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O ACORDO DE BASILÉIA II EM 1998 E A CRISE FINANCEIRA MUNDIAL EM 2008: AS REGRAS PRUDENCIAIS FALHARAM? Área: CIÊNCIAS ECONÔMICAS Olimar Carlos de Souza Universidade Estadual de Ponta Grossa Departamento de Economia Praça Santos Andrade, s/n Ponta Grossa - PR [email protected] Nádia Jacqueline Coelho Tremea Universidade Estadual de Ponta Grossa Departamento de Economia Praça Santos Andrade, s/n Ponta Grossa - PR [email protected] Resumo O objetivo do artigo é analisar o pânico que abalou o mercado financeiro internacional após a repentina falência do Lehman Brothers nos Estados Unidos da América do Norte em setembro de 2008, quarto maior banco de investimentos de Wall Street com carteira substancial de títulos vinculados a hipotecas “subprime”. Uma crise anunciada pelo economista Hyman Minsky, que não viveu o suficiente para vê-la acontecer. Causada por desregulamentação bancária e financeira, irresponsabilidade do Federal Reserve (Fed) e dos Chief Executive Officer (CEO) dos bancos privados e, deficiência na fiscalização das instituições em seguir as regras prudenciais estabelecidas no Acordo da Basiléia II, na Suíça. Palavras-chaves: Ciclos econômicos, Acordo de Basiléia II, crise mundial .

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O ACORDO DE BASILÉIA II EM 1998 E A CRISE FINANCEIRA MUNDIAL EM 2008: AS REGRAS PRUDENCIAIS FALHARAM?

Área: CIÊNCIAS ECONÔMICAS

Olimar Carlos de Souza Universidade Estadual de Ponta Grossa

Departamento de Economia Praça Santos Andrade, s/n

Ponta Grossa - PR [email protected]

Nádia Jacqueline Coelho Tremea

Universidade Estadual de Ponta Grossa Departamento de Economia Praça Santos Andrade, s/n

Ponta Grossa - PR [email protected]

Resumo O objetivo do artigo é analisar o pânico que abalou o mercado financeiro internacional após a repentina falência do Lehman Brothers nos Estados Unidos da América do Norte em setembro de 2008, quarto maior banco de investimentos de Wall Street com carteira substancial de títulos vinculados a hipotecas “subprime”. Uma crise anunciada pelo economista Hyman Minsky, que não viveu o suficiente para vê-la acontecer. Causada por desregulamentação bancária e financeira, irresponsabilidade do Federal Reserve (Fed) e dos Chief Executive Officer (CEO) dos bancos privados e, deficiência na fiscalização das instituições em seguir as regras prudenciais estabelecidas no Acordo da Basiléia II, na Suíça. Palavras-chaves: Ciclos econômicos, Acordo de Basiléia II, crise mundial.

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1. INTRODUÇÃO

A partir do momento que a crise econômica e financeira de 2008 ganhou as manchetes do mundo, Wall Street tornou-se o epicentro das atenções e preocupações. Fazendo cair por terra dogmas capitalistas neoliberais considerados irrefutáveis, como a total desregulamentação dos mercados, em especial, o financeiro e com a aparente liberdade do setor bancário internacional, houve perplexidade no mundo econômico principalmente no sentido de que transparecia não haver qualquer regulamentação no ambiente financeiro internacional. No entanto a regulamentação existia sob a alcunha de “Acordo de Basiléia”. O objetivo do artigo é discutir o Acordo de Basiléia II de 1998 e buscar responder por que ele não foi suficiente para impedir a crise financeira mundial em 2008.

Para tanto, o texto divide-se em quatro partes, além desta introdução. Na primeira secção se procede a uma revisão de literatura sobre os ciclos econômicos e a influência do setor bancário na geração de crises. Na segunda parte, apresentar-se o Acordo de Basiléia e seus objetivos. Na terceira mostram-se as causas e as consequências da crise de 2008. Nas considerações finais procura-se responder por que o Acordo de Basiléia II, enquanto regra prudencial internacional, não foi suficiente para evitar que a crise financeira de 2008 se instalasse no mundo globalizado.

2. OS CICLOS ECONÔMICOS E O SISTEMA BANCÁRIO INTERNACIONAL

Os ciclos econômicos podem ser definidos como flutuações nas atividades econômicas da era industrial, ou seja, alternância de períodos de expansão e contração da economia.

Em termos gerais um ciclo econômico é uma variação periódica para cima e para baixo nas variáveis econômicas da produção, do emprego, do consumo, dos investimentos, dentre outras.

O motivo pelo qual ocorrem as flutuações cíclicas tem sido parte das inquietações científicas de muitos estudiosos. Badaró (2008), refere-se ao ciclo econômico em uma comparação com as leis da física, para ele, tudo o que sobe, em um momento desce, o mesmo ocorrendo com o desempenho da economia.

A constatação da existência de ciclos econômicos não é recente, segundo Cassidy (2011, p. 19) “ciclos de crescimento rápido e repentino impulsionados pelo crédito infestam as economias capitalistas há séculos”. Para Laeven e Valencia (2008), no relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI), “nos últimos 40 anos, houve 124 crises bancárias sistêmicas no mundo”.

Na tentativa de mensurá-los, alguns estudos famosos são: de Lord Overstone, em 1857; de Clément Juglar, em 1862; de J. Kitchin, em 1923; de Joseph Schumpeter, em 1939 que fez

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o acoplamento dos ciclos de Kitchin e Juglar; de Simon Kuznets, em 1930 descrevendo os ciclos de 15 a 20 anos e de Nicolai Kondratieff na década de 1920 com ciclos longos de 40 a 60 anos. Os ciclos longos de Kondratieff são bastante aceitos academicamente sendo um dos mais citados pelos economistas que estudam o tema. Há ainda os que, em uma visão oposta da regularidade dos ciclos, preferem assumi-los como imprevisíveis, é o caso de Carvalho (2008, p. 292): “No mundo real, as flutuações observadas no produto real são irregulares e imprevisíveis”.

Se os ciclos são alternâncias de períodos de prosperidade e recessão, para Fusfeld (2001, p. 17), “Marx já descreve o sistema capitalista como naturalmente instável porque tem em si o germe de suas crises recorrentes, situação que levaria, inclusive, ao fim do modo capitalista de produção”. As crises decorrem de períodos de superprodução, em relação aos baixos níveis de consumo, porque os trabalhadores não conseguem comprar o que produziram, não recebendo em salários, a totalidade do valor que agregam à produção, devido à apropriação da mais valia pelos proprietários capitalistas.

No entanto, o problema de excesso de produção, no capitalismo contemporâneo, tem sido contornado com a adequação da oferta à demanda, assim, procura-se produzir somente o que se vende. As empresas têm capacidade de produção superior à capacidade utilizada, trabalhando com capacidade ociosa, para não correrem riscos na acumulação de estoques e de saturarem os mercados com suas mercadorias.

Além disso, a globalização permite a ampliação dos mercados, levando as empresas globais a atingirem consumidores muito além das suas nações de origem. Mas a globalização que realmente tem maior poder de mobilidade é a financeira, a globalização do dinheiro.

Em uma breve digressão histórica, pode-se verificar que a globalização financeira não é um fenômeno recente, é mais antigo, apesar de haver sido, então, em muito menor escala. Keynes descreve a globalização financeira de 1870-1913, e que Eichengreen e Bordo (2002, p. 6-7), apud Arestis e Basu (2005, p. 44), citam como:

“Os habitantes de Londres podiam solicitar por telefone (...) os vários produtos de todo o planeta (...) aventurar sua riqueza em recursos naturais de qualquer canto do mundo, e dividir (...) na sua perspectiva os frutos e as vantagens disso (...) associar a segurança de suas formas a (...) qualquer grande município em qualquer continente que o seu gosto ou informações pudessem recomendar (...) assegurar em seguida (...) meios baratos e confortáveis de trânsito para qualquer país (...) de uma oferta de metais preciosos de forma que pareça mais conveniente, podendo então caminhar para lugares estrangeiros (...) riquezas em forma de moedas”.

Sobre a desregulamentação financeira existente entre 1870-1913, Eichengreen e Bordo

(2002), apud Arestis e Basu (2005, p. 44), afirmam que Londres era, então, o centro das atividades financeiras da época e que é um período que pode ser definido como o estágio inicial do desenvolvimento das instituições e dos mercados financeiros internacionais. Londres assume o desenvolvimento financeiro em função da produção gerada pela Revolução

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Industrial e o consequente acúmulo de capital decorrente dos lucros.

O período de 1870-1913 foi, também, marcado por crises bancárias, causadas por especulação, pelo excessivo volume de empréstimos, recursos administrados de modo descuidado, sistemas bancários mal regulados e insuficiente divulgação de informações (ARESTIS e BASU, 2005, p. 44).

Prosseguem Philip Arestis e Santonu Basu (2005, p. 46), descrevendo o período de 1919 a 1939 como não sendo dos “mais felizes”, especialmente porque abrange o colapso da Bolsa de Valores em 1929 e a Grande Depressão que atormentou as economias capitalistas durante a década de 1930, em um contexto de desregulamentação das atividades financeiras internacionais.

Na tentativa de regulamentação em 1933 foi aprovada a Lei Glass-Steagall - o primeiro era o senador Carter Glass, ex-secretário do Tesouro e um dos fundadores do Federal Reserve (Fed), o outro Henry Bascom Steagall, presidente do Comitê de Banco e Moeda da Câmara - que impedia a fusão dos bancos comerciais com os bancos de investimento. “Eliminando a oportunidade de que a turma do investimento pusesse a mão na oferta ilimitada do dinheiro advindo de depósitos bancários” (McDONALD, 2010, p. 24).

Na década de 1930 Keynes iniciou uma revolução no pensamento econômico, se opondo aos que defendiam os mercados livres como reguladores da atividade econômica. Dymski (2005, p. 97) argumenta que para Keynes (1936, p. 245-247):

“o sistema bancário tem uma posição chave no crescimento econômico porque o nível de atividade econômica é, em última instância, bastante influenciado pela taxas de juros, levando os agentes econômicos a preferirem ativos ilíquidos (títulos, por exemplo), mesmo diante da incerteza de seus rendimentos, ativos estes administrados pelos bancos”.

O ponto frágil da reprodução do capital financeiro reside, justamente, no risco

sistêmico. Para Carvalho (2005, p. 121), risco sistêmico é “a possibilidade que um choque localizado em algum ponto do sistema financeiro possa ser transmitido ao sistema como um todo e levar a um colapso econômico”, revertendo ciclos econômicos expansivos e instalando as fases recessivas. Wolf (2009, p.17) diz que além dos riscos inevitáveis de vencimento e liquidez, os bancos também estão expostos a riscos de mercado (queda no preço dos ativos), de crédito (inadimplência dos credores), de câmbio (diferenças entre as moedas dos ativos e dos passivos), assim como a riscos econômicos e políticos mais amplos (eventos desastrosos, como as crises globais, guerras e revoluções). O objetivo dos empresários capitalistas é a busca de lucros, o que permite a acumulação de capital. Para evitar que determinados setores acumulem capital em excesso,

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levando à possibilidade de excesso de oferta, as empresas, como estratégia, não reinvestem a totalidade dos seus ganhos no mesmo ramo de produção, e procuram além da diversificação de suas atividades, o mercado financeiro como escoadouro para seus excedentes de capitais, que, assim, passam a ser remunerados com juros das aplicações financeiras, em detrimento dos possíveis lucros das atividades produtivas.

As taxas de juros influenciam diretamente os investimentos produtivos, para Keynes um investimento novo somente ocorreria se a taxa de lucro esperada, durante o tempo de vida útil do mesmo, fosse superior à taxa de juros no mesmo período. Deste modo, a decisão entre investir em atividades produtivas, gerando oferta, demanda, emprego, renda e crescimento econômico, ou aplicar em papéis no mercado financeiro, recebendo juros, acabam em larga medida, influenciando os ciclos econômicos.

Keynes defendeu uma política econômica intervencionista, através da qual os governos usariam medidas fiscais e monetárias para eliminar os efeitos adversos dos ciclos econômicos.

O período que antecedeu a II Guerra Mundial é descrito por Almeida (2001) como de fortes intervenções governamentais com o objetivo de evitar o deslocamento de capitais dos países sede para outros e também de controlar as “especulações” que levaram à quebra da Bolsa de Nova York.

Durante a II Guerra Mundial não havia condições diplomáticas para se firmar acordos de regulamentações financeiras ou bancárias em nível mundial. Em 1944, quando já era relativamente certo o fim do conflito mundial, 730 representantes de 44 nações aliadas reuniram-se em Bretton Woods, nos Estados Unidos, com o objetivo ambicioso de criar um sistema monetário internacional menos suscetível às crises. Dos acordos de Bretton Woods emergiu o dólar norte-americano como moeda mundial, em princípio lastreado em ouro, sistema que vigiu até meados da década de 1970.

Após a II Guerra Mundial, as ideias econômicas de Keynes foram adotadas pelas principais potências econômicas do Ocidente. Durante as décadas de 1950-60 o sucesso foi tão retumbante que quase todos os governos capitalistas adotaram as recomendações keynesianas e procedeu-se a intervenções acentuadas do Estado na economia, não apenas para contornar os efeitos recessivos dos ciclos, mas, também para promover as fases de expansão do Produto.

A influência de Keynes na política econômica declinou na década de 1970, parcialmente como resultado de problemas que começaram a afligir as economias dos Estados Unidos e da Inglaterra no início da década e também devido às críticas de Milton Friedman e seus seguidores neoliberais em relação à capacidade do Estado de regular o ciclo econômico com políticas fiscais e monetárias.

Partindo das premissas da análise keynesiana os mercados financeiros e o sistema bancário, podem, assim, serem grandes influenciadores dos ciclos econômicos, por captarem as poupanças, que são as parcelas excedentes da renda das empresas, famílias e instituições, e direcioná-las na busca de maiores remunerações.

O crescimento do setor financeiro foi observado por Dymski (2005, p. 98) que

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constatou que, nos anos 1960, os bancos americanos diversificaram seus produtos oferecendo Certificados de Depósitos (CD), que poderiam ser negociados, com o objetivo de atrair poupanças e assim expandir suas capacidades de empréstimos. Os bancos pequenos passaram a ser fornecedores de recursos de poupanças para bancos maiores, recursos que chegavam ao mercado financeiro situado em Wall Street. Os esforços do Fed não foram suficientes para conter os grandes fluxos de capitais financeiros circulantes na economia americana.

Na Europa, na década de 1970 desenvolveu-se o mercado de Euromoedas (Eurobonds), o que foi possível com o ingresso de dólares oriundos da balança comercial favorável ao Velho Continente e deficitária nos Estados Unidos, além do grande ingresso de petrodólares, pós 1973, dos países exportadores de petróleo e que buscavam multiplicá-los com juros. Os dólares eram aplicados em bancos europeus e emprestados aos países em dificuldades financeiras.

Foi através do mercado de Euromoedas que o Brasil conseguiu financiar seu crescimento econômico na década de 1970. Na década de 1980 ficou claro o risco que havia nesta estratégia de crescimento, pelo lado brasileiro e de empréstimo, pelo lado dos bancos internacionais, era um risco sistêmico, um problema localizado que se espalha para o resto do sistema econômico mundial, como citado trabalho por Carvalho (1995. p. 121). Nos anos 1980 houve um choque de juros promovidos pelos Estados Unidos, como uma política de valorização do dólar, que inflou subitamente as dívidas de países periféricos, que tinham seus compromissos indexados à taxa de juros norte-americana, caso do México, o primeiro a quebrar e do Brasil, revertendo o ciclo expansionista para contracionista nestes países.

O aparato regulatório e de supervisão vigentes no pós-guerra entraram em “choque” com as mudanças ocorridas nos mercados financeiros nos anos 1970 e 1980, segundo Corazza (2005) isto ocorreu porque os Bancos Centrais tinham a função maior de ser o banco dos bancos ou emprestador de última instância, segurando as recorrentes crises bancárias, de certa forma protegendo o sistema bancário e diminuindo o seu risco.

Em um sistema bancário sem regulamentação e controle estatal, a falência de uma instituição, seja pela assunção excessiva de risco, seja por má sorte nos negócios, seja por outra razão qualquer, pode produzir um efeito em cadeia, levando outros bancos a falência, (FREITAS, 2005, p. 27).

Inovações financeiras foram criadas para driblar as restrições legais, desregulação e liberalização marcaram os anos 1970. A maior liberdade aumentou os riscos das operações, provocando crises bancárias.

Durante décadas economistas reiteraram que a melhor maneira de assegurar a prosperidade era diminuir o envolvimento do Estado na economia e deixar o setor privado seguir por conta própria. Nos Estados Unidos a desregulamentação dos anos 90, com o colapso do comunismo, uma atitude positiva com relação aos mercados tornou-se emblema de respeitabilidade política. O governo Carter desregulamentou abolindo as restrições a rota de linhas aéreas, estendida para telecomunicações, mídia e serviços financeiros.

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Em um mercado financeiro mundializado, a globalização financeira é definida por Arestis e Basu (2005) como um processo no qual os mercados financeiros são integrados a tal ponto que se tornam um único e grande mercado mundial.

No setor bancário, Krugmann (2009, p. 161) afirma: “os bancos são coisas maravilhosas, quando funcionam. Porém, quando não fazem, escancaram-se todas as portas do inferno – conforme ocorreu nos Estados Unidos e em boa parte do mundo no decurso de 2007”.

3. O Acordo de Basiléia

As falências e liquidações do Herstatt Bank da Alemanha e do Franklin National dos Estados Unidos em 1974 criaram os motivos e condições para um novo processo de regulamentação, em especial, dos bancos internacionais, Corazza (2005, p. 85), o “Acordo de Basiléia” de 1975, que é na realidade um “Comitê de Regulamentação Bancária e Práticas de Supervisão”, sediado no Banco de Compensações Internacionais (BIS), em Basiléia, na Suíça.

O “Acordo de Basiléia” não tem poderes de supervisionar o sistema financeiro internacional, mas, de induzir a introdução de normas internas nos países signatários com o objetivo de diminuir os riscos sistêmicos. Uma das principais determinações era em relação à supervisão das atividades financeiras internacionais, que deveria ser uma tarefa conjunta do país hospedeiro e do país de origem dos capitais, de acordo com Ferreira (1990), apud CORAZZA (2005, p. 85).

Na prática, a falta de consenso sobre de quem seria o papel do emprestador internacional de última instância, ou seja, quem socorreria o sistema financeiro no caso de quebras, e a relutância em atender bancos pouco controlados, entre eles, os oriundos de paraísos fiscais, deixaram transparecer os limites desse primeiro acordo sobre a supervisão bancária, depois do colapso das normas do Acordo de Bretton Woods, salientam Carvalho e Studart (1995) apud CORAZZA (2005).

A insuficiência da regulação ficou clara quando da falência do Banco Ambrosiano em 1982, a partir da insolvência da filial de Luxemburgo, no caso o país hospedeiro, e a Itália, o país de origem, quando os seus bancos centrais não assumiram o ônus de honrar os passivos. Como consequência, em junho de 1983 houve uma revisão do Acordo de Basiléia de 1975, estabelecendo o princípio da supervisão consolidada. Mas, também se mostrou insuficiente para definir a questão crucial da responsabilidade de um emprestador internacional de última instância, normas e práticas contábeis para facilitar a supervisão (CORAZZA, 2005, p. 86).

“Os padrões de solvência e liquidez internacionais em nível macroeconômico foram definidos em julho de 1988 em acordo assinado na Basiléia, Suíça, pelos bancos centrais dos países que compõe o grupo dos dez” (FORTUNA, 2005, p. 699).

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Os dez países mais ricos, formado por Alemanha, Bélgica, Canadá, EUA, França, Holanda, Itália, Japão, Reino Unido e Suécia.

Nas buscas de soluções para equacionar as condições negativas que surgiram no mercado, o Acordo de Basiléia em 1988, oficialmente, International Convergence of Capital Measurement and Capital Standards, preocupou-se com a vulnerabilidade e o risco sistêmico pela reduzida capacidade regulatória do sistema globalizado. Para Sobral (2005, p. 27), ao tentar responder a pergunta por que regular as instituições financeiras:

“é para que se evite que elas assumam riscos por demais elevados, enfatizando o caráter prudencial da regulamentação. A regulamentação torna-se uma necessidade na globalização financeira, as Nações que liberaram seus mercados financeiros com os objetivos de aumentar a concorrência interna e atrair capitais internacionais, tiveram uma elevação da instabilidade financeira, dado o caráter especulativo dos capitais, aumentando a vulnerabilidade externa, principalmente em países emergentes”.

O Acordo de Basiléia foi assinado por mais de uma centena de países e foram

estabelecidos os princípios fundamentais que devem ser usados como referência pelas autoridades públicas na supervisão dos bancos localizados nos países que assumiram o acordo.

Contudo, nos anos 1990, o Acordo de Basiléia foi insuficiente para evitar os escândalos do Banco Bearing, e nem a prostração econômica do Japão iniciada em 1991, que foram analisados por Krugman (2009, p. 188-96) e Blanchard (2001, p. 158-161) e, ainda, o estouro da bolha do mercado de ações nos EUA e na crise asiática nos 1990, citado por KRUGMAN (2009, p. 196-201).

Em 1993, Roberta Achtenberg secretaria de Habitação e Desenvolvimento Urbano e Bill Clinton, presidente dos Estados Unidos, estavam unidos no desejo de aumentar o número de proprietários de imóveis nas comunidades pobres, com uma grande concentração de minorias e para isso exerceram pressões sobre os bancos para os empréstimos. Entre 1993-1999, mais de 2 milhões de pessoas nestas condições foram beneficiadas (McDONALD , 2010, p. 18-20).

Com as ações de Achtenberg e Clinton os bancos passaram a emprestar dinheiro para uma parcela da população para a qual eles não fizeram anteriormente. Um grupo que oferecia alto risco de inadimplência.

Comentam Freitas (2005, p. 37) e Krugman (2009, p. 80) que em 1997, a não renovação das linhas de crédito bancário foi o epicentro na propagação da crise sistêmica criada pelos países asiáticos, com início na Tailândia no mês de julho, do mesmo ano e se espraiou, por efeito contágio e de regionalização dos riscos, para os demais países da região.

Segundo McDonald (2010, p. 20-23), em abril de 1998 o Citicorp anunciou a fusão

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(ilegal naquele momento, mas que tinha cinco anos para aprovação pelo Congresso) de US$ 70 bilhões com a Travelers Insurance, corporação que controlava o banco de investimentos Smith Barney, entre outras atividades. Capacitado a vender ações, receber depósitos, fazer empréstimos, subscrever ações de companhias abertas, vender pacotes de seguros e operar uma enorme gama de atividades financeiras sob o nome de Citigroup. Havia a crença, por parte dos bancos, que as eventuais fusões poderiam fortalecer o sistema financeiro, aumentando a oportunidade e a possibilidade de maiores lucros.

Também em 1998 foi celebrado o Acordo de Basiléia II, uma deliberação mundial dos bancos sob os cuidados do Basel Comittee on Banking Supervision (BCBS) em Basel, na Suíça que visava padronizar a forma como bancos e agências reguladoras dos bancos analisam risco, aplicando-se também a outros tipos de instituição como as emissoras de cartões, as financeiras e as corretoras. A alteração de dados, uma transação de compra de dólares, ou ouro, ou valor de ações, devido a um vírus de computador pode levar uma operadora à falência. Hoje, as empresas estão extremamente centralizadas em pessoas, cujas condutas, ainda que com pequenos poderes de ação e decisão, podem gerar grandes consequências. Sendo assim, é necessário estabelecer novos controles e novos parâmetros de avaliação de risco. O Acordo de Basiléia II centra-se em três pilares e 25 princípios básicos sobre contabilidade e supervisão bancária, apresentados por FORTUNA (2008, 699- 717).

Em resumo os três pilares do acordo são os seguintes: 1o pilar - Dos capitais mínimos requeridos: o objetivo é aumentar a sensibilidade dos requisitos mínimos de fundos próprios aos riscos de crédito e cobrir o risco operacional. Os bancos são obrigados a alocar capital para cobrir falhas humanas, fraudes, desastres naturais entre outros;

2o pilar - Da supervisão do Sistema Bancário: é um processo de supervisão bancária focado em modelos definidos;

3o pilar - Da disciplina de mercado e transparência: objetiva implementar a disciplina de mercado contribuindo para práticas bancárias mais saudáveis e seguras. As instituições terão que divulgar mais informação sobre as fórmulas que utilizam para gestão de risco e alocação de capital tanto ao governo como a seus acionistas.

Em 1999, Clinton assinou a lei Gramm-Leach-Bliley (Lei de Modernização dos Serviços Financeiros), que permitia aos bancos comerciais e instituições financeiras que se unissem para formar vastos supermercados financeiros (CASSIDY, 2011).

Em novembro 1999 é revogada Lei Glass-Steagall por William (Bill) J. Clinton, pressionado pelos políticos que haviam sido eleitos com a ajuda financeira de grupos interessados na fusão do Citicorp-Travelers Insurance (McDonald, 2010, p. 91).

O Acordo de Basiléia II, com seus pilares, surgiu com o objetivo de tentar regulamentar o capital internacional em um contexto de globalização financeira. A globalização financeira permite que o capital financeiro desloque-se aos locais em que as taxas de juros são mais atrativas, em que a reprodução do capital ocorra com rentabilidade e segurança. No entanto, se ampliam às possibilidades de riscos sistêmicos que podem provocar

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recessões em diversos países ao mesmo tempo. Fator que cresceu com as medidas acima tomadas nos Estados Unidos. 4. A falência do Lehman Brothers e a crise financeira internacional de 2008.

A “prime rate” é uma das mais importantes taxas de juros da economia mundial e aplicada pelos Estados Unidos para empréstimos externos e internos. Outras são: a taxa de títulos emitidos por empresas que elas pagam para emitir sua própria dívida, e a “mortgage tax” (taxa de hipotecas) que os donos de imóveis pagam aos bancos e às companhias hipotecárias. O Fed alterando as taxas dos “fed funds” (taxas dos empréstimos interbancários), exerce influência indireta sobre elas.

Os “fed funds” depois de um pico de 6,5% em 2000, caiu para 1,25% em novembro de 2001, e mantida abaixo de 2,5% até fevereiro de 2005, além da China com seus produtos para lá de baratos e uma economia fervilhante, permitiam taxas de juros no chão. Fatos que fizeram as outras taxas caírem e estimulando grande quantidade de empréstimos para imóveis e em elevados valores monetários, além de empréstimos para consumidores, comerciantes e especuladores, pelas baixas taxas para a concessão de créditos e empréstimos, a economia americana crescendo, enquanto evitava a inflação e mantinha Greenspan como o “dono da verdade na economia”.

Aumentando os “warehouse loans” (uma fonte barata e confiável de financiamento) concedidos por bancos de Wall Street que entravam no negócio de agrupar hipotecas “subprime” e transformá-las em títulos garantidos por hipotecas residenciais (RMBS, Residential Mortgage-Backed Securities) e obrigações lastreadas em dívidas com garantias reais (CDO, Colatteralized Debt Obligations).

Para as companhias era a capacidade de pagar menos juros que em um empréstimo bancário. Utilizado pelo setor de alta tecnologia como Motorola, Ericsson, Oracle, Texas Instruments 3Com, EMC Corporations, Cisco Systems (em 1999-2000, esta com capitalização de mercado de US$ 555 bilhões – maior que a Exxon Mobil e de todas as outras) e uma sólida maneira de levantar fundos para expandir negócios, com um “cupom” razoável e o fator de conversão ajudando a tornar o papel mais atraente (McDONALD, 2010, p. 62 e 92).

Segundo McDonald (2010, p. 93), “alguns termos cegavam os investidores, como novo paradigma, navegação por parte do consumidor, experiência customizada na web e networking”. Em poucos meses de 2000 a Cisco Systems perdeu US$ 400 bilhões em valor de mercado.

Foi a revolução “high-tech”, carregando até Wall Street, chispas eletrônicas voadoras, telas que piscavam e pelo misticismo do ciberespaço. Os preços das ações tornaram-se tão altos que criou a bolha da internet, com o aparecimento de cerca de 7.000 empresas “ponto. com” quando 200 seriam suficientes. O índice Bloomberg de Ações de Internet nos EUA chegou a exibir 280 ações, cujo valor despencou US$ 1,755 trilhão em sete meses

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(McDONALD (2010, p. 93-94).

Seguida pelo deslumbramento dos norte-americanos com os imóveis, cujos preços começaram a subir num ritmo inédito em meados dos anos 1990 pelos estudos de Robert Shiller e cujo boom se intensifica em 2003 – 2004, descritos por Cassidy (2011, p. 241- 43).

Do fim de 2002 ao fim de 2006, a dívida nos Estados Unidos passou de US$ 31,84 trilhões para US$ 45,32 trilhões, aumento de 42,3%. Para Cassidy (2011, p. 227-28), o aumento representa cerca de US$ 43,0 mil para cada habitante do país ou US$ 128,0 mil para cada domicílio e o endividamento em 2006 equivalia a 350% do PIB do país. Os relatos indicam o rápido crescimento das dívidas hipotecárias, como os empréstimos do tipo “subprime”, mas sendo apenas, parte de uma explosão de crédito muito maior.

Do aumento de US$ 13,5 trilhões do endividamento de 2002 a 2006, os domicílios representaram um terço ou aproximadamente, US$ 4,4 trilhões, incluindo, os empréstimos hipotecários e outros empréstimos em que o imóvel é dado como garantia (CASSIDY, 2011, p. 228).

Empréstimos feitos pelos governos federal, estadual e local, outros US$ 2,2 trilhões. O restante do aumento, ou seja, US$ 6,9 trilhões para empresas privadas e o setor financeiro, este último, em maior volume (CASSIDY, 2011, p. 228).

Enquanto as taxas de juros caiam os bancos comerciais, bancos de investimento, empresas de financiamento hipotecário, consórcios de investimento imobiliário, empresas de participações, fundos de hedge e empresas financeiras de outros tipos, alavancaram seus balanços (CASSIDY, 2011, p. 228-29).

Segundo Cassidy (2011, p. 229), do fim de 2002 e o fim de 2006, o endividamento do setor financeiro saltou de US$10,1 trilhões para US$ 14,3 trilhões, e no fim de 2007 para aproximadamente US$ 16,0 trilhões e, a dívida para 117% do PIB. Alavancagem que tornou o sistema bancário muito frágil e vulnerável a choques negativos. Os estrondosos números da rápida expansão do setor financeiro equivaleu a uma gigantesca bolha de crédito, acompanhada da bolha hipotecária. As bolhas especulativas representam um caso extremo dos ciclos impulsionados financeiramente identificados pelos estudos de Hyman Minsky, desde 1960 até 1996 de que o capitalismo de livre mercado é inerentemente instável e que a principal fonte de instabilidade são as ações irresponsáveis de banqueiros, negociantes e outros participantes desse mercado. A esse respeito em agosto de 2007, pouco depois do começo da crise do “subprime” Paul McCulley, diretor-executivo da Pacific Investiment Management Company, a maior administradora de fundos de renda fixa do mundo, afirmou a Justin Lahart do “Journal”: “estamos no meio de um momento Minsky, beirando um colapso Minsky”, cita CASSIDY (2011, p. 210-11).

Para Charles Kindleberg as bolhas envolvem as fases: deslocamento, expansão, euforia, auge e colapso. No deslocamento está o que dispara o processo especulativo, como o começo ou o fim de uma guerra, uma tecnologia nova, uma mudança na política econômica e

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na equipe governamental, operações ocultas, etc., capaz de alterar a linha de pensamento de futuros investidores e participantes do mercado. Neste sentido as palavras de Cassidy (2011, p. 228), são:

“quando Citigroup e Merrill Lynch, tomavam dinheiro emprestado essas obrigações financeiras adicionais não costumavam aparecer em sua contabilidade, porque elas estavam abrigadas em SIVs (veículos de investimento estruturado) e outras empresas de fachada que constituíam o sistema bancário oculto ou paralelo. Outras empresas de Wall Street alavancavam da mesma forma”.

Alan Greenspan, presidente do Fed (1987- 2006) tinha conhecimento das obscuras

estatísticas econômicas, a divisão bancária do Fed supervisionava quase todos os grandes bancos e sabia os que estavam empenhados em estabelecer SIVs. Greenspan afirmara: “não existe nada na regulação federal que a faça superior a regulação do mercado” e “parece não haver necessidade de Regulação governamental nas transações com derivativos de balcão”.

No Capitol Hill, em 2008 após o “estouro”, Alan Greenspan afirmou que:

“cometeu um erro ao supor que o interesse das organizações, em especial o dos bancos e de outras, eram tais que eles estavam mais capacitados que ninguém para proteger os seus acionistas e o valor de suas próprias ações nas empresas”.

Com os SIVs havia aumento aos riscos de uma crise financeira a que os bancos

estavam expostos, mas Greenspan permaneceu sem tomar providências. Henry Waxman, congressista democrata afirmou que “Greenspan tinha autoridade para impedir as práticas irresponsáveis de empréstimo que levaram à crise das hipotecas de subprime”.

Em 2002 o Bank for Internacional Settlements (BIS), na Basiléia, divulgou documento mostrando que um grande aumento na percentagem de dívidas não saldadas em relação ao PIB, em geral pressagia uma crise financeira. À medida que a expansão do crédito crescia o BIS reiterava sobre os perigos da alavancagem excessiva e da exposição a riscos.

Já em 1983, Minsky disse que o Bank of América e Bankers Trust, tomavam emprestado cerca de US$ 0,97 de cada dólar que emprestavam ou investiam. O Mellon Bank tinha dívidas equivalentes a 90% de seus ativos. Escreveu Minsky: “o aumento na proporção da alavancagem bancária foi parte do processo que conduziu a economia à fragilidade financeira”. Um banco pode aumentar seu retorno aumentando a alavancagem. Se com capital de US$ 100 milhões e depósitos dos clientes de US$ 400 milhões, sobre os quais paga uma taxa de juros anual de 3%, mantiver uma reserva de 10% e emprestar o restante a uma taxa de 8%, ele ganha US$ 24 milhões por ano. Se ele toma mais US$ 500 milhões emprestados a uma taxa de 4%, elevando o total do dinheiro que toma emprestado para US$ 900 milhões, e empresta esse dinheiro na mesma taxa de 8%, seus lucros saltarão para US$40 milhões. Evidentemente, assumindo mais riscos, podendo perder parte de seu capital rapidamente em

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inadimplência e investimentos de resultados negativos. Ficando, portanto, vulnerável a um colapso.

A inovação financeira trás lucros e os banqueiros, sejam corretores ou distribuidores,

são comerciantes de débitos que lutam para inovar nos ativos que adquirem e nas obrigações que comercializam. Entre essas práticas para ampliar a receita está estender o crédito para pessoas e empresas às quais antes ele teria recusado empréstimos, por ter dúvidas sobre a sua capacidade de pagar.

A principal inovação para favorecer a emprestadores duvidosos foi o surgimento da “securitização”, conhecido como títulos lastreados em hipotecas residenciais (RMBS, Residential Mortgage-Backed Securities), aplicados por agências patrocinadas pelo governo: Governament National Mortgage Association (Ginnie Mae), Federal National Mortgage Association (Fannie Mae), Federal Home Loan Mortgage Corporation (Freddie Mac). Pegavam certo número de empréstimos imobiliários, juntavam os pagamentos mensais que eles geravam e usavam esse fluxo de caixa como garantia de um título de dívida. ‘Securitização de derivativos de créditos”, um método de transformar mil hipotecas em um título com um atrativo cupom de 7 a 8%, papel gerador de lucros e bom retorno.

Os títulos imobiliários tornaram-se populares entre os investidores institucionais, como os fundos de investimento e fundos de pensão. Apareceram as obrigações hipotecárias com garantia real (CMO - pelo Freddie Mac), e as obrigações lastreadas em ativos (ABS, em inglês – pela Sperry Lease Finance Corporation), para equipamentos de computação alugados.

A “securitização” permite aos bancos suprimir muitos dos empréstimos dos seus balanços, significa que não precisam manter tantas reserva de capital para satisfazer os reguladores, o que aumenta seus lucros.

Os compradores incluem fundos de investimentos, fundos de hedge e ricas fundações. Assim, o sistema bancário paralelo viria a atingir proporções descomunais, ao mesmo tempo, que permanecia em grande parte fora do alcance dos reguladores e acionistas de bancos, entre outros. Por isso Minsky argumentou que as finanças não podiam ser tratadas como outros setores que tinham se livrado da supervisão governamental. Já em meados dos anos 80, ele percebeu uma crescente ameaça de caos financeiros no colapso do Pen Square Bank em 1982, o resgate federal do Continental Ilinois Bank em 1984 e os primeiros indícios da crise das associações de poupança e empréstimos, contrariando os esforços da Casa Branca e do Congresso norte-americano em desregulamentar a indústria bancária e flexibilizar a regulação financeira. Também Paul Volker, presidente do Fed (1979- 1987), se opôs ao governo neste sentido, mas não foi o que fez Alan Greenspan, seu substituto que esteve à frente da instituição até 2006.

Em 2001, o valor total das emissões de “mortgage” (hipotecas) de alto risco deu um salto de 25%, para US$ 173,3 bilhões, de acordo com Inside B&C lending. Em 2002 foi de US$ 213,0 bilhões e em 2003, US$ 332,0 bilhões. Entre 2004 e 2006, emprestadores emitiram mais de US$ 1,7 trilhão em hipotecas “subprime”. Isto é, aproximadamente três quartos de

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todos os empréstimos de alto risco que foram securitizados. O número de hipotecas ”subprime” passou de 624 mil em 2001 para 3,44 milhões em 2005, aumento superior a 450%.

Os cinco maiores emissores de títulos hipotecários de alto risco em 2005 e 2006, de acordo com o Inside Mortage Finance, foram Lehman Brothers com US$ 106,0 bilhões; RBS Greenwich Capital, com US$ 99,3 bilhões; Countrywide Financial com US$ 74,5 bilhões; Morgan Stanley, com US$ 74,3 bilhões; e Credit Suisse First Boston com US$ 73,4 bilhões. Algumas dessas obrigações hipotecárias acabaram sendo divididas em CDOs (collateralized debt obligations ou obrigações lastreadas em dívidas com garantias reais) e segundo a Blomberg News, os cinco maiores subscritores nos primeiros oito meses de 2005 foram Merrill Lynch, Citigroup, Wachovia, Goldman Sachs e Lehman Brothers.

Os preços dos imóveis atingiram o auge no verão (setembro – outubro) de 2006, e houve um grande aumento nos calotes e nas execuções de hipotecas. Em dezembro de 2006, a agência de classificação de riscos, Fitch advertiu que “a quantidade de tomadores de empréstimos que enfrentam aumentos nas prestações em 2007 deve continuar a exercer pressão negativa sobre o setor”.

Em 28 de dezembro de 2006 Ownit Mortgage Solutions, agressivo emprestador de hipotecas de alto risco da Califórnia requereu falência, dando início a uma tendência. Em fevereiro de 2007, HSBC, o maior banco britânico, anunciou ter dado baixa em US$ 10,5 bilhões, devido a prejuízos na subsidiária americana de hipotecas subprime, a House Finance Corp., comprada em 2003. A seguir a New Century teve as ações suspensas e requereu falência em 02 de abril. Em junho de 2007 o Bear Sterns injetou US$ 3,2 bilhões em dois fundos de hedge por ela administrado e que tinham sofrido prejuízos com títulos “subprime”.

Em 09 de agosto de 2007 o banco BNP Paribas, da França congelou os saques em três fundos de investimentos por causa da dificuldade em precificar aplicações em títulos imobiliários americanos em razão da baixa liquidez. Em 17 de setembro de 2007 o suíço Union Bank of Switzerland (UBS) foi o primeiro grande banco internacional a anunciar perdas, de US$ 3,4 bilhões em operações com investimentos em títulos imobiliários. Em 27 de setembro de 2007, abalado pela crise, o Citigroup, outrora o maior banco do mundo, recebeu um aporte de US$ 7,5 bilhões do fundo soberano de Abu Dhabi para reforçar seu capital.

No fim de 2006, o Lehman Brothers tinha um patrimônio líquido de US$ 19,2 bilhões e um passivo de US$ 484,0 bilhões; o Bear Stearns tinha um patrimônio líquido de US$ 12,1 bilhões e um passivo de US$ 338,0 bilhões; o Merrill Lynch tinha um patrimônio líquido de US$ 39,0 bilhões e um passivo de US$ 802,0 bilhões. Em negócios precariamente capitalizados como esses, os investimentos dos obrigacionistas representam grande parte do valor da empresa, enquanto o patrimônio líquido é uma lasca.

De acordo com o Centro de Integridade Pública, nos Estados Unidos, entre 2005 e 2007, os cinco maiores emissores de empréstimos hipotecários “subprime” eram Countrywide com US$ 97,2 bilhões; Ameriquest, com US$ 80,7 bilhões; New Century, com US$ 76,0 bilhões; First Franklin, com US$ 68,0 bilhões, comprado pela Merrill Lynch em 2007; e Long

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Beach Mortgage, com US$ 65,2 bilhões, que era parte da Washington Mutual.

O Bank of América comprou O Merrill Lynch (terceiro maior banco de investimento norte-americano) por US$ 50,0 bilhões, pouco depois de recusar a oferta de Henry Paulson Jr (ex-secretário do tesouro), para assumir o Lehman Brothers (quarto maior banco de investimentos dos EUA, com a tradição de 156 anos) e antes que esse quebrasse em 15 de setembro de 2008. Paulson Jr articulou sem sucesso vender o Lehman Brothers ao Barclays, um dos principais bancos britânicos. Alistair Darling, ministro das Finanças da Inglaterra, temia que os contribuintes britânicos acabassem pagando a conta para resolver um problema que considerava essencialmente americano.

Analistas questionaram Paulson Jr por ter tratado o Lehman com mais rigor que o Bear Stearns (quinto maior banco de investimentos dos EUA – vendido por US$ 2,00 a ação e cujo valor passou para US$ 10,00 diante dos reclamos dos acionistas, em 16/03/2008). Concedendo ao JP. Morgan Chase um empréstimo de US$30,0 bilhões do tesouro para que levasse também os ativos tóxicos do banco; mas negou-se a fazer o mesmo com o Lehman Brothers. Ao presidente Bush, que também questionou Paulson sobre o fato, disse: “Ao contrário do que aconteceu com o Bear Stearns, não conseguimos achar um comprador para o Lehman entre os bancos privados”.

A Washington Pontual prestamista do mercado imobiliário hipotecário passara para controladores federais que venderam a maior parte dos ativos para o JP Morgan Chase. Wells Fargo, o sexto maior banco do país, socorrera o Wachovia, o quarto maior banco comercial. Boatos punham em dúvida a solidez do Citigroup, Morgan Stanley e até a da poderosa Goldman Sachs (CASSIDY, p. 9-10).

Bush ficou surpreso quando soube que a American International Group, Inc. (AIG) era a próxima da lista, e a quebra seria devastadora. Por conta de seu tamanho, elevada exposição no mercado de derivativos e dos milhões de plano de aposentadorias da empresa. Paulson Jr explicou que “a AIG era uma holding que operava sem regulação e controlava várias atividades de seguros altamente reguladas”. Para Ben Bernanke (presidente do Fed, sucessor de Greenspan): “A AIG é como um fundo hedge sentado em cima de uma companhia de seguros”. A injeção de US$ 85,0 bilhões na AIG, em troca de 79,9% das ações, não apenas reforçou as suspeitas de que o Lehman foi tratado de forma mais rigorosa que as demais instituições em crise, mas também que a AIG foi favorecida na operação. Para Bush disse Paulson Jr: “O Lehman tinha problemas de capital e liquidez, enquanto a AIG tinha apenas um problema de liquidez”. Diante dos fatos diminuíram a venda de carros, roupas e livros, fazendo a economia entrar em parafuso. Na tentativa de recuperar a estabilidade, o Congresso autorizou a Bernanke e Hank Paulson (secretário do tesouro) a gastar US$ 700 bilhões com o objetivo de salvar os bancos. US$ 250 bilhões foram gastos para comprar ações dos grandes bancos transformando o governo dos Estados Unidos em co-proprietário e fiador. Era o caminho inverso do livre mercado, da redução de impostos e do governo mínimo.

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Em 2007, quando do estouro da bolha, Justin Lahart do “Journal” escreveu: “Numa época em que muitos economistas passavam a acreditar na eficiência dos mercados, Minsky foi visto como um tanto radical”, cita CASSIDY (2011, p. 2010).

A nível internacional, dois anos após a crise, os problemas não foram equacionados. Exemplo disso são as crises da Grécia, Portugal, Itália e Espanha, além de outros países da Europa, onde receitas amargas de austeridade são recomendadas e exigidas pelos organismos internacionais, como o Fundo Monetário Internacional, para efetuarem empréstimos de socorro e os analistas voltam a falar de crise sistêmica. 5. Considerações finais

O boom das subprime representou um fracasso do capitalismo diante de uma percepção limitada, da incerteza, de informações ocultas, da tendência a seguir a moda do crédito abundante. Em janeiro de 2007 a riqueza de algumas empresas era grande por terem explorado a bolha imobiliária e o boom do crédito, estratégias arriscadas que, então, tinham compensado.

Entre 1998 e 2006, os lucros do setor financeiro americano subiram de US$ 165 bilhões para US$ 427 bilhões. Como fatia dos lucros totais produzidos por todas as indústrias nacionais, os lucros do setor financeiro saltaram de 23% para 32% e até agosto de 2007, muitos dos CEOs foram tratados como gênios.

Para Cassidy (2011), ao manter as taxas de juros muito baixas por tanto tempo, Greenspan e Bernanke adulteraram os sinais de preços que o mercado envia e criaram as condições para o surgimento de uma bolha imobiliária inédita, a ganância o outro e a estupidez o terceiro. Wall Street não percebeu que emprestar dinheiro para pessoas sem renda, sem emprego e sem patrimônio era má idéia. Os empréstimos hipotecários, “NINJA” (no income, no job, no assets).

Os reguladores verificam os livros de empréstimos a intervalos regulares para evitar o excesso de endividamento, mas na prática, os bancos encontram meios de burlar o controle, associado as inovações na legislação dos bancos comerciais e de investimento, tornando o Acordo da Basiléia II, inócuo para evitar as falências no sistema bancário e os riscos sistêmicos a nível internacional pela globalização da economia.

Os alertas emitidos pelo BIS e por Hyman Minsky foram deixados no baú de “trash” (trapos) até que o mercado explodiu. Para Marichal Salinas (2010, p. 12): “mais grave de que o fato de não se prever com suficiente antecedência, eram as pessoas responsáveis por supervisionar a evolução do banco e das finanças, em particular os diretores do Federal Reserve (Fed) e FMI”.

O Lehman Brothers juntamente com outros bancos comerciais e/ou de investimentos caracterizam-se como os principais atores da crise econômica e financeira que assolou o mundo em setembro de 2008, tendo suas raízes em 1993, na secretaria de Habitação e Desenvolvimento Urbano comandada por Roberta Achtenberg, no governo de Bill Clinton,

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pressionando os bancos a conceder financiamentos a proprietários de imóveis nas comunidades pobres e com grandes possibilidades de inadimplência.

Seguida da fusão em 1998 do Citigroup e Travelers Insurance, e pela pressão dos bancos para revogar a Lei Glass-Steagall criada em 1933, após o crash de Wall Street em 1929, que impedia a fusão dos bancos comerciais com os bancos de investimento.

A quebra do Lehman Brothers e suas consequências não deixam dúvidas que as regras estabelecidas no Acordo de Basiléia II falharam pelo excesso de desregulamentação nos mercados bancários e financeiros, pela falta de fiscalização dos reguladores, pela fusão de bancos comerciais com bancos de investimento e dos desvios de conduta do Fed e dos COs, sejam eles vinculados às empresas privadas, groups, holdings ou ao sistema bancário, gerando a crise sistêmica.

Pelos fatos recentes a ideia que uma economia de livre mercado é robusta e bem fundamentada é uma ilusão da estabilidade. Portanto, o ciclo se repete e Marx está correto quando descreve o sistema capitalista como naturalmente instável porque tem em si o germe de suas crises recorrentes. Referências ALMEIDA, Paulo Roberto. A Economia Internacional no Século XX: uma tentativa de síntese. In:Revista Brasileira de Política Internacional. 44 (1): 112-136 [2001] ARESTIS Philip; BASU, Santonu. Globalização Financeira e Regulação. In: Regulação financeira e bancária, Rogério Sobreira (Organizador), São Paulo: Atlas, 2005. BADARÓ, Murilo Prado. Os Ciclos Econômicos e a Crise Atual. Publicado em 8/11/2008. Disponível em: http://www.webartigos.com. Acesso em 23/06/2010. BLACHARD, Olivier. Macroeconomia: teoria e política econômica. Rio de Janeiro: Elsevier, 2001. CARVALHO, José L., et al. Fundamentos de Economia: Macroeconomia. Vol. I, São Paulo: Cengage Learning, 2008. CARVALHO, Fernando José Cardim. Inovação Financeira e Regulação Prudencial: da Regulação de Liquidez aos Acordos de Basiléia. In: Regulação financeira e bancária, Rogério Sobreira (Organizador), São Paulo: Atlas, 2005. CASSIDY, John. Como os mercados quebram: a lógica das catástrofes econômicas. Rio de Janeiro: Intrinseca, 2011. CORAZZA, Gentil. Os dilemas da supervisão bancária. In: Regulação financeira e bancária, Rogério Sobreira (Organizador), São Paulo: Atlas, 2005. DYMSKI, Gary. A Eficiência Socila e a Regulação Bancária: Lições da Experiência Americana. In:

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