realiza a materializao das condies gerais de reproduo do capital do agronegcio. Para tanto, so apresentados alguns pressupostos que explicariam este tipo de cidade, que denominamos de cidade do agronegcio. Da mesma forma, considerando que a difuso do agronegcio se d de forma socialmente e espacialmente excludentes, promovendo o acirramento das desigualdades, buscamos mostrar algumas das formas destas se reproduzirem nas cidades do agronegcio. A moradia a principal varivel de anlise destas desigualdades. Palavras-chave: agricultura cientfica; agronegcio; reestruturao urbana; cidade do agronegcio; desigualdades socioespaciais Resumen: En Brasil, la territorializacin del capital y la oligopolizacin del espacio agrario han promovido profundos impactos socioespaciales tanto en el campo como en las ciudades. Esto explica en parte la reorganizacin del territorio y la organizacin de un nuevo sistema urbano, mucho ms complejo, resultado de la difusin de la agricultura cientfica y del agro-negocio globalizado, que son capaces de imponer especializaciones productivas al territorio. En este artculo, se defiende la tesis que es posible identificar en el Brasil agrcola moderno varias ciudades cuya urbanizacin ocurri directamente con la consecucin y la expansin del agro-negocio, formando ciudades que tienen su funcin principal relacionada claramente a las demandas productivas de los sectores asociados a la modernizacin de la agricultura. En estas ciudades se realiza la materializacin de las condiciones generales de la reproduccin del capital del agro-negocio. Por tanto, son presentadas algunas estimativas que explicaran este tipo de ciudad, a la cual llamamos de ciudad del agro-negocio. De la misma manera, considerando que la difusin del agronegcio ocurre de forma social y espacialmente excluyentes, incitando las desigualdades, buscamos demostrar algunas de las formas que estas se reproducen en las ciudades del agro-negocio. La vivienda es la variable principal del anlisis de estas desigualdades. Palabras-clave: agricultura cientfica; agro-negocio; reestructuracin urbana; ciudad del agro-negocio; desigualdades socioespaciales. Abstract: In Brazil, deep socio-spatial impacts have been promoted by the territorialization of capital and the oligopoles at the agrarian space, in the countryside and in the cities. This explains partially the process of restructuring of the territory as well as the organization of a new urban system, which is much more complex, being the result of the spreading of the scientific agriculture and the global agribusiness, which are empowered to impose productive specialization to the territory. In this article, it is defended the thesis of the possibility of identifying in the modern agrarian Brazil, some municipalities which urbanization is directly related to the attainment and the spread of the agribusiness, generating cities, which main function is clearly associated to the productive demands of the sectors partners of the modernization of agriculture, being also important to mention that at these cities the materialization of the general conditions of reproducing the capital of the agribusiness has been realized. Therefore, some presuppositions are presented in order to explain this kind of city, which we denominate by the city of the agribusiness. Considering that the spreading of the agribusiness promotes social and spatial exclusion, as well as the incitement of the disparities, we intend to show some aspects of how the cities of agribusiness have been reproduced mainly using the housing as the main variable for this analysis. Keywords: scientific agricuture; agribusiness; urban restructuturing; city of agribusiness; social and spatial disparities.

Renato PequenoUniversidade Federal do Cear (UFC) Depto. de Arquitetura e Urbanismo Rua Vicente Leite, 2121, Apto. 301 Aldeota - Fortaleza, CE CEP: 60.170-151 [email protected]

* O presente artigo fruto de estudos desenvolvidos pelos autores durante consecuo do projeto integrado de pesquisa intitulado Economia Poltica da Urbanizao do Baixo Jaguaribe (CE), que conta com o apoio do CNPq. CDU - 91(05)

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Sumrio

Editorial ...........................................................................................................................9

Artigos Espao urbano no Brasil agrcola moderno e desigualdades socioespaciais Denise Elias Renato Pequeno .................................................................................................... 13-33 Espao pblico, cultura e participao popular na cidade contempornea Angelo Serpa ........................................................................................................ 35-48 La formacin simblica del profesorado en geografa Clemente Herrero Fabregat.................................................................................... 49-65 Arqueologia fenomenolgica: em busca da experincia Eduardo Marandola Jr.......................................................................................... 67-79 Mato Grosso do Sul: impasses e perspectivas no campo Mrcia Yukari Mizusaki ....................................................................................... 81-93 A geograa da alimentao em frente pioneira (Londrina - Paran) Mrcia S. de Carvalho ........................................................................................ 95-110 Josu de Castro entre o ativismo e a cincia, a introduo da geograa da fome na histria do pensamento geogrco no Brasil Antnio Alfredo Teles de Carvalho ..................................................................... 111-120 gua, cobrana e commodity: a geograa dos recursos hdricos no Brasil Antnio A. R. Ioris ........................................................................................... 121-137 Contribuio ao debate sobre a transposio do Rio So Francisco e as provveis consequncias em relao a deserticao nos Cariris Velhos (PB) Bartolomeu Israel de Souza Dirce Maria Antunes Suertegaray ...................................................................... 139-155

Resenhas Tantos Cerrados: mltiplas abordagens sobre a biogeodiversidade e singularidade sociocultural Joo Alves de Castro .......................................................................................... 159-162 Colapso: como sociedades escolhem o fracasso ou o sucesso Jacquelyn Chase ................................................................................................ 163-166

Normas Normas para publicao ....................................................................................... 169-176 Compndio dos nmeros anteriores ..................................................................... 177-190

Artigos

Sumario / Summary

Editorial / Foreword .........................................................................................................9

Artculos / Articles Espacio urbano en el Brasil agrcola moderno y desigualdades socioespaciales Urban space and social spatial inequalities in the modern agrarian Brazil Denise Elias Renato Pequeno .................................................................................................... 13-33 Espace public, culture et engagement populaire dans la ville contemporaine Public space, culture and popular participation in the contemporary city Angelo Serpa ........................................................................................................ 35-48 A formaao simblica de profesores de geograa Symbolic formation in professors of geography Clemente Herrero Fabregat.................................................................................... 49-65 Arqueologa fenomenolgica: en busca de la experiencia Phenomenological archeology: in search of experience Eduardo Marandola Jr.......................................................................................... 67-79 Mato Grosso do Sul: impases y perspectivas en el campo Mato Grosso do Sul: impasses and perspectives in the eld Mrcia Yukari Mizusaki ....................................................................................... 81-93 La geografa de la alimentacin en frente pionero (Londrina - Paran) The geography of feeding in front pioneering (Londrina - Paran) Mrcia S. de Carvalho ........................................................................................ 95-110 Josu de Castro entre el activismo y la ciencia, la introduccin del hambre en la historia del pensamiento geogrco en Brasil Josu de Castro between the activism and the science, the introduction to the geography of hunger in the history of geographic thinking in Brazil Antnio Alfredo Teles de Carvalho ..................................................................... 111-120

Agua y cobros: la geografa del agua en Brasil Water, charges and commodity: the geography of water in Brazil Antnio A. R. Ioris ........................................................................................... 121-137 Contribuicin al debate sobre la transposicin del ro So Francisco y las probables consecuencias en relacin a deserticacin en los Cariris Viejos (PB) Contribution of the debete about the So Francisco rivers transposition waters and the probable consequences of the desertication process on the Olds Cariris (PB) Bartolomeu Israel de Souza Dirce Maria Antunes Suertegaray ...................................................................... 139-155

Editorial

Reseas / Reviews Tantos Cerrados: mltiplas abordagens sobre a biogeodiversidade e singularidade sociocultural Joo Alves de Castro .......................................................................................... 159-162 Colapso: como sociedades escolhem o fracasso ou o sucesso Jacquelyn Chase ................................................................................................ 163-166

Normas / Submission Normas para publicacin / Submission guidelines ................................................ 169-176

Mostrar a Geograa em movimento uma das principais funes da Terra Livre. Movimento que ora caminha pelos meandros do So Francisco, ora desgua na geograa da fome de Josu de Castro. Nessa edio os temas em movimento comportam, mais uma vez a diversidade da cincia, de reexes e pesquisas de intelectuais brasileiros e estrangeiros, abordando temticas que caminham desde a formao simblica de professores, os movimentos sociais no campo at a Geograa dos alimentos. Geograa em movimento revela a variedade de temas e a criatividade presentes na geograa. O Conselho Editorial como uma antiga gravadora de autores livres e idias alternativas teve o papel de selecionar um rico material (compacto) com diferentes sons, ritmos e tempos que merecem ser apreciados pelos seus acionados. A melodia que perpassou na construo desse material teve por base a reunio de idias que retratam uma geograa preocupada com o olhar crtico e o discurso comprometido. Assim, a responsabilidade da Terra Livre se refaz na voz de seus representantes maiores os gegrafos. Enm, o material est pronto para ser ouvido, apreciado, criticado e comemorado no que ele tem de bom. preciso, com a sua leitura, coloc-lo para rodar, dar impulso ao seu movimento que j est regado pelo dilogo, a denncia, as descobertas, a investigao cientca, o respeito e a compromisso social. Para isso, todos esto convidados a participar e a apreciar o que presentemente esta em movimento. O Conselho editorial apenas arrumou o material para a festa. Anal, como j escreveu o poeta: quem sabe faz a hora no espera acontecer. Conselho Editorial

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que a questo habitacional no ser resolvida to somente atravs de polticas habitacionais setoriais, mas sim de maneira integrada s polticas territoriais de desenvolvimento urbano. Assim, considerando que o problema da moradia se apresenta interligado aos conitos de uso e ocupao do solo, articulado s necessidades de transporte e mobilidade e atrelado s demandas por redes de infra-estrutura e equipamentos sociais, acredita-se na necessidade da retomada do planejamento urbano como estratgia para amenizar a situao existente. Tendo em vista os instrumentos legais disponibilizados pelo Estatuto da Cidade e a valorizao dada pelo mesmo ao Plano Diretor como instrumento de poltica urbana, inclusive ampliando a sua abrangncia para todo o municpio, no somente para a rea urbana, levanta-se a hiptese a cidade do agronegcio seja o ambiente propcio para a formulao de novas proposies buscando na cidade as solues para as questes do campo e no meio rural, as respostas para os problemas urbanos.

Metropolizao e involuo metropolitana No Brasil, o intenso processo de urbanizao das ltimas dcadas contrasta com o pas do perodo pr tcnico-cientco-informacional, essencialmente agrrio. O fenmeno da metropolizao se implanta a partir dos anos 1950 e, h muito, suplanta a classicao inicial que admitia a classicao de nove Regies Metropolitanas. Num primeiro momento da acelerao urbana brasileira, ocorre uma crescente concentrao das atividades econmicas e da populao em umas poucas cidades, que crescem de maneira catica. As novas formas de produo e consumo, associados aos novos padres econmicos e culturais no poderiam se instalar em outro meio que no o dessas grandes cidades, as quais se tornam metrpoles como resultado da acelerao do processo de modernizao e urbanizao que lhes atribui um papel de macro organizao da economia e do territrio. A produo das metrpoles d-se em todo o mundo e no apenas no Brasil, compondo um dos principais smbolos da urbanizao contempornea. Entre 1950 e 1980, ocorreu uma crescente concentrao das atividades econmicas e da sua populao em umas poucas cidades. Uma parte bastante substancial do incremento demogrco do pas ocorreu justamente nas reas metropolitanas, para as quais se dirigiram grandes levas de migrantes, especialmente nas dcadas de 1960 e 1970, uma vez que, em razo das economias de aglomerao, as metrpoles tiveram reforado o seu papel de principais focos da atividade econmica do pas. Considerando a tendncia predominante no capitalismo de algumas reas acumularem a maior parte dos recursos tcnicos e econmicos, a base atual da organizao da produo brasileira, resultado da herana histrica e da velocidade de difuso das inovaes, revela-nos que a reestruturao produtiva se processou de forma mais intensa nas Regies Sudeste e Sul. Nestas, a difuso de inovaes foi mais veloz e complexa, com uma contnua renovao das foras produtivas e do territrio, que responderam com grande rapidez s necessidades colocadas pelos agentes econmicos. Esta seria a Regio Concentrada do Brasil (SANTOS, 1986, 1993), na qual, desde o primeiro momento da mecanizao do territrio, ocorreria uma adaptao progressiva e eciente aos interesses do capital hegemnico, reconstituindo-se imagem do presente, transformando-se na rea com maior expresso dos xos articiais e dos uxos de todas as naturezas. Esta seria a rea do pas onde o meio tcnico-cientco-informacional se d de forma contgua. Mas, mesmo na Regio Concentrada h acumulao dos recursos em certas reas, sendo que o Estado de So Paulo se destaca como o seu ncleo principal, onde as inovaes mais se difundiram. Foi neste Estado que mais se aprofundou a diviso social e territorial do trabalho; que a indstria mais cresceu e se diversicou; que a reestruturao produtiva da agropecuria se processou de maneira mais complexa; que as trocas de todos os tipos mais se intensicaram; que a produo no material mais se dispersou por todo o seu territrio e, dessa forma, foi neste Estado onde mais o meio tcnico-cientco-informacional se expandiu e que a urbanizao se apresenta de forma mais complexa.

Referncias CARLOS, A. F. A. O Espao Urbano. So Paulo: Contexto, 2004. CAMPOS, C. M. Cidades Brasileiras: seu controle ou o caos. SP: Nobel, 1992. CARVALHO, O. Nordeste: a falta que o planejamento faz. In: GONALVES, M. F. (Org.). Regies e Cidades, cidades nas regies. So Paulo: UNESP, ANPUR, 2003. ELIAS, Denise (Org.). O Novo Espao da Produo Globalizada: o Baixo Jaguaribe (CE). Fortaleza: Funece, 2002. 366p. ELIAS, Denise. Agricultura Cientca no Brasil: impactos territoriais e sociais. In: SOUZA, M. A. A. de (Org.). O Territrio Brasileiro. Campinas, SP: Territorial, 2003a. ELIAS, Denise. Globalizao e Agricultura. So Paulo: EDUSP, 2003b. FERNANDES, A.; SANTOS FILHO. M. A Modernizao do campo nos cerrados baianos. In: Espao e Debates, ano VIII, 1988, n. 25 (63:75). MARICATO, Ermnia. Brasil, Cidades. Petrpolis, RJ: Editora Vozes, 2001. PASTERNAK, Suzana. Favelas e Cortios no Brasil: 20 anos de Pesquisas e Polticas. So Paulo: LAP, 1997. SANTOS, Milton. Espao e mtodo. So Paulo: Nobel, 1985. _______. Os circuitos espaciais da produo. In: SANTOS, M.; SOUZA, M. A. A. de (Orgs.). A Construo do Espao. So Paulo: Nobel, 1986a. _______. A regio concentrada e os circuitos produtivos. Relatrio de pesquisa, O centro nacional: Crise mundial e redenio da regio polarizada. So Paulo: Depto de Geograa USP, 1986b (datilografado). _______. Metamorfoses do espao habitado. So Paulo: Hucitec, 1988. _______. Involuo Metropolitana e Economia Segmentada: o caso de So Paulo. So Paulo: Depto de Geograa USP, 1990 (datilografado). _______. A Urbanizao Brasileira. So Paulo: Hucitec, 1993.

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So Paulo se transformou na principal metrpole do pas, sua cidade mundial. Nas ltimas quatro dcadas, transformou-se no centro da informao do Brasil. Isto se deve no somente importncia de seu parque industrial, mas, principalmente, pelo fato de ser capaz de produzir, coletar e classicar a informao, prpria e dos outros, e distribu-la de acordo com seus interesses. Dessa forma, So Paulo cidade e regio constituem o ncleo da produo moderna do Brasil, visto sua maior integrao ao sistema de relaes mundiais. Porm, desde a dcada de 1980, segundo Milton Santos (1993), em seu livro A Urbanizao Brasileira, processa-se uma verdadeira revoluo urbana no Brasil. Desde ento, a urbanizao deixa de ser apenas litornea e se interioriza, com uma forte tendncia ocupao perifrica do territrio, generalizando-se o processo de urbanizao tanto da sociedade quanto do territrio, desencadeando um incomensurvel nmero de transformaes nas reas mais longnquas do pas. Concomitantemente aos processos de urbanizao e metropolizao, com a construo de grandes cidades, desenvolveram-se tambm cidades intermedirias e pequenas, tornando muito mais complexa a rede urbana brasileira, uma vez que aumentaram tanto os fatores de concentrao, quanto os de disperso. Dessa forma, uma das novas caractersticas da urbanizao brasileira que, desde a dcada de 1970 de forma intensiva, dois fenmenos ocorrem com fora e paralelamente: o fortalecimento tanto da metropolizao quanto do crescimento das cidades locais e intermedirias, sustentados pela expanso do meio tcnico-cientco-informacional e pela nova diviso interna do trabalho. O meio tcnico-cientco-informacional possibilitou um aumento da uidez do territrio e propiciou, assim, a disperso espacial da produo e, conseqentemente especializaes e complementariedades regionais, intensicando as trocas de toda natureza. A diviso do trabalho resultante, mais intensa e extensa, acabou por consagrar a tendncia ocupao perifrica do territrio nacional. Com a desconcentrao industrial e sua inter-relao com as atividades agrcolas, assim como com a expanso da terciarizao, que passaram a se realizar com altos nveis de capital, tecnologia e informao, a urbanizao deixou de ser apenas litornea e se interiorizou, compondo uma realidade presente nos mais diversos pontos do territrio brasileiro, formando um verdadeiro exrcito de lugares de reserva. A este fenmeno Milton Santos (1988c, 1990b, 1993, 1994) classica de involuo metropolitana, que seria o resultado da difuso do meio tcnico-cientco-informacional, que passaria a se dar como manchas e pontos em todas as partes do pas. Diante disso, durante o processo de acelerao da difuso de inovaes, as migraes passam a ocupar no apenas as regies metropolitanas, mas tambm as cidades intermedirias, especialmente nas reas que mais rapidamente reorganizaram a produo e o territrio. As adies de produtos qumicos, a utilizao da biotecnologia, o uso intensivo de mquinas agrcolas, entre outros, mudando a composio tcnica e orgnica da terra (SANTOS, 1994), zeram se difundir tambm no espao agrrio o meio tcnico-cientco-informacional, o que explica em parte, a interiorizao da urbanizao, pois alm do fenmeno da fbrica moderna dispersa, d-se tambm o fenmeno da fazenda moderna dispersa (SANTOS, 1993). Processa-se, assim, um crescimento de reas urbanizadas tambm no campo, notadamente nas reas que se modernizam, uma vez que, entre outras coisas, a gesto da agropecuria moderna necessita da sociabilidade e dos espaos urbanos.

cado, participando dos circuitos espaciais globalizados de produo agropecuria, nas quais as verticalidades tm predomnio sobre as horizontalidades. Considerando a diviso do territrio brasileiro proposta por Santos em meados da dcada de 1980, que sofreu algumas derivaes na dcada seguinte, acreditamos que a Regio Concentrada (SANTOS, 1986b) e a Regio Centro-Oeste foram aquelas nas quais ocorreu uma maior adaptao aos interesses do capital monopolista presente na agropecuria, construindo-se de acordo com as demandas da agricultura do presente perodo histrico. Nestas regies, as cidades do agronegcio mostram-se mais avanadas enquanto forma e funo, muito embora apaream de maneira incipiente nas demais partes do territrio nacional. Nestas regies, a cidade e o campo encontram-se mais mecanizados para a produo agropecuria globalizada, o que se d em unssono com o circuito superior da economia urbana, onde as relaes campo-cidade mais se metamorfoseiam, onde podemos mais claramente identicar cidades, locais e intermedirias, associadas reestruturao produtiva da agropecuria, erigindo novas formas e funes, geridas pelo processo de globalizao da agropecuria. Para compreend-las, necessitamos elencar uma srie de novos fenmenos que passam a ser recorrentes nestas cidades. Diante dos processos identicados e dos elementos analisados associados problemtica do dcit habitacional e da inadequao das condies de moradia nas cidades do agronegcio, podemos armar a necessidade de adoo de medidas voltadas para o enfrentamento do problema da moradia. Outrora associada realidade urbana de grandes cidades, a favelizao tanto j se faz presente, como tambm j se torna mensurvel, estando diretamente associada aos uxos migratrios para as cidades do agronegcio. Da mesma forma, estas cidades passam a ser alvo de empreendimentos imobilirios em decorrncia da riqueza gerada pela reestruturao das atividades produtivas da agropecuria, tornando a construo civil um potencial investimento. O poder local por sua vez, dependente de recursos provenientes de governos federal e estadual, permanece com aes pontuais, desconectadas de uma poltica habitacional de interesse social, inexistente nas diferentes escalas. Observa-se tambm que por conta da magnitude do problema, j emergem aes da sociedade civil e de organizaes no governamentais no sentido de apresentar projetos demonstrativos como alternativas capazes de impactar as polticas pblicas. Num estudo mais aprofundado sobre os dados disponibilizados sobre o dcit e a inadequao habitacional, foi possvel constatar a contradio entre o dcit habitacional e a existncia de domiclios vagos quase que semelhantes em termos quantitativos. Todavia, ao considerarmos os dados da inadequao da moradia, percebe-se que na falta de uma poltica habitacional de interesse social, seja na escala nacional na formulao de programas, viabilizao e destinao de recursos, seja na escala estadual ou local na promoo de sua implementao e execuo de forma planejada os problemas aqui apontados tendem a crescer, comprometendo cada vez mais as condies de habitabilidade urbana. Os problemas associados irregularidade fundiria, concentrao de posse da terra urbana e forma desigual como as redes de infra-estrutura so implementadas, alm do descompasso entre produo da moradia no que se refere oferta e demanda, nos leva a crer

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nas suas periferias, assim como pela progressiva diminuio do nmero de famlias vivendo na zona rural, onde o nmero de moradias feitas em taipa costuma ser representativo. No que se refere condio inadequada de moradia, percebe-se uma clara relao entre a localizao da pobreza e a precariedade das condies de habitao. As condies sanitrias inadequadas nas cidades do agronegcio do Nordeste demonstram que o desenvolvimento concentrado da forma como se realiza, reproduz cada vez mais, a lgica da desigualdade, homogeneizando paisagens perifricas, associando a moradia da pobreza falta de recursos para a construo de instalaes sanitrias da parte dos moradores, e inoperncia e incapacidade dos municpios em implantar redes de infra-estrutura. Nisto, a situao de Balsas exemplar dado que 50% dos domiclios encontram-se sem banheiro onde a taxa de urbanizao superior a 84 % do total. A inadequao fundiria tambm j visvel nestes municpios, denunciando o processo de favelizao j vigente, especialmente visvel na condio daqueles que so proprietrios da moradia, sem ter a propriedade do terreno. No caso de Limoeiro do Norte, pelo menos 5 % dos domiclios se mostram em condies fundirias irregulares. Por m, a carncia de infra-estrutura se apresenta de forma diferenciada para os municpios analisados. Nas cidades associadas ao agronegcio da soja, a carncia de infra-estrutura maior, chegando em ambos os casos, a ser superior metade da populao: Barreiras (54,4%) e Balsas (64,4%). Em contrapartida, nas cidades do agronegcio da fruticultura, os nmeros mostram-se mais favorveis: Limoeiro (32,3%) e Petrolina (14,5%). Mais uma vez, possvel apontar a tendncia de que as culturas que gerem um maior nmero de empregos levem a melhores condies de moradia.

Consideraes nais importante frisar que a reestruturao da agropecuria no homogeneizou a produo ou os espaos agrcolas, nem to pouco os espaos urbanos que crescem com este processo. O que ocorre em contraposio ao processo de globalizao da produo e do consumo agropecurio um intenso processo de fragmentao da produo e do espao agrcola. Assim sendo, como recurso de mtodo para compreenso da urbanizao brasileira, do espao agrrio e das cidades do agronegcio, temos que considerar esta fragmentao, que torna cada vez mais diferenciados os espaos agrcolas e as cidades do agronegcio. Diramos que, hoje, existem vrios circuitos da economia agrria, extremamente hierarquizados tendo numa ponta, os produzidos pela expanso do agronegcio globalizado associado ao circuito superior da economia urbana, enquanto que na outra extremidade, teramos os espaos agrcolas, nos quais ainda predomina a agricultura de sequeiro, a pecuria extensiva, o extrativismo, onde a natureza continua tendo peso importante para a vida de milhares de comunidades, nas quais os ciclos naturais e o tempo lento ainda so hegemnicos. justamente dentre os tentculos do circuito superior da economia agrria brasileira que encontramos as cidades do agronegcio, nas quais possvel articular a escala local com a internacional, organizando o espao a partir de imposies de carter ideolgico e de mer-

Embora as grandes cidades se constituam no mago da dinmica econmica globalizada, outros agentes passam a se apresentar com fora para receber e emitir uxos de vrias naturezas e intensidades, o que resulta na criao de uma gama de novas relaes sobre o territrio. Hoje se conhece uma srie de atividades, incluindo agropecurias e agroindustriais, que criam relaes que escapam ao seu entorno imediato e buscam nexos distantes, desenhando uma verdadeira teia de circuitos espaciais de produo e crculos de cooperao (SANTOS, 1986; ELIAS, 2003ab) globalizados, sendo que vrios nos destes circuitos e crculos encontram-se no Brasil agrcola. O Brasil chega, assim, ao sculo XXI com uma generalizao do fenmeno da urbanizao da sociedade e do territrio. A conseqncia a gerao de um territrio altamente diferenciado e muito mais complexo na sua denio, do que o foi no perodo pr-tcnicocientco-informacional, o que torna praticamente invivel a continuidade da separao tradicional entre um Brasil urbano e um Brasil rural, assim como a falncia dos esquemas clssicos de anlise da rede urbana, da denio das regies metropolitanas e da diviso regional do pas, mostrando-se a necessidade de uma reviso de uma srie de critrios, em parte at hoje muito utilizados, que d conta da compreenso da complexidade da realidade atual. Se So Paulo o Estado brasileiro que mais desenvolveu a metropolizao, tambm onde mais tem se dado o processo de involuo metropolitana. Sua rapidez em se organizar face s exigncias do perodo tcnico-cientco-informacional fez com que, a cada sopro de modernizao, abandonasse o passado e se reconstrusse imagem do presente, transformando-se na principal rea de acumulao do pas. Desde o primeiro momento da mecanizao do territrio, tem promovido uma adaptao progressiva totalmente inerente aos interesses dos capitais hegemnicos. Basta ver os vrios eixos de crescimento econmico que se espraiam pelo interior de seu territrio. Diante do supracitado, concordamos com Santos (1993) de que impossvel continuar simplesmente dividindo o Brasil entre urbano e rural. Para este autor, uma diviso entre o Brasil urbano com reas agrcolas e um Brasil agrcola com reas urbanas reetiria melhor a realidade contempornea do pas. possvel identicar vrias reas nas quais a urbanizao se deve diretamente consecuo da agricultura cientca globalizada. A modernizao e a expanso destas atividades promovem o processo de urbanizao e de crescimento das reas urbanas, cujos vnculos importantes se devem s inter-relaes cada vez maiores entre o campo e a cidade. Estas se desenvolvem atreladas s atividades agrcolas circundantes e dependem, em graus diversos, dessas atividades, cuja produo e consumo se do de forma globalizada. A reestruturao produtiva da agropecuria brasileira est entre os processos que promovem o aprofundamento da diviso social e territorial do trabalho, contribuindo para uma total remodelao do territrio e a organizao de um novo sistema urbano. As novas relaes campo-cidade, impostas pela agricultura cientca globalizada, representam um papel fundamental para a expanso da urbanizao e para o crescimento das cidades intermedirias e locais, fortalecendo-as, seja em termos demogrcos ou econmicos, cujos elementos estruturantes podem ser encontrados na expanso das novas relaes de trabalho agropecurio, promovendo o xodo rural (migrao ascendente) e a migrao descendente (SANTOS, 1993)

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de prossionais especializados no agronegcio; na difuso do consumo produtivo agrcola (SANTOS, 1988; ELIAS, 2003b), dinamizando o tercirio e, conseqentemente, a economia urbana, mostrando que na cidade que se realiza a regulao, a gesto, a normatizao das transformaes que ocorrem no campo moderno. A racionalizao do espao agrrio, a consecuo da agricultura cientca globalizada, que se d com a formao de redes de produo agropecuria globalizadas que associam: empresas agropecurias; fornecedores de insumos qumicos e implementos mecnicos; laboratrios de pesquisa biotecnolgica; prestadores de servios; agroindstrias; empresas de distribuio comercial; empresas de pesquisa agropecuria; empresas de marketing; cadeias de supermercados; empresas de fast food etc, resultaram na intensicao da diviso do trabalho, das trocas intersetoriais, da especializao da produo e em diferentes arranjos territoriais produtivos no campo e nas cidades que lhe so prximas, mostrando o aprofundamento da territorializao do capital no campo e da monopolizao do espao agrrio. O impacto de todas essas transformaes na dinmica populacional e na estrutura demogrca vem sendo intenso. Concomitantemente a uma reestruturao produtiva agropecuria e agroindustrial, ocorre uma revoluo demogrca e urbana, marcada por grande crescimento populacional. Uma das caractersticas do processo de modernizao das atividades agropecurias no Brasil o desenvolvimento de uma gama muito extensa de novas relaes campo-cidade, dada a crescente integrao da agropecuria ao circuito da economia urbana. Isto se d, principalmente, porque a agricultura cientca e o agronegcio tm o poder de impor especializaes territoriais cada vez mais profundas. Dessa forma, quanto mais se difunde a agricultura cientca e o agronegcio globalizados, mais urbana se torna a sua regulao.

Novas relaes campo-cidade e a emergncia da cidade do agronegcio Uma das conseqncias da reestruturao produtiva da agropecuria no Brasil o processo de urbanizao e crescimento urbano, promovidos, entre outros, pelas novas relaes campo-cidade, desencadeadas pelas necessidades do consumo produtivo agrcola, que cresce mais rapidamente do que o consumo consumptivo. Segundo Santos, na medida em que a cidade que passa a fornecer a grande maioria dos produtos, servios e mo-de-obra necessrios produo agropecuria e agroindustrial modernas, algumas cidades locais e mesmo intermedirias deixam de ser a cidade no campo e se transformam na cidade do campo. Consideramos que podemos adaptar a denominao dada por Milton Santos de cidade do campo para cidade do agronegcio para classicar algumas das cidades, locais e intermedirias, do Brasil agrcola com reas urbanas. No perodo tcnico-cientco-informacional, as cidades do agronegcio se multiplicam no pas e passam a desempenhar novas funes, transformando-se em lugares de todas as formas de cooperao erigidas pela agricultura cientca globalizada, resultando em muitas novas territorialidades. Se a cidade a materializao das condies gerais de reproduo do capital (CARLOS, 2004), a cidade do agronegcio aquela cujas funes de atendimento s demandas do agronegcio globalizado so hegemnicas sobre as demais funes.

Joo Pinheiro no que se refere ao dimensionamento do dcit habitacional e s condies inadequadas de moradia. Deste estudo, podem ser apontadas como principais caractersticas do dcit habitacional associadas s cidades do agronegcio, as quais so tambm vericadas quando se analisa as reas metropolitanas, onde o crescimento econmico se mostra igualmente concentrado e desigual: representatividade do dcit habitacional em relao ao total de domiclios; altos percentuais de domiclios vagos apesar da demanda; predominncia da situao de co-habitao como principal causa do dcit habitacional; complementao quase que integral do dcit quando somados: co-habitao e domiclios feitos com materiais rsticos; grande maioria do dcit na faixa de renda inferior a trs salrios mnimos. Considerando as cidades do agronegcio tomadas como referncia nesse estudo, observa-se que suas taxas de urbanizao mostram-se em progressivo crescimento, atingindo valores similares s regies metropolitanas, como: Barreiras (89,4%); Balsas (84,7%) e Petrolina (77,8%). Outros municpios, como Limoeiro do Norte (58,8%), ainda que com processos recentes de modernizao da agricultura, j chegam a mais da metade da populao vivendo na zona urbana. Vale tambm considerar que, a diferena entre o dcit habitacional e o nmero de domiclios vagos mostra-se bastante reduzida, especialmente nos municpios de porte mdio, com funes de centros regionais. Nestes casos, tem-se, num extremo, aqueles com maior aporte de capital passando a investir na construo de casas para locao, enquanto que noutro, percebe-se a expanso da pobreza diretamente associada relao campo-cidade, onde convergem para a cidade famlias que passam a morar em moradias feitas de materiais rsticos, ou na condio de convivente com outra unidade domstica. No caso de Barreiras tem-se um dcit de 6.500 domiclios (20,5 % do total), enquanto que mais de 5.400 residncias (17 % do total) encontram-se desocupadas. A situao similar para o caso de Limoeiro do Norte, onde menos de mil novas casas resolveriam um dcit habitacional de quase trs mil residncias. Vale aqui ressaltar que esse contingente de domiclios vagos tem na incapacidade da populao local de pagar pelo aluguel um dos principais motivos para a sua desocupao. A co-habitao como indicador do dcit habitacional em Petrolina chega a atingir mais de 90 % do total do dcit, ao contrrio de Limoeiro do Norte e Balsas, onde o percentual de domiclios rsticos chega a atingir em torno de 30 %. Acredita-se que no caso de Petrolina, uma cidade do agronegcio de porte mdio, por conta da prpria diversidade de funes, alm dos investimentos governamentais nos projetos de irrigao, verica-se uma melhoria gradativa das condies de moradia, substituindo-se os materiais precrios por outros que garantam uma condio de vida melhorada. Ainda que no se possa armar de forma categrica, levanta-se a hiptese de que a fruticultura, ao demandar um nmero maior de empregos (2 a 5 empregos/hectare) em comparao cultura da soja, (um emprego/100 hectares), promova melhores condies de moradia em cidades como Petrolina do que em cidades que polarizam regies de produo da soja, como Balsas, onde denota-se altssimos ndices de misria. No caso de Limoeiro do Norte, onde o processo de implantao do agronegcio ainda recente, verica-se a tendncia de reduo do ndice de domiclios feitos de materiais rsticos, tamanha a transformao

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demais entradas da cidade. Todavia, remanescem grandes reas vazias prximas ao centro, inclusive dotadas de infra-estrutura urbana, contribuindo sobremaneira para a especulao imobiliria. Situao peculiar pode ser constatada em Petrolina, onde os conjuntos habitacionais perifricos induziram ocupao das reas vizinhas, no havendo mais condies de expanso em alguns trechos onde os limites do permetro urbano j foram denitivamente atingidos, contrapondo-se assentamentos urbanos e reas de produo da fruticultura. Via de regra, estes conjuntos contam com redes de infra-estrutura, deixando claramente a situao de acessibilidade desigual aos servios urbanos como caracterstica tambm nas cidades do agronegcio. Alm disso, outros assentamentos perifricos justapostos os quais j no dispem dos mesmos benefcios passam a utilizar da infraestrutura de forma clandestina, o que leva sua supersaturao e degradao. Na ausncia de instrumentos de planejamento e gesto do solo urbano e, principalmente, na carncia de polticas habitacionais de interesse social delineadas segundo as necessidades e possibilidades locais, tem-se um cenrio no to positivo no ambiente urbano destas cidades. Recomenda-se assim para a reverso deste quadro, a adoo de medidas que promovam o desenvolvimento institucional, visto que a realidade da questo habitacional j demanda polticas, programas, projetos e, especialmente, tcnicos nas instituies locais que sejam capazes de implement-los. Considerando a insero de novos atores sociais e a abertura participao nos processos associados questo da moradia, j se fazem notar nas cidades do agronegcio, alguns fenmenos que demonstram a abertura de novos canais de interlocuo para a sociedade civil ainda incipientemente organizada. Especialmente apoiadas pela igreja, algumas aes de pequeno porte j comeam a se disseminar nestas cidades, constituindo-se em projetos demonstrativos que se conguram como referncia para os demais. Associados a esta temtica podemos apontar, dentre outros processos: aes de combate ao problema da moradia desvinculadas do poder pblico, assumidas por organismos do terceiro setor; condies de organizao dos movimentos sociais urbanos ainda incipientes e falta de integrao com as questes da reforma urbana. No caso de Limoeiro do Norte, chama ateno a atuao do movimento social urbano organizado em torno da questo da moradia, o qual foi capaz de realizar um cadastro de famlias inseridas na situao de dcit habitacional abrangendo tanto a cidade como o campo, o qual conrmou tanto as constataes empiricamente obtidas no trabalho de campo, como as informaes obtidas com as bases estatsticas fornecidas pelo IBGE e pela Fundao Joo Pinheiro. Vale ainda mencionar a presena de escritrio da ONG Habitat para a Humanidade, associada igreja, cuja ao tem promovido a realizao de parcerias entre o poder local e o movimento social, viabilizando a produo de moradias em regime de mutiro, as quais por conta de sua qualidade construtiva servem de referncia para os demais projetos habitacionais realizados no municpio. Evidncias da atuao da igreja, junto a outras instituies voltadas para o desenvolvimento local sustentvel foram tambm observadas nas outras cidades do agronegcio cando, porm, ao nvel das aes de exigibilidade de direitos. Quanto ao dcit habitacional e as condies inadequadas de moradia, a expresso quantitativa desses processos pode ser aferida atravs de estudos recentes feitos pela Fundao

Nas reas de expanso do agronegcio e da agricultura cientca globalizados, visvel o crescimento da urbanizao e de aglomerados urbanos, assim como a criao de novos municpios. possvel mesmo observar uma rede de cidades do agronegcio, considerando as diferentes demandas dos diversos ramos do agronegcio. Isto pode ser observado especialmente na Regio Concentrada, sendo os grandes destaques as cidades mdias, que j estariam em estgio mais avanado de urbanizao da sociedade e do territrio. Uma mesma regio agrcola moderna pode possuir cidades do agronegcio com vrios nveis de tamanho, de acordo com o dinamismo da agropecuria que se desenvolve no seu entorno, como o caso da Regio de Ribeiro Preto, no Estado de So Paulo, que se transformou, desde a dcada de 1970, na principal regio dos sistemas agroindustriais sucroalcooleiros e de suco concentrado de laranja. Temos defendido (ELIAS, 1996, 2003b) que esta regio o exemplo maior do Brasil agrcola moderno, dado o nvel e a complexidade das transformaes socioespaciais pelas quais passou nos ltimos quarenta anos. Acreditamos que nesta regio a diviso do trabalho agropecurio e agroindustrial encontra-se to exacerbada que poderamos falar de uma rede de cidades do campo, polarizadas por Ribeiro Preto. Citaramos Sertozinho (a cidade da cana), Mato e Bebedouro (cidades da laranja), entre outras. Diferentemente do consumo consumptivo, que cria demandas heterogneas segundo os estratos de renda, o consumo produtivo agrcola gera demandas heterogneas segundo as necessidades de cada produto (agrcola ou agroindustrial), assim como durante as diferentes etapas do processo produtivo, diferenciando os equipamentos mercantis. Dessa forma, para compreender a economia urbana das cidades do agronegcio, importante observar as funes que cada uma exerce durante as diferentes etapas do processo produtivo, como por exemplo, na safra e na entre safra. Vale destacar, ainda, que quanto mais dinmica a reestruturao produtiva da agropecuria, quanto mais complexa a formao das redes de produo agropecuria, quanto mais globalizados os seus circuitos espaciais produtivos e os seus crculos de cooperao, mais complexas se tornam as relaes campo-cidade. As cidades do agronegcio no Brasil tm-se desenvolvido atreladas s atividades agrcolas e agroindustriais circundantes e dependem, em graus diversos, dessas atividades, cuja produo e consumo se do, em grande parte, de forma globalizada. Rio Verde (GO), Sorriso, Primavera do Leste e Rondonpolis (MT), Sertozinho, Mato e Bebedouro (SP) so exemplos de cidades do agronegcio. Poderamos citar alguns exemplos inerentes recente ocupao de lugares de reserva na Regio Nordeste, sejam associados expanso da fruticultura nos vales midos, como Petrolina (PE) e, mais recentemente, Limoeiro do Norte (CE), ou expanso da soja nos cerrados, que se d em unssono com a implantao das multinacionais Cargill e Bunge, desestruturando a formao socioespacial anterior, trazendo novas dinmicas territoriais, polticas e socioculturais, ao entorno, como ocorre em Balsas (MA), Uruu e Bom Jesus (PI), Barreiras e Lus Eduardo Magalhes (BA). Este ltimo j resultado de desmembramento ocorrido no ano de 2000 do municpio de Barreiras, principal centro urbano dos cerrados nordestinos, o primeiro a despontar

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como tendo sua economia atrelada ao agronegcio da soja neste bioma, como j apontava Santos Filho (1988), na dcada de 1980. Acreditamos que Lus Eduardo Magalhes seja resultado da luta poltica desencadeada pelos migrantes descendentes (especialmente gachos), que se associam ao sistema agroindustrial da soja e buscam consolidar o prprio territrio, independente de foras conservadoras locais. Poderamos dizer que este um dos ltimos municpios criados como resultado das novas formas de uso do territrio brasileiro inerente expanso da agricultura cientca globalizada, cuja economia se sustenta no agronegcio.

Desigualdades socioespaciais nas cidades do agronegcio A difuso da agricultura cientca e do agronegcio globalizados, seja de frutas tropicais ou de soja, no Nordeste brasileiro vem promovendo metamorfoses de inmeras naturezas, notadamente com a expanso do capitalismo no campo. Dentre os impactos negativos deste processo, destacaramos: a crescente desarticulao da agricultura de subsistncia e aumento da participao de empresas agropecurias no total da produo agropecuria regional; a expanso da monocultura e, consequentemente, diminuio da biodiversidade, aumentando o processo de eroso gentica; a mudana dos sistemas tcnicos agrcolas, com difuso de um pacote tecnolgico dominado por uma produo oligopolizada, muitas vezes imprprio para as condies do semi-rido e do cerrado, destruindo saberes e fazeres historicamente construdos; o aumento da concentrao fundiria, com a expropriao de agricultores que no detm a propriedade da terra; o acirramento do mercado de terras, do acesso privado terra, que tem seu preo aumentado, contrariando ainda mais as aspiraes pela Reforma Agrria; o acirramento da privatizao dos recursos hdricos, com as novas formas de normatizao de seu uso; a formao de um mercado de trabalho agropecurio formal, com a expanso do trabalho assalariado, braal e especializado; a fragmentao do espao agrrio, diferenciando cada vez mais os espaos da produo, compondo vrios circuitos espaciais da produo agrria; o incremento da economia urbana e das cidades locais e intermedirias; o crescimento desordenado de algumas cidades, aumentando as periferias urbanas e as carncias de infra-estrutura. So visveis as novas territorialidades na regio, no campo e nas cidades, pontos de transformao da natureza, de criao de novas horizontalidades e verticalidades e da articulao da escala local com a planetria, expandindo-se o processo de territorializao do capital no campo. Mas, a reestruturao produtiva da agropecuria se d de forma extremamente excludente, acentuando as histricas desigualdades sociais e territoriais, alm de criar muitas novas disparidades. Dessa forma, o que est se processando uma produo regulada pelo mercado associado aos novos padres de consumo alimentar de frutas frescas e de derivados de soja comandado por grandes grupos hegemnicos do sistema alimentar, com o acirramento da diviso social e territorial do trabalho, resultando na refuncionalizao dos seus espaos agrrios e urbanos, difundindo-se especializaes produtivas, mas que se mostram incapazes de se associarem a consecuo de uma sociedade mais justa e equilibrada.

No caso do municpio de Balsas, onde a taxa de urbanizao j ultrapassa 84%, observa-se a proliferao de loteamentos, os quais ainda que justapostos, contribuem com o crescimento desordenado da cidade. Assim, passa a ocorrer uma setorizao das famlias de melhor poder aquisitivo ao sudeste da rea central, onde condomnios fechados com sua prpria infra-estrutura j podem ser encontrados. Mesmo na pequena Uruui j se observa um loteamento a 15 km da sede municipal, nas proximidades da unidade esmagadora de soja da Bunge, indicando uma nova frente de urbanizao isolada e diferenciada da precria situao existente na cidade. Em Barreiras, e especialmente em Lus Eduardo Magalhes, verica-se a clara distino entre os alvos do mercado imobilirio, sendo o eixo de ligao entre as duas cidades o lcus preferido para loteamentos de melhor padro, ao contrrio das sadas para o Piau (Barreiras) e para Braslia (Luis Eduardo Magalhes), onde as famlias de menor poder aquisitivo tm se assentado ainda desprovidas de infra-estrutura. Para que esse novo perl de demanda possa ser incorporado, segundo a lgica de acumulao que domina o mercado imobilirio formal, faz-se necessrio a sua precarizao, transferindo-se para o poder pblico e para a municipalidade como um todo os custos da urbanizao. Disto loteamentos irregulares quanto ao que determina a lei passam a ser produzidos, desconsiderando-se tambm a doao de reas para equipamentos sociais, espaos livres e preservao ambiental (CAMPOS, 1992). No que concerne produo de habitao de interesse social, diramos que na interveno do poder pblico nas diferentes esferas de governo em aes voltadas para a produo da moradia, pode-se detectar alguns processos, dentre os quais: construo de conjuntos habitacionais em reas perifricas, desprovidas de infra-estrutura e sem qualquer interligao malha urbana existente, induzindo expanso urbana; acessibilidade desigual s redes de servio e infra-estrutura urbanas e aos equipamentos sociais, associada pobreza urbana; fragmentao das aes habitacionais promovidas pelo poder pblico, tanto no que se refere sua materializao como objeto do espao urbano quanto no aspecto poltico, relacionado aos planos e programas implementados; fragilidade dos instrumentos de planejamento e gesto do solo urbano, incapazes de amenizar os problemas decorrentes da urbanizao, tanto no que se refere habitao, quanto aos problemas relacionados organizao do territrio. Observando a realidade da produo da moradia de interesse social, verica-se que as intervenes realizadas decorrem de programas conduzidos pelo Governo Federal, seja atravs do extinto Banco Nacional de Habitao (BNH), seja da Caixa Econmica Federal, ou pelos Governos Estaduais atravs de suas Companhias de Habitao COHABs ou rgos equivalentes. Nestas aes, pode ser apontada como regra a localizao perifrica dos conjuntos habitacionais produzidos, contribuindo para um crescimento urbano ainda mais desordenado, remanescendo diversos espaos vazios nos interstcios entre as franjas periurbanas e as reas centrais (MARICATTO, 2001). Grandes vazios urbanos ainda remanescem entre a periferia de Limoeiro do Norte e a rea central, tendo as franjas peri-urbanas sido formadas a partir de projetos habitacionais de interesse social promovidos pelo poder pblico nas ltimas trs dcadas. Em Barreiras, oeste da Bahia, observa-se um recente projeto habitacional implantado pela prefeitura na sada para o Piau, no qual vem sendo assentadas as famlias provenientes das favelas situadas nas

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de lotes em parcelamentos perifricos atendendo a demanda local. Situao semelhante foi observada em outros municpios, como Balsas no Maranho, Barreiras na Bahia e mesmo em outros de pequeno porte, como Uruui no sul do Piau, sempre atendendo demanda de novos trabalhadores especializados, que passam a aquecer o mercado imobilirio. O mesmo pode ser dito a partir do crescimento da construo civil, percebido atravs do surgimento de uma verticalizao, ainda de forma incipiente, abrigando moradores temporrios como os representantes comerciais, os prestadores de servios e mesmo os estudantes de cursos de nvel superior, que tambm passam a simbolizar a modernizao e a polarizao destas cidades em relao s regies circunvizinhas. Disto resulta um conjunto de edicaes sob a forma de ats que mais parecem antigos kitnets, especialmente localizados nas reas centrais, em pisos superiores aos estabelecimentos comerciais, geralmente de propriedade do mesmo empreendedor. Situaes extremas j foram percebidas, com o surgimento de edifcios verticais de alto padro, apesar da disponibilidade de terra urbana, especialmente nas cidades mais consolidadas, como Barreiras e Petrolina, e mesmo em Lus Eduardo Magalhes. O mesmo pode ser dito da implantao de pequenos condomnios fechados e loteamentos afastados da cidade, trazendo para estas cidades, padres residenciais metropolitanos, que levam a exacerbao da dicotomia entre as reas de segregao voluntria daqueles com maior poder aquisitivo e as reas de excluso social de outros desprovidos dos benefcios trazidos com a modernizao da agricultura e seus rebatimentos na cidade do agronegcio. Desta maneira, percebe-se a reproduo de estratgias de apropriao dos investimentos pblicos pelas classes dominantes, segregando-se em reas de maior valor imobilirio por conta das infra-estruturas e dos servios disponveis (VILLAA, 1999). O processo de verticalizao, ao longo das margens do rio So Francisco em Petrolina no trecho j urbanizado prximo ao centro, pode ser mencionado como um claro exemplo de apropriao dos investimentos em infra-estrutura, fazendo inclusive elevar o preo da terra e consolidando o processo de substituio de antigas residncias por edifcios multi-familiares. Mesmo nas partes mais distantes do centro, porm ainda margeando o rio So Francisco, observa-se a implantao de condomnios fechados os quais se apropriam das boas condies de mobilidade, das vantagens paisagsticas. Em Barreiras, a segregao socioespacial tambm se d nos bairros prximos ao centro, reas melhor providas de infra-estrutura, emergindo uma verticalizao que apesar de pontual denota a alta concentrao de riqueza gerada pelo agronegcio. Como impacto deste processo, tem-se a manuteno de vazios urbanos em reas dotadas de infra-estrutura, para futuros empreendimentos imobilirios, sendo quase sempre superdimensionado o poder de compra das classes melhor favorecidas locais, contribuindo, por sua vez, para o encarecimento da implantao de redes de infra-estrutura para as periferias, cada vez mais distantes. Vale ressaltar que em municpios cujas atividades produtivas permitem uma maior empregabilidade da populao local, como nas cidades que possuem agroindstrias, o mercado imobilirio formal tambm j se faz presente, promovendo, muitas vezes, loteamentos irregulares, desconectados de diretrizes urbansticas. Com isso, a populao inserida no mercado formal de trabalho passa a buscar a aquisio do lote urbano como forma de investimento.

Tudo isto vem se reetindo nas cidades do agronegcio, que passam a reproduzir os mesmos problemas urbanos das cidades maiores. Destacaramos: ausncia ou insucincia de infra-estrutura social (creches, escolas, postos de sade) nas reas habitadas pela populao de menor renda; surgimento de reas de ocupao em situao de risco ambiental; favelizao nos espaos destinados a usos institucionais e reas verdes; disseminao de vazios urbanos promovendo a especulao imobiliria; loteamentos perifricos clandestinos desprovidos de infra-estrutura; congestionamento nas reas centrais por movimentao de carga e descarga, dentre outros. Na busca pela compreenso do processo de urbanizao e das transformaes intraurbanas vigentes nos pontos luminosos de crescimento econmico associadas agricultura cientca e ao agronegcio nas fronteiras agrcolas da fruticultura e da soja no Nordeste, foram identicados vrios processos que se repetem, apesar da diversidade da realidade econmica, scio-ambiental e cultural presente no semi-rido e nos cerrados nordestinos. Estes processos se encontram diretamente relacionados ao intenso e rpido crescimento demogrco pelo qual tm passado as sedes dos municpios-plo, assim como uma redistribuio espacial da populao nas respectivas regies, acelerando-se uma migrao intra-regional. Alm disso, vale mencionar o maior uxo migratrio proveniente das regies vizinhas e de outros Estados, deagrando-se, assim, um crescimento urbano desordenado, visvel na forma como as cidades se expandem ao longo de seu sistema virio regional ou mesmo seguindo as vias intra-municipais de acesso s sedes distritais e localidades rurais. Disto passa a ocorrer uma srie de problemas atrelados circulao e mobilidade urbana e regional, atingindo tanto as reas centrais das cidades, como as periferias, os espaos de transio e as localidades rurais mais longnquas. Fato que a acessibilidade desigual aos equipamentos sociais e s redes de infra-estrutura entre as populaes das reas urbana e rural, assim como a centralizao das instituies pblicas e dos servios nos municpios plos j vem contribuindo para a acelerao desse fenmeno da urbanizao, tornando-se ainda mais evidentes nas reas onde a reestruturao produtiva da agropecuria concentra a propriedade da terra e diferencia as partes que compem a regio, seja nas relaes de trabalho, seja na alocao de investimentos. Deste crescimento urbano predominantemente excludente, emergem diversas questes associadas forma desigual como se d o acesso aos benefcios trazidos pela urbanizao, assim como aos conitos e incompatibilidades de uso e ocupao do territrio levando ao surgimento de marcas de degradao ambiental comprometedoras das condies de habitabilidade nas diferentes escalas. A implantao de agroindstrias dissociada de estudos de adequao do uso do solo, a presena de estabelecimentos comerciais atacadistas que remanescem nos centros, os usos institucionais considerados impactantes sobre o meio urbano (como matadouros, aterros sanitrios, cemitrios) so alguns dos processos que tm colaborado de forma negativa com a deteriorao da paisagem nas cidades do agronegcio consideradas para anlise. Todavia, na construo dos espaos residenciais, sejam eles formais ou informais, legais ou ilegais, promovidos pelo poder pblico ou pelo setor privado, tecnicamente assistidos ou auto-construdos, que se perceber a forma mais predatria com que a expanso da urbanizao tem se dado, tanto nas reas centrais como nas reas intermedirias, peri-urbanas ou mesmo em zonas de transio urbano-rural.

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Compreendendo o espao como sntese da interao entre os processos naturais e as relaes sociais de produo e adotando-se as formas como a moradia se congura na paisagem como referncia, os diferentes fenmenos foram agrupados segundo as seguintes questes: favelizao; mercado imobilirio; produo de habitao de interesse social pelo Estado; insero de novos atores sociais; dcit habitacional e condies inadequadas de moradia. No que concerne favelizao, considerando a favela como interveno informal e forma mais precria de moradia, onde a populao no detm a propriedade da terra, teramos, principalmente: a situao de irregularidade fundiria em desacordo com as normas urbansticas; uma intensicao da favelizao nos espaos de propriedade do poder pblico e nas reas de proteo ambiental; o aumento das reas em situao de risco; a precariedade das condies de moradia, reetindo na qualidade de vida da populao; o surgimento de formas precrias de moradia com caractersticas urbanas agrupadas em reas rurais prximas s reas produtivas acompanhado de crescimento populacional. Outrora concentrada nas reas metropolitanas, as reas de ocupao passam a se incorporar paisagem urbana de um nmero cada vez maior de cidades, independente do seu contingente populacional. Considerando a expanso da agricultura cientca nas regies polarizadas pelas cidades do agronegcio, os impactos da concentrao da posse da terra e da mecanizao da agricultura em reas onde predominava a agricultura familiar podem ser percebidos com o surgimento de novas formas de moradia na cidade. Utilizando a nomenclatura de Otomar de Carvalho (2003), a presena de favelas por ele denominadas como pontas de rua, pode ser minimamente quanticada a partir do nmero de entradas da cidade, tanto de carter regional como local, visto que em cada uma delas tende a ser encontrada uma rea de ocupao abrigando famlias provenientes do campo, reunindo habitaes improvisadas, feitas em materiais rsticos, muitas vezes num s cmodo, quase sempre sem banheiro. Independente de padres urbansticos normativos e mesmo daqueles tradicionais historicamente construdos, as cidades passam a ter sua periferia constituda por micro-espaos desordenados na sua implantao, dicultando a implantao das redes de infra-estrutura, bem como a sua acessibilidade, alm de impedir as boas condies de mobilidade da populao moradora (PASTERNAK, 1997). Dentre os efeitos da favelizao, podem ser mencionados o comprometimento das condies ambientais dos espaos livres perifricos e das margens de rios e lagoas, alvos preferenciais das novas ocupaes, nos quais se reproduzem as velhas formas de implantao de assentamentos, dando as costas para os recursos hdricos. Em casos extremos, j se comprova a presena de reas de risco, dado que parte das cidades do agronegcio nordestinas consideradas para anlise, se insere em contextos de semi-aridez, decorrendo em inundaes recorrentes nas reas alagveis irregularmente ocupadas, assim como no solapamento das margens de rios em situao de enchente, merecendo, assim, maiores cuidados no controle de futuras ocupaes e na formulao de polticas de remoo e reassentamento em reas ambientalmente estveis. A condio socioeconmica de extrema carncia associada situao fundiria precria da grande maioria das famlias tambm contribui para o estabelecimento de vnculos

de dependncia com os novos senhores da terra, predominando a cesso de uso informal para ns de moradia. Nas cidades do agronegcio mais recentemente constitudas, na sua mudana de funo, o processo de favelizao mostra-se ainda mais acentuado, nas quais a condio construtiva das moradias colabora para que estes espaos retratem ainda mais a situao de pobreza, desigualdade e excluso como impactos caractersticos das novas relaes de produo trazidas pela intensicao do capitalismo no campo, introduzindo formas mais intensivas de produo agropecuria. Verdadeiros guetos de miserveis, as favelas j podem tambm ser encontradas no prprio campo, alocadas nas pequenas localidades rurais que margeiam as reas de produo, como no municpio de Limoeiro do Norte. Centenas de moradias precrias podem ser vistas em pelo menos quatro aglomerados prximos das reas da produo intensiva da fruticultura irrigada na Chapada do Apodi. Localidades denominadas Km 60, Sucupira, Cabea Preta, Km 69, dentre outras, renem famlias que tm na oportunidade de oferta do trabalho informal sazonal sua grande motivao. Processo similar foi constatado no interior dos projetos de irrigao em Petrolina, onde alguns ncleos habitacionais passaram a se formar abrigando novas famlias constitudas no prprio permetro e mesmo alguns dos antigos irrigantes que se deszeram de seus lotes, permanecendo porm, como assalariados. A situao de precariedade, recentemente identicada, remonta aos padres e aspectos da favelizao nas grandes cidades durante a dcada de 1970 e 1980, quando as famlias no investiam na melhoria da habitao at mesmo por conta da instabilidade da no propriedade da terra, predominando as moradias feitas em taipa, desprovidas de infra-estrutura. Todavia, a chegada de um nmero cada vez maior de migrantes provenientes de municpios e estados vizinhos, tende a consolidar a ocupao, antevendo-se futuros conitos fundirios. No caso do mercado imobilirio, no que se refere produo da moradia com a atuao do setor imobilirio local, ainda que incipiente, so apontados dentre outros fenmenos: a dinamizao do mercado imobilirio, a partir da implantao de loteamentos para famlias de renda mdia e demanda e disponibilizao de imveis para aluguel; a verticalizao nas reas centrais atendendo a demandas especcas, associada super-utilizao do lote urbano e segregao scio-espacial; a presena de vazios urbanos promovendo a especulao imobiliria; a implantao de loteamentos irregulares e clandestinos sem infra-estrutura e sem nenhum critrio urbanstico. notrio perceber a formao de um mercado imobilirio no mbito do espao intraurbano da cidade do agronegcio como reexo da intensicao das demandas da agricultura moderna. Outrora pautada em procedimentos informais de locao para ns residenciais, a presena de imobilirias j denota a diversicao do perl de moradores, representando a chegada de prossionais demandados pelas novas funes assumidas pelas cidades, como a de fornecer os insumos modernos, a mo-de-obra especializada, os implementos agrcolas, dentre outras. Em Limoeiro do Norte, desde o incio de 2005, passa a funcionar uma imobiliria cuja especialidade a realizao de contratos de locao. Vale lembrar que a mesma imobiliria j funcionava noutro municpio da regio tendo, no entanto, como principal produto a venda

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Recebido para a publicao em setembro de 2005 Aprovado para publicao em fevereiro de 2006

Recebido para publicao em novembro de 2005 Aprovado para publicao em fevereiro de 2006

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Trata-se tambm de perceber que a cultura popular mais abrangente que as culturas de oposio, mas que estas ltimas podem contribuir para enriquecer o universo da primeira, assim como o da produo cultural de massa (DOWNING, op. cit.). Saber quem faz uso dessas formas de expresso cultural de oposio e de que maneira elas so utilizadas deve se constituir, portanto, no cerne das pesquisas em Geograa Cultural, nesse campo de interrelao entre os lugares e os modos de comunicao alternativos.

Referncias A Arte do Povo merece ateno. Discutindo Arte, n. 2, p. 37-41, 2005. A Rdio da caixinha. SSA-Jornal da Cidade, p. 6-7, julho de 2005. ARENDT, Hannah. A Condio Humana. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitria, 2000. ARENDT, Hannah. Entre o Passado e o Futuro. 5. ed. Coleo Debates/Poltica. So Paulo: Perspectiva, 2002a. ARENDT, Hannah. O que poltica? 3. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002b. ARENDT, Hannah. A Dignidade da Poltica. 3. ed. Rio de Janeiro: Relume-Dumar, 2002c. BURKE, Peter. Histria e Teoria Social. So Paulo: Editora UNESP, 2002. CASTORIADIS, Cornelius. Socialismo ou barbrie. O contedo do socialismo. So Paulo: Brasiliense, 1983. CERTEAU, Michel de. A Cultura no Plural. 3. ed. Campinas, SP: Papirus, 2003. CLAVAL, Paul. Modes de Communication, Spatialits et Temporalits. In: Rio de Janeiro Conference: Historical Dimensions of the Relationship Between Space and Culture, 1., 2003, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: International Geographical Union Comission on the Cultural Approach in Geography, 2003, CD-ROM. COSGROVE, Denis. A Geograa est em toda parte: Cultura e Simbolismo nas paisagens Humanas. In: Crrea, Roberto Lobato & Rosendahl, Zeny. Paisagem, Tempo e Cultura. Rio de Janeiro: EDUERJ, 1998. DOWNING, John D. H. Mdia Radical. Rebeldia nas comunicaes e movimentos sociais. So Paulo: SENAC, 2002. HABERMAS, Jrgen. Mudana estrutural da esfera pblica. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984. LACOSTE, Yves. A Geograa - Isso serve, em primeiro lugar, para fazer a guerra. 3. ed. Campinas, SP: Papirus, 1993. MITCHELL, Don. No existe aquilo que chamamos de cultura: Para uma reconceitualizao da idia de cultura em Geograa. Espao e Cultura, Rio de Janeiro, N. 8, p. 31-51, agosto/ dezembro. 1999. RDIOS educam e divertem. Jornal A Tarde, Local, p. 10, 24/7/2005.

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Concorda-se com Habermas (op. cit.), para quem o ideal de uma opinio pblica esclarecida requer vigilncia constante contra os riscos latentes de distoro atravs das mdias, do sistema poltico e da produo do conhecimento cientco, subordinados aos interesses do mercado. Como construir a articulao de consensos a partir do livre entrechoque de argumentos e opinies? Como articular consensos a partir do embate de diferentes idias de cultura, sem hierarquiz-las nem torn-las desiguais? A constituio de entre-lugares para o embate das diferentes idias de cultura, como a criao do Frum Permanente de Culturas Populares, em 2002, pode gerar futuras estruturas institucionais de gesto e formulao de polticas culturais na escala nacional. Essas polticas devem seguir sobretudo o princpio da incluso sem hierarquizao. Segundo Amrico Crdula, coordenador do Frum, o organismo foi criado logo aps a aprovao da Lei de Fomento ao Teatro, por um grupo de artistas, produtores, ndios, pesquisadores, antroplogos e socilogos:Nossa inteno era estudar e elaborar polticas pblicas para as culturas populares. Formamos vrios grupos de trabalho para discutir educao, polticas pblicas e privadas, leis municipais, estaduais e federais. Dos encontros participaram repentistas, sambistas, capoeiristas, ndios e artistas populares. Conseguimos estabelecer assim uma rede pela internet que logo atingiu o Brasil inteiro e outros grupos e fruns. Nesse processo, percebemos que havia poucas leis e polticas voltadas para as culturas nacionais. (DISCUTINDO ARTE, n. 2, p. 37-41, 2005)

Espao pblico, cultura e participao popular na cidade contempornea Espace public, culture et engagement populaire dans la ville contemporaine Public space, culture and popular participation in the contemporary CityAngelo SerpaProfessor adjunto doutor do Departamento de Geograa da Universidade Federal da Bahia, com Ps-doutorado em Geograa Cultural pela Universidade de Paris IV (Sorbonne), pesquisador do CNPq. Av. Princeza Leopoldina, 359, Apto. 602, Ed. Vale da Princeza Graa - Salvador, BA CEP: 40.150-080 [email protected]

Resumo: O texto discute o papel do espao pblico na cidade contempornea como espao da ao poltica e arena para manifestao de diferentes idias de cultura no contexto urbano. A cultura vista aqui como um motivo de conflito de interesses nas sociedades contemporneas, um conflito pela sua definio, pelo seu controle, pelos benefcios que assegura. Busca-se uma idia de cultura que abarque as representaes e prticas sociais das classes populares nas cidades contemporneas, a partir de relatos de moradores dos bairros populares de Salvador, visando ao aprofundamento da discusso sobre a participao popular na formulao e gesto de polticas culturais num momento de consolidao da atividade turstica na cidade. Na segunda parte do trabalho, tomando-se a formulao do conceito de entre-lugar como ponto de partida, analisa-se o exemplo das rdios comunitrias nos bairros populares da capital baiana, atentando-se para a fora das tticas enraizadas no lugar e que podem subverter a lgica da produo de hegemonias culturais nas cidades contemporneas. Por fim, sugere-se uma anlise fenomenolgica e praxeolgica das trajetrias culturais dos grupos que produzem e reproduzem idias de cultura alternativas cultura dominante, a fim de apreender a composio dos lugares onde estes grupos atuam, bem como a inovao que modifica estes lugares ao atravess-los, por sua abrangncia de atuao. Palavras-chave: Espao Pblico, Cultura Popular, Participao Popular, Entre-Lugar, Rdios Comunitrias. Rsum: Larticle aborde le rle de lespace public dans la ville contemporaine comme lieu de laction politique ainsi que de la manifestation des diffrentes ides de culture dans le contexte urbain. La culture est vue ici comme une raison de conflits dintrts dans les socits contemporaines, des conflits pour rgler sa dfinition, pour la contrler et surtout pour participer aux bnfices quelle assure. On cherche une ide de culture quembrasse les reprsentations et les pratiques sociales des habitants des quartiers populaires Salvador, en suivant le but dapprofondir la discussion autour de lengagement des couches populaires la formulation et la gestion des politiques culturelles un moment de consolidation dactivits lies au tourisme dans la capitale baianaise. Dans la deuxime partie du texte, partir de la dfinition du concept d entre-lieu, on analyse lexemple de lensemble des installations, services et programmes de la radio dite communautaire dans les quartiers populaires Salvador, pour ensuite discuter la force des actions attaches aux lieux face aux stratgies de production dhgmonies culturelles dans les villes contemporaines. Finalement, on propose une analyse base sur la phnomnologie, sur la praxis et les trajectoires culturelles des groupes qui produisent des ides alternatives aux ides dominantes de culture, pour apprhender la structure des lieux, o ces groupes agissent, ainsi que les rsultats de leur action. Mots-cls: espace public, culture populaire, engagement populaire, entre-lieu, radio communautaire. Abstract: The text is about the part the public space plays in the contemporary city as the space of politic actions and to show different ideas of culture in urban context. The culture here, as occasion of contemporary societies interests conflict, one conflict for its definition, its control and for the assured benefits. It is to look for one culture idea that embrace the social representations and practices of common citizen in contemporary cities, from Salvadors popular quarters residents reports, in order to make a profound study of the popular participation in formulation and management of cultural policies when happens the consolidation of touristy activities in the city. The second part of the text uses the formulation of the inter-place concept to analyzes the example of communitarian radios in popular quarters of Bahias capital, with attention in the power of their established tactics that can su