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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ACRE UFAC PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO EM LETRAS: LINGUAGEM E IDENTIDADE ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: LINGUAGEM E EDUCAÇÃO O ACRE E A EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA, INTERCULTURAL, DIFERENCIADA E BILÍNGÜE RIO BRANCO ACRE, 2009.

O ACRE E A EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA, …livros01.livrosgratis.com.br/cp136122.pdf · IECLB ± Igreja Evangélica de Confissão Luterana do Brasil LDB ± Lei de Diretrizes e Bases

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ACRE – UFAC

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO

MESTRADO EM LETRAS: LINGUAGEM E IDENTIDADE

ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: LINGUAGEM E EDUCAÇÃO

O ACRE E A EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA,

INTERCULTURAL, DIFERENCIADA E BILÍNGÜE

RIO BRANCO – ACRE, 2009.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ACRE – UFAC

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO

MESTRADO EM LETRAS: LINGUAGEM E IDENTIDADE

ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: LINGUAGEM E EDUCAÇÃO

O ACRE E A EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA,

INTERCULTURAL, DIFERENCIADA E BILÍNGÜE

RIO BRANCO – ACRE, 2009.

MANOEL ESTÉBIO CAVALCANTE DA CUNHA

O ACRE E A EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA,

INTERCULTURAL, DIFERENCIADA E BILÍNGÜE

Dissertação apresentada à Universidade Federal do Acre –

UFAC, para obtenção do título de Mestre em Letras, junto

ao Programa de Pós-Graduação em Letras: Linguagem e

Identidade, área de concentração: Linguagem e Educação.

Orientador: Prof. Dr. Gilberto Francisco Dalmolin

Rio Branco – Acre, 2009.

© CUNHA, M. E. C. 2009.

Ficha catalográfica preparada pela Biblioteca Central da Universidade Federal do Acre

C972a

CUNHA, Manoel Estébio Cavalcante da. O Acre e a

educação escolar indígena, intercultural, diferenciada e

bilíngüe. 2009. 170f. Dissertação (Mestrado em Letras –

Linguagem e Identidade) – Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-

Graduação, Universidade Federal do Acre, Rio Branco – Acre,

2009.

Orientador: Prof. Dr. Gilberto Francisco Dalmolin

1. Educação escolar indígena, 2. Etnias, 3. Movimento

indígena, 4. Indigenista, 5. Discurso – Acre, I. Título

CDU 39 (=1-82)

O ACRE E A EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA,

INTERCULTURAL, DIFERENCIADA E BILÍNGÜE

Esta dissertação foi julgada adequada para obtenção do título de mestre em

letras e aprovada em sua forma final pelo Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu

em Letras, nível de mestrado da Universidade Federal do Acre – UFAC, em 25/11/2009.

Apresentada á Comissão Examinadora, integrada pelos professores

_______________________________________________________________ Professor Doutor Gilberto Francisco Dalmolin (UFAC)

_______________________________________________________________ Professor Doutor Helder Andrade de Paula (UFAC)

_______________________________________________________________ Professor Doutor Milton Chamarelli Filho (UFAC-Floresta)

Rio Branco, 25 de novembro de 2009.

Dedico este trabalho às minhas filhas Thainá e Madija, ao meu filho Amon e às minhas

filhas sobrinhas Sami, Adilena e Luna Samara pelas alegrias e felicidades que me dão;

aos meus pais Manuel Cunha e Ester Cavalcante, pela dádiva da vida; e a todos os

irmãos e irmãs e seus filhos e filhas pelo apoio e carinho a mim dedicados.

E, sobretudo, ofereço este trabalho a todos os povos indígenas do Acre e, em especial,

aos Yaminawa e aos Madija, com os quais eu tenho aprendido muito.

AGRADECIMENTOS

Ao meu orientador prof. dr. Gilberto Francisco Dalmolin, que me auxiliou em todas as

etapas deste trabalho.

Ao prof. dr. Helder Andrade de Paula e a profa. dra. Verônica Elias Maria Kamel pelas

valiosas sugestões dadas por ocasião da qualificação e, no caso da professora

Verônica, agradeço ainda pela leitura crítica da introdução deste trabalho.

Aos professores doutores Milton Chamarelli Filho e Helder Andrade de Paula por

aceitarem participar da banca de defesa desta dissertação.

Aos professores do mestrado que nos proporcionaram novos e fundamentais

aprendizados.

Aos colegas da turma do mestrado pela amizade.

Aos colegas da Secretaria de Estado de Educação – SEE, sobretudo aos companheiros

da Gerência de Educação Escolar Indígena na pessoa da professora Maria do Socorro

de Oliveira, pelo apoio.

À minha companheira Alcinélia Moreira de Sousa, pelo carinho, amor, e a leitura crítica

da primeira versão desta dissertação.

À professora dra. Maria do Socorro Calixto, ex-coordenadora do mestrado, pela força

para participarmos do intercâmbio na UNESP de Araraquara.

Ao professor dr. Cleudemar Fernandes e às professoras dras. Marisa khail e Rosário

Gregolin por terem despertado em mim o interesse pela AD francesa.

RESUMO

.

Este trabalho é uma reflexão acerca da Educação Escolar Indígena, Intercultural,

Diferenciada e Bilíngüe – EEIID e B, um modelo de educação voltado para a realidade

sócio-histórica e antropológica dos povos indígenas brasileiros, que nasce da luta do

movimento indigenista e indígena do Estado do Acre no final da década de 1970. A luta

naquela década pautava-se pela reconquista dos territórios indígenas expropriados ao

longo da implantação e vigência do modelo econômico baseado no extrativismo

gumífero, que passou a vigorar a partir de meados do século XIX na Amazônia Sul

Ocidental. Este trabalho consiste em investigar o discurso sobre este modelo de

educação que é tido como indígena, em oposição a indigenista, significando este termo

o trabalho desenvolvido por sujeitos não indígena em benefício dos índios. Baseamo-

nos na hipótese de que a EEIID e B, apesar de seu título pomposo, é um modelo

predominantemente indigenista e que a influência dos indígenas é bem inferior ao que

se propala no discurso oficial. O corpus de análise deste trabalho consta de dois

documentos oficiais de caráter nacional: o Referencial Curricular Nacional para as

Escolas Indígenas, Brasília: MEC, 1998; e o Programa Parâmetro em Ação – Educação

Escolar Indígena, Brasília: MEC, 2002. Além desses documentos do MEC também

analisaremos quatro Projetos Políticos Pedagógicos - PPP‘s, produzidos pela Comissão

Pró-Índio do Acre – CPI/AC, para as escolas indígenas João de Souza Carioca,

Francisco Lessa e Tũĩkuru, da etnia Yawanawa; Samuel Pyanko, da etnia Ashaninka e

Alto do Bode e Belo Monte, da etnia Kaxinawa/Huni Kuĩ. A perspectiva teórica que

embasa nossa análise pauta-se nos postulados teóricos da Análise do Discurso – AD,

de linha francesa, sendo que neste trabalho aportamos, sobretudo as contribuições de

Pêcheux, Foulcault, Orlandi, Gregolin e Possenti.

Palavras- chave: Educação Escolar Indígena, Etnias, Movimento Indígena e Indigenista, Discurso, Acre.

ABSTRACT

This work is a reflection of the Indigenous Education, Intercultural and Bilingual Diff - EEIID and B, a model of education focused on the socio-historical and anthropological to the native Brazilian, born of the struggle of the indigenous and native state Acre in the late 1970s. The fight that decade guided by conquest of indigenous territories expropriated during the deployment and duration of the economic model based on the extraction gumífero, which took effect from mid-nineteenth century in the southwestern Amazon. This work is to investigate the discourse on this type of education that is considered as indigenous, as opposed to indigenous, which covered the work of non-taxable benefit of indigenous Indians. We rely on the assumption that the EEIID and B, despite its lofty title, is a predominantly indigenous model and that the influence of the Indians is well below that noises in the official discourse. The corpus of analysis of this work consists of two official documents of the national character: the National Curricular Reference for Indigenous Schools, Brasília: MEC, 1998, and the program parameter in Action - Indigenous Education, Brasília: MEC, 2002. In addition to these documents will also analyze four MEC Projects Political Projects - PPP, produced by Pro-Indian Commission of Acre - CPI / AC, for indigenous schools João de Souza Carioca, Francisco Lessa, both ethnic Yawanawa; Samuel Pyanko, ethnicity Ashaninka and Belo Monte, ethnicity Kaxinawa / Huni Kui. The theoretical perspective that underlies our analysis is the theoretical principles of discourse analysis - AD, the French line, and this work contributed, especially the contributions of Pêcheux, Foucault, Orlandi, Gregolin and Possenti. Keywords: Indigenous Education, Ethnic, Indigenous and Indigenous Movement, Speech, Acre.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 13

1. I CAPÍTULO – O OUTRO NEGATIVO 29

1.1. O ÁRABE: O OUTRO NEGATIVO EXTERNO DO EUROPEU 29

1.2. O EUROPEU ENCARA O OUTRO NEGATIVO NO NOVO MUNDO:

OS ÍNDIOS. 39

1.3. O OUTRO NEGATIVO AMERICANO COMO OBJETO DA

CATEQUIZAÇÃO EUROPÉIA 54

2. CAPÍTULO II – ENFRENTANDO O OUTRO NEGATIVO NA AMAZÔNIA

SUL OCIDENTAL 70

2.1. NÃO HAVIA ACRE PERTURBANDO OS ÍNDIOS NAS TERRAS SUL-

AMAZÔNICAS 70

2.2. A QUESTÃO DO ACRE 79

2.3. NÃO HÁ ÍNDIOS NO ACRE 95

3. CAPÍTULO III – EDUCAÇÃO ESCOLAR IINDÍGENA,

INTERCULTURAL, DIFERENCIADA E BILÍNGUE NO ACRE 109

3.1. ALGUMAS PALAVRAS PARA INICIO DE CONVERSA 109

3.2. O REFERENCIAL CURRICULAR NACIONAL PARA AS ESCOLAS

INDÍGENAS – RCNEI 114

3.3. OS PARÂMETROS NACIONAIS PARA AS ESCOLAS INDÍGENAS –

PCN‘S

123

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS 141

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 149

6. ANEXOS 150

LISTA DE ABREVIATURAS

AD – Análise do Discurso

BB – Banco do Brasil

BANACRE – Banco do Estado do Acre

BASA – Banco da Amazônia

CEB – Câmara de Educação Básica

CEB‘s – Comunidades Eclesiais de Base

CEDI – Centro Ecumênico de Documentação

CEE – Conselho Estadual de Educação

CEEI – Coordenação de Educação escolar Indígena

CFDI – Curso de Formação para Docentes Indígenas

CFR – Casa Familiar Rural

CIMI – Conselho indigenista Missionário

COMIN – Conselho de Missão Entre Índios

CNE – Conselho Nacional de Educação

CONTAG – Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura

CPI – Comissão Pró-Índio

CESE – Coordenação Ecumênica de Serviços

CTA – Centro dos Trabalhadores da Amazônia

CTI – Centro de Trabalho Indigenista

EEIID e B – Educação Escolar Indígena, Intercultural Diferenciada e Bilíngüe

DF – Discurso Fundador

EEIID e B – Educação Escolar Indígena, Intercultural Diferenciada e Bilíngüe

FD – Formação Discursiva

FUNAI – Fundação Nacional do Índio

IECLB – Igreja Evangélica de Confissão Luterana do Brasil

LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação

MEC – Ministério da Educação e Cultura

ONG – Organizações Não Governamental

OPAN1 – Operação Amazônia Nativa

OREALC – Oficina Regional de Educação para a América Latina e o Caribe

OXFAN – Família de Oxford

PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais

PPP – Projeto Político Pedagógico

PS – Projeto Seringueiro

RCNEI – Referencial Curricular Nacional

RESEX – Reserva Extrativista

SEC/AC – Secretaria de Educação do Acre do SEC

SECAD – Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade

SEE/AC – Secretaria de Estado de Educação do Acre

CGAEI – Coordenação Geral de Apoio às Escolas Indígenas

SPI – Serviço de Proteção ao Índio

TI – Terra Indígena

UFAC – Universidade Federal do Acre

UNB – Universidade de Brasília

UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

1 Na década de 1970 a sigla significava Operação Padre Anchieta.

INTRODUÇÃO

O ACRE E A EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA, INTERCULTURAL,

DIFERENCIADA E BILÍNGÜE

Iniciaremos este texto expondo as razões que despertaram o nosso interesse

para desenvolver este trabalho enfocando a Educação Escolar Indígena, Intercultural

Diferenciada e Bilíngüe – doravante EEIID e B. Nosso interesse pelo tema se deve ao

engajamento de dez anos como educador indigenista à frente da Gerência de

Educação Escolar Indígena da Secretaria de Estado de Educação do Acre – SEE/AC.

No Acre, apesar de todos os percalços, 15 (quinze) etnias pertencentes a três

famílias lingüísticas: Pano, Arawak e Arawa2, conseguiram sobreviver mantendo

diferentes estágios de conservação da cultura autóctone, aí incluída a língua de seus

ancestrais. O percurso histórico de duas dessas etnias nos interessou de forma mais

particular: o dos Madija e o dos Yaminawa.

Ao participar da seleção do mestrado nosso desejo era pesquisar a relação dos

Madija com a EEIID e B, dada a maneira peculiar como eles lidam com esta novidade

ocidental. Nosso orientador foi nos mostrando ao longo da orientação que um trabalho

daquele porte tinha que ser desenvolvido num doutorado, pois neste haveria mais

tempo, haja vista que a tarefa a que nos propúnhamos demandava pesquisa de campo,

e no mestrado esta possibilidade era bastante minimizada. Concordamos, e

resolvemos, então, realizar este trabalho acerca de como nasce e se estrutura a

chamada EEIID e B, a partir da análise do caso do Acre.

No Estado, em meados da década de 1970, quando o sistema do extrativismo da

borracha estava em seus estertores de decadência e passava por um momento de

transição dando lugar à pecuarização, apenas nove etnias assumiam identidades

2 Vê relação das etnias no anexo um.

indígenas: Yaminawa, Kulina/Madija, Yine/Manxineri, Kaxinawa/Huni Kuĩ, Katukina,

Kampa/Ashaninka, Puyanawa, Nukini e Arara3.

Foi naquele contexto que surgiu o movimento sindical de trabalhadores rurais

que incluía a participação de indígenas, como o grande líder Alfredo Sueiro dos Huni

Kuĩ/Kaxinawa do rio Jordão, inseridos no cotidiano sócio-econômico regional, segundo

Aquino (1982, p. 35), ‖viviam à maneira de seringueiros e barranqueiros na frente

extrativista da borracha e mais recentemente, parte do grupo vende sua força de

trabalho à nova frente agropecuária‖.

Este nascente movimento social de base sindicalista questionava tanto o antigo

sistema com base no aviamento via patrão/seringalista, quanto o que se prenunciava, e

que tinha como mote a pecuarização do Estado.

Os líderes do movimento percebiam que tanto o seringalismo quanto o regime

pecuário desconsideravam os direitos mais elementares das populações tradicionais

amazônicas, sendo o direito fundiário o mais desrespeitado e o que gerava os maiores

e mais sangrentos conflitos.

Ao longo destes pouco mais de 30 (trinta) anos, os indígenas ora se distanciaram

ora se aproximaram do movimento sindical, como em 1989, por ocasião do II Encontro

Nacional de Seringueiros, quando foi celebrada a União dos Povos da Floresta, que

resultou em lutas comuns de índios e seringueiros, sobretudo no enfrentamento contra

o Estado.

Mas o certo é que os índios criaram um movimento independente do sindicalismo

dos trabalhadores rurais, sobretudo após a ascensão do auto-intitulado Governo da

Floresta, que desde então tem investido na cooptação de antigas lideranças populares,

o que levou ao enfraquecimento e a quase exaustão do movimento social que fora

bastante forte antes da ascensão deste governo, restando na atualidade alguns

bastiões de resistência, constituídos sobretudo pelo Sindicato de Trabalhadores Rurais

de Xapuri, tendo à frente a presidente Dercy Teles, e pela voz dissonante na orquestra

3 Huni Kuĩ, Madija e Yine são autodenominações. Os etnôminos Kaxinawa, Kulina e Manxineri foram atribuídos por grupos rivais. No caso Kaxinawa significa

povo morcego, Kulina é uma palavra desconhecida tanto pelos Madija quanto por pesquisadores que o estudam. Já a palavra Manxineri significa comedor de

inharé, uma fruta silvestre que serve de alimento aos animais da floresta. O nome foi dado porque os Yine comiam esta fruta e a idéia era compará-los a animais

selvagens.

da Floresta do militante Osmarino Amâncio, em Brasiléia. Há também outras vozes que

os agentes do Governo da Floresta tentam desclassificar.

No atual estágio, cuja gênese se deu em meados dos anos de 1990, os

indígenas desenvolvem lutas específicas, em menor intensidade, diga-se de passagem,

pela reconquista dos territórios expropriados ao longo da instalação da frente

extrativista da borracha, intensificando, a partir de 1999, uma batalha no âmbito da

institucionalidade, sobretudo junto à SEE do Governo, pela universalização da

educação escolar, e, junto à Fundação Estadual de Cultura Elias Mansour, pelo

reavivamento de elementos da cultura material e imaterial autóctones, com a

apresentação de projetos culturais para financiamento por meio de uma Lei de Incentivo

à Cultura.

A partir do início da década de 1980, tanto o movimento de seringueiros do

município de Xapuri quanto alguns grupos indígenas inseridos na frente extrativista

gumífera, sobretudo os Huni Kuĩ/Kaxinawa, organizados em torno da Comissão Pró-

Índio do Acre – CPI/AC, e os Madija/Kulina, oganizados em torno das Igrejas Católica e

Evangélica de Confissão Luterana do Brasil – IECLB, passaram a desenvolver

estratégias de comercialização da borracha sem a interveniência do marreteiro4 ou do

patrão/seringalista, via pequenas cooperativas de compra e venda direta.

Este incipiente movimento cooperativo gerou demanda por competências em

leitura e escrita, o que faz surgir as primeiras escolas de caráter comunitário no

contexto das aldeias e seringais.

Este caráter comunitário era expresso tanto pela independência curricular, que

não contemporizava com as exigências oficiais, quanto pelo caráter voluntário dos

professores, que recebiam ajuda de custo das pessoas das aldeias na forma de

trabalhos compensatórios das horas ausentes dos afazeres cotidianos em roçados ou

outras atividades essenciais para a subsistência, ou ainda por meio de bolsas

compensatórias que eram oferecidas por meio de recursos advindos de projetos

financiados por agências humanitárias bilaterais, como a OXFAN, agência de

cooperação inglesa, a Coordenação Ecumênica de Serviços – CESE, agência que

4 A expressão designa o atravessador que regateava mercadorias em troca da borracha. Na época dos seringalistas esta atividade era realizada às escondidas,

pois era proibida pelos patrões que monopolizavam o comércio. Com a decadência destes, era, em muitos, a única forma de garantir mercadorias para os

seringueiros.

reúne igrejas evangélicas brasileiras, e que está radicada no Estado da Bahia, dentre

outras.

Estas escolinhas se organizavam tendo por base os pressupostos teórico-

metodológicos desenvolvidos pelo educador Paulo Freire e receberam consultoria para

desenvolver seus Projetos Políticos Pedagógicos – PPP‘s e a produção dos materiais

didáticos, do Centro Ecumênico de Documentação – CEDI, que desenvolvia ações de

educação popular junto a movimentos sociais de trabalhadores rurais, urbanos e

indígenas.

Nestes pouco mais de 20 (vinte) anos, a educação escolar indígena passou a ser

uma das bandeiras que mais tem mobilizado o movimento indígena no Acre, tendo

extrapolado as fronteiras do Estado.

Não é nenhum exagero dizer que o atual estágio em que se encontra a educação

escolar para indígena no Brasil, com o forte viés indigenista que ela se apresenta, deve

muito, principalmente, aos encaminhamentos dados pelo movimento indígena e

indigenista do Acre ao longo destes anos, encabeçado pela CPI/AC.

A experiência desta ONG, já a partir dos primeiros anos de sua existência, foi

sendo atrelada ao Estado, mais precisamente ao Ministério da Educação e Cultura –

MEC, que a auxiliou financeiramente, de forma que se pôde aperfeiçoar um modelo de

educação escolar indigenista palatável ao Estado, dando origem à chamada EEIID e B,

que o MEC adotou como política escolar indigenista oficial universalizando-a para todas

as etnias existentes no país, a partir dos anos de 1990.

A Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade – SECAD,

órgão do MEC responsável pela gestão da Educação Escolar Indígena, registrou no

ano letivo de 2008 a existência de 225 (duzentas e vinte e cinco) etnias indígenas no

Brasil, das quais 180 ainda mantêm o uso da língua de seus ancestrais. Estas etnias

registraram uma matrícula de 180.000 (cento e oitenta mil) alunos, que foram atendidos

em 2517 (duas mil, quinhentas e dezessete) escolas, em que atuam cerca 10.200 (dez

mil e duzentos) professores, sendo 90% deles indígenas.

Estas etnias encontram-se nos mais diferentes estágios de contato e aculturação

em relação à sociedade ocidental, apresentando variadas situações sociolingüísticas

que vão do monolingüísmo em português, como é o caso das etnias do Nordeste, com

exceção apenas dos Fulniô de Pernambuco, ao plurilingüísmo, em que alguns

indivíduos, sobretudo aqueles pertencentes a etnias estabelecidas na Amazônia,

apresentam o domínio de duas ou três línguas indígenas e duas ocidentais, o português

e o espanhol, como algumas etnias que vivem em fronteiras, e que podemos

exemplificar com os casos dos Huni Kuĩ/5Kaxinawa, Yaminawa, Madija/Kulina e

Yine/Manxineri, no Acre.

Nossa análise faz um questionamento à idéia mistificadora contida na glosa

EEIID e B, que a identifica como sendo uma educação escolar indígena. Em tempo:

Indígena nessa glosa se opõe a indigenista, aquela designação significando as ações

desenvolvidas por índios, e esta designa as ações desenvolvidas por não-índios em

favor de indígenas.

O indigenismo, segundo Darcy Ribeiro, apud Lima veio do México e dos países

hispanos pan-americanos em que a palavra designava pessoas que se dedicavam à

proteção do índio. No Brasil o indigenismo oficial foi inaugurado pela ação do Marechal

Rondon6, criador do Serviço de Proteção ao Índio – SPI. Embora os agentes desta

instituição não conhecessem a palavra indigenista, havia uma ação de proteção aos

índios, uma ação positivista, haja vista que Rondon, seguindo as tradições da maioria

dos militares de sua época, era um ferrenho adepto da corrente filosófica denominada

de Positivismo7.

5 Huni Kuĩ, Madija e Yine são autodenominações. Os etnôminos Kaxinawa, Kulina e Manxineri foram atribuídos por grupos rivais. No caso Kaxinawa significa

povo morcego, Kulina é uma palavra desconhecida tanto pelos Madija quanto por pesquisadores que os

estudam. Já a palavra Manxineri significa comedor de

inharé, uma fruta silvestre que serve de alimento p

ara

animais da fauna silvestre

. O nome foi dado porque os Yine comiam esta fruta e a idéia era

compará-los a animais selvagens.

6 Cândido Mariano da Silva Rondon, índio mestiço das etnias Bororo e Pareci, foi militar do exército da arma de engenharia. É considerado um grande herói da

nacionalidade, talvez o mais importante do século XX. Foi o responsável, nas primeiras décadas daquele século pela exploração e mapeamento de áreas até

então desconhecidas da Amazônia, especialmente no Vale do Guaporé, no atual Estado de Mato Grosso, no Estado batizado em sua homenagem com o nome

de Rondônia, e no Estado do Amazonas, abrindo-os, assim, para a exploração econômica, e a colonização por nacionais brasileiros e o controle pelo Estado. No

desenvolvimento destas ações teve contato com populações indígenas vivendo em estado primitivo, o que levou à criação do antigo ―Serviço de Proteção aos

Índios e Localização dos Trabalhadores Nacionais‖, mais tarde, apenas ―Serviço de Proteção aos Índios‖. O relacionamento dos representantes dessa agência de

governo com os índios eram orientados pelo famoso motto ―Morrer Se Preciso For, Matar Nunca‖. Informações baseadas em pesquisa realizada no site

http://www.georgezarur.com.br/artigos O heroi e o sentimento: Rondon e a identidade brasileira. Acesso em

27/09/2009 às 10h23 mim.

7 Doutrina filosófica cujo maior expoente foi o francês Augusto Comte (1798-1857). Esta corrente era hostil à metafísica e admitia como fonte única de

conhecimento e critério de verdade, a experiência, os fatos positivos, os dados sensíveis, fazendo um ato de fé ao grande progresso das ciências naturais,

particularmente das biológicas e fisiológicas do século XIX. Este positivismo formulado por Augusto Comte visava instaurar uma nova ordem adaptada à "idade

industrial".

O indigenismo foi, portanto, marcado por este pensamento filosófico, tendo

nascido numa tentativa de resolver um dilema que era dos indigenista e não dos índios.

Com o avanço das frentes pioneiras sobre as terras dos índios, estes homens,

inicialmente militares, engenheiros cartógrafos, médicos sanitaristas, advogados e

antropólogos, queriam preservar a vida dos índios, daí a máxima de Rondon: morrer se

preciso for matar jamais! Mas ao lado desta preocupação com a preservação da vida

dos índios, estes primeiros indigenistas tinham outra que era melhorar o índio enquanto

ser humano.

A tese que defendemos é a de que a EEIID e B já nasce indigenista, embora

com forte participação e colaboração indígena, mas vai gradativamente se

transformando numa proposta puramente indigenista, primeiro sob a hegemonia dos

quadros militantes das ONG‘s, que inauguraram o indigenismo alternativo, das Igrejas e

de professores universitários, até ser totalmente absorvida pelo Estado que, a partir do

Governo Federal via MEC, delega para os sistemas regulares de ensino dos Estados e

Municípios a responsabilidade pela implementação e gestão desta educação, cabendo

aos índios um papel secundário e de pouca relevância no desenvolvimento da EEIID e

B.

Neste contexto, a participação dos indígenas, sobretudo dos professores

indígenas do Acre, cujo discurso permeia toda a documentação oficial emanada do

MEC, não altera o caráter marcadamente indigenista, tutelar e dependente do Estado e,

de alguma forma, a proposta é tributária de outras que vigoraram ao longo da história

do contato dos indígenas com o elemento ocidental que veio para o ―Novo Mundo‖ a

partir do movimento que ficou conhecido no discurso da história oficial como a era das

descobertas.

Nosso contato com a gestão oficial da educação escolar indígena nos ajudou no

sentido da escolha e seleção dos documentos que julgamos pertinentes para efeito de

verificação de nossa hipótese, razão pela qual constituímos o corpus para a análise

desta problemática com uma pequena parte da documentação oficial produzida pelo

MEC e pela CPI.

Do MEC analisaremos alguns aspectos de dois documentos:

O Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas - RCNEI (BRASIL,

MEC, 1998) e o Programa Parâmetro Curriculares Nacionais – PCN e, Ação da

Educação Escolar Indígena (BRASIL, MEC, 2002).

Além destes dois documentos emanados do órgão máximo de gestão da EEIID e

B, analisaremos alguns aspectos de seis documentos de PPP‘s, organizados e

enviados pela CPI/AC para a apreciação e aprovação no Conselho Estadual de

Educação – CEE.

Vale reforçar aqui que a CPI é uma ONG acriana que se tornou ao longo dos

últimos 20 (vinte) anos, uma extensão para-governamental vinculada ao MEC, sendo a

principal responsável pela proposta de EEIID e B, quando passa, ainda nos anos de

1980, a assessorar escolas indígenas noutros Estados brasileiros.

Os documentos produzidos pela CPI/AC e que serão analisados nesta

dissertação serão os seis PPP‘s abaixo discriminados:

1) O da escola João de Souza Carioca8;

2) Da Escola Francisco Lessa9;

3) Da escola Tũĩkuru as três da etnia Yawanawa;

4) Da Escola Samuel Pyanko, da etnia Ashaninka e;

5) Da Escola Alto do Bode;

6) Da Escola Belo Monte, estas duas da etnia Kaxinawa.

Para efeito da escrita desta dissertação ela estará assim organizada:

No primeiro capítulo faremos uma análise crítica de como foi se criando na

Europa, durante a Idade Média, uma Formação Discursiva – FD10 em torno do outro

não-europeu que, mais tarde, com a ―descoberta do Novo Mundo‖ e o contato do

homem ocidental com seus ―estranhos‖ habitantes, os indígenas, vão ser encaixados

nesta FD.

8 Esta escola existia deste a época dos seringalistas e este nome homenageava o antigo patrão seringalista, mas como os Yawanawa estão num processo de

revalorização da cultura autóctone, rebatizaram a escola com o nome Ivã Sttiho.

9 Pela mesma razão os Yawanawa rebatizaram esta escola com o nome indígena de Nixi Wwaka.

10 Formação Discursiva é uma categoria da Análise do Discurso – AD, de linha francesa, que será a referência teórica em nossa análise. Nesta introdução

faremos um sumário acerca da AD francesa e suas principais categorias.

Veremos que quando o europeu resolve colonizar a América, inclusive o Brasil, a

educação escolar desempenhou papel fundamental na mistificação em torno da

superioridade do elemento europeu em detrimento do habitante autóctone da América.

Ainda no primeiro capítulo demonstraremos que a FD iniciada na Europa antes

do europeu conhecer o habitante do ―Novo Mundo‖, e ao conhecê-lo criá-lo via discurso

como índio colocará este sujeito índio numa posição de assujeitamento11, na qual é

descrito como negativo e que necessita, segundo Dalmolin (2004 p. 62), ser positivado

pela ação civilizatória do homem ocidental.

Também no primeiro capítulo descreveremos o contato dos portugueses com os

indígenas da Amazônia, a partir do Estado do Maranhão e Grão-Pará, no século XVII.

Este Estado contava com uma gestão independente tendo ligação direta com a coroa

portuguesa em Lisboa sem a interveniência com a administração colonial brasileira.

No segundo capítulo, adotaremos o mesmo procedimento, só que em relação ao

contato com os indígenas da Amazônia Sul Ocidental onde, a partir da segunda metade

do século XIX, se iniciará um processo de migração de populações não-indígenas

oriundas do Nordeste brasileiro, estimulado pelo governo do Amazonas e os

representantes de Casas Aviadoras12 de Belém e de Manaus, com o intuito de obrigar a

tomada do território que hoje constitui o Estado do Acre e que então pertencia à Bolívia.

Ainda neste segundo capítulo, focaremos o movimento indigenista e indígena

que embasará, nos anos de 1990, a criação da EEIID e B.

Pelo registro histórico que tivemos acesso em nossa pesquisa se percebe muito

claramente que este movimento nasce como uma alternativa questionadora do status

quo político-econômico-fundiário vigente à época.

O indigenismo de então combatia as estruturas político-econômico-fundiárias que

colocavam de forma muito explícita o índio numa posição de subalternidade, não lhe

reconhecendo quaisquer direitos, cassando-lhes, em primeiro lugar, os direitos pela luta

11

Este conceito também é uma categoria da AD francesa e trataremos dela nesta introdução.

12 Eram assim denominados os estabelecimentos comerciais instalados nas duas metrópoles amazônicas da época. Elas eram responsáveis pelo abastecimento

dos seringais com os víveres essenciais aos trabalhos da exploração gumífera a captação e exportação da produção para os centros consumidores fora do Brasil.

O sistema de exploração da borracha se processava por meio de uma teia hierarquizada que tinha na ponta o seringueiro, era o elo mais frágil e explorado, a

seguir os patrões que exploravam diretamente os seringueiros, depois destes os donos dessas casas aviadoras que eram majoritariamente portugueses ou

árabes, e, no topo da cadeia, os

bancos ingleses representantes do grande capital que financiavam as atividades extrativistas nos seringais.

em favor da reconquista dos territórios, que eram e são fundamentais para a

recuperação e a manutenção da identidade autóctone, e que haviam sido expropriados

com o estabelecimento do contato com os brasileiros para a implantação do

extrativismo gumífero.

Isto não quer dizer que tenha havido um progresso muito grande nesta postura

em relação aos indígenas, mas é que hoje as coisas ocorrem de maneira mais velada,

mais dissimulada.

Percebe-se pelos relatos consultados, que, no Estado do Grão-Pará, durante o

século XVII, a escola foi uma imposição do Estado colonial.

A instalação do Estado do Grão-Pará visava à exploração das chamadas drogas

do sertão para efeito de ocupação da Amazônia e para garantir sua posse pela coroa

portuguesa, haja vista que em razão do Tratado de Tordesilhas, caso Portugal não a

ocupasse corria o risco de perder sua posse para a Espanha e, naquele momento, o

sistema econômico já globalizado com a implantação do mercantilismo abria mercados

para a exportação das especiarias que se extraiam na Amazônia.

Dada a dificuldade de importar força de trabalho para a região, os trabalhos de

exploração das drogas do sertão, eram realizados com a utilização da força de trabalho

escravizada dos indígenas.

Naquele contexto a educação escolar foi a estratégia utilizada pela catequização

religiosa para alcançar o intento da substituição das línguas indígenas locais pelo

Nheengatu, que passou a ser a língua franca utilizada tanto pelos índios das mais

diversas etnias presentes na região, quanto pelos poucos escravos africanos que foi

possível importar, e pelos colonos e os funcionários brancos da coroa portuguesa.

No Acre, ao contrário, a educação escolar foi negada aos indígenas, tanto ao

longo do período do boom do extrativismo, quanto em sua decadência e substituição

pela pecuarização, salvo em alguns locais e momentos, a depender das pretensões e

conveniências de algum patrão que fosse também chefe político.

A educação escolar no Acre só será acessada pelas populações indígenas,

como já nos referimos, no final dos anos de 1970, mas como conquista do próprio

movimento indígena e indigenista, no momento em que o extrativismo encontrava-se

em crise, e que o poder público tentava operar uma transição para o modelo econômico

de base pecuária.

Neste modelo econômico a opção que sobrava aos indígenas era serem

agregados ao subemprego nas fazendas, como peões, como se pode constatar no

relato de Aquino (ibdem, p. 6): ―Alegaram os Katukina que já tinham retornado da

fazenda, que a diária de R$ 20,00 (vinte cruzeiros) paga aos peões era extremamente

baixa‖.

Se houvesse ocorrido a adesão maciça dos indígenas à frente agropecuária, a

perda de elementos autóctones da cultura indígena que foram conservados durante o

período do extrativismo gumífero teria sido irreversível.

Ao longo dos dois primeiros capítulos discorreremos sobre o papel e o

significado da presença, ou ausência, da educação escolar na estratégia do contato

entre o elemento ocidental e o índio, o nativo do Novo Mundo Americano, detendo-nos,

no terceiro capítulo, na análise do corpus já descrito nesta introdução.

A opção por realizarmos esta investigação justifica-se, principalmente, por ser o

tema relevante e pouco estudado, estando eivado de lugares comuns, sendo o

principal, em nossa avaliação, este que nos propomos investigar: A idéia de um

protagonismo indígena no modelo de EEIID e B.

Esta pesquisa também se justifica pela necessidade de se verificar as mudanças

que ocorreram na formação do sujeito-professor indígena e do processo mesmo de

formalização da Educação Escolar Indígena como categoria vinculada ao sistema

nacional da educação brasileira.

A ANÁLISE DO DISCURSO – AD DE LINHA FRANCESA: O REFERENCIAL

TEÓRICO

O referencial teórico que dará suporte ao nosso trabalho de análise, como já

referido na nota três, será a AD de linha francesa.

Faremos aqui um breve sumário das principais categorias advindas deste

referencial e que serão utilizadas neste trabalho, qual seja a de linguagem, discurso,

sujeito, formação discursiva, intradiscurso e interdiscurso, e outras noções, que

julgamos pertinentes para situar o leitor não iniciado em AD.

Esta corrente de pensamento nasce de uma crítica à lingüística imanente de

corte saussuriana, pois segundo Pêcheux, considerado o fundador da AD, Saussure ao

estabelecer a dicotomia langue/parole elege como objeto da ciência lingüística a

langue, o sistema, isolando a larole, que Pêcheux considera o objeto por excelência do

estudo da linguagem, dentre outras razões, por focar ―as instituições não semiológicas

no escopo da ciência‖, (FLORES, 1997, p. 43), portanto a constituição da AD enquanto

ciência nasce do inconformismo com o predomínio da tradição estruturalista na

lingüística, que privilegiava a langue para efeito de análise em detrimento da parole.

Os autores que dão início à AD o fazem com base numa tradição da cultura

francesa de unir texto com reflexão histórica. A AD nasce, então a partir da confluência

entre lingüística, marxismo e psicanálise.

Do marxismo a AD aporta contribuições de Althusser, filósofo e teórico que

operou uma releitura da obra de Marx, sendo sua grande contribuição para a AD, as

discussões acerca dos aparelhos ideológicos de Estado e a idéia de assujeitamento ou

de sujeito assujeitado.

Esta é, portanto uma categoria importante para a AD francesa; a de sujeito.

Inicialmente ela foi definida a partir da teoria althusseriana de aparelhos ideológicos.

Esta teoria partia de uma crítica do sujeito na tradição marxista, negando-o enquanto o

enunciador primeiro do discurso. Ela também refutava a lingüística imanente, por seu

caráter estruturalista que, para efeito de análise, colocava centralidade no código.

Para a AD o sujeito ―faz o sentido na história, por meio do trabalho da memória, a

incessante retomada do já-dito, o encontro do ―impensado de seu pensamento‖

(MAZIÈRE, 2007, p. 63).

Foucault escreve em A ordem do discurso: ―Gostaria de perceber que no

momento de falar uma voz sem nome me precedia há muito tempo‖ (FOUCAULT, 2000,

p. 5). O autor, sobretudo nesta obra, insistirá na idéia que a produção do discurso na

sociedade é controlada, organizada, selecionada e redistribuída por alguns

procedimentos, demonstrando ainda que os sujeitos entram na ordem dos discursos,

mas ―não se tem o direito de dizer tudo, (...) não se pode falar tudo em qualquer

circunstância, (...) qualquer um não pode falar qualquer coisa.‖ (Ibidem, p.9).

Por outro lado, Pêcheux (1997, p. 71), em sua crítica à lingüística imanente,

observava que a visão centrada no código induz Saussure, mesmo que explicitamente

ele não o tenha desejado, a promover

a reaparição triunfal do sujeito falante como subjetividade em ato, unidade

ativa e intenções que se realizam pelos meios colocados a sua disposição; em

outros termos, tudo se passa como se a lingüística científica (tendo por objeto

a língua) liberasse um resíduo. Que é o conceito filosófico de sujeito livre,

pensado como o avesso indispensável, o correlato necessário do sistema.

Esta crítica a um sujeito falante, unidade ativa, senhor de seu dizer levará

Pêcheux a desenvolver na primeira parte da AD ou como ele mesmo define na AD-1, a

idéia de sujeito assujeitado, significando e existência de uma maquinaria discursiva, um

―sujeito-estrutura que determina os sujeitos como produtores de seus discursos: os

sujeitos acreditam que utilizam seus discursos quando na verdade são seus ―servos‖

assujeitados, seus suportes‖. (PÊCHEUX ibidem, p. 311).

Na segunda fase, ou na AD-2 Pêcheux toma de empréstimo de Foucault a noção

de Formação Discursiva sendo esta assim definida por este autor, (FOUCAULT, 1997,

p. 43):

No caso em que se puder descrever, entre um certo número de enunciados,

semelhante sistema de dispersão, e no caso em que entre os objetos, os tipos

de enunciação, os conceitos, as escolhas temáticas, se puder definir uma

regularidade (uma ordem, correlações, posições e funcionamentos,

transformações), diremos por convenção, que se trata de uma formação

discursiva.

Mas o próprio Pêcheux, (ibidem, p. 314), não se satisfaz com esta idéia porque

segundo ele ―resulta que o sujeito do discurso continua sendo concebido como puro

efeito de assujeitamento à maquinaria de FD com a qual ele se identifica‖.

Na terceira fase da AD ou AD-3, Pêcheux propõe a desconstrução da idéia de

maquinaria discursiva.

Voltando ainda um pouco para Althusser, acerca de suas considerações sobre o

sujeito, ele dirá que este é moldado pela interpelação, sendo esta uma identificação, um

apagamento do sujeito em relação à determinada formação ideológica (GALO, 1995, p.

23), porque este sujeito fala a partir das representações de um tempo histórico e de um

espaço social. Isto quer dizer que o sujeito ao ser interpelado assume uma forma

sujeito que configura seu lugar social, atribuído pela instituição que o interpela. Vale aqui descrevermos o conceito do termo forma sujeito, expressão introduzida

por Althusser e, segundo este autor‘, apud Pêcheux (1997, p. 183), a expressão

designa ―a forma de existência histórica de qualquer indivíduo, agente das práticas

sociais‖.

Para efeito de exemplificação, o caso do indígena é bem ilustrativo, pois esta

categoria até o contato com o homem ocidental não existia, era uma forma sujeito

inexistente, que se inaugura por meio de atos discursivos proferidos pelos europeus

quando estes pisaram pela primeira vez nestes territórios desconhecidos e interpelaram

esses habitantes como índios, dando-lhes esta forma histórica de existência.

Na atual fase da AD a categoria de sujeito assujeitado, que nasce como já

exposto, sobretudo da contribuição de Althusser acerca dos estudos sobre os

Aparelhos Ideológicos de Estado, é bem questionada.

Possenti defende a idéia de um sujeito que não sendo livre, também não é

assujeitado. Para a construção desta idéia nova de sujeito ele aporta contribuições de

de Certeau, sobre o conceito de usuário, e de competência discursiva de

Maingueneau. (POSSENTI, 2002, p. 79).

Segundo Possenti (ibidem, p. 79) o conceito de usuário não restaura o primado

do sujeito uno da tradição ocidental, pois a idéia é dar conta de um sujeito que participa,

―ou seja, embora sendo ―efeito das estruturas‖ que o condicionam, ele é, mesmo assim,

um usuário dos produtos ( e dos discursos), não apenas seu consumidor‖.

Já a noção de competência discursiva de Maingueneau é inspirada na noção de

competência que Chomsky propõe, e está associada à idéia de que o discurso é

processo e não produto e que o processo exige processadores. Este autor tem em

mente também ―entre outras coisas, não reduzir o discurso às coisas já ditas, mas

entendê-lo como máquina produtora de enunciados e textos‖ (ibidem, p. 79).

Possenti (ibidem p. 83) reconhece ―que evidentemente, há regras (estruturas?);

que, portanto, os sujeitos não são livres. Mas, se os sujeitos não inventam o jogo, não

significa que não joguem‖.

Outros teóricos cujas reflexões contribuíram para a criação da AD foram Lacan,

com uma releitura da psicanálise freudiana e, ainda que tardiamente, Mikail Bakthin,

filósofo russo da linguagem cuja obra Marxismo e filosofia da linguagem foi descoberta

pelo grupo de Pêcheux na década de 1970, quando Authier-Revuz leva para a AD as

noções bakhtiniana de dialogismo e heterogeneidade.

Para a AD, a definição de Discurso pode ser traduzida como a manifestação da

materialidade da ideologia pela língua (MAZIÈRE, 2007, p. 30); um sistema de

significações ideológicas que configura o lugar da cristalização das motivações

históricas (OSAKABE, 1979, p. 21); o efeito de sentidos entre locutores (ORLANDI,

2007, p. 210); ou:

a materialização do processo enunciativo, cuja materialidade exibe a

articulação da língua com a História. Como conseqüência, ela propõe uma

teoria não-subjetiva, em que o sujeito não é tido como responsável pelo

engendramento dos fenômenos discursivos e o sentido é construído pela

interação entre os interlocutores. (GREGOLIM, 2000, p. 19)

Outra categoria muito significativa para a AD é a de subjetividade. Esta se opõe

à noção prevalente na lingüística da imanência da langue. Para esta a subjetividade é a

capacidade de o locutor se propor como sujeito do próprio discurso. Para a AD a

subjetividade é um processo histórico que apresenta determinações exteriores ao

indivíduo.

Para efeito de ênfase, voltamos a afirmar que o referencial da AD será

ferramenta fundamental para a análise e entendimento dos processos de subjetivação13

13

―O termo ―subjetivação‖ designa para Foucault, um processo pelo qual se obtém a constituição de um sujeito, ou mais exatamente, de uma subjetividade‖ (REVEL, 2005. p.82). Noutras palavras são os modos pelos quais se operam as transformações dos seres humanos em sujeitos.

– outra categoria importante da AD – que se constrói acerca do indígena e que dará

base aos processos de interpelação a que vem sendo objeto desde os descobrimentos

europeus, perdurando na atualidade quando parte significativa deles é interpelada

como professor indígena e passa a assumir esta forma sujeito a partir de meados da

década de 1980, pois anteriormente ela não existia, uma vez que as aldeias que

conseguiam acessar a educação escolar tinham como professores sujeitos não-

indígenas, ligados ao círculo familiar dos patrões/seringalistas ou de credores de seus

favores, à Fundação Nacional do Índio – FUNAI, ou dos sistemas regulares de

educação formal do Estado ou dos Municípios.

Outras categorias da AD que nos serão de grande utilidade para a análise e

compreensão da EEIID e B são as de interdiscurso e intradiscurso.

A definição de interdiscurso segundo Pêcheux, (1997, p. 162), considera o

seguinte: ―Toda formação discursiva dissimula, pela transparência do sentido que nela

se constitui sua dependência com respeito ao ―todo complexo com dominante‖ das

formações discursivas, intrincado no complexo das formações ideológicas‖.

Podemos, pois de acordo com Pêcheux (1997), considerar que o interdiscurso é

o pré-construído. São as formulações que se articulam em formas lingüísticas

determinadas, como a citação, a repetição, a paráfrase, a oposição, a antítese. Ele se

constrói no domínio da memória, na exterioridade constitutiva dos enunciados. O

interdiscurso, portanto, é parte constitutiva do discurso do sujeito.

A outra categoria que explicitaremos aqui é a de intradiscurso, que Pêcheux

sugere como sendo a matéria lingüística, ideológica, literária, simbólica, pré-existente,

uma espécie de imagem já conhecida de uma realização lingüística que qualquer

sujeito pode reconhecer.

No caso de nosso trabalho, os materiais que constituem o corpus de análise é

um intradiscurso acerca da temática da EEIID e B.

Para encerramos este tópico acerca de nosso referencial teórico, faremos uma

rápida consideração acerca da concepção de linguagem presente na proposta da EEIID

e B.

Como a EEIID e B foi moldada no calor das lutas sociais e nos embates políticos

com o Estado autoritário da época da ditadura militar, enfrentando também os patrões

seringalistas e os latifundiários que se apresentavam no Estado como continuadores da

dominação do homem sobre o homem, a concepção de linguagem presente na

proposta pedagógica considera os aspectos social, cultural e histórico.

A EEIID e B não prescinde da reflexão acerca das condições sociais de

produção do conhecimento nem das condições sociais de quem produz e a quem se

destina estes conhecimentos produzidos.

Além desta concepção social de linguagem presente na EEIID e B, há também o

predomínio de uma concepção de cultura, pois se considera os aspectos culturais dos

sujeitos presentes nos atos educativos, além de uma concepção histórica, haja vista

que o ato educativo escolar se processa levando em conta as determinações históricas

que engendraram a conquista da EEIID e B e sua pertinência para o alargamento das

conquistas no campo das lutas indígenas.

Outros tópicos sobre referencial teórico aparecerão ao longo do trabalho, quando

julgarmos pertinente.

O OUTRO NEGATIVO.

O discurso torna possível tanto a permanência e a continuidade quanto o

deslocamento e a transformação do homem e da realidade em que ele vive.

(ORLANDI, 2007, p. 15).

1.1. O ÁRABE: O OUTRO NEGATIVO EXTERNO DO EUROPEU

O título acima parece destoar do objetivo do trabalho aqui proposto que é

analisar o processo de implantação da educação escolar entre os indígenas no Brasil.

Como um acontecimento localizado no Brasil poderá ter relação com a Europa

do século XI, um tempo em que este país sequer existia? A ponte é a FD que, em

ambos os casos, embasaram um Discurso Fundador (doravante DF) comum e que irá

preparar as condições para que a EEIID e B se desenvolvesse com as características

que se apresentam na atualidade.

Cristóvão Colombo, julgando ter chegado à Índia, foi o primeiro europeu a pisar

nas terras americanas, que o italiano Pietro de Martire batizou de Novo Mundo. Isto

correu em 1492, portanto há mais de 500 anos. Todavia, a FD que coloca os habitantes

deste Novo Mundo como o outro que deve ser modificado até adquirir as semelhanças

culturais do colonizador foi forjada na Europa muito antes que os primeiros europeus

chegassem à América – Colombo no Caribe e, Cabral, em 1500, em Porto Seguro,

onde hoje está situado o Estado da Bahia – e teve como base as narrativas

maravilhosas que pululavam no Velho Mundo acerca de lugares então desconhecidos

dos europeus.

Segundo Delumeau (1983, p. 50) circulavam relatos fantásticos sobre a Índia,

nos quais se descreviam o país como sendo um lugar onde ―pigmeus lutavam contra

grous e gigantes contra grifos. Ali viviam homens com cabeça de cão, com apenas um

olho na cara, e a boca no ventre―, e outras lendas que alimentavam a imaginação

desses estrangeiros que passaram a aportar pela América a partir do século XVI,

alguns achando que estavam na Índia.

Colombo, aliás, num de seus contatos com os índios entendeu, por uma

confusão gerada em razão das diferenças lingüísticas, que os aborígenes estivessem

se referindo aos personagens e eventos narrados por Marco Pólo. Ele faz a confusão a

partir da palavra Caraíba, designando os habitantes (antropófagos) do Caribe,

entendendo que estivessem querendo dizer Can. Eis o registro no diário do Almirante

em 26/11/1492:

Toda a agente que encontrou até hoje diz que sente o maior medo dos

―caniba‖ ou ―canima‖ que vivem nessa ilha de ―Bohio‖. Não queriam falar, por

receio de serem comidos, e não podia tirar-lhes o medo, pois diziam que só

tinham um olho e cara de cachorro. O Almirante achava que era mentira, tendo

a impressão que deviam ser do domínio do Grande Can, que os reduzia ao

cativeiro (COLOMBO, 1998, p. 70).

Além desta confusão, de achar que os índios estavam se referindo ao Grande

Can, imperador da Tartária, que, segundo a narrativa de Marco Pólo ao papa da época,

este imperador havia solicitado o envio de 100 (cem) teólogos para iniciar a conversão

dos mongóis, Colombo também escreveu em seu diário que vira três sereias, e

comenta que elas ―não se dedicam a nenhum exercício feminino, mas sim aos do arco

e da flecha‖ (TODOROV, 1999, p. 19). Posteriormente, em 24 de junho de 1541, frei

Gaspar de Carvajal, assegurará ter avistado as Amazonas na foz do rio Jamundá,

fazendo guerra de forma tão valente quanto dez índios.

Afora estas narrativas referindo-se a seres imaginários, havia também narrativas

sobre as riquezas sem fim que as terras desconhecidas guardavam. As mais difundidas

eram as de Marco Pólo. Elas se referiam à ilha de Sete Cidades, onde a areia era ouro

puro, e os telhados das casas também eram de ouro; falava acerca de milhares de ilhas

de Cipango, onde abundavam árvores que exalavam o mais adorável odor.

Colombo, que, contraditoriamente, sendo poliglota não considerava a língua dos

índios como um idioma diferente do espanhol, e julgava que eles falavam errado a

língua de Castela, comete mais uma confusão ao deduzir que os aborígenes faziam

referência a Cipango, como se estivera perto desse lugar imaginário. Ele escreve o

seguinte em seu diário do dia 22 de dezembro de 1492:

Este trouxe outro companheiro ou parente consigo, e os dois, entre os demais

lugares que indicavam onde colhia ouro, mencionavam Cipango, a que chamam

de ―Civao‖, afirmando que lá existe em grande quantidade (COLOMBO, ibidem

p. 85).

As narrativas de Marco Pólo falavam ainda do império de Prestes João, onde se

dizia que corria um dos rios do paraíso terrestre; a cidade de Cibola e o lendário

Eldorado, que motivou buscas pelos espanhóis desde as montanhas do México e dos

Andes boliviano e peruano, até a Amazônia brasileira.

Era este clima de delírio que predominava na Europa da Idade Média, quando

ainda se desconheciam outros continentes, ou cujo acesso a estes era restrito a

poucos, como os Genoveses e Venesianos, que ―tinham a seu favor um considerável

adiantamento técnico, extensivo às práticas navais, como o demonstrava o domínio

incontestado da cartografia científica‖. (MARQUES, 1998, p.30).

Marco Pólo mesmo era filho do comerciante veneziano de Constantinopla Maffeo

Pólo, com quem realizou uma longa viajem para a China que durou de 1271 a 1295, e

foi ele, como já referimos acima, o responsável pelas mais célebres narrativas,

carregadas deste sentido de fantástico e de maravilhoso.

Mas, as condições que preparam o espírito do europeu para as grandes

navegações a partir do século XV, e que darão início a Idade Moderna, serão

consolidadas ainda na Idade Média, no final do século XI quando a Igreja Romana

construirá o ideário do Império Universal Ocidental sob domínio eclesiástico. A Igreja de

Roma assume para si a ―supremacia sobre as coisas do mundo, gestando uma teologia

racional e indicando como o indivíduo cristão estaria a partir de então comprometido

com a vida terrena num grau antes inexistente‖ (ROJO, 1998, p. 20).

Para alcançar este intento e igreja irá operar em seu interior profundas

mudanças de caráter institucional, doutrinário e administrativo, como o rompimento

cultural com o patriarcado de Bizâncio, a imposição da obrigatoriedade do celibato aos

clérigos, a purgação doutrinária interna para impedir interpretações teológicas

divergentes das que emanavam do alto clero, e a escolha dos papas por um restrito

colégio cardinalício, dentre outras.

Estas mudanças propiciaram o acúmulo e concentração de riquezas e de

poderes, permitindo, assim, o financiamento do intento da construção do Império

Ocidental Universal que, diga-se de passagem, tinha muito de mundano. Papas e

clérigos, seus ideólogos, apregoavam que era preciso concentrar o poder espiritual e

temporal, o primeiro por lhe pertencer, e o segundo porque deveria atuar em seu

proveito.

Naquele momento histórico se operava uma transição na forma de relato, de um

relato (narração distanciada), para o discurso (fala implicada), (MAZÌERE, 2007, p. 25).

Sim, porque é isto que a igreja faz, ela tem uma fala implicada com um projeto político e

histórico, no qual envolve/implica outros atores, visando o alcance do intento

pretendido. Marco Pólo, ao contrário, fazia seus relatos, suas narrativas, sem que

tivesse por trás destes um projeto implicado, a não ser, talvez, o de inflar seu próprio

ego.

Em Roio (ibidem p. 21) lemos que ―para efetivar seu propósito de imperium

mundial, a igreja procurou canalizar a violência intrínseca da ordem feudal para alguns

objetos – vistos como o outro negativo – a fim de evitar o risco e a desagregação social‖

(o grifo é nosso). O clérigo cisterciense Bernard de Clairvaux dizia que qualquer

obstáculo ao domínio universal da igreja de Roma era coisa do diabo e, naquele

momento criou-se, por meio deste discurso, a figura do Oriente em oposição ao

Ocidente, e aquele passa a ser designado como a terra do diabo por ser o lugar onde

se praticava a religião islâmica.

Este discurso do outro negativo é muito bem forjado, bem articulado e melhor

ainda implementado. Enquanto o Oriente era o outro negativo externo da Europa, criou-

se também o outro negativo interno, que tanto podia ser os dissidentes da igreja

romana, os leprosos, os loucos, as mulheres da religião druida, que detinham o poder

na cerimônia do sabaht na qual se celebrava o caráter maternal da terra.

No entanto, no mesmo discurso acerca do Oriente como espaço externo do outro

negativo, admitia-se que ultrapassando os confins orientais poder-se-ia alcançar o

paraíso. Este aspecto do discurso é interessante para este trabalho porque com o fim

do Feudalismo e o início da Idade Moderna, quando se darão as viagens ultramarinas,

a América e, particularmente o Brasil e seus habitantes, serão descritos a partir do

Discurso que veicula a ideologia construída numa FD em que aparecem o inferno e o

paraíso, o diabo e suas forças, o homem adâmico, porém necessitado de conversão.

No discurso forjado pela igreja durante a Idade Média, para que ela fosse o

centro em torno do qual tudo gravitasse, construiu-se a tese de que a terra era uma

ilha, cujo centro seria Jerusalém e, caso houvesse outras ilhas, estas deveriam ser

habitadas por seres não humanos. No entanto, séculos depois, quando se dão as

descobertas científicas acerca da forma esférica da terra, a Igreja re-significa seu

discurso, admite que a terra seja redonda, e muda também a opinião sobre os

habitantes dos lugares desconhecidos, argumentando que, embora não sejam

monstros, são, no entanto carentes da religião católica, condição para alcançar o

estágio de civilização, razão pela qual ela outorgará, a partir do século XV, o

reconhecimento legal dos direitos de propriedade das novas terras descobertas aos reis

que financiavam as viagens de descobertas, desde que estes se obrigassem a

trabalhar pela conversão dos infiéis que as habitassem.

Neste ato da igreja católica vemos em operação uma FD sendo alimentada por

um interdiscurso que irá gerar outro discurso, este melhor adaptado à nova conjuntura.

Essa será uma marca dos discursos acerca das terras e das gentes do Novo

Mundo, quer dizer, à FD básica moldada pelo DF serão mobilizados os interdiscursos

da hora, de acordo com a conjuntura e os planos que os europeus traçarem para as

terras descobertas. No caso de Portugal, segundo documento da Comissão Nacional

para a Comemoração dos Descobrimentos Portugueses, (1999, p.18), havia duas

estratégias, no que eles chamavam de ―Pluralidade Civilizacional em relação às

colônias: i) a intercomunicação, que foi praticada na África e na Ásia, e ii) a criação

espacial, que ocorreu no Brasil‖.

Desde antes do século XI que os europeus exerciam intenso comércio para a

compra de produtos orientais, no entanto, este comércio era comandado pelos

venezianos, haja vista que já dominavam a geografia náutica e conheciam os caminhos

para as índias, detendo, portanto, o monopólio do comércio das especiarias que

compravam em Alexandria e Beirute (MOUSINHO, 1990), portanto países muçulmanos.

Quando se forja o discurso do outro negativo, os orientais passam a ser

hostilizados e são instituídas as Cruzadas que estabelecem um estado de guerra santa

contra os mulçumanos. No discurso dos papas em incentivo às Cruzadas, eles diziam

que estas se constituíam para os que a ela aderissem, em atos penitenciais armados,

pois os fieis da igreja eram devedores de vassalagem a Deus e, que, portanto, tinham a

obrigação de lutar para libertar a Terra Santa, mais precisamente Jerusalém e alguns

locais sagrados em seu entorno, do domínio dos infiéis, dos vassalos do Diabo, sendo

que este, por sua vez, era tido pela Igreja como ―um vassalo de Deus que quebrara o

compromisso vassálico‖. (JÚNIOR, 2002, p. 23).

No entanto, ao contrário do que os papas pregavam em seus discursos de

estímulo às Cruzadas, que estas deveriam ser realizadas sem o intento de conquistar

dinheiro ou honra, o que irá ocorrer de fato serão matanças e saques, que atingem

indistintamente, tudo e todos. Ninguém escapa à sanha assassina dos cruzados, sejam

judeus, cristãos ou mulçumanos.

Estes atos praticados pelos cruzados no século XI corroboram a tese

foucaultiana construída nas décadas de 1960-1970, de que há formas diferentes de

exercício de poder, descentralizadas do Estado, embora estejam a ele articuladas. Se

considerarmos o poder dos papas como equivalente ao poder do Estado, e de fato o

era, veremos que a desobediência dos Cruzados em sua violência indiscriminada, e na

pilhagem dos bens materiais praticadas no Oriente, constituía uma forma variada de

exercício de poder, exercida por uma fração dos agentes que constituíam a sociedade

feudal, que operavam à revelia do Estado, mas que, no entanto, estava a ele articulado,

pois contribuía para o objetivo estratégico defendido e almejado pela Igreja/Estado, que

era a expansão da fé católica e dos ideais da cultura ocidental, tida como superior.

Júnior (ibidem p.30), escreve que ―a Cidade Santa estava em mãos dos

mulçumanos desde 638, sem que isso tivesse causado problemas maiores, pois os

árabes permitiam que cristãos peregrinassem até lá‖, logo a deflagração das Cruzadas

por este motivo parece um pouco descabida, mas elas foram instituídas e ocorreram

várias. A depender do historiador, elas podem variar entre o número de oito e chegar

até 23, e eram sempre precedidas de um discurso papal exortando os guerreiros

feudais e os detentores do poder econômico para que organizassem e financiassem

essas incursões bélicas à Terra Santa.

Vê-se, portanto, a culminância do Discurso da igreja em favor da expansão da fé,

em interseção com os interdiscursos dos poderes não eclesiásticos, sedentos por

expandir seus domínios à cata de bens materiais que deveriam ser alcançados a

qualquer preço.

A primeira Cruzada ocorreu de 1096 a 1099, após discurso de exortação feito

pelo papa Urbano II, no Concílio de Clermont-Ferrand, em 1095.

A segunda Cruzada ocorreu entre 1147 e 1149, e foi exortada por um discurso

de São Bernardo. Esta Cruzada reuniu três contingentes de exércitos, um dos quais se

deslocou por mar e, ao passar pela Península Ibérica, ajudou o exército de Portugal na

luta contra os Mouros, como eram conhecidos os muçulmanos na Península.

Com a reconquista da Península e a expulsão dos mouros, Portugal e Castela

começam a se fortalecer e a despontarem como potências marítimas, devido ao

enfraquecimento dos demais países pelas guerras, peste, fome e outras desventuras; a

elevação desses dois reinados às condições de Estados Nação; a incorporação de

conhecimentos náuticos dos quais os mouros eram detentores, dentre outros.

Uma FD também se constrói pelos silenciamentos e, no caso das Cruzadas, a

vertente da história oficial os promoveu, pois, se por um lado a igreja tinha um Discurso

de que as Cruzadas deviam libertar a Terra Santa e ampliar a base de seus fiéis

seguidores, avançando sobre o mundo islâmico, por outro, os agentes leigos da

sociedade feudal ansiavam pela pilhagem dos bens dos vencidos e, sobretudo, pelo

domínio do comércio das especiarias que eram consumidas na Europa, além de

conquistarem os conhecimentos acerca do planeta, que à época eram muito poucos,

mas estavam concentrados, exatamente, na civilização islâmica. Nada disso consta nos

compêndios oficiais da história como motivação às Cruzadas. E isto dá para se inferir

muito facilmente, pois embora os europeus tivessem conhecimento da existência da

África, da Índia e da China, eles não sabiam como chegar nestes locais, pois entre eles

prevalecia a teoria ptolomaica de que no fim do oceano havia um abismo e que navegar

para o Oeste significava cair no vazio e não mais poder retornar para a Europa.

Colombo, o primeiro ocidental que ousou fazer uma viagem rumo ao Oeste

desconhecido, a fez antes de ter a certeza definitiva de que aquela teoria estava

equivocada e, apesar de toda a indisciplina de seus marinheiros, das tentativas e

ameaças de motins e de o jogarem ao mar, ele continuava firme e bastante otimista

sobre a possibilidade de sucesso na empreitada de descobrir um novo caminho para as

Índias. Esta certeza e otimismo do almirante eram alimentados pelas palavras do sábio

cartógrafo florentino Toscanelli, que lhe dissera que ―os do oriente esperavam a

unidade com o Ocidente; o mundo se uniria pela cruz‖ (FAERMAN In: COLOMBO,

1998, p. 14-15).

Mas o apogeu das viagens marítimas ocorrerá somente com o declínio da Idade

Média, a partir do século XIV, que vai apresentar-se de forma avassaladora para a

Europa, provocando profundas mudanças na configuração sócio-econômico-político-

cultural do Velho Continente. A catástrofe que se abateu sobre o Velho Mundo,

travestida de Peste Negra, dizimou milhões de pessoas, somadas estas perdas com as

causadas pelas Cruzadas e a Guerra dos Cem Anos, entre França e Inglaterra, se tem

um quadro de esvaziamento do campo e, que, por sua vez, se agrava ainda mais com a

fuga de muitos sobreviventes dessas catástrofes para as cidades.

Com o declínio populacional no campo, ocorrerá a fome pela escassez de

alimentos, e a perda de poder econômico dos nobres que, para compensar os ganhos

perdidos e a sua insolvência enquanto categoria social detentora do poder político-

econômico, aumentam os impostos, gerando revoltas e guerras civis.

Por seu turno, a Igreja Católica também começa a perder o poder sócio-cultural

que detinha como única instituição agenciadora de subjetividades durante a vigência do

Regime Feudal. Isto ocorre por alguns motivos, dentre os quais três podem ser citados

como principais: o primeiro é a própria perda de poder econômico que ela sofre, uma

vez que era das maiores proprietárias de terras; o segundo é a eclosão da Reforma

Protestante estimulada pela predominância de uma atitude intelectual voltada para o

humanismo, que colocava o homem no centro das atenções espirituais e dos estudos e;

o terceiro é que esta atmosfera intelectual humanista vai facilitar o nascimento de uma

ciência racional de base matemática, e que passa a desempenhar o papel antes

atribuído à Igreja e exercido por ela, até então, como monopólio.

Antes do período humanista prevalecia o poder dos teólogos, que davam ênfase

às questões da alma e de Deus, aos fatos transcendentes, espirituais e imateriais.

Estas práticas eram disseminadas por meio de um discurso que fazia do homem um ser

submisso em primeiro lugar a Deus, e em segundo ao clero católico.

Os humanistas não aceitavam este discurso teológico, questionavam este

pensamento centrado na divindade, e colocavam como já referimos acima, o homem no

centro das preocupações espirituais e de estudos.

É neste contexto de transição sócio-cultural, que começa a despontar a ciência

racional de base matemática que passa a ser o parâmetro dos registros da

contabilidade, mas que avança rapidamente para outros ramos da atividade humana,

como fica muito claro no texto abaixo de Sevcenko (1987, p. 12). Ele escreve que

O instrumental-chave para o domínio da natureza e de seus mananciais,

através do qual se poderia condensar sua vastidão e variedade numa

linguagem abstrata, rigorosa e homogênea, era a matemática. Nesse campo, os

progressos caminhavam rápido, desde a assimilação e difusão dos algarismos

arábicos e das técnicas algébricas tomadas à civilização islâmica. O

instrumental matemático era indispensável para efetuar a contabilidade

complexa das empresas mercantis e financeiras, ou seja, os cálculos cambiais

e os diversos sistemas de juros, empréstimos, investimentos e bonificações.

Também fica patente na citação acima, que o trabalho de conquista e submissão

dos muçulmanos pelo europeu, ainda na Idade Média, e concluído na Península

Ibérica, no início da Idade Moderna, reforçará o poder que Portugal e Castela

concentrarão no novo regime que ascende, por permitir a incorporação dos bens

materiais, dos conhecimentos técnicos, culturais e científicos de domínio dos árabes.

Com o enfraquecimento do poder dos nobres da Velha Europa, que ocorre pela

perda da importância econômica dos feudos e o crescimento das atividades comerciais

exercidas pelos homens de negócios que se deslocavam do campo para o ambiente

urbano, e o surgimento de artífices, que também exerciam funções e ofícios nas

cidades, ou burgos, estes crescem em importância sócio-econômica, acontecendo,

então, a ascensão da burguesia urbana, ao mesmo tempo em que ocorria o

fortalecimento das Monarquias. Estas são fundamentais para dar estabilidade aos

negócios da nova classe, pois elas defendiam os interesses desta, tanto da

arbitrariedade da nobreza, quanto protegia os mercados dos burgueses da

concorrência estrangeira.

Neste novo contexto, a igreja se alia aos detentores dos poderes em ascensão,

no caso os reis de Portugal e Castela. Há, portanto, uma nova clivagem amparada na

conjuntura que então despontava. A igreja suspende ou transfere a idéia de concretizar

o Império Universal Ocidental, baseado em conquistas no Oriente islâmico,

conseguindo, assim, justificar com a sua ideologia, as ações que estes dois impérios

irão desenvolver a partir do século XVI no Novo Mundo, atuando como confirmadora

―dos direitos políticos e econômicos da Coroa, sob a alegação do caráter religioso dos

empreendimentos portugueses‖ (AZZI, 1987, p. 19).

As transformações de ordem sócio-econômica operadas no final do período

feudal eram facilitadas a Portugal por fatores naturais, pois o país está localizado num

ponto estratégico na geopolítica da Europa, estando plantado num entroncamento entre

Europa e África, no encontro entre o Atlântico e o Mediterrâneo, onde se cruzavam as

civilizações cristã, islâmica e judaica.

A este fator natural, somou-se uma conjuntura sócio-cultural favorável, no caso a

eclosão da contra-reforma, que permitiu a este pequeno país ibérico desempenhar a

função de incentivador, junto com a Espanha, de homens que estavam dispostos a se

aventurarem pelo mundo desconhecido à cata de novas terras, que na verdade era

uma busca por novos mercados e novos espaços para pilhagem, ocupação e captura

de homens para trabalharem como escravos, haja vista que os mercados conhecidos,

já eram de domínio de países que impunham condições e tarifas alfandegárias que

encareciam os preços dos produtos, num momento em que estes eram cada vez mais

demandados no Velho Continente.

Outro fator importante, este de ordem técnico-científico, era que Portugal estava

vivendo um grande progresso na área náutica, com avanços como estes que

transcrevemos abaixo:

A associação da agulha magnética com a carta de marear; o aperfeiçoamento

do cálculo da latitude; a construção (cerca de 1420) da caravela, que podia

navegar contra ventos contrários; a descoberta – especialmente pelos

portugueses – dos alíseos e dos ventos que permitiam contornar a África.

(DELUMEAU, 1983, p. 54).

Ainda segundo Delumeau, estes progressos coincidiram com um momento em

que a Europa apresentava uma crescente necessidade de metais preciosos, perfumes,

drogas e especiarias. Para Corvesier (1976, p. 16) a necessidade da provisão desses

produtos constitui ―um dos aguilhões das Grandes Descobertas‖.

1.2. O EUROPEU ENCARA O OUTRO NEGATIVO NO NOVO MUNDO: OS ÍNDIOS.

Julgamos pertinente, para entender a EEIID e B, desvendar primeiro os

significados ideológicos que configuraram as motivações históricas que embasaram o

DF, que situa o indígena numa forma sujeito, isto é, a percepção histórica do índio que

se constrói a partir do século XVI, quando aportaram os primeiros europeus no Novo

Continente, pois foram estes que lançaram as referências básicas que constituíram um

imaginário que foi estabilizado ao longo da história, e que apresenta o índio como outro

negativo. É isto que iremos realizar neste capítulo.

Antes convêm algumas palavras sobre o que consideramos para efeito deste

trabalho o DF. Temos por base a definição de Orlandi (2003), segundo a qual o DF é a

referência básica no imaginário constitutivo de uma coletividade. Chauí (2000),

referindo-se ao mito fundador, também dá uma pista que reforça a idéia de DF que

norteará este trabalho de análise da EIID e B. Para esta autora, o mito, no sentido

antropológico, é uma narrativa que funciona para resolver os conflitos, tensões e

contradições; caminhos para que estes sejam enfrentados com base em elementos

concretos da realidade.

O que veremos, no caso do DF acerca dos habitantes autóctones do Novo

Mundo, com o qual os europeus se depararam a partir do século XVI, é a

constatação que por parte destes as terras descobertas já eram ocupadas por gentes

nativas. Como, então, legitimar a exploração e ocupação européia, neste que era para

eles, um espaço novo? A solução é reconstruir este espaço via discurso. E, para isto, a

imagem do homem habitante deste espaço e, o próprio espaço, serão associados à

idéia de outro negativo, que necessita de uma intervenção positivadora do colonizador

para definir um sentido aceitável para esta nova situação de expansão e de

relacionamento com o diferente.

Este DF instaurou uma FD definida segundo Orlandi (2007, p. 43), como ―aquilo

que numa formação ideológica dada – ou seja, a partir de uma posição dada em uma

conjuntura sócio-histórica dada – determina o que pode e deve ser dito‖.

Pois esta FD atravessada por interdiscursos ao sabor das conjunturas históricas,

servirá, até os dias atuais, de balizas a nortearem as políticas e intervenções

indigenistas oficiais e extra-oficiais que se aplicam às etnias indígenas brasileiras, pelo

Estado, pela Igreja e, desde o final da década de 1970, pelas ONG‘s. Abordaremos

este aspecto ao longo deste capítulo, mas ele será central nos demais capítulos que

constituem esta dissertação.

Foucault, segundo Grangeiro (2007, p. 37), embora não admitisse que a análise

do poder fosse o fulcro de suas pesquisas, que estas tinham por centro o sujeito, ainda

assim sua produção inovadora acerca do poder será também de grande valia,

sobretudo as conclusões a que chegou de que o poder não é um objeto, uma coisa,

mas uma relação, e, sobretudo que o poder não é um monopólio do Estado.

Machado na introdução da obra Microfísica do poder, (FOUCAULT, 1979, p. XI)

escreve que Foucault obtém evidências em seus materiais de pesquisa que não há

sinonímia entre Estado e poder.

O que aparece como evidente é a existência de formas de exercício do poder

diferentes do Estado, a ele articuladas de maneiras variadas e que são

indispensáveis inclusive a sua sustentação e atuação eficaz.

Esta tese foucaultiana terá muito valor nesta pesquisa, pois ajudará a

entendermos que o poder pode ser exercido em forma descentralizada do Estado, mas

a ele articulado, e esta forma de exercer o poder foi operada tanto no passado que

criou a FD vigente acerca do índio, quanto no presente, quando se institucionalizam e

se implementam políticas e ações de assistência a ele destinadas, como veremos, tanto

neste, quanto no segundo capítulos desta dissertação.

Por outro lado, a tese de descentralização do poder trás em seu bojo a idéia de

que onde há poder há resistência, e isto também aparecerá de forma muito nítida neste

trabalho.

Desde o primeiro momento do contato com os europeus que os índios serão

considerados pelos descobridores como seres dóceis e afeitos à escravização, sem que

eles oferecessem resistência, mas há conflitos e lutas para repelir as investidas de

portugueses e espanhóis e, no caso do Acre, a dos brasileiros.

A idéia de poder como uma coisa que não é centrada nem de única

administração por parte do Estado, invalida a idéia de poder como sendo permitido para

organizar uma sociedade, e que este poder se exerce por contrato, e que se regula pela

legalidade. Machado escreve que esta teoria teve origem nos filósofos do século XVIII,

mas, no caso das descobertas, de alguma forma, ele está presente nos atos que,

sobretudo Colombo e Cabral praticam ao tomarem posse das terras em nome dos Reis

de Castela e Portugal. Eles faziam isto na presença dos índios, ocupantes primeiros

das terras do Novo Mundo, como se estes fossem vassalos dos reis europeus, a quem

deveriam, por este suposto contrato social instaurado com o ato da descoberta,

obedecer e renunciar às suas formas tradicionais de organização social, política e

religiosa.

O Almirante chamou os dois comandantes e demais acompanhantes, e Rodrigo

e Escovedo, escrivão de toda a armada, e Rodrigo de Sanches de Segovia, e

pediu que lhe dessem por fé e testemunho como ele, diante de todos, tomava,

como de fato tomou, posse da dita ilha em nome de El-Rei e da Rainha, seus

soberanos, fazendo os protestos que se requeriam, como mais extensamente

se descreve nos testemunhos que ali se procederam por escrito. (COLOMBO,

1998, p. 46).

No exemplo acima fica patente que Colombo considerava o ato de posse das

terras americanas – ato puramente lingüístico/discursivo – como um contrato entre os

Reis católicos de Espanha e os indígenas. Daí a sua preocupação em realizar o ato de

maneira solene e formal, com testemunhas e por escritos. Noutra parte do diário ele

escreverá que não foi contradito. Talvez quisesse com isto garantir ao Rei que os índios

seriam governados pelos estatutos regimentais impostos por aquela nação européia

sem oposição nem resistência. Outros exemplos que traremos ao longo deste trabalho

reforçarão como era este o entendimento que os europeus tinham acerca do exercício

do poder, como um contrato para organizar aquele novo estatuto social, que surgia com

a anexação dos novos territórios ao patrimônio material dos países no Velho Mundo.

Se os avanços tecnológicos permitiram a navegação de longo curso e com isto a

dispersão do europeu para além das paragens do Velho Mundo, do ponto de vista ético

e intelectual, não obstante os ventos liberalizantes que corriam na Europa por conta do

humanismo, ainda predominava na época dos descobrimentos, nos dois países ibéricos

que capitanearam as viagens ultramarinas, o pensamento obscurantista com base na

doutrina da Igreja de Roma, sendo eles os bastiões da contra-reforma.

Não havendo nestes países número expressivo de hereges, luteranos ou

calvinistas, as coroas de Portugal e Espanha transformaram o movimento num

instrumento contra os cristãos novos, ―bem como estimulou uma atitude negativa com

relação às posições libertárias, científicas e filosóficas do Humanismo‖ (AZZI, ibidem, p.

38).

Com a descoberta e a fixação de europeus em território americano, sempre ao

sabor dos interesses da exploração das riquezas materiais do Continente, a América se

tornará objeto de teses depreciativas, tendo sempre por parâmetro de comparação o

Velho Mundo e, por inspiração, os relatos fantasiosos correntes na Europa desde a

Idade Média. É que os séculos de contatos indiretos com as outras culturas, por meio

destes relatos maravilhosos de quem dizia ter testemunhado coisas fantásticas,

impediam o europeu de ter uma percepção clara da radical alteridade dos povos com

quem eles estavam iniciando o contato.

Algumas dessas teses diziam que a América era aquele lado imaturo da terra ou

um Ocidente ainda informe. Mas, as maiores manifestações de preconceitos que se

darão contra os habitantes das Américas virão já no primeiro momento do contato e

serão protagonizados pelos próprios descobridores, a começar por Colombo, que

manifesta estranhamento muito forte em relação ao modo de ser deste outro até então

desconhecido, e que será julgado sempre como o negativo do europeu, como aquele

que deve se converter, se transformar culturalmente para adquirir estatutos de

verdadeira humanidade.

Na verdade Colombo terá uma impressão dúbia sobre os indígenas. Primeiro os

julgará pela ótica do bom selvagem, isto ao avistá-los de longe, quando ainda não tem

o contato tete a tete com eles.

Todorov (1999, p. 42) analisa alguns exemplos desses procedimentos avaliativos

que Colombo registrou em seus diários, como os já descritos e os que descreveremos

daqui para frente.

Devem ser bons serviçais e habilidosos, pois noto que repetem logo o que a

gente diz e creio que depressa se fariam cristãos; me pareceu que não tinham

nenhuma religião; Andavam nus como a mãe lhes deu à luz; inclusive as

mulheres. E todos que vi eram jovens, nenhum com mais de 30 anos de idade:

muito bem feitos, de corpos muito bonitos e cara muito boa. (COLOMBO,

ibidem, p. 47).

Todorov escreve que Colombo ―conclui com surpresa, que apesar de nus os

índios parecem mais próximos dos homens do que dos animais‖. Este estranhamento

de Colombo talvez se desse em razão de, por achar que houvera aportado na Índia e

esta, segundo os relatos fantasiosos de Marco Pólo, seria habitada por antípodas,

homens com cabeças de cão, de pássaro ou de boi e pés de quadrúpedes.

Avaliação semelhante a esta de Colombo será feita em 1500 por Pero Vaz de

Caminha, escrivão da frota de Cabral, sobre os índios com quem se encontra na costa

brasileira.

Mas Colombo não se restringe a esta avaliação do outro, este desconhecido que

ele apenas visualiza. Ele faz conjecturas a partir do que vê. E conclui que por estarem

nus, os índios eram desprovidos de cultura, não praticando qualquer rito, religião e não

tendo nenhuma seita, portanto estavam propensos à conversão ao Evangelho de

Nosso Senhor Jesus Cristo, como escreve ao Rei: ―Tenho certeza, sereníssima

Majestade que sabendo a língua e orientados com boa disposição por pessoas devotas

e religiosas, logo todos se converteriam em cristãos‖ (COLOMBO, ibidem, p. 64).

Neste primeiro contato, os descobridores exaltam os aspectos físicos e a beleza

dos índios, sobretudo das índias, de quem enaltecem as formas e a sensualidade. Há

uma descrição do uso violento das mulheres indígenas como objeto sexual dos

europeus já entre a tripulação de Colombo, portanto no primeiro contato destes com os

índios. Leiamos o relato do fidalgo Michele de Cuneo, apud Todorov (ibidem p. 57-58).

Quando estava na barca, capturei uma mulher caribe belíssima, que me foi

dada pelo dito senhor almirante e com quem, tendo-a trazido à cabina, e

estando ela nua, como é costume deles, concebi o desejo de ter prazer. Queria

pôr meu desejo em execução, mas ela não quis, e tratou-me com unhas de tal

modo que eu teria preferido nunca ter começado. Porém, vendo isto, (para

contar-te tudo, até o fim), peguei uma corda e amarrei-a bem, o que a fez lançar

gritos inauditos, tu não terias acreditado em teus ouvidos. Finalmente,

chegamos a um tal acordo que posso dizer-te que ela parecia ter sido educada

numa escola de prostitutas.

Na citação acima está plasmada uma opinião e uma prática que servirão aos

europeus, quando estes decidem colonizar, ou como diz o documento português, criar o

espaço na terra descoberta, como escape para a falta de mulheres européias na

Colônia, uma vez que a criação do espaço americano pelo europeu se dará em etapas,

como veremos mais detalhadamente no caso dos portugueses no Brasil. Uma dessas

etapas será o degredo de criminosos, que com Cabral já se efetiva em 1500, com o

intuito de que as gentes da terra se adaptem ao convívio com o europeu. Há também

as incursões de exploradores de Pau Brasil, sempre homens solteiros que terão

condutas semelhantes à do fidalgo Cuneo.

Na carta de Caminha a mulher nativa também é descrita como objeto sexual. E

de forma bem indiscreta, como se pode ler no trecho abaixo, em que o escriba se

excede na descrição da beleza de uma índia, e não resiste a uma comparação entre a

anatomia íntima desta e a da mulher européia.

E uma daquelas moças era toda tingida, de baixo a cima daquela tintura; e

certo era tão bem-feita e tão redonda, e sua vergonha (que ela não tinha) tão

graciosa, que a muitas mulheres da nossa terra, vendo-lhe tais feições, fizera

vergonha, por não terem a sua como ela. (CAMINHA In: PEREIRA (org.), 1999

p. 40-41).

Estas descrições que o europeu faz dos índios têm um caráter naturalista, pois

os índios por encontrarem-se nus, são tidos como desprovidos de cultura, são tábulas

rasas prontas para que se imprimissem neles o selo da cultura e da religião ocidental,

esta sim a verdadeira a que dava ao homem a possibilidade de ser digno de

comparação com a imagem e semelhança a Deus. Portanto o nativo é a natureza, o

que deve ser transformado pela cultura, e o europeu era a própria cultura, o que deveria

operar a transformação no homem natural, o homem ainda informe e incompleto.

Mas ao estabelecer contato real com o índio, ao conversar com ele, desvanece a

imagem do bom selvagem, de ser inocente e incapaz de tibieza, (embora permaneça a

concepção naturalista acerca do aborígine), pois aí os silvícolas vão percebendo aos

poucos as intenções daqueles desconhecidos e alguns vão se opondo a elas: onde há

poder há resistência.

Na primeira viagem de Colombo já ocorre o primeiro conflito entre europeus e

índios. E em 1493, um ano após Colombo aportar ao Novo Mundo os índios massacram

39 colonos que ficaram na América. Mas é interessante o relato/versão de Colombo

sobre o primeiro conflito. Ele escreve o seguinte em seu diário de 13 de janeiro de

1493:

O índio mal-encarado desembarcou e fez com que os outros largassem arcos e

flechas, e um pedaço de pau que parece um (...)14

, bem pesado, que utilizam no

lugar de espada. Depois aproximaram-se do barco e a tripulação saltou em

terra e começou a comprar-lhe os arcos e flechas e as outras armas, tal como o

Almirante tinha recomendado. Vendidos dois arcos, não quiseram trocar mais

nada; em vez disso, se preparam para investir contra os cristãos e prendê-los.

Foram correndo pegar seus arcos e flechas onde os tinham guardados e

voltaram com cordas nas mãos para, segundo parece, amarrar os cristãos.

Vindo que vinham em sua direção, estando os cristãos já prevenidos, porque o

Almirante sempre alertava sobre este risco, investiram contra eles, desfechando

uma grande punhalada nas nádegas de um índio, e abrindo no peito de outro

14

Há uma nota explicando que esta parte está em branco no original.

um espécie de flechada, quando os agressores que tinham poucas

possibilidades de sair vencedores, embora os cristãos fossem apenas sete e

eles cinqüenta e tantos, saíram fugindo até não restar nenhum, deixando os

arcos e as flechas caídos por tudo quanto era lado. (COLOMBO, ibidem, p.

96-97).

Os atos de resistência ao poder opressor vai se configurar em variados exemplos

na história da ocupação da América e, no caso do Brasil registra-se numerosas

estratégias dos indígenas em resistência à ocupação de seus territórios. Algumas

podem parecer capitulações ao invasor, ou covardia dos indígenas, sobretudo quando

estes colaboram com os portugueses em lutas contra outras etnias, ou contra invasores

estrangeiros; em episódios de abandono de práticas de rituais étnicos ou de

sincretismos destes com elementos dos rituais cristãos, mas estas são estratégias de

resistência que os indígenas empregam visando à garantia de suas sobrevivências

físicas. Afora, evidentemente, as estratégias de enfrentamento em combates bélicos,

como essa transcrita acima registrada no diário de Colombo.

Todorov escreve que Colombo após a primeira impressão sobre o índio como

bom selvagem, passa a assumir uma postura em que o índio se metamorfoseia em ―cão

imundo‖, escravo em potencial. Todorov conclui que as duas posturas de Colombo são

naturalmente equivocadas, porque ―ambos têm uma base comum, que é o

desconhecimento dos índios, a recusa em admitir que sejam sujeitos com os mesmos

direitos que ele, mas diferentes‖ (TODOROV, ibidem, p. 58).

O estranhamento e o tratamento ao índio como inferior, no caso do Brasil, não

será diferente do que ocorreu com a América espanhola. Caminha que redige carta ao

Rei de Portugal informando o ―achamento‖ da nova terra escreverá quase nos mesmos

termos que Colombo escrevera em seu diário. Em ambos o europeu se apresenta como

ego, o eu, o sujeito de conhecimento, e o índio, o ele, o objeto do conhecimento.

Leiamos abaixo trecho da carta de Caminha e constatemos o quão ela se

assemelha aos escritos dos diários do almirante Colombo, no que diz respeito às

considerações dos aspectos físicos e ao fato cultural dos índios andarem nus. ―A feição

deles é serem pardos, maneira de ser avermelhados, de bons rostos e bons narizes,

bem feitos. Andam nus, sem nenhuma cobertura‖ (CAMINHA, ibidem, p. 35).

No trecho a seguir o mesmo julgamento que os índios são desprovidos de

cultura, tal qual o manifestou Colombo em seu diário e, portanto, aptos a serem

impingidos com a marca da cultura e da religião européias.

Parece-me gente de tal inocência que se, homem os entendessem e eles a nós,

seriam logo cristãos, porque eles, segundo parece, não têm, nem entendem em

nenhuma crença. E, portanto, se os degredados, que aqui hão de ficar

aprenderem bem a sua fala e os entenderem, não duvido que eles, segundo a

intenção de Vossa Alteza, se hão de fazer cristãos e crê em nossa santa fé, à

qual praza a Nosso Senhor que os traga, porque, certo esta gente é boa e de

boa simplicidade. E imprimir-se-á ligeiramente neles qualquer cunho, que lhes

quiserem dar. E, pois Nosso Senhor, que lhes deu bons corpos e bons rostos,

como a bons homens, por aqui nos trouxe, creio que não foi sem causa.

(CAMINHA, ibidem, p. 54).

Noutro trecho da carta, Caminha escreve: ―Se vossa alteza aqui mandar quem

entre eles mais devagar ande /.../ Não deixe logo de vir clérigo para os batizar, porque

já terão mais conhecimento de nossa fé, pelos dois degredados que aqui entre eles

ficam‖ (CAMINHA ibidem, p. 56).

Os índios são categorizados como gente portadora de faltas culturais, e a

primeira e mais importante que os europeus consideravam, era a falta da religião

verdadeira, por isto só podiam ser tratados como inferiores, como objeto da caridade do

invasor, que propunha uma permuta que, de seu ponto de vista era muito vantajosa e

eles se questionavam muito seriamente porque os índios não se contentavam com

aquela oferta tão maravilhosa de dar-lhes suas vidas e seus territórios pela salvação de

suas almas, só sendo mesmo muito hereges e infiéis para não compreenderem e não

se regozijarem com tão vantajosa troca. Leiamos as palavras do historiador Rocha

Pombo referindo-se à missão evangelizadora dos jesuítas. Suas palavras contribuem

para a estabilização do DF, acerca do índio como portador de uma grande falta moral.

É realmente para admirar-se aquela grandeza moral com que uns quantos

homens, num momento de aflições para a consciência do mundo, vinham

assumir com tanta coragem a função de resgatar à barbaria toda uma família

humana que andava perdida. (POMBO, 1964, p. 84).

Acerca da terra brasileira Caminha se expressa classificando-a como

paradisíaca.

Ali ficamos um pedaço, bebendo e folgando, ao longo dela, entre esse arvoredo

que é tanto, tamanho, tão basto e tantas prumagens,15

que homem as não pode

contar. Há entre ele muitas palmas, de que colhemos muitos e bons palmitos.

(CAMINHA ibidem, p. 53).

Já sobre os índios, as informações prestadas ao rei, são de bases bem

depreciativas. Eles são o outro negativo, portadores de uma cultura de faltas e lacunas,

e é somente pelo fato da terra ser dadivosa, que os aborígines têm boas feições e boa

saúde.

Eles não lavram, nem criam. Não há aqui nem boi, nem vaca, nem cabra, nem

ovelha, nem galinha, nem qualquer outra alimária, que acostumada seja ao

viver dos homens. Nem comem senão esse inhame, que aqui há muito, e dessa

semente e frutos, que a terra e as árvores de si lançam. E com isso andam tais

e tão rijos e tão nédios, que o não somos nós tanto, com quanto trigo e legumes

comemos. (CAMINHA ibidem, p. 54).

Esta descrição das terras descobertas como paradisíacas, presentes tanto nos

relatos de Colombo, quanto no de Caminha, remonta a uma tradição que vem da

literatura Greco-romana, demoninada locus amoenus, que se caracteriza, segundo

Fiorin, por apresentar a ―primavera eterna, pela amabilidade da natureza, em que se

encontram regatos, fontes, árvores, relvas macias, tapetes de flores, canto de pássaros,

sopro de vento e pela existência de bosques de árvores mistas‖ (FIORIN, In: BARROS,

2000, p. 28).

Não esqueçamos que os descobridores estavam motivados pela idéia

construída, ainda durante o feudalismo, de que ao navegarem para o Oeste e

atravessarem o Oriente, se chegaria ao paraíso terreal, e Portugal vivia a contradição

de capitanear os maiores avanços tecnológicos na área náutica daquele período, e, ao

15 Ferreira, organizador da obra explica que de tantas prumagens significa de tantas variedades.

mesmo tempo, era o condestável europeu da Contra-reforma e um bastião no combate

às idéias humanistas, seguindo firme uma legislação baseada nos pressupostos

teológicos da igreja romana.

Se do ponto de vista da cultura, Caminha descreve os índios como portadores de

faltas, do ponto de vista biológico ele os descreve como contemplados pelas benesses

da natureza, à moda dos animais silvestres.

Os outros dois, que o Capitão teve nas naus, a que deu o que já disse, nunca

mais apareceram – do que tiro ser gente bestial, de pouco saber e por isso tão

esquiva. Porém e com tudo isso andam muito bem curados e muito limpos. E

naquilo me parece ainda mais que são como aves ou alimárias monteses, às

quais faz o ar melhor pena e melhor cabelo que às mansas, porque os corpos

seus são tão limpos, tão gordos e tão formosos, que não podem mais ser.

(CAMINHA ibidem, p. 47).

Esta descrição metafórica aproximando os índios dos animais silvestres e

alimárias é parte do DF que justificará o projeto civilizador que mais tarde a coroa

portuguesa implantará no Brasil, no qual os missionários irão desempenhar papel

preponderante como catequizadores, e tendo na educação escolar uma estratégia

fundamental, como se verá mais à frente neste trabalho.

Mas a função primeira das viagens era a descoberta de matérias preciosas,

sobretudo minérios e, dentre estes, o ouro. Daí a insistência, tanto dos portugueses no

achamento do Brasil, quanto dos espanhóis na descoberta da América, para que os

aborígenes lhes revelassem a existência e localização das jazidas destes minérios.

Colombo queria encontrar ouro porque, segundo Todorov, ele era obcecado pela

vitória e expansão universal do cristianismo, como já vimos acima era o projeto da

igreja católica formulado durante o feudalismo, sendo, portanto, o almirante uma

espécie de Cruzado atrasado em alguns séculos, querendo libertar Jerusalém do

domínio árabe. Numa de suas cartas ao rei e à rainha de Castela ele diz que ―dentro de

sete anos disporia de cinqüenta mil homens a pé e cinco mil cavaleiros, para a

conquista da Terra Santa‖ (TODOROV, ibidem, p. 10).

Com o intento de fazer fortuna para financiar esta Cruzada, Colombo navega de

ilha em ilha observando se os índios usam peças confeccionadas em ouro e também os

interroga sobre a localização de minas.

Ele escreve em seu diário do dia primeiro de novembro de 1492 que chegando a

uma aldeia todos os índios fugiram e, aos poucos, eles vão retornando. O Almirante

ordena a seus marinheiros que não ―se tomasse nada, para que soubessem que ele só

procurava ouro, que chamam de ―nuacay‖ (COLOMBO, ibidem, p. 61). Em três de

dezembro o Almirante escreve que estando explorando um local muito aprazível, nas

cercanias de uma grande aldeia, de repente aparece um grupo de índios que a princípio

lhe mete medo. Mas nativos que viajavam com ele o tranqüilizam e dizem que o grupo é

pacífico, ao que Colombo ordena que ―lhes dessem guizos, anéis de latão e miçangas

verdes e amarelas, e eles se mostraram satisfeitíssimos, visto que não tinham ouro nem

qualquer pedra preciosa e que bastava deixá-los em paz‖ (COLOMBO, ibidem, p. 73).

Estas citações põem às claras que Colombo estava disposto a qualquer ato para obter

ouro. Parece que não ostentar adornos confeccionados com o minério era um salvo

conduto para os indígenas que se encontrassem com a expedição do Almirante.

A busca por minérios preciosos não é diferente em relação à expedição de

Cabral, conforme descreve Caminha em sua carta ao rei de Portugal.

Porém um deles pôs o olho no colar do Capitão, e começou de acenar com a

mão para a terra e depois para o colar, como que nos dizendo que ali havia

ouro. Também olhou para um castiçal de prata e assim mesmo acenava para a

terra e novamente para o castiçal como se também houvesse prata. /.../ Isso

tomávamos nós assim por o desejarmos. Mas se ele queria dizer que levaria as

contas e mais o colar, isto não o queríamos nós entender, porque não lho

havíamos de dar. E depois tornou as contas a quem lhas dera. (PEREIRA,

ibidem, p. 36-37).

Portugal e Espanha lançaram as bases do capitalismo moderno a partir da

pilhagem dos minérios levados da América e da exploração de outras riquezas de

origem mineral, além das vegetais e animais, sem contar a exportação e a utilização da

força de trabalho escrava dos índios nas lavouras, mineração, extração de Pau Brasil e

até na guerra contra invasores de outras nações européias que queriam disputar a

pilhagem e saqueio das riquezas brasileiras. Aliás, foi a ―colaboração‖ dos índios em um

episódio destes, a guerra contra os holandeses, que ensejou a criação do mito da

democracia racial brasileira. Mas antes da guerra contra os holandeses, em 1587, uma

invasão de piratas ingleses ao Recôncavo baiano, foi repelida por colonos comandados

por ―Cristóvão Cardoso de Barros e o jesuíta Cristóvão de Gouveia que mobilizou os

índios mansos, dos quais cuidava‖ (MACEDO, 1963, p. 10).

Parece que Portugal não se dera conta da importância da terra descoberta, por

Cabral que, seguindo a tradição católica de dar nomes aos lugares por eles

desconhecidos, como se estes já não os tivessem, mas o faziam porque era um ato, ao

mesmo tempo lingüístico e religioso, haja vista que a nominação configurava um

batismo, e este legitimava a posse, pois quem batiza é o pai, portanto este ato tinha o

simbolismo de determinar quem era senhor do lugar a partir do contato.

Assim é que Cabral dá o nome de ilha da Vera Cruz à nova terra descoberta,

mas talvez porque os portugueses já se encontravam há muito tempo explorando ouro,

escravos e tinham o monopólio do comércio de especiarias que importavam da Ásia e

África, não ligaram importância para aquele lugar que, devido o esquecimento, nem o

nome de Ilha da Vera Cruz pegara, predominando o nome Brasil, dado pelos

comerciantes.

Vera Cruz era uma lenda! A lenda dizia que, perdido em algum lugar, havia três

cruzes e, si se tocasse com elas num cadáver, a que ressuscitasse o morto seria a Vera

Cruz, quer dizer, a verdadeira cruz de nosso senhor Jesus Cristo.

O nome Brasil também carregava sentido transcendente, pois ele vem de uma

lenda céltica. Brasil é uma palavra irlandesa proveniente ―da antiguíssima raiz BRESS

que implica a idéia de BENÇAM e significa BOA SORTE ou PROSPERIDADE‖

(BARROSO, 2000, p.122). E o nome vem daí, pois os antigos cartógrafos, inclusive

Toscanelli, o preferido de Colombo, descreviam uma ilha – que ora localizavam ou

confundiam com ―a ANTILLIA, ora com a MONTORIO, ora com a ilha de SÃO

BRANDÃO, ora com a própria AMÉRICA‖ (BARROSO, ibidem, p.119) – que era

afortunada, uma ilha feliz, localizada em mares desconhecidos.

Por outro lado, buscando a etimologia da palavra Brasil no sânscrito, encontrar-

se-á o verbo Bhras, significando luzir, logo se atribuiu o nome Brasil à madeira tão

valiosa e cobiçada naquele momento pós-descoberta. E, como a atividade de extração

do Pau-Brasil tinha importância econômica, o nome com conotação comercial e lendário

ligado a fortuna e alegria que aquele produto propiciava aos comerciantes, prevaleceu

sobre o nome Ilha de Vera Cruz, de conotação religiosa e de base doutrinal católica.

Com a Espanha, ao contrário do que ocorreu com Portugal, que negligenciou a

colonização imediata do Brasil, o próprio Colombo alertou aos reis de Castela sobre a

importância de proteger a América16 da cobiça e invasão estrangeiras.

E digo que Vossas Majestades não devem consentir que aqui venha ou ponha

nenhum pé estrangeiro, salvo se for católicos cristãos, pois esse foi o objetivo e

origem do propósito, que esta viagem servisse para engrandecer e glorificar a

religião cristã, não se permitindo a vinda a estas paragens a ninguém que não

seja bom cristão. (COLOMBO, ibidem, p. 71)

Transcorreram-se 34 anos da descoberta, e sucedia à coroa enviar apenas

alguns degredados, bem como estimular as viagens de exploradores de Pau Brasil. E

foram estes que alertaram o perigo que Portugal corria de perder as terras para outras

nações que começavam a explorar as costas brasileiras.

Neste contexto de pouco fluxo de portugueses ao Brasil, não havia clima de

hostilidades contra os índios, isto só vai ocorrer no momento em que a coroa

portuguesa, temendo perder o controle sobre a terra descoberta, institui as capitanias

hereditárias em 1534, para promover a colonização do Brasil.

Nas cartas de doação constava, dentre os privilégios dos donatários das

capitanias, ―cativar gentios para seu serviço e de seus navios e o de mandar deles a

vender a Lisboa até trinta e nove (a uns mais que outros) cada ano, livres da sisa que

pagavam todos os que entravam‖. (BEOZZO, 1983, p. 13).

Sobre esta mudança é interessante o relato de quem a testemunhou do lado dos

índios, o ancião Momboré-uaçu, tupinambá da ilha de São Luís. Seu relato dramático

foi colhido pelo francês Claude d‘Abbeville e reproduzimos abaixo.

16 Cabral ao batizar o Brasil com o nome de Ilha da Vera Cruz seguia uma tradição que já fora adotada antes por Colombo que também batizou a nova terra por

ele descoberta com um nome religioso da tradição católica: São Salvador. Todavia, como o nome religioso dado pelos portugueses não vingou, ocorreu o mesmo

com São Salvador, que virou América em homenagem ao navegador Américo Vespúcio.

Vi a chegada dos portugueses em Pernambuco e Potiú (...). De início, os

portugueses não faziam senão traficar sem pretenderem fixar residência. Nessa

época, dormiam livremente com as raparigas, o que os nossos companheiros

de Pernambuco reputavam grandemente honroso. Mais tarde, disseram que

nós devíamos acostumar a eles e que precisavam construir fortalezas, para se

defenderem, e edificar cidades para morarem conosco. E assim parecia que

desejavam que constituíssemos uma só nação. Depois, começaram a dizer que

não podiam tomar as raparigas sem mais aquela, que Deus somente lhes

permitia possuí-las por meio do casamento e que eles não podiam casar sem

que elas fossem batizadas. E para isso eram necessários paí [isto é, padres].

Mandaram vir os padres; e estes ergueram cruzes e principiaram a instruir os

nossos e a batizá-los. Mais tarde afirmaram que nem eles nem os paí podiam

viver sem escravos para os servirem e por eles trabalharem. E, assim, se viram

constrangidos os nossos a fornecer-lhos. Mas não satisfeitos com os escravos

capturados na guerra, quiseram também os filhos dos nossos e acabaram

escravizando toda a nação; e com tal tirania e crueldade a trataram que os que

ficaram livres foram, como nós, forçados a deixar a região (ABBEVILLE, 1975

[1614], 115, apud MONTEIRO, Campinas 2001).

A convivência harmoniosa e a mistura étnica são características e, ao mesmo

tempo estratégias comuns às culturas indígenas, por isto o velho Momboré-uaçu diz

que o fato dos portugueses dormirem livremente com as moças índias, diferentemente

de se constituir em afronta, resultava honroso.

Este fato é diferente do caso relatado pelo fidalgo Michele de Cuneo que captura

e força uma relação sexual com uma indígena.

Estudos de etnólogos contemporâneos constatam que as trocas simbólicas são

características intrínsecas às culturas indígenas, como de resto o é em qualquer

cultura, como se observa na atualidade entre orientais japoneses, chineses e coreanos,

que chegam ao extremo de realizarem cirurgias plásticas para ficarem com olhos

semelhantes aos dos ocidentais.

Ocorre, conforme abordaremos mais à frente neste trabalho, que aos indígenas,

dada a condição de sujeito assujeitado que se lhes impõem, são obrigados a

assumirem uma condição de purismo cultural, que é impossível a qualquer grupo social,

sobretudo neste momento de globalização e, no caso do índio cujo projeto civilizatório

do europeu visava exatamente o apagamento e a conversão de suas culturas, é quase

impossível.

O etnólogo Peter Gow escreve sobre este tema, em relação às pesquisas que

realiza com os Piro, índios do Peru com aldeias no departamento de Iñapary, na

fronteira com Assis Brasil, no Acre. Esta etnia pertence à família lingüística Arawak, a

mesma a que pertencia os Taino, os primeiros índios que mantiveram contato com

Colombo, em 1492. Gow escreve o seguinte:

o estado ‗aculturado‘ dos Piro era uma transformação histórica e estrutural dos

regimes nativos ‗tradicionais‘, e mais que isso, que a transformação, enquanto

tal, era um processo inerente ao funcionamento destes regimes — regimes que

sempre tiveram a ‗aculturação‘ por origem e fundamento da ‗cultura‘, e a

exterioridade social por pólo em perpétuo movimento de interiorização (GOW,

2003, p. 14).

1.3. O OUTRO NEGATIVO AMERICANO COMO OBJETO DA CATEQUIZAÇÃO

EUROPÉIA

Nos séculos XVII e XVIII, com a colonização já estabilizada e a igreja mantendo

intensas atividades de catequese e educação escolar dos índios no Brasil, era ainda

forte a circulação dos mitos que embalaram os europeus, dando conta de animais

fantásticos. Só que os cronistas que difundiam a existência dessa fauna extraordinária

no país, atribuíam aos próprios índios a divulgação das informações. Simão de

Vasconcelos, missionário Jesuíta, biógrafo do padre José de Anchieta, registra o

seguinte:

Diziam que entre as nações sobreditas moravam algumas monstruosas. Uma é

de anões, de estatura tão pequena, que parecem afronta dos homens,

chamados guayazis.

Outra é de casta de gente que nasce de pés às avessas /.../ Chamam-se estes

mutuyus. Outra nação é de gigantes, de dezesseis palmos de alto,

valentíssimos, adornados de pedaços de ouro por beiços e narizes, aos quais

todos os outros pagam respeito: têm nome de coruqueans.

Finalmente que há outra nação de mulheres também monstruosas no modo de

que vivem (são as que chamamos ―amazonas‖, semelhantes às da Antiguidade,

e de que tomou o nome o rio) porque são mulheres guerreiras, que vivem por si

sós, sem o comércio de homens: habitam grandes povoações de uma província

inteira, cultivando as terras, sustentando-se de seus próprios trabalhos (SIMÃO

DE VASCONCELOS, APUD TAUNAY, 1998, p. 122-123).

Em notas sobre este texto, Taunay esclarece que todos esses mitos são de

ampla difusão pela Europa desde o século XVI, sendo que alguns remontam a Idade

Média e até a bíblia, de onde já referimos que procede a maioria das idéias que irão

constituir a FD que, para os europeus justificaria o Novo Mundo como um espaço

diferente, mas de estatuto inferior, o lugar do outro negativo e que deve ser

transformado para assumir a semelhança positiva do colonizador.

Além dos animais e dos homens americanos serem tratados como débeis, o

espaço americano também é tratado como inferior ao do Velho Mundo. E esta tese

ganha força com Buffon no século XVIII. Segundo Gerbi (1996) a importância deste

naturalista se desponta em relação a outros que o antecederam, e que admitiam pontos

de vistas que ele corrobora, porque suas proposições rivalizavam com as idéias

teológicas, e apresentavam argumento amparado em bases científicas e históricas.

Leiamos abaixo uma citação de Buffon acerca da natureza e do homem americanos.

Existe, portanto, a combinação dos elementos e demais causas físicas,

qualquer coisa oposta ao engrandecimento da natureza viva neste novo mundo:

há obstáculos ao desenvolvimento e talvez à formação dos grandes germes; os

mesmos que, sob a doce influência de um outro clima, receberam sua plena

forma e sua completa extensão, se restringem, se amesquinham, sob este céu

avaro e sobre esta terra desolada, onde o homem, em pequeno número, era

esparso, errante; onde, longe de usar este território como um mestre a seu

domínio, ele não possui qualquer império; onde, não tendo jamais submetido os

animais nem os elementos, não tendo domado os mares nem direcionado os

rios, nem trabalhado a terra, ele era, em si, somente um animal de primeira

classe e existia para a natureza apenas como um ser em conseqüência, uma

espécie de autômato impotente, incapaz de reformá-la ou auxiliá-la: ela o tinha

tratado menos como mãe que como madrasta recusando-lhe o sentimento de

amor e o vivo desejo de multiplicar-se; pois, ainda que o selvagem do Novo

Mundo possua a mesma estatura do homem de nosso mundo, isso não é

suficiente para que ele constitua uma exceção ao fato geral do apequenamento

da natureza viva em todo este continente. O selvagem é débil e pequeno nos

órgãos de reprodução; não tem pêlos nem barba, nem qualquer ardor por sua

fêmea: embora mais ligeiro que o europeu, pois possui o hábito de correr, é

muito menos forte de corpo; é igualmente bem menos sensível e, no entanto,

mais crédulo e covarde; não demonstra qualquer vivacidade, qualquer atividade

d‘alma; quanto à do corpo, é menos um exercício, um movimento voluntário,

que uma necessidade de ação imposta pela necessidade: prive-o da fome e da

sede e terá destruído simultaneamente o princípio ativo de todos os seus

movimentos; ele permanecerá num estúpido repouso sobre suas pernas ou

deitado durante dias inteiros (BUFFON, Apud GERBI, 1996, p. 20-21).

Um argumento desta natureza, defendido com esta ênfase, só poderia

apequenar o homem americano frente ao poderio de base imperial com que os

europeus tratavam os nativos e o espaço americanos. Poucas vozes, apenas para

confirmar a regra, houve que se opuseram a este discurso. E mesmo quando estas

vozes se levantaram contra a ordem colonial, foram caladas ou tiveram como era de se

esperar, pouca repercussão ou ainda terminaram convertidas, fazendo coro ao discurso

oficial.

Mas o interessante é que com todo o preconceito que salta aos olhos neste

argumento emitido pelo eminente cientista do século XVIII, na atualidade ele encontrará

ecos na tese defendida pela cientista americana Bety Meggers, e que teve bastante

difusão e influência nos meios acadêmicos nos anos de 1970 e 1980. Segundo esta

eminente antropóloga e arqueóloga, a Amazônia é um inferno verde, cujas limitações

de recursos naturais, incapacitaram aos contingentes humanos que a habitam, o

desenvolvimento técnico e sócio-cultural que outros espaços americanos propiciaram

às suas populações. Sua tese ampara-se na oposição entre a Amazônia e as zonas

temperadas, mostrando como estes ecossistemas são superiores ao ecossistema

amazônico.

A idade geológica aliada à temperatura quente e às chuvas pesadas são

responsáveis pela extraordinária infertilidade do solo amazônico. Em contraste

com as zonas temperadas, onde o intemperismo físico é o processo primário na

formação dos solos, o intemperismo químico predomina nos trópicos. A água

quente de chuva se infiltra no solo dissolve os minerais solúveis e os carrega

através do subsolo e, por fim, para dentro dos rios. Quanto mais longo é o

processo, tanto mais empobrece a camada superior do solo, até que nada mais

resta, a não ser os elementos insolúveis. (MAGGERS, 1987, p. 36).

Pode até ser que do ponto de vista físico-químico acerca da composição do solo

amazônico e do regime pluvial e fluvial, as suposições da Dra. Maggers estejam

corretas, mas ao transpor esta teoria para a aplicação antropológica e concluir que

estas condições contribuíram para inviabilizar o desenvolvimento de uma cultura

superior na Amazônia, faz aproximar seu argumento ao de Buffon, sendo que o deste

foi formulado num momento em que a ciência ainda engatinhava, num momento de pré-

ciência.

O que sucede com a Amazônia, e que a Dra. Maggers mesma constatará em

sua pesquisa, é que os contingentes humanos que nela habitam deste tempos muito

remotos, desenvolveram formas adaptadas para sobreviverem na região, e

sobreviverem sem passarem grandes necessidades e sem sofrerem catástrofes sociais

advindas da suposta inferioridade das condições ecológicas do meio-ambiente

amazônico.

Um dos argumentos que a Dra. Maggers e outros seguidores de sua tese

defendem é o de quê esta inferioridade amazônica é responsável pelo não

desenvolvimento de sociedades complexas, como ocorreu com os Incas uma civilização

que floresceu próximo da Amazônia. A professora Berta Ribeiro (1995, p. 205), diz que

estratégias como

manutenção de pequenos estabelecimentos que minimizam o impacto da

exploração humana sobre peixes, mamíferos aquáticos, quelônios, caça

terrestre e arborícola; dispersão da comunidade ao invés do seu

amontoamento; pequena taxa de incremento populacional através da contenção

de natalidade

dentre outras fazem parte de uma opção consciente dos índios para não saturarem e

exaurirem o meio ambiente.

O discurso oficial neste início de século XXI, proferidos por políticos, pela grande

imprensa e por empresários do campo, sobre a expansão do agronegócio na região

Amazônica se baseia em argumento perigosamente semelhante ao de Buffon,

sobretudo no que diz respeito à capacidade do habitante autóctone da região, o índio,

que é descrito por estes agentes sociais como seres incapazes de fazer desenvolver o

potencial produtivo amazônico, e que o governo deveria flexibilizar as formas de

expropriação das terras sob controle indígena. Aliás, o argumento de Buffon que

transcrevemos abaixo, parece tirado de um documento de fazendeiros ou de uma

reportagem da imprensa simpática ao agro business.

Tudo parece coincidir em provar igualmente que a maior parte dos continentes

da América era terra nova, ainda fora do alcance de mão humana e na qual a

natureza não teve tempo de estabelecer todos os seus planos, nem de se

desenvolver em toda a sua extensão; que os homens são frios e os animais

pequenos porque o ardor de uns e a estatura de outros depende da salubridade

e do calor do ar; e que dentro de alguns séculos, quando tiverem arroteado as

terras, abatido as florestas, regularizado os rios e contido as águas, esta

mesma terra passará a ser a mais fecunda, a mais sã, a mais rica de todas,

como já parece sê-lo em todas as partes onde o homem a trabalhou. (BUFFON,

ibidem, p. 27).

Como se pode inferir facilmente pelas citações acima, há uma FD na qual os

interdiscursos da atualidade se nutrem, para justificar as agressões aos indígenas, com

o intuito quase sempre velado de lhes expropriar as terras e, feito isto, ficam feridos de

morte, pois a terra é fundamental para a sobrevivência física e cultural destas

populações remanescentes.

Os Discursos de base desta FD serão reforçados pela implantação da educação

escolar a partir do estabelecimento da colonização, tanto na porção portuguesa da

América, quanto na parte sob domínio espanhol, que a utilizarão como agência de

transição cultural contra os indígenas.

A igreja portuguesa que irá operacionalizar a educação escolar para os

indígenas a partir da implantação da colonização do Brasil, será dominada por um

sentimento de Cristandade, que, como escreve Azzi (ibidem p. 227), ―tratava-se da

revivescência de uma concepção de igreja que perdurou durante a Idade Média na

Europa ocidental‖. Esta concepção guardava estreitas relações com a história de

Portugal, história marcada por uma ocupação árabe que remontava ao século VII, da

qual só conseguirá a independência e reunificação a partir do século XI, quando o

príncipe Afonso Henriques assume o condado de portucalence em 1128.

Com a independência portuguesa, o país emerge a partir do século XV como

potência econômica, pois é ele que domina o monopólio do comércio de especiarias,

além de participação significativa nos lucrativos negócios com a exploração do ouro e

do tráfico de escravos da África. A ascensão portuguesa ao topo do comércio só foi

possível em razão dos investimentos e da proteção da coroa, e da bênção da igreja,

aliás, naquele período uma e outra se confundiam.

Um fator interessante que irá facilitar os trabalhos de evangelização no Brasil é a

instituição do Padroado. Este consistia em transferir para a coroa portuguesa poderes

plenipotenciários, mas que, ao mesmo tempo a obrigavam a arcar com todas as

despesas dos trabalhos de evangelização, bem como a escolha de bispos e párocos, a

remuneração dos missionários e a manutenção dos templos. Esta aparente capitulação

da igreja romana ao poder temporal dos monarcas era uma estratégia para garantir que

nas novas terras descobertas haveria o monopólio da fé católica, uma vez que na

Europa fervilhava a reforma e com ela perdia-se fies a mancheias para o

protestantismo. Era, no fundo, a operacionalização do velho ditado que diz: vão-se os

anéis, mas se conservarem os dedos.

Esta aliança entre a cruz e espada não constrangia em nada a alta hierarquia da

igreja, cuja atividade pastoral, como estamos vendo, era totalmente subserviente à

coroa portuguesa. Para a igreja, a coroa, era na verdade a condutora do novo povo de

Deus, pois se acreditava que Portugal era um novo Israel, portanto acompanhar os

descobridores para além dos estreitos limites que era a Europa naquele momento

significava expandir o reino de Cristo e impô-lo a novas gentes por todos os meios,

inclusive pela espada, uma vez que prevalecia uma concepção maniqueísta cujo

pressuposto principal era a idéia que se estava vivendo uma batalha entre o bem e o

mal, entre Deus e o Diabo, portanto o soldado, assim como o missionário, eram ambos

combatentes de uma causa justa, ambos concorriam para a implantação do reino de

Cristo na terra. Discurso muito semelhante ao que sustentou as Cruzadas, pois que

amparado na mesma FD, conforme já referimos acima.

Pela prevalência desta visão maniqueísta, os missionários consideravam os

índios como praticantes de cultos diabólicos aos quais deveriam conjurar, juntamente

com a proclamação de que suas crenças eram falsas. Isto tinha que ser feito para

poderem adentrar ao reino de Cristo. Muito ilustrativo deste pensamento maniqueísta é

o comentário do Frei André Thevet (apud AZZI, ibidem, p. 126):

Esta região era e ainda é habitada por estranhíssimos povos selvagens, sem fé,

sem lei, religião e civilização alguma, vivendo antes como animais irracionais,

assim como os fez a natureza, alimentando-se de raízes, andando nus tanto os

homens como as mulheres, à espera do dia em que o contato com os cristãos

lhes extirpe esta brutalidade, para que passem a vestir-se, adotando um

procedimento mais civilizado e humano.

Este ponto de vista do indígena como inocente, sem religião à espera do contato

com os cristãos, já está presente em Colombo, conforme está expresso neste

pensamento extraído de seu diário: ―Estas gentes não são de nenhuma seita, nem

idólatras, sim muito mansos e ignorantes do que é o mal, não sabem matar-se uns aos

outros‖ (TODOROV, ibidem, p. 42). No entanto, esta apreciação pretensamente

benevolente de Colombo, não impediu a intransigência de Bartolomeu, seu irmão,

contra alguns índios que são por ele julgados como hereges. Leiamos abaixo o relato:

Depois de terem deixado a capela, esses homens jogaram as imagens ao solo,

cobriram-nas com um punhado de terra e urinaram sobre elas, vendo isto

Bartolomeu, irmão de Colombo, decide puni-los como cristão: Como lugar-

tenente do vice-rei e governador das ilhas, levou aqueles homens maus à

justiça, e, uma vez definido o crime, fez com que fossem queimados em público.

(TODOROV, ibidem, p. 42).

Por sua vez, os primeiros missionários a chegarem ao Brasil adotaram uma

atitude de simpatia e acolhimento de alguns aspectos da cultura indígena, embora

nesta atitude estivesse presente uma tática cuja estratégia era a transição cultural pela

conversão do índio à fé católica, mas ela ainda não era uma tática de negação cabal da

cultura indígena, nem de hostilização. O padre Manuel da Nóbrega vai com dois padres

recém chegados ao Brasil para Pernambuco e, como estes não sabiam falar a língua

dos nativos usa a estratégia de selecionar 100 (cem) jovens índios aos quais com ajuda

de intérpretes se ensinou a doutrina e estes à repassaram para aos demais.

Ao chegar ao Brasil em 1553, o padre José de Anchieta, ainda muito jovem e

estudante de teologia, inicia a pesquisa para aquisição da língua tupi e passa a compor

hinos e canções sagradas para doutrinar os meninos indígenas, bem como compõe

historietas e cantos bíblicos, com a mesma motivação doutrinária.

Um século após estes episódios, o padre Antônio Vieira, que é sabidamente um

protetor dos índios contra a sanha violenta dos colonos que os desejavam escravizarem

a todo o custo, por ocasião de sua passagem pela região Norte, entre 1658 e 1660,

quando era visitador apostólico do Maranhão, sugere a seus súditos, o seguinte, acerca

da educação dos índios, que implica a negação da cultura indígena e sua transição

para a cultura ocidental:

/ ... / a escola depois da doutrina da manhã, aonde aos mais hábeis se

ensinarão a ler e escrever‖; havendo muitos estudantes se instruirá a ―cantar e

a tanger instrumentos‖, para os ofícios divinos, e, havendo poucos, ―se ensinará

a todos a doutrina cristã.‖ Essa instrução seria feita pelo padre ou pelo seu

companheiro, ou até mesmo um ―moço dos mais práticos na doutrina e bem

acostumado‖. À tarde, ―antes do por do sol‖, haveria novamente doutrina,

―sendo obrigados a vir os meninos e meninas, como (era) de costume‖.Após a

doutrina, os meninos sairiam em ordem‖e dariam ―a volta a toda a praça da

aldeia, cantando o credo e mandamentos‖. No caso de haver ―alguns mais

rudes‖, deveriam os padres listá-los ―para que (fossem) particularmente

ensinados‖ na doutrina. (CHAMBOULEYRON, 2007, p. 78).

A esta prática de aprender a língua indígena, que guarda alguma semelhança

com o bilingüismo praticado atualmente pela EEIID e B, somava-se uma atitude de

tolerância para com alguns aspectos da cultura indígena.

Continuavam os meninos órfãos do colégio da Bahia e os índios da casa, para

mais facilmente captar os corações dos índios juntar às suas canções à moda

de Portugal cantigas indígenas, enterrar os mortos com música, e cortar o

cabelo à moda da terra... Na verdade, entre a vida americana e o cristianismo

que principiava, era mister uma ponte. Nóbrega e seus padres lançaram-na

destramente. Era a adaptação ao meio em que exerciam a sua atividade.

Adaptação ao secundário e ao externo, para a conquista do essencial do

espírito. (SERAFIM LEITE, apud AZZI, ibidem, p. 90).

Esta atitude aparentemente tolerante, na verdade estava carregada de intenções

não confessadas, como muito bem o revela o próprio texto. Mesmo assim esta prática

pedagógica durou muito pouco. Se analisarmos bem, e é o que faremos nos outros

capítulos desta dissertação, esta prática inicial dos jesuítas é muito parecida com a

idéia de interculturalidade, presente na atual EIID e B, mas reconhecemos que nesta

não há a intenção (explícita) de conversão cultural.

A experiência pedagógica de interculturalidade jesuíta é interrompida com a

vinda de dom Pedro Fernandes Sardinha que era, pelo instituto do Padroado,

representante da coroa portuguesa, e não aceitava que a conversão fosse só da fé; era

preciso que esta estivesse casada à adesão aos costumes da cultura portuguesa. Para

este prelado defensor da ortodoxia católica, segundo Azzi (ibidem, p. 92), ―a conversão

só podia ser feita nos moldes do luso-cristianismo‖. O bispo era mesmo intransigente, e,

para ele, tinha que ficar muito bem demarcada não somente a superioridade da fé

católica e da cultura lusitana, como também a oposição destas em relação às

manifestações bárbaras dos índios. Ele então faz uma dura repreenda ao padre Manoel

da Nóbrega, por este colocar os órfãos portugueses para conviverem com os índios,

dizendo que veio ao Brasil não para fazer dos cristãos gentios, mas para tornar os

gentios cristãos, e que não admitiria que os portugueses casados com índias não as

ensinassem o idioma português, porque enquanto elas falassem aquela língua bárbara

não deixariam de ser gentis.

A integração dos padres aos aborígenes, como já nos referimos acima, embora

fosse uma tática para alcançar o objetivo estratégico da conversão das almas dos

índios, encolerizava o bispo.

Esta atitude em relação à catequese dos indígenas colocava em impasse, de um

lado a alta hierarquia católica e os administradores leigos da coroa e, de outro, os

missionários responsáveis pela catequese dos índios.

Mas o impasse se resolveu a favor da hierarquia e dos administradores da coroa,

e não podia ser de outra forma, haja vista que a catequese era a vanguarda do projeto

de colonização, isto é, cada tribo convertida significava mais terras ao dispor da

exploração agrícola lusitana, ou para o extrativismo das drogas do sertão, se a empresa

ocorresse na Amazônia. Já para a igreja o avanço da catequese significava a expansão

da fé católica, portanto os missionários não tinham mesmo alternativas que não fosse

concordar com seus superiores, tanto os clérigos quanto os leigos. Era este o clima

cultural predominante: o da submissão da igreja à coroa, ainda mais que ela era a

responsável pela aplicação de penalidades contra os dissidentes dos preceitos da

doutrina católica. Por intermédio da Santa Inquisição, ela concentrava poderes que lhe

assegura o direito de aplicar punições severas, prescrevendo castigos que iam da

tortura à pena de morte na fogueira. Tanto missionários clérigos ou leigos que fossem

recalcitrantes em aceitar os ditames da doutrina e da fé católicas, poderiam ser julgados

incrédulos e condenados a estes castigos.

De 1534 a 1755 haverá alternância de liberdade e cativeiro impostos aos índios

bem como a predominância dos missionários na função civilizacional dos nativos

americanos, que se efetivava por meio da educação escolar.

O primeiro decreto, como já foi referido neste trabalho, foi a Lei de concessão

das Capitanias Hereditárias, que dava aos donatários direito para aprisionar os índios e

até exportá-los para Europa como escravos.

O padre Manuel da Nóbrega, em 1557 se escandalizou e faz duras e severas

críticas a colonos, autoridades civis e eclesiásticas, e até a outros clérigos que

praticavam, ou que eram coniventes com a prática de escravização dos índios. Mas ele

também se rende a esta lógica e vai mais além, escrevendo ao Rei sugerindo um

tratamento mais radical no processo de subjugação dos índios. Eis abaixo seus

argumentos:

Este gentio é de qualidade que não se quer por bem se não por temor e

sujeição, como se tem experimentado, e por isso, se S.A., os quer ver todos

convertidos, mande-os sujeitar /.../ e não sei como se sofre a geração

portuguesa, que entre todas as nações é a mais temida e obedecida, estar por

toda esta costa sofrendo e quase sujeitando-se ao mais vil e triste gentio do

mundo. (SERAFIM LEITE, ibidem, p. 14).

Uma lei do Rei dom Sebastião de 20 de março de 1570, proibia a escravização

de índios salvo: i)―os que fossem aprisionados em guerra justa autorizada pelo Rei ou

pelo Governador e; ii)os que assaltavam colonos e outros índios para os comerem‖

(AZZI, ibidem, p. 16-17).

No entanto, estes preceitos legais nunca serão obedecidos à risca pelos colonos

que, à revelia e apesar dos jesuítas continuarão aprisionando os índios. Neste contexto

criam-se as Bandeiras que são expedições organizadas com a finalidade de aprisionar

índios. Os bandeirantes invadem as missões jesuíticas e levam à força e à revelia dos

protestos dos padres, todos os índios que nelas viviam e os vendem como escravos

para suprir as necessidades e demanda por força de trabalho nos centros de produção

mais desenvolvidos da colônia.

Com a criação da Província do Maranhão e Grão-Pará diretamente sob controle

de Lisboa, se estabelece um clima de conflitos entre os colonos e os jesuítas na

Amazônia, pois estes se tornaram, além de missionários, grandes empreendedores,

responsáveis por negócios não religiosos, acumulando grandes fortunas, que seus

concorrentes atribuíam ao fato deles possuírem o monopólio da força de trabalho dos

indígenas, e impedirem seu acesso aos leigos, missionários de outras ordens religiosas

e aos clérigos.

Quem comandava a capitânia era Francisco Xavier de Mendonça Furtado, irmão

do marques de Pombal, grande mandatário de Portugal, que autoriza o irmão a redigir o

diretório dos índios, o qual é lavrado em 1757.

O diretório além de caçar os direitos dos Jesuítas de manterem missões

indígenas, os expulsava do Brasil e pregava, dentre outras, as seguintes instruções a

cerca de como deveria ser o procedimento em relação à educação dos índios a partir

de então:

Art. 6.º Sempre foi máxima inalteravelmente praticada em todas as Nações, que

conquistaram novos domínios, introduzir logo nos povos conquistados o seu

próprio idioma, por ser indisputável, que este é um dos meios mais eficazes

para desterrar dos povos rústicos a barbaridade dos seus antigos costumes; e

ter mostrado a experiência, que ao mesmo passo, que se introduz neles o uso

da Língua do Príncipe, que os conquistou, se lhes radica também o afeto, a

veneração, e a obediência ao mesmo Príncipe. Observando, pois todas as

nações polidas do mundo este prudente, e sólido sistema, nesta Conquista se

praticou tanto pelo contrário, que só cuidaram os primeiros Conquistadores

estabelecer nela o uso da Língua, que chamaram geral; invenção

verdadeiramente abominável, e diabólica, para que privados os Índios de todos

aqueles meios, que podiam civilizar, permanecessem na rústica, e bárbara

sujeição, em que até agora se conservavam. Para desterrar este perniciossímo

abuso, será hum dos principais cuidados dos Diretores, estabelecer nas suas

respectivas Povoações o uso da Língua Portuguesa, não consentindo por modo

algum, que os Meninos, e Meninas, que pertencerem às Escolas, e todos

aqueles Índios, que forem capazes de instrução nesta matéria, usem da Língua

própria de suas Nações, ou da chamada geral; mas unicamente da Portuguesa

na forma, que Sua Majestade tem recomendado em repetidas Ordens, que até

agora se não observaram com total ruína Espiritual, e Temporal do Estado.

Art. 7.º E como esta determinação é a base fundamental da Civilidade, que se

pretende, haverá em todas as Povoações duas Escolas públicas, uma para

Meninos, na qual se lhes ensine a Doutrina Católica, a ler, escrever, e contar na

forma, que se pratica em todas as Escolas das Nações civilizadas; e outra para

as Meninas, na qual, além de serem instruídas na Doutrina Cristã, se lhes

ensinará a ler, escrever, fiar, fazer renda, costura, e todos os mais ministérios

próprios daquele sexo.

Art. 8.º Para a subsistência das sobreditas Escolas, e de um Mestre, e uma

Mestra, que devem ser Pessoas dotadas de bons costumes, prudência, e

capacidade, de sorte que possam desempenhar as importantes obrigações de

seus empregos, se destinarão ordenados suficientes, pagos pelos Pais dos

mesmos Índios, ou pelas Pessoas, em cujo poder eles viverem, concorrendo

cada um deles com a porção, que se lhes arbitrar, ou em dinheiro, ou em

efeitos, que será sempre com atenção à grande miséria, e pobreza, a que eles

preferentemente se acham reduzidos. No caso porém, de não haver nas

Povoações Pessoa alguma, que possa ser Mestra de Meninas, poderão estas

até a idade de dez anos serem instruídas na Escola de Meninos, onde

aprenderão a Doutrina Cristã, a ler, escrever, para juntamente com as infalíveis

verdades da nossa Sagrada Religião adquiriam com maior facilidade o uso da

Língua Portuguesa. (Diretório dos Índios de 1757, In: BEOZZO, ibidem, p 3-4.)

Esta é sem dúvida a primeira lei que estabelece a laicização do ensino indígena,

antes mesmo que isto seja concedido aos não-índios. Todavia se percebe o mesmo

objetivo estratégico de permitir a transição cultural indígena, e a expropriação de suas

terras, com a sua conseqüente escravização. Salvo este caráter laicizante da lei, quase

tudo parece igual ao que os jesuítas até então desenvolviam na

evangelização/educação dos índios. Mas o Diretório, dentre outras trouxe uma

agravante em relação à legislação anterior, que foi a privatização da educação

indígena. Se com os jesuítas o pagamento pela escola se fazia de maneira indireta,

pelo repasse de dinheiro por parte da coroa e pela concessão de outros privilégios,

como a autorização para que os índios prestassem serviços nas missões, com a

instituição do Diretório eles continuariam trabalhando, com certeza muito mais que com

os jesuítas, e ainda teriam que pagar pela educação que iria propiciar o apagamento de

suas culturas e a transição para uma cultura mestiça, ou cultura cabocla, como esta é

denominada na Amazônia.

O Diretório é explicitamente uma lei anti-indígena, que tripudiava e depreciava a

cultura dos índios para além do que os missionários houveram ousado fazer até então.

Nas determinações do Diretório está expressa a máxima de que só quem tem

escrita tem história. E esta escrita tinha que ser numa língua civilizada, não se

consentia o uso da língua própria das nações indígenas, ou da chamada língua geral.

Somente na Língua Portuguesa era permitido se cumprir o intento civilizacional. É que

Deus fala a seu povo pela escrita de sua palavra na Bíblia, então quem não tem escrita

e nem história, também não tem religião e nem Deus. E o discurso dos que redigiram e

implementaram o Diretório era o da salvação destes gentios. Tarefa que no início da

colonização, quando ainda não era tão grande a disputa pela força de trabalho dos

indígenas, os jesuítas realizaram de maneira exemplar, como se pode deduzir nesta

consideração de Pombo acerca do padre Anchieta: ―E dali em diante, até 1597, quando

falece, não teve mais um dia de descanso este homem extraordinário, vivendo de

aldeia em aldeia a amparar o bárbaro, e acudindo a toda parte a proteger os colonos e

a defender a terra‖ (POMBO, ibidem, p. 85).

Percebe-se uma clara inversão na posição de quem é agressor e quem é

agredido. O colono que expropriou o indígena é tido como merecedor de defesa por

parte do missionário. Já o índio é objeto da compaixão do mesmo missionário porque é

um bárbaro, um carente de civilização.

Com o fim da colonização e a instituição da monarquia, as políticas indigenistas

e, sobretudo a política de aldeamento missionário, continuará a ser praticado por outras

ordens religiosas, como os franciscanos que atuavam no Nordeste Brasileiro, mais

precisamente no Estado de Sergipe, cujo trabalho missionário/educativo proporcionou

aos latifundiários, com o auxílio dos representantes do poder político local,

expropriarem as terras dos índios Xocó no século XIX. Esta etnia até hoje, quase 200

anos após aquele processo, continua lutando para reaver e restabelecer os direitos

sobre as terras de seus ancestrais.

Este caso, por seu caráter ilustrativo, merece uma menção.

No século XIX a política indigenista do Estado monárquico consistia em aldear os

índios em missões, onde os padres e professores leigos faziam um trabalho de

proselitismo. Esses agentes, periodicamente, enviavam para o presidente da província,

relatórios dando conta dos acontecimentos nas aldeias/missões. Esses relatórios eram,

na verdade, censos em que se registravam nominalmente os habitantes das

aldeias/missões por idade, sexo e cor, sendo que neste item distinguiam-se brancos,

pardos, negros e índios.

A partir da análise desses relatórios, o poder público construiu a tese da mistura

racial, pela qual, ao cabo de algum tempo concluiu que não havia mais índios na

província de Sergipe. A igreja que trabalhava pela evangelização dos Xocó protestou

contra esta posição do Estado e argumentou a favor da continuidade da existência de

índios na província. Esta contestação por parte da igreja gerou um conflito que

culminou na expulsão dos padres das aldeias/missões.

O argumento defendido pelo Estado monárquico para justificar o decreto que

dava como veredicto da inexistência de índios na província, era que as populações

dessas aldeias/missões falavam português, liam e escreviam nesta língua, estavam

convertidas ao catolicismo e não tinham mais os costumes dos ancestrais em práticas

de produção agrícola, caça, pesca, etc.

Esta forma na maneira de perceber o índio como portador de uma cultura que

deve ser suprimida e que ao sê-lo, priva-o de direitos territoriais, foi moldada, como

discorremos neste capítulo, a partir de uma FD que se criou com as narrativas dos

mitos fantásticos correntes na Europa desde a Idade Média, e que davam conta de

lugares desconhecidos, ora apavorantes, ora paradisíacos, habitados por seres

monstruosos e disformes. Ao chegar à América, o europeu se depara com uma

natureza e homens deslumbrantes. Mas era preciso recriar aquele espaço que era novo

para ele, mas que já era habitado por alguém que o antecedeu. A solução encontrada

foi a re-criação espacial via ato discursivo.

A primeira providência foi a re-nomeação desse espaço com nomes que

refletissem a cultura do colonizador. Complementando este ato, funda-se um discurso

depreciativo sobre o novo espaço e seus habitantes, que terá por base aquela FD

gestada pela igreja católica em plena maturação da Idade Média, no século XI, quando

esta institui a idéia da criação de um Império Ocidental Universal, a partir da oposição

entre Ocidente e Oriente, sendo este o negativo daquele.

Esta FD será a base do DF que se criará sobre a América como lugar a ser

positivado pela civilização ocidental e, por ocasião dos descobrimentos operar-se-á a

permuta do outro negativo externo da Europa, que deixará de ser o muçulmano e

passará a ser o índio das Américas. Nos dias atuais esta FD perdura e continua sendo

norteadora – complementada pelos interdiscursos mais conveniente para a ocasião e

para o agente interpelador do sujeito indígena, este quase sempre tido como uma

coletividade homogênea – de muitas políticas que se aplicam às etnias remanescentes,

nos dias atuais.

Este será o fulcro de nossa análise nos próximos capítulos desta dissertação,

examinando em que extensão esta FD alimentou ou alimenta aspectos da EEIID e B,

que é oferecida aos indígenas brasileiros pelo Estado em parceria com segmentos da

chamada sociedade civil ou ONG‘s.

ENFRENTANDO O OUTRO NEGATIVO NA AMAZÔNIA SUL

OCIDENTAL

O Amazonas é uma esperança; deixando as vizinhanças do Pará penetra-se no

deserto. (TAVARES BASTOS, apud CUNHA, 2003).

2.1. NÃO HAVIA ACRE PERTURBANDO OS ÍNDIOS NAS TERRAS SUL-

AMAZÔNICAS

Como tratado no capítulo anterior, a exploração da Amazônia pelos portugueses

só chegara ao Pará e seu entorno, atingindo uma pequena parte do Amazonas a partir

de 1621 quando foi instituído pela Coroa portuguesa o Estado do Maranhão e Grão-

Pará ―como unidade administrativa separada do Brasil e ligada diretamente a Lisboa‖.

(FARAGE, 1991, p. 23).

Desta forma até a segunda metade do século XIX, não havia nas terras do Sul

amazônico, sobretudo no território em que se formou o Estado do Acre, uma ocupação

permanente por parte de populações não-indígenas, quer fossem brasileiras, peruanas

ou bolivianas.

A fixação de populações não-índias naquele local só ocorrerá a partir do dia três

de março de 1878, quando o cearense João Gabriel de Carvalho chega à região com

sua extensa família e vários agregados subindo de canoa à remo e varejão17 desde um

ponto já conhecido do rio Purus por brasileiros. Daquele ponto, até onde o emigrante

criou o primeiro núcleo povoado em terras hoje acreanas, com a denominação de

Anajás, era até aquela época um local considerado como terra de índios (TOCANTINS,

2001 p.180).

17

O varejão é uma vara comprida que os moradores ribeirinhos da Amazônia utilizam para auxiliar na navegação por ocasião dos períodos de seca dos rios. O

varejador fica em pé na popa da canoa, mergulha esta vara na água e faz força impulsionando-a para frente.

Como vimos tratando neste trabalho há uma FD cuja base é a negação ou a

negativação do índio. Mesmo autores que descreveram, até com certa injúria, as

mazelas praticadas contra os indígenas, não deixam de expressar em seus discursos,

ou a negação ou a negativização de certos atos ou modos de ser dos indígenas. Isto é

observável no exemplo que transcrevemos abaixo, extraído de Cunha (1998, p.124) e

que demonstra como o discurso se impõe ao sujeito, como este não é livre para fazer

as escolhas, como bem o demonstra o pensamento de Foucault na obra Ordem do

discurso, já referido no capítulo anterior.

Vamo-nos ao exemplo de Cunha.

Os Cashibos18

têm no próprio nome a legenda de sua ferocidade. Cashi,

morcegos; bo, semelhante. Figuradamente: sugadores de sangue. Ainda nos

seus raros momentos de jovialidade aqueles bárbaros assustam, quando o riso

lhes descobre os dentes retintos do sumo negro da palmeira chonta, ou

estiram-se de bruços, acocorados com o chão, as bocas junto à terra, ululando

longamente as notas demoradas de uma melopéia selvagem. Atravessaram

indenes na bruteza, 300 anos de catequese; e são ainda a tribo mais bravia do

Vale do Ucaiale.

Os etnônimos dos grupos indígenas com termos pejorativos, geralmente não são

autodenominações, eles podem ter sido atribuídos pelo próprio europeu, ou por um

grupo indígena rival, como no caso desta etnia e também dos chamados grupos

Tapuias, denominação atribuída pelos Tupi aos grupos rivais e cuja tradução seria ‗os

bárbaros‘. Estes etnônimos pejorativos têm por função depreciar ou disseminar o

preconceito contra o grupo assim denominado. No caso dos Casshibos, se junta ao

nome costumes de uma cultura autóctone que o ―civilizado‖ desconhece desaprova,

então estes estranhos costumes só poderiam ser taxados de ―melopéia selvagem‖. Esta

atitude é típica de uma mentalidade etnocêntrica, pois avalia a cultura do outro tendo

como centro, como certa e como superior a sua própria.

18 Não confundir os Cashibos com os Kaxinawa, a etnia mais numerosa atualmente presente no Acre, com uma população de mais de 4000 indivíduos. O nome

Kaxinawa foi dado pelos regionais, e é uma palavra pejorativa. Kaxi significa morcego, e Nawa, povo, portanto povo morcego. A etnia se autodenomina pelo

etnônimo Huni Kuĩ, que quer dizer povo verdadeiro. Os Cashibos atualmente não têm aldeias no Brasil.

Esta mentalidade foi adequada para justificar a ocupação de um território que

embora densamente povoado por numerosas etnias indígenas fosse considerado como

deserto, e objeto de intensa disputa litigiosa envolvendo três nações: a brasileira, a

boliviana e a peruana. Nenhuma delas considerava qualquer possibilidade de

reconhecimento de direitos às dezenas de etnias já presentes no território, e que

constituíam uma população estimada, segundo Calixto et all, (1985 p.16), em cerca de

60.000 (sessenta) mil habitantes.

Das três nações que disputavam a hegemonia sobre o território é sabido que a

primeira não tinha qualquer direito legal na disputa, pois conforme chancela

estabelecida por meio de Tratados Hispano-Portugueses, como o de Madrid de 1750, o

de Santo Ildefonso de 1777 e o de Badajoz de 1801, os signatários destes tratados do

lado brasileiro reconheciam como pertencente à pátria boliviana os direitos sobre o

território em litígio.

O acerto mais recente à época fora o Tratado de Ayacucho firmado em 1867,

mas que os governantes do Amazonas questionavam, argumentando que ele não era

claro em relação ao estabelecimento das fronteiras físicas entre Brasil e Bolívia. Na

verdade esta fronteira continuava sendo quase a mesma desde o tratado de Madri, ou

seja, uma paralela entre os rios Javari e o Madeira.

No entanto, dada à esperteza dos sucessivos governadores do Amazonas que,

segundo Coelho (1982, p. 41), a partir de 1852, portanto bem antes da assinatura do

tratado de Ayacucho, já havia incorporado a área anexando-a como parte de sua

província, integrando a antiga comarca do Rio Negro, quando somente mais tarde a

área passaria à jurisdição brasileira como Território Federal do Acre.

Somando-se a esta esperteza dos governantes do Amazonas, o interesse

econômico das casas aviadoras de Belém e Manaus e a habilidade da diplomacia

brasileira, notadamente a do Barão do Rio Branco, o resultado foi a vitória do Brasil na

contenda, pondo termo a uma disputa que, no final do século XIX e início do XX,

passou à história como ―A Questão do Acre‖.

A partir de 1903, com a celebração do Tratado de Petrópolis, a área passou

definitivamente ao domínio brasileiro.

Os índios desta porção amazônica serão hostilizados sistematicamente primeiro

com a implantação da exploração do caucho (castiloa elástica) por caucheiros

bolivianos e peruanos. Este processo foi de uma crueldade extrema contra os índios, e

esta crueldade tem uma reedição quando a partir da década de 1870 a atividade de

extração do caucho entra em declínio e se inicia a ascensão da exploração da seringa

(hevea brasiliensis) por parte dos brasileiros.

Cunha (ibidem, p.99) registra no relato que transcreveremos abaixo, o horror que

passa a vigorar com a entrada dos seringalistas brasileiros em cena, intensificando

ainda mais a violência contra os indígenas. É que exauridos os cauchais de Ucayali e

Madre de Deus, os seringalistas estabelecem uma aliança com os caucheiros peruanos

e bolivianos, na qual cedem à exploração os cauchos ainda existentes nos seringais do

Juruá e do Purus em troca da pistolagem contra os índios.

A civilização, barbaramente armada de rifles fulminantes, assedia

completamente ali a barbaria encantoada; os peruanos pelo ocidente e pelo sul;

os brasileiros em todo o quadrante de NE; no de SE, trancando o vale do

Madre-de-Dios, os bolivianos.

O território considerado como deserto – pois como estamos abordando há uma

FD que desconsidera o índio como elemento dotado de direitos, uma vez que ele é o

outro negativo, a quem cabe o homem ocidental positivar – é sabidamente um território

plenamente povoado por várias nações indígenas19.

Os brasileiros, peruanos e bolivianos convertidos a idéia de Estado nação tinham

outras referências sobre territorialidade e estavam, como já nos referimos, disputando

um espaço que então era marcado pela contestação dos limites firmados e legalizados

com base em acordos internacionais bilaterais.

A região, desde meados do século XVIII, era destino de viagens realizadas por

brasileiros, peruanos e europeus, com as mais diversas finalidades, como as

empreendidas por missionários radicados no Peru que desciam os rios Purus e o Juruá

em busca de almas indígenas para a conversão; a de seus colegas radicados no Brasil

19 Nação no sentido de coletividades que tinham uma noção geográfico-territorial, sentimento de união, identidade de língua e modos culturais próprios de lidar

com o mundo material e imaterial.

que subiam os mesmos rios com as mesmas finalidades; as que tinham por objetivo o

reconhecimento do território; a de coletores de drogas do sertão e as viagens de cunho

científico, como as do francês Charles Marie de La Condamine.

Costa (2003, p. 56-57) escreve que foi este cientista especializado em

astronomia que, mandado à América em 1736 pela Academia de Ciências de Paris,

para estudar a forma da Terra e seu achatamento nos pólos, que deu ao Ocidente o

conhecimento acerca da borracha natural, ou seringa.

Segundo Tocantins (ibidem, p.115), os índios do Equador davam o nome de

Hhevé à árvore que sangrada vertia o leite que se transformava em borracha. La

Condamine soube que esta árvore ocorria também na selva amazônica e que lá os

índios Maia a chamavam da cautchuc.

No Brasil também havia notícias acerca da existência da seringa. Estas notícias

foram dadas pelos índios Omagua e Cambeba, aldeados em missões dos padres

carmelitas portugueses no rio Solimões desde o final do século XVII. O responsável

pela comunicação ao mundo não indigna brasileiro sobre a existência da borracha foi

do missionário Frei Manoel da Esperança em missiva a outro religioso carmelita.

Em Mendonça (1989, p. 211), encontramos o relato da correspondência entre os

dois religiosos datada de 1738. Este relato apresenta informações in litteris, em relação

às que La Conadamine colheu com os índios do Equador e enviou à Europa, conforme

podemos atestar neste trecho: ―Os índios omaguas chamavam cahuchu à resina tirada

da árvore hyeve, o que deu logar ao nome vulgar cautcgu para a resina e scientifico

hevia guianensis para a árvore.‖ (Os grifos e a grafia estão conforme o original).

Mas o correto é que a difusão da notícia acerca da existência da seringa para o

continente europeu foi de responsabilidade do cientista La Condamine, que informou a

descoberta à Academia de Sciencias de Paris em 1745.

Chamou-lhe a atenção, a versatilidade daquela goma elástica que tanto podia

ser utilizada na confecção de utensílios domésticos, como a seringa, objeto fabricado

com a Hhevé para recolher e guardar a água, e que veio a dar o nome popular pelo

qual o látex da hévea ficou conhecido, estendendo aos seus extratores o nome de

seringueiros.

Afora estes usos, a Hhevé se prestava à confecção de calçados e vestuários, e

também a utilizavam na iluminação noturna, num processo que sobrevive até os dias

atuais entre índios e seringueiros amazônicos, e que consiste em colocar um pedaço

desidratado de seringa na ponta de uma vara e queimá-lo, transformando este

instrumento num lampião de luz ―muito viva‖, conforme informou o cientista a seus

pares franceses.

Todavia, a viagem científica que mais contribuiu para estabelecer conhecimento

sobre a região que viria a se tornar Território Federal anexado ao Brasil em 1903, foi a

do geógrafo inglês William Chandlles que, em missão da Royal Geographical Society de

Londres, subiu, em 1865, desde a cidade de Manaus, primeiro até as cabeceiras do

Purus e, posteriormente, ao Juruá, até o chamado Estirão dos Nawa, com a finalidade

de dirimir dúvidas acerca do que se chamava à época o problema do Madre de Dios e

Purus, pois circulava a crença de que havia ―um liame aquático entre os dois grandes

rios‖. (TOCANTINS, ibidem, p.131).

A decifração desse enigma tinha por finalidade encontrar uma passagem por

terra que fosse possível ligar as duas bacias e assim facilitar o transporte e

comercialização do caucho e outros produtos extraídos da floresta, evitando a

navegação pelo Beni e o Madeira, que constituía um caminho muito mais longo e

perigoso, devido às muitas cachoeiras presentes no curso desses rios.

A viagem do inglês foi cumulada de sucesso e Cunha (ibidem, p.173) escreve

que durante longos anos a geografia do Purus ficou inscrita nas linhas traçadas por

William Chandlles em 1867.

Quem guiou o cientista inglês nesta empreitada ao Purus foi o sertanista Manuel

Urbano da Encarnação, encarregado de índios e profundo conhecedor do território, já

que o percorria desde 1857, tendo-o feito pela última vez cinco anos antes, numa

expedição financiada pelo governo do Amazonas que desejava ter detalhes sobre o

potencial da região para a exploração de látex. Nesta viagem Manuel Urbano mapeou

os principais afluentes do Purus, dentre eles os rios Acre e o Yaco, além de ter

inventariado as tribos indígenas ali presentes. Esta viagem de Manuel Urbano, bem

como a do geógrafo inglês, facilitou a penetração e o estabelecimento do povoamento

do Acre a partir de 1878.

Além de Manuel Urbano da Encarnação que percorreu o Purus, seu colega João

da Cunha Corrêa, também encarregado de índios, percorreu o Juruá entre os anos de

1857 e 1858, ocasião em que passou deste rio a seu afluente Tarauacá e deste ao

Envira, atravessando depois a pé para o Purus com a finalidade de se encontrar com

Manuel Urbano, só não o conseguindo porque naquele momento o desbravador do

Purus encontrava-se no Alto deste rio.

Concluímos, portanto, em concordância com Rancy (1992, p.15), que os

encarregados de índios foram os primeiros exploradores, e os responsáveis em dar

conhecimento ao resto do Brasil, sobre esta porção territorial inexplorada por

populações não indígenas e que após o litígio com a Bolívia foi definitivamente anexado

à federação brasileira.

As atividades de exploração científicas e de reconhecimento geográfico da

região ocorriam concomitantemente ao boom da exploração do caucho pelas frentes

extrativistas constituídas pelos caucheiros peruanos.

Cunha (ibidem, p. 55) descreve estes personagens como o resultado de um

hibridismo moral no qual se juntou ―a bravura aparatosa do espanhol difundida na

ferocidade mórbida do quíchua‖. Isto porque o caucheiro exercia uma atividade

extenuante de caráter nômade e predatória, da qual se exigia muito sangue frio para

enfrentar e, na maioria das vezes eliminar vidas humanas de incontáveis tribos

indígenas que pereciam ―sacrificadas a um tempo pelas armas grosseiras e pela

afoiteza no arremeterem com as descargas das carabinas‖ (idem).

Os encontros entre índios e caucheiros quase sempre resultavam em chacinas.

O índio era caçado na selva como se caça um bicho silvestre. Ao ser encontrado se

tentava pelo convencimento sua colaboração na exploração da castiloa, havendo

recusa, o que ocorria na maioria das vezes, a solução vinha imediata, na forma da

eliminação física do grupo que se opusesse, como se exemplifica neste relato do

encontro de um grupo da etnia Masho, com o caucheiro Fitz-Carral, que passou à

história como Fitzcarrald: ―De fato, meia hora depois, cerca de 100 (cem) mashos,

inclusive o chefe recalcitrante e ingênuo, jaziam trucidados.‖ (CUNHA, ibidem p.102).

Era insustentável aos representantes das classes que dominaram a exploração

do látex, um discurso negando a existência de indígenas no território dominado para a

implantação desta atividade extrativista, como os governantes o farão na segunda

metade do século XX, quando o extrativismo da seringa perder importância como

atividade econômica.

De fato os poderosos comerciantes de Belém e de Manaus, os governantes do

Amazonas e os seringalistas que irão se estabelecer na região, não negarão a

existência dos índios no território, ao contrário, admitem-no. Dizem que é uma presença

superlativa, em grande profusão, e era exatamente esta diversidade de população

indígena que compunha um obstáculo à implantação da civilização, daí a necessidade

de sua eliminação física, uma vez que os índios amazônicos, a exemplo de seus irmãos

do Nordeste – conforme relato de Capistrano de Abreu (1963, p.146) transcrito abaixo –

não compreendiam que estavam obstruindo o processo civilizatório. Leiamos o relato e

reflitamos acerca do quê nos vimos referindo neste trabalho, que o discurso é a

manifestação de uma posição ideológica colocada em jogo ―num processo sócio-

histórico em que as palavras são produzidas‖ (ibidem, ORLANDI p.42).

Por esta margem do São Francisco existiam numerosas tribos indígenas, a

maioria pertencente ao tronco cariri, algumas caribas como os Pimenteiras, e

até tupis como os Amoipiras. Com eles houve guerras, ou por não quererem

ceder pacificamente as suas terras, ou por pretenderem desfrutar os gados

contra a vontade dos donos. (Grifo nosso).

Em Barros (1993 p.124) encontramos relato com o mesmo teor acerca dos índios

acrianos que reagiam à expropriação de seus territórios ―O índio constituiu um sério

problema para os donos dos seringais, com sorrateiras incursões e por vezes flechando

os seringueiros‖.

Este autor opera uma radical mudança discursiva, haja vista que alguns

parágrafos atrás, na página 122, escrevera o seguinte: ―Nos primórdios da ocupação da

Amazônia, esses legítimos brasileiros, só gradualmente e em pequenos grupos, se

aproximavam das terras dos colonizadores, do qual, com razão, temiam a violência e o

tolhimento da liberdade‖.

Estes discursos que descrevem com todas as letras, no Nordeste como na

Amazônia, o extermínio físico dos índios encontravam validade pela existência da FD

que atribuía ao indígena valores negativos.

Mas voltando ao episódio da exploração do caucho, conclui-se, portanto que ela

traumatizou, comprometeu a ocupação demográfica do espaço pelo homem autóctone,

ou do homem já adaptado às plagas amazônicas, haja vista que as etnias presentes,

eram oriundas, em casos como as que pertenciam à família lingüística Arawak, de

regiões muito distantes da Amazônia, como a Costa do Pacífico, na América Central, de

onde iniciaram um processo migratório para o Peru Central provavelmente a partir do

quarto milênio, conforme Fonseca, in Queixalós, et al (2000, p.348).

Así, la distribución actual de las lenguas en esta región, sobre todo si la

consideramos en términos de grandes familias o troncos lingüísticos, parece

válida para hasta una profundidad temporal de 3 a 5.000 años‖.

Além dos indícios que a lingüística apresenta, a arqueologia também oferece

pistas que corroboram as teses da antiguidade da ocupação da Amazônia por

indígenas, conforme se pode conferir no texto de Loureiro (1982, p.22), segundo o qual

a

A Amazônia está revelando uma pré-histórica antiguíssima. Nas cavernas do

Lauricocha, nas nascentes do Amazonas, a camada arqueológica mais

profunda evidenciando a presença do homem, alcançou a recuada data de

7.565 a.C, seguida de outra, com utensílios, de 6.000 a.C e de uma terceira,

pré-cerâmica, correspondente a 3000 a.C. Estes restos arqueológicos

permitem afirmar, de maneira incontestável, que a nossa região natal já é

habitada há mais de 10.000 anos, ininterruptamente.

Este povoamento tão antigo por parte dos índios, devido à sanha genocida dos

caucheiros foi perturbada e levou ao extermínio físico de muitos grupos indígenas que

se opuseram à ocupação predatória de seus territórios, conforme podemos atestar

neste texto de Cunha (ibidem, p. 99): ―E os caucheiros aparecem como os mais

aventurados batedores da sinistra catequese a ferro e fogo, que vai exterminando

naqueles sertões remotíssimos os mais interessantes aborígenes sul-americanos‖.

Sob esta perseguição e baixo ao fogo cerrado dos rifles Winchester, os temidos

papos amarelos, dos caucheiros e seringalistas, restava às etnias sobreviventes três

estratégias:

a) a fuga para viver em liberdade em áreas isoladas e inóspitas;

b) a aculturação, que era um estágio inicial da servidão e que levava à

c) colaboração com os caucheiros peruanos, no primeiro momento da ocupação

e, no segundo, com os seringalistas brasileiros.

Foi o ocorreu, segundo Casevitz (2002, p.198) ―com alguns Piro e Kampa, que

se tornaram mercenários armados de Fitzcarrald‖. Os que optaram pela aculturação

terminaram vítimas de outra violência: o etnocídio.

O boom da exploração da seringa no Brasil dar-se-á entre 1895 e 1903 e foi

também uma atividade marcada por um contexto de violência e extermínio de grupos

indígenas, tanto dos que já se encontravam no território há pelos menos 300 anos,

quanto os grupos que haviam descido os rios Juruá, Purus e seus afluentes em fuga

das correrias promovidas pelos caucheiros desde as primeiras décadas do século XIX.

Portanto aos grupos étnicos que escaparam a sanha dos caucheiros peruanos

adotando a opção estratégica da fuga para áreas isoladas e inóspitas, a história

reservava uma traumática surpresa, pois estava por vir o povoamento do Acre por

populações brasileiras e com o povoamento se dará a eclosão da Questão do Acre que

trouxe a sanha não menos genocida dos seringalistas para perturbar os índios.

2.2. A QUESTÃO DO ACRE

A Questão do Acre é como ficou conhecida a disputa entre Brasil e Bolívia pelo

território que hoje constitui o Estado do Acre. Como já foi referido neste trabalho, o

Brasil não tinha – do ponto de vista da legislação internacional de que era signatário –

qualquer direito legal sobre o território que disputava, haja vista que reconhecia por

meio destes tratados, os direitos da Bolívia sobre o território em litígio. Mas o governo

do Amazonas e os comerciantes de Belém e Manaus ambicionavam a posse do

espaço, pois o sabiam rico em árvores de seringueiras.

A concretização desta ambição era facilitada pela impossibilidade da Bolívia em

povoar a região, inclusive em seus mapas, na parte em que estava situado o Acre,

havia uma inscrição que declarava: TIERRAS NO DESCUBIERTAS.

O Estado brasileiro – por meio dos governantes do Amazonas e com o incentivo

de representantes de Casas Aviadoras estabelecidas em Belém e Manaus –

desenvolvem uma campanha sistemática de estímulo e financiamento da viagem de

nordestinos fugidos das secas que castigaram aquela região, notadamente o Estado do

Ceará, desde o ano de 1877. Esses fugitivos da seca serão desviados da rota de

migração para os cafezais do Sudeste e aportarão na Amazônia no palco do litígio.

Esta migração que no discurso histórico oficial é descrito como um movimento

natural dos nordestinos em busca de melhorias em plagas distantes de onde se dava o

drama da seca é – segundo outras versões – um processo em que se incentivavam os

retirantes a mudarem a rota migratória.

A mudança ocorria portando devido a uma forte propaganda que lhes prometia o

paraíso. Cunha (ibidem páginas 74 e 75) escreve estupefato como se operava o

processo de endividamento do seringueiro desde que este deixava seu Estado de

origem.

O relato é o seguinte: ―De feito, o seringueiro, e não designamos o patrão

opulento, senão o freguês jungido à gleba das ―estradas‖, o seringueiro realiza uma

tremenda anomalia: é o homem que trabalha para escravizar-se‖.

E a seguir, de forma muito didática exemplifica como ocorre este processo de

auto-escravização, descrevendo um caso que se inicia com o aliciamento do futuro

seringueiro ainda no Ceará.

No próprio dia em que parte do Ceará, o seringueiro principia a dever: deve a

passagem de proa até ao Pará (35$000) e o dinheiro que recebeu para

preparar-se (150$000). Depois vem a importância do transporte, num gaiola

qualquer de Belém ao barracão longínquo a que se destina e que é, na média,

de 150$000. Aditem-se cerca de 800$000 para os seguintes utensílios

invariáveis: um boião de furo uma bacia, ml tigelinhas, uma machadinha de

ferro, um machado, um terçado, um rifle (carabina Winchester) e duzentas

balas, dous pratos, duas colheres, duas xícaras, duas panelas, uma cafeteira,

dous carretéis de linha e um agulheiro. Aí temos o nosso homem no barracão

senhorial, antes de seguir para a barraca no centro, que o patrão o designará.

Ainda é um brabo, isto é, ainda não aprendeu o corte da madeira e já deve

1:135$000 Segue para o posto solitário encalçado de um comboio levando-lhe

a bagagem e víveres, rigorosamente marcados, que lhe bastem para três

meses: 3 paneiros de farinha-d‘água, 1 saco de feijão , outro pequeno de sal,

20 quilos de arroz, 30 de charque, 21 de café, 30 de açúcar, 6 latas de banha, 8

libras de fumo e 20 gramas de quinino. Tudo isto lhe custa cerca de 750$000

Ainda não deu um talho de machadinha ainda é o brabo canhestro, de quem

chasqueia o manso experimentado, e já tem o compromisso de 2:090$000.

Com a consumação da ocupação do território em litígio por brasileiros, o governo

do Amazonas e os seringalistas irão defender a tese do direito pela posse. Neste

particular são interessantes os argumentos utilizados para justificar o desrespeito às

Leis internacionais.

Numa tentativa de ocupação do território, os bolivianos instalam uma aduana no

Rio Acre na localidade de Puerto Alonso onde iniciam uma reforma administrativa que

inclui mudanças no regime fiscal e policial. Para tanto contam com uma guarnição de

militares para dar proteção no cumprimento desta missão. Este fato tem o

conhecimento e o apoio do governo brasileiro, inclusive do governador do Amazonas,

que, no entanto não se conforma com a instalação da aduana boliviana num território

que considerava uma extensão do Estado amazonense, haja vista que a cobrança de

impostos por parte dos bolivianos significava a evasão de divisas que seriam creditadas

no tesouro do Amazonas.

Em pouco tempo, 111 (cento e onze) dias que os bolivianos estavam instalados

em Puerto Alonso são hostilizados e expulsos por seringalistas no dia 1.º de maio de

1899, tendo à frente deste movimento um advogado de casas aviadoras de Belém. Este

advogado, José Carvalho, escreve um opúsculo intitulado ―A primeira insurreição

acriana‖, no qual usa e abusa de um discurso que atribui seu ato a uma demonstração

de zelo patriótico dos seringueiros, logo destes que chegavam ao território na condição

de escravos, nela permanecendo pelo resto de suas vidas e ainda legavam-na esta

condição às suas futuras gerações.

O interessante neste episódio é que a insurreição de José Carvalho não recebeu

apoio oficial nem do governo do Amazonas e menos ainda das casas aviadoras,

mesmo sendo ele um representante destas.

No citado opúsculo (2003 p.17) faz um desabafo de caráter patriótico,

escrevendo o seguinte:

Ninguém, por exemplo, saberia da existência do Acre, das suas riquezas

natuares, dos seus habitantes e da monstruosa violação de nosso direito, si o

Acre não se tivesse levantado, fazendo-se conhecer e reagindo com uma

coragem e com uma constância tal, apezar de infinitos dissabores, que seu

exemplo deve ficar perpetuado como um padrão de glória nacional e como uma

consoladora esperança, sinão como robusta prova dos grandes destinos futuros

de nossa raça. (O grifo é nosso, mas a grafia está mantida como no original).

Além de financiar sucessivas subidas de seringueiros para criar um fato, o da

ocupação do território em litígio por brasileiros, o governo do Amazonas e as casas

aviadoras de Belém e Manaus, também incentivavam a incursão de mercenários para

confrontar os bolivianos. Não foi o caso de José Carvalho, como já referimos. Este até

estranha o apoio negado ao seu ato, estranhando mais ainda, não só o apoio, mas o

incentivo pecuniário dado ao mercenário espanhol dom Luis Galvez de Arias, que

chega a Puerto Alonso e, em 14 de julho do mesmo ano de 1899, quando proclama a

sua República Independente do Acre.

No que pese a empresa extrativista da seringa se diferenciar da exploração do

caucho, no sentido de que esta era uma atividade nômade, e aquela sedentária, mas

ambas prescindiam de trabalhadores escolarizados.

O próprio Carvalho que relata sua insurreição como um exemplo de patriotismo

dos seringueiros em favor do interesse maior da nação, diga-se interesse dos

seringalistas, escreve acerca da forma como se processava a exploração do

seringalista contra os seringueiros, demonstrando como isto se fazia possível devido,

sobretudo, a não escolaridade dos seringueiros.

Leiamos o relato de Carvalho (ibidem p. 43):

Só, alli, – como em todo o interior da Amazônia – quem não tem pressa porque

não tem direito é o pobre seringueiro, escravizado eterno, eternamente

sonhando o saldo, que todos annos lhe foge mysteriosamente, sem que elle o

possa explicar, porque não sabe ler a factura pelo patrão fornecida (há, como

em todas as cousas, nobres excepções) e nem ler na balança romana o

número indicador dos kilos que lhe custaram o suor20

.

No seringal somente os guarda-livros, gerentes responsáveis pela contabilidade

dos movimentos de entrega de mercadorias aos seringueiros e recebimento da

borracha produzida, sabiam ler e escrever. Os demais empregados do seringal:

seringueiros, comboieiros, zeladores de campos, caçadores, pescadores, trabalhadores

dos roçados, remadores e outros que faziam o sistema do barracão funcionar a

contento não o sabiam e, se algum seringueiro fosse escolarizado, era visto com muita

desconfiança pelos patrões.

Ao decretar o Estado Independente do Acre dentre as iniciativas de Galvez está

a publicação do decreto de n.º 10, de 20 de julho de 1889. Este decreto dispõe sobre o

regulamento geral da instrução pública. É bom que se diga que não havia instrução

pública no território, nem privada uma vez que o Acre era um local tão somente para

extração de látex. Os filhos dos patrões que podiam ser instruídos iam estudar fora da

região, geralmente no Rio de Janeiro que à época era a capital federal ou até mesmo

para países da Europa, geralmente Portugal ou França.

A leitura do decreto revela a intenção de implantar o modelo elitista de educação

vigente na época nos centros urbanos de qualquer cidade do mundo. Essa citação

procede de Barros (ibidem p.44). O decreto é por demais interessante, por isto o

citaremos em sua íntegra.

Art. 1.º – O ensino primário será ministrado nas escolas primárias e auxiliares,

isoladas em Grupos Escolares; o secundário no Ginásio Nacional, o profissional

e técnico nos Cursos Normal e Comercial, anexos ao Ginásio e ao Instituto de

Artes e Ofícios.

Art. 2.º – Qualquer dos ramos de ensino público, reger-se-á de acordo com o

seu respectivo Regulamento.

20 Os grifos são nossos. Mantivemos a grafia utilizada pelo autor no original.

Art. 3.º – É livre no Estado o ensino particular.

Qualquer pessoa brasileira ou estrangeira poderá ministrá-lo, sujeitando-se às

condições de moralidade, higiene, estatísticas definidas nas Leis do Estado.

Os diretores de internatos e de externatos terão a obrigação de:

1) franquear o estabelecimento ao Diretor da Instrução Pública todas as

vezes que ele entender de visitá-lo;

2) apresentar documento afirmativo das boas condições de higiene do

edifício passado pelas autoridades sanitárias;

3) remeter, ao Diretor-Geral, os estatutos dos seus estabelecimento;

4) apresentar no princípio do ano letivo o programa das disciplinas, uma

relação dos livros adotados e um quadro do pessoal docente;

5) apresentar trimestralmente ou quando for solicitado pela autoridade

competente, mapas das matérias em que se acham discriminados os nomes,

naturalidade, filiação, idade e classe dos alunos.

Como se pode constatar pela leitura do decreto, não há alusão ao público

destinatário da ação educativa que a República de Galvez pretendia implantar, como no

caso da decretação do Estado do Grão-Pará em que se regulamentou, via Diretório dos

Índios como deveria se organizar as escolas destinadas aos indígenas.

Mas no caso da República de Galvez um detalhamento daquela natureza era

dispensável, porque era tão somente um ato de efeito discursivo, pois como vimos

mostrando neste trabalho, a atividade extrativista prescindia de instrução escolar.

Para que se tenha uma idéia do quão era dispensável saber ler e escrever no

contexto do seringal, Cunha (2007, p.1), diz que se atribui o nome Acre com esta grafia,

como tendo sido o resultado da escrita corrompida da palavra de origem indígena

uwakürü, que pertence ao vocabulário da língua Apurinã, e que foi distorcida

pelo seringalista João Gabriel que não entendeu sua pronúncia pelos nativos

falantes daquela língua, e nem acertou a grafia de sua escrita ao fazer

encomendas de mercadorias para seu patrão, o visconde de Santo Elias, um

português abastado dono de uma das maiores Casas Aviadoras da Praça de

Belém que abastecia de gêneros vários seringais do interior amazônico além

de exportar para o exterior a borracha que seus fregueses seringalistas lhes

enviavam desses seringais.

Diz a lenda que até chegar à escrita atual do nome Acre, a palavra uwakürü foi

grafada de outras formas, como: uakiri, depois aquiri, aqri até que finalmente os

empregados de Santo Elias acharam mais conforme escrevê-la como a conhecemos,

ficando assim consagrado o nome do território que era à época um verdadeiro

Eldorado, pois era pródigo na produção da borracha, considerada como o ouro negro, o

produto de exportação de maior valor da balança comercial brasileira no período de

1891 a 1913.

O historiador Leandro Tocantins refuta esta tese, diz que ela de fato está no

âmbito das lendas, pois segundo suas pesquisas o nome Acre já era conhecido e

escrito desta forma antes que João Gabriel se estabelecesse na região e fosse aviado

pelo Visconde do Santo Elias. Todavia fica registrado como fato que demonstra que

não era preciso ser letrado para ser um barão da borracha, e menos ainda para ser

seringueiro, ou outro trabalhador, com exceção do guarda-livros, profissão que nenhum

indígena conseguiu exercer.

A Questão do Acre só se resolve com a auto-proclamada Revolução Acriana,

movimento incentivado pelos patrões já estabelecidos no Acre com o patrocínio de

casas aviadoras de Manaus e Belém e do governo do Amazonas.

O motim vitorioso contra os bolivianos contou com o concurso da experiência

militar de outro mercenário, desta feita o agrimensor gaúcho José Plácido de Castro,

que inicia por Xapuri seu movimento, depondo o chefe de uma guarnição militar

boliviana no dia 6 de agosto de 1902. Por aquela ocasião os bolivianos faziam nova

tentativa de marcarem seu domínio sobre o território que de direito lhes pertencia e,

haviam conseguido estabelecer guarnições militares em vários pontos ao longo do

curso do rio Acre.

Mas esta empresa demandava um esforço hercúleo que o pequeno, pobre e

pouco povoado país andino cumpria a muito duras penas, conforme se pode

testemunhar por meio do conteúdo desta carta, transcrita de Meira, 2003 p.127/128. É

um desabafo ao presidente boliviano, general José M. Pando, escrita pelo delegado

nacional da Bolívia do território do Acre e Alto Purus, Lino Roberto, sitiado no posto

militar de Puerto Alonso, em 25 de outubro de 1902 à espera da última batalha contra

Plácido de Castro e seu exército de seringueiros.

Sr. José M. Pando. La Paz.

Mi querido General: Nos encontramos em plena lucha, y talvez antes de dos

dias seremos atacados em este puerto. La pequeña coluna que vino a cargo del

Coronel Rojas, foe destruida en Vuelta de Empreza, después de Haber luchado

heroicamente once días. Eses valientes merecen los más justos aplausos e

honores, porque han sabido cumplir su deber como héroes. Los que aun

quedamos en el Acre, estamos dispuestos a ofrecer iguales sacrificios a esa

divinidad simbólica que se llama la Patria: y nos es deber en estos momentos

hablar con entera sinceridad, sin que nuestras opiniones sean tachadas como

una muestra de cobardía: queremos evitar nuevos e estériles sacrificios a

nuestro desgraciado país. El Acre nominalmente es de Bolivia; pero

materialmente es del Brazil, todo contribuye à eles; inmensas distancias y

obstáculos que lo separan del resto del país, la población dentro del mismo, la

población extraña que lo puebla, la falta de vías de comunicación dentro del

mismo territorio y finalmente la imposible adaptación de nuestra raza à este

clima mortífero. Los bolivianos en esta región nos sentimos tan extraños, como

nos sentiríamos en las mas apartadas colonias del Asia, además nos son aquí

adversos la naturaleza y los hombres. ! Cada una de nuestras campañas

representa el sacrificio de más de una centena de víctimas! ¿Que vantagens

reporta Bolivia en cambio de todo esto? Ninguna: las ingentes erogaciones de

nuestro Tesoro Nacional y el gasto de energías y fuerzas sociales, son estériles

y lo serán en el futuro, si nos fuese dable conservar este territorio por mucho

tiempo. Pueblos poderosos no han podido manejar bajo sus dominios a seres

de otra raza y otros costumbres, y nosotros que somos un pueblo débil y

embrionario, no podemos contrariar una ley histórica comprobada a cada paso,

y mucho más si se tiene en cuenta que son catorce millones de almas que

tenemos, al frente de nosotros, y las cuales por medios directos o indirectos

procuran expulsarnos de este territorio regado con sangre y cubierto de luto.

Os seringalistas apoiados pelas casas aviadoras e pelo governo do Amazonas

contratam os serviços de Plácido de Castro para desbancar os bolivianos do território

do Acre, pois tinham consciência desta situação que o comandante Lino Roberto

relatava a seu presidente a partir do front de batalha. Sabiam que os brasileiros

estavam em vantagem técnica, numérica e psicológica. As hostilidades foram

desencadeadas porque estes senhores brasileiros poderosos, os coronéis de barranco

e seus aliados de fora do Acre, souberam que o governo boliviano pretendia arrendar a

área em litígio para uma corporação internacional, o Bolivian Syndicate of New York.

O discurso que justificou a reação brasileira baseava-se na refutação desse

arrendamento, pois segundo o governo do Amazonas e os seringalistas já instalados no

Acre, a concretização de tal acordo significaria a internacionalização da região.

Este argumento não tinha consistência, pois era fato notório que a região já se

encontrava internacionalizada, uma vez que as atividades da extração da borracha só

se fazia possível dado ao interesse comercial do capital financeiro inglês que estava,

como já nos referimos, no topo da exploração gumífera na Amazônia.

Muito interessante sobre este tema é a abordagem de Coelho (1982, p. 23),

sobre o ciclo da borracha entre os anos de 1908 e 1945. Segundo esta autora

Não seria despropositado, portanto, considerar esse período21

um ―Período de

Consolidação do Capital Estrangeiro‖, onde o capital bancário se funde ao

industrial. Como conseqüência, o poder do grande capital e de sua política

imperialista se consolida dentro da economia da borracha no Brasil.

O certo é que mesmo com o absurdo da alegação que justificou a afronta e a

tomada daquela porção territorial que os bolivianos ingenuamente identificavam em

seus mapas como TIERRAS NO DESCUBIERTAS, o conflito só terminou após a vitória

brasileira e a conseqüente anexação ao território nacional no ano de 1903.

O fim das batalhas que desbancaram os bolivianos do território acreano e o

anexaram ao Brasil não trouxe mudanças na relação com os índios. Há um relato em

Loureiro (ibidem, p. 55/56), escrito pela Comissão Examinadora designada pelo

governador Silvério Nery em 1902 para apurar os conflitos em Sena Madureira entre os

coronéis de barranco em disputa pela extensão de seus domínios, que apurou o

seguinte:

Cerca de trinta e tantos celerados, fregueses e aviados do seringal Nova linda,

dirigiram-se à maloca desses desgraçados indígenas e depois de devastarem,

21 O período a que ela está se referindo é o período do final do século XIX e início do XX.

durante um dia inteiro, um extenso milharal por eles plantados, caíram de

sorpresa sobre a referida maloca e assassinaram barbaramente a tiros de rifle,

a vinte e cinco indefesos ―Catianas‖, apossando-se das mulheres, para o pasto

de suas concupiscência, e das crianças para escravos.

Em seguida, não satisfeitos de tanto sangue derramado, vieram matando e

roubando os que já serviam nas barrancas, com os civilizados.

Conclui-se por este relato que a perseguição e assassinato de índios não

ocorriam somente com os que se encontrassem arredios e que resistiam à invasão de

seus territórios. O fato de estarem em colaboração com os seringalistas não

representava garantia para a manutenção de suas vidas. E os índios Catianas – que,

diga-se de passagem, foram extintos enquanto etnia – eram tidos como ―mansos,

prestáveis e em via de civilização‖ idem Loureiro.

Mas enquanto os seringalistas exterminavam etnias indígenas, da parte do

governo do Brasil se preparava um encaminhamento jurídico para que a nova porção

territorial anexada à federação brasileira se tornasse uma unidade autônoma e não um

apêndice do território do Estado do Amazonas, como era do interesse de seus

governantes. Foi este objetivo que alimentou por mais de seis décadas o interesse

desses governantes que financiaram a fixação de populações nordestinas e a incursão

de mercenários para afrontar os bolivianos sempre que estes manifestavam interesse

em tomarem posse da região.

Com a assinatura do Tratado de Petrópolis, o Acre foi anexado ao Brasil como

Território Federal e pelo Decreto n.º 5.188, de 7 de abril de 1904 dividido em três

departamentos autônomos: Alto Juruá, Alto Acre e Alto Purus administrados por

militares escolhidos pelo governo federal, os primeiros prefeitos departamentais foram,

respectivamente o general Taumaturgo de Azevedo, o coronel Rafael Augusto da

Cunha Matos e o também general José Siqueira de Menezes (LOUREIRO, 1981, p. 67).

Segundo Barros (1993, p.67),

os Prefeitos dos Departamentos tinham as mais variadas tarefas naquelas

incipientes sociedades acreanas /.../ que iam desde a instrução, saúde pública,

policiamento, justiça, defesa da área, navegação, catequese dos índios (O grifo

é nosso).

Sobre a educação naquele contexto, seus objetivos e a eficácia, é muito

interessante o discurso do jornalista Craveiro Costa, secretário geral e inspetor de

ensino da prefeitura departamental do Alto Juruá, numa solenidade que contava com a

participação de professores, estudantes e pais. Leiamos abaixo o relato que também se

encontra em Barros (ibidem p. 1):

Para onde irão amanhã estas crianças quando saírem das escolas prefeiturais?

Sem profissão, como assegurar o palmilhar com firmeza a estrada que as

espera? Não poderão ser homens verdadeiramente úteis à nação. Umas

aspirarão o viver vegetativo das repartições, outras se perderão consumidas por

vícios, vencidas nas lutas da existência. De pouco lhes valerá o saber ler e

escrever.

Ora, se para uma população que estava se estabelecendo num centro urbano, o

inspetor de ensino questionava a validade da educação escolar, que dizer de uma

educação escolar devotada às etnias indígenas naquele momento?

É bem verdade que noutros contextos brasileiros de contato entre índios e

europeus, abordados no capítulo anterior desta dissertação, a escola cumpria um papel

estratégico na ação missionária e foi largamente utilizada com fins de conversão

evangélica e transição cultural. Mas ali, ainda que a função de catequizar os índios

fosse uma atribuição da prefeitura, deixava-se esta tarefa por conta de cada patrão e

estes, como já vimos referindo neste trabalho, não tinham interesse em usar a instrução

escolar como estratégia catequética, pois a atividade de extrativismo do látex prescindia

de instrução escolar.

As notícias que se têm sobre missões religiosas ao estilo que se praticou noutras

paragens brasileiras, é que elas não chegaram nesta parte Ocidental da Amazônia,

salvo exceções, mas ficaram restritas a regiões muito distante do território do Acre, na

parte de cima no rio Madre-de-Diós em território peruano e, abaixo, no rio Solimões,

nas cercanias de Manaus. Estas missões foram implantadas sob responsabilidade de

padres franciscanos, no caso do Peru entre os índios Ashaninka e, no caso do rio

Solimões, entre os Omagua e Cambeba, pelos padres carmelitas

No caso do Acre, enfatizamos ainda, a escola não se apresentava como um

instrumento significativo na estratégia de contato, uma vez que os patrões seringalistas

utilizando-se da força bruta conseguiam, segundo Aquino e Iglesias in Cunha (2002,

p.149), submeter os índios a várias atividades demandadas na rotina do extrativismo da

borracha, como

abertura e zelo das estradas de seringa, no cultivo de roçados e canaviais de

seus patrões, na limpeza de campos de pastagens para gado, no transporte de

borracha e mercadorias, na retirada de madeira de lei, no comércio de peles de

animais silvestres e na realização de caçadas e pescarias para o abastecimento

dos barracões de seus patrões.

No Acre somente no ano de 1914 é que se têm notícias de implantação de uma

escola destinada a indígenas, foi junto à etnia Puyanawa em Cruzeiro do Sul, mas fazia

parte de uma estratégia pontual que tinha por finalidade elevar o número de eleitores

para eleger o coronel Mâncio Lima, um poderoso patrão seringalista, prefeito

departamental do Alto Juruá. (ACRE. Secretaria de Estado de Educação. Projeto

Político Pedagógico Puyanawa. ...).

Mas em que a educação escolar poderia de fato interessar aos indígenas? Eles

não têm sistemas educativos próprios?

Segundo o antropólogo espanhol Bartomeu Meliá (1979, p.10), estudioso da

questão indígena e profundo conhecedor dos Guarani, os índios guardaram um rico

conhecimento herdado de seus ancestrais – apesar de toda a violência do contato para

que eles conjurassem esse conhecimento – porque mantiveram um modelo de

educação que se apresenta como um processo total, quer dizer ―a cultura indígena é

ensinada e aprendida em termos de socialização integrante‖. Bartomeu escreve ainda

que este sistema de educação pelo fato de não contar com profissionais

especializados, como é o caso da educação ocidental, não quer dizer que ela é

desenvolvida por uma coletividade abstrata, que os índios têm seus momentos e

instrumentos próprios de aprendizagem.

Ocorre que a partir do século XX, com uma nova visão sobre a educação, e,

sobretudo devido à idéia de universalização da educação escolar, e com o plano

governamental de integração dos espaços brasileiros considerados desertos, passam-

se, no caso dos indígenas, a pensar a educação escolar com objetivos da ―integração

do índio à comunhão nacional‖, glosa amplamente utilizada pelo indigenismo positivista

inaugurado com a entrada em cena do marechal Rondon, militar responsável pela

criação da agência estatal de indigenismo, Serviço de Proteção ao Índio – SPI em 1910

e que foi substituída pela Fundação Nacional do Índio – FUNAI em 1967.

Todavia, do ponto de vista dos indígenas que foram obrigados a trabalhar como

seringueiros, sobretudo a partir da década de 1960, quando a economia com base no

extrativismo da borracha está no ápice do declínio, alguns viam na educação escolar a

possibilidade de libertação pela ascensão à condição de gerente de seringal ou outras

profissões que eles percebiam como detentoras de status. O interessante é que

naquele momento a implantação da escola nos seringais se constituía em estratégia do

poder oficial visando à distribuição de empregos públicos para o círculo familiar dos

patrões ou de seus prepostos. O magistério naquele momento era uma tarefa confiada

às esposas, filhas ou outro parente do círculo familiar dos seringalistas. Era o

cumprimento daquilo que Craveiro Costa falara em 1905 ―uns aspirarão o viver

vegetativo das repartições‖.

Isto ocorria porque o mercado do látex brasileiro em ruína não apresentava mais

nem a expressão econômica e o brilho que teve até o início do século XX nem no

pequeno hiato entre 1938 a 1945, durante a II Guerra Mundial, momento em que os

seringais asiáticos foram tomados pelo Japão – o terceiro país que formava com

Alemanha e Itália o Eixo – e os aliados ficaram sem a borracha, que era considerada

matéria-prima estratégica para o chamado esforço de guerra.

Desta forma os seringalistas que detinham força política em razão de manterem

os seringueiros em currais eleitorais recebiam, dentre outros, estes tipos de benesses,

o que reforçava ainda mais o poder que eles detinham.

Alguns seringueiros – índios e não-índios – sobretudo aqueles que se

encontravam mais próximos do barracão22, alimentavam a vã esperança que poderiam

ascender a posições sociais mais vantajosas e sonhavam com a possibilidade de saída

22 Barracão era a sede da empresa seringalista. Ali se situava a residência do seringalista, os armazéns de mercadorias, o escritório da contabilidade, o campo

de repouso dos animais de carga, a residências dos agregados, os roçados e campos de criação de animais domésticos destinados à subsistência do patrão e de

seus agregados. Guardava estreitas semelhanças com a casa grande dos engenhos nordestinos.

daquele estado de escravismo por intermédio de um filho que estudasse e se tornasse

patrão, ou gerente do seringal, padre ou médico. Os casos de alguns poucos que

alcançavam estes estágios, aqueles da exceção para confirmarem a regra,

alimentavam o imaginário de outros seringueiros, poucos é verdade.

Acerca desta aspiração o antropólogo Gilberto Velho apud Verani (1994, p.102),

faz a seguinte consideração:

o afastamento, o rompimento com um mundo que se torna ―opressivo e

indesejável‖ é uma das alternativas para os indivíduos que não conseguem

alcançar sucesso ou satisfação dentro de um campo de possibilidades histórica

e socialmente delimitado‖.

Leiamos um exemplo de tentativa de afastamento do mundo opressivo do

seringal, nas declarações de um índio Huni Kuĩ23, senhor Reginaldo pai de um professor

da Terra Indígena Praia do Carapanã, extraídas do documentário Manã Bai, da série

Cineastas Indígenas, do cineasta Zezinho Yube, sobre a vida deste professor, aliás,

seu próprio pai Joaquim Maná. Perguntando a seu avô porque ele quis que seu pai

estudasse eis a resposta:

O seu pai também não falava na língua. Ele brincava com os filhos do branco.

Os amigos dele era Vânia, Irineu e uma outra menina, filhos do patrão Chico

Isaias. Eles iam juntos para a escola. / .../ Eu queria ver a capacidade dele virar

patrão. Patrão, padre ou doutor (médico). Ou alguma coisa no futuro dele. Por

isto eu queria que ele estudasse. Ele virou professor. Eu errei no chute. Pensei

que ele seria doutor (médico) ou padre ou teria outros conhecimentos. Em todo

canto as pessoas já sabiam ler e escrever, mas onde eu trabalhava ninguém

sabia. Eu queria que ele fosse gerente ou contador do patrão. Queria ver ele

ganhando o seu dinheiro.

23 Por ocasião da 1ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada no Rio de Janeiro, em 1953, adotou-se uma convenção para uniformizar a maneira de escrever

os nomes das sociedades indígenas nos textos em língua portuguesa. Esta convenção dispõe que os nomes tribais devem ser escritos com inicial maiúscula,

sendo facultativo o uso dela quando tomados como adjetivos, mas, mesmo que usados como substantivos ou como adjetivos, não terão flexão de gênero ou de

número, a não ser que os nomes sejam de origem portuguesa ou morficamente aportuguesados.

Portanto fica claramente expresso nas declarações do senhor Reginaldo

Kaxinawa que a educação já era, pelo menos 30 anos antes da implantação da escola

EEIID e B, uma fonte de subjetividade no sentido que se enxergava nela uma

possibilidade de saída e superação de um mundo opressivo. No entanto, dada a

conjuntura daquele momento, não se pensava na possibilidade de ascensão social via

ingresso no magistério. Aliás, Aquino, (ibdem, p. 3), diz que ao visitar os Katukina em

1975, ―Havia uma escola ao lado da ―rua dos caboclos‖ e o professor do Mobral posto à

disposição pela Prefeitura local, ensinava a esse grupo Katukina a ―desenhar o nome‖.

No mesmo relato, Aquino (ibdem, p. 4) escreve que ―Os Katukina tinham o Prefeito em

grande estima, pois, diziam eles, lhes havia visitado em Morada Nova e prometido

professor para ensinar as crianças e adultos do grupo‖.

Analisaremos no terceiro capítulo como vai se operar um movimento pelo qual a

escola, ao inaugurar-se a categoria EEIID e B, irá tornar-se mais nitidamente um

elemento de subjetividade, e o ingresso de indígenas no magistério passa a ser um

forte elemento motivador da expansão e introdução de escolas em todas as Terras

Indígenas - TI‘s do Acre.

Não há controvérsias quanto ao fato de que as populações indígenas presentes

na América não são autóctones. Para Marconi e Presotto (2006, p. 214/5), a teoria mais

aceita é a do pesquisador francês Paul Rivet, segundo a qual as populações

americanas pré-colombianas chegaram ao continente em levas migratórias sucessivas

por três vias de acesso:

a) o estreito de Behring (grupos asiáticos);

b) a Antártida e a Terra do Fogo (grupos australianos);

c) o Oceano Pacífico (grupos polinésios).

Assim como há controvérsias no fato de que essas populações não são

autóctones, é pacífico que a cultura por elas desenvolvida o é, pois esta cultura é o

resultado de uma ocupação que tem em torno de 40 mil anos.

No caso brasileiro, e particularmente amazônico, estudos arqueológicos e

paleontológicos revelam, como nos referimos acima, uma estimativa da presença

humana na região desde cerca de 10.000 anos, tendo o processo de povoamento se

iniciado pelo Peru Central por hordas que estavam no estágio cultural de caçadores.

Para as necessidades de manejo do ambiente em que vivem, os indígenas por

meio de seus sistemas de educação e pesquisa desenvolveram sofisticados modelos

de classificação que dá conta da fauna, flora, solos e dos recursos hídricos. O mesmo

ocorre no que diz respeito aos modos de organização político social e as explicações

cosmológicas.

Os remanescentes que sobreviveram a toda esta sorte de agressões que aqui

estamos analisando, mesmo depois de terem sido obrigados a um convívio por quase

oito décadas agregados ao sistema de aviamento do seringal, ainda são capazes de

inventariar com muita precisão milhares de espécies de plantas e animais,

descrevendo-lhes propriedades e as várias aplicações que estas podem ter, numa

demonstração impressionante de um longo e laborioso trabalho de pesquisa para

obtenção destes conhecimentos.

Utilizam um sistema classificatório que parte da ordenação dos seres. Este

sistema, segundo Lévi-Stauss (1989, p. 25), é a base de todo pensamento, ―pois é sob

o ângulo das propriedades comuns que chegamos mais facilmente às formas de

pensamento que nos parecem muito estranho‖.

A professora Berta Ribeiro já citada e que pesquisa o saber etnobotânico dos

índios brasileiros em Silva et all (1995, p. 205) diz que por seus conhecimentos ―os

índios também contribuíram para a adoção de plantas estimulantes, que se espalharam

pela terra e fizeram a fortuna da indústria dos países do primeiro mundo‖. Ela cita como

exemplo a erva-mate, o tabaco e o guaraná.

Reportando-nos aos índios do Acre segundo Aquino (in: CUNHA, ibidem, p.

431/432), os Kaxinawa estabelecem conhecimento sobre um variado número de

espécies de animais pequenos – Yuinaka ewa pama mishtin, ordenando-os como:

―daniwã (embiara de cabelo) e dividindo estes daniwã, em embiara de cabelo que anda

no chão.

Depois classificam as embiaras de pena como pëia e a subdividem em pëia

ewapabu, quer dizer embiaras graúdas de penas e pëia mishtin, embiaras miúdas de

pena. Por esta classificação eles identificam mais de 50 (cinqüenta) animais pequenos.

Do mesmo modo os Ashaninka, para ficar nos exemplos de duas etnias, uma da

família lingüística Pano e outra Arawak, também têm um sofisticado sistema

classificatório que, para efeito ilustrativo damos o exemplo a seguir.

Esta etnia divide os animais em Witsintsi: animais de cabelo; Shiwãkitsinkari:

animais de pena; Meshinatsinkari: animais de pele e Hinyawere: os animais da água.

Sobre o grau de detalhismo que esta categorização resulta, escreveremos a

seguir a subdivisão dos Witsintsi: animais de cabelo.

Kashekari, reunindo a família dos gatos (mathõtori) e das onças (kashekari); a

categoria otsitsiniro, reúne as famílias das iraras (waatsi), que se subdividem em duas

espécies que são relacionadas pelo tipo de dieta; em seguida vêm os quatis (kapeshi),

as raposas (otsitsiniro) e por último os cachorros do mato (otsitsi); para os macacos a

classificação se subdivide em duas categorias, as thowero e tsiyereriki.

Este critério classificatório permite aos Ashaninka um cabedal de conhecimentos

que cobre todos os animais de cabelo existentes na floresta. E não se trata de

conhecimento somente no sentido de nomeá-los, mas de nomeá-los e descrever seus

hábitos, sistema reprodutivo, a utilização que deles se fazem na culinária, na

terapêutica, para extração de peles para confecção de adornos e utensílios utilizados

na vida diária, a participação do animal no mundo mágico/ritual do grupo etc.

2.3. NÃO HÁ ÍNDIOS NO ACRE

Se fora possível a Tavares Bastos lançar em 1866 a assertiva na qual dizia que

na Amazônia, nas vizinhanças do Pará, por não ser ocupado por civilizados, era tudo

deserto, embora fosse densamente povoada por mais de uma centena de etnias

indígenas, somando uma população estimada em 60.000 (sessenta mil) indivíduos

onde atualmente se constituiu o Estado do Acre, em 1975 o então governador do

Estado professor Geraldo Mesquita escreve ao presidente da Fundação Nacional do

Índio – FUNAI pedindo proteção para os indos, um levantamento das etnias e da

população, pois ao contrário do governador, que era uma nota dissonante no concerto

da ditadura, as demais autoridades do Estado e os representantes dos grupos

econômicos que mandavam no Acre, negavam a existência de indígenas no Estado.

Além de pedir estas providências em favor dos índios o referido governador foi ainda

mais longe e denunciou que as terras acreanas estavam sendo vendidas para grupos

do centro-sul do país e pedia que se demarcasse um território para os índios Katukina e

Kaxinawa que viviam no município de Feijó, próximo à sede municipal.

Trabalhos de pesquisadores como os de Calixto et all, já citados, comprovavam

que naquele momento existiam nove etnias24 que sobreviveram ao contato com os

seringalistas, vivendo em quatro municípios, num momento em que o Estado tinha uma

divisão política em oito, vivendo em diferentes estágios culturais. Para a maioria dos

governantes e dos detentores do poder econômico da época, o que havia, como se

referia o senso comum formado nas escolas do preconceito, era ―uns caboclos25 que

cortavam umas gírias, mas índios mesmos não havia mais. Esta era a versão oficial

corrente.

Estes poderosos falavam a partir de uma posição na qual se legitima um

discurso que atribui a um terceiro a determinação da identidade do outro. O que é

irônico, quando é o índio a quem se tem que atribuir a identidade, é que este modelo

identitário com base no multiculturalismo26 não leva em conta que desde o momento em

que o primeiro padre jesuíta pisou em solo deste Novo Mundo, tudo foi feito para

apagar os vestígios da ―cultura‖ que se exigia que os remanescentes indígenas exibam

24 Yaminawa, Manxineri, Kaxinawa/Huni Kuĩ, Kulina/Madija, Katukina, Kampa/Ashaninka, Puyanawa, Nukini, Arara.

25 Do ponto de vista semântico esta palavra, segundo Sampaio 1995, pode designar o habitante do mato de um modo geral, se

se considerar seu étimo como

cá‘aguy (bosque) e oikova (habitante). Mas segundo este mesmo autor pode também deslizar para outra significação se tomarmos como étimo ca‘a (mato) e b

(elemento de ligação), mais óc (arrancar). Aí caboclo designaria a gente arrancada do mato. Do ponto de vista histórico era o índio dos descimentos missionários.

Mas Cunha 1998 escreve que o étimo da palavra pode admitir também a forma kari‘uoka > cariboca, significando o morador da casa do branco: kara‘iua (o

homem branco) + oka (casa). Na verdade é por este étimo que a palavra é utilizada para designar o gentil que se acostumou ao convívio do civilizado, portanto

desprovido de direitos territoriais e tido em oposição ao que permanece na selva.

26 Estamos nos referindo a multiculturalismo como ponto de vista que atribui um tratamento diferencial para efeito da construção e formação da identidade de um

coletivo humano. Este ponto de vista pode ter um efeito deformador na maneira de se encarar as diferenças, provocando confusão na visão sobre este coletivo ou

do coletivo consigo mesmo, como ocorre com os índios brasileiros, cujo reconhecimento das diferenças se baseia em categorias que são construídas de fora, por

quem está no poder, no caso pelo Estado e um conjunto de instituições da sociedade, que exige, para efeito de validade da identidade indígena, a exteriorização

de traços que em muitos casos não fazem mais sentido para esses coletivos. Este essencialismo cultural é

que é negativo porque condiciona a identidade

indígena a estes traços exteriores. Esta exigência multiculturalista é inclusive incompatível com a natureza inter-relacional das culturas, uma vez que não existe

cultura isolada, que não receba e que não exerça influência sobre outras culturas.

para serem reconhecidos como tais e possam usufruir direitos, sobretudo direitos

territoriais.

Leiamos relato do padre João Daniel (apud FREIRE, 2004, p. 113), sobre os

métodos praticados pela igreja na região do Estado do Grão-Pará para apagar as

línguas indígenas. No exemplo específico trata-se de uma índia nheengaíba da ilha do

Marajó, cujos maridos proibiam-nas o uso de língua que não fosse a materna.

Como porém as confissões das tapuias por intérprete trazem consigo muitos

inconvenientes, tem-se empenhado muitos missionários a desterrar este abuso,

já com práticas, e já com castigos: e posto que já vai em muita diminuição,

contudo ainda há algumas, que nem a pau querem largar este abuso, tanto que

já houve algumas às quaes o seu missionário mandou dar palmatoadas até elas

dizerem basta ao menos pela língua geral.

No caso do Acre, de contato mais recente entre índios e brasileiros, há uma

profusão de relatos dos índios da geração acima dos 50 (cinqüenta) anos de idade em

que se descreve como eles eram proibidos de falarem na língua indígena. O próprio

senhor Reginaldo pai do professor Joaquim Maná diz que eles falavam escondidos ou

quando se encontravam sozinhos, mas assim que pressentiam a presença de nawá27

falavam somente em português.

Havia também casos em que os patrões não despachavam as mercadorias

essenciais ao trabalho de extrativismo se caso os pedidos não fossem feitos em

português. Os índios com pouca ou nenhuma proficiência em português sofriam muitas

privações, pois mesmo sem ter as mercadorias essenciais para a extração de látex,

eram obrigados a prestarem contas ao final do mês e apresentarem sempre uma

produção X exigida pelo patrão, sob o risco de, em não o fazendo, serem expulsos do

seringal com a pecha de vadios e preguiçosos.

Mas a estratégia não consistia apenas na indução à perda lingüística, era

também extensiva à perda de qualquer outro traço da cultura dos ancestrais. O

professor Mana relata que quando os índios iam visitar os parentes e realizar suas

27

Nawá

com variação para dawa, nas línguas indígenas da família Pano designa o outro, o estrangeiro, podendo este outro ser um agente humano ou uma

entidade sobre-humano.

festas tradicionais, os patrões diziam que eles eram preguiçosos e os expulsavam dos

seringais para colocar seringueiros nawá.

Este contexto de estímulo à perda cultural e até mesmo as práticas mais

sistemáticas do etnocídio explícito, fizeram parte da estratégia do contato em todo o

território brasileiro em todos os momentos desta história. E, não obstante toda a

documentação que comprova esta prática etnocida até o presente, mesmo com as

mudanças sugeridas a partir da Constituição de 1988, na relação dos índios com a

sociedade e o Estado brasileiros, ainda se utiliza a métrica do multiculturalismo para

reconhecer direitos aos índios.

Foi para provar que havia índios no Acre que o então governador Geraldo

Mesquita solicitou um representante da FUNAI no Estado. Seu desejo era ter um

diagnóstico, que seria utilizado como selo para comprovar a existência de índios, pois

era voz corrente, segundo seringalistas remanescentes, seus prepostos e as

autoridades oficiais representantes do Estado, que no Acre só havia caboclos e que

estes não eram portadores de quaisquer direitos.

É bastante significativa a observação do antropólogo Roberto Cardoso de

Oliveira sobre o adjetivo caboclo atribuído aos índios Tükúna do alto Solimões em

contato prolongado com as populações não-índias. Percebe-se que de fato a atribuição

deste adjetivo além de depreciar as condições étnicas dos indígenas se presta para

justificar a expropriação territorial dessas populações. Ela expressa uma situação limite

em que os grupos nestas condições são portadores de uma identidade cindida.

O texto de Oliveira (1996, p.117), diz que o caboclo é um ser

transfigurado pelo branco /.../ porquanto se constitui para o branco numa

população indígena pacífica, ―desmoralizada‖ atada às formas de trabalho

impostas pela civilização, e extremamente dependente do comércio regional.

Em suma, é o índio integrado (a seu modo) na periferia da sociedade nacional,

oposto ao índio ―selvagem‖... ―

Mas os índios colocados nestas condições vivem um dilema, pois têm sua

consciência divida em duas, prossegue Oliveira: ―uma voltada para os seus ancestrais,

outra para, os poderosos homens brancos, homens que os circundam‖. Logo se

percebe que há uma luta dos índios para saírem dessa posição cindida e recuperar

uma identidade que tenha referências no repertório cultural de seus ancestrais.

Os poderosos brancos, no dizer de Oliveira, sabem desta reação dos índios, por

isto insistem no discurso que atribui o adjetivo caboclo como identidade negativa e

irreversível. Por isto a insistência, tanto dos representantes do Estado quanto dos

seringalistas, no discurso de que os caboclos não têm direitos e se constituíam em

óbices ao desenvolvimento regional, no caso os indígenas dificultavam a implantação

do projeto de pecuarização que o poder público federal e estadual tinha para a região

do Sul amazônico.

Os seringalistas estavam ansiosos em vender os seringais para os pecuaristas

que chegavam ao Estado em profusão, atraídos pela propaganda oficial e pelos fartos

subsídios oficiais fornecidos pelos bancos de fomento: Banco da Amazônia – BASA,

Banco do Estado do Acre – BANACRE e o Banco do Brasil – BB.

Hoje é possível se confirmar o que já se sabia no momento em que se implantou

o plano para a venda dos seringais: a maioria deles não era legalmente de propriedade

dos seringalistas, mas como detinham força política foi possível vendê-los causando

mais transtornos aos remanescentes indígenas e aos seringueiros, sendo que se

instalaram na região havia pelo menos oito décadas.

Ao se realizarem as investigações para o estabelecimento da cadeia dominial

das terras do Acre, se constata que a presença mais longa e constante é a dos

indígenas, que os seringalistas, como vimos expondo neste trabalho são de ocupação

recente, resultando com isto que a maior parte do território é constituída por terras

devolutas, isto é, terras pertencentes ao Estado, sobretudo a União Federal.

A partir da solicitação do governador Mesquita a FUNAI designou para a missão

no Acre o experiente indigenista José Porfírio de Carvalho, e o diagnóstico contrariou o

que esperava a maioria das autoridades e os seringalistas do Acre: no Estado, de fato,

sobreviveram etnias indígenas e mesmo com todo o tipo de discriminação e imposições

impeditivas para que estes não manifestassem sua cultura autóctone, eles mantinham

elementos muito significativos desta cultura, como constatou surpreso o antropólogo

Aquino ao realizar sua pesquisa para o mestrado em antropologia social na

Universidade de Brasília – UNB, no ano de 1975;

Nesse sentido, Sueiro foi o único informante Kaxinawa que fazia comentários

sobre esta vida que todos pareciam negar, num esforço supremo de se

identificarem com os mesmos hábitos e costumes dos seringueiros regionais.

Através de nossas longas conversas pudemos perceber que ainda existe entre

eles um par de metades, com designações diferentes para cada sexo: a metade

A onde os homens são classificados de ―dua‖ e as mulheres ―banu‖; e a metade

B em que os homens são denominados ―inu‖ e as mulheres ―inani‖. Sueiro

chamava a metade A de ―duabakebú‖ e a B de ―inubakebú‖, privilegiando assim

a parte masculina dos membros. (AQUINO, ibidem, p. 16)

Com a instalação da FUNAI no Estado e o vínculo que Aquino estabelece com

os Huni Kuĩ/Kaxinawa tem início um movimento indigenista e indígena no Acre, que

ocorre em paralelo ao movimento sindical de trabalhadores rurais já em curso

mobilizando, sobretudo os seringueiros não-índios. Este movimento é estimulado pela

Igreja Católica, via Comunidades Eclesiais de Base – CEB‘s e pela recém instalada

delegacia regional da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura –

CONTAG. Acerca do movimento desta época consulte a obra Trajetórias da Luta

Camponesa na Amazônia-acreana, organizada por Paula e Silva.

O movimento indígena é desenvolvido e estimulado por duas vertentes do

indigenismo: uma eclesial, tendo à frente a igreja católica e a IECLB, também sob

influência do movimento das CEB‘s, junto às etnias Kulina/Madija dos rios Envira e

Purus, Kaxinawa e Shanenawa também do Envira e Purus, Katukina e Arara de

Cruzeiro do Sul e Porto Walter e Jamamadi de Boca do Acre no Amazonas. Os

trabalhos indigenistas da igreja são desenvolvidos por missionários da Operação

Anchieta – OPAN, atualmente Operação Amazônia Nativa, e do CIMI.

A outra vertente do indigenismo acreano é capitaneada pelo antropólogo Aquino,

com um trabalho inicialmente de base no interior dos seringais, visando o

reconhecimento e reconquista territorial junto aos Kaxinawa do rio Jordão. Este trabalho

terá como resultado a fundação da Comissão Pró-Índio do Acre – CPI/AC no início da

década de 1980.

Este proto-movimento indigenista tem um caráter organizatório dos índios

visando criar um movimento indígena que fosse protagonista das lutas reivindicatórias

para a reconquista dos direitos territoriais perdidos ao longo do processo do

extrativismo da borracha.

Do ponto de vista da abrangência, em termos das etnias em sua fase inicial, a

luta indigenista, tanto da parte da CPI quanto da Igreja estava restrita a poucas etnias:

Kaxinawa, Madija, Katukina, Arara, Shanenawa e Jamamadi. Mas já no início dos anos

de 1980, a CPI alargará o espectro de sua atuação abraçando o trabalho com outras

etnias do Acre, além de duas situadas fora do Estado: os Kaxarari do Sudoeste de

Rondônia e os Apurinã do Sul do Amazonas.

A atuação da igreja ganhará um reforço com a entrada em cena do padre

Paulino Baldassari28, que incluirá serviços de educação e cooperativismo para os

Manxineri e Jaminawa dos rios Acre e Yaco e também para os Madija e Kaxinawa do

Purus.

Apesar de sua decadência, a borracha ainda era um item importante na

economia acriana e, sobretudo na manutenção de populações tradicionais na floresta –

tanto índios quanto não-índios – sendo que havia um exército de indígenas que se

mantinha vinculado a ela, vivendo em situação de exploração semi-escrava sob

domínio dos seringalistas. Este fato levou os militantes indigenistas ligados à CPI e à

igreja católica, a colocar em suas pautas de atuação a busca de formas alternativas

para driblar esta exploração dos índios seringueiros pelos patrões e seus prepostos.

Com isto conseguem-se recursos para a implantação de cooperativas entre os

Kaxinawa da então Vila Jordão e os Madija da então Vila Manuel Urbano no rio Purus.

Este trabalho de cooperativismo da parte da CPI foi acompanhado de uma

experiência de alfabetização em língua portuguesa, desenvolvido por duas voluntárias,

as professoras Concita Maia e Keila Diniz, visando a preparação dos índios

responsáveis pela gestão dos negócios da cooperativa.

28 Sacerdote católico italiano que vive há mais de cinco décadas na Amazônia. Sua figura carismática, sempre de batina, pode levar a interpretações distorcidas

sobre seu compromisso com as causas populares. O antropólogo Darcy Ribeiro quando o viu num curso de iniciação à antropologia promovido em Manaus no

final da década de 1970 pelo CIMI, teve esta impressão, que logo foi desfeita ao ouvir os relatos de sua atuação em favor de índios e seringueiros do Acre, num

momento em que imperava o poder dos fazendeiros, que contavam com o apoio ostensivo do Estado e de milícias particulares constituídas por jagunços. Nos

anos de 1960 padre Paulino já desenvolvia atividades progressistas que somente em meados dos anos de 1970 foram assumidas pela igreja católica do Acre,

quando esta aderiu à Teologia da Libertação, tendo à frente o bispo dom Giocondo Maria Grotti. Atualmente a igreja sofreu um retrocesso, aderindo ao modismo

da Renovação Carismática, mas o padre Paulino continua fiel a uma linha pastoral de compromisso histórico com os oprimidos da sociedade acriana.

O professor Ibã Kaxinawa da TI Jordão tem a seguinte memória sobre este

acontecimento:

―Com a continuidade chegou com mais duas mulheres na nossa comunidade

para alfabetização do povo Huni Kuĩ, passando três meses iniciando as

disciplinas de matemática e língua portuguesa. O nome das professoras era

Concita Maia e Keila Diniz‖. (Trabalho apresentado na disciplina História da

Educação Escolar Indígena no Brasil, no Curso de Formação para Docentes

Indígenas da UFAC Campus Cruzeiro do Sul, 2009).

Da parte da igreja se desenvolviam duas vertentes de atuação na educação

escolar. Numa, a experiência de missionários morando nas aldeias, foi reforçada com o

ingresso de missionários da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil – IECLB,

indo morar também entre os Madija do rio Purus.

A outra vertente tinha por protagonista o padre Paulino Baldasari, vigário da

paróquia de Sena Madureira. Ele passou a implantar escolas em aldeias das etnias

Jaminawa e Manxineri dos rios Yaco e Acre, dos Kaxinawa e Madija do rio Purus.

O professor Manuel Monteiro Chipre da etnia Manxineri localizada em Sena

Madureira tem uma memória deste momento que ele expressa da seguinte maneira:

―Aqui no Acre, na maioria das comunidades indígenas, a educação escolar começou

com os missionários e os padres que pregavam o evangelho‖. (Trabalho apresentado

na disciplina História da Educação Escolar Indígena no Brasil, no Curso de Formação

para Docentes Indígenas da UFAC Campus Cruzeiro do Sul, 2009).

O trabalho do padre Paulino consistia basicamente na construção de pequenos

prédios escolares em madeira, e a contratação dos professores com recursos que ele

conseguia entre seus familiares e devotos da igreja católica da Itália.

No caso dessas escolas do padre Paulino, como elas eram conhecidas à época,

não havia filiação a um modelo pedagógico diferenciado, como no caso das

experiências da CPI e dos missionários da OPAN e os luteranos que iam residir nas

aldeias, e que organizavam a escola com base nos pressupostos da chamada

metodologia de Paulo Freire, pautada numa pedagogia crítica e problematizadora.

O objetivo do padre Paulino era preparar os índios para a vida comunitária das

CEB‘s e também para se defenderem nas negociações com os patrões e

atravessadores, conforme fosse a conjuntura do grupo em que a escola estivesse

localizada.

Os materiais didáticos utilizados nessas escolas eram os que o Estado ou a

prefeitura forneciam, com o reforço de materiais críticos produzidos pela igreja no

âmbito do referencial da Teologia da Libertação para uso dos agentes de pastoral

católicos.

Os professores também não tinham uma formação pedagógica específica, mas

os que eram monitores da igreja, como eram chamados os agentes de pastoral que

atuavam nas CEB‘s, e a maioria o era, passavam por formação para o exercício desta

monitoria, e esta formação priorizava o desenvolvimento do senso crítico desses

agentes com base no materialismo histórico29.

No âmbito da política indigenista oficial, à época estava em vigor a idéia da

―integração do índio à comunhão nacional‖. Esta política corroborava a posição dos

latifundiários que tinham interesse em se apropriarem das poucas terras que os

indígenas haviam conseguido manter sob seus domínios. A Lei 6.001 de 19 de abril de

1973, mais conhecida como Estatuto do Índio, apregoava com todas as letras que era

dever do Estado e da Sociedade Nacional envidar todos os esforços para trazer os

indígenas à comunhão nacional. Para tanto se prescrevia a educação escolar como

uma das estratégias para alcançar este objetivo, conforme podemos constatar no

trecho que transcrevemos abaixo.

Art. 50.º A educação do índio será orientada para a integração na comunhão

nacional mediante processo de gradativa compreensão dos problemas gerais e

valores da sociedade nacional, bem como do aproveitamento das suas aptidões

individuais

29 Materialismo histórico é um método desenvolvido por Karl Marx que explica as mudanças importantes ocorridas na história da humanidade através do tempo.

O método estuda os fatos históricos investigando os elementos contraditórios que dão continuidade ao processo histórico. No feudalismo este processo se dava

pela oposição entre o senhor e o servo da gleba, no capitalismo a contradição se dá entre o capitalista e o proletário. Por este método Marx constatou que o modo

pelo qual a produção material de uma sociedade é realizada constitui o fator determinante da organização política e das representações morais, espirituais e

intelectuais de uma época, por isto é que ele considerava a base material ou econômica da sociedade como infra-estrutura da sociedade, pois é ela que exerce

influência direta na superestrutura, ou seja, nas instituições jurídicas, políticas (as leis, o Estado) e ideológicas (as artes, a religião, a escola, a família, a moral) em

cada época.

Para viabilizar esta estratégia da Lei, por esta época estava em voga a

implantação de escolas nos Postos Indígenas, assim se chamavam então as unidades

administrativas mantidas pela FUNAI dentro das TI‘s, que incentivava a organização de

uma escola, geralmente sob a responsabilidade de um professor não-índio, na maioria

dos casos um indigenista de seus quadros que, às vezes era apoiado por um falante da

língua, que exercia a função de monitor bilíngüe. Atualmente ainda existem três

indígenas que têm este vínculo com a FUNAI, dois Kaxinawa e um Shanenawa, mas

como a entidade não mantêm mais este tipo de serviço, eles foram remanejados e

exercem funções administrativas no órgão indigenista oficial do Estado.

A idéia era ensinar o português ao índio como estratégia para que este se

estimulasse a ir morar na cidade, liberando a terra para a implantação de

empreendimentos produtivos, conforme a linguagem da época. Mas ocorria também do

ofício de escolarizar recair sobre um líder ou um familiar de seu círculo próximo, como

um filho do cacique, e este grupo ter reforçado o seu poder político via a escolarização.

Este fenômeno foi estudado por Ingrid Weber, 2006, no caso dos Kaxinawa/Huni

Kuĩ do rio Humaitá. Ela constata um reforço do poderio da família do cacique Vicente

Sabóia que aprende rudimentos de leitura, escrita em português, além de cálculos

matemáticos numa viagem de tratamento de saúde na Casa do Índio em Rio Branco.

Sua experiência escolar durou apenas 28 dias, o tempo de sua permanência em

tratamento, mas foi suficiente para lhe ampliar os poderes de líder, fortalecendo-o

perante seus pares Huni Kuĩ no embate com os seringalistas, uma vez que ele somava

a força por ser índio com o domínio de um conhecimento até então restrito aos brancos.

Este aspecto é interessante porque veremos que com a criação da EEIID e B os

professores serão investidos de um poder muito grande advindo tão somente dos

conhecimentos escolares, sem que eles necessitem assumir atribuições do mundo

indígena ou responsabilidades específicas com a tradição ante o grupo. O poder de

professor compete com o de liderança tradicional e muitas vezes contribui para a

implosão, subtração ou apagamento do poder tradicional do cacique ou do pajé.

Outra forma de difusão do ensino escolar nas aldeias se dava pelo estímulo do

Estado, via agência indigenista oficial, no licenciamento para que missionários

evangélicos, geralmente estrangeiros, se instalassem nas TI‘s, sendo que estes tinham

uma preocupação muito maior com a conversão dos índios. Para tanto eles aprendiam

a língua com o intuído de traduzir a bíblia e lecionavam em língua indígena, pois a

experiência histórica desde o início do povoamento das Américas pelo homem europeu

e a implantação das primeiras escolas católicas no Brasil, demonstrava que ensinar na

língua leva a uma conversão mais rápida e eficaz. Depois do índio convertido tornava-

se mais fácil aprender o português e desaprender todo o repertório guardado da cultura

moldada por sua tradição étnica.

No final da década de 1970 – conforme já nos referimos mais acima – os

missionários da OPAN ligada ao CIMI, passam a desenvolver trabalhos de educação

voltados para a recuperação, valorização e preservação do patrimônio cultural dos

povos indígenas, com ênfase na produção de materiais didáticos, dicionário e gramática

na língua Madija, em benefício de grupos desta etnia localizados nos rios Envira e

Purus, no município de Feijó e na então Vila Manuel Urbano.

No início da década de 1980 entram em cena os missionários luteranos, no rio

Purus, só que na então vila Santa Rosa do Purus, desenvolvendo trabalhos da mesma

matriz pedagógica desenvolvida pelos missionários católicos.

Era claramente uma reação ao modelo educacional oficial em vigor, cuja base

era uma educação escolar com finalidades de conversão religiosa e de transição

cultural para integrar o índio à comunhão nacional.

Os trabalhos desenvolvidos por esses missionários tinham apenas alcance local

no âmbito daquela etnia, pois a idéia era não estandardizar um modelo que ao fim

trabalhasse com a idéia de índio genérico, em que o que fosse válido para os Madija

fosse válido também para os Manxineri, os Katukina, embora aqueles pertencessem à

família lingüística Arawa e estes à Arawak e Pano, respectivamente.

Em 1983 a Comissão Pró-Índio do Acre – CPI/AC, com base na experiência

realizada pelas voluntárias nas aldeias Kaxinawa da então Vila Jordão, inicia o trabalho

denominado Uma Experiência de Autoria, no qual a ênfase é a formação de

professores indígenas e a elaboração de materiais didáticos específicos produzidos em

língua indígena ou adaptados à aquisição do português, numa perspectiva de

valorização das línguas indígenas, da variante do português falado pelos índios, bem

como os costumes e tradições herdados dos ancestrais.

Este modelo também é de negação do modelo oficial com base na conversão

étnico/religiosa com objetivo de transição à condição de não-índio.

A escola indígena surge no Acre numa conjuntura histórica polarizada. De um

lado os defensores de uma FD que atribui aos índios uma negatividade, portanto como

sujeitos assujeitados, não portadores de direitos e passíveis de ocupar apenas

posições subalternas no contexto da sociedade nacional assumindo a identidade de

caboclos.

Mas esta nova conjuntura apresentava a possibilidades da emergência de outra

formação ideológica, possibilitando um novo quadro de referências e, portanto uma

nova FD, que comportava a positivação do sujeito indígena a partir dos valores

autóctones que foram desconsiderados desde que o primeiro europeu pisou as terras

americanas.

Este novo paradigma não poderia incorrer nos equívocos do modelo do bom

selvagem que inspirou, sobretudo a literatura romântica, pois esta idealizava o índio do

século XVI, que os autores românticos do século XIX não conheceram.

Contraditoriamente, no entanto, os autores românticos tratavam o índio seu

contemporâneo com base numa ideologia tributária da FD que negativava o índio real,

aquele que lhes era possível conviver e observar.

A idealização de um índio despido de seus atributos autóctones era tão gritante

que chegava às raias do absurdo, como podemos constatar neste fato narrado pelo

historiador Sérgio Buarque de Holanda, apud (SAEZ, 1995, p.255), em que o poeta

Basílio da Gama escreve uma carta a seu colega, o poeta romano Metastasio, dizendo

que cena digna de ver era ―a das nossas índias a chorar, tendo às mãos vossos livros,

e a fazer um ponto de honra em não ir ao teatro sempre que o espetáculo apresentado

não seja o de Metastasio‖.

O indigenismo inaugurado pelas Organizações Não Governamentais – ONGs, no

final da década de 1970 e início da de 1980, tinha que atuar à margem desses modelos

de visão sobre os índios, dessas duas F D‗s já dadas historicamente e ambas

desvantajosas para entender e representar o índio real sobrevivente dos massacres

perpetrados ao longo do tempo em que a atividade gumífera foi hegemônica e mesmo

na fase em que ela não era economicamente tão forte, mas conseguia sobreviver

graças aos incentivos, primeiro do Banco da Borracha e depois do BASA.

Este será o fulcro da atuação indigenista acreana, tanto na vertente desenvolvida

pela CPI quando pela igreja. Mas enquanto esta opta por um trabalho denominado de

inculturação, no qual seus missionários vão conviver com os índios numa troca cultural

em que o missionário é, além de educador, aprendiz das práticas culturais do outro,

dentre elas a língua do povo, a CPI opta por um trabalho de outra natureza, mais

abrangente selecionando voluntários indígenas para serem preparados para o

magistério nas aldeias onde iriam lecionar aulas num contexto de bilingüismo e

interculturalidade.

A CPI desde o início de sua atuação em 1983 trabalha no sentido de criar um

modelo de educação escolar indígena que possa assumir caráter universal, primeiro

para a maioria das etnias presentes no território acreano e no Sul do Estado do

Amazonas e Noroeste de Rondônia, razão pela qual trabalha na formação

concomitante de professores de diversas etnias tendo, em tese, o cuidado de conservar

as diferenças no que diz respeito à construção dos Projetos Políticos Pedagógicos –

PPP‘s, e na elaboração de materiais didáticos diferenciados.

Outra característica da atuação da CPI é sua vinculação ao Ministério da

Educação e Cultura – MEC desde o início quando este ainda estava sob domínio da

ditadura militar. Esta vinculação da CPI ao MEC facilitará o trânsito de seus agentes em

diferentes Estados do Brasil para onde levam a idéia do projeto Uma Experiência de

Autoria.

Com esta facilidade de trânsito na entidade maior da gestão da educação

brasileira, os agentes da CPI tornar-se-ão consultores do MEC, ou partícipes dos

círculos de decisão que são criados no ministério para deliberar sobre educação

escolar indígena no Brasil, abrindo espaços também para alguns quadros do magistério

indígena acriano atuar como consultores na expansão da experiência de educação

escolar indígena do Acre para outros Estados brasileiros.

Neste contexto o projeto Uma Experiência de Autoria torna-se referência de

educação escolar indígena para o Brasil, de forma que em quase todos os documentos

oficiais que circulam no país sobre o tema – há poucas exceções – haverá a chancela

de um consultor da CPI ou alguma referência a experiências desenvolvidas por

professores ligados a esta ONG.

Este será o assunto de nosso próximo capítulo.

A EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA, INTERCULTURAL,

DIFERENCIADA E BILÍNGUE NO ACRE

Eu vejo hoje esse grande número de acadêmicos. Quando comecei a luta não

tinha praticamente nenhum. E nós conquistamos mais de 15 tekoha Kaiowá

Guarani. E hoje, com todos esses estudantes, não estamos conseguindo mais

conquistar nenhum pedaço de terra. (Hamilton Lopes – liderança Guarani

Kaiowá).

3.1. PARA INÍCIO DE CONVERSA

Até este capítulo vimos apresentando um quadro geral da questão indígena em

nosso país, focado na educação escolar, destacando no capítulo anterior o caso do

Acre que deu origem ao modelo de EEIID e B, atualmente aplicado como política

pública nas escolas indígenas de todas as etnias brasileiras.

Neste capítulo analisaremos a EEIID e B que foi criada e desenvolvida no Acre,

enfocando, como já mencionado, documentos oficiais produzidos pelo MEC e pela CPI.

Mas para efeito de situar a questão no âmbito do marco legal, vale iniciar a

escrita deste capítulo considerando que até 1988, data da promulgação da Constituição

ora em vigor, não havia na legislação específica da educação, no caso a Lei 5692/71 –

Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB, vigente até 1996, qualquer referência à

educação escolar orientada para os indígenas. As referências sobre esta questão eram

dadas pela Lei 6.001 de 19 de dezembro de 1973, o chamado Estatuto do Índio. No

titulo V, no artigo 50 desta Lei está escrito que:

A educação do índio será orientada para a integração na comunhão nacional

mediante processo de gradativa compreensão dos problemas gerais e valores

da sociedade nacional, bem como do aproveitamento de suas aptidões

individuais.

Como se vê, a referência a uma educação para indígenas estava orientada para

a integração do índio à sociedade nacional, à ocidentalização. É que à época da

Ditadura Militar vigorava a idéia que o índio era uma categoria em transição.

Mas não eram só os representantes da ditadura militar que ousavam

prognosticar uma data para o fim da existência de índios no Brasil, o sociólogo Hélio

Jaguaribe em 1995, portanto às vésperas da Promulgação da nova LDB, Lei Nº

9394/1996 que assegurou o reconhecimento de vários direitos aos indígenas, como o

direito territorial e a uma educação específica e diferenciada, ocupou os meios de

comunicação para decretar que no Brasil não haverá mais índios até o final do século

XXI.

Este sociólogo segundo palavras do professor Bessa Freire, é um intelectual

orgânico30, em oposição à idéia de intelectual tradicional, que tenta aparentar relativa

autonomia e independência. Por isto, apesar de uma formação sociológica sólida e

erudita, Jaguaribe concebe os índios como seres atrasados, como ele mesmo escreve,

seres em estágio neolítico, porque isto favorece o pensamento que predomina na

classe dominante que tem interesses nos territórios sob domínio dos índios.

Para os portadores deste pensamento, só são índios os seres que estejam neste

estágio, os que usam celular, que falam português ou que estudam, não são mais

índios. Portanto, não são merecedores de direitos territoriais.

O contraditório é que ao menos do ponto de vista dos marcos legais, esta

tendência deixou de vigorar a partir da promulgação da Nova Constituição. Em seu

Capítulo III – Da Educação, da Cultura e do Desporto, na Seção I – ―Da Educação‖, no

Artigo 210, § 2º se lê o seguinte:

30 Para Gramsci todos os membros de uma agremiação devem ser considerados intelectuais, não pelo seu nível de erudição, mas pelas funções que exercem. O

"intelectual orgânico" é aquele que, em sintonia com a emergência de uma classe social determinante no modo de produção econômico, procura dar coesão e

consciência a essa classe, também nos planos político e social. (Moraes)

O ensino fundamental regular será ministrado em língua portuguesa,

assegurada às comunidades indígenas também a utilização de suas línguas

maternas e processos próprios de aprendizagem.

Do ponto de vista da legislação anterior, referindo-nos ao Estatuto do Índio, o

avanço está na novidade referente à permissão para que seja assegurada às

comunidades indígenas a utilização de processos próprios de aprendizagem em suas

escolas, já que no art. 49 da Lei 6.001 está escrito que ―A alfabetização dos índios far-

se-á na língua do grupo a que pertençam, e em português, salvaguardando o uso da

primeira‖.

Mas a Nova Constituição, promulgada sob uma forte pressão dos movimentos

sociais, sindicais e populares, registrará outros avanços nas questões pertinentes aos

direitos educacionais indígenas, remetendo muitas coisas para regulamentação em

legislação complementar, como a Lei Nº 9.394, promulgada em 1996, sob o título de Lei

Darcy Ribeiro, por ter sido este intelectual, à época senador da república, autor do

substitutivo que deu base ao texto aprovado da Lei.

Afora a LDB há uma série de portarias do Ministério da Educação e resoluções

do CNE que irão beneficiar as comunidades indígenas em seus direitos a uma

educação escolar diferenciada.

Como já nos referimos nos capítulos anteriores, o modelo denominado EEIID e B

tem uma forte contribuição do movimento indígena acriano, notadamente daquele que

foi desenvolvido pela CPI/AC.

Atualmente, segundo dados da CEEI da SEE, há no Estado do Acre 161 (cento e

sessenta e uma) escolas indígenas funcionando sob esta modalidade, sendo que 111

(cento e onze) são geridas pelo sistema estadual de ensino e 50 (cinquenta) pelos

sistemas municipais. Vê tabela no anexo dois.

No ano letivo de 2008 estas escolas registraram um total de matrículas de 5.654

(cinco mil, seiscentos e cinqüenta e quatro) alunos, sendo 3.809 (três mil, oitocentos e

nove) no sistema estadual e 1.845 (mil, oitocentos e quarenta e cinco) nos sistemas

municipais. Idem tabela no anexo dois.

O quadro de magistério indígena está assim distribuído: 258 (duzentos e

cinquenta e oito) professores pertencem à rede estadual de ensino e 42 (quarenta e

dois) às redes municipais. Idem tabela no anexo dois.

Do ponto de vista da formação destes professores, segundo dados da CEEI da

SEE, ver anexo três, registra-se o seguinte quadro: 205 (duzentos e cinco) estão sendo

atendidos em cursos de nível fundamental, na modalidade de formação em serviço.

Esta formação consiste em oferta de cursos e estes atentam para as características

específicas e diferenciadas, que a EEIID e B prescreve. Outros 99 (noventa e nove)

professores já foram beneficiados com cursos da mesma natureza em nível médio.

Estes dois segmentos de formação são oferecidos pela Secretaria de Estado de

Educação do Acre – SEE/AC, por meio da Coordenação de Educação escolar Indígena

– CEEI.

Os 99 (noventa e nove) que já terminaram a formação em nível médio estão

fazendo cursos em nível superior, em várias modalidades, como pedagogia, Formação

para Docentes Indígenas ou licenciaturas. Uma parte destes 99 (noventa e nove)

professores indígenas está matriculada em cursos oferecidos pela SEE/CEEI e que são

ministrados pela UFAC. Estes cursos ocorrem diretamente nos municípios em que se

localizam os professores, haja vista que eles são destinados a docentes leigos de áreas

rurais, num programa que visa cumprir uma disposição transitória da LDB que pretendia

capacitar em nível superior todos os professores leigos até o ano de 2007, a chamada

década da educação. Outra parte destes professores está fazendo o Curso de

Formação para Docentes Indígenas, oferecido pela Universidade Federal do Acre –

UFAC, no Campus Floresta em Cruzeiro do Sul. Este curso é uma licenciatura

específica para a modalidade EEIID e B e visa beneficiar os quadros que estão

exercendo a docência indígena.

Dos cinco professores que já têm a formação superior, um está fazendo

mestrado em lingüística na Universidade de Brasília – UNB.

Finalizamos esta pequena apresentação acerca do marco legal que dá amparo a

EEIID e B, colocando alguns pontos acerca da Resolução 003 CEB/CNE. Esta

resolução foi aprovada na Câmara de Educação Básica – CEB, do Conselho Nacional

de Educação – CNE, no dia 10 de novembro de 1999 e publicada no Diário Oficial da

União e sete dias depois. Ela fixa as Diretrizes Nacionais para o funcionamento das

escolas indígenas e dá outras providências, e foi assinada pelo professor Ulysses de

Oliveira Panisset, Presidente da CEB do CNE.

O Artigo 1.º da resolução 003/99 é muito importante, pois ele aponta para as

condições de criação da categoria EEIID e B, estabelecendo,

no âmbito da Educação Básica, a estrutura e o funcionamento das escolas

indígenas, reconhecendo-lhes a condição de escolas com normas e

ordenamento jurídico próprios e fixando as diretrizes curriculares do ensino

intercultural e bilíngüe, visando à valorização plena das culturas dos povos

indígenas e a afirmação e manutenção de sua diversidade étnica. (Disponível

em Programa Parâmetros em Ação - Educação Escolar Indígena: As Leis E A

Educação Escolar Indígena, MEC, 2002, p. 69).

Esta resolução define outros pontos essenciais para o estabelecimento da EEIID

e B como segmento autônomo no âmbito da estrutura do Sistema de Ensino brasileiro,

como em seu Artigo 8º que fixa as bases para a criação da profissão de docente

indígena, assegurando que esta ―será exercida prioritariamente por professores

indígenas oriundos da respectiva etnia‖ (Ibidem, p. 70).

Todos os artigos desta resolução contribuem para a constituição da EEIID e B,

mas estes dois artigos que transcrevemos são suficientes para a análise que nos

propomos, pois eles são a base que criam as condições para o nascimento deste novo

sujeito indígena, ou o lugar sujeito professor indígena. Na conjuntura anterior à

resolução 003/99 este lugar sujeito existia parcialmente pela atuação dos chamados

monitores indígenas bilíngües, mas eles eram coadjuvantes de docentes não indígenas

na tarefa de ensinar na própria língua, que o professor contratado pela FUNAI não

dominava. Outro aspecto que assinala o caráter parcial deste lugar sujeito era que a

função de monitor bilíngüe era desprovida de base legal.

Este aspecto é importante para nossa análise, porque como colocado na

epígrafe deste capítulo pelo líder Guarani Kaiowá, Hamilton Lopes, haverá uma

arrefecimento da luta em prol da conquista de novos territórios. A mobilização das

comunidades indígenas a partir da década de 1990 será muito maior em favor da

escola indígena e dentro desta luta a maior energia será desprendida em favor da

subjetividade do professor indígena, ressalvando-se que as outras lutas se darão pela

emergência de casos conjunturais bem específicas, como a luta pela demarcação da

Terra Indígena Raposa Terra do Sol em Roraima.

Os indígenas, sobretudo os das gerações abaixo dos 30 anos de idade,

direcionarão todas as suas energias em favor da escolarização em suas aldeias. No

entanto esta luta será pautada por demandas que o MEC e os sistemas estaduais e

municipais de educação irão gerar, sobretudo pela falta de atendimento destas

demandas por parte destes sistemas.

No Acre, salvo o caso dos Apolima Arara31, a partir da década de 1990 não se

registraram mais nenhuma luta que fugisse às reivindicações em favor do respeito ao

marco legal colocado em torno da educação escolar, na busca para assegurar o que já

está inscrito na legislação: formação do professor, merenda escolar, salário, verbas

para a manutenção das escolas, construção, mobiliário e equipamentos para as

escolas. Todas estas mobilizações se dão no âmbito da legalidade, geralmente

acionando o ministério público ou em diálogos diretos com os representantes dos

sistemas. Em alguns casos, como os das etnias que têm TI‘s, às margens da BR 364,

têm-se registrado alguns atos de obstrução da estrada como forma de pressão.

Quase sempre estas lutas resultam em atendimento parcial das reivindicações e

a acomodação e satisfação da comunidade com estes resultados parciais.

3.2. O REFERENCIAL CURRICULAR NACIONAL PARA AS ESCOLAS INDÍGENAS -

RCNEI

Pode-se identificar ainda hoje, em vários casos em que a escola esteja presente

no interior de muitas aldeias indígenas, que esta se apresenta muito mais como 31 Grupo étnico emergente que até 1999 não assumia a condição étnica indígena. A etnia tem um único grupo com cerca de 300 indivíduos, dizem pertencer a

um conjunto de grupos remanescentes da família lingüística Pano, e que existem falantes de seis línguas das prováveis etnias que formam o grupo. O grupo está

localizado no Município de Marechal Thamaturgo de Azevedo no Vale do Juruá e disputa território com os Ashaninca do rio Amônea e com os seringueiros da

Reserva Extrativista – RESEX, do Alto Juruá. Dada esta conjuntura a etnia mantém uma permanente mobilização em favor da conquista territorial, mas ao mesmo

tempo também luta por conquistas no âmbito da EEIID e B, já contando com escola em sua aldeia.

aparelho ideológico do Estado, cumprindo papel de transição cultural, haja vista que

apesar das prescrições da legislação, segmentos do Estado brasileiro e da sociedade

civil, continuam agindo de forma excludente em relação aos grupos cujos universos

culturais não correspondem aos dos grupos que têm prestígio sócio-econômico e

político na sociedade.

O RCNEI é um intradiscurso que apresenta uma parte das prescrições legais

sobre a organização da escola indígena para que ela se enquadre no modelo da EEIID

e B. Este documento foi lançado em 1998 pelo MEC, para viabilizar a regulamentação

dos atos da LDB.

Corroborando nossa tese de que a EEIID e B é um modelo indigenista e que,

portanto vai embasar uma educação escolar indigenista, pode-se observar pela ficha

técnica, que seus idealizadores são majoritariamente indigenistas. Esta afirmação não

tem um caráter apriorístico ou purista, no sentido de achar que por ter sido escrito

majoritariamente por técnicos não-indígenas o resultado seja indigenista, mas é que

neste caso o documento apresenta forma e conteúdo indigenista. Entre os 35 (trinta e

cinco) nomes que aparecem como autores, apenas quatro são nomes de indígenas,

sendo que sete destes nomes são de técnicos da CPI ou que com ela contribuem

regularmente (ver anexo 4).

Ao longo do documento, aparecem em destaque frações de discursos de

professores indígenas, que ao final do documento são arrolados, juntamente com

algumas instituições, dentre as quais a CPI, num agradecimento por suas contribuições

para a fundamentação das idéias do RCNEI (ver anexo 5).

Esta estratégia é interessante, pois ao mesmo tempo em que estes discursos

dos professores dão legitimidade à idéia de que a proposta em questão trata-se de um

modelo de educação escolar indígena, por outro justifica e dá legitimidade a estes

professores que em sua maioria atua como consultores do MEC ou na hierarquia que

dá sustentação à EEIID e B, como titulares ou suplentes do chamado Comitê Nacional

de Professores Indígenas, que se tornou Conselho Nacional de Professores Indígenas

com supostos poderes para deliberar sobre a política e educação escolar indígena.

Na apresentação que o então ministro da educação Paulo Renato faz, percebe-

se um interdiscurso que antes era impossível ser proferido por um agente do Estado.

Na verdade este interdiscurso marca a transição, ou talvez possamos escrever a

estabilização de uma situação em que a EEIID e B se inaugura como modelo

indigenista. Eis abaixo o que o ministro Paulo Renato Souza (RCNEI 1998, p. 3)

escreve:

Este documento surge dentro de um marco histórico, com conteúdo de caráter

geral e abrangente. Aponta questões comuns a todos os professores e escolas,

esclarecendo e incentivando a pluralidade e a diversidade das múltiplas

programações curriculares dos projetos históricos e étnicos específicos.

Até a emergência da Nova LDB não se admitia, nem tampouco se incentivava ―a

pluralidade e a diversidade das múltiplas programações curriculares dos projetos

históricos e étnicos específicos‖, porque predominava a idéia, amplamente divulgada,

inclusive na tradição das ciências sociais que, embora a formação brasileira seja o

resultado de uma mistura, um verdadeiro pirão étnico, o predomínio cultural é ocidental

e, sobretudo vive-se ainda hoje no Brasil a ilusória convicção de que somos uma

sociedade homogênea e integrada dentro de um único Estado que a representa, e

tendo a língua portuguesa como amálgama da unidade cultural.

Mas se isto pode ser inscrito num intradiscurso e ensejar um interdiscurso em

torno da concepção do índio como bom selvagem32, ao mesmo tempo a existência de

um documento oficial regulatório com caráter geral e abrangente, apontando questões

comuns a todos os professores e escolas, leva à idéia de índio genérico, o que, se não

impede, dificulta a emergência de uma escola verdadeiramente indígena, uma escola

Katukina, Kaxinawa, Madija, Ashaninca etc.

Mesmo com a garantia de que as várias etnias indígenas nacionais podem

utilizar nas escolas as suas línguas como línguas de instrução, o RCNEI vai incentivar

um uso mecânico que, muitos lingüistas avaliam não deixar muito a desejar ao uso que

historicamente os missionários e o Estado faziam anteriormente à promulgação da

32 Como vimos no primeiro capítulo, a FD em torno do habitante do Novo Mundo foi criada ainda na Europa muito antes dos europeus pisarem no novo

continente. O conceito de bom selvagem foi desenvolvido a partir da idéia de que sendo o homem criado a imagem e semelhança de DEUS, portanto com uma

índole boa e sem pecado, ao longo da história este homem decai e passa a viver na condição de pecador. Este homem decaído era o europeu, vivendo na era do

ferro ou do bronze. Em seu contato com o selvagem americano, este vivendo na inocência, ainda na idade neolítica, seria o protótipo do homem puro anterior a

queda pelo pecado, portanto o bom selvagem.

Constituição, por meio da atuação dos monitores bilíngües da FUNAI. Aliás, este nome

foi utilizado para designar os primeiros professores indígenas no Acre ligados à CPI.

Este uso histórico que se faz das línguas indígenas, a que se referem os lingüistas, é o

uso que leva à transição para o domínio da língua portuguesa.

O RCNEI tem uma estrutura que o divide em duas partes, sendo a primeira

voltada para os técnicos envolvidos na EEIID e B nos sistemas de educação e nas

ONG´s, com o título de Para começo de conversa, reunindo os fundamentos políticos,

históricos, legais e antropológicos.

O apresentador do RCNEI (Ibidem, p. 14), adverte que: ―Ao apontar para

questões comuns a todos os professores e escolas, entretanto, reconhece-se e

incentiva-se a construção de programações curriculares distintas, feitas a partir de

projetos históricos e étnicos específicos‖.

Apesar desta advertência, tanto os técnicos dos sistemas de ensino, quanto os

das ONG´s, como é o caso da CPI que analisaremos aqui, não resistem à tentação de

transformar o RCNEI em receita, isto quando, no caso dos técnicos dos sistemas, ele

não é totalmente ignorado e, a exemplo do que ocorre com a educação não-indígena,

se organizam as escolas em moldes tradicionais anteriores à LDB de 1996. Aqui

concordamos com outra crítica feita pelos especialistas em EEIID e B, qual seja a de

que ela, como os modelos que a antecederam, também não resistem à tentação de

tratar o índio como um ser genérico, daí a tendência para se criarem programas

estandardizados de escolarização, o que é amplamente favorecido pelo RCNEI.

A segunda parte do RCNEI, sob o título Ajudando a construir os currículos das

escolas indígenas, está voltada, segundo escreve o seu apresentador, para os

professores, com a pretensão de oferecer para aqueles que estão na ponta do Sistema

de Ensino, subsídios para atuarem em suas salas de aula. O apresentador do

documento adverte para o seguinte:

É importante, no entanto, deixar claro que, enquanto o referencial para um país

com sociedades indígenas tão diversos, e tendo como fundamento e meta o

respeito à pluralidade e à diversidade, o RCNEI/Indígena não é um contexto,

nem pretende estar dando receitas de aulas: este Referencial se propõe,

apenas, a subsidiar e apoiar os professores na tarefa de invenção e re-invenção

continua de suas práticas escolares.

A análise que fazemos sob este tópico é semelhante a que fizemos no anterior,

isto é, muitas vezes, tanto o professor indígena, o não-indígena, quanto os agentes

indigenistas que atuam nos sistemas estaduais e municipais só dispõem do RCNEI,

estando desprovidos de recursos para a formação específica dos professores ou para o

acompanhamento às escolas, então o processo de estandardização se opera nas

escolas com a valiosa contribuição do RCNEI.

Esta segunda parte é dedicada aos conteúdos curriculares, dando sugestões de

trabalho para o ensino desses conteúdos nas disciplinas de línguas (portuguesa e

indígena), Matemática, Geografia, História, Ciências, Arte e Educação Física ao longo

do Ensino Fundamental.

O formato, portanto, é compatível com os modelos desenvolvidos pela educação

tradicional, apresentando uma divisão no qual se apresenta primeiro os fundamentos e

a seguir a parte dos conteúdos pertinentes ao modelo proposto.

Se observarmos qualquer manual dos muitos que os sistemas de ensino

brasileiro já organizaram e distribuíram para as escolas, veremos que a diferença será

mínima, e que esta só se verifica no que diz respeito ao discurso em relação ao índio

que passa a ter um tratamento menos preconceituoso, um tratamento ao índio como o

bom selvagem. Mas vale ressaltar que isto também é relativo, pois, se os agentes que

estão diretamente lidando com a educação escolar indígena têm uma visão livre de

preconceitos, seus colegas da burocracia nas secretarias de educação, responsáveis

pela gestão de programas que são extensivos às escolas indígenas, dificilmente têm o

mesmo pensamento sobre os índios e alguns não têm o menor cuidado em manifestar

este pensamento no momento de atender às demandas para organizar e efetivar as

escolas indígenas em sua versão intercultural e diferenciada.

Portanto, o RCNEI é compatível com outros documentos que tratam da

educação tradicional; ele apresenta uma divisão em conteúdos o que facilita a

formatação de Projetos Políticos Pedagógicos - PPP´s conservadores, muito

semelhante aos que servem como base para a organização de currículos de escolas

não-indígenas, aliás de um modo geral as escolas indígenas do Acre apresentam

menos inovações em termos políticos pedagógicos do que as chamadas Escolas-

Ativas33 que são mantidas pela coordenação de educação rural da SEE/AC. E esta

tendência a uma baixa diferenciação em termos de inovação é ainda maior se

compararmos as escolas indígenas com as chamadas Escolas Famílias Rurais –

CFR‘s,34 que funcionam em alguns Estados brasileiros, dentre os quais nosso vizinho

Rondônia e que já se ensaiam a criação de algumas no Acre.

Dada a diversidade da situação de contato das etnias presentes no Acre, pode-

se dividir a forma como as etnias organizam suas escolas em três tipologias. A primeira

tipologia é aquela em que as etnias organizam suas escolas à semelhança das escolas

não-indígenas. Nesta tipologia podemos elencar as etnias ou grupos de etnias que

apresentam maior grau de assimilação em relação à cultura ocidental e que

apresentam perdas lingüísticas totais ou quase totais.

No geral as etnias que organizam suas escolas com base nesta tipologia não

seguem orientações pedagógicas nem da CPI nem da CEEI/SEE, embora estas

instituições possam oferecer-lhes algum tipo de serviço pedagógico, seus responsáveis

as organizem do modo que julgam mais apropriado.

A segunda tipologia diz respeito àquelas cujas etnias organizam suas escolas

apresentando algumas inovações de forma e conteúdo, sendo que na forma elas

tendem a organizar as aulas em dois ou três dias letivos e, do ponto de vista do

conteúdo tendem a considerar como dias letivos as atividades de caça, pesca e outras

tidas como inerentes a cultua dessas etnias.

33 A Escola Ativa nasce da proposta metodológica do educador francês Celestin Freinet (1896-1966), crítico da escola tradicional e cujas bases eram a instrução

individualizada, aprendizagem ativa, uso de guias, escola primária completa, ensino multisseriado e promoção automática. O caso aqui referido trata do Programa

Escuela Nueva promovido pela Organização das Nações Unidas para a Educação a Ciência e a Cultura – UNESCO, por meio da Oficina Regional de Educação

para a América Latina e o Caribe – ORAALC na década de 1960 e adotado pela Colômbia e outros países latinos americanos. A proposta chega ao Brasil em

1993 por meio do Programa de Educação Básica para o Nordeste – Projeto Nordeste. Este projeto recebeu aval financeiro de empréstimos contraídos pelo

governo federal junto ao Banco Mundial. Em 1994 foi expandido para as regiões Centro-Oeste e Norte em 2000 chega ao Acre. Na Escola Ativa o professor

cumpre um papel essencial, pois além das tarefas em sala de aula ele deve estimular a participação dos pais e da comunidade nas atividades escolares e

organizar junto aos alunos atividades que incluam a comunidade. Por exemplo, a busca de informações para subsidiar a preparação de mapas da escola, a

articulação de projetos comunitários e pesquisa de materiais acerca da cultura local, como ditados populares, mitos e lendas.

34 A Casa Familiar Rural – CFR foi criada em Lauzun, na França no ano de 1937. Por este modelo a escola se transforma numa unidade de educação e

orientação para a vida. Em função das situações locais e do calendário agrícola a CFR elabora o plano de formação dos jovens e das famílias baseado na

realidade do campo. O período letivo desenvolve-se por meio de aulas que funcionam com base na Pedagogia da Alternância, quer dizer, o aluno permanece um

tempo na CFR e outro na propriedade. Este modelo junta teoria e prática, apresentando poucas características dos modelos escolares tradicionais.

Esta tipologia parte de uma idéia multiculturalista, e considera a escola como

espaço de conservação e transmissão da cultura indígena para as novas gerações

daquele grupo étnico. Muitas comunidades que organizam assim as suas escolas têm

reivindicado que os sistemas de educação a que suas escolas estão subordinadas

contratem os anciãos como professores de língua e de cultura, ficando o professor

convencional com a docência das disciplinas ocidentais.

Em várias reuniões de que participamos para debater este assunto, pudemos

constatar que há questionamentos a este tipo de organização escolar por parte de

alguns professores indígenas. Estes docentes argumentam que é difícil aferir as

horas/aulas extraclasses que podem ser consideradas no currículo, assim como é

complicado definir que tipo de atividade pode ser computado como aula, além de um

problema de gênero que é muito sério e que diz respeito a como definir as atividades

culturais que podem ser contadas como aulas para o conjunto dos alunos, pois há

atividades que são interditadas aos meninos e outras que o são para as meninas, então

como fazer com os alunos meninos, quando a comunidade promover uma atividade que

só seja acessível às meninas, ou vice-versa?

A incidência desta tipologia geralmente é verificada nas escolas que recebiam

assessoria da CPI, e pode-se aferir esta tendência quando analisarmos os PPP´s que

esta ONG produziu e remeteu para o CEE, mas pode-se verificar escolas que são

orientadas pela CEEI/SEE que se organizam sob esta tipologia, embora a CEEI/SEE

não incentive este tipo de organização escolar.

Sobre este modelo escolar há uma crítica bastante severa e muito pertinente de

D´Angelis (1999, p. 3), que escreve o seguinte:

Se o conhecimento existe – e, com certeza, há centenas de anos – em uma

comunidade indígena, e antes de haver escola esse conhecimento pôde ser

transmitido, reelaborado, melhorado, geração após geração, é óbvio que esse

tipo de conhecimento não precisa da escola ou, dito de outro modo, que a

comunidade não precisa da escola para conservar, construir e transmitir esse

tipo de conhecimento. Parece, pois, que nos propomos a fugir de um

preconceito (o de que o conhecimento construído pelos povos indígenas não é

conhecimento) alimentando outro (o de que o conhecimento indígena será

conhecimento verdadeiro se for ensinado na – ou avalizado pela – escola). A

comunidade indígena tem suas formas próprias de ensinar e não está provado

(nem faria sentido que alguém tentasse provar) que a escola (ou o ensino

escolar) é a forma mais adequada, mais eficiente, mais segura para se garantir

a continuidade e o aprofundamento de toda e qualquer forma de conhecimento.

Este fato do modelo escolar ocidental ser utilizado para validar os conhecimentos

indígenas é por demais preocupante, sobretudo se levarmos em consideração que está

escrito na legislação pertinente que às comunidades indígenas é permitido a utilização

de processos próprios de aprendizagem. Isto é, aos indígenas a legislação permite

muitas inovações e, no entanto suas escolas tendem a se organizar como réplica dos

modelos escolares ocidentais tradicionais. E D ‗Angelis (ibidem, p. 2), imputa às

instituições indigenistas e seus assessores, parte da responsabilidade por este tipo de

atitude. Ele escreve o seguinte:

os ―assessorados‖ identificam o valor de suas práticas intuitivas na fala de

assessores que têm, a diferenciar-se deles, uma capacidade razoavelmente

superior de articulação (como se fossem ―camelôs pedagógicos‖) ou um espaço

de poder que lhes confere o direito do ―discurso competente‖.

O que agrava ainda mais este tipo de atitude é que, como já demonstramos no

capítulo anterior, os índios do Acre conservam formas tradicionais de manutenção e

transmissão de conhecimentos e, no entanto a escola indigenista não valoriza, nem

incentiva sua prática num modelo escolar verdadeiramente indígena e esta capacidade

e habilidade é suficiente para a manutenção da cultura autóctone, sem a necessidade

de validação pela educação ocidental, como podemos comprovar na citação abaixo

extraída de Meliá (1999, p. 11), para quem

Os povos indígenas sustentaram sua alteridade graças a estratégias próprias,

das quais uma foi precisamente a ação pedagógica. Em outros termos, continua

havendo nesses povos uma educação indígena que permite que o modo de ser

e a cultura venham a se reproduzir nas novas gerações, mas também que

essas sociedades encarem com relativo sucesso situações novas.

A terceira tipologia pela qual se organizam as escolas indígenas do Acre é a que

pode ser identificada na prática pedagógica da etnia Madija, e que, portanto

chamaremos tipologia Madija.

Por esta tipologia a escola não segue nenhuma orientação oficial. O RECNEI e

outros documentos passam ao largo das preocupações e prescrições deste modelo. Os

Madija elegeram a lecto-escritura como novidade ocidental digna de ser apropriada por

eles. Mas não a lecto-escritura em português. Eles aprendem lêem e escrevem em

língua Madija. Daí que em seu ritmo próprio, elegem alguém mais velho da comunidade

como responsável pela educação escolar das novas gerações, sem a existência de um

sistema que defina locais, dias ou horários fixos para a transmissão dos conhecimentos,

conseqüentemente não há reprovação ou seleção. Esta tipologia não considera a

escola como o único lugar de aprendizado, por isto, em função da grande mobilidade

que caracteriza esta etnia, as aulas tanto podem acontecer nos prédios existentes nas

aldeias para esta finalidade, como podem acontecer num tapiri35 numa praia nas

proximidades da aldeia para onde se mudam durante o verão, ou num barranco

próximo das cidades de Manuel Urbano, Santa Rosa ou Sena Madureira, para onde se

deslocam e armam seus tapiris com muita freqüência.

É digna de registro a reação que esta tipologia causa nos sistemas estadual e

municipais de ensino, nas etnias que se organizam com base nas outras duas

tipologias e até em alguns indigenistas. Esta reação é de absoluta reprovação. Salvo

exceção dos membros da CEEI/SEE, que compreendem e incentivam esta forma dos

Madija organizarem sua educação escolar.

Pelo exposto pode-se concluir que o RCNEI não cumpre o papel a que seus

organizadores se propuseram no nível do discurso, pois, ao contrário deste, ele facilita

a estandardização da educação escolar indígena. E isto é agravado pelo fato do MEC e

os sistemas estaduais e municipais de ensino não disponibilizarem recursos suficientes

para a realização de um efetivo e eficiente trabalho de assessoria às escolas indígenas,

de forma que modelos escolares autenticamente diferenciados pudessem ser

organizados: modelos Kaxinawa, que deveria ser diferente do Jaminawa, que deveria

35 Barracos construídos com materiais disponíveis nas praias. Geralmente os índios, tanto os Madija quanto

os de outras etnias que têm o hábito de se

deslocarem ao longo dos rios, utilizam a canarana, sendo a haste para armação e as folhas para a cobertura dessas m

oradas improvisadas.

diferir do Madija, do Yawanawa e assim por diante, garantindo a existência de uma

educação escolar indígena no plural e não a educação escolar indígena do índio

genérico.

Aliás, a falta de recursos para organizar uma educação escolar indígena que

fugisse de modelos estandardizados, não deveria ocorrer, caso a legislação, em vez de

ser apenas um discurso que não carece de concretização, fosse seguido como

determina o Parecer 14/99 do Conselho Nacional de Educação, no título IV sobre as

Ações Concretas Visando à Implementação da Educação Escolar Indígena, que, ao

tratar das competências dos entes federados propala que à União cabe ―apoiar técnica

e financeiramente os sistemas de ensino no provimento da educação intercultural às

comunidades indígenas no desenvolvimento de programas integrados de ensino e

pesquisa‖ e que aos Estados compete ―criar um programa específico para a Educação

Escolar Indígena, com previsão de dotação orçamentária e financeira‖.

Não vamos atribuir os insucessos da EEIID e B, unicamente à falta de recursos

financeiros, mas este fator, somado a outros, irá aportar uma contribuição bastante

marcante para este insucesso.

3.3. OS PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS PARA A EDUCAÇÃO

ESCOLAR INDÍGENA – PCN

Os PCN, a exemplo do RCNEI também vêm com uma apresentação solene do

então ministro da educação Paulo Renato, que escreve sobre os objetivos do

documento e refere-se ao regime de colaboração que deve imperar na oferta da EEIID

e B. Leiamos a citação abaixo do Guia do Formador: Programa Parâmetros em Ação de

Educação Escolar Indígena, (2002 p. 4):

É com satisfação que entregamos às nossas escolas, por meio das secretarias

estaduais e municipais de educação, o material referente ao Programa

Parâmetros em Ação de Educação Escolar Indígena. Esse Programa tem como

propósito apoiar e incentivar o desenvolvimento profissional de professores e

especialistas em educação, de forma articulada com a implementação dos

Parâmetros e Referenciais Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental,

para a Educação Escolar Indígena e para a Educação Infantil; e com a

implementação, também, da Proposta Curricular para a Educação de Jovens e

Adultos. A idéia central deste Programa é favorecer a leitura compartilhada, o

trabalho conjunto, a reflexão solidária, a aprendizagem em parceria. O

Programa está organizado em módulos de estudo, compostos por atividades

diferenciadas, que procuram levar à reflexão sobre as experiências que vêm

sendo desenvolvidas nas escolas e acrescentar elementos que possam

aprimorá-las. Para tanto, utiliza textos e programas em vídeo que podem, além

de ampliar o universo de conhecimento dos participantes, ajudar a elaborar

propostas de trabalho com os colegas de grupo e a realizá-las com seus

alunos. A proposta do Programa Parâmetros em Ação de Educação Escolar

Indígena tem a intenção de propiciar momentos agradáveis de aprendizagem

coletiva e a expectativa de que seja útil para aprofundar o estudo dos

Referenciais Curriculares, entre os quais o Referencial Curricular Nacional para

as Escolas Indígenas, elaborados pelo MEC, intensificando o gosto pela

construção coletiva do conhecimento pedagógico, favorecendo o

desenvolvimento pessoal e profissional dos participantes e, principalmente,

criando novas possibilidades de trabalho com os alunos para melhorar a

qualidade de sua aprendizagem. Esperamos que este Programa colabore com

o processo de institucionalização da educação escolar indígena em nosso país,

garantindo uma formação diferenciada e respeitosa da diversidade sociocultural

para os professores índios e uma educação de qualidade para as crianças

indígenas.

Este discurso do ministro apresentando um caráter solene esconde uma

característica bem tecnicista de corte tradicional que será a marca deste documento,

até mais que no RCNEI.

Para o ministro, em seu discurso, nos PCN‘s está contida como “idéia central

favorecer a leitura compartilhada, o trabalho conjunto, a reflexão solidária, a

aprendizagem em parceria”. No entanto, pela forma como o MEC organizou a

―socialização‖ deste documento, se pode assegurar com propriedade que houve uma

impostura e que os PCN‘s se prestaram mais ao ―processo de institucionalização da

educação escolar indígena em nosso país‖, numa forma verticalizada e standard,

focando num índio genérico, haja vista que, dentre outros motivos, sua proposta de

execução, os conteúdos, a metodologia e até o tempo de cada tema e aula foram

determinados a priori, de uma forma bem tradicional, como se pode verificar no

exemplo abaixo extraído da página 18.

Módulo 1 – Para começo de conversa: fundamentos gerais da educação

escolar indígena (23 horas).

Módulo 2 – Currículo e intencionalidade: o que ensinar e para que ensinar (10

horas).

Módulo 3 – Línguas: ouvir, falar, ler, escrever... para quê? Como? (24 horas).

Módulo 4 – A matemática nas escolas indígenas (28 horas).

Módulo 5 – Cotidiano e história: hoje e ontem (30 horas).

Módulo 6 – A geografia nas escolas indígenas (29 horas).

Módulo 7 – As ciências naturais nas escolas indígenas (27 horas).

Módulo 8 – As artes nas escolas indígenas (24 horas).

Módulo 9 – As escolas indígenas e a educação física (22 horas).

Módulo 10 – Elaborando o currículo da escola (19 horas).

Módulo 11 – Aprendizagem na escola (12 horas).

Módulo 12 – Currículo, planejamento e atividades (17 horas).

Esta cronometragem dos temas do PCN que, ressalvando-se algum exagero

poderia ser considerada normal, é levada ao extremo na delimitação do tempo a ser

empregado no estudo dos temas/conteúdos. Para efeito de análise apresentaremos

abaixo um exemplo com um resumo livre do Módulo 1, que está dividido em sete

atividades. (PCN, p.35 a 41)

MÓDULO 1 – PARA COMEÇO DE CONVERSA: FUNDAMENTOS GERAIS DA EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA PARA COMEÇO DE CONVERSA: FUNDAMENTOS GERAIS TEMPO PREVISTO: 23 horas ATIVIDADE 1 – APRESENTAÇÃO DOS PARTICIPANTES OBJETIVO:

Esta atividade visa a que os professores se apresentem aos colegas do grupo e

se conheçam melhor.

PROPOSTA DE ENCAMINHAMENTO (± 1 HORA)

ATIVIDADE 2 – SER DIFERENTE E SER SEMELHANTE

OBJETIVO:

Debater com os professores as diferenças e as semelhanças entre as pessoas

e entre as culturas, evidenciando a multietnicidade, a pluralidade e a

diversidade dos povos indígenas no Brasil.

PROPOSTA DE ENCAMINHAMENTO (± 4 HORAS)

ATIVIDADE 3 – ―MUITOS JEITOS DE SER ÍNDIO‖

OBJETIVO:

Propiciar um momento de reflexão sobre o que significa ser índio hoje no Brasil,

reconhecendo as facilidades e as dificuldades de comunicação com outros

setores da sociedade.

PROPOSTA DE ENCAMINHAMENTO (3 HORAS)

ATIVIDADE 4 – DEBATE DE COMO A CULTURA NOS APROXIMA E NOS

DIFERENCIA

OBJETIVO:

Debater com os professores como a cultura (conhecimentos, costumes, modos

de convivência, visões de mundo...) está presente na vida de todos os grupos

humanos e como são essas construções culturais que os diferenciam uns dos

outros.

PROPOSTA DE ENCAMINHAMENTO (± 4 HORAS)

ATIVIDADE 5 – DIREITA DOS POVOS INDÍGENAS

OBJETIVO:

Debater os direitos dos povos indígenas, em especial o direito a uma educação

escolar diferenciada.

PROPOSTA DE ENCAMINHAMENTO (± 4 HORAS)

ATIVIDADE 6 – ESCOLA INDÍGENA: POR UMA EDUCAÇÃO DIFERENCIADA

OBJETIVO:

Debater os fundamentos da Educação Escolar Indígena diferenciada.

PROPOSTA DE ENCAMINHAMENTO (± 6 HORAS)

ATIVIDADE 7 – AVALIAÇÃO DO TRABALHO

OBJETIVO:

Avaliar o trabalho de reflexão e discussão realizado no módulo, possibilitando

que o professor identifique e avalie o seu percurso de aprendizagem.

PROPOSTA DE ENCAMINHAMENTO (± 1 HORA)

Nossa insistência em analisar criticamente a estratégia do MEC em estabelecer

a priori o tempo a ser empregado em cada atividade, se dá em razão de sabermos que

uma das características que diferencia o universo dos indígenas em relação ao não-

indígena é o modo como aqueles se relacionam com o tempo. O que agrava o caráter

negativo deste procedimento, no caso específico dos PCN, é que há uma orientação

para que os grupos sejam organizados com uma composição de professores indígenas,

que poderá ser de uma

única terra ou povo indígena, ou reunindo professores de várias terras e povos

indígenas. As experiências de formação anteriores, a distância das escolas

indígenas, o local de realização dos módulos e o número de professores no

município ou no estado são alguns dos fatores que influenciarão o tipo de

composição dos grupos de professores em cada secretaria.

Estas sugestões pressupõem a composição de grupos muito heterogêneos. Mas

isto ainda não é tudo em termos de agravante, pois mesmo transferindo para os

sistemas que aplicarão os cursos o critério para a definição do número de participantes

por grupo, há a sugestão de que o número ideal não deve exceder a quarenta pessoas.

Mas o MEC também teve a preocupação de escrever como realizar a

apresentação sugerindo uma dinâmica que é a seguinte:

Os professores devem organizar um grande círculo, no centro do qual se deve

colocar um cesto ou uma caixa com diversos objetos,

incluindo-se aqueles que representem aspectos culturais ou das paisagens às

quais os professores pertencem – objetos (enfeites, instrumentos, potes,

cestos, bonecos...); alimentos (beiju, mandioca, banana...); plantas (folhas de

buriti, de babaçu...); fotos, cartões-postais (festas, comidas típicas, cerimônias,

animais...); jornais, revistas, livros...(PCN p. 35)

Nesta dinâmica o MEC sugere que em seguida se peça para cada professor

escolher um objeto com o qual ele se identifique e explique porque o escolheu. O

professor deve apresentar o objeto, falar seu nome em português e em língua indígena,

a aldeia e a TI em que mora, o tempo que está atuando no magistério. Ao final desta

apresentação, o MEC sugere também que os participantes realizem uma avaliação da

atividade e, por fim, anotem num ―Caderno de Registro uma reflexão sobre a atividade

que realizou, pensando se poderia utilizar esta atividade com seus alunos, se seria

interessante ou não, se seus alunos gostariam ou não‖. (Ibidem).

Se os organizadores dos cursos nos sistemas estaduais e municipais de ensino

seguirem à risca a sugestão do MEC para que se utilize mais ou menos uma hora para

a apresentação dos participantes, compostos em grupos de 40 (quarenta) professores,

isto daria menos de um minuto e meio para cada professor.

Os educadores que trabalham com atividades de formação conhecem a

importância da apresentação para o sucesso da socialização, integração e interação

dos participantes entre si e com os orientadores da atividade.

Em razão de se reconhecer esta importância, mesmo numa atividade que conte

com um número menor de participantes, a apresentação nunca é realizada num tempo

tão exíguo como este que o MEC sugere para os cursos do PCN.

No caso dos professores indígenas da maioria dos Estados, como é o que se

verifica no Acre, há uma diversidade muito grande de situações étnicas e sócio-

lingüísticas, o que implica em diferentes formas de competência e proficiência

lingüística. Todos estes fatores terão implicações no ritmo em que os participantes dos

cursos desempenharão as atividades propostas.

Esta idéia de delimitar o tempo é ainda mais preocupante quando se trata das

atividades específicas com as disciplinas.

Nossa análise, embora esteja centrada no aspecto temporal dedicado às

atividades nos PCN‘s, não se encerra neste aspecto, muito embora, como já foi

colocado acima, ele seja importante quando se trata de atividades desenvolvidas com

indígenas, que têm formas diferentes de se relacionarem com o tempo.

Os PCN‘s induzem também a uma organização escolar com base em disciplinas

e conteúdos estanques, o que é contrário aos processos próprios de aprendizagem dos

indígenas que desconhecem a segmentação dos objetos como estratégia para adquirir

conhecimentos.

O conhecimento que um índio tem acerca de um bicho silvestre, de um jabuti,

por exemplo, foi adquirido ao longo do tempo e foi formado pela soma de informações

que ele foi obtendo ao longo da vida. Na soma das informações que ele tem acerca do

jabuti, há conhecimentos que dizem respeito a ecologia e biologia do animal, como os

locais de ocorrência, o tipo de alimento, sua forma de reprodução; informações acerca

de sua utilização ou não na alimentação humana, como deve ser preparado, que partes

são comestíveis, quem pode comê-lo; informações de caráter sagrado, artístico ou

religioso, como se ele é doador de alguma benesse aos humanos se alguma parte do

corpo do bicho se presta ao preparo de algum artefato etc.

Porém, como centramos nossa análise no aspecto temporal da organização

didática dos PCN‘s, queremos concluir que definir tempos semelhantes para atividades

de formação docente voltadas para professores não-índios e indígenas, é uma clara

negação ao direito à diferença que, em tese, a legislação assegura a estes povos, e ao

que o próprio PCN diz reconhecer. É, portanto, uma atitude que permite a implantação

de um modelo de educação indigenista, que contraria o desejo e o interesse dos

professores e suas comunidades por uma educação indígena, uma educação dos

Kaxinawa, dos Katukina, dos Madija, dos Ashaninka, dos Manxineri etc.

3.3. QUATRO PROJETOS POLÍTICOS PEDAGÓGICOS DE ESCOLAS INDÍGENAS

DO ACRE ORGANIZADOS PELA COMISSÃO PRÓ-ÍNDIO DO ACRE – CPI/AC

Como já escrevemos na introdução desta dissertação, estes quatro PPP‘S que

iremos analisar foram escritos pela CPI – conforme documento que tivemos acesso –

por ocasião do XXI Curso de Formação de Professores índios, no ano de 2002, e foram

apresentados no ano seguinte ao CEE.

A escolha desses documentos se justifica pelo fato deles fornecerem elementos

que julgamos que contribuem para corroborar a nossa hipótese de que a EEIID e B é

um modelo indigenista, e que organiza as escolas indígenas, do ponto de vista da

burocracia legal, em moldes tradicionais.

Antes de iniciarmos a análise dos PPP‘s faremos um breve relato acerca da

CPI/AC.

Como já foi referido neste trabalho, a CPI é uma das organizações responsáveis

pelo surgimento e estabelecimento de movimentos indigenista e indígena no Acre. A

outra é a Igreja católica, por meio do CIMI e da OPAN, que atuaram e ainda atuam em

parceria com o Conselho de Missão Entre Índios – COMIN, ligado à IECLB.

A gênese dessa entidade remonta à atuação do antropólogo Terri Vale de

Aquino que, em meados dos anos de 1970, realizou um trabalho de pesquisa visando à

escrita de sua dissertação de mestrado. Ela foi defendida no curso de Pós-graduação

em antropologia social da UNB, em dezembro de 1977, sob o título de ―Índios

Caxinawá: de seringueiro caboclo a peão acreano‖, e tinha como foco a população

Kaxinawa do rio Jordão, que àquela época já contava com uma área delimitada pela

FUNAI. Por esta razão a CPI terá um trabalho muito mais centrado nesta etnia.

No ano de 1978, conforme já escrevemos noutra parte desta dissertação, as

professoras Concita Maia e Keila Diniz irão passar seis meses entre os rios Humaitá,

onde também havia uma área delimitada, e Jordão, com a finalidade de implantar um

Projeto de Desenvolvimento Comunitário que fora reivindicado pelos líderes Kaxinawa

Alfredo Sueiro e Getúlio Sales do Jordão e Vicente Sabóia, do Humaitá.

Assim tiveram início as primeiras experiências educacionais com escolas sob

controle indígena, haja vista que até aquela data as escolas em seringais ou aldeias

seguiam orientações dos sistemas oficiais de educação, e estes não atentavam para a

realidade sócio-histórica específicas das populações a que se destinavam.

No caso em foco, o objetivo da escola era a preparação dos índios para

gerenciarem pequenas cooperativas que estavam se organizando sob a orientação do

antropólogo Terri Aquino, que havia conseguido – durante viagem que realizara pelas

cidades de São Paulo, Rio Branco e Tarauacá, por ocasião da Semana do Índio no ano

de 1978 em companhia dos líderes Kaxinawa acima citados – a doação de recursos

financeiros e materiais junto a órgãos oficiais, como a Secretaria de Agricultura do

Estado do Acre, entidades indigenistas, como o Centro de Trabalho Indigenista de São

Paulo – CTI, entidades filantrópicas internacionais, como o Fundo Samuel ligado às

igrejas reformadas da Holanda, comerciantes do município de Tarauacá,

personalidades do cenário político acriano e intelectuais, como Abrahin Farrat,

Francisco Rego e Élson Martins da Silveira.

Estas doações e apoios propiciaram as condições para o nascimento dos

trabalhos indigenista e indígena no Estado do Acre.

Segundo Gomes, (1988, p. 198/199), a manifestação de preocupações com as

populações indígenas por parte de segmentos não-índios da sociedade brasileira, e o

conseqüente desencadear de ações pró-indígenas, ressalvando-se as diferenças,

intenções e intensidade, é recorrente na história do país, sempre que há uma

sobrelevação das preocupações com as questões indígenas.

Este autor escreve que se pode identificar o início dessas manifestações no

século XIX, mais precisamente em 1850, com a preocupação dos escritores e

historiadores indianistas, que pretendiam marcar na sociedade daquela época uma

mentalidade pró-indigenista.

Outro desses momentos, nós até nos reportamos nesta dissertação, ocorreu no

início do século XX, quando em 1907 foram feitas denúncias de massacres contra

índios brasileiros, no Congresso de Americanistas.

A partir daquele momento houve uma comoção de parte de intelectuais

brasileiros, culminando com a adesão de cientistas, filósofos, jornalistas, advogados,

militares médicos e antropólogos à causa indígena, e a criação do SPI em 1910, esta

que foi a primeira entidade indigenista oficial brasileira.

Outro momento de sobrelevação da questão indígena ocorreu entre meados da

década de 1970 e o final da década de 1980, tendo como ápice a Constituinte e a

promulgação da nova Constituição de 1988. Foi neste contexto que nasceu a CPI.

Como vimos aqui nos reportando, a CPI surge num contexto de luta dos índios

acrianos pela reconquista territorial. Naquele momento, mesmo sendo proposta e até

desenvolvida por sujeitos indigenistas, a proposta de educação escolar tinha um

marcante caráter indígena. Sua característica era o diálogo inter-étnico na busca da

construção de uma educação Kaxinawa.

Este processo começa a sofrer alterações com a institucionalização da CPI, com

a sua criação enquanto entidade da sociedade civil. Quando ela se propõe a criar uma

política geral de educação para os índios do Acre. Isto ocorre, segundo Monte (1996, p.

5), em fevereiro de 1983, quando acontece o I Curso de Formação de Professores e

Agentes de Saúde Indígenas, com a participação de cerca de 25 jovens bilíngües das

etnias Kaxinawa, Katukina, Manxineri, Apurinã, Yawanawa e Yaminawa. Este é,

segundo Monte, a primeira tarefa da ―então nascente equipe de educação da CPI/AC‖.

A partir desta institucionalização da CPI ela buscará institucionalizar também a

experiência que está em gestação. E isto ocorre muito rapidamente, conforme escreve

Monte (ibidem, p. 7):

Em 1985, buscando dar solução a estas questões institucionais, a CPI/AC

conseguiu assinar um convênio pioneiro com a FUNAI e Secretaria de

Educação do Acre, SEC36

/AC, pelo qual ficou garantida a inclusão dos então 21

professores índios e suas escolas no sistema estadual de ensino fundamental,

com inicial apoio financeiro federal.

Com a institucionalização dessas escolas indígenas a CPI consegue também

assegurar uma autonomia curricular e administrativa e garantir para sua equipe de

educação a orientação e assessoria destas escolas.

36 Era assim que se denominava então a atual SEE.

A partir deste momento já não se pode mais falar em uma escola no sentido da

expectativa das lideranças índias, uma escola indígena que tivesse uma cara

Kaxinawa, Katukina, Manxineri, Yawanawa, Ashaninka, Yaminawa, etc. As escolas

serão a partir destes convênios e acordos que a CPI irá estabelecer com o Estado, com

seus entes federal, estadual e municipal, escolas indígenas no sentido genérico, daí a

necessidade de estabelecer parâmetros, PPP‘s e referenciais gerais.

Cremos que o discurso de Monte que transcreveremos abaixo nos ajudará a

perceber o caráter indigenista das escolas orientadas pela CPI, quando ela explica

sobre o porquê da escolha para corpus de sua pesquisa de mestrado, os diários de

classe de três professores Kaxinawa do rio Jordão, Monte, (ibidem, p. 31):

Penso ainda, ter escolhido este conjunto de professores índios Kaxinawa e não

outros, por considerá-los excelentes alunos-professores dos cursos de

formação, exemplos paradigmáticos de um projeto de educação diferenciada,

misto de sonho e tensão.

O paradigma de EEIID e B é dado de fora, pelo agente indigenista. E este

paradigma está personificado na ação pedagógica destes três professores Kaxinawa do

Rio Jordão. Não são quaisquer Kaxinawa. Não são os Kaxinawa da TI Praia do

Carapanã, nem os da TI Humaitá, nem os da TI Alto Purus e nem os da TI do rio Breu.

Isto significa que mesmos estes outros professores Kaxinawa, para atingirem a

condição de paradigmáticos, para se tornarem modelos ideais de professor da EEIID e

B, eles terão que atingir a forma modelar destes professores Kaxinawa do rio Jordão.

Sáez (2006, p.192) faz uma observação crítica que também corrobora nossa

hipótese, quando escreve o seguinte:

Isto é, aquilo que todo mundo sabe, reunindo numa coletânea sincrética, que

obtém a partir de um mundo indígena muito preocupado em gerar diferenças,

um denominador comum aos diversos povos, embora tutelado pelo modelo

Kaxinawa.

Este ponto de vista de Sáez vai ao encontro de nossa hipótese. Ele percebe e

escreve noutro trecho, referindo-se também à CPI, que o indigenismo alternativo não-

governamental, que ele considera não muito excludente em relação ao indigenismo

governamental, exerce mais poder que este, e nós pudemos observar que este

indigenismo alternativo é que pauta as demandas em educação escolar indígena,

coordena as negociações e realiza os encaminhamentos dessas demandas. Isto pode

ser verificado pesquisando os expedientes da CEEI/SEE.

Deste ponto de vista indigenista a escola construída é genérica, e mira para um

índio abstrato, muito parecido com índio da ficção literária ou da ficção histórica que se

criou na tradição do discurso oficial sobre este sujeito.

Nos documentos de PPP‘s analisados das três etnias: Kaxinawa, Yawanawa e

Ashaninca, que pertencem a duas famílias lingüísticas distintas (consultar o anexo 1),

não se vê refletido neles os projetos destas etnias, pois são PPP‘s estandardes e se

prestariam até mesmo a qualquer escola não-indígena, por terem por base o formato e

o conteúdo da escola ocidental que, no discurso, a CPI nega.

O formato do documento apresenta padrão no qual na primeira parte contem

informações como o nome da comunidade, o número de habitantes, o nome da escola

e um histórico dela. A seguir apresenta uma pequena biografia dos professores dessas

escolas, as séries que a escola oferece, indicando o professor que leciona em cada

série, como se organiza o ano letivo, os períodos de recesso e as horas aulas diárias,

as disciplinas que são lecionadas de forma presencial e as que são classificadas como

atividades culturais e tradicionais, considerando a participação dos alunos nessas

atividades para efeito de créditos extraclasse.

Na segunda parte é apresentado como a escola realiza o planejamento e que

tipos de planejamento são realizados, o objetivo geral da escola, as disciplinas que são

ministradas em cada série, em que a escola indígena se aproxima ou se distancia da

não indígena, em que ela se aproxima ou se distancia da educação tradicional,

pensado o tradicional como a educação dos anciãos, quais os principais materiais

didáticos utilizados, que relações institucionais a escola mantém e quais conquistas e

resultados a escola conseguiu para a comunidade.

O documento da CPI faz uma apresentação mais detalhada das três escolas

Yawanawa embora a apresentação acerca das outras escolas, duas Kaxinawa e uma

Ashaninka, apresentam detalhes que revelam o caráter indigenista que norteiam as

propostas dessas escolas.

O documento apresenta detalhes que dão, por vezes, a estas escolas caráter

mais conservador do que o que se verifica em muitas escolas não-indígenas, como por

exemplo, o estudo de cinco disciplinas na alfabetização: Língua Portuguesa, Língua

Indígena, Matemática, Educação Física e Artes.

A partir da primeira série são acrescidas as disciplinas de geografia, história e

ciências, totalizando oito, e a partir da quinta série há o acréscimo de língua inglesa,

quer dizer as escolas Yawanawa apresentam o mesmo perfil das escolas não-

indígenas de caráter tradicional, com centralidade nas disciplinas.

No que diz respeito à descrição do calendário de aulas, se observa o seguinte na

escola Ivã Sttiho: as aulas presenciais serão distribuídas em 16 dias letivos mensais,

totalizando 64 horas/aula - h/a, o que resulta em 520 h/a anuais, num ano letivo de

nove meses iniciando em abril e encerrando em dezembro. O resultado verdadeiro seria

576 h/a, mais o documento avisa que devem ser subtraídas 56 h/a que são dedicadas

às férias escolares.

Para esta e as demais escola Yawanawa está colocado que haverá 16 h/a não

presenciais ao mês, totalizando 144 h/a anuais. No PPP da Escola Ivã Sttiho, página 9,

assim como nos das demais escolas, está escrito que estas 16 h/a mensais são o

resultado da soma de ―4 horas semanais para prática de atividades culturais e

tradicionais: caçadas, pescarias, danças, contação de histórias, práticas ritualísticas,

etc, com acompanhamento da escola/professor‖.

Para esta e as demais escolas está também escrito que haverá um recesso

escolar de 56 horas, o que dá segundo o documento em torno de cinco semanas

anuais. Outra característica das escolas Yawanawa é que todas apresentam um

calendário semanal com quatro dias de aulas sendo o mais comum o seguinte:

segunda, terça, quinta e sexta-feira, com exceção da escola Tũĩkuro que coloca cinco

dias semanais de aulas com a inclusão da quarta-feira no calendário escolar.

Não repetiremos aqui o que já observamos noutra parte desta dissertação,

acerca das críticas formuladas por técnicos não-índios, e até por professores indígenas,

duvidando da possibilidade de se computar, com a naturalidade que aparece no

documento da CPI, as atividades culturais consideradas para efeito de aulas

extraclasse.

Nós também não queremos criticar se o tempo que a CPI dedica ao ano letivo

das escolas Yawanawa é compatível ou não com o que a LDB preceitua que são 800

horas/aulas anuais. Não é isto. Nossa observação é que a CPI fica presa nesta questão

do tempo, tentando justificar um ano letivo compatível com o ano letivo não indígena,

sem importar-se de criar ou seguir alternativas que a própria LDB sugere e que são

mais compatíveis com o ritmo temporal dos povos indígenas que, conforme já referido

aqui, é muito diferente do ritmo temporal do não indígena.

Ainda sobre a organização curricular das escolas Yawanawa, o que se vai

observar é que a Ivã Sttiho apresentará uma organização em séries e há um

detalhamento da alfabetização à 6.ª série, ao passo que tanto para a Nixi Waka quanto

para a Tũĩkuro, a organização aparece em dois blocos de 1.ª e 2.ª e 3.ª e 4.ª séries,

sendo que o currículo apresentado para a 1.ª e 2.ª séries destas escolas é o mesmo

apresentado na alfabetização da escola Ivã Sttiho. E o mais curioso é que a proposta

de 1.ª série desta escola apresenta três disciplinas a mais do que as que a CPI propõe

para o bloco de 1.ª e 2.ª séries das escolas Nixi Waka e Tũĩkuro.

Tanto nestas escolas como na Ivã Sttiho e nas Kaxinawa e Ashaninca, haverá

esta organização em ciclo sem que se expliquem o que seria este ciclo, razão que

deduzimos tratar-se do primeiro ciclo da junção da 1.ª e 2.ª séries e o segundo, a

junção da 3.ª e 4.ª séries.

Se o critério para a definição dos ciclos forem estes mesmo, e há fortes indícios

para deduzirmos que sim, há confusão nas expectativas ou, no mínimo um excesso de

otimismo por parte dos indigenistas da CPI que assessoraram a construção destes

PPP‘s. Está escrito o seguinte acerca dos objetivos da escrita no 1.º Ciclo para todas as

escolas Yawanawa (ANEXO 3 – Projeto Político Pedagógico das Escolas Yawanawa, p.

25): ―Escrever notícias para o Yuimaki37; Escrever sobre algum assunto, mesmo

faltando ou trocando algumas letras; Utilizar em seu texto algumas marcas da

linguagem escrita (como são sinais de pontuação, os acentos...)‖:

37 É um jornal editado pela CPI

com tiragem semestral, considerado indígena e multilíngüe, caracteriza-se por ser um jornal de notícias indígenas produzido

diretamente por escritores índios. A palavra Yuimaki pertence à família lingüística Pano, mais especificamente ao léxico da língua Kaxinawa, pode ser traduzida

livremente pela expressão enviar notícias ou noticiar.

Para matemática as expectativas são ainda mais otimistas (idem, p. 26):

―Aprender calcular pequenas quantidades de objetos usando soma, subtração,

multiplicação e divisão; Resolver problemas ligados as atividades cotidianas que

necessitem das quatro operações‖.

A apresentação do PPP da escola Samuel Piyanko não tem a riqueza descritiva

que encontramos nos PPP‘s das escolas Yawanawa. Não sabemos quantas horas

diárias, nem semanais, mensais e anuais se estudam. Também não estão colocados os

meses letivos e nem o critério de férias, como ocorre na descrição das escolas

Yawanawa, porém há a descrição das disciplinas lecionadas e que são quase as

mesmas, com exceção de Língua Inglesa que os Ashaninka não estudam.

No que diz respeito à divisão por grau de estudos, este será dividido em ciclos

em vez das séries. Esta escola apresenta três ciclos. O documento não é muito

explícito no que diz respeito a como se organizam estes ciclos, porém como a escola

apresenta três ciclos, pode-se deduzir que seja a seguinte organização: alfabetização e

primeira série correspondem ao primeiro ciclo; segunda e terceira série corresponde ao

segundo e a quarta e quinta séries, ao terceiro ciclo.

Mesmo apresentando-se estas pequenas diferenças de forma e conteúdo, os

objetivos esperados serão os mesmos. Descreveremos quais são eles em Línguas e

Matemática no primeiro ciclo, PPP Escola Samuel Piyanko (p. 4): ―Escrever pequenas

histórias; Escrever sobre algum assunto, mesmo faltando ou trocando algumas letras‖.

Para Matemática no mesmo ciclo os objetivos são os seguintes (idem, p. 5): ‗Ler

e escrever números; ―Aprender calcular pequenas quantidades de objetos usando

soma, subtração, multiplicação e divisão‖.

No que diz respeito às duas escolas Kaxinawa, se verificará um detalhamento do

período escolar. Este se dividirá em quatro aulas semanais, mas o período letivo será

de apenas sete meses, abril, maio, junho, julho, outubro, novembro e dezembro, em

vez dos nove meses, de abril a dezembro, das escolas Yawanawa. Porém,

inexplicavelmente, na soma das aulas, mesmo contando os mesmos 16 dias mensais

que se verificam nas escolas Yawanawa, as h/a saltam de 64 h/a para 112, somando

784 h/a anuais.

As atividades culturais também serão ampliadas em termos de horas/aulas,

saltando de 16 h/a verificadas nas escolas Yawanawa para 32 h/a mensais nas escolas

Kaxinawa. Por ano serão 256 h/a, que somadas às 784 h/a anuais presenciais, darão

um total anual de 1.040 horas/aulas.

Se se registram estas pequenas diferenças entre estes PPP‘s Kaxinawa,

Yawanawa e Ashaninka, quando se tratar dos objetivos de Línguas e Matemática para

o primeiro ciclo, se verificará que foram colocados os mesmos que se colocaram para

as demais escolas.

Vejamos o exemplo em Línguas da Escola Alto do Bode, PPP da escola Alto do

Bode (p. 4): ―Escrever notícias para o Yuimaki; Escrever sobre algum assunto, mesmo

faltando ou trocando algumas letras, utilizar em seu texto algumas marcas da

linguagem escrita (como são sinais de pontuação, os acentos...)‖.

Para matemática também verificaremos os mesmos objetivos. Vejamos os

exemplos (idem, p.5) ―Aprender calcular pequenas quantidades de objetos usando

soma, subtração, multiplicação e divisão; e Resolver problemas ligados as atividades

cotidianas que necessitem das quatro operações‖.

A outra escola Kaxinawa que a CPI apresentará PPP para efeito de aprovação

no CEE é o da escola Belo Monte. Esta escola não apresenta detalhamento sobre sua

organização letiva, porém, está escrito que os alunos estudarão durante sete meses,

abril, maio, junho, julho, outubro, novembro e dezembro. Também está escrito que

estudarão oito disciplinas: Língua Indígena e Portuguesa, Matemática, Ciências,

Geografia, História, Educação Artística e Educação física. Escrevem que a escola se

organizará em séries, porém ao descrever os objetivos, estes estão colocados para

serem alcançados em ciclos.

Eis a seguir o exemplo de objetivos para línguas no primeiro ciclo da Escola Belo

Monte (p. 5) ―Escrever pequenas histórias; Escrever sobre algum assunto, mesmo

faltando ou trocando algumas letras; Escrever notícias para o Yuimaki‖. No que diz

respeito à Matemática verificaremos os mesmos objetivos, conforme o referido plano (p.

6): ―Resolver problemas ligados as atividades cotidianas que necessitem das quatro

operações; Aprender calcular pequenas quantidades de objetos usando soma,

subtração, multiplicação e divisão‖.

Como já escrevemos estas três etnias pertencem a famílias lingüísticas distintas

e, do ponto de vista do contato elas apresentam experiências e expectativas diferentes

em relação às novidades ocidentais, inclusive à escola. No entanto, nos Documentos

de PPP apresentados pela CPI ao CEE, se percebe a homogeneização da forma,

conteúdo e objetivos da escola para as três etnias. Conseqüentemente, concordando

com a tese de Althusser de Aparelhos Ideológicos de Estado, o modelo escolar descrito

está cumprindo este papel e está interpelando sujeitos professores indígenas, sujeitos

alunos indígenas e demais sujeitos indígenas demandados para a manutenção

burocrática deste aparelho, sem que se criem alternativas de educação que levem em

conta os processos próprios de aprendizagem, ajudando a fazer parar este processo de

distanciamento dos modos próprios de ser índio.

Queremos advertir que não somos adeptos da vertente multiculturalista

essencialista, que vê a identidade indígena apenas pelo viés cultural e dado pelo outro

não-índio, mas concordamos com Santos (apud CANDAU e KOFF, in CANDAU e KOFF

2006, p. 4): ―As pessoas e os grupos sociais têm o direito de ser iguais quando a

diferença os inferioriza, e o direito de ser diferentes quando a igualdade os

descaracteriza‖.

É neste contexto definido por Santos que as diferenças, mesmo que foram re-

significadas pelos sujeitos indígenas, devem ser respeitadas e tomadas em conta nas

ações que se desenvolvam em favor desses sujeitos.

Sáez (ibidem, p. 192), referindo-se ao efeito que as ações de educação exercem

sobre os Yaminawa escreve o seguinte:

Os projetos de educação indígena entre os Yaminawa, no que diz respeito a

seus métodos e à parte mais convencional de seus conteúdos, constituem um

agente ―aculturador‖ que facilita aos alunos mais dispostos a abordagem do

mundo dos brancos – um saber muitas vezes necessários e em geral

necessário.

Desejamos concluir esta análise fazendo coro a este ponto de vista e afirmar que

estes efeitos dos projetos de educação observados entre os Yaminawa são extensivos

a todas as etnias presentes no Acre.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Concluímos esta dissertação reconhecendo, do ponto de vista da AD, a

inadequação do título deste tópico: Considerações Finais.

Parafraseando FOUCAULT (2006), temos consciência que antes de iniciarmos

esta escrita/discurso, outras vozes sem nome nos precediam há muito tempo, portanto,

não somos a origem e nem seremos o fim do discurso sobre EEIID e B, pois é ―preciso

continuar, é preciso pronunciar palavras enquanto as há‖.

Este nosso discurso se deu no âmbito do sistema de educação, e Foucault

(ibidem p. 44) diz que ―Todo sistema de educação é uma maneira política de manter ou

de modificar a apropriação dos discursos, com os saberes e poderes, que eles trazem

consigo‖, então é acertado dizer que este discurso terá continuidade, comigo mesmo,

ou com outros sujeitos que entrem em sua ordem para o manterem ou o modificarem.

Feitas estas considerações, esclarecemos que a expressão Considerações

Finais escrita no título, tem por finalidade tecer considerações e realizar algumas

amarrações acerca da nossa escrita/discurso sobre a EEIID e B no Acre.

A primeira amarração que consideramos pertinente, é que mesmo tendo

defendido nesta dissertação que a EEIID e B é atualmente uma proposta indigenista,

que se situa no âmbito dos Aparelhos Ideológicos do Estado, interpelando sujeitos

professores indígenas e os enredando nas malhas da burocracia estatal, em sua

gênese ela teve uma grande proximidade com a perspectiva indígena e nasceu – ao

contrário do que ocorreu com a educação para indígenas, que foi utilizada como

estratégia de transição cultural e expropriação territorial, desde que o primeiro jesuíta

pisou em solo brasileiro – questionando o status quo dos grupos que, desde a

constituição da sociedade brasileira como sociedade dividida em classes, domina e

pratica desmandos contra os grupos de menor prestígio social, como é o caso dos

indígenas.

A CPI, que propiciou o nascimento dos movimentos indigenista e indígena no

Acre, em sua gênese foi fiel a uma proposta de construção de um modelo escolar

indígena respeitando as características sócio-antropológicas da etnia Kaxinawa. Ocorre

que ao se institucionalizar esta ONG passa a desenvolver atividades com um coletivo

maior de povos indígena, constituído pelas etnias Kaxinawa, Katukina, Manxineri,

Apurinã, Yawanawa e Yaminawa. Foi a partir deste fato, que ocorreu, como já nos

referimos neste trabalho, no ano de 1983, que a CPI passa a estreitar seus laços com o

Estado e investe numa proposta que segundo Sáez, resulta num modelo genérico

tutelado pela forma Kaxinawa de ser índio, prestando-se mais a um projeto de dotar o

Estado do Acre de uma identidade indígena manipulada.

Isto significa um índio de identidade difusa, que não é nem Kaxinawa, nem

Manxineri, nem Yawanawa, nem Katukina e nem outra qualquer das identidades

étnicas específicas dos povos indígenas presentes no Acre.

No entanto, do ponto de vista do discurso, a CPI é, por excelência, a responsável

pela FD que dá sustentação a EEIID e B, que é assumida pelo Estado como modelo

efetivamente indígena. Foi a CPI que inaugurou a formação discursiva acerca deste

modelo estandarde de educação para indígena.

Outra amarração pertinente diz respeito ao fato de que é necessário admitir não

ser tarefa fácil definir objetivos para a educação escolar indígena. Isto porque, dentre

outras razões, há no Brasil uma grande diversidade de situações sócio-histórica e

sociolingüística vivenciadas pelas etnias indígenas.

O material a que tivemos acesso nesta pesquisa sugere que o mais acertado em

se tratando de educação escolar indígena seria deixar os grupos indígenas livres e,

para aqueles que demandarem educação escolar, que seja facultada a possibilidade de

construção de PPP‘s específicos, respeitando estas situações diversificadas das etnias.

Mas isto não quer dizer que os sistemas devem delimitar um tempo para que isto

ocorra, pois como já escrevemos neste trabalho, a maneira como os índios lidam com o

tempo é diversa da forma como se faz na tradição ocidental. Os parâmetros temporais

dos indígenas são bem mais expandidos. Para eles conta os ciclos da natureza, o

tempo das chuvas, o tempo da piracema dos peixes, o tempo da desova dos tracajás

nas praias. E estes tempos são bem maiores que os nossos cronometrados em

minutos: 45 mim para uma aula de língua portuguesa; uma hora e 15 mim para

matemática; 25 minutos de recreio, etc.

Também podemos concluir que a construção de Parâmetros Nacionais para

organizar um modelo estandarde de Educação Escolar Indígena é, senão um erro, no

mínimo uma atitude temerária.

Vários autores, como Monte ibidem e Dalmolin ibidem, reconhecem que a escola

como instituição não indígena cumpre um papel relevante no fortalecimento da

autonomia indígena. Todavia esta não pode ser uma imposição do Estado ou de

instituições para-estatais que se sobrepõem às lideranças dos povos indígenas e

decidem qual o modelo escolar adequado para estes povos, indo de encontro às

expectativas do movimento que defende a construção de escolas Kaxinawa, Katukina,

Madija, Yaminawa etc.

Outra amarração que se faz necessária, até porque no texto demos um

tratamento en passant, diz respeito ao fato do Governo Federal, os Estados e os

municípios, não terem construído efetivamente sistemas de ensino como preceitua a

legislação, e dotado estes sistemas de financiamento, dando-lhes autonomia financeira,

pedagógica e administrativa, de forma que os índios possam decidir e implantar os

modelos pedagógicos que julguem melhores e mais adequados para servir suas

comunidades.

É urgente a necessidade de superação deste estágio, pois ele tem permitido o

jogo de empurra que ocorre no âmbito dos entes federados do Estado brasileiro. Os

professores e líderes indígenas ficam sem saber a quem recorrer quando o assunto é o

atendimento das demandas pertinentes à construção e manutenção da educação

escolar indígena.

Pelo arremedo de sistema que ora vigora, em tese o atendimento deveria ser

efetuado mediante a cooperação dos três entes federados e, segundo a Resolução

CNE/CEB n.º 3, caberia ao Governo Federal e aos Estaduais, dentre outras obrigações

as que transcreveremos abaixo:

Ao Governo Federal – Apoiar técnica e financeiramente os sistemas de ensino

na formação de professores indígenas e do pessoal técnico especializado; criar

ou redefinir programas de auxílio ao desenvolvimento da educação, de modo

que atenda às necessidades escolares indígenas. Aos Estados –

Responsabilizar-se pela oferta e pela execução da Educação Escolar Indígena,

diretamente ou por meio de regime de colaboração com seus municípios. (As

leis e a educação escolar indígena: Programa Parâmetros em Ação de

Educação Escolar Indígena, 2001)

Estas recomendações da Resolução CNE/CEB n.º 3 são atendidas apenas

parcialmente e de forma distorcida.

Ate 1999 o MEC destinava poucos recursos para a manutenção da Educação

Escolar Indígena, condicionando cerca de 80% do orçamento para aplicação em

projetos desenvolvidos por umas três ou quatros ONG‘s, e mais ou menos o mesmo

número de universidades, consideradas responsáveis pela sistematização e

manutenção do modelo de EEIID e B junto ao ministério38.

Após 1999 o governou dotou a educação escolar indígena com aporte maior de

recursos e inverteu as prioridades dos investimentos, destinando mais recursos aos

sistemas oficiais de educação, responsáveis legais pela oferta do ensino, destinando

menor percentual às ONG‘s e universidades.

Porém a visibilidade de que o governo federal estava aportando mais recursos,

só foi possível por se ter como parâmetro a situação anterior. Passado aquele primeiro

momento, se percebe que estes recursos estão defasados em pelo menos 60% do que

seria necessário e ideal para a manutenção adequada39 do funcionamento do sistema.

Por outro lado, uma atribuição que não está na resolução, mas tanto a atual

gestão do governo federal quanto a anterior tem assumido, é a de desempenhar papéis

que seriam das ONG‘s ou do Ministério Público, adotando posição de arbítrio em

conflitos envolvendo os sistemas estaduais e municipais de ensino, e o movimento

indígena, ou o movimento indigenista, tomando sempre o partido destes, em detrimento

daqueles, e se eximindo de quaisquer faltas para com as responsabilidades que o

sistema lhe impõe, como ocorreu no Acre, numa ocasião em que uma técnica da

Coordenação Geral de Apoio às Escolas Indígenas do MEC – CGAEI/MEC,

participando de uma atividade promovida pela CPI, confronta e constrange o

coordenador da CEEI perante os indígenas e indigenistas da CPI, acusando o governo

38 Consultar expedientes na CEEI da SEE.

39 Estes cálculos foram feitos tendo por base as demandas do sistema estadual do Acre. Estes números poderão ser maiores ou menores a depender do

sistema que se compare.

do Estado de não aplicar os recursos destinados às escolas indígenas e, mais grave

afirmando que o MEC destinava para o Estado e os municípios os recursos suficientes

para a adequada manutenção do sistema de educação escolar indígena, atendendo

todas as demandas, da construção das escolas à formação dos professores.

Por esta mesma razão, vale uma amarração acerca da disputa que se

estabelece entre a SEE/CEEI e as entidades da sociedade civil, podendo, ou não, a

realidade a seguir descrita, ser extensiva e pertinente a realidades vivenciadas em

outros Estados da federação.

Como já foi referido neste trabalho, o indigenismo acreano alternativo

desenvolveu-se no âmbito da chamada sociedade civil durante a vigência da ditadura

militar, numa conjuntura em que o Estado era o grande inimigo. Esta conjuntura levou

este indigenismo alternativo a incorporar certa ojeriza contra determinados agentes do

Estado, embora esta ojeriza não fosse extensiva a todos os agentes do Estado e nem

ao Estado como tal, haja vista que desde o ano de 1983 esta sociedade civil

desenvolvia parcerias e convênios com o Estado, nas suas três vertentes federativas.

Na verdade, segundo a leitura que fizemos de Sáez, em referência à atuação da

CPI junto à etnia Yaminawa, foi possível deduzir que se operava uma simbiose entre o

Estado e o indigenismo alternativo, de forma que este desfrutava de uma posição

cômoda, pois o resultado desta simbiose lhe permitia assumir uma situação privilegiada,

porque por desfrutar de

maior dinamismo dos órgãos privados e de pequeno porte, se dedica

essencialmente à criação de elites indígenas: é ele o responsável pelos salários

de professores indígenas e enfermeiros, e, sobretudo, pelos cursos de

formação e pela participação dos jovens Yaminawa em congressos ou reuniões

de indígenas em escala nacional e internacional.

Este processo que Sáez está analisando ocorria antes da conquista do governo

do Estado do Acre por um grupo de oposição, que chegou ao poder em 1999

defendendo uma plataforma política de esquerda e que, uma vez no poder, se auto

intitulou Governo da Floresta.

Mas isto não quer dizer que a CPI deixe de cumprir esta função, o que vai

ocorrer é uma mudança estratégica guiada pela decisão deste grupo político em

assumir a responsabilidade pela gestão da educação escolar indígena, que passa a ser

um serviço público oferecido no âmbito do aparelho do Estado, por meio de uma

coordenação criada para esta finalidade, a CEEI, na SEE.

Em relação à política de educação escolar indigenista do Estado do Acre se

fizermos um paralelo com a política do governo federal, mutatis mutandis o Governo da

Floresta também assume esta política num momento em que há muitas demandas

reprimidas, razão pela qual consegue realizar algumas coisas, que, à luz da situação

anterior de atendimento quase zero, promove uma grande visibilidade, desencadeando

um processo de disputa com a CPI, pois, na nova conjuntura ela já não desempenhará

os mesmos papéis que desempenhava antes da ascensão do chamado Governo da

Floresta.

Mas este governo não quer perder o apoio da sociedade civil, por isto seus

dirigentes ampliam o Estado incorporando a maioria das entidades que compõem esta

sociedade civil numa nova dinâmica, como são claramente os casos do CTA e da CPI,

que passam a assumir funções para-estatais, atuando no interior do governo por meio

da participação em conselhos, como o de Meio Ambiente, Educação, de Florestas e

outros, ou realizando consultorias, celebrando convênios para prestação de serviços,

ou ainda fornecendo seus quadros para atuarem no aparelho estatal.

Com a entrada do Estado num cenário que antes não atuava, queremos

considerar que, do ponto de vista da competência técnico-pedagógica e do

compromisso político com a causa indígena, no geral não se observam diferenças

significativas entre os técnicos da CPI e os da CEEI. Fazemos esta observação porque

parte da crítica que a CPI fazia ao Estado quando este passa a assumir os serviços de

assistência e manutenção da EEIID e B, dizia respeito a este tópico. No entanto, por

incrível que possa parecer os técnicos da CEEI, inclusive, se empenham na tarefa de

formatar – junto ao conjunto dos representantes de cada etnia – PPP‘s que fogem dos

modelos estandardes, e só não o conseguirão porque não há interesse e nem

compromisso do governo com este projeto político, haja vista que isto pressupõe

conceber autonomia aos povos indígenas, autonomia fundiária, política, financeira,

cultural etc, e isto é impensável e, sobretudo, impraticável para o governo, pois este

apenas reciclou, sem erradicar e nem abdicar das formas de tratamento autoritárias e

preconceituosas contra os indígenas, presentes nos governos que o antecederam.

As ações do governo no âmbito da educação escolar indígena ficarão restritas ao

que já foi executado, como a construção e manutenção de prédios escolares, a

ampliação da rede de escolas e do número de professores, e a capacitação dos

docentes, não se esperem mais nada inovador ou revolucionário. Não há como avançar

mais, porque avançar, como escrevemos acima, significaria assumir uma postura

política pró-indígena, e o governo, por não ter identidade política com a causa,

dificilmente a assumirá. O que se pode esperar daqui para frente será a

superlativização e a reificação, por meio da divulgação nas mídias, do que já foi

realizado até agora.

Esta postura do governo enquanto gestor das contradições da sociedade dividida

em classes, não interferirá no compromisso que a equipe técnica da CEEI tem com a

causa indígena. No entanto ela se encontra num nível hierárquico que não lhe permite

avançar, então sua atuação será no sentido de cumprir as tarefas mínimas que o

Estado é obrigado a assumir, mas nada que signifique uma transformação qualitativa

nas condições adversas que as populações indígenas acreanas atravessam, não só no

que tange à EEIID e B, até mesmo porque esta não é uma ação que esteja isolada de

um conjunto de outras demandas que são essenciais para resguardar, tanto o sucesso

da EEIID e B, quanto a manutenção da cultura material e imaterial e a vida dos índios.

Para concluir estas considerações finais, queremos esclarecer que o matiz

aparentemente pessimista desta parte da dissertação, não significa que acreditemos

que a EEIID e B seja algo negativo e que não tenha contribuições para o movimento de

autonomia dos povos indígenas. Não é esta a nossa visão. O que tentamos demonstrar

é que há uma FD na qual a forma sujeito pela qual o sujeito indígena é interpelado, é a

forma do assujeitamento, todavia, concordando com Possenti (ibidem), acreditamos que

este sujeito não é passivo, não aceita o assujeitamento, e a educação escolar pode vir

a ser um elemento na estratégia de combate contra a intenção de se impor a ele esta

forma sujeito assujeitada.

Dito isto, reafirmamos que entramos na ordem do discurso da EEIID e B, e

assumimos uma postura discursiva que é partilhada por outros sujeitos, uma postura

que refuta a idéia apriorística e reificante de que a EEIID e B seja uma educação

indígena na acepção do significado que esta expressão traduz. Esperamos ter

cumprido a tarefa a que nos propusemos nesta dissertação.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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ANEXOS

Anexo n.º 01 - Etnias indígenas acreanas sobreviventes a um século de genocídio e

etnocídio.

Famílias Lingüísticas

Etnias sobreviventes

Proficiência lingüística Municípios em que se encontram grupos dessas etnias

Pano

HuniKuĩ/ Kaxinawa

Há grupos cujos homens adultos são bilíngües, e as mulheres e crianças são monolíngües em Hantxa Kuĩ - língua indígena; outros grupos são monolíngües em língua portuguesa e há grupos multilíngües, além do Hantxa Kuĩ, apresentam proficiência noutra língua indígena, além do Português e Espanhol.

Marechal Thaumaturgo no rio Breu; Jordão nos rios Jordão e Tarauacá; Tarauacá, rios Tarauacá, Muru, Humaitá e na BR 364; Feijó, no baixo e Alto rio Envira; Santa Rosa do Purus, no rio Purus.

Yaminawa

Os grupos do Acre e Purus são bilíngües, com excelente preservação da língua indígena, os grupos do Juruá são monolíngües em língua portuguesa. Nos grupos do Acre e Purus há indivíduos que apresentam proficiência em Português e Espanhol, além de outra língua indígena.

Rodrigues Alves no Igarapé Preto; Sena Madureira, nos rios Purus, Caeté e Iaco; Assis Brasil, no rio Acre, Santa Rosa do Purus, no rio Purus e na sede municipal está se formando uma aldeia urbana.

Katukina

Os homens são bilíngües, e as mulheres e crianças são monolíngües em língua indígena. O grupo localizado às margens da BR 364 está sob risco de deslocamento lingüístico dado o extenso contato com falantes de português.

Tarauacá, no rio Gregório e na BR 364 próximo aos municípios de Cruzeiro do Sul e Rodrigues Alves.

Yawanawa

Apenas as gerações acima dos 40 anos são falantes da língua Yawanawa, o grupo está no limite entre o bilingüismo e o monolingüísmo em língua portuguesa.

Tarauacá, no rio Gregório.

Shanenawa

Apenas as gerações acima dos 40 anos são falantes da língua Shanenawá, o grupo está no limite entre o bilingüismo e o monolingüísmo em língua portuguesa.

Feijó, no baixo rio Envira.

Nukini Monolíngües em língua portuguesa Mâncio Lima, no rio Moa.

Shawãdawa Monolíngües em língua portuguesa Porto Walter, no rio Bagé.

Nawa Monolíngües em língua portuguesa Mâncio Lima, no igarapé Novo Recreio.

Apolina Arara Monolíngües em língua portuguesa Marechal Thaumaturgo no rio Amônea.

Jaminawa Arara

Monolíngües em língua portuguesa Marechal Thaumaturgo no rio Bagé.

Poyanawa Monolíngües em língua portuguesa Mâncio Lima, na Terra Indígena Barão.

Kontanawa Monolíngües em língua portuguesa Marechal Thaumaturgo no rio Amônea.

Aruak

Ashaninka/ Kampa

Os homens adultos são bilíngües, e as mulheres e crianças são monolíngües em língua indígena. Há indivíduos que apresentam proficiência em Português e Espanhol.

Marechal Thaumaturgo no rio Amônea; Feijó no rio Envira e em Tarauacá no Igarapé Primavera.

Manxineri Bilíngüe, com boa preservação da língua indígena. Sena Madureira, no rio Iaco uma família mista com Jaminawa em Assis Brasil no rio Acre.

Arawá Madija/ Kulina

Os homens adultos são bilíngües, e as mulheres e crianças são monolíngües em língua indígena. Há indivíduos que apresentam proficiência em Português e Espanhol.

Santa Rosa do Purus, no rio Purus; Manuel Urbano, no rio Purus; Feijó no rio Envira.

Anexo n.º 2 – Escolas, Professores e Alunos na Educação Escolar Indígena por

Município no Acre

Total de Escolas, Professores e Alunos na Educação Escolar Indígena por Município e Rede

Município Escolas Professores Alunos

Assis Brasil 20 28 485

Cruzeiro do Sul 5 11 175

Feijó 20 51 808

Jordão 27 37 838

Mâncio Lima 6 29 455

Manoel Urbano 5 7 239

Marechal Thaumaturgo 12 18 518

Porto Walter 7 8 112

Rodrigues Alves 4 5 81

Santa Rosa 28 39 944

Sena Madureira 6 6 71

Tarauacá 21 61 928

Total Geral 161 300 5654

Fonte: Coordenação de Educação Escolar Indígena da Secretaria de Estado de Educação/SEE

Total Rede Estadual

Escolas Professores Alunos

111 258 3809

Fonte: Coordenação de Educação Escolar Indígena da Secretaria de Estado de Educação/SEE

Total Rede Municipal

Escolas Professores Alunos

50 42 1845

Fonte: Coordenação de Educação Escolar Indígena da Secretaria de Estado de Educação/SEE

Total Geral de escolas e professores indígenas do Acre

Escolas Professores Alunos

161 300 5654

Fonte: Coordenação de Educação Escolar Indígena da Secretaria de Estado de Educação/SEE

Anexo n.º 3 – A Escolaridade dos Professores Indígenas do Acre

RESUMO DO QUADRO DEMONSTRATIVO DOS PROFESSORES POR ESCOLARIDADE

MUNICÍPIO ESCOLARIDADE QUANTIDADE Total

Assis Brasil

Fundamental Incompleto 20

29

Fundamental Completo 3

Ensino Médio 5

Ensino Superior 1

Cruzeiro do Sul

Fundamental Incompleto 6

11

Fundamental Completo 2

Ensino médio 3

Feijó

Fundamental Incompleto 10

51

Fundamental Completo 12

Ensino Médio 29

Jordão

Fundamental Incompleto 8

37

Fundamental Completo 23

Ensino Médio 6

Mancio Lima

Fundamental Completo 6

36

Ensino Médio 27

Superior Completo 3

Manoel Urbano

Fundamental Incompleto 1

7

Fundamental Completo 1

Ensino Médio 5

Marechal Thaumaturgo

Fundamental Incompleto 1

18

Fundamental Completo 4

Ensino Médio 13

Porto Walter Fundamental Incompleto 5

8 Fundamental Completo 3

Rodrigues Alves

Fundamental Incompleto 2

5 Fundamental Completo 3

Santa Rosa

Magistério Inconpleto 1

30

Magistério Completo 20

Ensino Médio 18

Sena Madureira Fundamental Incompleto 5

6 Fundamental Completo 1

Tarauacá Fundamental Incompleto 13

62

Fundamental Completo 28

Ensino Médio 20

Ensino Superior 1 Total Geral 300 Fonte: Coord. de Educação Escolar Indígena - SEE/2009

Anexo n.º 4 – Ficha Técnica do RCNEI

Coordenação Geral Nietta Lindenberg Monte Equipe de Coordenação Darlene Yaminalo Taukane, Júlio Wiggers, Terezinha Machado Maher, Valmir Jesi Cipriano Consultoria e Redação Para começo de conversa Nietta Lindenberg Monte e Aracy Lopes da Silva (coordenadoras), Darlene Yaminalo Taukane, Deuscreide Gonçalves Pereira, Gersen José dos Santos Luciano, Júlio Wiggers, Luis Donisete Benzi Grupioni, Marta Maria Azevedo, Suzana M. Grillo Guimarães Temas Transversais Fausto da Silva Mandulão e Valmir Jesi Cipriano Línguas Terezinha Machado Maher (coordenadora), Bruna Franchetto, Lydia Poleck, Maria Bernadete Abaurre, Ruth Fonini Monserrat, Sílvia Lúcia Bingonjal Braggio Matemática Jackeline Mendes e Mariana Kawall Leal Ferreira História Antonia Terra de Calazans Fernandes Geografia Márcia Spyer Rezende Ciências Isabelle Vidal Giannini e Kléber Gesteira Matos Arte Jussara Gomes Gruber e Lúcia Hussak van Velthem Educação Física Fernando Luis Vianna Edição Mara Vanessa Dutra, Nietta Lindenberg Monte e Marina Kahn Revisão Viviane Veras, Ana Freire e Maristela de Lima

Programação Visual Luis Daré

Anexo n.º 5 – Lista de Agradecimentos do RCNEI

Aos professores indígenas que mandaram suas contribuições para fundamentar

as idéias deste Referencial:

Afonso Manuel Maurício, Cristóvão, Marcolino Rabelo, Damião Carvalho Neto, Darcy

Duarte Marubo, Edilson Arara, Gilberto Alves, Hermelinda Aline Coelho, José Adjailson

Porto Vieira, José Erivaldo Cordeiro de Oliveira, Justino Miguel Alexandre, Higino

Tuyuka, Lucimar Tertuliano, Manuel Sande João, Maria das Montanhas Bento, Maria

Helena Barbosa da Silva, Missionário Miguel, Moacir Madical, Onildo Manuel, Ozino

Benedito Pedro, Pedrisia Damasio Oliveira, Robertinho da Silva, Sebastião

Duarte/Tucano, Silvio Sebastião Carvalho, Waldir Carvalho, Wilson dos Santos Manoel,

Comunidade Auretê/AM; Professores Indígenas de Minas Gerais, Professores

Indígenas de Passo Fundo/RS, Professores Indígenas de São Valerio do Sul/RS,

Professores Indígenas Kampa, Professores Indígenas Krikati, Professores Indígenas

Tiriyó e Kaxuyana;

Professores do Acre e Sudoeste do Amazonas:

Chico Yawanawá, Isaac Ashinika, Jaime Manchineri, Julio Isudawa Jaminawa

Professores Kaxinawá: Aldenor Rodrigues da Silva, Anastácio Maia Bane, Isaias,

Joaquim Maná, Josimar Tui, Manoel Francisco Dario, Edson, Manoel Saboia, Nicolau,

Norberto, Paulo Lopes Siã, Virgolino, Tene, Waldemar Pinheiro Ibã; Professores

Apurinã: Aiwá, Aldereci da S. Anã;

Professores Guajajara:

José Lodis, Luciene, Lauro, Milton de Souza, Moisés;

Professores Kaimbé:

Joselene Macedo, Maria Luiza, Genisse Cruz;

Professores Karajá:

Adão Ureha, Antônio Ferreira, Célio Kawina, Cláudio Idyare, Edi Mato Hori, Hariana,

Ismael Xuttanama, Joel Wahuri, José Hani, José Uriama, Judson, Wadjureno, Jurandir

Malruleme, Manuel Tuila, Marcos Wyra, Moisés Belehiru, Paulinho Chalue, Roberto

Beinaré, Sinvaldo Oliveira, Tereza Mahike, Wadi, Woubeder;

Professores Katukina:

Bejamin, Francisco;

Professores Kiriri:

Adenilza dos Santos Macedo, América Jesuina da Cruz Batista, Edenice Jesus da

Flora, Ivanilde de Jesus, José Valdo dos Santos, Marlinda de Jesus, Maria de Fátima

Santos da Silva, Monica Jesus de Souza, Onalvo de Jesus Santos, Solange Jesus

Santos, Carlos Luis, Rejane, Valdeci, Erenilda, Rozália, Maria José;

Professores Pankararé:

Claudiane Araújo Ferreira, Maria Clarice Cruz dos Santos, Antonia Cruz;

Professores Pataxó:

Adelson Oliveira Conceição, Ademanio Braz Ferreira, Alzira Santana Ferreira, Anari

Braz Bonfim, Aurenilson da Conceição Braz, Birai, Diana Conceição Bomfim, Dinai

Pires, Edenildo Lopes Santana, Edvaldo de Jesus Santos, Geane Vieira Braz, Genival

Conceição do Santos, Iraildes Sena Braz Conceição dos Santos, José Roberto Silva,

Jovino de Jesus Ponçada, Kelli Cristina Ferreira dos Santos, Macari Alves Ferreira,

Maria Aparecida Martins S. C. Toledo, Maria da Silva Souza, Marilene, Paulo Rosa

Titiar Vieira, Siara Braz Corrêa, Velson Santana Braz, Vera Lucia;

Professores Pataxó Hã Hã Hãe:

Alessandra Lima Santos, Aluísio Costa Vieira, Edilson Jesus de Souza, Erhon Santos

de Souza, Gildinai Gualberto Gomes, Ivonete Pereira dos Santos, José Renilton Muniz

Lima, Luciene Muniz de Andrade, Luzeneth Muniz, Margarida Pataxó R. de Oliveira,

Maria de Fátima, Noemi Leite Moraes Guimarães, Silvani Santos de Souza, Wilman

Rocha de Oliveira;

Professores Tuxá:

Rosineide Vieira Cruz, Aldenora Vieira, Rizalva dos Santos Torres;

Professores Xucuru:

Maria José Lima, Aparecida, Rosinete, Irene Elizângela, Clarice Aparecida, Jucineide

Maria Simplício Freire, Giselma de Brito;

Cursistas do Projeto Tucum:

Alexandre Azomaré, Alinor Alves Zezonai, Alvair Monzilar, Angelo Kezomae, Ariovaldo

Alves Reginaldo, Aristides Onezokemae, Arlindo Pudata, Armindo Zokezomeyece,

Atanasio Jolasi, Cecília Lalapwetalu, Cristina Leite, Daniel Matenho Cabixi, Donato

Bibitaca, Ester Lúcia Irantxe, Geraldina Peresi, Ivanio Zekezokemae, Ivo Zonaikaikta,

João Euclides Pareéis, João Isaputai, Arlindo Jokmaba, João Quirino Fazokemae,

Joãozinho Akonoizocae, José Maria Crixi, Jovanil Amajunepá, Laurinda Nambikwara,

Luizinho Ariabo Quezo, Maria Alice Souza Cupudunepá, Maria Devanildes do Carmo,

Maria Suzana do Carmo, Maria Tereza C. de Jesus Kojoãjuwi, Marino Borum

Munduruku, Mário Ilhamão, Mário Moreno Onizokãe, Miriam Kazaizokairo, Nilce Zonizo

Kemairô, Odivaldo Aluizomae, Osmarina Morimã, Paulo Henrique Martinho Skirip,

Pedro Kezowe, Angela Kezonazokero, Pedro Nazokemai, Raimundo Irantxe, Sandra

Aparecida Azemaizokero, Silo Onozokemai, Solomão Nezokemazokae, Terezinha

Amazikairo; Abraão Tsibupa, Adalberto Omnhorowe, Alberto Pariwaw Tserebuwa,

Adalberto Tserebutuwê, Adelino Ernestino, Alexandre Tsitomowá'a, Alfredo Parapsé

Xavante, Aquiles Abdzuwe, Arim Tamassu, Boaventura T. Tserewá'wá, Bonifácio

Tseretsira, Carlos Wa'utomoro, Tsitedzé, Donato Tsimrihu Tsahobo, Eliseu Rua'wê,

Eliseu Wadupi Tsipré, Espèrio Warowedewe, Ely Serewaibe, Fabiano Abutuwê Madu,

Floriano Matsa Tserenho'e, Frederico Ruwabzu Tseretomodzatsé, Gaspar Waradzéré

Tsiwari, Gedeão Diomar Râiro Ó Diwaue, Gilma Ró otsí utóri'o Paratse, Heitor Wawéru,

Hilário Pariperê Parirânxê, Inácio Al'rero Ruprewe, Isaias Prowê Fseredzawe, João

Batista Tsi'omowê Tsoropré, João Bosco Xavante, Jonas Tsiredi Tseredzawe, Jonatas

Teihipa, José Gonçalves Bewê, Josué Duptuwe Twapé, Leandro Aptsi'ré, Leonardo

Urébété, Manuel Divino Tsere'onorate, Marcelo Rupowé Xavante, Marcos Antônio

Tseredzadzur'a Tsedza'é, Marcos Tsi'robo Paridzane, Maria Carla Penhõwe

Tseretonodzatsé, Mateus Tserewadzi, Mateus Tserenhowatsihu Tseredze, Mateus

Tseretopo Re ré édi, Máximo Uratsé tsi Omowé, Mazzarelo W. Xavante, Maurício

Tsawewpte, Modesto Tserewawã'rã, Nicolau Wadzá, Paulo Ubuhu, Paulo Teserãwe,

Pedro Uiwedewê, Profirió Trutep, Rogério Wahoné, Rute Rewãtsu, Tito Abdzu, Tito

Seretatê, Tobias Õmohi, Valdibnez Tserehoro, Valdemir Howaewa, Valmir Adzowé

Xavante, Vicente Tsimrihu Rãi'rãté, Vitorio Buruwewawe Wa'ahe, Xisto Tserenhi'nu

Tserenhimi, Walter Tsipe Xavante; Araci Borobó, Arnaldo Vicuna Ocuguebou, Áurea

Maria Cunha, Benedito Pereira Junior. Bakorokaro, Bruno Tavie, Evaristo Kiga, Cláudio

dos Santos Bakaroé Kia, Daniel Koriga, Dario Brame, Edinho Uaigaroreu, Elizabeth das

Dores Rodrigues Arogeareudo, Felix Rondón Adugoenaw, Gerson Mário Enogureu,

Gilberto Kia, Helinho Kurugugoe Eiga, Hilário Rondon Adugonareu, Iolanda Silva

Bokorokurireudo, Iraci Borobó, José Aniceto Xavier de Melo Iorobaro, Laura Maria

Vicunã Imexebado, Luiz Carlos Okoeréo, Maria Divina de Arruda, Maria Divina

Ituraredo, Maria Palmira Boturo Ewago, Maria Trindade Tuboreguiri, Maurício

Kurugugoe Emaguda, Neide Jereguinha, Orlando Kuira, Sebastião Marques

Aquiricudureu, Osvaldo Hélio Iwodo Akaire, Rosângela Burue Ekureudo, Sandra Florice

Aroe Poiwo, Silvio Mário Oikare, Teodoro dementino Marege Kadogeba, Valdeci

Poxiréo, Virgílio Kidemugureu, Waldemar Borobó, Monitoras Rita Natalia, Cidinha,

Dulce Lene, Euzeario; Ana Maria Melka Xerente, André dos Santos Kawaka, Antônio

Leocadio Kawaco, Apolônio Apiaga, Arlindo Rondón Kogapi, Cleuzinete Magaro

Pedroso, Dairce Cutazega Kaipanago, Dorothy, Durcilene de Oliveira Rodrigues Apygô,

Durval Alacuiwa, Edinho Kamâni, Edivaldo Aparecido dos Santos, Edmundo Piniru,

Edna Sales Apayegã, Edson Itamabe, Edson Kulewâra, Edson Oliveira dos Santos,

Eduardo Maiawai Koni Tawanre, Evalnice Caiamalo Bakairi, Everaldo Wedetsire,

Genivaldo Geronimo Poiure, Gilberto Sapenague Paroka, Gilmar Paique Paroca,

Gilberto Tserehoniora, Ivelise Pedroso Iamynalo, Jackson Iacamylda Kukure, Jeremias

Poiure, Luiz Apacano Kapeguara, Maísa Cúteme Taukane, Márcio Alua Madikai,

Marilene Sanaca Matuawa, Maurício Xerente, Moacir Madicai, Moisés Ipetsadi Tsirobo,

Otaviano Tserenõ Wadawé, Paulo Kavopi, Queridinha Egueco Apacano, Reginaldo

Ikaura Xerente, Selma Ekuida Kutiaca, Suzeli Aiguta, Waldomir Ianu, Valdenor Aigure,

Vanda Kurico Seigalo, Vânia Ataiwalo Kuiwire, Zenilde Makialo.

As Escolas Indígenas que contribuíram enormemente com o documento:

Escola 1° Grau Indígena José de Alencar/Kaingang, Escola Estadual Io Grau

Incompleto Toldo Guarani, Escola Indígena Io Grau Faustino/Kaingang, Escola

Indígena José de Anchieta/Kaingang, Escola Indígena Maria da Silva/ Posto Indígena

Votouro/Guarani, Escola Indígena Rosalino Claudino/Guarita- RS/Kaingang, Escola Iorü

Reparaü/Aldeia Filadélfia-Tikuna, Escola Marechal Cândido Rondon/São Valerio do Sul/

RS-Kaingang, Escola Municipal Io Grau Indígena Estelito Malaquias-Kaingang, Escola

Municipal do OrorubáV Xucuru, Escola Polo Municipal de 1o Grau MboTìroy

Guarani/Kaiowá, Escola Indígena Procurador Geraldo Rolim Mota Filho, Escola

Indígena Olavo Bilac/Xukuru.

Aos participantes dos Encontros e Seminários nacionais e regionais onde

foram discutidos os RCNE-Indígenas:

I Encontro de Coordenadores de Projetos na Área de Educação Indígena, realizado no

MEC; Primeira Conferência Municipal de Educação de São Gabriel da Cachoeira/AM;

Conferência Ameríndia - MT; II Curso de Formação de Professores Indígenas da Bahia;

XVIII Curso de Formação de Professores Indígenas do Acre e Sudoeste do Amazonas;

VI Curso de Formação de Professores Indígenas de Minas Gerais; IV Etapa do Curso

de Magistério Indígena de Mato Grosso; Curso Magistério

Indígena Tikuna-AM.

Aos pareceristas que analisaram e enriqueceram a versão inicial com suas

opiniões e experiências e aos que reescreveram partes do texto:

Adir Casaro Nascimento, Adriane Costa da Silva, Aldir Santos de Paula, Alice dos Reis

Rosa, Aloma Fernandes de Carvalho, Ana Rosa Abreu, Angel Corbera Mori, Antonia

Terra de Calazans Fernandes, Antônio Brandt, Bartomeu Melià, Beatriz Perroné

Moisés, Betty Mindlin, Bruno Ferreira, Circe Maria Fernandes Bittencourt, Cláudia

Rosemberg Aratangy, Edir Pina de Barros, Edivanda Migrabi, Eliene Amorim de

Almeida, Elizabeth Maria Bezerra Coelho, Enilton André da Silva, Stela Würker,

Francisco de Borja Lopes de Prado, Gilvan Müller de Oliveira, Irani Miguel Kaingang,

Ivo Borges Brito, Jaime Manchineri, John Manuel Monteiro, José Ribamar Bessa Freire,

Juliana Santilli, Lilavate Romanelli, Lucas Ruriõ Xavante, Lúcia Helena Afonso Alvarez

Leite, Lucy Secki, Marcelo Pedrafitas Iglesias, Marilda do Couto Cavalcante, Lux Boelitz

Vidal, Marcos Pelegrini, Maria Beatriz Ferreira, Maria Cecilia Guedes Condeixa, Maria

Cristina Troncarelli, Maria de Lurdes Nelson, Maria Heloísa Corrêa de Toledo Ferraz,

Maria Inés Freitas, Maria Inês Laranjeira, Marília Lopes da Costa Facó Soares, Marina

Kahn, Marina Marcos Valadão, Mariza Carvalho Soares, Neide Mariza Rodrigues

Nogueira, Osvaldo Luiz Ferraz, Pedro Franco, Raimundo Leopardo Ferreira, Renato

Gavazzi, Rosana Soligo, Roseli de Alvarenga Corrêa, Roseli de Souza Lacerda, Sélia

Juvêncio, Silvio Coelho dos Santos, Sueli Ângelo Furlan, Terezinha Fróes Burhan,

Ubiratan D'Ambròsio, Vera Olinda Sena, Wilmar da Rocha D'Angelis, Yara Sayão, Yone

de Freitas Leite, Yves de La Taille, Zineide Pereira Sarmento.

Às Instituições que se manifestaram com críticas e sugestões valiosas ao

aprimoramento do texto final:

Centro de Estudos Paraguayos "Antônio Guash", Centro de Trabalho Indigenista-CTI,

MARI-Grupo de Educação Indígena/ USP, Comissão Pró-índio do Acre-CPI/AC,

Conselho Indigenista Missionário-CIMI, Delegacia do MEC em Rondônia-DEMEC-RO,

Delegacia do MEC no Acre-DEMEC-AC, Delegacia do MEC no Ceará-DEMECCE,

Instituto de Antropologia e Meio Ambiente-IAMA, Instituto para o Desenvolvimento e

Educação de Adultos-IDEA, Secretaria de Estado da Educação da Bahia, Secretaria de

Estado da Educação de Mato Grosso, Secretaria de Estado da Educação do Mato

Grosso do Sul, Secretaria de Estado da Educação de Pernambuco, Secretaria de

Estado da Educação de Rondônia, Secretaria de Estado da Educação do Paraná,

Secretaria de Estado da Educação do Rio Grande do Sul, Secretaria de Estado da

Educação do Tocantins, Secretaria Municipal de Educação de Goiânia, Universidade

Católica Dom Bosco - UCDB, NEPEC-Núcleo de Ensino, Pesquisa e Extensão em

Currículo, Ciência e Tecnologia/UFBA, NEI-Núcleo de Educação Indígena/UFPE,

Universidade Federal de Rondônia-UNIR, Universidade Federal do Mato Grosso do Sul-

UFMS, Universidade Federal do Pará-UFPA.

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