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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTECENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO SERIDÓ
CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO
FINANCIAMENTO DE CAMPANHAS ELEITORAIS: UMA ANÁLISE DA ADI 4650 DO STF
Augusto César de Assis Braga
CAICÓ – RNNOVEMBRO, 2015
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FINANCIAMENTO DE CAMPANHAS ELEITORAIS: UMA ANÁLISE DA ADI 4650 DO STF1
Augusto César de Assis Braga2
ResumoNo capítulo mais recente da longa trajetória de escândalos de corrupção do Brasil, a Operação Lava-Jato revela fortes evidências da existência de um cartel formado pelas maiores empreiteiras do Brasil a fim de vencer as licitações das principais obras de infraestrutura do país, em especial aquelas realizadas pela Petrobrás. No núcleo político deste esquema, há evidências de que um porcentual do arrecadado nos contratos - com suspeita de superfaturamento – era repassado aos cofres dos partidos como doações oficiais à campanha da atual presidente do Brasil, na época candidata à reeleição. Este caso reacende a discussão sobre o modelo brasileiro de custeamento de campanhas. Nesse sentido, o presente trabalho tem por objetivo debruçar-se sobre a reforma do modelo brasileiro de financiamento de campanhas eleitorais. Inicialmente discutimos os principais modelos existentes no mundo à luz do direito comparado e o desenvolvimento histórico deste tema no Brasil, bem como o que dispõe a atual legislação. Por fim, analisamos o capítulo mais recente desta discussão: o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4650, a qual visava declarar como inconstitucional a possibilidade de pessoas jurídicas de direito privado realizarem doações a campanhas eleitorais. O estudo nos leva a concluir que financiamento de campanhas é um tema controverso e central nas discussões da reforma política e que os diferentes modelos praticados nas principais democracias ocidentais apresentam vantagens e desvantagens. A opção por um ou outro modelo deve levar em conta o percurso histórico do país em questão.
Palavras-chave: Financiamento de campanhas eleitorais. Reforma política. ADI n. 4650.
1 Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) apresentado ao Curso de Direito/CERES/UFRN como exigência parcial para a obtenção do bacharelado em Direito, sob a orientação do Prof. Saulo de Medeiros Torres.
2 Bacharelando em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
5
1. INTRODUÇÃO
Podemos dizer, sem nenhuma dúvida ou temor de leviandade, que, neste momento, a
política brasileira passa por uma crise de legitimidade em parte motivada por uma crise de
confiabilidade das instituições na qual se destacam os partidos políticos.
Em uma pesquisa do IBOPE (Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística),
realizada anualmente desde 2009, na qual se calcula o Índice de Confiança Social (ICS)3, que
representa a confiança que o cidadão brasileiro deposita em uma instituição. Em um universo
de 18 instituições e quatro grupos sociais, os Partidos Políticos amargaram a última posição,
com uma aprovação de 17 pontos. Fazem companhia a estes, na parte de baixo da tabela, o
Congresso Nacional, a Presidente da República, o Governo Federal, os Governos Municipais
e – de forma bastante preocupante – o próprio sistema eleitoral, em si.
O notável distanciamento existente entre a sociedade civil e a classe política possui
diversas causas que não compõem o objetivo central deste estudo. Uma das mais importantes
é o conflito existente entre o interesse público, o qual deveria guiar os atos do Estado, e os
interesses privados daqueles em posição de poder, os quais costumam ditar de facto as
decisões tomadas nas diversas esferas políticas do país.
No capítulo mais recente da longa trajetória de escândalos de corrupção do Brasil, a
Operação Lava-Jato revelou fortes evidências de um cartel formado pelas maiores
empreiteiras do Brasil dedicado a ganhar as licitações das principais obras de infraestrutura do
país, em especial aquelas realizadas pela Petrobrás. No núcleo político deste esquema, há
evidências de que um porcentual do arrecadado nos contratos, muitos com suspeita de
superfaturamento, era repassado aos cofres dos partidos. De fato, há suspeitas de que parte
dos pagamentos foi feito como doações oficiais à campanha da atual presidente do Brasil, na
época candidata à reeleição. Este caso reacendeu a discussão sobre o modelo brasileiro de
custeamento de campanhas.
Nesse sentido, o presente trabalho tem por objetivo se debruçar sobre este aspecto da
atual crise política: a reforma do modelo brasileiro de financiamento de campanhas eleitorais.
Em um primeiro momento, a fim de nos situarmos na discussão, analisaremos os principais
modelos existentes no mundo a luz do direito comparado. Em seguida discutimos o
desenvolvimento histórico deste tema no Brasil, bem como o que dispõe a atual legislação.
3 Ver dados e consultar tabela em: http://www.ibope.com.br/pt-br/noticias/Paginas/Instituicees-politicas-perdem-ainda-mais-a-confianca-dos-brasileiros.aspx> Acesso em 15 nov. 2015.
6
Por fim, analisaremos o capítulo mais recente desta discussão: o julgamento da Ação Direta
de Inconstitucionalidade n. 4650, a qual visava declarar como inconstitucional a possibilidade
de pessoas jurídicas de direito privado realizarem doações a campanhas eleitorais.
Espera-se concluir este estudo com uma maior compreensão de como funciona o
sistema eleitoral brasileiro no que tange aos seus custos, de forma que possamos nos
posicionar sobre este tema, o qual é tão caro – figurativa e literalmente – à política brasileira.
2. MODELOS DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHAS POLÍTICAS
2.1 FINANCIAMENTO PRIVADO
Nesta modalidade de financiamento, as campanhas eleitorais são custeadas
exclusivamente por contribuintes privados, estejam eles organizados em grupos (empresas,
sindicatos ou associações, por exemplo), ou não (contribuintes individuais).
Trata-se esta da forma mais antiga de financiamento de campanhas, estando ligada às
origens dos partidos políticos, quando os mesmos eram compostos por aristocratas ou ricos
burgueses que sustentavam a organização partidária com os seus próprios recursos.
Neste sistema, o valor arrecadado através de doações individuais, sejam elas feitas
pelos seus filiados ou não, possui uma importância maior para os partidos. Assim sendo,
costuma-se ter uma maior aproximação entre os interesses destes e os dos seus eleitores.
Contudo, ao passo em que este sistema possa promover uma aproximação entre
partido e seus filiados/representados, é inegável que estes nunca vão possuir o poderio
econômico que as grandes organizações empresariais possuem. De fato, ao olharmos, através
da Figura 2, para os dez maiores doadores das campanhas dos candidatos às eleições de 2014,
veremos um grupo de empresas que somam em suas contribuições o valor R$ 39,4 milhões.
7
Figura 1 - "A arrecadação até agora." (Editada)4
É verdade que estas empresas possuem interesses legítimos que podem e até mesmo
devem ser representados politicamente. Mas também é verdade que há incoerências – para
dizer o mínimo – na forma em que estes grupos econômicos realizam suas contribuições. Ao
analisarmos a lista dos dez maiores financiadores das campanhas presidenciais de cada um
dos três principais candidatos da eleição presidencial de 2014 (Dilma Rousseff, Aécio Neves
e Marina Silva/Eduardo Campos), observaremos alguns pontos interessantes:
Sete corporações doaram a mais de um candidato recursos grandes o bastante para
aparecerem na lista dos seus dez maiores financiadores.
Três grupos econômicos (Construtora OAS, Frigorífico JBS e Construtora
Andrade Gutierrez) doaram somas equivalentes a 39% de todo o total de doações
existentes, um valor correspondente a R$ 64 milhões.
Destes três grupos, um deles – a Construtora OAS – aparece na lista dos dez
maiores contribuintes dos três principais candidatos, com doações que somavam,
até o momento do levantamento destes dados, R$ 26,1 milhões.
Diante de tais valores, é de se esperar que estas empresas exerçam grande influência
na atuação dos candidatos por elas apoiados. Como exemplo desta realidade, temos toda a
celeuma envolvendo a aprovação do Código Florestal (Lei 12.651/12), o qual trata da
proteção da vegetação nativa e estabelece limites de uso da propriedade no Brasil. Não sendo
intenção deste trabalho entrar no mérito desta questão, nos ateremos a fazer uma pequena
análise do contexto político presente na aprovação do projeto.
A discussão legislativa opôs – e, de certa forma, mesmo passados três anos da sua
aprovação, ainda opõe – a Frente Parlamentar da Agropecuária, também conhecida como
“Bancada Ruralista”, e a Frente Parlamentar Ambientalista: a primeira considera o novo
Código Florestal um avanço, ao passo que a segunda a vê como um retrocesso. Não querendo 4 Disponível em: <http://politica.estadao.com.br/noticias/eleicoes,tres-empresas-bancam-39-da-campanha,1555032> Acesso em Nov. 2015.
8
adentrar esta discussão, analisemos os financiadores da Bancada Ruralista, a qual parece ter
saído vitoriosa nesta questão.
A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) é um grupo composto por 191 deputados
e 11 Senadores, que defendem os interesses dos setores ligados ao Agronegócio.5 Segundo
Machado (2013), a Bancada Ruralista arrecadou nas eleições de 2010 – pleito que elegeu o
Congresso responsável pela aprovação do Código Florestal – um valor superior a R$ 159,6
milhões, dos quais 39% (R$ 62,4 milhões) e 23% (R$ 36,8 milhões) foram doados por
empresas e pessoas físicas, respectivamente. Conforme a autora, dentre as empresas,
destacam-se tanto aquelas ligadas diretamente ao agronegócio e matérias primas (indústrias
extrativas, agropecuárias e indústrias de transformação), quanto àquelas ligadas indiretamente
ao setor (transporte, veículos e atividades financeiras, por exemplo), como podemos constatar
na Tabela 01.
Tabela 1 - Valores das doações por Seção
Setor econômico ou de atividade do doador (SEÇÃO) Valor (R$) Artes, cultura, esporte e recreação. R$ 31.600,00 Eletricidade e gás R$ 260.000,00 Água, esgoto, atividades de gestão de resíduos e descontaminação.
R$ 651.410,28
Atividades imobiliárias R$ 487.492,36 Educação R$ 372.800,00 Indústrias extrativas R$ 939.545,95 Saúde humana e serviços sociais R$ 564.610,00 Alojamento e alimentação R$ 303.761,77 Outras atividades de serviços R$ 1.273.490,00 Transporte, armazenagem e correio R$ 1.716.684,98 Agricultura, pecuária, produção florestal, pesca e aquicultura R$ 1.304.311,31 Não identificado R$ 982.479,56 Atividades administrativas e serviços complementares R$ 1.562.159,24 Atividades profissionais, científicas e técnicas R$ 1.341.756,00 Informação e comunicação R$ 475.779,00 Atividades financeiras, de seguros e serviços relacionados R$ 4.244.768,24 Construção R$ 12.990.209,13 Comércio; reparação de veículos automotores e motocicletas R$ 12.360.488,17 Indústrias de transformação R$ 20.843.093,45 TOTAL GERAL R$ 62.499.893,49
Fonte: Elaborada por Marcela Machado. Disponível em: <http://bdm.unb.br/bitstream/10483/7449/1/2013>_
O Código Florestal foi aprovado na Câmara dos Deputados por 274 votos a favor, 184
contra e 02 abstenções. Já no Senado, o placar foi de 59 votos a favor e 7 contra. Levando em
conta o valor doado por empresas para as campanhas dos membros da Frente Parlamentar da
5 Ver http://www.camara.gov.br/internet/deputado/Frente_Parlamentar/356.asp
9
Agropecuária (R$ 62,5 milhões) a qual tinha como uma de suas principais bandeiras a
aprovação do projeto, podemos especular que cada voto favorável à lei “custou”,
aproximadamente, cerca de R$ 228 mil na Câmara, e R$ 1,06 milhões no Senado (conforme
demonstrado na Tabela 2). Apesar de tal número não poder ser analisado isoladamente, sem
sombra de dúvidas demonstra o quanto a política está sujeita ao interesse de grupos
econômicos.
Tabela 2 - Custo de um voto favorável ao Novo Código Florestal
Votação na Câmara dos Deputados Valor aproximado do voto (doações de empresas/voto favorável)
Favoráveis Contrários Abstenções -274 184 2 R$ 228.000,00
Votação no Senado Valor aproximado do voto (doações de empresas/voto favorável)
Favoráveis Contrários Abstenções -59 7 0 R$ 1.060.000,00
Fonte: Elaboração do autor.
2.2 FINANCIAMENTO PÚBLICO
Nesta modalidade de financiamento, as campanhas eleitorais são financiadas
integralmente ou majoritariamente pelo Estado, através de recursos públicos. Segundo Rubio
(2005), a partir da segunda metade do século XX começou-se a se construir um pensamento
de que não seria benéfico à sociedade que o financiamento dos partidos e de suas campanhas
políticas fosse realizadas exclusivamente por particulares ou empresas. Como já se foi
discutido anteriormente, corria-se o risco de que os interesses destes grupos se sobrepusessem
aos setores sociais que não possuíam recursos econômicos capazes de rivalizar com os
tradicionais apoiadores dos partidos. Desta forma, o Estado passou a assumir um papel maior
no financiamento das atividades partidárias e eleitorais.
Neste sentido, Rubio aponta vantagens no financiamento público afirmando que o
mesmo:
gera condições de competição eleitoral equitativas; promove a participação de partidos ou candidatos que carecem de recursos e não têm capacidade de arrecadação; evita a pressão direta ou indireta dos capitalistas e doadores sobre os atores políticos; diminui a necessidade de fundos dos partidos e candidatos; reduz o potencial de corrupção; contribui para a sustentação e o fortalecimento dos partidos como atores fundamentais para o funcionamento das democracias representativas. (2005, p. 6)
Nesta direção, outros autores ressaltam que:
10
visa a menor influência do particular nas funções partidárias. Tem como objetivo principal a maior fiscalização dos gastos e, consequentemente, da corrupção, bem como a igualdade na disputa partidária, não permitindo que os partidos se tornem vítimas de interesses econômicos. (TONIAL; OLIVEIRA, 2014, p. 111).
No modelo de financiamento público, os recursos não costumam ser distribuídos
indiscriminadamente, mas sim atendendo a critérios especificados em lei, normalmente
relacionados à representatividade que estas organizações possuem junto à sociedade. Esta
representatividade costuma ser medida pelo número de cadeiras ocupadas pelo partido no
parlamento.
Neste ponto, pode-se fazer uma primeira crítica a esse sistema. Uma vez que novos e
pequenos partidos não costumam obter resultados expressivos nas eleições, este modelo, mais
que garantir condições de igualdade para estas novas legendas, acaba por fortalecer a posição
dos grupos já consolidados politicamente.
Como exemplo de uma democracia consolidada que tem campanhas eleitorais
financiadas majoritariamente por recursos públicos, há a França. Nas eleições francesas, as
únicas pessoas jurídicas que podem contribuir para a campanha são os partidos políticos.
Estes, contudo, podem receber doações de pessoas físicas de até 4,6 mil euros (R$ 19,5 mil) a
cada candidato e 7,5 mil euros (R$ 31,8 mil) por ano para cada partido político. O Estado
francês reembolsa 47,5% das despesas com campanha desde que estas atendam a dois
principais critérios. O primeiro estabelece que o candidato conquiste pelo menos 5% dos
votos da eleição (tal regra é excepcionada nas eleições presidenciais). A segunda norma
determina que, para fazer jus ao reembolso, a campanha deve respeitar um teto de gastos
estabelecido por lei. Nas eleições presidências este limite é de 16,8 milhões de euros (R$ 71,2
milhões) no primeiro turno, e de 22,5 milhões de euros (R$ 95,4 milhões) no segundo. Fato
interessante ocorreu na campanha do ex-presidente Nicolas Sarkozy em 2012, o qual, ao
ultrapassar o teto legal em 466 mil euros (R$ 1,9 milhões), privou o seu partido de um
reembolso de quase 11 milhões de euros (R$ 46,6 milhões).6
Feitos esses primeiros apontamentos sobre o modelo de financiamento público,
devemos falar sobre as suas desvantagens. Primeiramente, cumpre afirmar a aparente
ineficácia da proibição de financiamento empresarial como medida de combate à corrupção.
Rubio assevera que:
6 Cf. http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2013/07/130710_financiamento_eleicoes_dg.
11
[...] o efeito do financiamento público como antídoto contra a corrupção não tem corroboração empírica o suficiente. De fato, episódios de corrupção associados ao financiamento da política verificam-se tanto em países que preveem o financiamento público quantos naqueles que não o contemplam. Casos como o do chanceler alemão Helmut Kohl, o dos “Amigos de Fox” no México e os dos que redundaram nos processos da operação “Mãos Limpas” (Mani Pulite) na Itália se deram em contextos de sistemas com financiamento público de partidas e campanhas. (2005, p. 10)
Em verdade, a autora acredita que a proibição de doações empresariais não impedirá
as mesmas de ocorrer, mas apenas favorecerá a criação de alternativas ilegais para realizá-las,
uma vez que
[...] esses aportes continuarão a existir por meios ilegais, canalizando-se de forma encoberta e fora de qualquer possibilidade de controle e transparência. Com efeito, sempre haverá grupos ou indivíduos interessados em apoiar financeiramente partidos ou candidatos e que ante a proibição encontrarão meios eficazes de ocultar a rota do dinheiro, por meio de contas bancárias no estrangeiro, pessoas interpostas ou triangulação de fundos. (RUBIO, 200, p. 10).
Ainda falando sobre corrupção, quando os critérios para distribuição dos recursos são
frouxos, o modelo de financiamento público dá margem para a criação de partidos ou
legendas de aluguel, como ocorre no Brasil. Este grupo é formado por partidos de pouca ou
nenhuma expressão política – daí receberem por vezes a alcunha de “partidos nanicos” – que
são usados por agremiações maiores para, entre outras coisas, compor coligações para ampliar
o tempo de televisão; atacar ou até mesmo denegrir seus adversários sem que o ônus de fazer
uma “campanha suja” seja imputado ao partido maior; e compor coligações para lançar mais
candidatos.
A maior fonte de renda destas organizações consiste no dinheiro repassado pelo Fundo
Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos, mais conhecido como Fundo
Partidário. Este é uma forma de financiamento público dos partidos políticos, sendo composto
por dotações orçamentárias da União, multas, penalidades, doações e outros recursos
financeiros que lhes forem atribuídos por lei.7
A dependência que certos partidos parecem ter deste fundo chama a atenção. Nas
últimas eleições presidenciais, em 2014, dos onze candidatos que concorriam ao cargo de
Presidente do Brasil, apenas quatro deles apareciam nas pesquisas com pelo menos 1% de
intenção de voto. Os partidos dos outros sete candidatos, mesmo não atingindo esta marca,
receberam juntos cerca de R$ 11,6 milhões do Fundo Partidário. Algumas destas legendas,
7 Ver http://www.tse.jus.br/partidos/fundo-partidario.
12
apesar de inexpressivas, possuem interesses legítimos, mais notadamente aquelas de esquerda
(PSOL e PV, por exemplo). Contudo, parece bastante claro que algumas destas organizações
existem principalmente para captar estes recursos, sendo os exemplos mais notáveis o PRTB e
o PSDC. Seus principais representantes, Levy Fidelix e José Maria Eymael, respectivamente,
tiveram um aumento do seu patrimônio de 520% e 602%, cada, números no mínimo
incomuns.8
Por fim, uma questão problemática no financiamento público de campanha refere-se à
percepção tida pela sociedade de o Estado alocar vultosos recursos para financiar partidos
políticos, principalmente em um contexto no qual muitas democracias vivem uma crise de
representação, faltando identificação entre os partidos e suas bases. Rubio (2005), mais uma
vez, não está cega ao problema:
Em países subdesenvolvidos ou propensos a crises econômicas severas, com altos índices de pobreza e amplos setores da população com necessidades básicas insatisfeitas, a sociedade questiona a alocação de recursos de orçamento público aos partidos políticos. Tal deslegitimação social é ainda maior no contexto de perda de confiança nos partidos [...]. (2005, p. 9).
Percebe-se que, assim como o financiamento privado, o modelo de financiamento
majoritariamente público encerra em si muitos problemas. Ao se aperceber disso, a sociedade
começou a discutir formas em que os dois sistema possam conviver, de modo que as
vantagens combinadas de ambos anulassem os seus defeitos. A seguir, veremos duas destas
tentativas.
2.3 FINANCIAMENTO EM CONTRAPARTIDAS (MATCHING FUNDS)
O financiamento em contrapartidas, também conhecido por matching funds, é o
modelo utilizado pela Alemanha desde 1994. Neste modelo, os partidos também recebem
recursos públicos, porém o valor destes recursos está condicionado à soma que a organização
arrecada dos seus doadores privados.
Nesse modelo o candidato recebe dos cofres públicos um montante proporcional ao arrecadado de suas fontes privadas, servindo como uma complementação a essas doações, que podem sofrer limitações entre montantes máximo e mínimo, de forma a obrigar a dar preferência às pequenas contribuições, porém numerosas, em lugar das poucas e exorbitantes quantias em dinheiro. (TONIAL; OLIVEIRA, 2014, p. 112)
8 Consulte-se http://guiadoscuriosos.com.br/blog/2014/09/15/para-que-servem-mesmo-os-partidos-nanicos/
13
Como vantagem deste sistema, percebemos a aproximação entre o partido e suas
bases, necessária para que o mesmo receba os recursos públicos, os quais correspondem a
30% das suas receitas (ARAÚJO, 2004). Como prova da aproximação que este sistema
proporciona com os eleitores, Araújo (2004) lembra que as mensalidades dos filiados ao
partido respondem, em média, de 30% a 50% do seu patrimônio.
Como uma possível desvantagem deste sistema, Tonial e Oliveira (2014) trazem a
opinião de alguns autores que consideram a possibilidade de, por atuar com um rol restrito de
apoiadores, os partidos se tornarem ainda mais dependentes destes.
2.4 FINANCIAMENTO MISTO
Entende-se por financiamento misto, o modelo de custeamento de campanhas
eleitorais no qual são utilizadas tanto doações de particulares quanto o uso de recursos
públicos, dentro de determinados parâmetros legais.
Tonial e Oliveira (2014) observam que este modelo foi muito difundido nas
Constituições posteriores à Segunda Guerra Mundial, sendo muito presente na América
Latina: “Com exceção da Venezuela, que em 1999 aboliu o financiamento público de
campanhas, os demais países da América Latina aderiram ao sistema misto de financiamento”
(p. 112).
Os autores fazem uma análise dos benefícios deste modelo:
O financiamento misto tem a vantagem de manter a aproximação da militância, filiados, simpatizantes e da própria sociedade aos partidos. Além disso, mantém a autonomia em relação ao Estado, sem perder o caráter público de representação do “povo” ou comunidade, em razão de aportes estatais como parte da fonte financiadora. (Idem)
Em decorrências das vantagens existentes neste modelo, ele é o mais difundido
internacionalmente. Contudo, como todos os outros sistemas analisados neste trabalho, ele
possui defeitos, os quais visualizaremos quando estudarmos, mais adiante, o modelo de
financiamento de campanha eleitoral no Brasil, país que adota este modelo.
3. FINANCIAMENTO DE CAMPANHAS ELEITORAIS NO BRASIL
3.1 PERCURSO HISTÓRICO
14
O primeiro tratamento legal dado ao financiamento das eleições no Brasil foi o
Decreto-Lei 9.258/46, publicado quase 57 anos depois da Proclamação da República e 52
anos depois da primeira eleição direta para presidente. Tal decreto dispõe, entre outras
providências, sobre a proibição do recebimento por partes dos partidos políticos de apoio
financeiro vindo de fontes estrangeiras. Elaborada no início da Guerra Fria, esta normativa
visava, além de garantir a soberania nacional, enfraquecer as agremiações comunistas.
Em 1959, descontentes com o estilo populista do Governo Kubitschek e temerosos
com a ascensão de políticos de orientação socialista, um grupo de empresários, capitaneados
por Ivan Hasslocher, fundou o Instituto Brasileiro de Ação Democrática – IBAD. O grupo
possuía duas principais linhas de ação: a veiculação de propaganda anticomunista e o apoio
financeiro a candidatos que seguissem este perfil. O ápice da atuação do grupo se deu durante
o governo João Goulart, nas eleições de 1962. Neste ano, a atuação do IBAD foi tão intensa
que em 1963 suscitou a criação de uma CPI disposta a investigar a organização, na qual se
verificou que muito dos recursos do grupo vinham de firmas estrangeiras, sobretudo as norte-
americanas9.
É dentro deste contexto que é elaborada a Lei n. 4.740/65 (Lei Orgânica dos Partidos
Políticos – LOPP), a qual, entre outras disposições, proíbe a doação de empresas privadas a
partidos políticos.
É importante mencionar que é a LOPP que cria o Fundo Partidário. Sugerido pelo
Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o Fundo deveria ocupar o vácuo deixado pela proibição de
doações empresariais para os partidos. Contudo, segundo Souza (2013), “[...] a
implementação tardia e a insuficiência dos montantes distribuídos comprometeu os resultados
esperados pela sua criação” (p. 1). De fato, a autora chama atenção para o fato de não ter
havido distribuição dos recursos do fundo até o ano de 1974 e, mesmo assim, em decorrência
dos critérios de distribuição das verbas vinculada à representatividade destes partidos –
medida pelo número de assentos ocupados no congresso, o Fundo Partidário privilegiou o
partido do governo, ARENA (Aliança Renovadora Nacional), uma vez que estes usufruíam de
leis que lhes favoreciam.
Em 1971, a LOPP passa por uma revisão, passando a vedar doações de autarquias,
empresas públicas e fundações instituídas em virtude de lei, bem como de sindicatos. Apesar
de seu objetivo principal ter sido diminuir a influência da “máquina pública” nas campanhas
9 Cf. https://www.tre-sc.jus.br/site/resenha-eleitoral/edicoes/n-3-janjun-2013/integra/2013/06/a-evolucao-da-regulacao-do-financiamento-de-campanha-no-brasil-1945-2006/indexb7dc.
15
eleitorais, esta nova determinação também buscava enfraquecer o MDB (Movimento
Democrático Brasileiro), partido de oposição à ditadura que possuía forte apoio sindical.
É importante mencionar que a proibição de contribuições financeiras privadas aos
partidos não as eliminou de cenário político. Longe disso, essa vedação estimulou a prática do
“caixa dois”, na qual as campanhas de alguns candidatos usam recursos financeiros não
contabilizados nem declarados aos órgãos de fiscalização. Tais recursos incluíam doações
secretas de empresas que posteriormente seriam favorecidas de alguma forma pelos
candidatos eleitos. Estas relações, cada vez mais promíscuas, entre empresários e políticos
culminaram no escândalo de corrupção política que ficaria conhecido por “esquema PC
Farias”.
O “esquema” consistiu em uma série de crimes de tráfico de influência, nos quais as
contas pessoais do presidente Fernando Collor e de parte de seu staff eram pagas por
empresários que, em troca, recebiam vantagens do governo. Como consequência direta deste
escândalo, Collor passou por um processo de impeachment que abreviou o seu mandato.
Souza (2013) conta que os depoimentos de Paulo César Farias10 à CPI designada para
investigar o caso causaram um mal estar que acabou caracterizando como hipócrita a
legislação que proibia doações privadas às campanhas. Como resultado, foi elaborada a Lei
8.713/93 que liberou o uso de aporte financeiro feito por empresas e indivíduos às campanhas
eleitorais.
É importante dizer que o Congresso não liberou os particulares para fazer doações
irrestritas, de forma que estabeleceu limites, sendo estes de 10% dos rendimentos brutos do
ano anterior à eleição, para pessoas físicas, e de 2% da receita operacional bruta, também do
ano anterior à eleição, para pessoas jurídicas. Sobre estes limites impostos pela legislação,
cabe observar que o Brasil se distanciou das regras adotadas em outros países nos quais é
estabelecido um teto nominal para o que se pode doar a um candidato (nos Estados Unidos,
por exemplo, o limite atual do que se pode dar diretamente a um candidato está fixado em
US$ 2,5 mil). Essa opção do legislador brasileiro acabou por enfraquecer o ambiente
democrático das campanhas, uma vez que, obviamente, pessoas e grupos possuidores de
maiores recursos estão permitidos a contribuir mais do que aqueles com menores condições
financeiras.
10 Nome do tesoureiro de campanha do Presidente Fernando Collor de Melo acusado de ser responsável pela condução de um esquema de tráfico de influências. Tal acusação resultou num processo de impeachment que interromperia o mandato do então presidente.
16
Em 1995, com o advento da Lei dos Partidos (Lei n. 9.096 /95), o Fundo Partidário foi
fortalecido com o acréscimo de dotações orçamentárias da União às suas receitas. Com este
adendo, o Fundo, que no ano anterior não tinha somado um milhão de reais, no ano seguinte
alcançou os R$ 20 milhões.
Em 2006, dois novos acréscimos foram feitos à lista de proibidos de doar às
campanhas: ONGs e entidades religiosas. A primeira foi uma resposta a uma série de
escândalos envolvendo repasses de verbas públicas a organizações não governamentais
condicionadas ao posterior apoio financeiro que estas deveriam fazer a determinados
candidatos. A segunda, por sua vez, visou enfraquecer crescimento da “bancada evangélica”.
Feito este recorte histórico, passemos a analise do que a atual legislação dispõe sobre o
tema.
3.4 REGRAS PARA O FINANCIAMENTO DE CAMPANHA
Atualmente, o financiamento de campanhas eleitorais no Brasil é regulado pela Lei n.
9.504/97 (Lei das Eleições), entre os arts. 17 e 27. Tais dispositivos sofreram recentes e
importantes mudanças com o advento da Lei n. 13.165/2015, conforme veremos a seguir.
Primeiramente, cumpre dizer que, até 2015, era de responsabilidade do Congresso
fixar em lei o limite dos gastos para a campanha aos cargos em disputa. Caso tal lei não fosse
elaborada até o dia 10 de junho do ano eleitoral, caberia a cada partido político estabelecer o
teto dos seus gastos e comunicá-lo à Justiça Eleitoral, para que esta lhe desse publicidade.
Contudo, com a Lei n. 13.165, definiu-se que cabe ao Tribunal Superior Eleitoral
definir os limites de gastos da campanha com base em parâmetros legais, tais parâmetros
estão previstos na lei supracitada. In verbis:
Art. 5o O limite de gastos nas campanhas eleitorais dos candidatos às eleições para Presidente da República, Governador e Prefeito será definido com base nos gastos declarados, na respectiva circunscrição, na eleição para os mesmos cargos imediatamente anterior à promulgação desta Lei, observado o seguinte:
I - para o primeiro turno das eleições, o limite será de:a) 70% (setenta por cento) do maior gasto declarado para o cargo,
na circunscrição eleitoral em que houve apenas um turno;b) 50% (cinquenta por cento) do maior gasto declarado para o
cargo, na circunscrição eleitoral em que houve dois turnos;II - para o segundo turno das eleições, onde houver, o limite de gastos será de 30% (trinta por cento) do valor previsto no inciso I.Parágrafo único. Nos Municípios de até dez mil eleitores, o limite de gastos será de R$ 100.000,00 (cem mil reais) para Prefeito e de R$
17
10.000,00 (dez mil reais) para Vereador, ou o estabelecido no caput se for maior.
Art. 6o O limite de gastos nas campanhas eleitorais dos candidatos às eleições para Senador, Deputado Federal, Deputado Estadual, Deputado Distrital e Vereador será de 70% (setenta por cento) do maior gasto contratado na circunscrição para o respectivo cargo na eleição imediatamente anterior à publicação desta Lei.Art. 7o Na definição dos limites mencionados nos arts. 5o e 6o, serão considerados os gastos realizados pelos candidatos e por partidos e comitês financeiros nas campanhas de cada um deles.Art. 8o Caberá à Justiça Eleitoral, a partir das regras definidas nos arts. 5o e 6o:
I - dar publicidade aos limites de gastos para cada cargo eletivo até 20 de julho do ano da eleição;II - na primeira eleição subsequente à publicação desta Lei, atualizar monetariamente, pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor - INPC da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE ou por índice que o substituir, os valores sobre os quais incidirão os percentuais de limites de gastos previstos nos arts. 5o e 6o;III - atualizar monetariamente, pelo INPC do IBGE ou por índice que o substituir, os limites de gastos nas eleições subsequentes.
Outra novidade na Lei das Eleições é o pagamento de multa no valor de 100% da
quantia gasta além do limite estabelecido. Tal multa não fecha as portas para a apuração de
um eventual abuso de poder econômico (art. 18-B).
A lei determina que será o candidato, ou pessoa por ele designada, o responsável pela
administração financeira de sua campanha (art. 20). Neste último caso, o candidato será
solidariamente responsável com as informações financeiras e contábeis de sua campanha (art.
21).
O art. 24 da Lei 9.504/97 traz uma lista de entidades proibidas de doar a qualquer
campanha:
Art. 24 [...]I – entidade ou governo estrangeiro;II – órgão da administração pública direta ou indireta ou fundação mantida com recursos provenientes do Poder Público;III – concessionário ou permissionário de serviço público;IV – entidade de direito privado que receba, na condição de beneficiária, contribuição compulsória em virtude de disposição legal;V – entidade de utilidade pública;VI – entidade de classe ou sindical;VII – pessoa jurídica sem fins lucrativos que receba recursos do exterior;VIII – entidades beneficentes e religiosas;IX – entidades esportivas;X – entidades não-governamentais que recebam recursos públicos;XI – organizações da sociedade civil de interesse público.§1° - Não se incluem nas vedações de que trata este artigo as cooperativas cujos cooperados não sejam concessionários ou
18
permissionários de serviços públicos, desde que não estejam sendo beneficiadas com recursos públicos, observando o disposto no art. 81
Caso haja descumprimento, por parte dos partidos, das normas de arrecadação de
fundos, os partidos serão punidos com a perda do direito de recebimento da sua quota do
Fundo Partidário respectiva ao ano seguinte à eleição (art. 25). É importante dizer que esta
punição também não impedirá o prosseguimento de possíveis ações relativas a abuso de poder
econômico.
Se algum eleitor quiser realizar gastos em apoio à candidatura de algum dos
concorrentes do pleito, poderá fazê-lo em valor não superior a mil UFIR (Unidade Fiscal de
Referência, fixada, neste ano de 2015, em R$ 2,7119). Tais gastos não serão contabilizados
como gastos da campanha, desde que não haja reembolso por parte do partido ao eleitor.
4. A ADI 4650 E SUAS REPERCUSSÕES NO FINANCIAMENTO DE CAMPANHAS
ELEITORAIS NO BRASIL
4.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Um dos capítulos mais recentes na discussão sobre o financiamento das campanhas
eleitorais brasileiras se escreveu com o julgamento da Ação de Inconstitucionalidade (ADI) n.
4650, sobre a qual teceremos alguns comentários.
Primeiramente, analisar-se-á a petição inicial protocolada pelo Conselho Federal da
Ordem dos Advogados do Brasil, a qual deu início ao processo. Em seguida, veremos
brevemente a defesa da Advocacia Geral da União, bem como as intervenções dos amici
curiae admitidos pela Corte e o parecer do Procurador Geral da República.
Posteriormente, será estudado o voto do relator da ação, Ministro Luiz Fux, para logo
em seguida analisar-se os principais votos que acompanharam o relator, assim como aqueles
que lhe foram divergentes.
4.2 ANÁLISE DA PETIÇÃO INICIAL
A ADI em questão foi proposta em setembro de 2011 pelo Conselho Federal da
Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em face da Câmara dos Deputados, por intermédio
do seu Presidente; do Senado Federal, também por intermédio do seu Presidente; e da
19
Presidente da República. A ação visava declarar a inconstitucionalidade de dispositivos
presentes nas Leis n. 9.504/97 (Lei das Eleições) e 9.096/95 (Lei dos Partidos Políticos) que
permitissem a doação de pessoas jurídicas a campanhas eleitorais, bem como instar o
Congresso Nacional a:
[...] editar legislação que estabeleça (1) limite per capita para doações à campanha eleitoral ou a partido por pessoa natural, em patamar baixo o suficiente para não comprometer excessivamente a igualdade nas eleições, bem como (2) limite, com as mesmas características, para o uso de recursos próprios pelos candidatos em campanha eleitoral, no prazo de 18 meses, sob pena de, em não o fazendo, atribuir-se ao Tribunal Superior Eleitoral a competência para regular provisoriamente tal questão. (JÚNIOR; SOUZA NETO; JÚNIOR, 2011. p. 2-3).
Percebe-se, através desta proposta da OAB de mudança legislativa, que a entidade
possui a mesma opinião do autor do presente artigo sobre como o atual limite estabelecido
para doações de pessoas físicas – 10% dos rendimentos brutos auferidos no ano anterior ao
pleito – desequilibra o peso dos doadores individuais nas campanhas eleitorais,
enfraquecendo, deste modo, o jogo democrático. De fato, mais adiante, a petição inicial
analisa este tópico:
O principal limite instituído, baseado em percentual dos rendimentos obtidos no ano anterior, é, ao mesmo tempo, muito leniente em relação aos ricos, e injustificadamente rigoroso em relação às pessoas menos abastadas. Se o objetivo da restrição não é desencorajar a participação cívica do cidadão nas eleições, mas impedir que as desigualdades de poder econômico se projetem no cenário político-eleitoral, o critério adotado não tem nenhuma pertinência. (Idem, p. 9)
A Ordem afirma buscar com esta ADI diminuir o vínculo existente entre poder
econômico e o sucesso político, em uma tentativa de consolidar a democracia através de uma
campanha mais igualitária. Para tanto, a entidade acredita que as doações empresariais para
partidos desequilibram o pleito:
O que se defende na presente Ação Direta de Inconstitucionalidade é, em primeiro lugar, que não se afigura constitucionalmente admissível a permissão de doações a campanhas eleitorais feitas, direta ou indiretamente, por pessoas jurídicas. As pessoas jurídicas são entidades artificialmente criadas pelo Direito para facilitar o tráfego jurídico e social, e não cidadãos, com a legítima pretensão de participarem do processo político-eleitoral. (Ibidem, p. 8-9).
20
Como fundamento legal, a parte autora alegava que os dispositivos atacados violavam
alguns princípios constitucionais. O primeiro deles seria o da igualdade, previsto no art. 5º,
caput, da Constituição Federal e reafirmado no art. 14 do mesmo Texto. Defendia a OAB que
a forma como a arrecadação de fundos pelos partidos está regulada é desigual, de forma que
beneficia aqueles que detêm maior poderio econômico. Neste sentido:
Em um sistema democrático, vigora o princípio da igualdade política: todos devem ter iguais possibilidades de participar do processo político e de influenciar na formação da vontade coletiva. Quando a desigualdade econômica produz desigualdade política, estamos diante de um sistema patológico, incompatível com os princípios que integram o núcleo básico da democracia constitucional. (JÚNIOR; SOUZA NETO; JÚNIOR, 2011. p. 12)
O segundo princípio constitucional que estaria sendo violado seria o princípio
republicano, esculpido no art. 1º da nossa Lei Maior. Alega a Ordem dos Advogados do
Brasil, que o modelo brasileiro de custeamento de campanhas abriria espaço para a ocorrência
de práticas antirrepublicanas, conforme explica a ADI:
A história é por todos conhecida. Como são necessários recursos para ganhar uma eleição, os políticos, para se tornarem competitivos, são levados a procurar os detentores do poder econômico visando à obtenção destes recursos. Cria-se, então, uma relação promíscua entre o capital e o meio político, a partir do financiamento da campanha. A doação de hoje torna-se o ‘crédito’ de amanhã, no caso do candidato financiado lograr sucesso na eleição. Vem daí, a defesa, pelos políticos ‘devedores’, dos interesses econômicos dos seus doadores na elaboração legislativa, na confecção ou execução do orçamento, na regulação administrativa, nas licitações e contratos públicos etc. (Idem, p. 20).
A OAB também elenca, no texto da Ação, motivos pelo qual o tema necessitava de
“uma enérgica intervenção da jurisdição constitucional”. Seriam eles o fato do caso versar
sobre pressupostos do funcionamento da própria democracia; o envolvimento direto dos
representantes eleitos do povo na matéria em discussão, de forma que o Judiciário possuiria
melhores condições de discutir a questão com a imparcialidade que lhe é necessária; e a
correspondência da parcela dos cidadãos destituídos de poder econômico a uma minoria,
quando analisada do ponto de vista social, de forma que, em decorrência da sua situação de
vulnerabilidade, precisaria de uma intervenção mais ativa da jurisdição constitucional.
4.3 PARECERES DA ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO, AMICI CURIAE E
PROCURADORIA GERAL DA REPÚBLICA.
21
Em resposta ao pedido da OAB, a Advocacia Geral da União (AGU) se manifestou
pela manutenção do status de constitucionalidade dos dispositivos atacados. Segundo o órgão,
não deveria haver vedação a participação política das pessoas jurídicas, uma vez que as
mesmas são constituídas por cidadãos, organizadas em torno de objetivos econômicos, sociais
e/ou políticos, de forma que é direito dos mesmos influir no processo político. Neste sentido,
o Advogado Geral mencionou os exemplos da Federação das Indústrias do Estado de São
Paulo (FIESP), a qual costuma manifestar-se sobre a reforma tributária, e a Igreja Católica e
suas opiniões sobre o aborto. Também alegou o Advogado Geral da União, que o tema em
questão não pertenceria ao Supremo Tribunal Federal (STF), mas sim ao Congresso
Nacional11.
Devido à importância do tema, algumas organizações requereram seu ingresso na ação
como amicus curiae. Foram admitidos a Secretária Executiva do Comitê Nacional do
Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral; o Partido Socialista dos Trabalhadores
Unificado (PSTU); o Instituto Pesquisa de Direitos e Movimentos Sociais; a Clínica de
Direitos Fundamentais da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro; e
a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Em contrapartida, foi recusado o
ingresso da JMA Edição de Textos e Imagens Ltda., devido à falta de pertinência temática.
Todas as instituições admitidas como amicus curiae se mostraram favoráveis ao pedido da
OAB, alegando, em sua maioria, a desigualdade de condições entre os partidos, a influência
desmedida do poder econômico nas eleições e o atrelamento dos candidatos eleitos aos
interesses, por vezes escusos, dos seus financiadores.12
A Procuradoria Geral da República (PGR), através do Procurado Geral da República,
Rodrigo Janot:
[...] lamentou que o tema em debate não tenha sido resolvido pelo Congresso Nacional, mas defendeu que a competência para julgar o caso é mesmo do STF, por que não se trata de reforma política, e sim de incompatibilidade das leis impugnadas na ADI com a Constituição Federal.13
No mais, a PGR acompanhou o pedido da OAB e seus argumentos.
11 Cf. http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=255810
12 Idem.
13 Ibidem.
22
4.4 VOTO DO RELATOR
Ao apreciar a questão, o Ministro Relator Luiz Fux destacou haver uma crise de
representatividade no ambiente político atual, a qual está conduzindo os cidadãos a um estado
de ceticismo em relação aos políticos nacionais. Tal desconfiança seria decorrente do que é
percebido como um favorecimento dos interesses privados em detrimento dos interesses
públicos, por parte destes supostos representantes do povo. Desta forma, o Relator considera
que, para remediar a situação, seria necessário “[...] construir uma relação sinérgica entre os
representantes do povo e a sociedade civil, resgatando, neste particular, a confiança e a
credibilidade da população em geral no sistema político” (FUX, 2013. p.1).
Após decidir sobre matéria preliminar, na qual reconheceu a legitimidade ad causum
da OAB para propor tal ação, bem com a legitimidade do pedido da mesma, Fux delimitou a
controvérsia e teceu algumas considerações sobre a possibilidade de jurisdição constitucional
sobre a Reforma Política.
Para o Ministro, seria necessário levar em consideração três pontos fundamentais:
[...] 1º) saber se o Poder Judiciário, mais especificamente o Supremo Tribunal Federal, possui algum espaço legítimo para apreciar temas que atingem o núcleo do processo democrático, como é o caso do financiamento de campanhas eleitorais; se houver tal campo de atuação, 2º) delimitar a exata extensão desse controle jurisdicional para não restar caracterizada indevida (e, portanto, inconstitucional) interferência judicial no âmbito de atribuições conferidas precipuamente aos poderes políticos; 3º) definir se eventual pronunciamento da Corte é em si definitivo, interditando a rediscussão da matéria nas instâncias políticas e na sociedade em geral. (Idem, p. 10).
Em relação ao primeiro ponto, Fux não nega que debates da importância da Reforma
Política devem ser realizados dentro das instâncias políticas, porém, isso não deve resultar em
“[...] uma deferência cega do juiz constitucional com relação às opções políticas feitas pelo
legislador” (Ibidem, p. 11). De fato, para o Ministro Relator, é dever da Corte corrigir
eventuais vícios presentes no sistema legal, bem como proteger às minorias que possuem
dificuldade para se fazer ouvir.
Fux também chama atenção para o inconveniente de se ter a Reforma Política
discutida por parlamentares que são frutos do atual sistema político:
[...] é factível confiar única e exclusivamente aos agentes políticos a prerrogativa de reformulação das regras concernentes ao financiamento de campanhas, quando, em verdade, foi o exato sistema em vigor que permitiu a
23
sua ascensão aos cargos que ocupam? A resposta é, a meu juízo, negativa. (FUX, 2013. p.14)
Assentada a possibilidade de apreciação do tema pelo Tribunal, o Ministro passou a
considerar sobre o espaço para esta interferência. Afirmou que, embora a Constituição não
tenha disposto sobre o modelo de financiamento de campanhas eleitorais, estabeleceu uma
série de parâmetros que o sistema político deve seguir, como, o princípio democrático, o
pluralismo político ou a isonomia política, entre outros. Desta forma, caberia à corte apreciar
a questão sobre este ângulo, isto é, verificar se as atuais regras pertinentes ao custeamento de
campanhas não ferem estes princípios.
Por fim, ao ponderar sobre o caráter definitivo desta discussão, Fux declarou que o
tema estaria em constante debate entre os três poderes, de forma que não caberia ao STF
construir um modelo engessado que regulasse ao tema.
Feitas estas considerações, passou o Ministro Relator a proferir seu voto.
Primeiramente, ponderou sobre os efeitos da participação de pessoas jurídicas em
campanhas eleitorais:
De início, não me parece que seja inerente ao processo democrático, em geral, e à cidadania, em particular, a participação política por pessoas jurídicas. É que o exercício da cidadania, em seu sentido mais estrito, pressupõe três modalidades de atuação cívica: o ius suffragii (i.e., direito de votar), o jus honorum (i.e., direito de ser votado) e o direito de influir na formação da vontade política através de instrumentos de democracia direta, como o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular de leis [...] Por suas próprias características, tais modalidades são inerentes às pessoas naturais, afigurando-se um disparate cogitar a sua extensão às pessoas jurídicas. (Idem, p. 23)
Deste modo, o Ministro considera que o exercício de direitos políticos incompatível
com a natureza das pessoas jurídicas, alegando haver uma grande distância entre a defesa de
algum posicionamento político por uma empresa e a suposta indispensabilidade das suas
doações.
Indo além, Fux também descarta a possibilidade de que a vedação a doações de
pessoas jurídicas dificulte o custeamento das campanhas, uma vez de que os partidos
continuarão tendo acesso aos recursos do fundo partidário e à propaganda eleitoral gratuita,
bem como poderão continuar a receber doações de pessoas naturais. Da mesma forma,
discorda de que esta vedação incorra em uma violação ao direito de expressão destas pessoas
jurídicas.
24
Prosseguindo em seu voto, o Relator desconsiderou o argumento levantado pela
Presidência da República no qual a proibição de doações de empresas não as impediria de
influenciar o processo político, mas apenas as levaria a utilizar outras formas não lícitas, mais
notoriamente, o “caixa dois”. Para o Ministro, a proibição às doações deve acompanhar o
fortalecimento dos mecanismos de fiscalização, de modo a evitar a ocorrência de ilícitos.
Outro aspecto levado em consideração por Fux se refere à permissão que é dada a
algumas pessoas jurídicas em contraposto a vedação de outras entidades, como sindicatos e
organizações não-governamentais. Neste sentido, o Ministro visualiza uma ofensa ao
princípio da igualdade.
Com base nestes pontos, o Relator acolheu como procedentes os pedidos da OAB
relativos à declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos referentes à permissão das
doações por pessoas jurídicas.
4.5 VOTOS FAVORÁVEIS À DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE
4.5.1 Ministro Dias Toffoli
Primeiro a votar após o relator, o Ministro Dias Toffoli acompanhou o voto de Fux,
acreditando que o modelo atual de doações de pessoas jurídicas viola os arts. 1°, parágrafo
único (“Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representante eleitos ou
diretamente, nos termos desta Constituição”) e art. 14, caput (“A soberania popular será
exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e,
nos termos da lei, mediante:”), ambos da Constituição. Analisa Toffoli que:
[...] o parágrafo único do art. 1° e o caput do art. 14 da Constituição Federal não se destinam à pessoa jurídica: essa não pode votar, não pode ser votada e, caso pudesse votar, o voto não teria o mesmo valor, formal e material, para todas. Não há, portanto, comando ou princípio constitucional que justifique a participação de pessoas jurídicas no processo eleitoral brasileiro, em qualquer fase ou forma, já que não podem exercer a soberania pelo voto direto e secreto. (TOFFOLI, 2013. p.13)
Remata o Ministro que, uma vez que as pessoas jurídicas estão alijadas do processo
democrático, permitir que as mesmas participem do processo eleitoral violaria o princípio da
soberania popular, o qual consiste em um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito.
25
Neste sentido, declarar a inconstitucionalidade dos dispositivos atacados vai ao encontro da
Carta de 1988, a qual vedou a influência do poder econômico no processo eleitoral.
Lembra Toffoli (2013) que, caso as empresas queiram ajudar financeiramente aos
partidos políticos, existem outras formas de doações previstas em lei. De fato, a legislação
permite que pessoas jurídicas contribuam com aportes ao Fundo Partidário (Lei dos Partidos
Políticos, art. 38), o qual beneficiaria a todos os partidos, podendo, também, doar aos órgãos
de direção nacional, estadual ou municipal dos partidos, ajudando a constituição dos seus
fundos (art. 39).
No que tange aos limites impostos às doações de pessoas naturais, o ministro acolheu
o pedido da requerente, ao mesmo tempo em que sugeriu a criação de um teto para os gastos
com a campanha eleitoral de cada cargo em disputa.
4.5.3 Ministro Marco Aurélio
O Min. Marco Aurélio de Mello delimitou como premissa principal da ação o direito
do cidadão brasileiro de estar incluso em um sistema político verdadeiramente democrático.
Acredita o Ministro que o fato de haver eleições periódicas e sufrágio universal não é o
bastante para caracterizar a democracia como um direito fundamental assentado:
Para mostrar-se efetiva como direito fundamental, a democracia precisa desenvolver-se por meio de um processo eleitoral justo e igualitário. Processo governado por normas que o impeçam de ser subvertido pela influência do poder econômico. Essa é a aspiração retratada na presente ação direta de inconstitucionalidade. (MELLO, 2014. p. 2)
Marco Aurélio também percebe no Brasil uma crise de representatividade política
marcada pelo distanciamento entre a classe política e a sociedade civil. Neste ambiente
prevalecem apenas os interesses pessoais dos agentes eleitos e os dos seus apoiadores. Deste
modo, o Ministro não acredita que vivemos em uma democracia, mas sim em uma
plutocracia, isto é, um sistema político em que o poder emana da casta mais rica da sociedade.
Baseado em tais premissas, Marco Aurélio reconhece a inconstitucionalidade da
autorização a pessoas jurídicas privadas de realizarem doações a partidos políticos em
campanha. Já em relação às doações de pessoas naturais, o Ministro acredita que cabe o
Congresso a responsabilidade por definir o melhor critério, de forma que ainda que não
considere os limites atuais adequados, disto não decorre sua inconstitucionalidade.
26
4.5 VOTOS CONTRÁRIOS À DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE
4.5.1 Ministro Teori Zavascki
Em seu voto-vista, o Ministro Teori Zavascki apontou o paradoxo que, a seu ver,
envolvia a questão a ser apreciada:
Se é certo afirmar – e esse é o aspecto salientado na presente demanda – que o poder econômico pode interferir negativamente no sistema democrático, favorecendo a corrupção eleitoral e outras formas de abuso, também é certo que não se pode imaginar um sistema democrático de qualidade sem partidos políticos fortes e atuantes, especialmente em campanhas eleitorais, o que, evidentemente, pressupõe a disponibilidade de recursos financeiros expressivos. E, sob, esse ângulo, os recursos financeiros contribuem positivamente para a existência do que pode se chamar de democracia sustentável, com partidos políticos em condições de viabilizar o sadio proselitismo político, a difusão de doutrinas e ideários, de propostas administrativas e assim por diante. (ZAVASCKI, 2014, p. 2)
Prosseguindo em seu voto, o Min. chama a atenção para a presença na Constituição de
apenas duas referências à influência do poder econômico no âmbito eleitoral, ambas presentes
no art. 14. Deste modo, Zavascki acredita ser este um argumento insuficiente para a
declaração de inconstitucionalidade:
Considerando o já referido caráter flutuante e conjuntural dessa problemática, a exigir continuada atenção reformadora para aperfeiçoamento do sistema, é importante que o Supremo Tribunal Federal tenha o cuidado de não extrair das raras disposições da Constituição sobre abuso do poder econômico ou, o que seria mais grave, da amplitude semântica e da plurissignificação dos princípios democrático, republicano e da igualdade, interpretações voluntarísticas que imponham gessos artificiais e permanentes às alternativas que ela, Constituição, oferece ao legislador encarregado de promover ajustes normativos ao sistema de financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais. (Idem, p. 5).
Desta forma, o Ministro alega que não cabe à Corte responder se o modelo brasileiro é
adequado, eficiente ou estimula a corrupção, mas sim se o mesmo é legítimo perante as regras
da Constituição Federal. Assim sendo, embora reconheça a necessidade de reforma das regras
atinentes ao financiamento de campanhas, Zavascki não percebe nelas nenhuma infração à Lei
Maior.
27
O Ministro também não é receptivo ao argumento segundo o qual por não terem
direitos políticos (isto é, direito a votar e ser votado), as pessoas jurídicas não poderiam
fornecer recursos aos candidatos de seu interesse:
As pessoas jurídicas, embora não votem, embora sejam entidades artificiais do ponto de vista material, ainda assim fazem parte da nossa realidade social, na qual desempenha papel importante e indispensável, inclusive como agentes econômicos, produtores de bens e serviços, geradores de empregos e de oportunidades de realização aos cidadãos. Mesmo quando visam a lucro, são entidades que, a rigor, não têm um fim em si mesmas: ao fim e ao cabo, as entidade de existência formal só existem para, direta ou indiretamente, atender e satisfazer interesses e privilegiar valores das pessoas naturais que por trás delas invariavelmente gravitam e das quais funcionam como instrumentos jurídicos de atuação. (Ibidem, p. 6).
Quanto às alegações de que as contribuições das empresas são feitas por interesse,
Zavascki não discorda, porém acrescenta que também não são desinteressadas as doações
feitas por pessoas naturais, porém que, assim como as últimas, não se pode alegar que todos
estes apoios correspondam a interesses ilegítimos. De fato, muitas entidades possuem
demandas democráticas, como a reforma tributária ou a administrativa, por exemplo.
Em relação à demanda da OAB pela fixação de um teto para doações de pessoas
naturais, o Ministro também se posiciona contrariamente, uma vez que considera esta
sugestão ineficiente. Em sua compreensão, ao se fixar um valor máximo, também haveria
desigualdade entre os contribuintes, à medida que os mais ricos teriam mais facilidade em
atingir este valor do que os mais pobres.
Com base nestes argumentos, o Min. Teori Zavascki julgou improcedente o pedido.
4.6.2 Ministro Gilmar Mendes
Em seu extenso voto de 71 páginas, o Ministro Gilmar Mendes dedicou-se a fazer um
verdadeiro estudo do tema em apreço.
Em um primeiro momento, o Ministro, assim como Zavascki, considera que a falta de
menção, por parte da Constituição, ao financiamento de campanhas dificulta a caracterização
da inconstitucionalidade dos dispositivos sob ataque: “Talvez por isso, a inicial da presente
ADI encontre dificuldades em demonstrar ofensa direta à Constituição. Alega-se afronta aos
princípios democrático, republicano, da igualdade e da proporcionalidade” (MENDES, 2015,
p. 5). Acredita ele que o modelo existente precisa se aprimorar, contudo, por se tratar de um
28
tema de alta complexidade, tal discussão deveria ser realizada no Congresso Nacional, e não
na Corte.
Em seguida, o Ministro faz um estudo sobre o tema sob a ótica do direito comparado,
analisando os modelos de custeamento de campanhas eleitorais da França, Estados Unidos e
Alemanha. Mendes busca, através deste estudo, defender que as democracias ocidentais mais
consolidadas tendem a diminuir a dependência de financiamento público por parte dos
partidos, de forma que se evite um aparelhamento estatal dos partidos:
[...] apesar da essencialidade dos partidos políticos para a vida democrática nesses países, eles não devem se confundir com o próprio Estado. Antes, os partidos devem estar conectados com a sociedade civil, ou com parte significativa dela, de modo a angariar apoios e representar efetivamente correntes de opinião existentes no seio dessas sociedades. Assim, pode-se dizer que os partidos devem situar-se entre o Estado e a sociedade, representando a vontade desta na formação da vontade daquele. (Idem, p. 21).
Ao estudar a relação entre Estado, partidos políticos e sociedades, Gilmar Mendes
defende que o apoio de fontes privadas seria uma pista de que o partido existe e possui
representação popular, uma vez que está em conexão com pelo menos uma parte da sociedade
a qual se mobiliza para financiar a agremiação. Desta forma, o Ministro defende que o modelo
brasileiro estaria em consonância com este posicionamento:
[...] o nosso modelo de financiamento de partidos (via Fundo Partidário) e de financiamento de campanhas eleitorais (ora impugnado e que conta com recursos públicos e com doações de pessoas físicas e jurídicas, com limitação baseada na renda dos doadores), apesar de todos os seus vícios e, portanto, da necessidade premente de aperfeiçoamentos, viabiliza a promoção da concorrência democrática efetiva. (MENDES, p. 23).
Assim sendo, o Ministro caracteriza como problema maior os abusos praticados pelos
candidatos que se aproveitam da máquina administrativa para realizar ilícitos. Para ele, estes
desvios podem sem corrigidos com a melhora da legislação eleitoral e fiscalizatória.
Prosseguindo em seu estudo do tema, Mendes se dedica a uma análise do
desenvolvimento pelo qual a matéria passou no Brasil ao longo da sua história política. Nesta
perspectiva, o Ministro dedica bastante atenção ao caso PC Farias, o qual – como já foi
discutido neste trabalho – foi um ponto definitivo no debate sobre financiamento de
campanhas ao, como defende, escancarar a ineficácia e a hipocrisia que resultava da proibição
de doações de empresas às campanhas. Baseado nisto, o Ministro acredita que seria um
retrocesso proibir novamente estas contribuições:
29
Em vez de perquirir as falhas da regulamentação legislativa implementada, está-se encaminhando solução comprovadamente equivocada e ineficiente, visto que apenas busca resgatar o status quo da época do impedimento do ex-Presidente Fernando Collor (MENDES, 2015, p. 33).
Posteriormente, o Ministro se debruça sobre os fatos até então conhecidos a respeito
do esquema de corrupção investigado pela Operação Lava-Jato. Neste ponto, Mendes faz
duras críticas ao Partido dos Trabalhadores (PT), afirmando que o desvio de fundos existente
na Petrobrás visava patrocinar um projeto de poder político concebido pelo partido. Deste
modo, o Ministro desconfia do apoio dado pela legenda à ADI em julgamento. Acredita o Juiz
que, ao proibir as doações de pessoas jurídicas, o PT busca enfraquecer os partidos de
oposição, os quais não teriam acesso aos frutos dos desvios financeiros cometidos no interior
da máquina administrativa:
O que se sugere por meio desta ação é que o escândalo mais recente estaria a recomendar o retorno ao modelo do escândalo anterior. Não bastasse o equívoco de trocar o fracasso atual pelo fracasso pretérito, o que se percebe é que a própria mudança parece parte do projeto de perpetuação do poder, não mediante gestões eficientes, mas por meio do desequilíbrio da concorrência eleitoral. (Idem, p. 54).
De fato, está convencido o Juiz que o acolhimento das pretensões da ação em
julgamento teria como consequência o estímulo a desvios eleitorais:
Tendo em vista que o barateamento do custo de campanhas parece ser ideia ainda longe de ser implementada com alguma efetividade, é possível dizer que a restrição à doações às pessoas físicas acarretará, sem nenhuma dúvida: i) a clandestinidade das doações de pessoas jurídicas, por meio do caixa 2; e ii) estímulo a prática sistemática de crimes de falsidade, com o uso de CPFs de ‘laranjas’. (Ibidem, p. 44).
Por fim, fundado nos argumentos supracitados, o Ministro Gilmar Mendes decidiu por
acompanhar o voto do Min. Teori Zavascki e opinar pela total improcedência da ADI 4650.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O financiamento de campanhas, como se pode ver, trata-se de um tema controverso e
central as discussões da reforma política. Ao estudarmos os diferentes modelos praticados nas
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principais democracias ocidentais, observamos que todos eles apresentam vantagens e
desvantagens.
De fato, a escolha do sistema a ser seguido deve levar em conta o percurso histórico
do país em questão. O Brasil, assim como as outras nações estudadas, está sempre a, de
tempos em tempos, aperfeiçoar a sua legislação referente ao tema.
Vê-se que em um primeiro momento, nosso país tentou se proteger da influência do
poderio econômico nas eleições através de uma legislação que proibia doações de pessoas
jurídicas, mas que, ao não ser acompanhada pelo necessário fortalecimento dos órgãos de
fiscalização, se tornou ineficaz.
Em um segundo momento, foi se permitido a estas entidades fazer contribuições para
os seus candidatos através de uma legislação que regulamentasse o tema. Contudo, o que se
observou foram campanhas eleitorais cada vez mais caras e influenciadas pelo poder
econômico.
Diante desta situação, a OAB protocolou a petição que daria origem à ADI 4650, a
qual acabou por declarar inconstitucional a legislação que permitia e regulamentava as
doações de pessoas jurídicas de direito privado às campanhas eleitorais. Por ser uma decisão
ainda recente, no momento não se pode sentir suas consequências. Espera-se, porém, que a
mesma tenha sido um avanço no processo de aperfeiçoamento das nossas eleições, bem como
da nossa democracia.
Sugestão: Poderia sugerir algumas reformas para o modelo em vigor
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ELECTORAL CAMPAING FINANCE: AN ANALYSIS OF THE ADI 4650 STF
ABSTRACTIn the latest chapter in the long history of Brazil's corruption scandals, the Operação Lava-Jato reveals strong evidence of the existence of a cartel formed by the major contractors in Brazil in order to win the bids of the country's major infrastructure projects, especially those held by Petrobras. On the political core of this scheme, there is evidence that a percentage of proceeds contracts - suspected of overbilling - was transferred to the coffers of political parties as official donations to the campaign of the current president of Brazil, at the time a candidate for re-election. This case reignited the debate about the Brazilian model of campaign costing. In this sense, this study aims to look into reform of the Brazilian model of campaign financing. Initially we discuss the main models in the world in the light of comparative law and historical development of this issue in Brazil, as well as what does the current legislation. Finally, we analyze the latest chapter of this discussion: the trial of the Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4650, which sought to declare as unconstitutional the possibility of legal entities of private law carrying out donations to political campaigns. The study leads us to conclude that campaign finance is a controversial and central theme in discussions of political reform and that the different models practiced in the major Western democracies have advantages and disadvantages. The choice of either model should take into account the historical background of the country in question.
Keywords: Financing election campaigns. Political reform. ADI n. 4650.
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