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Ó áridas Messalinas Ó áridas Messalinas não entreis no santuário, transformareis em ruínas o meu imenso sacrário! Oh! A deusa das doçuras, a mulher! eu a contemplo! Vós tendes almas impuras, não me profaneis o templo! A mulher é ser sublime, é conjunto de carinhos, ela não propaga o crime, em sentimentos mesquinhos. Vós sois umas vis afrontas, que nos dão falsos prazeres, não sei se sois más se tontas, mas sei que não sois mulheres!

Ó áridas Messalinas

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Page 1: Ó áridas Messalinas

Ó á r i d a s M e s s a l i n a s

Ó áridas Messalinasnão entreis no santuário,transformareis em ruínaso meu imenso sacrário!

Oh! A deusa das doçuras,a mulher! eu a contemplo!Vós tendes almas impuras,não me profaneis o templo! A mulher é ser sublime,é conjunto de carinhos,ela não propaga o crime,em sentimentos mesquinhos. Vós sois umas vis afrontas,que nos dão falsos prazeres,não sei se sois más se tontas,mas sei que não sois mulheres!

 

 

Page 2: Ó áridas Messalinas

Estrutura interna

No Império Romano, existiu uma imperatriz, Valéria Messalina, mulher do imperador Cláudio, que ficou famosa pela sua crueldade e pela sua vida libertina, devassa e promíscua, acabando por ser executada por ordem do marido. Deste facto histórico, surge a palavra “messalina”, utilizada, num sentido figurado, para referenciar alguma mulher que leve uma vida como a de Valéria Messalina.

Muito claramente, os temas deste poema são o amor e a sedução, tendo a mulher por objecto. O sujeito lírico faz uma crítica às mulheres que levam uma vida devassa, pedindo para que não o seduzam.

Esta composição poética pode ser dividida em três porções lógicas.

A primeira porção é a primeira quadra, onde o eu poético pede às “áridas Messalinas”, ou seja, às mulheres depravadas e desprovidas de interesse, para que não invadam o “santuário”, referindo-se à sua vida regrada, cuja integridade seria posta em causa caso fosse seduzido por elas.

A segunda parte lógica do poema são a segunda e terceira estrofe onde o sujeito poético solta frases de veneração e descreve o seu conceito de mulher. Assim, para ele, a mulher seria um ser puro, “sublime”, que não transforma o amor num sentimento desprezível.

Na terceira parte do poema, ou seja, na quarta e última estrofe, o sujeito poético utiliza a definição de mulher que apresentou na segunda parte do poema para a comparar com as Messalinas, dizendo que estas, ao contrário das “mulheres”, são falsas, impuras, e que, portanto, não podem ser consideradas mulheres, apesar de o eu poético não saber se a vida que levam se deve à sua falta de juízo ou à sua crueldade.

As temáticas de Cesário Verde mais evidentes neste poema são o símbolo da mulher e a humilhação sentimental.

É apresentada a Messalina, a mulher fatal que desperta o desejo do eu lírico mas que o arrasta também para a morte, num sentido figurado (“…transformareis em ruínas / o meu imenso sacrário!”). Esta faz parte de um dos principais contrastes que Cesário faz ao longo de toda a sua obra, o “mulher fatal / mulher angélica”, estando, normalmente, a primeira estreitamente relacionada com a cidade, e a segunda com o campo. Assim, as mulheres citadinas, como as Messalinas, eram frias, opressoras e artificiais, símbolo do desenvolvimento urbano. Além disso, também surge a mulher objecto, vista enquanto estímulo dos sentidos carnais, sensuais, como impulso erótico.

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Também neste poema é tratada a humilhação afectiva visto que a mulher fatal, bela, artificial, poderosa e desumana faz com que o sujeito poético a deseje e a receie, levando a que este se sinta humilhado e seja compelido a controlar os seus impulsos amorosos.

Unidade forma – conteúdo

Neste poema, os recursos estético-estilísticos existentes são:

- a apóstrofe (“Ó áridas Messalinas…”);

- a metáfora (“…o meu imenso sacrário!”);

- a aliteração, (“…não sei se sois más se tontas, / mas sei que não sois mulheres!”);

- o hipérbato (“Oh! A deusa das doçuras, / a mulher! eu a contemplo!”);

- a hipérbole (“…transformareis em ruínas…);

- a sinédoque (“A mulher… é conjunto de carinhos…”);

- a exclamação (…não me profaneis o templo!”, “…mas sei que não sois mulheres!”), que serve para intensificar a emoção.

Estrutura externa

A composição poética é constituída por quatro estrofes (quadras), sendo estas constituídas por versos de sete sílabas, como se verifica pela seguinte análise de versos:

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M a n i a s

O mundo é velha cena ensanguentada,Coberta de remendos, picaresca;A vida é chula farsa assobiada,Ou selvagem tragédia romanesca. Eu sei um bom rapaz, – hoje uma ossada, –Que amava certa dama pedantesca,Perversíssima, esquálida e chagada,Mas cheia de jactância quixotesca. Aos domingos a deia já rugosa,Concedia-lhe o braço, com preguiça,E o dengue, em atitude receosa, Na sujeição canina mais submissa,Levava na tremente mão nervosa,O livro com que a amante ia ouvir missa!

Estrutura interna

Page 5: Ó áridas Messalinas

O eu poético conta a história de um sujeito que conhecia que era amante de uma mulher

que, apesar de possuir mau aspecto, era prepotente e exercia sobre ele uma grande

influência.

Este poema, um soneto italiano, pode ser dividido em três partes lógicas.

A primeira parte é a primeira quadra, na qual o sujeito lírico faz uma pequena introdução,

dando a sua opinião sobre o mundo e a vida. Faz um contraste um pouco lúgubre entre a

tragédia e a comédia de que é feita a sociedade. Se, por um lado, existem as pessoas

excessivamente preocupadas que encaram a vida como se fosse uma desgraça descomedida

(“O mundo é velha cena ensanguentada…”), por outro lado, existem os que levam,

ridiculamente, a vida de uma forma irreflectida (“A vida é chula farsa assobiada.”).

Daí parte para a segunda parte lógica do poema, iniciando o relato da história de um

rapaz já falecido (“…hoje uma ossada…”), a qual serve de suporte para a sua visão

jocosamente negra do mundo, já que trata do amor deste rapaz para com uma mulher muito

pretensiosa e que exercia no rapaz uma influência tal que este se mostrava receosamente

obediente (“…o dengue, em atitude receosa…”).

Na terceira parte do soneto (última estrofe), dá-se a apresentação da ideia principal, ao

que se chama “fechar com chave de ouro”. O sujeito poético critica, de modo trocista, a

submissão daquele rapaz perante aquela mulher, evidenciando a devoção a Deus por parte da

mulher (“…que a amante ia ouvir missa!”) e a devoção àquela mulher por parte do rapaz (“…

sujeição canina mais submissa…”).

As temáticas mais significativas abordadas por Cesário Verde neste poema são a

humilhação sentimental e a imagética feminina.

O rapaz de quem se fala no poema é, então, o símbolo da humilhação sentimental, já que

é totalmente dominado pela mulher que ama, apesar de esta ter mau aspecto (“esquálida e

chagada”) e ser mais velha que este (“…já rugosa…”), o que acentua ainda mais o vexame

deste rapaz.

As principais figuras de estilo utilizadas são:

- a metáfora (“Na sujeição canina mais submissa…”);

- a adjectivação expressiva e abundante (“Perversíssima, esquálida e chagada…”);

- a enumeração (“Perversíssima, esquálida e chagada…”);

- a exclamação (“O livro com que a amante ia ouvir missa!”).