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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS ÁREA: DINÂMICAS URBANAS E REGIONAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS O agrominerador familiar Por detrás da Serrade Parelhas, Seridó do Rio Grande do Norte HALINE COSTA DOS SANTOS NATAL/RN 2015

O agrominerador familiar Por detrás da Serra de Parelhas ... · Seridó do Rio Grande do Norte ... Seridó do Rio Grande do Norte Dissertação apresentada ao Programa de Pós Graduação

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS

ÁREA: DINÂMICAS URBANAS E REGIONAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS

O agrominerador familiar “Por detrás da Serra” de Parelhas,

Seridó do Rio Grande do Norte

HALINE COSTA DOS SANTOS

NATAL/RN 2015

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HALINE COSTA DOS SANTOS

O agrominerador familiar “Por detrás da Serra” de Parelhas, Seridó do Rio Grande do Norte

Dissertação apresentada ao Programa de Pós Graduação em Estudos Urbanos e Regionais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Orientador: Professor Doutor Fernando Bastos Costa

NATAL/RN 2015

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UFRN. Biblioteca Central Zila Mamede. Catalogação da Publicação na Fonte.

Santos, Haline Costa dos O agrominerador familiar “Por detrás da Serra” de Parelhas, Seridó do Rio Grande do Norte / Haline Costa dos Santos. – Natal, RN, 2015. 114 f. : il.

Orientador: Prof. Dr. Fernando Bastos Costa

Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa de Pós-Graduação em Estudos Urbanos e Regionais.

1. Agricultura familiar – Dissertação. 2. Garimpagem – Dissertação. 3. Pluriatividade – Dissertação. 4. Habitus – Dissertação. 5. Instituição social – Dissertação. I. Costa, Fernando Bastos. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.

RN/UF/BCZM CDU 338.432.5

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A Alex, companheiro, pelo apoio;

Sueli, mãe, pela compreensão e a

meu pai Heleno() e vovó Izaura

().

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AGRADECIMENTOS

Eu não cheguei aqui sozinha, graças a Deus.

Ao longe de todo esse percurso pessoas me acompanharam, apoiaram

e não me permitiram esquecer que “as pedras no meio do caminho” também

fazem parte de qualquer jornada.

Começo agradecendo a duas pessoas que agora estão em outro plano,

o espiritual: pai, obrigada por sempre me incentivar. Entender que há uma

razão e momento para cada um dos eventos em nossas vidas é um

ensinamento que sempre levarei comigo. Tua serenidade em teus “últimos dias

físicos” comigo sempre me inspirarão; vovó Izaura, tuas preces e teu amor

sempre me acalmaram. Teu sorriso ainda me é presente e nele um dia inteiro

se ilumina.

Alex, obrigada pelo amor e incentivo. Ainda que a 6.662,13 km eu sinto a

tua alegria com a minha alegria. Todos os quilômetros que ainda separam não

me dizem nada quando me chegam as lembranças do que somos um para o

outro. Te quiero mogollón, parceirinho.

Mamãe, Hiélia e Márcio, obrigada por abraçarem mais esse sonho

comigo. A compreensão que existe no nosso lar foi imprescindível nessa

construção diária em busca do conhecimento.

A família do lado de lá, da Espanha, de onde só recebo amor e incentivo

personalizados por Candi.

Aos amigos queridos, de longas datas, que compreendem, apoiam,

incentivam e estimulam a cada encontro: Mércia, Thaís, Dennys, Eloísa,

Renata, Celso, João Henrique, Aldo, Lauro, Luana, Arthur, tia Josy, Anita e tia

Neuza.

Cris, Sabrina, Thaís e Cynthia cada palavra de apoio – e auxílio no

campo também, Quiquinha - vinda de vocês chegou na hora certa, na dose

certa. Eu tenho muita sorte de ter vocês como amigas.

Agradeço a Pedro Hugo. Quanta sensibilidade para uma criança de dez

anos de idade, que sempre me recebe com um sorriso no rosto e me abraça

com doces palavras. Suas boas energias e fé chegaram até mim. Obrigada,

Pedrão.

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Ao mestre e figura humana ímpar a qual tive a graça de ter como

orientador. Professor Fernando, teus ensinamentos, transmitidos com

naturalidade e doçura me auxiliaram imensamente nessa caminhada.

Aos colegas do Laboratório de Estudos Rurais da UFRN. Figuras

queridas que trouxeram leveza, senso de coletividade e ajuda ao dia a dia

acadêmico: Kayck, Amanda, Eucástila, Vinícius e Elissângela.

Meu agradecimento especial a Claudia Suassuna: segurança, ouvidos e

conselhos em forma de amizade.

Aos colegas e funcionários que tive a oportunidade de conhecer no

PPEUR: André, Paula, Jenair, Valéria e Rosângela.

À Casa de Caridade Auta de Souza, seus voluntários, frequentadores e

crianças, pelo acalanto e amor dispensados a mim a cada sábado.

Agradeço também a seu Venâncio por todo o apoio e logística,

imprescindíveis as duas visitas à Parelhas. E a todos os agromineradores “Por

detrás da Serra”, eu aprendi muito com vocês.

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“I am the master of my fate.

I am the captain of my soul”

William Ernest Henley.

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O agrominerador familiar “Por detrás da Serra” de Parelhas,

Seridó do Rio Grande do Norte

RESUMO

As condições climáticas desfavoráveis à agricultura familiar, associada à

dificuldade legal de aposentadoria para trabalhadores que atuam

exclusivamente na mineração, são indicações fornecidas que norteiam sobre a

combinação entre a ocupação agrícola e a extração mineral de um grupo que

decidimos titular “agromineradores”, localizados “Por detrás da Serra” da

Princesa, no município de Parelhas, Seridó do RN. Contudo, para além desses

aspectos, a pesquisa enseja uma análise e verificação aprofundada de outros

fatores que vinculam essas famílias a tal associação laboral. Os conceitos de

Habitus, campo e trajetória de Pierre Bourdieu, assim como o de Instituições de

Geoffey Hodgson são fundantes neste trabalho para explicar a inserção desses

agricultores em um ambiente institucional moldado por estruturas sociais que

influenciam nas escolhas e comportamentos individuais e coletivos e que

assinalam para a relevância das estruturas de poder existentes dentro e fora da

família e para o papel das políticas públicas direcionadas aos agricultores

familiares e garimpeiros. A análise dos dados demonstrou que existe uma

estrutura cristalizada e que se manifesta há anos nesse campo, comprovando

o enlace que há entre esses agentes e as instituições que os rodeiam na

composição de comportamentos e rotinização de práticas.

Palavras-Chave: Agrominerador familiar; Habitus, campo relacional e

trajetória; Instituições.

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The family agrominerador “Por detrás da Serra” at Parelhas,

Seridó of Rio Grande do Norte

ABSTRACT

Unfavorable climatic conditions to family farming associated to the legal

difficulty of retirement for workers who work exclusively in mining are indications

provided by previous papers on this topic and guiding of such joint activities in a

group that we have decided to call “agromineradores”, who are located “Behind

de mountain” of Princess at Parelhas, Seridó do RN. However, in addition to

these aspects, the research provides comprehensive analysis and thorough

examination of other factors that link these families to such labor association.

The theories of Habitus, field and trajectory from Pierre Bourdieu as well as the

concept of institutions from Geoffrey Hodgson are central in this paper to

explain the inclusion of these part-time farmers in an institutional environment

shaped by social structures that influence in the choices of individual and

collective behavior and leading to the relevance of the power structures within

and outside the family, along with the role of public policies directed to family

farmers and miners. The data analyzed showed that there is a crystallized

structure that manifests themselves for years in this field, proving the link that

exists between these agents and institutions that surround them in the

composition of behaviors and routinizing of practices.

Keywords: Family agrominerador; Habitus, relational field and trajectory;

Institutions.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Teia de relações de parentesco e trabalho

LISTA DE MAPAS

Mapa 1 - Localização do município de Parelhas/RN

Mapa 2 - Caminhos percorridos em Parelhas

Mapa 3 - Caminhos e espaços visitados "Por detrás da Serra"

LISTA DE DIAGRAMAS

Diagrama 1 - Ocupações dos membros das famílias que, morando ou não no

domicílio, contribuem ou dependem com a/da renda da família

Diagrama 2 - Ocupação dos entrevistados

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LISTA DE IMAGENS

Imagem 1 - Panorâmica da Serra da Princesa

Imagem 2 - Comunidades "Por detrás da Serra"

Imagem 3 - Mina de superfície "Por detrás da Serra"

Imagem 4 - Trabalhadores na mina

Imagem 5 - Barraca dos trabalhadores

Imagem 6 - Barraca dos trabalhadores por dentro

Imagem 7 - Paisagem típica do semiárido I

Imagem 8 - Paisagem típica do semiárido II

Imagem 9 - Agrominerador na cabana montada na mina

Imagem 10 - Agrominerador em sua casa

Imagem 11 - Mica extraída "Por detrás da Serra"

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - População total residente por sexo e situação do domicílio em

Parelhas/RN

Tabela 2 - Número de estabelecimentos agropecuários, com agricultura familiar

e não familiar e sexo do produtor em Parelhas/RN

Tabela 3 - Empresas e outras organizações, por seção da classificação de

atividades (CNAE 2.0) em Parelhas/RN

Tabela 4 - Número de estabelecimentos agropecuários que obtiveram receitas

e valor das receitas obtidas no ano por tipo de receita e agricultura familiar em

Parelhas/RN, com destaque para a receita advinda da exploração mineral

Tabela 5 - Vantagens e desvantagens da AGRICULTURA

Tabela 6 - Vantagens e desvantagens da MINERAÇÃO

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 - Faixa etária dos entrevistados

Gráfico 2 - Grau de instrução educacional dos entrevistados

Gráfico 3 - Grau de instrução educacional geral

Gráfico 4 - Condição de exploração da terra

Gráfico 5 - Ocupação principal dos entrevistados

Gráfico 6 - Ocupação secundária dos entrevistados

Gráfico 7 - Ascendência da atividade agrícola feita conjuntamente com a

atividade mineral

Gráfico 8 - Fonte de renda dos entrevistados

Gráfico 9 - Valor da renda dos entrevistados

Gráfico 10 - Sobre os trabalhadores sindicalizados a STTR

Gráfico 11 - Acesso a políticas públicas

Gráfico 12 - Sobre a dileção entre uma atividade em relação à outra

Gráfico 13 - Relação horas de trabalho por dia

Gráfico 14 - Relação trabalho por dias da semana

Gráfico 15 - Acha perigoso trabalhar na mineração?

Gráfico 16 - Sobre registro ou contrato como minerador

Gráfico 17 - Sobre a manutenção das duas atividades no futuro

Gráfico 18 - Sobre como veem os filhos nesses trabalhos futuramente

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LISTA DE SIGLAS

ASA – Articulação no Semiárido Brasileiro

CTPS - Carteiras de Trabalhos e Presidência Social

DNPM – Departamento Nacional de Produção Mineral

FAO – Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

ICMS – Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços

INEC - Instituto Nordeste Cidadania

INSS - Instituto Nacional de Seguro Social

MDA – Ministério do Desenvolvimento Agrário

MDS – Ministério do Desenvolvimento Social

MMSD - Mining and Mineral Sustainable Development

PAA - Programa de Aquisição de Alimentos

PB – Paraíba

PDSS – Plano de Desenvolvimento Sustentável do Seridó

PNAE - Programa Nacional de Alimentação Escolar

PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

PRONAF - Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar

PRONERA - Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária

RN – Rio Grande do Norte

STTR - Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Parelhas

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 16

CAPÍTULO I - DESCRIÇÃO DO MUNICÍPIO ESTUDADO: PARELHAS E O SEU

POTENCIAL MINERÁRIO .....................................................................................................21

CAPÍTULO II - CONCEITUAÇÕES TEÓRICAS .................................................................. 31

2.1 - AGRICULTURA FAMILIAR PART-TIME E PLURIATIVIDADE ............................... 312

2.2 - HABITUS, CAMPO E TRAJETÓRIA ...................................................................... 345

2.3 - INSTITUIÇÕES ........................................................................................................ 41

2.4 - ESTRATÉGIA METODOLÓGICA ........................................................................... 434

CAPÍTULO III - O AGROMINERADOR FAMILIAR DE PARELHAS/RN ........................... 478

3.1 - “POR DETRÁS DA SERRA” DE PARELHAS ......................................................... 478

3.2 - APRECIAÇÕES SOBRE O AGROMINERADOR FAMILIAR “POR DETRÁS DA

SERRA” DE PARELHAS/RN .......................................................................................... 556

CONCLUSÕES ................................................................................................................. 856

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 8990

APÊNDICES ...................................................................................................................... 956

ANEXOS ......................................................................................................................... 1067

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INTRODUÇÃO

Este trabalho tem o propósito de investigar a estratégia de produção e

reprodução sociais e da agricultura familiar, particularmente no que se refere à

associação entre a agricultura e a atividade extrativa mineral – justificando o

porquê da junção dessas duas categorias e a nomeação agrominerador familiar

-, e averiguar, também, o papel integrador do estado brasileiro na promoção de

políticas públicas que possibilite condições adequadas de sobrevivência para

os núcleos familiares que agregam essas duas atividades no município de

Parelhas, localizado no Rio Grande do Norte (RN), em uma área cujo recorte é

nominado “Por detrás da Serra1”.

Para tanto, faz-se necessário esmiuçar a realidade existente no local,

especialmente as conexas aos conceitos de agricultura familiar, trabalhador

part-time, pluriatividade e estratégias de produção e reprodução social nos

núcleos familiares que desenvolvem atividades agrícola-mineradoras nesse

município, com o propósito de investigar aprofundamentos quanto às

mediações que dão significado às escolhas desses grupos sociais, levando-nos

a seguinte questão central: que fatores e condicionantes levam as famílias do

local a decidirem pela atividade mineral concomitante com a atividade agrícola

e como sobrevivem dessa multiplicidade de atividades?

Eventos já apresentados em estudos anteriores nos indicam sobre

alguns fatores que exercem atração ou estímulo pela concomitância da

atividade agrícola com atividade mineral no local. É o caso, a exemplos, da

presença de apenas duas estações climáticas bem definidas no semiárido - um

período de estiagem bastante expressivo, que se manifesta em média 80% do

ano, agravado pela prevalência de secas periódicas e que acaba por aproximar

o agricultor familiar da mineração-; a dificuldade legal de aposentadoria dos

trabalhadores em mineração ou garimpo quando, em contrapartida, existem

órgãos que representam os agricultores familiares - fato que inexiste na

1 Denominado pelos agromineradores e filhos do município de Parelhas como “Por detrás da

Serra”, esse local, distante em média 20km da sede do município, recebe esse nome por estar localizado atrás da Serra do Boqueirão.

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garimpagem em razão de que nesse trabalho prevalece a informalidade -; e,

por fim, a relevante ocorrência mineral que existe no município de Parelhas,

que movimenta a região economicamente em torno dessa atividade e que

acaba por atrair agricultores familiares que buscam meios de produção e

reprodução sociais.

Esses são alguns condicionantes relevantes na contextualização sobre

as razões que levam essas famílias a decidirem pela concomitância dessas

atividades e que implicam, obrigatoriamente, em impactos originados por essas

decisões tomadas no seio da estrutura familiar. Analisar tais condicionantes

que levam essas famílias a optarem por essa atividade conjunta, desvendar

qual a atividade se faz mais importante (agrícola ou mineradora) sob os pontos

de vista existentes na estrutura familiar e, ainda, analisar como esse

agrominerador se coloca frente a essas possibilidades de sobrevivência em

uma atividade não agrícola – mineradora - e as incertezas de sua efetivação

como ocupação frente às exigências formais da condição de agricultura familiar

são as questões que buscaremos responder.

Sabendo que essa estrutura se desdobra dentro de uma lógica familiar

em que os atores não estão apenas submetidos à condição de adaptação das

ações externas (BASTOS & GOMES, 2009), partimos então da hipótese de

que a atividade mineral, na prática, apresenta-se como mais relevante do que a

atividade agrícola, tratando essa perspectiva sob o aspecto da renda.

Uma estratégia familiar não se orienta apenas por essa aparência. Ela é

guiada, também, através dos riscos que cada uma dessas atividades

representa. E esse grupo, quando exposto às necessidades existentes, pode

nortear suas decisões por meio da comparação entre as duas ocupações. De

um lado a atividade agrícola, com suas incertezas e riscos quanto as

possibilidade de êxito na produção e comercialização, a exemplos; do outro a

garimpagem, com os riscos inerentes às questões de segurança para a

realização do trabalho – que envolve o risco de acidentes - e, pelo viés

institucional, não oferece os benefícios que, em contrapartida, são ofertados

pela agricultura familiar, a exemplo da aposentadoria rural.

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Então, a depender do papel desempenhado no contexto da família,

influências, fragilidades e necessidades as quais lhe são reveladas, a

garimpagem acaba por se apresentar como uma estratégia utilizada por esses

agentes em busca de manutenção e melhorias de suas condições de vida.

Isso posto, a contextualização desses fatos se apresenta relevante junto

a outras esferas, de maneira que seja aprofundada a compreensão de

diferentes relevos que ensejam esse grupo social a resolverem-se pela

agromineração. Para tanto, esta pesquisa é composta de três capítulos, dentre

os quais o primeiro, “Descrição da área de estudo: Parelhas e o seu potencial

minerário”, apresenta informações sobre o município em questão e incorpora,

especialmente, dados que evidenciam as condições edafoclimáticas2 do local e

a relevância minerária de Parelhas como expoente da mineração norte-rio-

grandense. Ademais, explicações orientadas sob esses dois fatores insinuam

sobre as razões que justificam a concomitância pela atividade agrícola e

mineradora.

As elucidações teórico-metodológicas encontram-se no segundo

capítulo, que está desenhado em proposições importantes de cunho

acadêmico e que ampliam a ótica da pesquisa para além das evidências já

apresentadas. Assim sendo, as “Conceituações teóricas” são apresentadas em

três subcapítulos assim denominados e ordenados: “Agricultura familiar part-

time e pluriatividade”; “Habitus, Campo e Trajetória” e “Instituições”.

A seleção por essa disposição se manifestou, sobretudo, pelo desejo de

se trabalhar conceitos acadêmicos sob a perspectiva da realidade estudada,

atrelado aos objetivos dessa pesquisa. As definições presentes nos três

primeiros subcapítulos - “Agricultura familiar part-time e pluriatividade”;

“Habitus, Campo e Trajetória” e “Instituições” – orientam sob a atenção

investigativa que será dada ao campo da pesquisa. O habitus, por exemplo,

faz-se importante quanto aos papeis e relevância de determinado tipo de

atividade (agrícola ou mineradora) dentro da estrutura familiar. Já a teoria

institucional não está apenas relacionada com a forma como o sujeito se regula

e os constrangimentos que recebe. Há, nesse componente de pesquisa

2 Referente às condições de solo e clima.

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específico, uma questão estrutural que diz respeito aos constrangimentos ou

estímulos das regras formais e informais, mediando as atuações desses

agentes.

Sem destoar da continuidade e complementariedade que esses

conceitos, aplicados ao objeto em questão, prescindem e ajuizando os comos e

por quês que estão conectados às estratégias de produção e reprodução

sociais desses agromineradores “Por detrás da Serra” de Parelhas/RN, essa

investigação será conduzida pelo estudo de caso como modalidade de

pesquisa, último ponto trazido no capítulo II desse trabalho, e que foi realizado

através de levantamento de trabalhos já publicados, visita in loco ao município

de Parelhas, aplicação de questionários e observação da realidade concreta

em questão.

As observações retiradas do campo, presentes no capítulo III desse

trabalho, nos forneceram material empírico satisfatório para avaliar as teorias

propostas, desejando-se aplicar tais pressupostos e buscando entender as

circunstâncias e estruturas as quais compunham o espaço social dos

agromineradores “Por detrás da Serra”.

Duas visitas foram realizadas e um perfil sobre as condições

econômicas e sociais dessas pessoas foi construído, discutindo as hipóteses

aqui propostas pela pesquisa, endossada na repetição de comportamentos e

estruturas que balizam e significam as razões e porquês da tomada de

decisões desses grupos decidirem por determinadas condutas e que apenas

são entendidas no contexto histórico, social e cultural a qual fazem parte.

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CAPÍTULO I – DESCRIÇÃO DO MUNICÍPIO ESTUDADO:

PARELHAS E O SEU POTENCIAL MINERÁRIO

Povoado desmembrado do município de Jardim do Seridó, Parelhas

(Imagem 01) foi elevado à categoria de município em 08/11/1926 e situa-se na

mesorregião Central Potiguar e microrregião do Seridó Oriental, no Estado do

Rio Grande do Norte, juntamente com outros nove municípios, a saber: Acari,

Carnaúba dos Dantas, Cruzeta, Currais Novos, Equador, Jardim do Seridó,

Ouro Branco, Santana do Seridó e São José do Seridó.

Mapa 1 - Localização do município de Parelhas/RN

Fonte: Google Earth, construído pela autora

Distando cerca de 230 km da capital do Estado, Natal, o município limita-

se ao Norte com Carnaúba dos Dantas e Jardim do Seridó, ambos no RN; ao

Sul com Equador/RN, e Seridó/PB; a Leste com Nova Palmeira e Pedra

Lavrada, no Estado da Paraíba; e a Oeste com Jardim do Seridó e Santana do

Seridó, pertencentes ao Estado do RN.

De acordo com o Censo Demográfico de 2010 (IBGE, 2010), Parelhas

tem uma área de 515,09 km2, população de 20.354 habitantes - dos quais

83,93% encontra-se na zona urbana e 16,07% na zona rural (Tabela 01) -, e

densidade demográfica de 39,5 hab/Km2. É o segundo maior município, em

número de habitantes, da região do Seridó Oriental – atrás apenas de Currais

Novos -, e apresentou no ano de 2010, Índice de Desenvolvimento Humano

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Municipal3 (IDHM) de 0,676, o que o situa na faixa de Desenvolvimento

Humano Médio. A dimensão que mais acendeu, em termos absolutos para

avaliação do IDHM, foi a educação. Seguida pela renda e pela longevidade.

Tabela 1 - População total residente por sexo e situação do domicílio em Parelhas/RN

Situação do domicílio

Variável

População residente (Pessoas)

População residente (Percentual)

Urbana 17.084 83,93 Rural 3.270 16,07 Total 20.354 100,00

Fonte: IBGE - Censo Demográfico, 2010.

Quanto ao clima, o município encontra-se na faixa de clima tropical

semiárido (Figura 01), que se estende por uma área que abrange a maior parte

de todos os Estados da região Nordeste, segundo a classificação climática de

Köppen-Geiger (1928). O clima semiárido é caracterizado por precipitação

pluviométrica média anual que varia de 200 milímetros a 800 milímetros, a

depender da região, e com chuvas irregularmente distribuídas no contexto

espaço-tempo, podendo estar concentrada em único mês do ano.

Ademais, o déficit hídrico da região pode ser alimentado pelo alto índice

de evapotranspiração4 que é, em média, três vezes maior que o da chuva

(ASA, 2014) e, consequentemente, gera um balanço hídrico negativo na região,

em razão de o volume que evapotranspira poder atingir uma faixa média de

2.500 milímetros, quando comparado ao volume médio máximo que precipita.

A respeito do solo no semiárido, o Ministério do Desenvolvimento Social

(MDS), diz:

O solo do semiárido não consegue armazenar essa água por ser muito raso. Se cavarmos um poço, vamos encontrar rocha a poucos metros. Esse espessamento rochoso é o cristalino. A água da chuva se infiltra no solo, encontra o cristalino, escoa e

3 O IDHM é “uma medida composta de indicadores de três dimensões do desenvolvimento

humano: a oportunidade de viver uma vida longa e saudável, de ter acesso ao conhecimento e ter um padrão de vida que garanta as necessidades básicas, representadas pela saúde, educação e renda” (PNUD/2013). 4 Processo que envolve a evaporação da água existente na superfície da terra, da vegetação

úmida, transpiração dos vegetais e dos solos, de maneira que essa água passa para a atmosfera em estado de vapor líquido.

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é drenada rapidamente para os córregos e rios que se enchem e secam em pouco tempo (MDS, 2014).

Assim, como o solo não tem capacidade para reter água, somando ao

índice pluviométrico concentrado, o excesso de chuva, que acontece em

determinada época do ano, em vez de ajudar no armazenamento de água

acaba por prejudicá-lo, de maneira que ele escoa e ainda leva a matéria

orgânica existente no solo.

Parelhas está localizada dentro do bioma caatinga, único sistema

ambiental exclusivamente brasileiro e que cobre a maior parte do território do

semiárido. Esse ecossistema é caracterizado pela presença de animais e

vegetais adaptados às condições hídricas deficitárias e ao clima seco, o que

acaba por gerar uma rica biodiversidade endêmica a esse bioma.

Diante das características supracitadas, a capacidade agrícola do

município de Parelhas, por razões edafoclimáticas inerentes ao semiárido

brasileiro, acaba por dispor de uma aptidão regular e restrita para a pastagem

natural e indicação para a preservação da sua flora e fauna, ou para recreação,

na parte leste e oeste do município, segundo o Instituto de Desenvolvimento

Sustentável e Meio Ambiente do Rio Grande do Norte (IDEMA, 2008).

Ainda assim, de acordo com o último Censo Agropecuário, realizado em

2006, muitas famílias do município encontram na agricultura a alternativa para

as suas sobrevivências (Tabela 2). A produção agrícola no município, segundo

esse mesmo Censo, destaca-se pela batata-doce, feijão, mamona, mandioca,

melão, milho e tomate (lavoura temporária) e banana, castanha-de-caju, coco

da baía, goiaba, laranja, limão, mamão, manga e maracujá (lavoura

permanente) e, ainda, leite, ovos – de galinha e codorna -, e mel de abelha.

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Tabela 2 - Número de estabelecimentos agropecuários, com agricultura familiar e não familiar e sexo do produtor em Parelhas/RN

Agricultura familiar

Variável

Número de estabelecimentos agropecuários (Unidades)

Número de estabelecimentos agropecuários (Percentual)

Agricultura não familiar

108 23,33

Agricultura familiar - Lei 11.326

355 76,67

Total 463 100,00

Fonte: IBGE - Censo Agropecuário, 2006

Dentre o número total de estabelecimentos agropecuários no

município, mais de 75% dos entrevistados foram designados como agricultores

familiares, segundo a Lei 11.326/065. Contudo, a combinação com outras

possibilidades que garantam a reprodução social desses grupos acontece em

razão das fragilidades ambientais encontradas nesse ecossistema. Destarte,

essas famílias de agricultores acabam por buscar outras vias de sobrevivências

que estejam ligadas ao dinamismo econômico do município (Tabela 03) e que

possam garantir, ainda que timidamente, as suas reproduções quanto grupos

sociais e econômicos.

Tabela 3 - Empresas e outras organizações, por seção da classificação de atividades (CNAE 2.0) em Parelhas/RN

Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE 2.0)

Ano

2008 2009 2010 2011 2012 A Agricultura, pecuária, produção florestal, pesca e aquicultura

1 2 2 1 1

B Indústrias extrativas 16 9 14 10 10 C Indústrias de transformação 104 108 131 112 132

Total 732 690 832 600 630

Fonte: IBGE - Cadastro Central de Empresas, 2014.

Esse é o caso da mineração em Parelhas, atividade que fornece

movimentação econômica ao município, enquadrando-se tanto como indústria

5 Também conhecida como Lei da Agricultura Familiar, de 24 de julho de 2006, estabelece as

diretrizes para a formulação da Política Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos Familiares Rurais.

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extrativa6 quanto como indústria de transformação7, e que se apresenta como

opção de sobrevivência dessas famílias, para além da agricultura.

Em pesquisa realizada por Lima & Lima (2009), sobre os aspectos de

saúde e meio ambiente ligados à atividade de base mineral no Seridó Norte-rio-

grandense, constatou-se a existência da multiplicidade de ocupações por parte

de agricultores familiares de Parelhas/RN, que realizam também atividade

extrativa mineral na região. Seja ela em pequena empresa de mineração, seja

pelo trabalho informal de garimpagem.

De acordo com essas autoras, essa combinação de ocupações se dá

basicamente por duas razões: i) a presença de apenas duas estações

climáticas bem definidas no sertão nordestino. Um período de chuvas - o

inverno - e um período de estiagem, o verão - que se mantém por cerca de

80% do ano e; ii) a dificuldade legal de aposentadoria dos trabalhadores em

mineração ou garimpo.

Em razão de o período de chuvas ser o mais propício para a agricultura,

e quase inexistem investimentos que atenuem as condições pluviométricas

naturais do local ao cultivo, a alternativa desses agricultores em busca de

sobrevivência e reprodução social são as áreas de garimpo que, ao revés da

agricultura, necessitam exatamente dessa escassez de chuvas tanto para o

acesso aos espaços de extração quanto para a retirada do material mineral.

Caso o campo de extração se encontre em subsolo, por exemplo, essa

escassez de chuvas se faz imprescindível, já que existe probabilidade de

ocorrência de alagamentos e desmoronamentos.

Já o segundo fator, que versa sobre a dificuldade legal de aposentadoria

dos trabalhadores em mineração ou garimpo, dá-se em razão de se prevalecer

a informalidade nesse ramo de atividade. Enquanto que, em contrapartida, na

agricultura há sindicatos e associações que auxiliam e direcionam seus

6 Segundo a Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE), a indústria extrativa se

dá através “de atividades de extração de minerais em estado natural: sólidos (carvão e outros minérios), líquidos (petróleo cru) e gasosos (gás natural)”. 7 De acordo com a Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE), são “as

atividades que envolvem a transformação física, química e biológica de materiais, substâncias e componentes com a finalidade de se obterem produtos novos. Os materiais, substâncias e componentes transformados são insumos produzidos nas atividades agrícolas, florestais, de mineração, da pesca e produtos de outras atividades industriais”.

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membros a conseguirem a aposentadoria por meio de assessoria jurídica

ofertada por esses círculos de apoio.

Ademais, essas autoras também levantaram catorze (14) prontuários de

pacientes entre 1996-2006 com registros de doenças relacionadas à inalação

de poeira (pneumoconiose), em que foi observado o trabalho anterior dessas

pessoas na mineração. Cinco (5) desses catorze (14) pacientes atestavam

como o motivo da morte a silicose8. No questionário aplicado a essas pessoas,

que continham perguntas sobre nível de escolaridade, renda familiar e histórica

profissional atual e anterior, apontava o exercício na atividade de base mineral

(LIMA & LIMA, 2009).

O Rio Grande do Norte é um dos Estados da região Nordeste que mais

possui recursos minerais e é no semiárido brasileiro, área onde se encontra o

município de Parelhas, que estão presentes as mais importantes áreas de

ocorrência mineral do Nordeste do Brasil, segundo o Plano de

Desenvolvimento Sustentável do Seridó do Rio Grande do Norte (PDSS/RN,

2000).

Em nível nacional, os recursos minerais, inclusive os do subsolo, são

tratados no Brasil como bens da União, segundo a Constituição Federal de

1988, em seu artigo 20, inciso IX (BRASIL, 2009). E, como se tratam de

recursos exauríveis, logo finitos, as concessões governamentais fornecidas

para extração são de responsabilidade do Gestor de Patrimônio Mineral da

Nação, o Departamento Nacional de Produção Mineral9 - DNPM. (BRASIL,

2008).

Ademais, um documento produzido no ano de 2001, intitulado Mineração

e Desenvolvimento Sustentável: Desafios para o Brasil (MDSD), resultado do

desenvolvimento de um projeto maior para o Mining and Mineral Sustainable

Development – MMSD, ligado ao International Institute for Environment and

Development (Instituto Internacional para o Meio Ambiente e

8 Doença resultante da inalação da poeira da sílica que se fixa nos pulmões, afetando

especialmente os mineiros, manifestando-se pela transformação fibrosa do pulmão, com sintomas semelhantes aos da tuberculose (HOUAISS & VILLAR, 2009). 9 Órgão federal encarregado de gerir e fiscalizar o exercício das atividades de mineração no

país

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Desenvolvimento), traz uma imagem atualizada e relevante da mineração

ligada ao desenvolvimento sustentável no país, inclusive com detalhes

históricos sobre a pequena mineração brasileira, nos diz que a pequena

mineração no Brasil pode ser dividida em dois grandes segmentos

diferenciados: o da pequena empresa de mineração e o da mineração

artesanal, mais conhecido como garimpagem. A grande diferença entre os dois

é que a primeira é usualmente mais mecanizada e extensiva, enquanto que a

última é genuinamente manual e envolve apenas indivíduos ou famílias

(MDSD, 2001).

O Código de Mineração10, principal marco regulatório que versa sobre a

mineração no Brasil, não concede tratamento específico à pequena, média ou

grande empresa de mineração. A distinção feita é apenas quanto à

complexidade da exploração do mineral e valor econômico atribuído à jazida

(MDSD, 2001). No que diz respeito à definição de garimpagem e garimpeiro, o

Código nos diz em seu capítulo VI, artigo 70, inciso I; artigo 71 e artigo 72:

Art. 70. Considera-se: I - garimpagem, o trabalho individual de quem utilize instrumentos rudimentares, aparelhos manuais ou máquinas simples e portáveis, na extração de pedras preciosas, semi-preciosas e minerais metálicos ou não metálicos, valiosos, em depósitos de eluvião ou aluvião, nos álveos de cursos d’água ou nas margens reservadas, bem como nos depósitos secundários ou chapadas (grupiaras), vertentes e altos de morros; depósitos esses genericamente denominados garimpos [...] Art. 71. Ao trabalhador que extrai substâncias minerais úteis, por processo rudimentar e individual de mineração, garimpagem, faiscação ou cata, denomina-se genericamente, garimpeiro. Art. 72. Caracteriza-se a garimpagem, a faiscação e a cata: I - pela forma rudimentar de mineração; II - pela natureza dos depósitos trabalhados; e, III - pelo caráter individual do trabalho, sempre por conta própria. (BRASIL, 1967, grifos nossos).

Já quanto ao garimpo, a Lei de nº 7.085/89 dá a permissão de lavra

garimpeira, uma outorga concedida pelo DNPM para extração de substâncias

minerais de aproveitamento imediato e que em razão de distribuição irregular

na jazida e/ou pequeno volume do minério não justifica investimentos em

10

Promulgado através do Decreto-Lei 227, de 28 de fevereiro de 1967, e atualizado pela Lei 9.314, de 1996.

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pesquisa. Podendo o requerente ser uma pessoa física ou uma cooperativa de

garimpeiros. A esse propósito, Barreto (1993), reflete:

Trouxe (a lei) uma concepção nova para a garimpagem, uma vez que a atividade sempre foi conceitualmente definida como trabalho e atividade individual, não permitindo qualquer forma de associação ou de relação contratual trabalhista. De acordo com o estipulado, se permite a associação, que em termos práticos pode significar de área, máquinas, entre outros objetivos (BARRETO, 1993, p.148).

Uma diferença a ser ressaltada entre a pequena empresa de mineração

e a mineração artesanal é que a primeira encontra-se proibida de obter a lavra

de garimpagem de acordo com a Lei 7.085/89. Cooperativas, pessoas físicas

ou firmas individuais são os únicos entes legalizados na atividade do garimpo.

A relevância minerária de Parelhas é confirmada, mais uma vez, no sítio

web do DNPM e constata o potencial desse município quanto às solicitações

minerais pretendidas a serem lavradas e/ou garimpadas11. Assim como

fornecem dados quanto aos requerimentos solicitados por empresas de

mineração, cooperativas ou pessoa física para obterem a licença para lavrar e

os diversos usos atribuídos a essas substâncias minerais12.

Dessa feita, do total de 179 registros obtidos – entre o período de

01/01/2004 a 01/01/2014-, 47,48% dos registros constaram processos de

garimpagem em situações inativas, ou seja, a licença não está sendo mais

utilizada em razão de ter expirado ou de terem sido concluídas as extrações e;

52,51% dos registros ainda se encontram ativos em Parelhas, o que implica

que podem ter sido solicitados para diversos fins dentro da possível área de

exploração mineral. Dentre essas finalidades, existem requerimentos de

autorização de pesquisa, requerimentos de disponibilidade para pesquisa, de 11

Possíveis minerais existentes no município de Parelhas/RN de acordo com solicitações feitas ao DNPM entre 01/01/2004 e 01/01/2014: areia, argila, berilo, calcário, caulim, columbita, cordierita, dolomito, feldspato, gnaisse, granito, granito ornamental, mármore, migmatito, minério de berílio, minério de bismuto, minério de chumbo, minério de cobre, minério de ferro, minério de lítio, minério de molibdênio, minério de nióbio, minério de ouro, minério de prata, minério de tântalo, minério de tungstênio, muscovita, ouro, quartzito, quartzo, tantalita, tantalita-columbita, turmalina, xisto. 12

As substâncias minerais podem ser usadas/aplicadas como: brita, cerâmica vermelha, construção civil, fabricação de cal, gema indústria, ourivesaria, pedra de coleção, pedra de talhe, pedra decorativa, revestimento e, ainda, para uso não informado ao sítio web do DNPM.

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disponibilidade para lavra, de lavra garimpeira, de registro de licença e de

cessão parcial. Quanto a fase em que se encontra cada um desses processos,

existem as de autorização da pesquisa; disponibilidade; requerimento de

pesquisa, requerimento de lavra, requerimento de lavra garimpeira,

licenciamento e lavra garimpeira.

Para além dessas informações, o DNPM forneceu, em 1993, alguns

dados que permitiram a composição do perfil social do garimpeiro brasileiro.

Informações sobre o nível de escolaridade, estado civil, médias de idade, renda

média mensal e cidade natal foram divulgadas. Aqui, especialmente, dentre

esses dados, um se faz relevante: o que diz que a maior parte dos mineradores

tinha como atividade econômica precedente à garimpagem, a agricultura. Um

percentual que correspondia a 51,83%. Sendo, desse valor, 63,52% no caso da

região Nordeste. (DNPM, 1993).

De acordo com o último Censo Agropecuário, do ano de 2006, apenas

cinco (5) estabelecimentos agropecuários obtiveram receita associada à receita

da agricultura familiar (Tabela 04), em Parelhas, por meio da mineração.

Todavia, a renda por essa atividade, extra a atividade rural, na prática, é mais

expressiva do que se pode presumir, ainda que seja estabelecida de maneira

ilegal13 e/ou informal14.

13

Forma de trabalho em que a Carteira de Trabalho e Previdência Social não é assinada. 14

Segundo o IBGE, o trabalho informal pode se dar por meio do: i) trabalhador autônomo – onde os trabalhadores têm autonomia para optar entre atuar na informalidade ou não. Já que podem contribuir para a Previdência Social, recolher impostos e, assim, fazer parte da rede de proteção ao trabalhador; ii) trabalhador por conta própria - Indivíduo que trabalhava explorando o seu próprio empreendimento, seja sozinho, seja com sócio, sem ter empregado e contando, ou não, com a ajuda de trabalhador não-remunerado

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Tabela 4 - Número de estabelecimentos agropecuários que obtiveram receitas e valor das receitas obtidas no ano por tipo de receita e agricultura familiar em Parelhas/RN,

com destaque para a receita advinda da exploração mineral Tipo de receita Variável

Número de estabelecimentos agropecuários que obtiveram receitas no ano (Unidades)

Valor das receitas obtidas pelos estabelecimentos no

ano (Mil Reais) Produtos vegetais 80 63

Animais e seus produtos 264 942

Animais criados em cativeiros (jacaré, escargô, capivara e outros)

- -

Húmus - -

Esterco 7 1

Atividades de turismo rural no estabelecimento

- -

Exploração mineral 5 21

Produtos da agroindústria 1 X

Prestação de serviço de beneficiamento e/ou transformação de produtos agropecuários para terceiros

3 21

Prestação de serviço para empresas integradoras

- -

Fonte: IBGE - Censo Agropecuário, 2006

Em contraponto aos dados apresentados na Tabela 04, uma fonte ligada

ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Parelhas (STTR), afirmou que tal

fato acontece especialmente em períodos de grande estiagem, que acomete o

Estado do Rio Grande do Norte há três anos. De maneira que esses

agricultores necessitam do dinheiro da mineração para garantir suas

reproduções econômicas e sociais.

Ademais, eles não costumam responder sobre a existência de rendas

oriundas de atividades não agrícola com receio de que vantagens que são

oferecidas somente aos agricultores familiares possam ser diminuídas e/ou

quitadas. Como é o caso de algumas políticas públicas, para além da

aposentadoria rural, já mencionada acima.

Todo trabalho de cunho social investigativo prescinde de explorações

teóricas que, naturalmente, ensejarão a outras reflexões. Conduzindo novas

interpretações ao objeto em questão e fazendo da investigação um continuum

entre trabalhos que o anteviram (QUIVY & CAMPENHOUDT, 1992). Desse

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feita, deter-nos-emos no próximo capítulo em conceituações teóricas de nível

legal e, principalmente, acadêmicas, em busca de outras evidências, para além

das que já foram mencionadas, que nos encaminhem a uma compreensão

aprofundada, ante as já mencionadas, sobre as razões e condicionantes que

levam esse grupo social a se definirem pela atividade agromineral.

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CAPÍTULO II – CONCEITUAÇÕES TEÓRICAS

2.1 - AGRICULTURA FAMILIAR PART-TIME E PLURIATIVIDADE

O Brasil, por meio da Lei 11.326/2006, considera agricultor familiar e,

também, o empreendedor familiar rural, aquele que pratica atividades no meio

rural atendendo, simultaneamente, os seguintes requisitos: I) não detenha, a

qualquer título, área maior do que quatro (4) módulos fiscais; II) utilize

predominantemente mão-de-obra da própria família nas atividades econômicas

do seu estabelecimento ou empreendimento; III) tenha percentual mínimo da

renda familiar originada de atividades econômicas do seu estabelecimento ou

empreendimento, na forma definida pelo Poder Executivo e; IV) dirija seu

estabelecimento ou empreendimento com sua família. Todavia, para além da

definição legal apresentada, procuramos aportes na Sociologia Rural,

buscando conceituações sobre os modos de produção camponesa e a

agricultura familiar.

Alexandre Chayanov em “La organización de la unidad económica

campesina” (1974) centra a família na produção camponesa como detentora da

posse da terra e dos meios de produção, determinando o cultivo tanto para o

mercado quanto para a subsistência, desde que a produção seja regida,

sobretudo, pela necessidade de reprodução da família, vinculada à

autossatisfação familiar. Chayanov apresenta, então, “uma definição de

campesinato cuja base seja a própria família e as determinações que a

estrutura familiar impõe sobre o comportamento econômico” (ABRAMOVAY,

1998, p: 23). Assim, esse pequeno produtor acaba por apresentar resistência

frente ao mercado, frente à lógica capitalista.

Já sob a perspectiva da sociedade contemporânea, Wanderley (2003)

nos diz:

Integrado ao mercado e respondendo às suas exigências, [...] tem o reconhecimento de que a lógica familiar, cuja origem está na tradição camponesa, não é abolida; ao contrário, ela permanece inspirada e orientada – em proporções e sob formas distintas, naturalmente – as novas decisões que o agricultor deve tomar nos novos contextos a que está submetido (WANDERLEY, 2003, p. 48).

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Long & Ploeg (1994), a respeito de como os próprios agricultores

moldam as atividades agrícolas por meio de projetos e práticas baseadas em

critérios, interesses, perspectivas e experiências diferentes em busca de seus

desenvolvimentos, nos diz:

Como os outros atores, os agricultores desenvolvem formas de lidar com situações problemáticas e combinam recursos de forma criativa (materiais e não materiais – especialmente conhecimento prático derivado da experiência anterior) para resolver os problemas. Eles também tentam criar espaço para seus próprios interesses de forma que possam beneficiar de ou, se necessário, neutralizar intervenções por grupos externos ou agências (LONG & PLOEG, 1994, p. 12).

Já para Navarro & Pedroso (2011), a agricultura familiar é uma atividade

econômica, guiada pela lógica do mercado, e, consequentemente,

condicionante para as escolhas das práticas sociais das famílias rurais. Nessas

unidades produtivas existem lutas por estratégias que assegurem a reprodução

social da estrutura a qual pertencem às famílias rurais, de maneira que esses

núcleos se adaptam as diversas circunstâncias as quais são submetidos,

buscando ampliação de renda e bem-estar familiar, o que acaba por gerar,

assim, uma nova designação social para o rural que já não carrega somente os

caracteres elementares da agricultura e pecuária (SCHNEIDER, 1994): o

agricultor part-time (part-time farmer) que, em tradução literal, significa

agricultor em tempo parcial e é, segundo Graziano da Silva (1999), capaz de

combinar:

Atividades agropecuárias com atividades não-agrícolas, dentro ou fora do seu estabelecimento, tanto nos ramos tradicionais urbanos-industriais, como nas novas atividades que vêm se desenvolvendo no meio rural, como lazer, turismo, conservação na natureza, moradia e prestação de serviços pessoais (GRAZIANO DA SILVA, 1999, p. 5).

Esse trabalhador não é necessariamente, em todo o seu tempo laboral,

um trabalhador agrícola, uma vez que é capaz de combinar formas diferentes

de ocupações que envolvem atividades agrícolas e extra-agrícolas (GRAZIANO

DA SILVA, 1999). Ele é um novo agente social, autônomo, especializado,

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permanente e estabilizado na estrutura agrária e que acaba por expor, ainda

que inconscientemente, novas alternativas para desenvolvimento regional.

Alternativas essas que vão além do que nos é apresentado pelas políticas

públicas agrícolas (SCHNEIDER, 1994) e que não esbarra na homogeneização

da expressão “agricultura familiar”. Ao revés, amplia o olhar para as

especificidades regionais – uma vez que é também sob a condição de

adaptação às intempéries que surge o agricultor part-time -, gerando um

incentivo às diversas agriculturas familiares existentes no país.

Ciente da desvinculação do meio rural como um espaço unicamente

destinado à produção de alimentos e criação de animais, além da condição do

trabalhador que dedica parte do seu tempo de trabalho em outras atividades

não agrícolas como vias de reprodução econômica e social, percebe-se que

muitos membros de um mesmo estabelecimento agem da mesma forma,

combinando rendas distintas ou inserções profissionais que não advêm apenas

da agricultura familiar, sendo um fenômeno social e econômico presente na

estrutura agrária de regiões e países, independente de ser uma ocupação em

busca de renda principal ou complementar (SCHENEIDER, 2003).

Não raramente uma parte dos membros das famílias residentes no meio rural passa a se dedicar a atividades não-agrícolas, praticadas dentro ou fora das propriedades. Essa forma de organização do trabalho familiar vem sendo denominada pluriatividade e refere-se a situações sociais em que os indivíduos que compõem uma família com domicílio rural passam a se dedicar ao exercício de um conjunto variado de atividades econômicas e produtivas, não necessariamente ligadas à agricultura ou ao cultivo da terra, e cada vez menos executadas dentro da unidade de produção. [...] Um fenômeno através do qual membros das famílias que habitam no meio rural optam pelo exercício de diferentes atividades, ou, mais rigorosamente, pelo exercício de atividades não agrícolas, mantendo a moradia no campo e uma ligação, inclusive produtiva, com a agricultura e a vida no espaço rural. (SCHENEIDER, 2003, p. 100 e 112).

Assim é a pluriatividade, uma estratégia de reprodução das famílias,

onde novas formas de trabalho são vivenciadas em prol do ambiente social e

econômico onde vivem seus agentes. E seja configurando-se como part-time

farmer ou trabalhadores pluriativos, ambas as estratégias garantem a

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reprodução dessas famílias “Por detrás da Serra”, que encontram na área em

que vivem um aumento nas suas rendas oriundas não da atividade agrícola,

mas sim da mineração. É nessa conjuntura que se faz imprescindível a

contextualização entre esses conceitos no espaço onde eles estão

conformados, buscando outras observações quanto à concomitância dessa

atividade agrícola-mineral que acontece “Por detrás da Serra” de Parelhas e

sabendo do caráter estrutural que existe dentro desse campo e que configura a

tomada de decisões dentro dessas famílias, perpassando por contextos

históricos diversos e que justificam as práticas no espaço e tempo a qual fazem

parte.

Outras conceituações teóricas de nível acadêmico serão apresentadas,

na tentativa de nos acercarmos dos objetivos propostos nessa pesquisa, de

maneira que sejam entendidas as especificidades sociais e institucionais que

existem em cada lugar, buscando alcançar outras razões que apreenda o

entendimento de unidades produtivas para além da geração de remuneração e

receitas.

2.2 – HABITUS, CAMPO E TRAJETÓRIA

A teoria do habitus, sistematizada por Pierre Bourdieu, é central na

Sociologia para entender o comportamento dos agentes por meio da

observação das estruturas e condicionantes sociais que circunscrevem esses

agentes. Causando constrangimentos no sentir e agir desses grupos.

O habitus é “o princípio ativo, irredutível às percepções passivas, da

unificação das práticas e das representações” (BOURDIEU, 1998, p. 186).

Configurando-se, assim, em estruturas coesas e integradas que fornecem aos

agentes de um determinado campo a possibilidade de amoldamento à

realidade, sem prescindir de uma reflexão quanto à reprodução mecanizada

das práticas sociais, instituindo complexos desdobramentos entre a estrutura

subjetiva, interiorizada, o “eu”, que se encontra em contato permanente com o

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meio externo, o espaço circundante e existente naquele contexto, o campo, as

estruturas objetivas (BOURDIEU, 1996).

Sobre o conceito de habitus, Bourdieu (1996) nos diz que:

Os condicionamentos associados a uma classe particular de condições de existência produzem habitus, sistemas de disposições duradouros e transponíveis, estruturas estruturadas dispostas a funcionar como estruturas estruturantes, isto é, como princípios geradores e organizadores de práticas e representações que podem ser objetivamente adaptadas ao seu objetivo sem supor a visada consciente de fins e o controle expresso das operações necessárias para atingi-los, objetivamente “regulada” e “regulares”, sem ser em nada o produto da obediência a regras e sendo tudo isso, coletivamente orquestradas sem ser o produto da ação organizadora de um maestro (Bourdieu, 1996, p. 88 ).

Assim, é através do habitus que a repetição das práticas sociais,

incorporadas através da interiorização de padrões presentes nas mais diversas

conjunturas, por meio da formulação e reformulação de práticas, são

asseguradas e certificam a reprodução de condutas pela inconsciência dos

agentes em repetir estruturas através de comportamentos tidos como

naturalizados tanto para o indivíduo como para a sociedade a qual esse

indivíduo faz parte.

As leituras desse espaço histórico são, então, interpretadas e

incorporadas, conduzindo, assim, os agentes a uma forma de agir que pode

tanto caminhar para a repetição de condutas, como também para a ruptura

desses mecanismos de atuação. Uma construção constantemente afirmada por

meio da interiorização da exterioridade, da interpretação individualizada dentro

de um contexto social, que se manifesta naturalmente, moldando as possíveis

ações dos agentes que constroem e afirmam à reprodução de práticas sociais

dentro de um espaço.

Porém, o habitus não o é de um todo congelado. Ainda que o cotidiano

desses agentes seja operado de maneira automática, representações também

são orquestradas de maneira consciente, passando da mera reprodução

interiorizada, simples e incorporada para uma nova produção social. Atrelada a

um ambiente, está claro, e operada sob a perspectiva da reestruturação.

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Bourdieu (2012) diz:

[...] eu desejava por em evidência as capacidades “criadoras”, activas, inventivas, do habitus e do agente (que a palavra hábito não diz), [...] – o habitus, como indica a palavra, é um conhecimento adquirido e também um haver, um capital. O habitus, a hexis, indica a disposição incorporada, quase postural -, mas sim o de um agente em acção (BOURDIEU, 2012, p. 61).

A percepção consciente da realidade pode gerar uma nova leitura e, por

conseguinte, uma nova disposição para agir nesse espaço. Uma reedição do

habitus onde nada é completamente motivado e nada é completamente livre.

De modo que existirão agentes aptos a agirem de forma distinta, mas eles

serão, também, guiados pelos habitus (BONNEWITZ , 2003).

Bourdieu acrescenta ainda que grande parte das ações dos agentes

sociais está vinculada a uma determinada conjuntura e contexto: o campo

social. Uma arena de conflitos e interesses, fruto da história das interações

objetivas e subjetivas, e que está sujeito a outros infinitos fatos que podem

influenciá-lo a passar por transformações. Afinal, é um espaço de relações

sociais de agentes:

A existência de um campo especializado e relativamente autônomo é correlativa à existência de alvos que estão em jogo e de interesse específicos: através dos investimentos indissoluvelmente econômicos e psicológicos que eles suscitam entre os agentes dotados de um determinado habitus, o campo e aquilo que está em jogo nele produzem investimentos de tempo, de dinheiro, de trabalho etc. [...] Todo campo, enquanto produto histórico, gera o interesse, que é condição de seu funcionamento (Bourdieu, 2004, p. 126 ).

Assim, a ideia de campo permeia a análise de domínio e concorrência

de um determinado espaço social em que agentes compartilham interesses em

comum e, também, conflitos diversos, ainda que não possuam as mesmas

capacidades ou recursos.

Sobre campo de poder, Bourdieu (1996) define:

Ele é o espaço de relações de força entre os diferentes tipos de capital ou, mais precisamente, entre os agentes suficientemente providos de um dos diferentes tipos de capital para poderem dominar

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o campo correspondente e cujas lutas se intensificam sempre que o valor relativo dos diferentes tipos de capital é posto em questão [...]; isto é, especialmente quando os equilíbrios estabelecidos no interior do campo, entre instâncias especificamente encarregadas da reprodução do campo do poder são ameaçados (BOURDIEU, 1996, p. 52).

Ora, as determinações sociais estão inseridas dentro de um ambiente

social que naturalmente passou por um processo histórico com agentes e

instituições, condicionantes materiais e simbólicos que agem em complexas

relações de imbricamento indivíduo-sociedade e que garantem a reprodução

cultural, econômica, simbólica e social do local.

Contudo, há de se atentar que não se deve anular a ação desses

agentes dentro do espaço social o qual estão inseridos, uma vez que eles são

operadores ativos na construção da estrutura social a qual fazem parte. Por

mais que tenham suas escolhas assumidas por meio de constrangimentos que

acabem por influenciar em seus comportamentos e, por conseguinte, nas

escolhas individuais e coletivas a que se propõem, são agentes sociais centrais

que moldam seus próprios desenvolvimentos nesses espaços assinalados por

conflitos decorrentes das próprias disputas de poder, relacionam-se com as

estruturas existentes e geram práticas sociais que estão em constante

ressignificação e recriação.

Para Bourdieu (2012):

Compreender a gênese social de um campo, e apreender aquilo que faz a necessidade específica da crença que o sustenta, do jogo de linguagem que nele se joga, das coisas materiais e simbólicas em jogo que nele se geram, é explicar, tornar necessário, subtrair ao absurdo do arbitrário e do não motivado os actos dos produtores e as obras por eles produzidas e não, como geralmente se julga, reduzir ou destruir (BOURDIEU, 2012, grifo do autor, p. 69).

E complementa:

A história estrutural de um campo – tratando-se do campo das classes sociais ou de qualquer campo – periodiza a biografia dos agentes comprometidos com ele (de modo que a história individual de cada agente contém a história do grupo a que ele pertence). [...] de fato, somente as mudanças estruturais que afetem tal campo possuem o poder de determinar a produção de gerações diferentes,

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transformando os modos de geração e determinando a organização das biografias individuais e a agregação de tais biografias em classes de biografias orquestradas e ritmadas segundo o mesmo tempo (BOURDIEU, 2007, p. 420).

Nesse sentido, o entendimento histórico sobre as trajetórias dos agentes

e dos grupos sociais também é foco da Sociologia de Pierre Bourdieu. Porém,

o que se percebe em suas obras não são textos destinados especificamente a

uma definição pontual e crua sobre o que seria a “trajetória”, interpretada no

seu sentido biográfico, das histórias particulares dos indivíduos. Nada disso

nos levaria a obter resultados sagazes o suficiente para entender o que é

corriqueiro em um campo. Até mesmo no sentido ordinário, desses que se

apresentam em matizes tão próximas que podem passar despercebido ao olhar

do pesquisador.

O que se vê nas obras de Bourdieu, de maneira geral, é que elas estão

impregnadas de atenção quanto à necessidade de se aprofundar em

observações que ultrapassem o que se deixa transparecer em determinados

contextos espaços-temporais. É a busca pelo aprofundamento na maneira de

se observar, captando o que se deixa transparecer no campo.

Perceber a trajetória dos grupos sociais é percorrer os caminhos que

levaram a um determinado habitus (VIEIRA, 2013). Mas é também a busca

pela compreensão dos arranjos sociais dentro do campo onde esse habitus é

operado. É entender, no presente trabalho, a conveniência entre a agricultura

familiar e a mineração no seu processo constituidor de relações de um campo

e que gera habitus comuns a seus agentes.

Como estamos nos reportando a um grupo social que apresenta uma

estrutura social característica, em que coexistem as necessidades impostas

aos agentes e as próprias batalhas travadas entre esses na conservação e

transformação do conjunto o qual se encontram, não há um caráter de

imutabilidade nesse espaço social. Existe, sim, uma estrutura dinâmica e em

permanente constituição: o habitus, que opera e reconfigura o campo; e o

campo que intervém e transforma o habitus. Ambos operados sobre as práticas

sociais da trajetória do grupo.

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Nesse sentido, pensar a relação indivíduo/sociedade estimula a pensar

um conceito interdependente, complementário. Não um conceito oposto. Esse

o é estruturado em uma troca constante, uma relação dialética entre o social e

o individual, entre a sociedade e o indivíduo (SETTON, 2002). Quando se trata

do mundo social, Bourdieu (2004) nos diz que as relações entre habitus e

campo, manifestam-se independente à liberdade e consciência dos agentes,

despontanto para além das estruturas simbólicas. São habitus formados na

prática e para a prática de um campo, onde os sistemas objetivos

(estruturalismo) norteiam e balizam manifestações: coibindo, constrangendo e

mantendo as ações dos grupos. Porém, como é um sistema relacional, onde os

dois conceitos se interlaçam – habitus e campo -, as orientações demarcadas

pelo habitus e estruturas sociais (construtivismo), advindas de

comportamentos, pensamentos e observações, alicerçam e delineiam

afinidades, semelhanças, antipatias e repulsões em um campo.

Assim, a obviedade e a logicidade dos conceitos são, assim, tratadas

como espontâneas e pertencentes aos agentes e seu espaço social nas formas

de agir, pensar e sentir. De forma que são percebidas tão naturais que são, ao

mesmo tempo, implícitas e explícitas, como se fossem próprias às ações

humanas no sentido instintivo, daquele comparado a um animal. Apoiando-se

em uma forma institucionalizada e rotinizada de práticas (BOURDIEU, 2006).

Nesses aspectos, a normatividade e a objetividade dos fatores não

favorecem o assentamento das ideias sobre os caracteres de eficiência desses

grupos sociais. Logo, cai-se na análise comportamental, a qual se apresenta

bem a teoria institucional. Dessa feita, a compreensão das ações tanto

individuais quanto coletivas, é trazida à tona. E essa intersecção entre

estruturas sociais e comportamentos individuais, como mediadores de

manifestações, são, exatamente, as instituições (THÉRET, 2003).

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2.3 - INSTITUIÇÕES

Faz-se clara as interposições entre diferentes pontos sociais, quando

aplicamos esses preceitos teóricos à realidade concreta em questão. Há, sim,

outras tantas razões motivadoras que vão além dos aspectos já abordados

nesse texto e que buscam respostas que nos aproximem da realidade desse

espaço em que se apresentam interesses distintos que se correlacionam

através de mediações sociais carregadas de estruturas simbólicas regidas em

distintos campos. Cabe agora tentar compreender a ação dos agentes em suas

manifestações individuais e coletivas. Discutindo, pois, a realidade social

através das estruturas de mediação entre o individuo e sociedade e destes com

o Estado, sem o condicionamento à lógica racionalizadora e maximizadora e

sem as rugosidades que, de fato, interpõem-se na vida social.

Hodgson (1997) define instituições:

[...] uma organização social que, por efeito da tradição, dos costumes ou dos constrangimentos legais, tende a criar padrões de comportamento duradouros e rotinizados. [...] Há ações que podem não ter uma causa, mas, ao mesmo tempo, existem padrões de comportamentos que podem estar relacionados com o meio cultural ou institucional no qual a pessoa atua. Em resumo, a ação é parcialmente determinada, e parcialmente indeterminada: é previsível em parte, mas imprevisível noutra parte, mesmo em termos do cálculo da probabilidade ou do risco. (Hodgson, 1994, p: 10 e 11).

Ao que ele acrescenta em Economia e Evolução – o regresso da vida à

teoria econômica (1997):

Dizem respeito aos padrões de comportamento e aos hábitos de pensamento com uma natureza rotinizada e durável, comumente aceites, associados a pessoas que interagem em grupos ou em coletivos ainda mais amplos. As instituições viabilizam o pensamento e a ação ordenados, impondo forma e consistência às atividades dos seres humanos (Hodgson, 1997, p: 276).

No que se refere à dimensão institucional dada a uma realidade social

específica, Bastos (2006) ressalva a influência do espaço o qual estão

inseridos os agentes sociais na tentativa de explicar os seus comportamentos.

A existência de agentes fixados em ambientes que submetem esses sujeitos a

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determinadas regras, referências culturais e convenções próprias desse campo

tanto podem ser apresentada por vias formais – como leis, regulamentos,

constituições -; quanto informais - apresentadas por meio de códigos de

conduta, convenções, modos de comportamentos e outros. As regras do

campo são, assim, manifestadas por meio dessas ações coletivas e a essas

normas cabe a ordenação dos conflitos sociais.

As instituições são frutos de processos e estruturas que regem as ações

humanas e estabelecem hábitos e rotinas no sistema social (HODGSON,

1997). Todavia, para além da vinculação aos aspectos culturais e históricos

que determinam os arranjos rotinizados de um determinado espaço, há

também ações de constrangimento dessas instituições sobre as escolhas

individuais e isso gera, como consequência, uma constante redefinição

institucional, já que esta se encontra em processo de acomodação e de

transformação constantes. Novos comportamentos são instituídos

individualmente e novas influências aos agentes são dispostas

ininterruptamente. Como a relação entre atores-estruturas é assentada sobre

“mediações que podem desempenhar um duplo papel, dos primeiros em

relação às segundas e das segundas em relação aos primeiros” (THÉRET,

2003, p. 24), observa-se, então, um dinamismo individual-social-estrutural onde

a ação individual é estimulada. Logo, novos comportamentos individuais são

formados e, na medida em que se assentam socialmente, outros habitus

surgem. Outras instituições se firmam.

Sabendo-se que as instituições são transportadas por diferentes

elementos (cultura, estrutura e rotina) e que moldam estruturas através da

coerção e rotinização de ações, faz-se necessário entender a multiplicidade de

papeis das instituições locais na vida de uma população. Dessa feita, a

classificação do contexto institucional local de um espaço assentado, acaba por

nos indicar a formatação das instâncias de dominação e poder de um entorno

institucional e, a partir disso, articular-se com os mais diversos programas

governamentais, de forma a incentivar a participação da população e,

consequentemente, o empoderamento da mesma. (APPENDINI & NUIJTEN,

2002).

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Como mediadoras de interações sociais, as instituições se apresentam

em constante processo de retroalimentação: regulam os sujeitos sociais

envoltos em um entorno institucional permeado por relações de poder

rotinizadas, por uma via, e, por outra, é arranjada pelos agentes envolvidos

dentro da sua própria constituição. Uma vez que esses sujeitos acabam por

imprimir seus anseios e aspirações na sustentação institucional (APPENDINI &

NUIJTEN, 2002). Sobre esses aspectos, Appendini & Nuijten (2002) afirmam:

[...] el concepto de institución como estructura normativa y reguladora implica automáticamente la existencia de diferencias de poder e intereses divergentes entre la gente involucrada en ella. […] vemos las instituciones como órdenes negociados que son construidos, mantenidos y transformados por la interacción social (APPENDINI & NUIJTEN, 2002, p: 75).

Ao que complementam:

Identificar las instituciones más importantes para las actividades económicas de la gente, los procesos de inclusión y exclusión, las formas institucionales que pueden ser modificadas, mejoradas o construidas en beneficio de grupos más pobres, y la manera en que éstos puedan movilizarse para transformas las instituciones (APPENDINI & NUIJTEN, 2002, p: 87).

Assim, como funcionam as instituições e suas interações com os

espaços os quais estão inseridos se faz importante, sobretudo, na formulação

de soluções que entenda e alcance um determinado contexto social, orientado

por processos institucionais, e que acabam por reproduzir circunstâncias

reportadas por escolhas ou coerções. Ademais, como constatado por

Appendini & Nuijten (2002), ações tratadas a níveis locais tendem a melhorar a

articulação entre a comunidade local e instâncias governamentais, de maneira

que isso tende a expandir a participação desses agentes em nível individual e,

por consequente, institucional. Integrando atividades em níveis distintos e com

o propósito do desenvolvimento local.

Por meio desses demarcadores teóricos, buscou-se o aporte necessário

para a investigação da estratégia de produção e reprodução sociais do grupo

“Por detrás da Serra” de Parelhas, de maneira a observar as realidades do

local onde a pesquisa se manifesta, objetivando alcançar as mediações que

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justificam as decisões desse grupo, apreendendo o contexto em que estão.

Pautados por uma raiz comum que explica suas escolhas e nos fornece

entendimento sobre por que as manifestam e as cristalizam.

2.4 - ESTRATÉGIA METODOLÓGICA

Partindo da concepção que todo conhecimento é socialmente

construído, Boaventura de Sousa Santos (2008) argumenta que o modelo que

distingue a natureza (animal) / ser humano, com toda a sua visão mecanicista,

de paradigma dominante, assenta a racionalidade científica em detrimento de

condicionantes que acabam por limitar o conhecimento à incomunicabilidade

entre as ciências naturais e sociais, uma vez que os fenômenos nas ciências

sociais são objetos dos condicionantes históricos e determinações culturais. O

que acaba por influir no comportamento dos seres humanos inseridos nesse

contexto espaço-tempo, sem sequer apartar de seus cientistas esse olhar

subjetivo, afastando-os de um julgamento positivo-objetivo advinda dessa

avaliação (SANTOS, 2008).

Em Fundamentos da metodologia científica (2003), Marconi & Lakatos

nos dizem:

A mudança das coisas não pode ser indefinidamente quantitativa: transformando-se, em determinado momento sofrem mudança qualitativa. A quantidade transforma-se em qualidade [...]. Denominamos de mudança quantitativa o simples aumento ou diminuição de quantidade. Por sua vez, a mudança qualitativa seria a passagem de uma qualidade ou de um estado para outro. O importante é lembrar que a mudança qualitativa não é obra do acaso, pois decorre necessariamente da mudança quantitativa (MARCONI & LAKATOS, 2003, p. 104).

Refletindo acerca da realidade por meio de contradições e sabendo que

toda a realidade é movimento e, como tal, adota composições tanto

quantitativas como qualitativas, que interagem entre si e se transformam

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(MARCONI E LAKATOS, 2003), a proposta do presente trabalho é buscar a

compreensão e exploração de eventos em contextos complexos onde estão

envolvidos simultaneamente diversos fatores (YIN, 2005). Logo, a pesquisa

trata-se de um estudo de caso combinado entre métodos quantitativos e

qualitativos (Appendini & Nuijten, 2002).

YIN (2005, p.27), sobre as características do estudo de caso, nos diz

que:

O estudo de caso conta com muitas técnicas utilizadas pelas pesquisas históricas. [...] O poder diferenciador do estudo é a sua capacidade de lidar com uma ampla variedade de evidências – documento, artefatos, entrevistas e observações – além do que pode estar disponível no estudo histórico convencional (YIN, 2005, p.27).

Ciente da existência de interações entre esses modelos metodológicos,

uma vez que as proposições primordiais aqui tratadas são de investigar os

comos e por quês dessa combinação de funções como estratégia de produção

e reprodução sociais e da agricultura familiar em núcleos familiares que

desenvolvem atividades agrícolas-mineradoras “Por detrás da Serra” em

Parelhas/RN.

Assim, diante do que tem sido apresentado como estudo dessa

temática, é necessário o aprofundamento das mediações que dão significado

às escolhas desses grupos sociais. Em consequência disso, a análise dos

condicionantes que levam essas famílias a optarem por essa prática conjunta

serão conhecidos, de forma que a atividade mais importante, do ponto de vista

da estrutura familiar, será apresentada.

Legislações, estudos correlatos feitos anteriormente, leituras, entrevistas

exploratórias e documentos oficiais também auxiliaram na contextualização do

panorama a qual nos propusemos investigar. Ademais, na verificação in loco, a

fim de se preservar fenômenos sociais complexos, a investigação se propôs a

“preservar as características holísticas e significativas dos acontecimentos na

vida real”, Yin (2005, p. 20).

Sobre a entrevista semiestruturadas Marconi & Lakatos a conceituam:

É aquela em que o entrevistador segue um roteiro previamente estabelecido; as perguntas feitas ao indivíduo são predeterminadas.

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Ela se realiza de acordo com um formulário elaborado e é efetuada de preferência com pessoas selecionadas de acordo com um plano (MARCONI & LAKATOS, 2003, p. 196).

Depoimentos, fotos e áudios também foram tomados como parte

importante da coleta, análise e composição dos dados aqui apresentados. Eles

foram recolhidos a fim de se obter “impressões livres” sobre as práticas

abarcadas nessa pesquisa.

Os questionários – cujo modelo encontra-se nos apêndices desse

trabalho -, foram então aplicados ao grupo de pessoas que vivem “Por detrás

da Serra” e o fio condutor dessas perguntas organizadas de forma aberta e

fechada, foi situado nas condições de vida, de trabalho, as motivadoras, ou

não, para a escolha da atividade mineral como atividade concomitante à

atividade agrícola e as expectativas e anseios desse grupo.

O número chave dessa pesquisa é vinte e quatro (24), número de

entrevistas realizadas com moradores “Por detrás da Serra”. Mas o universo

total de pessoas vinculadas às duas atividades chega a noventa e um (91),

quando consideramos todos os membros das famílias envolvidas que

dependem/auxiliam no mantimento das unidades familiares. A aplicação das

entrevistas semiestruturadas foi imprescindível, e aconteceu entre os dias 5 e 8

de agosto de 2015.

Ao final dos quatro dias de trabalho em campo, os 24 questionários

foram aplicados e dados sobre a estrutura familiar a qual esses trabalhadores

faziam parte foram obtidos, almejando concatenar as aspirações da família

como unidade social. Os questionários tinham como objetivo sondar sobre a

dileção de uma atividade com relação à outra, bem como responder as

perguntas dessa pesquisa, entendendo o contexto social a qual o grupo estava

inserido. Assim, foi delineado um perfil dos nossos entrevistados e de suas

famílias através de informações agrupadas no questionário, a saber: I) família e

o trabalho; II) a condição da terra explorada; III) as condições de vida e de

trabalho; IV) a comercialização dos produtos da agricultura familiar e; V)

relações de trabalho na mineração e; as expectativas e anseios dos

agromineradores.

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Houve também uma conversa com um membro do STTR, buscando-se

entender o papel do sindicato junto a esses agromineradores. Ademais, outras

informações foram anexadas a essa pesquisa, advindas de observações e

conversas que aparentemente tinham um teor de informalidade, mas que eram

discursos de grande valia e que foram aportados nessa pesquisa.

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CAPÍTULO III: O AGROMINERADOR FAMILIAR DE

PARELHAS/RN

3.1. “POR DETRÁS DA SERRA” DE PARELHAS

Descreveremos a partir de agora os fatos envolvidos no objeto de estudo

dessa pesquisa, objetivando acercar o máximo possível da realidade a qual

presenciamos nas duas visitas realizadas ao município de Parelhas/RN. Serão

expostas nesse subtópico apreciações da pesquisadora conduzidas sob os

olhares teóricos já apresentados no capítulo II desse trabalho, relatando

algumas condições as quais estão vivendo os agromineradores “Por detrás da

Serra” em Parelhas/RN.

Como os conceitos de habitus, campo, trajetória e instituições são

utilizados como marcos teórico fundantes desse trabalho, concatenados às

considerações sobre agricultura familiar part-time e pluriatividade, faz-se

necessário aplicar essas considerações aos fatos presenciados, buscando-se

entender as conjunturas e conjecturas a qual essas pessoas estão envolvidas e

quais as observações daí entendidas.

Sob a lupa dessas teorias sobrepostas a um questionário com perguntas

abertas e fechadas, as reflexões se converteram em exercícios de comparação

da realidade ante a essas proposições, transformando as observações feitas

no campo em um aprendizado constante e desafiador no tocante à confirmação

ou refutação das hipóteses aqui pretendidas. Ademais, esperando que a leitura

desse trabalho se torne mais dinâmica, optou-se por trazer os dados tabulados

em blocos, para então seguirem suas interpretações sob a perspectiva dos

teóricos aqui apresentados.

Em visita exploratória realizada em 21 e 22 de novembro de 2014, foram

colhidas as primeiras impressões sobre o agrominerador familiar de Parelhas.

Antes da visita a um estabelecimento agrícola, propriamente dito, conversamos

com um membro do STTR, com o intuído de deixá-lo a par da nossa intenção

com a pesquisa e, também, de solicitar apoio junto à análise em questão,

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estabelecendo redes de contato e facilitando a mediação com os

agromineradores.

Na primeira conversa tivemos conhecimento da área “Por detrás da

Serra”, nome dado em alusão as comunidade que vivem por detrás da Serra da

Princesa, distando cerca de 25km de Parelhas (Imagem 2). Nesse lugar existe

um número expressivo de pessoas que se enquadram na categoria de

agrominerador, ou seja, de agricultores que combinam a atividade agrícola com

a atividade não agrícola.

Imagem 1 - Panorâmica da Serra da Princesa

Fonte: autoria própria

Todavia, a pessoa do STTR não conseguiu nos afirmar com precisão a

quantidade de pessoas que se dedicavam as duas atividades. Mas enfatizou,

por mais de uma vez, que existe uma média de cem (100) famílias que vivem

nessa área e se dedicam à agricultura. E, dentre esse número, cerca de

sessenta (60) famílias também vivem da convivência entre a agricultura e a

mineração.

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Imagem 2 - Comunidades “Por detrás da Serra”

Fonte: autoria própria

Há ainda uma área quilombola no município, o Quilombo da Boa Vista,

onde se percebe também a dedicação a essas duas atividades. Porém, esse

grupo trabalha com carteira assinada na empresa de mineração. O que acaba

cortando vínculo legal com a atividade rural familiar. A pessoa do Sindicato

dos Trabalhadores Rurais nos relatou que ainda assim há solicitação de

aposentadoria rural por esse grupo. Isso acaba por gerar dificuldades para o

STTR, pois como esses trabalhadores têm suas Carteiras de Trabalhos e

Presidência Social (CTPS) assinadas, o cálculo dos anos como trabalhadores

rurais, que foi interrompida quando firmaram contrato de trabalho com a

empresa de mineração, é comprometida, dificultando a contagem do período e,

assim, a aposentadoria rural.

Situada cerca de 20 km de distância do centro do município de Parelhas,

uma propriedade agropecuária visitada na área “Por detrás da Serra” foi nosso

primeiro contato com os agentes que são objetos dessa dissertação. Com duas

pessoas residindo nesse estabelecimento e fazendo uso de política de

transferência de renda em razão da estiagem, foram narradas algumas

impressões sobre a realização das duas atividades como, por exemplo, o

trabalho na agricultura realizado no período do inverno e a garimpagem no

período de estiagem e o relato de que em vinte (20) anos de vida nessa

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residência, a família só pode se manter de atividades exclusivamente ligadas à

agricultura familiar nos primeiros anos que viveram no sítio.

Os principais minérios extraídos nessa propriedade são o feldspato15 e a

tantalita16, nomeada pelo agrominerador como ”bloco” e sua extração realizada

com o uso de explosivos. Quanto ao regime acordado entre as partes –

agrominerador e empresa mineradora -, ainda que de propriedade do

agricultor, o acordo feito entre os dois prevê que o subsolo pertence à

empresa, que paga ao agrominerador pelos minérios extraídos, ficando sob a

responsabilidade dele a exploração e peneira do minério.

Em razão da informalidade desse acordo, qualquer acidente que venha

a acontecer com o agrominerador, como, por exemplo, com o uso de

explosivos, na execução do trabalho, a empresa não se responsabiliza pelo

incidente e, provavelmente, seria o STTR que solicitaria junto ao Instituto

Nacional de Seguro Social – INSS – os direitos de assistência a essas

pessoas. O grande entrave, justificado pelo membro do STTR que nos

acompanhou, dá-se quanto a justificativa do acidente junto à previdência social.

Haja vista que é difícil atribuir a um agricultor familiar o uso de explosivos na

realização de seus trabalhos.

A necessidade de concomitância dessas atividades na área “Por detrás

da Serra” é reafirmada pelo chefe da família, que nos diz que, caso não a faça,

ele e sua família passariam fome. Ele ainda acrescenta que no caso dele e da

grande maioria dos moradores daquela região, que também precisam trabalhar

com a garimpagem, é a agricultura familiar que é complementar à garimpagem.

E não o oposto. Já que, atualmente o que produz por meio da agricultura é

utilizado apenas para consumo da casa, tampouco garantido a subsistência

familiar.

No retorno à sede do município, perguntei ao membro do STTR se

existia o pagamento de algum tipo de “royalty” 17, da empresa para o

15

Com variadas aplicações na indústria, pode ser utilizado na fabricação de vidros, cerâmicas, incorporação em tintas, louças sanitárias e de cozinha, látex, agregados para a construção civil, entre outros produtos. 16

Utilizado na fabricação de aparelhos eletrônicos em geral e indústria bélica. 17

Forma de pagamento que garante o direito a usufruir de algo.

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agrominerador. A resposta fornecida foi que há o pagamento de uma “conga”,

que é o ajuste financeiro acordado entre as partes quanto ao pagamento para

extração.

Diante de tais informações, estava claro que ali existiam outros tantos

aspectos que deveriam ser abordados e aprofundados para um entendimento

mais apurado sobre as questões propostas nessa dissertação, de maneira que

um retorno seria imperativo. Assim, nove meses depois, ocorreu a segunda

visita aos estabelecimentos agrícolas que estão “Por detrás da Serra”, entre os

dias 5 e 8 de agosto de 2015 (Mapas 2 e 3 ).

Nesse período, foram aplicados os questionários e observados fatos

imprescindíveis para o enriquecimento da pesquisa. Histórias foram narradas,

contadas e recontadas por diversas bocas e sob os mais diversos olhares.

Foram traçados, além de caminhos, teias de parentescos e histórias de vidas

cruzadas pelo mesmo ponto em comum: a agricultura e a mineração como

ocupações necessárias às reproduções sociais e econômicas “Por detrás da

Serra” de Parelhas.

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Mapa 2 - Caminhos percorridos em Parelhas

Fonte: Google Earth, construído pela autora

Mapa 3 - Caminhos e espaços visitados “Por detrás da Serra”

Fonte: Google Earth, construído pela autora

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Dentre algumas dificuldades encontradas, fixar uma data de retorno

após a primeira visita com uma pessoa do STTR foi uma das mais difíceis.

Ciente do apoio que necessitaria para apresentar-nos às famílias em seus

estabelecimentos seria imprescindível contar com alguém que articulasse uma

espécie de elo de confiança entre a pesquisadora e o grupo. Alguém que se

constituísse como um mediador, quebrando o contato inicial, apresentando-nos

como universitários que estavam ali buscando concluir uma etapa dos estudos.

No carro, a caminho do primeiro estabelecimento a ser visitado, em 05

de agosto desse ano, a pessoa do STTR, em uma conversa bastante à

vontade, nos relata sobre a sorte que esse morador, que íamos conhecer em

seguida, tem de contar com o apoio de seus filhos para trabalhar na terra.

Porém não era o trabalho na agricultura. Era, sim, o trabalho de mineração,

explorando uma área dentro da propriedade, que contava com as licenças

necessárias para extração e funcionamento da mina, que “empregava” alguns

moradores da região “Por detrás da Serra” e, também, de outros municípios

(Imagens 3 e 4).

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54

Imagem 3 - Mina de superfície “Por detrás da Serra”

Fonte: autoria própria

Ali começaria a aplicação dos questionários e a observação mais

aprofundada da realidade que imaginávamos nos deparar. Vale acrescentar

que essa primeira casa, o primeiro estabelecimento que tivemos contato na

segunda visita, foi chave para o desenvolvimento da pesquisa. Chegar nesse

território acompanhado de alguém que já sinalizava confiança para essas

pessoas – alguém do STTR - foi muito importante para o desenvolvimento do

trabalho. Afinal, estar “dentro de uma mina”, em contato com o proprietário do

estabelecimento e trabalhadores na condição de mineradores, propiciou-nos

uma rede dentro desse espaço, que já assinalava para o imbricamento de

relações existentes entre a agricultura e a mineração, entre os agentes que

estruturavam aquele contexto. Habitus, campo, trajetória e instituições eram

conceitos teóricos que saltavam aos olhos e que naquela conjuntura talvez só

recebessem outros nomes.

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55

Imagem 4 - Trabalhadores lavrando na mina

Fonte: autoria própria

Dentre algumas inferências constatadas, vimos que trabalhar tanto na

agricultura como na mineração, “Por detrás da Serra”, é mais comum do que se

pode imaginar. Aos agricultores familiares e trabalhadores rurais que tinham

como o obstáculo ao ofício laboral principal a seca e seus reflexos impeditivas

para a produção agrícola, restava a “fuga” para a mineração. Afinal, “é mais

cômodo”, “todos os amigos já trabalhavam”, “meu pai já fazia as duas

atividades”, “a terra só dá para essas duas coisas, e é como a gente vai

escapando”.

3.2. APRECIAÇÕES SOBRE O AGROMINERADOR FAMILIAR “POR DETRÁS

DA SERRA” DE PARELHAS/RN

O perfil etário de nossos grupo de agromineradores varia entre 15 e 65

anos de idade (Gráfico 1). Mas fisicamente os nossos entrevistados pareciam

ser mais velhos do que nos diziam. O serviço debaixo do sol, com alta

exposição aos raios solares, extraindo minério na superfície, com jornada

média de 8 horas por dia, cinco dias por semana, em temperaturas que podem

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atingir a máxima de 32º Celsius, castiga fisicamente o trabalhador, dando-lhes

aparência de mais idade do que realmente têm.

Considerando que existe entre essas idades – 15 e 65 anos - 50 anos de

diferença e dividindo esse valor pela metade, ou seja, separando o grupo em

duas grandes faixas etárias, uma entre 15 e 40 anos e outra entre 41 e 65

anos, percebe-se que o segundo grupo de idades corresponde ao dobro do

que tem entre 15 e 40 anos. Isto é, 67% do grupo pesquisado têm mais de 40

anos de idade.

Gráfico 1 - Faixa etária dos entrevistados

Mas essa relação entre a idade e o trabalho realizado pode ser

explicada, como nos contou um entrevistado de 18 anos que queria trabalhar

com a mineração “como todo mundo por detrás da Serra”, porque os donos

preferem contratar18 trabalhadores mais velhos, pois eles já possuem

determinado conhecimento sobre os minérios extraídos na região, sabendo

identificá-los corretamente para a extração e são conscientes da lida diária e

trabalho braçal que a mineração exige, sobretudo quebrando as pedras com

picaretas e marretas.

Entre os 24 entrevistados, o que se percebe é que o grupo se concentra

também entre os que não chegaram a concluir o Ensino Fundamental I. Ou

seja, não chegam a um grau de instrução onde possam almejar uma condição

18

Aqui contratar é utilizado como um vínculo, geralmente verbal, de acordo entre as partes. Sem qualquer assinatura de contrato ou de CTPS.

0

1

2

3

4

5

15-20 21-25 26-30 31-35 36-40 41-45 46-50 51-55 56-60 61-65

Faixa etária dos entrevistados

15-40

41-65

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57

de trabalho tão diferente das quais se encontram, já que o baixo nível

educacional é limitador quanto ao alargamento de possibilidade na escolha

profissional.

Gráfico 2 - Grau de instrução educacional dos entrevistados

Sobre o nível educacional total de toda a população abarcada pelos

questionários (Gráfico 3), dos 91 envolvidos, 52 estão entre os que têm o

Ensino Fundamental I Incompleto e os que acabaram a 4ª série, não excluindo-

se dessa interpretação as dezessete crianças19 que estão entre um e onze

anos de idade.

19

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em seu artigo 2º elenca: “Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até 12 (doze) anos de idade incompletos” (BRASIL, 1990).

02468

1012141618202224262830

Grau de instrução dos entrevistados

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58

Gráfico 3 - Grau de instrução educacional geral

No que diz respeito à condição de exploração da terra, 17 dos 24

entrevistados moravam em terras arrendadas de terceiros, como nos mostra o

Gráfico 4.

Gráfico 4 - Condição de exploração da terra

Sobre qual seria a ocupação principal (Gráfico 5) e a ocupação

secundária que exerciam (Gráfico 6), as respostas dos 24 entrevistados foram

02468

1012141618202224262830

Grau de instrução geral

0

2

4

6

8

10

12

14

16

18

Terra deherdeiro

Terra própia Arrendamentoem terra de

terceiro

Assentado Parceria emterra de terceiro

Outra forma

Condição de exploração da terra

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bastante equilibradas. Mostrando-nos a condição de agromineradores a qual se

encontram, ambivalentes nos exercícios de atividades dentro da estrutura a

qual fazem parte.

Gráfico 5 - Ocupação principal dos entrevistados

Gráfico 6 - Ocupação secundária dos entrevistados

Nesse aspecto, o discurso dos entrevistados era bastante claro quanto

ao movimento pendular que existe entre a agricultura e a mineração. Sendo a

decisão sobre uma ou outra atividade pautada na necessidade financeira de se

manter as famílias. Foi observado também um vivo registro dos conceitos de

pluriatividade e de agricultura part time nos entrevistados e suas famílias, que

se valem ora de uma atividade não agrícola, mas mantêm a residência no

ambiente rural, configurando-se, assim, a pluriatividade; ora da atividade da

agricultura, especialmente nos períodos de chuvas e, ainda assim, trabalhando

também na mineração como fonte de renda acessória ao ofício rural,

configurando-se, assim, a part-time farming.

A viva aproximação entre os dados dos gráficos 5 e 6 é um registro da

complementariedade que há entre as atividades de agricultura e mineração Por

trás da Serra. Sobretudo nos últimos anos, onde a seca praticamente obrigada

esse grupo a buscar outras formas de manutenção econômica e social e que

não esteja ligada à agricultura.

Agricultor conta própria

50%

Extrativismo

mineral 46%

Outra atividade

4%

Ocupação principal dos entrevistados

Agricultor conta própria

46%

Extrativismo

mineral 50%

Outra atividade

4%

Ocupação secundária dos entrevistados

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O diagrama de Venn20 ajuda a organizar e visualizar melhor os dados

obtidos na pesquisa, especialmente quando há duas ou mais opções

escolhidas pelos entrevistados em questão. Assim, na terceira parte do

questionário, que versa sobre as condições de vida e trabalho dos

entrevistados, a primeira pergunta feita desejava do entrevistado não a

informação sobre aquilo que ele poderia considerar como sendo a sua

atividade principal ou secundária, como já está demonstrado nos Gráficos 5 e

6. Ao contrário, buscava-se entender que, de fato, as duas atividades eram

feitas, como condição característica do grupo, e para além da importância

empregada pelos entrevistados sobre o grau de acessoriedade ou não de uma

atividade com relação à outra.

Então, quando perguntados sobre quais atividades realizavam,

buscando-se entender as ocupações as quais colocavam essas pessoas em

suas condições de trabalho reais, que garantem os seus sustentos, 21 dos 24

responderam que faziam as duas atividades. Sem duvidar ou colocar em

questão qual seria a principal e a secundária (Diagrama 1).

Diagrama 1 – Ocupações dos entrevistados

20

Criado pelo matemático inglês John Venn com o objetivo de facilitar a intersecção e união dos conjuntos, apresentando melhor visualização dos dados de cada grupo.

Total: 24

Agricultura

1

Outra atividade Mineração

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Uma das questões contempladas no quadro de caracterização de

ambiente familiar e de trabalho, feita para todos os membros das famílias, era a

propósito da ocupação principal e da ocupação secundária dessas pessoas

que, morando ou não no domicílio, contribuíam com a renda da família

(Diagrama 2).

Diagrama 2 - Ocupações dos membros das famílias que, morando ou não no domicílio, contribuem com a renda da família

Na construção do Diagrama 1, como já foi dito, foram desconsideradas a

ordem dos ofícios já apresentadas pelos Gráficos 5 e 6, acima expostos, e que

nos trazem dados sobre as ocupações principais e as secundárias dos

entrevistados. Já para a construção do Diagrama 2, observa-se melhor as

atividades as quais estão envolvidos todos os membros das famílias,

excetuando-se os entrevistados, que também contribuem para a renda familiar.

Isso nos vale para analisar o envolvimento, direto ou indireto, de todas as 91

pessoas nas atividades de agricultura e mineração, tomando como base as

condições de pluriatividade as quais estas famílias estão submetidas.

Quando perguntados de porque trabalhar na mineração e não em outra

atividade, esses vinte e três que trabalham na mineração e em outra atividade

responderam:

Agricultura 2

Outra atividade

12 Mineração

2 Total: 44

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1) Escapulindo da agricultura para ganhar dinheiro. Já não se pode tirar lenha e preciso fazer dinheiro;

2) A precisão e a necessidade me trouxeram para a mineração. É o serviço que tem. Já não posso cortar uma lenha;

3) É o que tem para trabalhar e meu pai já trabalhava; 4) É mais fácil. Aqui só tem agricultura, mineração e lenha. E a lenha tá

proibida;

5) Gosto da mineração. Já estou acostumado; 6) Faz 1 mês que trabalha na mineração. Estava sem trabalho na PB; 7) Quando chover voltarei para a agricultura;

8) Por que não tinha outra atividade; 9) Não tinha outro trabalho para fazer. Eu tinha a agricultura, mas sem

chuva a única que eu encontrei foi a mineração. Outro serviço o cabra não encontra;

10) É só o que tem; 11) É o que tem para as pessoas. Não tem opção. Desde pequeno eu

mexo com mineração;

12) É mais fácil. Só tem a mineração;

13) O emprego é fácil;

14) Por que garante a feira. Mas tento fazer agricultura também; 15) Eu cresci na agricultura e sempre vivi aqui. Na mineração se

aventurou para aumentar o rendimento. Não tinha outra opção; 16) Está na mineração (há menos de 1 ano) e enquanto não aparece

nada tá achando bom; 17) Se não fosse a agricultura gostaria de ser mecânico, dirigir carro. Mas

tudo isso no campo. Não quer sair;

18) Por que é mais fácil porque eu tenho pouco estudo;

19) É melhor porque o resto dá pouco dinheiro;

20) Por que foi o que apareceu mais fácil e certo;

21) Por que sem a agricultura era o que tinha para viver;

22) Por que a mineração é mais fácil de trabalhar. Tem emprego fácil; 23) Quando a agricultura ficou fraca eu saí pra procurar outro serviço,

como os amigos já estavam na mineração eu fui também. (COLETA DE DADOS REALIZADA ENTRE OS DIAS 5 E 8 DE AGOSTO DE 2015).

Já em uma pergunta aberta realizada no questionário, sobre o fato de

ser corriqueiro ou não fazer as duas atividades, todas as respostas levaram a

mesma afirmação: sempre foi comum. Tal como ocorreram os fenômenos e de

maneira espontânea, responderam, integralmente, os 24 entrevistados:

1) Sempre foi comum; hoje é que é mais fácil de trabalhar; tem mais máquinas; 2) Desde sempre as duas atividades. Desde a época que deu o "boom" no município; 3) Desde sempre trabalhando nas duas atividades pela vantagem financeira;

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4) No inverno a agricultura, na seca a mineração. Antes a mineração era melhor porque sempre vendia pedra preta e dava dinheiro, hoje o preço baixou;

5) Em Pedra Lavrada (PB) sempre foi comum;

6) Até a década de 90 só agricultura. Mas depois da praga do bicudo, que atingiu o algodão veio com tudo. Agora a mineração também tá difícil por causa que não podemos usar os explosivos. A empresa é que trabalha com essa parte; 7) Aqui é comum. Eu não sou daqui, mas aqui é o que se faz; 8) Sempre foi comum em Parelhas; 9) Sempre foi comum. Aqui chove 1 ano sim e 10 anos não. Esse ano eu plantei e nem mato nasceu;

10) Sempre foi comum. Antes era melhor que chovia todo ano;

11) É comum demais fazer as duas. A gente passa o inverno na agricultura e a seca na mineração;

12) É comum. O único meio de vida é dessas atividades;

13) Sim, porque na seca não tem outro trabalho;

14) Sim, quando sai da agricultura vai para a mineração. E quando volta a chover volta para a agricultura; 15) São as duas atividades para se ter renda. Ter só uma dessas profissões é morte; 16) Sempre foi natural. Sem fazer nada é melhor se ocupar. Como estava desempregado tinha que procurar algo que fazer da vida;

17) Desde de menino eu vejo a mineração aqui;

18)Sempre foi comum;

19) Sim. Por que quando não tem um tem o outro;

20) Sim. Como não chove as pessoas fazem mineração;

21) Sim, porque só tem essas duas atividades e a seca complica tudo;

22)Sim, é o que tem aqui;

23) Era comum as pessoas fazerem as duas atividades. Isso é bom porque quando não chove tem a mineração; 24) Todos os amigos fazem, não dando certo uma vai para a outra atividade. (COLETA DE DADOS REALIZADA ENTRE OS DIAS 5 E 8 DE AGOSTO DE 2015).

Diante desses fatos, como devemos crer que uma atividade dita como

“comum” é realizada apenas em razão da falta de chuva durante uma

determinada época?

A mineração e a agricultura estão muito mais presentes como atividades

conjuntas em virtude da condição climática a qual se encontra esse grupo, de

maneira que num contexto climático de semiárido, onde não são suficientes os

incentivos à agricultura no que diz respeito à utilização de atenuantes para que

os efeitos da seca sejam amenizados, é necessário que sua população recorra

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a outras atividades. E assim o fazem há bastante tempo: pais e avós dos

nossos entrevistados já faziam os dois ofícios. Já garantiam “suas feiras”

através dos dois trabalhos. Afinal de contas eles nos disseram que a mineração

“é o que garante a feira”, remetendo à necessidade de sair para comprar o

alimento que não foi produzido na terra (Gráfico 7 ).

Há Por trás da Serra uma propagação de condutas por parte desses

agentes, que não são realizadas com a consciência como norteadora das

implicações que tramam tal estrutura, visando controlar os possíveis efeitos

advindos dela. Afinal, já se encontra interiorizado dentro desse grupo que a

agricultura e a mineração são as atividades que podem ser feitas nesse espaço

e é assim que eles reproduzem essas práticas, sem reflexionar sobre as

consequências desses atos e sem apreender a realidade para além de como

eles a concebem.

Para pensar essas duas atividades como as possibilidades mais

próximas para as reproduções econômicas e sociais desses agromineradores,

devemos nos orientar sob o contexto a qual o grupo vive, de forma que as

próprias estruturas que tecem esse campo sejam as respostas para a

exteriorização da consciência deles, ainda que essa consciência seja

reproduzida automaticamente. Portanto, nada melhor que entender o habitus e

o campo onde esses habitus se manifestam: o próprio campo da pesquisa.

Afinal, esses alicerces não foram cimentados apenas na última

temporada de secas, e que até hoje aflige essa região. Ao contrário, a condição

de agromineradores há tempos está impressa nos moradores “Por detrás da

Serra”, quiçá em outras partes do município de Parelhas ou outros municípios

do Seridó do Rio Grande do Norte.

Quando perguntados qual das duas atividades eles tinham começado

primeiro, todos responderam que antes de trabalharem com a mineração eles

já tinham trabalhado com a agricultura, sinalizando para suas raízes na

lavoura. Já quando inqueridos se eram as primeiras pessoas da família a

desenvolverem a atividade da mineração junto com a agricultura, mais de 70%

responderam que não, conforme se pode visualizar no Gráfico 7 abaixo.

Inclusive, tal pergunta fechada foi vinculada a outra, aberta, que indaga sobre a

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65

origem das duas atividades na família. Perguntando-os se pais, tios, avós,

irmãos ou outros membros do clã já tinham trabalhado antes na mineração.

Gráfico 7 - Ascendência da atividade agrícola feita conjuntamente com a atividade mineral

Dos entrevistados, 29% responderam que a atividade na mineração

havia sido inserida por eles dentro da família, sendo eles os primeiros a

realizarem-na, ainda que envoltos por um campo onde tal prática já se

manifestava. Os demais atrelaram a iniciação à prática da atividade mineral

aos parentes21 em linha direta (ascendentes) e em linha colateral (irmãos, tios

e primos). Bem como por vínculo social estabelecido, como o casamento.

A reprodução das práticas no contexto “Por detrás da Serra”, já herdada

dos ascendentes que também moravam na região, nada mais é que a

reprodução de habitus, orquestradas pela repetição de práticas sociais

presentes no modelo estrutural desse conjunto. O fato de que realizar essas

duas atividades sempre foi comum nesse espaço deve ser entendida não

apenas pela lógica de conveniência por parte dos grupos. De tal modo que não

há como apartar o contexto histórico a qual viveram essas pessoas para tentar

entender a conjuntura as quais vivem hoje e, tampouco, pode-se ilhá-los

dessas circunstâncias a qual se encontram. Entender os processos nesse

campo exige um olhar para a trajetória do grupo, associado às estruturas

21

O Código Civil Brasileiro versa o parentesco como a união de duas ou mais pessoas por vínculos de sangue (descendência/ascendência) ou sociais (casamento).

sim 29%

não 71%

É a primeira pessoa da familia a desenvolver a atividade da mineração junto com a agricultura?

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66

presentes nesse espaço, procurando entender quais caminhos levaram essas

pessoas a um determinado habitus, quais os meandros que convergem para a

condição de agrominerador.

Buscando compreender o campo a qual estávamos inseridos,

desenhamos um mapa conceitual com as relações de parentesco e de trabalho

entre as unidades familiares dos entrevistados e conexões com a mina

localizada naquela região, de propriedade de um dos entrevistados.

Na tentativa de interpretar as conexões existentes, o mapa conceitual

(Figura 1) apresenta cada um dos 24 entrevistados e suas conexões com o

dono da mina, representado pelo número 1 na figura abaixo. De maneira a

esclarecer as relações de trabalho, representada pela própria palavra grafada

em letras maiúsculas e azuis (TRABALHO) ou de parentesco, representado

pela letra “P”, em vermelho.

Figura 1 - Teia de relações de parentesco e trabalho

Constatou-se que os parentes do dono da mina ou faziam a extração do

minério em suas propriedades, fornecendo minério diretamente para a

P: Parentesco

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67

empresa, ou trabalhavam diretamente para uma empresa com carteira

assinada.

No caso dos que vendiam diretamente para a empresa, mas sem

possuir qualquer vínculo empregatício, com venda direta dos minérios

destinada a esses grandes grupos comerciais, era estabelecido uma espécie

de acordo entre as duas partes, onde os minérios eram vendidos a preços

previamente acertados como, por exemplo: uma tonelada do “prego do

feldspato” a R$20,00; uma tonelada da albita a R$35,00 e; uma tonelada do

feldspato a R$40,00.

Já os agromineradores que trabalhavam por conta própria na extração

mineral feita em terra de terceiros - os quatro alinhados do lado direito da

figura, na parte superior e inferior -, trabalhavam por uma diária de R$40,00.

Porém, como eles não tinham os equipamentos necessários para a extração

desses minérios, era cobrada uma espécie de aluguel pelo uso desse material

de trabalho, composto, principalmente, por picaretas, para cavar a terra, e por

marretas, utilizada na quebra das rochas. Assim, do valor dessa diária ainda

eram abatidas importâncias correspondentes aos gastos do equipamento

necessário para a efetivação do trabalho.

Faz-se importante mencionar também sobre a fonte de renda dos 24

entrevistados e das particularidades que envolviam esse tema para o grupo. No

questionário tínhamos nove (9) tipos de fontes de rendas distintas, conforme se

vê em um dos eixos do gráfico. Todavia, a realidade quando coletada in loco

não se apresenta suficientemente esclarecida a partir do questionário, de modo

que foi dado margem a outras interpretações para o contexto.

Quando perguntados sobre a fonte de renda (Gráfico 8), muitos nos

disseram que recebiam salários. Mas nas entrevistas nos dávamos conta que

de fato não estavam se referindo ao salário mínimo legal pago pela venda do

trabalho na produção de bens e serviços. Ela era na verdade uma espécie de

acordo feito entre o trabalhador e o dono da mina, que tampouco se

configurava como uma diária. Estabelecia-se um preço que seria pago ao final

do mês e eles o tomavam pela denominação de salário.

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68

Gráfico 8 - Fonte de renda dos entrevistados

Ainda que em parte dos casos esse valor que eles atribuíam como

salário fosse maior que o valor vigente que temos para o salário mínimo no

país22, chegando justamente aos R$800,00, ocorreu um caso em que a renda

média mensal do trabalhador girava de R$200,00 a R$400,00 (Gráfico 9).

22 Estabelecido em R$788,00, pelo decreto nº 8.381 de 29 de dezembro de 2014.

0123456789

10

Fonte de renda dos entrevistados

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69

Gráfico 9 - Valor da renda dos entrevistados

A inexistência de um contrato legal com esses trabalhadores, já que o

acerto financeiro era configurado por meio da diária ou preço pago pela

tonelada de minério extraído, desonera o contratante em uma série de

responsabilidade que ele teria frente a essas pessoas. Um acidente de

trabalho, possível demissão do trabalhador, pagamento de férias, décimo

terceiro salário e direito à aposentadora são alguns dos pontos que não são

abarcados por falta de vinculação legal na realização da mineração para esse

grupo. Talvez por essa razão, quando perguntados se pagavam o Sindicato

dos Trabalhadores Rurais, grande parte das respostas foi positiva (Gráfico 10).

Aliás, na entrevista feita com a pessoa do STTR, nos foi dito que nessa

gestão atual não houve acidentes de trabalho causados pela mineração que

demandassem um trabalho do sindicato na aposentadoria da pessoa como

trabalhador rural por um acidente não vinculado a uma atividade ligada à terra.

Os agromineradores pagam o sindicato, ainda que não exerçam a atividade

rural por alguns motivos já expostos nesse trabalho. A aposentadoria rural para

muitos dos entrevistados era razão suficiente para pagar o valor mensal de

R$15,00 ao sindicato.

02468

10121416

Valor da renda

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70

Gráfico 10 - Sobre os trabalhadores sindicalizados a STTR

Mais do que isso, houve casos em que tanto eles como outros membros

pagavam. E se não pagavam, porque trabalhavam de carteira assinada para

uma empresa mineradora, a mulher pagava.

Demonstrando o sentimento que nutriam pela instituição responderam:

O sindicato me ajuda e facilita a conseguir as coisas;

Pago para conseguir financiamento e ajuda;

Gosto porque sempre ajuda; É a saída que vejo para me aposentar e porque o sindicato ajuda com os projetos do governo;

Pago há 5 anos e quando eu preciso o sindicato ajuda; Paga desde 2007 e acha bom porque se tiver algum acidente o sindicato tá lá para ajudar; Não pagava que era carteira assinada. Mas estou há 4 meses na agricultura e quero pagar. Mas a mulher começou a pagar esse ano;

Para me aposentar;

Por que qualquer problema eles resolvem;

Por que posso me aposentar; Gosto do sindicato porque se sofrer acidente tem advogados para me ajudar;

Acho bom pagar. E tem que pagar porque assim tá protegido;

Para a gente ter direitos;

A esposa paga, porque eu sou carteira assinada pela Armil23

;

Se quiser resolver algo o sindicato ajuda e posso se aposentar;

Para poder se aposentar

É bom porque qualquer acidente vai lá e resolve. É uma segurança. (COLETA DE DADOS REALIZADA ENTRE OS DIAS 5 E 8 DE AGOSTO DE 2015).

23

Empresa do ramo da mineração.

Sim 71%

Não 29%

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71

Quando perguntados se possuíam algum tipo de política pública

vinculada aos seus nomes, condição que só pode ser realizada caso haja

sindicalização ao sindicato dos trabalhadores rurais, 78% disseram que não.

Os outros 22% responderam que tinham acessado o Agroamigo, programa de

microfinanciamento rural do Banco do Nordeste, Instituto Nordeste Cidadania

(INEC) e o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA).

Gráfico 11 - Acesso a políticas públicas

Outro fator mencionado entre os entrevistados, referindo-se ao contexto

passado da família, da região e as razões para o exercício das duas atividades,

foi a vinculação do início do trabalho na atividade mineradora em Parelhas à

praga do bicudo-do-algodoeiro (Anthonomus grandis), que chegou ao Brasil

nos anos 1980, causando prejuízos às plantações de algodão, especialmente

no Nordeste brasileiro. O “ouro branco”, que teve seu auge produtivo entre as

décadas de 1960 e 1970, no Rio Grande do Norte, gerou o ciclo algodoeiro no

nosso estado, trazendo desenvolvimento para a economia potiguar e

contribuindo para a arrecadação de cerca de 40% de ICMS - Imposto sobre a

Circulação de Mercadorias e Serviços -, para o RN (IBGE, 2013).

Muitas nos contaram que foi a partir dos anos 1980, pela razão acima

exposta, que eles tiverem que buscar a mineração como alternativa para

sim (Agroamigo) 22%

não 78%

Tem acesso a alguma política pública de crédito, produção e comercialização? Qual?

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preencher a lacuna deixada pelo emprego que suas famílias e eles tinham

garantido pelo trabalho com o algodão mocó. Ademais, a atividade mineral foi

mais explorada ainda após o declínio do algodão, segundo relato dos

entrevistados, já que foi a única que sobreviveu às condições climáticas do

lugar e recebeu investimentos.

Quando perguntados sobre qual das atividades eles acreditavam que

era melhor para eles e suas famílias, 79% (19 entrevistados) nos relataram

sobre a dileção à agricultura, em ser agricultor. Os 21% (5 entrevistados)que

nos disseram que era melhor ser minerador foi um percentual constituído,

sobretudo, por trabalhadores mais jovens.

Gráfico 12 - Sobre a dileção entre uma atividade em relação à outra

Os mais velhos estão mais envolvidos dentro do mundo da agricultura

que da mineração. Inclusive os três entrevistados mais jovens disseram que já

haviam sido criados dentro da mineração porque a agricultura nunca deu o

resultado esperado por eles e suas famílias, sempre tiveram que recorrer à

mineração para garantir o dinheiro até o final do mês. As conclusões que os

mais jovens chegaram foram: porque investir em uma atividade que não gera

frutos? Ou porque gastar energia em duas atividades quando se pode gastar

em uma só?

79%

21%

É melhor ser agricultor ou minerador?

agricultor

minerador

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Sobre as vantagens e desvantagens de se trabalhar na agricultura e da

mineração, foi construída duas tabelas com os seguintes dados:

Tabela 5 - Vantagens e desvantagens da AGRICULTURA

ENTREVISTADO VANTAGENS DESVANTAGENS

1 Lidar com a terra Seca e falta de água

2 Manter a tradição da família A falta de inverno, a seca

3 A colheita é boa Perder a colheita por causa da seca

4 Plantar, colher, fazer o que se come Quando não chove

5 Lucrar com a chuva e a vida no campo Nada

6

Trabalhar por conta própria e tem ajuda de dinheiro para a agricultura

Acho ruim que se não chove não tem como plantar

7 Quando trabalha e não produz Perde dinheiro para o atravessador

8 Criar e plantar A seca é ruim, quando não chove

9 Tudo é bom Nada é ruim, só a falta de inverno. Sem água o cabra não tem nada

10 A fartura e a colheita Nada é ruim.

11 Chuva Plantação que perde pela seca

12 Melhor porque planta tudo Seca e falta de água

13

É mais fácil para o agricultor, tem empréstimo no Banco do Nordeste Quando não chove

14 O trabalho é melhor Limpar o mato

15 Pode plantar e colher, criar bicho Plantar e não sabe se vai dar algo

16 MARCENEIRO COMO ATIVIDADE PRINCIPAL

MARCENEIRO COMO ATIVIDADE PRINCIPAL

17

A lida com o gado. É tudo de bom, mesmo acordando às 3 horas da manhã Nada é ruim

18 Plantar e preservar a natureza A seca e falta de água

19 Plantar e cuidar dos bichos Eu gosto é de tudo

20

O melhor é colher o feijão, o milho, a melancia. A comida do dia Nada

21 Plantar e colher Quando planta e não brota

22 Plantar, colher, comer e dar para os bichos Seca, por que a gente sofre

23 Plantar, poder vender e comer A seca

24 É bom em tudo Quando não chove e vamos para a pedra

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Tabela 6 - Vantagens e desvantagens da MINERAÇÃO

ENTREVISTADO VANTAGENS DESVANTAGENS

1 Dinheiro Atraso do pagamento e buscar minério e não encontrar

2 Dinheiro Atraso do pagamento e o fato de ser um trabalho pesado

3 Trabalha o ano inteiro Atraso do pagamento e a falta de segurança (acidentes)

4 Por que é o que se faz quando não tem outra atividade

Eu trabalho escondido como bandido e não posso usar explosivo

5 Tudo é bom. Já estou acostumado Nada. Gosta da Mineração também

6 O pagamento, a companhia dos amigos

Só se for em mina fechada. Aberta não faz perigo

7 Quando se extrai material bom o pagamento também é bom

Quando o pagamento não é feito em dia

8 Eu ganho o dinheiro da feira. É onde me vira pra ganhar dinheiro pra casa Não trabalhar de carteira assinada

9 Tem o dinheiro, quando pagam

Queria trabalhar com o explosivo, porque a gente fica parado esperando o pessoal disparar o explosivo

10 Receber o dinheiro O serviço é muito pesado

11

Ganha mais dinheiro. Como “tamo” na seca se tivesse na mineração eram 12 meses sem trabalhar.

Só tem vantagem. É tudo melhor que na agricultura

12 O dinheiro É pesado

13 Ajudou muita gente, várias pessoas trabalham aqui com isso

Não tem segurança e tenho medo de acidente

14 Quando tira a mica e o feldspato Poeira

15 Tiro a pedra e já vendo. Já compro a feira Não receber o dinheiro

16 É fora da cidade e isso é bom. Tem a natureza Nada, tudo é bom

17 Nada Acidentes, cortes, explosão, morrer sem ar

18 NÃO TRABALHA NA MINERAÇÃO NÃO TRABALHA NA MINERAÇÃO

19 Acha bom todo tipo de serviço Não gosta de furar com o compressor

20 Encontrar o minério preto Não acho nada ruim

21 É o que tem para todo mundo Atraso do pagamento

22 Não tem nada bom É perigoso. Tem acidente e doença no pulmão

23 Tem dinheiro todo mês e não precisa parar

Trabalho pesado e perigoso porque trabalho na galeria e tem pedra solta

24 Quando se tira e se vende o que se tira

Quando vende e não recebe o pagamento

Analisando os dados contidos no Gráfico 11 e nas Tabelas 5 e 6,

percebe-se uma predileção desses trabalhadores para a agricultura, ficando

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bastante claro que eles não estão ligados à lida da terra atualmente pela falta

de chuva, já que as desvantagens apontadas foram quase todas ligadas à

seca. Mas, ainda assim, houve respostas que diziam que na agricultura não

existe nenhuma desvantagem, e nada é ruim. Já as vantagens atribuídas á

mineração, temos o dinheiro e o trabalho disponível o ano inteiro, fato

inexistente para a agricultura e que mais uma vez configura essa população, no

contexto de seca a qual se encontram junto às suas famílias agora, em

pluriativas.

As desvantagens atreladas ao trabalho de mineração permeiam vários

campos. Sobretudo porque esse grupo não se enquadra legalmente na posição

de minerador e isso gera, como consequência, inseguranças como medo de

acidentes de trabalho, doenças, atrasos nos pagamentos, ilegalidade na

exploração do minério.

Como eles não estão configurados como uma categoria de trabalho e

carregam consigo, em sua grande maioria, o desejo de que a mineração seja

uma coisa passageira, que logo virá a chuva e com isso o retorno à atividade

agrícola, não existe a preocupação em se organizarem como tal, como uma

classe mineradora. Tampouco o Estado é atuante nessa área, na fiscalização

das leis trabalhistas e na preocupação para com esse grupo de

agromineradores, que mais são mineradores que agricultores na prática, mas

que na teoria se dizem agricultores em virtude do apoio estatal e estrutural que

existe para essa classe e inexiste para a que se encontram.

Outro dado apontado na pesquisa foi quanto ao tempo de trabalho em

cada uma das ocupações. Como a seca ditava se eles se dedicariam ou não à

agricultura, mais da metade dos entrevistados nos disseram que não estavam

fazendo atividades ligadas a terra, conforme se pode perceber nos Gráficos 12

e 13.

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76

Gráfico 13 - Relação horas de trabalho por dia

Gráfico 14 - Relação trabalho por dias da semana

Como se pode perceber, a não dedicação à agricultura, segundo eles,

se dá à falta de chuva, que impossibilita o cultivo da terra. Apenas em um

estabelecimento visitado tivemos a oportunidade de ver uma horta e plantação

de feijão, batata-doce e jerimum, mas isso porque ali existia a vazante de um

rio. A quantidade de horas trabalhadas e os dias da semana dedicados a cada

uma das atividades, mais uma vez, configura a condição de pluriatividade a

qual essas pessoas se encontravam, buscando suas manutenções sociais em

atividades externas à agricultura e pecuária.

Trabalhar com a mineração quando a seca aflige suas vidas é um

habitus socialmente construído pelos moradores “Por detrás da Serra”. A

existência da mineração como “escape” da seca é uma estrutura social que há

décadas está estabelecida no município, arquitetada pelos parentes que

fizeram da potencial atividade econômica de Parelhas uma sólida estrutura

inculcada nesses agentes.

Ainda sobre os aspectos de saúde é importante ressaltar que além dos

possíveis acidentes de trabalho que podem acontecer numa mina, há ainda um

leque de doenças respiratórias que podem atingir as pessoas que trabalham

com a extração de minerais. Inclusive houve um relato de um de nossos

entrevistados, que não está trabalhando na mineração, de que há cerca de dez

02468

1012141618202224

0h 2h 4h 6h 8h 10h 12h 14h

Horas ao dia por atividade

Agricultura Mineração

02468

1012141618202224

0 1 2 3 4 5 6 7

Dias por semana por atividade

Agricultura Mineração

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anos ele presenciou a experiência de ver um conhecido seu, companheiro de

mina, morrer no retorno à casa pós pós-trabalho na mina, por falta de ar,

provavelmente por silicose, que é uma grave doença profissional e sem cura

que está relacionada com a inalação de partículas que atingem o pulmão e

provocam uma reação de inflamação e perda da elasticidade pulmonar,

formando nódulos pulmonares. Como a sílica é o principal constituinte da areia,

a exposição a essa substância é bastante comum entre os trabalhadores da

mineração (FAGUNDES & ZANELLATO, 2009).

A resposta dos entrevistados quando perguntados se achavam perigoso

trabalhar na atividade mineral foi, sobretudo, positiva (Gráfico 12)

Gráfico 15 - Acha perigoso trabalhar na mineração?

Essa pergunta estava ligada a outra, aberta, que pedia para que fossem

descritos os perigos de se trabalhar na atividade de base mineral. Ouvimos da

grande maioria que sim, era perigoso trabalhar em minas, pois eles tinham

consciência sobre a possibilidade de acidentes e de adquirir doenças

respiratórias, mas se tudo fosse feito com cuidado a chance de acontecer

algum acidente era muito baixa. Eles não pareciam temer os riscos dessa

atividade e tampouco se preocupar quanto a um possível acidente. A

conscientização sobre esse ponto era quase nenhuma. De maneira que não

sim 79%

não 21%

Acha perigoso trabalhar na mineração?

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houve menção sobre os seus direitos. Afinal, o sindicato estaria lá “para

ajudar”; é onde eles “têm direitos”.

Eles diziam, também, que utilizavam equipamentos de segurança como

máscaras, luvas, botas, protetores auriculares e óculos foram os itens citados.

Contudo, observando alguns trabalhadores que entrevistamos nas minas,

percebia-se que trabalhavam com poucos ou nenhum Equipamento de

Proteção Individual24 (Imagem 6). Calça cumprida e blusa de manga longa,

botas e um pano umedecido utilizado sob o nariz para evitar a inalação de

poeira, quando usados, foram os itens mais vistos.

Imagem 4 - Trabalhadores na mina

Fonte: autoria própria

Nada do que eles diziam utilizar no questionário foi visto. Inclusive em

um dos acampamentos montados nas minas observou-se as condições

precárias em que esses trabalhadores estavam submetidos. Esse grupo ficava

toda a semana trabalhando na mina, dormindo no chão, em esteiras estendidas

24

A Lei 6514 de dezembro de 1977 estabelece a regulamentação de segurança e medicina no

trabalho, onde em seus artigos 166 e 167 relata a obrigatoriedade de a empresa fornecer o EPI

gratuitamente ao trabalhador, e a obrigatoriedade de o EPI ser utilizado apenas com o

Certificado de Aprovação (CA) emitido pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).

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sob o solo e cozinhando nesse espaço: uma barraca levantada com troncos de

árvores nativas e coberta por uma lona (Imagem 7 e Imagem 8).

Imagem 5 - Barraca dos trabalhadores

Fonte: autoria própria

Imagem 6 - Barraca dos trabalhadores por dentro

Fonte: autoria própria

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A condição de ser um trabalhador rural sindicalizado, mostrada no

Gráfico 10, já indica que os entrevistados não poderiam possuir nenhum outro

tipo de vínculo empregatício, uma vez que essa amarração seria cortada

imediatamente quando a CTPS fosse firmada. Mas aparte dos trabalhadores

sindicalizados, ainda existia um número que passava dos 25%, que

correspondiam aos entrevistados que não pagava o STTR devido a já

trabalharem em uma empresa de mineração ou simplesmente porque a renda

que conseguiam ao final do mês não permitia o pagamento da mensalidade

média de R$15,00.

Muitos desses trabalhadores que não pagavam sinalizavam, inclusive,

para o desejo de fazê-lo, devido à relação de confiança e segurança que

sentiam junto à instituição. Porém, esses trabalhadores nem pagavam o

sindicato nem possuíam qualquer tipo de vínculo empregatício com a

mineração. Nenhum registro ou contrato como minerador foi estabelecido e o

único recibo que mencionaram assinar todo mês foi o de pagamento de

“salários”.

Gráfico 16 - Sobre registro ou contrato como minerador

Dos 24 entrevistados, apenas um deles tem a CTPS assinada como

trabalhador de atividade de base mineral. E outro tem um registro como

minerador. Os outros 5 que nem pagam o STTR nem tem registro ou contrato

como minerador trabalham na informalidade, sem nenhum tipo de segurança

sim 8%

não 92%

Possui registro ou contrato como minerador?

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legal que possa abarcar eles e suas famílias caso ocorra algum acidente ou

circunstância que o obrigue a deixar de trabalhar. Esses 5, representam um

pouco mais de 20% dos trabalhadores entrevistados, mas são um grupo que

reflete a não atuação do Estado no que diz respeito aos cuidados e atenção

que se deve ter à sua população. São pessoas que precisam trabalhar para

garantir suas reproduções econômicas e sociais e o fazem diante da

necessidade familiar existente, sujeitados as condições impostas dentro do

campo em que vivem.

Quando perguntados sobre as expectativas e anseios que tinham quanto

à situação futura, de combinação ou não das duas atividades, 32% dos

entrevistados nos disseram que se imaginavam no futuro com a agricultura e a

mineração (Gráfico 17).

Gráfico 17 - Sobre a manutenção das duas atividades no futuro

Dos que responderam negativamente, os 68%, concluíram:

1) Quero ficar só na mineração. A não ser que o tempo melhore para voltar a plantar;

2) Só quero trabalhar na agricultura quando me aposentar (60 anos);

3) Vai chover e eu vou voltar para a Paraíba para a agricultura;

4) Eu espero fazer só agricultura; 5) Se não chover eu faço os dois. Mas o bom é o inverno

para voltar para a agricultura;

6) Quero só a mineração, mas com carteira assinada.

7) Tô perto de me aposentar;

sim 32%

não 68%

Imagina, no futuro, mantendo as duas atividades da forma como faz hoje?

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8) Tô saindo porque já tô velho; 9) Vai melhorar. Eu tenho esperança que vai voltar a

chover; 10) Eu queria estudar, fazer uma engenharia e melhorar

de vida;

11) Eu quero me aposentar pelo sindicato; 12) Acho que vou ficar só na mineração porque já estou

acostumado;

13) Melhor na agricultura, se chover eu saio da mineração; 14) Já estou ficando velho e a agricultura é trabalho mais

leve; 15) A agricultura é melhor e quero trabalhar só nela;

16) Eu quero ser mecânico, ter minha terra e minha casa.

Já os outros oito (8) nos disseram:

1) Eu não tenho mais idade, mas meus filhos vão manter a mineração;

2) A agricultura acabou. Não tem mais inverno; 3) Se não chove o jeito é ir para a pedra. Mas se chover

eu volto para a agricultura; 4) Se chover sim. Se não a família vai ajudando como

ajuda hoje em dia; 5) Se não aparecer coisa melhor tem que ficar. Com o

inverno eu trabalho na agricultura e numa firma tenho mais segurança;

6) Enquanto der para trabalhar; 7) Enquanto eu puder, trabalho nos dois. É um modo de

vida;

8) Por que quando não tem um tem o outro.

As expectativas de mudanças trazidas por nossos entrevistados foram

pessimistas, falando inclusive numa piora da situação. O contexto atual é de

atraso no pagamento dos produtos minerais extraídos; a ausência do governo,

que não ajuda; o próprio conformismo com a situação, acreditando que nada

vai mudar e tudo ficará do mesmo jeito, já que só é bom para os donos das

minas; o medo de que a mineração acabe, como aconteceu com o agave e

com o algodão, assim não terão com que trabalhar.

Os poucos que acreditavam numa melhora falaram da possibilidade da

chuva que traz com ela um retorno à agricultura. E também de investimentos

na mineração, haja vista que essa é a atividade forte de Parelhas e devem ser

abertos mais empregos na área, crescendo a mineração.

O desejo de que seus filhos buscassem outras atividades também foi

apresentado pelos nossos entrevistados, que saíssem do rural, da seca,

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buscassem uma universidade e outras formas de trabalhos. Mas muitos pais

assinalaram que seus filhos já faziam a mineração, ajudando-os quando era o

caso de explorarem minério na própria terra e que de alguma forma era bom ter

os filhos por perto, junto dos animais e da natureza.

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Gráfico 18 - Sobre como veem os filhos nesses trabalhos futuramente

O efeito que o ambiente exerce na construção da realidade dos agentes

produz crenças por meio de circunstâncias e experiências específicas. Essas

crenças, interiorização do plano exterior que vivenciam e reproduzem, são

habitus. Um estado, comportamentos gerados por representações internas

incorporadas daquilo que é e está exteriorizado pelos agentes.

O campo, ambiente em que se encontra esse grupo demarcam boa

parte dos possíveis comportamentos que desempenharão: habitus vinculados a

estrutura a qual esses trabalhadores fazem parte e que são reflexos contínuos

da reconfiguração desse espaço alimentado por essas mesmas condutas. Uma

nova configuração estrutural sempre é possível, desde que haja mudanças nos

habitus existentes.

Contextualizar os trabalhadores “Por detrás da Serra” em muitos dos

pontos abordados no questionário e na observação in loco desse espaço nos

ajudou a compreender o porquê dessas reproduções contínuas, ainda que em

um pequeno grupo, mas que explicam a manutenção da estrutura a qual vivem

essas pessoas e a configuração desses agentes dentro do próprio espaço em

quem estão e os espaços que o circunscreve. Interpretar 91 pessoas através

de 24 só foi possível em razão da espontaneidade no agir, pensar e sentir

desse pequeno grupo, tão natural e baseada em condutas institucionalizadas e

rotinizadas, praticamente gerais a todos “Por detrás da Serra”, mesmo que

reproduzidas particularmente.

sim 37%

não 63%

No seu entendimento, seus filhos vão continuar a fazer esse trabalho?

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CONCLUSÕES

Tentou-se discutir ao longo desse trabalho quais as razões levaram os

moradores “Por detrás da Serra” de Parelhas a decidirem pelas duas

atividades, a agrícola e a mineral, interpretando as suas decisões não apenas

pelo aspecto econômico, mas também sobre outras estruturas que

condicionavam suas decisões dentro do contexto a qual viviam.

Tal fato foi praticado por gerações passadas, recordado aos seus

descendentes, que já encontraram uma teia de estruturas bem norteadas,

navegadas e conhecidas, interiorizadas ainda que inconscientemente de uma

forma comum: por meio da circunscrição social a qual esses indivíduos fazem

parte. De maneira que repetir as ações dos antepassados e também do grupo

social a qual estão inseridos é manifestar comportamentos comuns a todos,

ainda que exista a individualidade de cada um, refletindo disposições duráveis

de um campo de acordo com as estruturas e instituições que o sustentam,

contando trajetórias comuns, ainda que caminhadas individualmente.

Os níveis de escolaridade geral e dos entrevistados, valores mensais de

renda, condição de exploração da terra em que vivem e os ascendentes

familiares na mineração não são apenas dados que coincidiram entre as

respostas dos entrevistados, são condições e valores herdados pelas famílias e

pelo entorno social a qual estão. Habitus que orientaram para a vida social que

reproduzem, que existem, são, duram e dão vida a esse campo, tangendo o

processo de tomada de decisões das famílias.

Eles são agromineradores porque se enquadram na categoria

agricultores part-time quando chove, fazendo também a mineração para

acrescentar rendas às famílias. São principalmente, e também, pluriativos em

suas unidades familiares, já que as rendas que a compõem são de atividades

que não estão enquadradas dentro de uma atividade agrícola e, ainda que a

agricultura ocupe um lugar de destaque no imaginário dessas famílias,

aspiração apagada pelas condições edafoclimáticas do lugar que são

desfavoráveis para tal atividade, outras influências, fragilidades e necessidades

são reveladas por essa razão e a garimpagem acaba por se apresentar como

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estratégia utilizada por esses agentes em busca de manutenção e melhorias de

suas condições de vida, talvez a única tática herdada e repassada a essa

grupo.

Conforme tratado no capítulo II, a insistência na atividade agrícola e na

manutenção da atividade mineral sob as mesmas condições em que ela é

realizada na atualidade é uma prática reafirmada pelos habitus, dentro desse

campo determinado, carregado de histórias e aspectos singulares que

endossam essas práticas estruturadas e mediadas entre o individual e o social,

padronizadas e aceitas com consistência, ditando os padrões de

comportamento e constrangendo as formas de pensar, agir e sentir dos

agromineradores. Por isso que a aceitação da situação que estão vivendo é

feita de bom grado, sem contestações, assentida e reproduzida tal e qual pelos

parentes, amigos e filhos. Institucionalizou-se que a agricultura deve ser feita e

a mineração também, sendo essa última em condições que nem de longe se

equiparam as que são ofertadas pelo Estado para a agricultura.

Entender as instituições nos auxilia no entendimento sobre possíveis

melhorias que podem ser oferecidas a um determinado grupo. Se não fosse a

mineração, como atividade existente em Parelhas e que auxiliasse na fixação

desses agromineradores, com certeza a fuga do rural estaria mais uma vez

abarrotando os centros urbanos, com pessoas fugindo da seca, buscando suas

manutenções, quiçá sobrevivências. Por que então o Estado não promove e

desenvolve políticas de apoio a tal atividade? Por que essas pessoas seguem

como um grupo de invisíveis sociais?

Incentivar a manutenção desses agentes na condição de agricultores,

papel feito pelo STTR, auxilia no imaginário dessas pessoas de que eles de

fato o são e ainda retira do Estado a responsabilidade sobre essas pessoas.

Afinal, manter as estruturas tais como se apresentam hoje sustenta o modus

operandi das grandes empresas mineradoras, que compram dos

agromineradores a preços ditados por elas e está isenta de responsabilidades

para com suas seguranças na extração dos minérios; mantém a situação do

dono da mina, também agricultor, e que contrata a mão de obra local que

necessita do trabalho pagando a diárias, garantindo também que sua extração

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seja realizada diariamente; mantém as famílias dos agromineradores e seus

interesses em sustentarem-se como agricultores, amparados pelo sindicato,

garantindo a aposentadoria rural e acesso a políticas públicas que só essa

categoria permite; mantém o STTR em funcionamento, que segue trabalhando

em longos períodos de estiagem.

A cultura, estrutura e rotina desses agromineradores moldam o espaço

em que vivem, o campo, e tecem o trajeto deles e de suas famílias no que diz

respeito à sua manutenção ou não. Afinal, a homogeneização dos dados e

respostas obtidas nos questionários e observações extraídas são reflexos do

contexto social a qual fazem parte. Desde a idade; nível educacional geral e

dos entrevistados; condição de exploração da terra; dados sobre a ocupação

principal e a secundária e o sentimento que carregam sobre essas ocupações,

individual e coletivamente; sobre a trajetória coletiva dessas pessoas em

trabalhar com a agricultura e a mineração, como atividades que complementam

suas rendas; sujeições e histórias familiares em comum naturalizam as práticas

“Por detrás da Serra”, porque nos mostram similitudes pessoais que foram

desenhadas por semelhanças coletivas. Enfim, o campo o qual estavam

sujeitos possuía uma série de arranjos esquadrinhados, dominantes e

repressivos, que inculcou em seus agentes, de acordo com as condições

individuais que cada um possuía, a reprodução dessas práticas e condutas. É a

força das instituições de um campo tentando se reproduzir.

Nada nesse campo é destoante e tudo é institucionalizado. A história de

um é praticamente a história de todos. Os agromineradores são, em seus

imaginários, agricultores, condição também institucionalizada pelo apoio que o

sindicato oferta a eles. Carregam em si o desejo de se fazerem trabalhadores

da terra. Assim se intitulam e o são, legalmente. Pagam o STTR e sabem da

importância e necessidade de fazê-lo na condição em que vivem. Mas quando

inseridos na realidade e estruturas a qual vivem são mineradores, pois suas

histórias pretéritas são convergentes: existe a seca e o Estado que apoia o

agricultor e existe a mineração o ano todo e o dinheiro dela que os mantém.

A reprodução dessa estrutura é a reprodução das necessidades do

lugar, também institucionalizadas e que levou esse grupo a conjunção da

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atividade agrícola com a atividade mineral. E as instâncias de dominação e

poder desse entorno ainda não trabalha em favor deles. O poder, rotinizado,

por exemplo, na condição da terra em que vivem essas pessoas é justificado

pela seca e reafirmado pela ausência do Estado, que não enxerga na

mineração um potencial fator de desenvolvimento local. E assim os códigos do

campo são ditados através dos comportamentos coletivos e eles mesmos

explicam o arranjo social institucionalizado.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para concluir, é relevante destacar que como forma de enfrentamento à

pobreza rural e na busca de estímulos ao desenvolvimento regional, o Estado

deveria incentivar os diversos tipos de agricultura familiar existentes no país,

mas deve também ter atenção com outras vias de desenvolvimento rural, com

políticas públicas voltadas para a integração de atividades em acordo com as

condições edafoclimáticas do lugar, no caso específico Parelhas e seu

aparente potencial minerário, fomentando, assim, o diálogo entre diferentes

unidades familiares rurais e o desenvolvimento regional.

A redução da vulnerabilidade desses povos deve ser tratada como

política de inclusão social, uma vez que o fomento a políticas públicas que

estimulem alternativas desenvolvimentistas devem ser pensadas em nível de

território e sociedade, podendo apresentar alternativas a problemas que afetam

as populações rurais, no desenvolvimento de políticas para o seu

desenvolvimento e não apenas da agricultura e pecuária. De forma que a

promoção do desenvolvimento rural seja viabilizado como um processo que

resulta da articulação de ações que intentam induzir mudanças

socioeconômicas dentro do espaço rural, objetivando a melhoria de renda, de

bem-estar e de qualidade de vida de suas populações, diversificação da

economia local, geração de emprego no espaço rural, apoio a

multifuncionalidade do meio rural, reduzindo, assim, as migrações campo-

cidade (SCHNEIDER, 2005).

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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APÊNDICES

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APÊNDICE I

PESQUISA - PARELHAS

I - FAMÍLIA E TRABALHO

1 - CARACTERIZAÇÃO DA FAMÍLIA DO BENEFICIÁRIO (RELACIONAR TAMBÉM OS MEMBROS DA FAMÍLIA QUE,

MORANDO OU NÃO NO DOMICÍLIO, CONTRIBUEM OU DEPENDEM COM A/DA RENDA FAMILIAR).

Nome

Sexo (A)

Idade

Estado

civil (B)

Relação

com Beneficiário

(C)

Grau

Instrução (D)

Ocupação Principal

1

(E)

Local onde

Trabalha (F)

Ocupação

secundária1

(G)

Local onde

Trabalha (H)

Fonte de

renda (I)

Valor/ mês (R$)

01

02

03

04

05

06

07

DADOS INICIAIS

NOME DO PESQUISADOR (A): DATA: / / INÍCIO DA ENTREVISTA:

NOME DO ENTREVISTADO (A): APELIDO:

ENDEREÇO:

MUNICÍPIO:

DISTÂNCIA DA SEDE DO MUNICÍPIO

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(A) 1 -Feminino 2 - Masculino

(B) 1- Casado (a) 2 - Solteiro (a) 3 - Viúvo(a) 4 – Separado(a) 5 - Divorciado(a) 6 – União Estável 98 - Outros

(C) 1 - Chefe da família 2 - Cônjuge 3 - Filho(a) 4 - Enteado (a) 5 - Pai/Mãe 6 - Irmão/Irmã 7 - Sogro/Sogra 8 – Neto (a) 9 – Agregados 98 – Outros

(D) 1 – Analfabeto (a) 2 - Sabe ler e escrever 3 – Fundamental I (1ª- 4ª) incompleto 4- Fundamental I completo 5 – Ensino médio incompleto 6 – Ensino médio completo 7 - Curso técnico 8 - 3º Grau incompleto 9 - 3º Grau completo 98 – Outros

(E) e (G) 1- Agricultor(a) conta própria; 3 – Trabalhador(a) doméstico 5 – Indústria 7 – Servidor público 9 – Aposentado(a)/Pensionista 11 - Artesanato 13. Mecânico 15. Intermediário 17. Motorista/Moto taxi 19. Padeiro/doceiro 21. Garçom

2 – Extrativismo mineral 4 - Trabalhador(a) rural 6 – Pescador (a) 8 – Comércio 10 – Construção civil 12 – Extrativismo vegetal 14 – Vendedor ambulante 16. Diarista 18. Cabeleleira/manicure 20 - Professor 98 – Outro

(F) e (G) 1 - Na Unidade Produtiva/domicílio com agricultura 2 – Na Unidade Produtiva/domicílio com mineração 3 - Fora do estabelecimento em atividade agrícola; 4 - Fora do estabelecimento em atividade mineradora 5 - Fora do estabelecimento em outras atividades 6 - No estabelecimento e fora em atividade agrícola 7 - No estabelecimento e fora em atividade mineradora 8 - No estabelecimento e fora em outras atividades 9 - Não trabalha 98 – Outros

(I)

1. Bolsa família

2. Aposentadoria 3. Beneficio de Prestação continuada - BPC 4. Pensão 5.Auxilio doença 6. Diária 7. Salário 8. Agricultura 98. outro

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II - ESTRUTURA FUNDIÁRIA

1. CONDIÇÃO DE EXPLORAÇÃO DA TERRA E DOCUMENTAÇÃO QUE O ENTREVISTADO POSSUI SOBRE A MESMA (PODE HAVER MAIS DE UMA OPÇÃO)

Especificação Documentação que possui*

Área (ha) * Legenda

1.Terra Própria 1. Escritura Pública com registro

2.Parceria em terra de terceiro

2. Escritura pública sem registro

3.Arrendamento em terra de terceiro

3. Recibo

4.Terra de Herdeiro 4. Contrato assinado

5.Assentado/a 5. Outros (especificar)

6.Outra forma

Área Total

III - CONDIÇÕES DE VIDA E TRABALHO

A Universidade Federal do RN (UFRN) constatou que existem muitos trabalhadores

que trabalham tanto na agricultura como na mineração....

1 – O senhor faz...

( ) Só mineração ( ) Só agricultura ( ) As duas atividades ( ) NS ( ) NR

SE FAZ AS DUAS ATIVIDADES

2.1 - Qual começou primeiro?

( ) Agricultura ( ) Mineração

2.2 - É a primeira pessoa da família a desenvolver a atividade da mineração junto com a agricultura?

( ) Sim ( ) Não

CASO NÃO SEJA O PRIMEIRO

2.2.1 – Quem foi o primeiro da sua família a fazer as duas atividades? (averiguar se pais, avós, tios, irmãos, filhos... também desenvolvem/desenvolveram as duas atividades).

2.2.1.1 – E me conte, era comum fazer as duas atividades? Existia alguma vantagem financeira? Era melhor do que hoje?

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3 - O senhor acha que é bom ser sindicalizado? Por quê? (Buscar averiguar o sindicato e as relações aí existentes).

4 – Tem acesso a alguma política pública de crédito, produção e comercialização?

( ) Sim ( ) Não

4.1 – Em caso afirmativo, especificar qual (is).

1. ( )PRONAF 2. ( ) PAA 3. ( ) PNAE 4. ( )AGROAMIGO 5. ( ) OUTRAS. Quais? ______________________________________________

5 – Tem apoio da Prefeitura e/ou Governo do Estado?

6 – Qual o tempo em que se dedica a cada atividade? (buscar relação com o dia ou semana e especificar qual foi a utilizada)

Agricultura Mineração

( ) 2 horas/dia ( ) 4 horas/dia ( ) 6 horas/dia ( ) 8 horas/dia ( )10 horas/dia ( ) 12 horas/dia ( )14 horas /dia ( ) NS ( )NR

( ) 2 horas/dia ( ) 4 horas/dia ( ) 6 horas/dia ( ) 8 horas/dia ( )10 horas/dia ( ) 12 horas/dia ( )14 horas /dia ( ) NS ( )NR

( ) 1 x semana ( ) 2x semana ( )3x semana ( ) 4 x semana ( )5x semana ( ) 6 x semana ( ) 7 x semana

( ) 1 x semana ( ) 2x semana ( )3x semana ( ) 4 x semana ( )5x semana ( ) 6 x semana ( ) 7 x semana

7 – Por que a mineração e não outra atividade? (agora me conte... sentir qual dá a ele maior segurança como chefe da família – mineração ou AF)

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8 - É melhor ser agricultor ou minerador? Por quê (Buscar o sentimento do “chefe da família” e da família quanto à importância de uma atividade em detrimento da outra)

9– Onde é feita a extração mineral?

( ) no estabelecimento ( ) no estabelecimento de terceiros

SE EM ESTABELECIMENTO PRÓPRIO 9.1 Alguém ajuda na extração do minério?

( ) Sim ( ) Não

9.2 – Se sim, especificar como é a relação de trabalho (alguém da família ou “contratado”) e como é feito o pagamento, se contratado.

( ) própria família

( ) “contratado”

Se “CONTRATADO” 9.2.1 – Como é feito o pagamento?

10 – Se na agricultura não existisse o problema dos preços, da água, da seca, da falta de apoio técnico, o senhor continuava a fazer mineração? (buscar que o entrevistado desenvolva sua resposta...)

11 – Quais as vantagens e desvantagens que o senhor vê

AGRILCULTURA MINERAÇÃO

11.1 Vantagens 11.3 Vantagens

11.2 Desvantagens 11.4 Desvantagens

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IV – COMERCIALIZAÇÃO DOS PRODUTOS DA AGRICULTURA FAMILIAR E

RELAÇÕES DE TRABALHO NA MINERAÇÃO

1– Da sua produção agrícola, comercializa total ou parte dela?

1.( ) Total 2.( ) Parcial 3. ( ) NS 4. ( ) NR

2- Para quem o senhor vende seus produtos da agricultura?

1.( ) Feira 2.( ) Atravessador 3.( ) Associação 4.( ) Cooperativa 5.( ) Indústria 6.( ) Prefeitura 7.( ) Conab 8.( ) Emater 9.( ) Escola 10.( ) Outro(especificar) 12. ( ) NS 13. ( ) NR

3 – A venda é feita através de?

1.( ) PAA 2.( ) PNAE 3. ( ) Feiras 4. ( ) Vende diretamente para empresa/firma 5. ( ) intermediário 6. ( ) Outros _____________________________________

4 – Têm registrou ou contrato como minerador?

( ) Sim ( ) Não

EM CASO POSITIVO 4.1 – Trabalha para empresa?

( ) Sim ( ) Não

4.2 – Trabalha por conta própria?

( ) Sim ( ) Não

5 – Acha perigoso trabalhar na atividade de mineração? Quais os riscos que existem nesse trabalho?(buscar que o entrevistado indique os perigos e inseguranças – físicas e legais)

6 – Usa algum tipo de equipamento de segurança para evitar algum acidente?

V. EXPECTATIVAS/ ANSEIOS

1 – O senhor se imagina, no futuro, mantendo as duas atividades da forma como faz hoje?

( ) Sim ( ) Não

EM CASO POSITIVO 1.1 – Por quê?

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EM CASO NEGATIVO 1.2 – Que expectativas têm?

2 – Tem alguma expectativa de mudanças?

3 – No seu entendimento, seus filhos vão continuar a fazer esse trabalho?

( ) Sim ( ) Não

3.1 – Por quê

4 – Existe algum tipo de associação ou encontro com os outros trabalhadores da comunidade que fazem o mesmo trabalho que o senhor? Onde vocês se reúnem eventualmente para tratar os problemas que vivem, discutir possíveis melhorias (buscar do entrevistado maior detalhamento, em caso positivo).

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APÊNDICES II

Imagem 7 - Paisagem típica do semiárido I

Fonte: autoria própria

Imagem 8 - Paisagem típica do semiárido II

Fonte: autoria própria

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Imagem 9 - Agrominerador na cabana montada na mina

Fonte: autoria própria

Imagem 10 – Aplicação do questionário em uma das casas

Fonte: autoria própria

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Imagem 11 - Mica extraída “Por detrás da Serra”

Fonte: autoria própria

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ANEXOS

Normas Reguladoras de Mineração – NRM Operações com Explosivos e Acessórios

16.1 Generalidades

16.1.1 Todas as operações envolvendo explosivos e acessórios devem observar as recomendações de segurança do fabricante, sem prejuízo do contido nas Normas Reguladoras de Mineração – NRM.

16.1.2 O transporte e utilização de material explosivo devem ser efetuados por pessoal devidamente treinado, respeitando-se as Normas do Departamento de Fiscalização de Produtos Controlados do Ministério da Defesa e legislação que as complemente.

16.1.3 O plano de fogo da mina deve ser elaborado por profissional legalmente habilitado.

16.1.4 A execução do plano de fogo, operações de detonação e atividades correlatas devem ser supervisionadas ou executadas pelo técnico responsável ou pelo bláster legalmente registrado.

16.1.4.1 Ao técnico responsável ou bláster compete:

a) ordenar a retirada dos paióis, o transporte e o descarregamento dos explosivos e acessórios nas quantidades necessárias ao posto de trabalho a que se destinam; b) orientar e supervisionar o carregamento dos furos, verificando a quantidade carregada; c) orientar a conexão dos furos carregados com o sistema de iniciação e a seqüência de fogo; d) solicitar a execução das medidas de concentração gasosa, antes e durante o carregamento dos furos, em frentes de trabalho sujeitas a emanações de gases explosivos, respeitando o limite constante no subitem 8.1.12.1 da NRM-08; e) certificar-se do adequado funcionamento da ventilação auxiliar e da aspersão de água nas frentes em desenvolvimento; f) certificar-se de que não haja mais pessoas na frente de desmonte e áreas de risco antes de proceder a detonação; g) iniciar todas as detonações na área da mina, que devem ser precedidas de avisos escritos e sonoros, de comunicação e de interdição das vias de acesso à área de risco; h) certificar-se da inexistência de fogos falhados e, se houver,

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adotar as providências previstas no subitem 16.4.5 e i) comunicar ao responsável pela área ou frente de serviço o encerramento das atividades de detonação.

16.1.5 O técnico responsável, bláster ou qualquer outro trabalhador deve informar imediatamente ao responsável pela mina o desaparecimento de explosivos e acessórios, por menor que seja a quantidade, para que sejam tomadas as providências no sentido de informar às autoridades competentes nos termos da legislação vigente.

16.1.6 O manuseio de explosivos e acessórios é privativo de pessoal habilitado, conforme legislação em vigor.

16.1.7 É proibido detonar utilizando-se rede elétrica em desacordo com a orientação dos fabricantes e as normas técnicas vigentes.

16.1.8 Em minas subterrâneas só é permitido o uso de explosivos de segurança.

16.1.8.1 Em minas grisutosas só é permitido o uso de explosivos anti-grisutosos.

16.1.8.2 Em minas com emanações comprovadas de gases inflamáveis ou explosivos só é permitido o uso de explosivos adequados à estas condições.

16.1.8.3 Acima de 0,8% (zero vírgula oito por cento) em volume de metano no ar é proibido desmonte com explosivo.

16.1.9 Em minas grisutosas é obrigatória a aplicação de tamponamento com material inerte.

16.1.10 Em minas subterrâneas é proibido a utilização de tamponamento com materiais plásticos ou derivados de petróleo.

16.2 Transporte e Manuseio

16.2.1 O consumo de explosivos deve ser controlado por intermédio dos mapas previstos na regulamentação vigente do Ministério da Defesa.

16.2.2 Os explosivos e acessórios não devem estar em contato com qualquer material que possa gerar faíscas, fagulhas ou centelhas.

16.2.3 O transporte de explosivos e acessórios deve ser realizado por veículo dotado de proteção que impeça o contato de partes

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metálicas com explosivos e acessórios e atenda à regulamentação vigente do Ministério da Defesa e observadas as recomendações do fabricante.

16.2.3.1 O carregamento e descarregamento de explosivos e acessórios deve ser feito com o veículo desligado e travado.

16.2.4 Os trabalhadores envolvidos no transporte de explosivos e acessórios devem receber treinamento específico para realizar sua atividade.

16.2.5 É proibido o transporte de explosivos e cordéis detonantes simultaneamente com acessórios, outros materiais e pessoas estranhas à atividade.

16.2.6 O transporte manual de explosivos e acessórios deve ser feito utilizando recipientes apropriados.

16.2.7 O operador de guincho deve ser previamente comunicado de todo transporte de explosivos e acessórios no interior dos poços e planos inclinados.

16.2.8 Os explosivos comprometidos em seu estado de conservação ou oriundos de fogos falhados devem ser destruídos conforme regulamentação vigente do Ministério da Defesa e instruções do fabricante.

16.2.9 Antes do início dos trabalhos de carregamento de furos no subsolo, o técnico responsável ou bláster deve verificar:

a) a existência de contenção, conforme o plano de lavra; b) a limpeza dos furos; c) a existência da ventilação e sua proteção; d) se todas as pessoas não envolvidas no processo já foram retiradas do local da detonação, interditando o acesso e e) a existência e funcionamento de aspersor de água em frentes de desenvolvimento para lavagem de gases e deposição da poeira durante e após a detonação.

16.2.10 Apenas ferramentas que não originem faíscas, fagulhas ou centelhas devem ser usadas para abrir recipientes de material explosivo ou para fazer furos nos cartuchos de explosivos.

16.2.11 No carregamento dos furos é permitido somente o uso de socadores de madeira, plástico ou cobre.

16.2.12 Os instrumentos e equipamentos utilizados para detonação elétrica e medição de resistências devem ser inspecionados e calibrados periodicamente, mantendo-se o

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registro da última inspeção.

16.2.13 É proibida a escorva de explosivos fora da frente de trabalho.

16.2.14 A fixação da espoleta no pavio deve ser feita com instrumento específico.

16.2.15 É proibido fumar, utilizar fósforos, isqueiros, chama exposta ou qualquer outro instrumento gerador de faíscas, fagulhas ou centelhas durante o manuseio e transporte de explosivos e acessórios.

16.2.16 Os fios condutores utilizados nas detonações por descarga elétrica devem possuir as seguintes características:

a) ser de cobre ou ferro galvanizado; b) estar isolados; c) possuir resistividade elétrica abaixo da estabelecida para o circuito; d) não conter emendas; e) ser mantidos em curto-circuito até sua conexão aos detonadores; f) ser conectados ao equipamento de detonação pelo técnico responsável ou bláster e somente após a retirada do pessoal da frente de detonação e g) possuir comprimento adequado que possibilite uma distância segura para o técnico responsável ou bláster.

16.2.17 Em minas com baixa umidade relativa do ar, sujeitas ao acúmulo de eletricidade estática, o técnico responsável ou bláster deve usar anel de aterramento ou outro dispositivo similar durante a atividade de montagem do circuito e detonação elétrica.

16.2.18 É proibida a detonação a céu aberto em condições de baixo nível de iluminamento ou quando ocorrerem descargas elétricas atmosféricas.

16.2.18.1 Caso a frente esteja parcial ou totalmente carregada a área deve ser imediatamente evacuada.

16.3 Armazenagem

16.3.1 A localização, construção e manutenção dos paióis e armazenagem de explosivos e acessórios devem estar de acordo com a regulamentação vigente do Ministério da Defesa.

16.3.2 Os paióis de explosivos ou acessórios no subsolo não devem estar localizados junto a galerias de acesso de pessoal e

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de ventilação principal da mina.

16.3.3 Nos acessos aos paióis de explosivos ou acessórios devem estar disponíveis dispositivos de combate a incêndios.

16.3.4 O acesso aos paióis de explosivos ou acessórios só deve ser liberado a pessoal devidamente qualificado, treinado e autorizado ou acompanhado de pessoa que atenda a estas qualificações.

16.3.5 Os locais de armazenamento de explosivos ou acessórios no subsolo devem:

a) conter no máximo a quantidade a ser utilizada num período de 5 (cinco) dias de trabalho; b) ser protegidos de impactos acidentais; c) ser trancados sob guarda de técnico responsável ou bláster; d) ser independentes, separados e sinalizados; e) ser sinalizados na planta da mina indicando-se sua capacidade e f) ser livres de umidade excessiva e onde a ventilação possibilite manter a temperatura adequada e minimizar o arraste de gases para as frentes de trabalho em caso de acidente.

16.3.6 Em todos os paióis de explosivos ou acessórios devem ser anotados os estoques semanais e movimentações de materiais, sendo que os registros devem ser examinados e conferidos periodicamente pelo bláster e pelo responsável pela mina.

16.3.6.1 Os registros de estocagem e movimentações de materiais devem estar disponíveis para a fiscalização.

16.3.7 É proibida a estocagem de explosivos e acessórios fora de locais apropriados.

16.3.8 Os explosivos e acessórios não usados devem retornar imediatamente aos respectivos locais de armazenamento.

16.3.9 A menos de 20 m (vinte metros) de armazenamento de explosivos ou acessórios só é permitido o acesso de pessoas que trabalhem naquela área para execução de manutenção das galerias e de trabalhos nos paióis.

16.3.10 No subsolo, dentro de paióis de explosivos ou acessórios e a menos de 25 m (vinte cinco metros) dos mesmos o sistema de contenção deve ser constituído, preferencialmente, de material incombustível e não podendo existir disposição de qualquer outro material.

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16.3.11 Os explosivos e acessórios devem ser estocados em suas embalagens originais ou em recipientes apropriados e sobre material não metálico, resistente e livre de umidade.

16.3.12 Os paióis de explosivos ou acessórios devem ser sinalizados com placas de advertência contendo a menção "EXPLOSIVOS", em locais visíveis nas proximidades e nas portas de acesso aos mesmos, sem prejuízo das demais sinalizações previstas em normas vigentes.

16.4 Desmonte de Rocha com Uso de Explosivos

16.4.1 Em cada mina, onde seja necessário o desmonte de rocha com uso de explosivos, deve estar disponível plano de fogo no qual conste:

a) disposição e profundidade dos furos; b) quantidade de explosivos; c) tipos de explosivos e acessórios utilizados; d) seqüência das detonações; e) razão de carregamento; f) volume desmontado e g) tempo mínimo de retorno após a detonação.

16.4.2 O desmonte com uso de explosivos deve obedecer as seguintes condições:

a) ser precedido do acionamento de sirene; b) a área de risco deve ser evacuada e devidamente vigiada; c) horários de fogo previamente definidos e consignados em placas visíveis na entrada de acesso às áreas da mina; d) dispor de abrigo para uso eventual daqueles que acionam a detonação e e) seguir as normas técnicas vigentes e as instruções do fabricante.

16.4.3 Na interligação de duas frentes em subsolo devem ser observados os seguintes critérios:

a) retirada total do pessoal das duas frentes quando da detonação de cada frente; b) detonação não simultânea das frentes; c) estabelecer a distância mínima de segurança para a paralisação de uma das frentes e d) o técnico responsável ou bláster deve certificar-se que não haja fogos falhados em ambas as frentes.

16.4.4 O retorno à frente detonada só é permitido com autorização do responsável pela área e após verificação da

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existência das seguintes condições:

a) dissipação dos gases e poeiras, observando-se o tempo mínimo determinado pelo projeto de ventilação e plano de fogo; b) confirmação das condições de estabilidade da área e c) marcação e eliminação de fogos falhados.

16.4.5 Na constatação ou suspeita de fogos falhados no material detonado, após o retorno às atividades, devem ser tomadas as seguintes providências:

a) os trabalhos devem ser interrompidos imediatamente; b) o local deve ser evacuado e c) informado o técnico responsável ou bláster para adoção das providências cabíveis.

16.4.5.1 A retirada de fogos falhados deve ser executada pelo técnico responsável ou bláster ou, sob sua orientação, por trabalhador qualificado e treinado.

16.4.6 A retirada de fogos falhados só pode ser realizada através de dispositivo que não produza faíscas, fagulhas ou centelhas.

16.4.7 Os explosivos e acessórios de fogos falhados devem ser recolhidos a seus respectivos depósitos, após retirada imediata da escorva entre eles.

16.4.8 É proibido o aproveitamento de restos de furos falhados na fase de perfuração.

16.4.9 Para os trabalhos de aprofundamento de poços e rampas devem ser atendidos os seguintes requisitos adicionais:

a) o transporte dos explosivos e acessórios para o local do desmonte só deve ocorrer separadamente e após ter sido retirado todo o pessoal não autorizado; b) antes da conexão das espoletas elétricas com o fio condutor devem ser desligadas todas as instalações elétricas no poço ou rampa; c) antes da religação é necessário verificar se as instalações estão intactas; d) a detonação só deve ser acionada da superfície ou de níveis intermediários e e) os operadores de poços e rampas devem ser devidamente informados do início do carregamento.

16.4.10 Em minas a céu aberto, próximas de habitações, vilas, fábricas, redes de energia, minas subterrâneas, construções subterrâneas e obras civis, tais como pontes, oleodutos,

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gasodutos, minerodutos, subestações de energia elétrica, além de outras obras de interesse público devem ser definidos perímetros de segurança e métodos de monitoramento e apresentados no Plano de Lavra ou quando exigidos, a critério do Departamento Nacional de Produção Mineral - DNPM.

16.4.11 Definidos os perímetros de segurança e respectivos métodos de monitoramento, os mesmos podem ser alterados mediante avaliação técnica, que comprove as possíveis mudanças, sem danos às estruturas passíveis de influência da atividade, submetidos à apreciação do DNPM.

16.4.12 Não deve ocorrer lançamentos de fragmentos de rocha além dos limites de segurança da mina.

16.4.12.1 Devem ser adotadas técnicas e medidas de segurança no planejamento e execução do desmonte de rocha com o uso de explosivos.

16.4.13 As detonações devem ser limitadas a um mínimo de horários determinados, conhecidos dos trabalhadores e da vizinhança da mina.

16.4.14 O monitoramento de vibrações no solo e o ruído no ar decorrentes detonações deve ser realizado nas obras civis próximas ao local de detonação e manter-se dentro dos seguintes limites máximos:

a) velocidade de vibração da partícula: 15 mm/s (quinze milímetros por segundo) – componente vertical e b) sobrepressão sonora: 134 dB (A) (cento e trinta e quatro decibéis).

16.4.15 Deve ser realizado estudo para o ajuste do plano de fogo de modo a atender aos limites do item anterior (16.4.14) observando os seguintes critérios técnicos:

a) determinação da relação empírica entre a velocidade de partícula e a distância escalonada; b) as distâncias graduadas são definidas pela função (D/Q)½; onde D é a distância radial ao ponto de detonação e Q é o peso da carga máxima por espera e c) a velocidade de partícula máxima Vp é relacionada com a distância escalonada pela seguinte relação:

Vp = k (D/Q½)-b

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Onde:

Vp = velocidade de partícula de pico D = distância da detonação ao ponto de medição Q = carga máxima por espera (peso) k e b = fator do local. São constantes que devem ser determinadas por medições em cada local de desmonte em particular.

16.4.16 Em minas com emanações comprovadas de gases inflamáveis ou explosivos só é permitido o uso de explosivos adequados a esta condição.