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PROGRAMA DE PS-GRADUAO STRICTO SENSO EM POLTICAS SOCIAIS
O ASSOCIATIVISMO NA AGRICULTURA FAMILIAR E SEUS RESULTADOS
SOCIAIS E ECONMICOS: UM ESTUDO DOS AGRICULTORES FAMILIARES
DO MUNICPIO DE BREJETUBA/ES
Rhaiany Zavarize Dala Costa de Almeida
Campos dos Goytacazes
2015
Av. Alberto Lamego, 2000 - Parque Califrnia - Campos dos Goytacazes/ RJ - CEP: 28 013 - 602
RHAIANY ZAVARIZE DALA COSTA DE ALMEIDA
O ASSOCIATIVISMO NA AGRICULTURA FAMILIAR E SEUS RESULTADOS
SOCIAIS E ECONMICOS: UM ESTUDO DOS AGRICULTORES FAMILIARES
DO MUNICPIO DE BREJETUBA/ES
Dissertao de mestrado apresentada ao Programa de Ps-
Graduao em Polticas Sociais da Universidade Estadual do
Norte Fluminense, como parte das exigncias para obteno do
ttulo de Mestre.
Orientador: Prof. Dr. Paulo Marcelo de Souza
Campos dos Goytacazes
2015
i
AGRADECIMENTOS
A Deus, por ser meu guia maior, por me conceder a vida e a sade para lutar pelas
minhas escolhas e para viver tudo o que tenho vivido at aqui, sobretudo pela realizao deste
Mestrado.
minha famlia, pelo amor incondicional, atravs do qual me proporcionaram o apoio
e o incentivo indispensveis para a realizao deste trabalho: minha me Clia Maria pelo
carinho, pela preocupao e pelas constantes palavras de encorajamento nos momentos de
fragilidade; ao meu pai Sebastio, pelo zelo e ternura a mim dispensados e pelas semanas que
deixou seu trabalho para me acompanhar na pesquisa de campo; e s minhas irms Elainy e
Alliny pelo companheirismo de sempre, carinho e admirao e por dividirem comigo esses
pais maravilhosos.
Ao Lo, meu grande amor, sem dvida foi quem mais me impulsionou para realizar o
mestrado. Pelas contribuies ao longo do curso, nas disciplinas, na realizao da pesquisa e
da dissertao e por me proporcionar incontveis momentos de discusses, que foram
fundamentais para meu crescimento enquanto pesquisadora. Enfim, por acreditar no meu
potencial e por demonstrar tamanho companheirismo e amor por mim. Meu amor, sem voc
ao meu lado, jamais conseguiria chegar aonde cheguei. Te amo mais que tudo!
Ao professor Paulo Marcelo de Souza, por ter me aceitado orientar nesta pesquisa,
pelas incontveis contribuies que deu minha iniciao como pesquisadora, pela confiana,
humildade, sabedoria e pelas ideias que acompanharam a concepo e o direcionamento deste
trabalho e que me possibilitou realiz-lo.
Aos professores Leandro Garcia Pinho, Geraldo Mrcio Timteo, Marcos Antnio
Pedlowski, Marcelo Carlos Gantos, Rodrigo da Costa Caetano, Jos Glauco Tostes e Slvia
Alcia Martinez do programa de Polticas Sociais da UENF por todo o conhecimento
socializado, pelo incentivo e estmulo minha trajetria acadmica.
Fundao Carlos Chagas Filho de Amparo Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro
(FAPERJ) pelo financiamento de uma bolsa de auxlio para a realizao desta pesquisa.
Aos companheiros do mestrado, pela amizade e conhecimentos compartilhados, em
especial Maria Amlia, Priscila e Camila, pelo carinho a mim dispensado ao longo destes
dois anos.
Ao meu tio Librio por ter me acompanhado em alguns momentos da pesquisa.
ii
A tantos outros amigos e familiares que no foram citados diretamente neste texto,
mas que, torceram por mim e, com certeza, esto guardados em minha memria e em meu
corao.
Aos agricultores membros das associaes rurais pesquisadas, foco principal deste
estudo, cujas informaes a mim concedidas subsidiaram a reproduo desta pesquisa.
queles que, indiretamente, tambm, contriburam para a realizao deste trabalho.
Muito obrigada!
iii
RESUMO
Esta pesquisa de mestrado visa contribuir para o debate em torno da agricultura familiar,
reafirmando a necessidade de compreenso da diversidade desta categoria social que at bem
recentemente esteve margem das polticas agrcolas do pas. Neste contexto que
desenvolvemos este estudo em Brejetuba, Esprito Santo, com vistas a compreender a
reproduo social e econmica da agricultura familiar no municpio. Analisamos como o
Estado vem respondendo s demandas dessa categoria e tambm verificamos parte das
estratgias utilizadas pelos agricultores familiares para se reproduzirem. Uma dessas
alternativas, o associativismo, foi particularmente estudado, objetivando entender se este
mecanismo se constitui em uma possibilidade dos agricultores melhorarem sua qualidade de
vida. Para tanto, realizamos uma pesquisa emprica em 12 associaes de produtores rurais
familiares do municpio, utilizando o questionrio e a entrevista semiestruturada como tcnica
de coleta de dados para chegarmos aos resultados alcanados. Os resultados desse estudo
revelam que a atuao das associaes determinante para a valorizao da produo e
dinamizao da economia, porm, ainda no se constitui em um espao com o propsito de
mudana social. Alm disso, a partir dos dados, identificamos que, embora em alguns casos,
as associaes tenham sido fomentadas pelo poder pblico, h nveis elevados de capital
social nestas organizaes, pois relaes horizontais de reciprocidade, confiana, cooperao,
entre outras, foram identificadas entre os associados.
Palavras-chave: Agricultura Familiar; Associativismo; Polticas Agrcolas; Capital Social.
iv
ABSTRACT
This research of master's degree aims to contribute in the discussion around the family
agriculture, reaffirming the necessity of the comprehension of the diversity of this social class
that until very recently was ruled by the social politics of the country. In this context we
developed this study in Brejetuba, Espirito Santo, with sights to comprehend the social and
economic reproduction of family agriculture in the municipality. We've analyzed how the
State come answering the demands of this category and we verified part of the strategy used
by the family farmer to get reproduced. One of these alternatives, the associativism,
was particularly studied, aiming to understand if this mechanism is one possibility to the
farmers improve their lives. Therefore, we made a empirical search in 12 associations of
family farmers of the city, using the questionary and the interview semi structured by collect
technique data to get the results achieved. The results of this study reveal that the proceeding
of the associations is determinant to the appreciation of the output and stimulation of
economy, however yet it's not given in a space of social change. Moreover, by the data, we
identified that, although in some cases, the associations has been raised by the public power,
there's high levels of social capital in these organizations, because horizontal relationships
of reciprocity, confidence, cooperation, among others, were identified between the associated.
Key Words: Family Agriculture; Associativism; Agricultural Policies; Social Capital.
v
LISTA DE ILUSTRAES
FIGURAS
Figura 1: Lavoura de caf arbica no municpio de Brejetuba/ES................................. 35
Figura 2: Mapa das microrregies administrativas do Esprito Santo............................ 36
Figura 3: Paisagem tpica encontrada no municpio de Brejetuba/ES............................ 37
QUADROS
Quadro 1: Principais definies do capital social............................................................... 44
TABELAS
Tabela 1: Estratificao da amostra segundo as associaes consideradas...................... 53
Tabela 2: Beneficiamento do caf entre os produtores pesquisados................................. 71
Tabela 3: Para quem os associados comercializam o caf................................................. 71
vi
LISTA DE GRFICOS
Grfico 1: Grau de escolarizao dos associados ................................................................... 62
Grfico 2: Onde adquirem os insumos utilizados na propriedade........................................... 63
Grfico 3: Nmero de respostas apontadas pelos pesquisados como dificuldades que
enfrentam na condio de agricultor familiar.......................................................................... 64
Grfico 4: Insumos utilizados nas propriedades agrcolas pelos associados .......................... 67
Grfico 5: Distribuio dos agricultores tomadores de financiamento por fonte dos recursos
................................................................................................................................................. 68
Grfico 6: Motivos dos financiamentos tomados pelos pesquisados ..................................... 69
Grfico 7: Produo dos agricultores para o prprio consumo .............................................. 70
Grfico 8: Quem originalmente fundou a Associao ............................................................ 73
Grfico 9: Como conheceu a associao da qual faz parte ..................................................... 73
Grfico 10: Principal motivo de adeso associao ............................................................. 75
Grfico 11: Benefcios alcanados pelos agricultores atravs da associao ......................... 76
Grfico 12: Motivos que levam os demais produtores da comunidade a no aderirem
associao ................................................................................................................................ 77
Grfico 13: Empecilhos que dificultam a atuao da associao quanto gerao de
benefcios ................................................................................................................................ 78
Grfico 14: Frequncia de participao nas reunies promovidas pelas associaes............. 81
Grfico 15: Grau de ateno dado s opinies dos associados durante as reunies promovidas
pelas associaes ..................................................................................................................... 81
Grfico 16: Grau de confiana presente entre os associados .................................................. 83
Grfico 17: Grau de cooperao presente entre os associados ............................................... 83
Grfico 18: Grau de reciprocidade presente entre os associados ............................................ 84
Grfico 19: Participao nas atividades voluntrias na comunidade onde residem ou na
associao da qual fazem parte................................................................................................ 85
vii
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CONTAG - Confederao Nacional dos Trabalhadores na Agricultura.
CUT - Central nica dos Trabalhadores.
EMBRAPA Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuria.
EMBRATER Empresa Brasileira de Assistncia Tcnica e Extenso Rural.
ES Esprito Santo.
FETRAF - Federao dos Trabalhadores na Agricultura Familiar.
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica.
INCAPER Instituto Capixaba de Assistncia Tcnica e Extenso Rural.
INCRA Instituto Nacional Colonizao e Reforma Agrria.
MDA Ministrio do Desenvolvimento Agrrio.
MAPA Ministrio da Agricultura, Pecuria e Abastecimento.
MERCOSUL Mercado Comum do Sul.
MST - Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.
PAA - Programa de Aquisio de Alimentos.
PNCF - Programa Nacional de Crdito Fundirio.
POLAMAZNIA - Programas de Polos Agropecurios e Agrominerais da Amaznia.
POLOCENTRO - Programa Para o Desenvolvimento do Cerrado.
POLONORDESTE - Programa de Desenvolvimento de reas Integradas do Nordeste.
PROAGROMAIS - Programa de Garantia da Atividade Agropecuria.
PROLCOOL - Programa Nacional do lcool.
PRONAF Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar.
PROTERRA - Programa de Redistribuio de Terras e de Estmulo Agropecuria do Norte-
Nordeste.
QI-MCS - Questionrio Integrado para Medir Capital Social.
SC-IQ - Integrated Questionnaire for the Measurement of Social Capital.
SRA - Secretaria de Reordenamento Agrrio.
STRs - Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Afonso Cludio, Laranja da Terra e Brejetuba.
viii
SUMRIO
INTRODUO..................................................................................................................... 01
1. A AGRICULTURA FAMILIAR NO BRASIL.............................................................. 06
1.1 A luta dos movimentos sociais do campo e o reconhecimento da Agricultura
Familiar.................................................................................................................................. 06
1.2 As designaes da Agricultura Familiar luz das contribuies tericas
brasileiras............................................................................................................................... 08
1.3. Importncia da Agricultura Familiar no Brasil segundo os dados do Censo
Agropecurio de 2006............................................................................................................ 13
1.4 Transformaes do meio rural brasileiro e seus reflexos na agricultura familiar: a
diversificao e a pluriatividade como elementos de sustentao..................................... 15
1.5 Agricultura Familiar e Polticas Pblicas...................................................................... 19
1.6 As dificuldades que permeiam a agricultura familiar.................................................. 24
2. A AGRICULTURA FAMILIAR NO ESPRITO SANTO............................................ 28
2.1 A proeminncia do caf no Esprito Santo..................................................................... 32
2.2 Reproduo da Agricultura Familiar em Brejetuba/ES.............................................. 35
3. ASSOCIATIVISMO E CAPITAL SOCIAL: ALTERNATIVA DE
DESENVOLVIMENTO DA AGRICULTURA FAMILIAR............................................ 40
3.1 O capital social como base para o desenvolvimento do associativismo na Agricultura
Familiar.................................................................................................................................. 44
3.1.1 Nveis de capital social....................................................................................... 47
4. PERCURSO METODOLGICO................................................................................... 50
4.1 A pesquisa emprica........................................................................................................ 51
4.2 Instrumentos de coletas de dados.................................................................................. 54
4.2.1 Levantamento bibliogrfico............................................................................... 54
4.2.2. Questionrios.................................................................................................... 55
4.2.3. Entrevistas semiestruturadas............................................................................. 57
4.2.4. Pesquisa documental......................................................................................... 57
4.3 Instrumentos de anlise dos dados................................................................................ 58
5. EXPERINCIAS ASSOCIATIVAS EM BREJETUBA............................................... 59
5.1. Caracterizao dos agricultores associados................................................................. 61
5.2. Dificuldades dos agricultores associados e opinies sobre o apoio estatal................ 63
5.3. Utilizao de tecnologia, acesso a financiamentos e assistncia tcnica.................... 66
5.4. Comercializao da produo....................................................................................... 70
5.5. A constituio das associaes de produtores familiares e seus impactos sobre as
comunidades locais................................................................................................................ 72
5.6. O capital social presente nas associaes...................................................................... 82
6. CONSIDERAES FINAIS............................................................................................ 87
7. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS............................................................................. 90
APNDICES.......................................................................................................................... 98
ix
1
INTRODUO
O associativismo se faz importante como uma fora estratgica para a melhoria das
condies locais de vida das pessoas sob todas as suas dimenses, culminando na ideia de
desenvolvimento. Basicamente, sua constituio est fundamentada em interesses comuns
entre os indivduos e na concluso de que unidos podem conseguir melhores resultados
econmicos, e ainda no compartilhamento das decises do plano individual para o coletivo.
Na agricultura, por exemplo, os produtores rurais vivenciam em um ambiente onde possuem
limitado poder de negociao. Uma alternativa adotada pelos produtores se organizarem em
associaes e dessa forma garantir certo poder de negociao.
tambm por meio do associativismo que os agricultores familiares possuem mais
dilogo com o poder estatal, sobretudo municipal, que tomam conscincia dos planos de
governo e suas consequncias para seu trabalho e para a vida na comunidade onde se
encontram inseridos. As associaes mostram-se como estratgias para viabilizar polticas
pblicas voltadas aos interesses dos agricultores, no sentido de canalizarem demandas em seu
benefcio.
Embora as prticas associativas demonstrem fragilidades ligadas especialmente
forma participativa de gesto e aos objetivos dos grupos, alm de terem limitado o apoio de
polticas pblicas que as estimulem, a mobilizao coletiva de que em conjunto os indivduos
encontram solues melhores para suas necessidades e dilemas sociais, na maioria dos casos,
revelam-se economicamente viveis, pois ampliam as oportunidades de trabalho, de produo
agrcola e renda.
A agricultura familiar no Brasil, historicamente, sempre foi um segmento
marginalizado pelas polticas pblicas, que em geral favoreceram os grandes
empreendimentos agrcolas. No entanto, nos ltimos vinte anos, esta categoria veio ganhando
espao nas discusses acadmicas e polticas, devido ao seu reconhecimento legitimado pelo
Estado, que s foi possvel a partir da atuao das diferentes formas de organizao e
mobilizao dos trabalhadores rurais.
Essa mudana de direcionamento resultou na criao de polticas agrcolas especficas
para a agricultura familiar, como o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura
Familiar, o PRONAF. A categoria passa, ento, a se reproduzir em um contexto
socioeconmico mais favorvel que no passado, mas ainda muito distante do ideal.
2
Embora esse reconhecimento tenha representado, em uma dada conjuntura da histria
do pas uma vitria poltica de um segmento antes margem da ao governamental,
inmeros fatores limitam o desenvolvimento dos agricultores familiares pelo pas, como o
acesso a mercados com limitado poder de negociao, a obteno de financiamentos, a
compra de insumos, o acesso informao, estabelecimentos com tamanho insuficiente, mal
localizados e em condies ecolgicas adversas produo, cultivados com baixo acesso a
recursos financeiros e tecnologia, a baixa qualidade da assistncia tcnica, dentre outros.
Essas dificuldades levam os agricultores familiares a buscar alternativas estratgicas
para garantir a viabilidade da manuteno de seu modo de vida e de produo. Uma dessas
alternativas, o associativismo, um importante mecanismo para superar os desafios impostos
aos agricultores familiares e contribuir para a melhoria de vida de suas famlias e da
comunidade onde esto inseridas. Uma maneira de superar as condicionantes histricas que
sempre os mantiveram excludos do processo de estruturao do meio rural brasileiro.
Desse modo, consideramos a formao de associaes um mecanismo que possibilita
aos agricultores familiares a permanncia no campo ao proporcionar-lhes maiores e melhores
condies de reproduo do seu modo de vida, pois considerando que os pequenos produtores
normalmente apresentam as mesmas dificuldades para obterem um desempenho econmico
satisfatrio, a partir do associativismo conseguem viabilizar sua produo, tornando possvel a
participao no mercado em melhores condies de concorrncia, aquisio de insumos e
equipamentos com menores preos e prazos de pagamentos, como tambm o uso coletivo dos
implementos agrcolas.
Nesse contexto, devido falta de ocorrncia de estudos desta natureza no municpio de
Brejetuba, situado na Regio Serrana do Esprito Santo, optamos pela realizao de uma
pesquisa exploratria, a fim de identificarmos como as associaes de produtores rurais
familiares vm se desenvolvendo no municpio, uma vez que grande a participao da mo
de obra familiar nas propriedades do municpio. No entanto, os agricultores familiares do
municpio, assim como em todo o pas, enfrentam os desafios que lhe foram impostos ao
longo de dcadas, principalmente no que se refere comercializao de seus produtos, pois
com pouco poder de negociao, muitas vezes tornam-se refns de um nico comprador que
estabelece o preo, geralmente bem abaixo das cotaes oficiais.
Assim sendo, realizamos este estudo em Brejetuba, tendo como universo da pesquisa
os agricultores familiares vinculados a associaes de agricultores no municpio. Aps
levantamento inicial, constatamos que h um total de 16 associaes no municpio, sendo que,
3
uma delas est desativada, segundo informaes da secretaria de agricultura do municpio e
do Instituto Capixaba de Assistncia Tcnica e Extenso Rural (INCAPER) e at mesmo dos
prprios associados da comunidade onde est inserida e 3 estavam sendo estruturadas no ano
de 2014 e ainda no possuam resultados a serem quantificados.
Desse modo, pesquisamos as 12 associaes restantes, localizadas em 11 comunidades
rurais do municpio e contando com um total de 308 agricultores familiares. Excludos desse
total os presidentes, que posteriormente foram submetidos a uma entrevista semiestruturada,
restaram 296 agricultores. Desse universo extramos uma amostra de 77 agricultores.
Chegamos a esse nmero considerando-se uma amostragem de populao finita, sem
reposio, com variveis de interesse expressas em ternos de propores, margem de erro de
10% e nvel de confiana de 95%.
Os percursos metodolgicos foram realizados em trs momentos: fase exploratria,
fase sistemtica de coleta de dados e, por fim, uma fase analtica. A coleta de dados foi
constituda pela anlise documental, pelo questionrio e pela entrevista semiestruturada. Para
o procedimento da pesquisa, utilizamos abordagem quantitativa e qualitativa em busca por
maior confiana na anlise de dados e na validao dos resultados de pesquisa.
Em nossa anlise das prticas associativas na agricultura familiar em Brejetuba,
procuramos conhecer e descrever as associaes de produtores rurais familiares presentes no
municpio, analisando a estrutura produtiva das propriedades dos associados e demonstrando
os diversos motivos que levaram criao dessas organizaes nas comunidades pesquisadas,
estabelecendo a relao da problemtica histrica vivenciada pelos produtores familiares no
Brasil. Buscamos tambm entender se as associaes contribuem para transformaes na
organizao da produo, na melhoria da renda e da comunidade local e se possibilitam uma
forma alternativa de desenvolvimento no campo. Alm disso, procuramos demonstrar, se,
apesar dos incentivos do poder estatal para a constituio das organizaes, h existncia de
capital social entre os agricultores associados.
Nesse nterim, o objetivo geral deste estudo se concentrou em analisar a reproduo da
agricultura familiar no municpio de Brejetuba/ES, suas dificuldades e potencialidades, a
partir da observao de experincias vivenciadas por agricultores que experimentaram romper
com a lgica da produo individual e decidiram por uma experincia associativa.
Para isso buscamos a resposta nas seguintes questes: Podem ser observadas
modificaes na realidade econmica, sociocultural e ambiental das comunidades rurais e das
famlias de agricultura familiar aps adotarem o sistema de associativismo rural? As
4
associaes rurais tm influenciado os processos de desenvolvimento dos pequenos
produtores rurais do municpio de Brejetuba? O Capital social pode ser visto como elemento
complementar no processo de formao e manuteno das associaes de agricultores
familiares? A agricultura familiar contemplada com polticas pblicas especficas pode ser um
mecanismo de garantia de manuteno dos agricultores no meio rural? Existem conflitos
internos ou situaes de explorao oriundas de vises individualistas pautadas apenas na
lgica econmica capitalista, relegando a um segundo plano a sustentabilidade social,
compreendida esta como um experimento permanente de mobilizao e de participao na
vida da comunidade?
Essas questes foram consideradas dentro do territrio da busca por alternativas que
gere melhores condies de sobrevivncia aos agricultores familiares para assim se manterem
no campo, levando em conta que estes atores sociais sempre se mantiveram as margens da
agenda das polticas agrcolas no pas, sendo, portanto, limitados de desenvolver suas
potencialidades, e a construo de polticas pblicas adequadas para a agricultura familiar,
que abarque a diversidade dessa categoria nas diferentes regies do pas e que reconhea os
agricultores familiares como sujeitos de direitos.
O modelo de desenvolvimento das estruturas rurais familiares pode contribuir muito
para a opo de permanncia das pessoas no meio rural, gerando desenvolvimento e
melhorias de vida no campo, pois esta categoria absorve grande parte da mo de obra das
reas agrcolas e garantem mais empregos. No entanto, essa contribuio s se efetiva com a
elaborao de polticas pblicas que contemplem este modelo de produo, atuando como
mecanismos que possibilitem garantir a permanncia no meio rural, pessoas que assim o
desejam, alm de gerar outros possveis ganhos indiretos como o aumento da produo de
alimentos e a atenuao de problemas urbanos resultantes do intenso xodo rural, do qual
derivam graves problemas socioambientais urbanos e, consequentemente, contribuir para
reduo na demanda por polticas pblicas redistributivas.
Assim, refletir sobre este tema nos prope a pensar nas aes coletivas como uma
possibilidade de desenvolvimento socioeconmico dos agricultores familiares, colocando
esses atores sociais que sempre estiveram alijados do processo de modernizao, em um
espao de maior reconhecimento e de resultados mais promissores.
Para tanto, essa pesquisa se configura em cinco captulos. No primeiro, ser
estabelecido um dilogo com os contedos tericos a respeito da agricultura familiar no
espao agrrio brasileiro, seu reconhecimento enquanto categoria social a partir da luta dos
5
movimentos sociais do campo e suas designaes luz das contribuies tericas brasileiras.
A importncia da agricultura familiar no Brasil com base nos dados do Censo Agropecurio
de 2006, as transformaes do meio rural brasileiro que refletem na agricultura familiar, como
a diversificao e a pluriatividade, as dificuldades que permeiam este segmento, assim como
as polticas pblicas voltadas para este tipo de produo so temas tambm abordados na
primeira seo.
Na perspectiva de entender a agricultura familiar no Esprito Santo e em Brejetuba,
abordamos no segundo captulo a constituio da pequena propriedade no espao agrrio
capixaba atravs do imigrante europeu, que desencadeou a difuso desta categoria com
tamanha expressividade que juntamente com a estrutura produtiva constituda pela
cafeicultura e pelo trabalho familiar, efetivou e possibilitou a ocupao do territrio capixaba.
O terceiro captulo retrata o associativismo como um importante mecanismo para
superar os desafios impostos aos agricultores familiares ao longo da histria, ao garantir a
viabilidade da manuteno de seu modo de vida e de produo e consequentemente,
contribuir para a melhoria da qualidade de vida de suas famlias e da comunidade onde se
encontram inseridos. A importncia dessa estratgia, assim como o papel do capital social
como elemento complementar para a constituio e o funcionamento das associaes na
agricultura familiar, so tambm temas ressaltados no presente captulo.
O quarto captulo composto pelos aspectos metodolgicos, em que sero
apresentados os procedimentos tcnicos de coleta e anlise dos dados. O quinto e ltimo
captulo apresenta os resultados dessa pesquisa e a decorrente discusso com base na teoria do
capital social.
6
CAPTULO I
A AGRICULTURA FAMILIAR NO BRASIL
Que o rural esteja perdendo parte de sua dimenso agrcola; que a famlia,
enquanto unidade moral, de consanguinidade e de trabalho esteja se
flexibilizando e se abrindo; que haja uma tendncia individualizao e
fragmentao espacial de membros; que a hierarquizao e a transmisso do
patrimnio estejam se redefinindo, tudo isso no h dvida, se faz presente
o que tambm no s de agora -, porm nem tudo linear e evolutivo no
sentido de romper com o j vivido e concebido (TEDESCO, 2001, p 13).
Ao longo dos anos, o marco da discusso sobre a estrutura rural brasileira se deu no
contexto da modernizao da agricultura e sua capacidade indutora do desenvolvimento rural.
Todavia, na dcada de 90, esse panorama comea a modificar-se com a ampliao do
interesse para as novas ruralidades e suas interfaces com outros temas, como demonstrado por
Conterato (2008), especialmente a questo do uso do espao rural para outras finalidades alm
da produo agropecuria, como o turismo rural, desenvolvimento ambiental sustentvel,
agroecologia, e ainda as agroindstrias familiares.
Amplia-se tambm neste perodo, o interesse pela temtica da agricultura familiar e
sua perpetuao no espao rural, assim como seus mecanismos de produo e sua diversidade,
que na viso de Conterato (2008) s foi possvel devido ao interesse e dilogo entre diversas
disciplinas (Economia, Sociologia, Antropologia, Geografia etc.), na busca da identificao
dos mecanismos de reproduo da agricultura familiar e o seu papel para o desenvolvimento
de inmeras regies brasileiras.
1.1 A luta dos movimentos sociais do campo e o reconhecimento da Agricultura Familiar
A categoria agricultura familiar que no Brasil s vai ser reconhecida tardiamente
devido a um processo histrico que sempre privilegiou a grande propriedade, surge
anteriormente nos pases desenvolvidos, inicialmente nos Estados Unidos e depois em alguns
pases europeus, notadamente Frana e Reino Unido, onde tal grupo social se formou muito
mais cedo.
Nessa perspectiva, Navarro (2010) aponta que enquanto agrupamento social de
interesse sociolgico e foco da ao governamental, a Agricultura Familiar emergiu
inicialmente nos Estados Unidos, repercutindo o seu histrico de colonizao, especialmente
nas suas regies mais ao norte, onde os colonos, transformados em produtores rurais,
7
gradualmente, foram sendo integrados a mltiplos mercados e se articulando mais
intensamente vida econmica. Posteriormente, no continente europeu que o tema comea a
ser difundido, reitera o autor, devido influncia da tradio camponesa e das correntes
tericas (principalmente o marxismo) nos estudos dos cientistas sociais, e ao nascimento da
Unio Europeia que ampliou e reforou as polticas para o meio rural, acelerando os processos
de integrao econmica dos produtores rurais, e assim reforando a agricultura de base
familiar.
Sendo assim, podemos presumir que a expresso Agricultura Familiar apresenta uma
trajetria que pode ser descrita em dois principais vieses interpretativos distintos, ambos se
concretizando no perodo contemporneo. Como sentencia Navarro (2010), um o norte-
americano que, por sua vez, entre os anos 1950 e meados dos anos 1980, apresentou grande
desenvoltura analtica, e o outro europeu, onde a produo agrcola familiar recebeu o
interesse dos cientistas sociais, antes mesmo de a expresso passar a ser usada com maior
frequncia, o que somente ocorreu em um perodo mais recente, a partir do final dos anos
1980.
Atendo-se ainda s contribuies de Navarro (2010), tem-se que no Brasil, a gnese do
termo agricultura familiar est relacionada ao Tratado de Assuno, no qual deu origem ao
MERCOSUL1 em 1991 e s decorrentes aes polticos sindicais comandadas pela
Confederao Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG), contando tambm com
a participao do antigo departamento rural da Central nica dos Trabalhadores (CUT), o
qual originou a atual Federao dos Trabalhadores na Agricultura Familiar (FETRAF). Aps
a promulgao do Tratado, a dinmica de sua implementao deu origem s cmaras de
debates e grupos de trabalho, nas quais se discutiam novas regras, sem, contudo haver um
canal de participao dos pequenos produtores dos pases membros.
Aos pequenos produtores brasileiros, os quais vinham sendo excludos das
negociaes, a insatisfao acabou gerando uma srie de presses, alm de uma articulao
poltica, cuja pretenso era reverter este quadro de discriminao no processo em curso.
Assim, novos esforos de presso foram realizados para que recebessem apoio governamental
1O Mercado Comum do Sul, ou MERCOSUL, um bloco econmico que foi formado por Brasil,
Argentina, Paraguai e Uruguai. Outros pases, como Bolvia, Chile, Peru, Colmbia e Equador podem fazer parte
das negociaes do bloco, mas so considerados apenas como associados. A Venezuela ingressou no grupo em
2006. E o Mxico permanece como estado observador. Criado em 1991 com a assinatura do Tratado de
Assuno (no Paraguai) o MERCOSUL busca garantir a livre circulao de bens, servios e fatores produtivos
entre os pases membros, atravs da eliminao de barreiras alfandegrias e restries no tarifrias circulao
de mercadorias e de qualquer outra medida de efeito equivalente.
http://www.infoescola.com/geografia/mercosul/http://www.infoescola.com/economia/blocos-economicos/http://www.infoescola.com/brasil/http://www.infoescola.com/argentina/http://www.infoescola.com/paraguai/http://www.infoescola.com/uruguai/http://www.infoescola.com/bolivia/http://www.infoescola.com/chile/http://www.infoescola.com/peru/http://www.infoescola.com/colombia/http://www.infoescola.com/equador/http://www.infoescola.com/venezuela/http://www.infoescola.com/mexico/http://www.infoescola.com/geografia/tratado-de-assuncao/http://www.infoescola.com/geografia/tratado-de-assuncao/http://www.infoescola.com/geografia/mercosul/
8
de maior significao em diferentes setores, centrando-se, sobretudo, na definio de polticas
agrcolas diferenciadas para as pequenas propriedades, com base nas polticas similares
implantadas no mercado comum europeu (NAVARRO, 2010).
Desse modo, ainda durante a dcada de 1990, essas iniciativas poltico sindicais
passaram a contar com uma articulao que envolvia as organizaes agrrias dos quatro
pases membros do MERCOSUL, onde foi formada uma articulao sindical para discutir a
reconverso da pequena propriedade, e que consolidou dois principais resultados.
Primeiramente, o movimento sindical foi aceito como participante legtimo nas discusses
relativas implementao do Tratado, e suas propostas aos poucos foram encontrando espao
nos mbitos governamentais, sendo muitas delas, incorporadas no Programa de
Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), criado em julho de 1995. O segundo
resultado, de maior relevncia, foi a consagrao da expresso agricultura familiar que aos
poucos foi substituindo as demais2, sobretudo a partir da consolidao do PRONAF, que
institucionalizou tal noo e delimitou o grupo de produtores sob sua definio (NAVARRO,
2010). No entanto, a definio legal da agricultura familiar veio a acontecer no Brasil somente
em 2006, com a sano da Lei 11.326, da Agricultura Familiar3.
Nesse sentido, o termo agricultura familiar comeou a ser difundido no Brasil na
metade da dcada de 1990, adentrando o cenrio poltico e social, e adquirindo, na perspectiva
de Wanderley (2001) maior reconhecimento, embora no representasse uma categoria social
recente. Posteriormente, sua legitimao foi contemplada no debate acadmico, onde foram
propostas diversas concepes tericas a seu respeito.
Nesse sentido, longe de ser objeto deste trabalho expor a fundo todas as consideraes
que se referem designao de agricultura familiar, se faz necessria a exposio de maneira
sintetizada de algumas concluses que analisam a agricultura familiar no Brasil aps a dcada
de 90 e sua reproduo enquanto categoria social.
1.2 As designaes da Agricultura Familiar luz das contribuies tericas brasileiras
So inmeros os trabalhos que abordam a temtica da agricultura familiar no Brasil ao
longo de mais de vinte anos de sua ascenso. Muitas vezes entendida como sinnimo de
2Este agrupamento de estabelecimentos de menor escala vinha sendo designado sob diferentes expresses:
minifundirios, pequenos produtores, agricultores de subsistncia ou, como era corriqueiro na dcada de 1970,
agricultores de baixa renda, cuja atividade econmica destes produtores, na literatura, acadmica ou no, quase
sempre era denominada de pequena produo. 3 Iremos tratar mais a fundo esse assunto no tpico 1.2.
9
campesinato4 torna-se comumente um obstculo para a compreenso da realidade agrria as
ambiguidades com que a noo de agricultura familiar e a agricultura camponesa tm sido
elencadas. No entanto, para alguns autores, a agricultura familiar apresenta certa diferena das
formas tradicionais de produo.
Entre os autores que se dedicam ao assunto podemos citar Abramovay (2012), onde
aponta que a diferena entre campons e agricultor familiar est totalmente relacionada
integrao ao mercado. Enquanto que o primeiro integra-se parcialmente a mercados
incompletos, este ltimo possui uma integrao completa a mercados perfeitos, alm do
dinamismo tcnico e da capacidade de inovao. Sendo assim, na viso do autor, torna-se
totalmente infundada a associao to frequente entre agricultura familiar e produo
camponesa, pois o ambiente no qual se desenvolve a agricultura familiar moderna, o mesmo
que vai sufocar o campons e obrig-lo a se despojar de suas caractersticas constitutivas e de
sua reproduo social.
Na perspectiva do autor, a produo familiar contempornea no se assemelha ao
campesinato nem pode ser atribuda como pequena produo ou produo de subsistncia. A
adoo de tcnicas cada vez mais modernas no processo produtivo, o dinamismo tcnico e a
completa integrao aos mercados no significa a superioridade da agricultura patronal ou da
propriedade capitalista, mas a transio na sociedade moderna para aquilo que definimos
como agricultura familiar.
Nesse sentido, estabelece que na agricultura familiar, a gesto, a propriedade e o
trabalho esto sobre o controle da famlia, porm, sustenta que o agricultor familiar encontra-
se inteiramente despojado de seus traos tradicionais, embora em alguns casos possa resultar
da evoluo de formas camponesas, mas se distingue dessa forma social pela insero em um
ambiente marcado pelo capitalismo que acaba sufocando a produo camponesa: a paisagem
do mundo capitalista contemporneo seria dominada por uma forma de produo baseada na
famlia, mas inteiramente despojada de seus traos camponeses ancestrais (ABRAMOVAY,
2012, p. 141).
No entanto, Abramovay (2012) defende que a agricultura familiar um fenmeno to
generalizado que no pode ser explicada pela herana histrica camponesa existente em
alguns casos, sendo que o papel determinante neste caso atribudo ao Estado, principal
4 Carvalho e Costa (2012) concebem o campesinato como um modo de se fazer agricultura distinto daquele
encontrado na produo capitalista dominante, o que implica uma especificidade prpria na maneira de produzir
e de viver das famlias camponesas, uma lgica distinta e contrria hegemnica e na qual se insere a agricultura
familiar.
10
responsvel pela moldagem da atual estrutura social do capitalismo agrrio das naes
centrais.
Por fim, o autor salienta que ao contrrio do que acontece no Brasil, a agricultura
familiar nos pases desenvolvidos se constitui como a base socioeconmica que estrutura a
agricultura, em contrapartida das previses defendidas pela tradio marxista em relao ao
extermnio do campesinato, pois sua extino no significaria fatalmente a eliminao de
qualquer forma de produo familiar para que o desenvolvimento do capitalismo pudesse
acontecer na agricultura.
Com alguns traos similares s consideraes feitas acima, ressaltamos os
apontamentos de Navarro (2010) para o debate a cerca da conceituao de agricultura
familiar. Em sua abordagem, o autor argumenta que entre uma sociedade dominada por
formas de produo camponesa e uma sociedade onde predominam os agricultores integrados
aos circuitos monetrios capitalistas e a mltiplos mercados, que se d a transio que
transforma os camponeses em agricultores familiares.
De acordo com Navarro (2010) essa transio se explica pelo desenvolvimento do
capitalismo no campo, que aos poucos vai modificando no apenas a estrutura produtiva,
tecnolgica, econmica e financeira, mas tambm materializando novos comportamentos e
valores entre os agricultores, alm de instituir uma nova racionalidade, e acabam tirando de
cena as formas camponesas de produo e cedendo espao para os produtores modernizados e
integrados aos mercados os agricultores familiares.
Nesse sentido, verifica-se que os camponeses, na viso do autor supracitado, so
coletivos sociais encontrados, frequentemente, apenas na origem de processos econmicos
que posteriormente constituram sociedades capitalistas. Uma vez, contudo, que a lgica deste
regime econmico e social tenha se imposto mais vigorosamente com o passar do tempo e sua
sociabilidade se torne dominante, os camponeses dispem de dois caminhos. Ou so
gradualmente integrados, radicalmente alterando os seus sistemas de produo sob os ditames
da agricultura moderna e, em especial, desenvolvendo uma nova racionalidade e formas de
ao social, ou engrossam as correntes migratrias e deixam o mundo rural.
Na viso de Navarro (2010), o processo social que caracteriza a essncia dos
agricultores familiares no seria institudo apenas por meio dos mercados, sendo que a gesto
familiar das atividades e dos processos decisrios no interior dos estabelecimentos rurais
que define a categoria. Portanto, podemos inferir que a integrao a mercados aliada gesto
familiar que, genericamente, caracteriza o grupo de agricultores familiares.
11
Partindo de outra vertente na qual a agricultura familiar ainda mantm os traos
tradicionais do campesinato, Wanderley (2001) retrata que apesar da produo rural familiar
vir se modernizando, onde o agricultor se profissionaliza, o mundo rural perde seus contornos
de sociedade parcial e se integra plenamente sociedade nacional, ela ainda mantm seus
traos tradicionais. Estes novos personagens (os agricultores familiares modernizados), ou
pelo menos uma parte significativa deles, quando comparados aos camponeses ou outros tipos
tradicionais, so tambm, ao mesmo tempo, o resultado de uma continuidade, ou seja, mesmo
integrados ao mercado capitalista, ainda detm traos caractersticos do campesinato.
Nesse sentido, a autora sentencia:
Esse agricultor familiar, de certa forma, permanece campons na medida em
que a famlia continua sendo o objetivo principal que define as estratgias de
produo e de reproduo e a instncia imediata de deciso (WANDERLEY,
2003, p.48).
Na viso de Wanderley (2001) o modelo do campesinato brasileiro reflete as
especificidades dos processos sociais da prpria formao da estrutura agrria brasileira,
especialmente no tocante ao perodo colonial, que manteve tamanha perpetuidade mesmo
aps a independncia nacional, com o domnio econmico, social e poltico da grande
propriedade, a herana da escravido, e a existncia de uma enorme fronteira de terras livres
ou passveis de serem ocupadas pela simples ocupao e posse.
Desse modo, a mesma autora em trabalho anterior ressalta que aqui no Brasil, a grande
propriedade, dominante em toda a sua histria, se imps como modelo socialmente
reconhecido, sendo a ela destinado todo o estmulo necessrio expresso na poltica agrcola,
que procurou moderniz-la e assegurar sua reproduo. Neste contexto, a agricultura familiar
sempre ocupou um lugar secundrio e subalterno na sociedade brasileira. Quando comparado
ao campesinato de outros pases, foi historicamente um setor bloqueado, impossibilitado de
desenvolver suas potencialidades enquanto forma social especfica de produo
(WANDERLEY, 1995).
Por fim, define a agricultura familiar como aquela em que a famlia, ao mesmo tempo
em que proprietria dos meios de produo, assume o trabalho no estabelecimento
produtivo (WANDERLEY, 2001, p. 25), ao mesmo tempo em que ressalta a importncia do
termo familiar, pois o fato de uma estrutura produtiva associar famlia-produo-trabalho tem
consequncias fundamentais para a forma como ela se organiza econmica e socialmente.
12
A anlise realizada por Neves (2012) no Dicionrio da Educao do Campo, no
verbete Agricultura Familiar, desvela as mltiplas conotaes do termo, onde assinala que o
sentido contido no termo agricultura familiar acena para um padro de integrao diferenciada
de uma massa de produtores rurais totalmente heterognea.
A autora apresenta a agricultura familiar como categoria analtica, a despeito de
alguns significados construdos no campo acadmico; como categoria poltica de designao
diferenciadora da agricultura patronal e da agricultura camponesa; como termo de
mobilizao poltica da construo de diferenciadas e institucionalizadas adeses a espaos
polticos de expresso de interesses legitimados na diviso da estrutura agropecuria brasileira
em agricultura familiar, patronal e camponesa; como termo jurdico que define a amplitude e
os limites da afiliao de produtores a serem alcanados pelo PRONAF.
Neves (2012, p. 37) exprime uma conceituao elaborada a partir do reconhecimento
acadmico, poltico e jurdico que a agricultura familiar conquistou: modelo de organizao
da produo agropecuria onde predominam a interao entre gesto e trabalho, a direo do
processo produtivo pelos proprietrios e o trabalho familiar, complementado pelo trabalho
assalariado. Entretanto, a autora sugere que a designao desse conceito deve ser
compreendida como expresso de espaos de lutas passveis de mudanas, de novas
interpretaes e contra-argumentaes.
Sendo assim, diante das diversas definies que foram aqui abordadas e que abarcam o
termo agricultura familiar, podemos compreender que esta categoria engloba um conceito
diversificado, nas palavras de Wanderley (2001), a agricultura familiar se torna uma categoria
necessariamente genrica, pois a combinao entre propriedade e trabalho assume, no tempo e
no espao, uma grande diversidade de formas sociais. Fato tambm assinalado por
Abramovay (2012) ao apontar para a imensa diversidade de que tal forma social se reveste.
A temtica em questo apresenta um nmero considervel de trabalhos que retratam a
problemtica da produo rural familiar brasileira sob diversas variveis, como tamanho da
famlia, grau de modernizao, nvel tcnico, capacidade financeira, insero aos mercados,
dentre outros. Dessa maneira, delimitar o universo dos agricultores familiares, sejam eles
tradicionais ou no, tem sido objeto de muitas discusses que fogem aos objetivos propostos
neste estudo. Sendo assim, adota-se, neste trabalho, como critrio de designao de
agricultores familiares, a legislao especfica sobre o tema, retratada na Lei 11. 326,
sancionada em 24 de julho de 2004, a Lei da Agricultura Familiar.
13
De acordo com seu Artigo 3, considera-se agricultor familiar e empreendedor familiar
rural aquele que pratica atividades no meio rural, atendendo, simultaneamente, aos seguintes
requisitos: no detenha, a qualquer ttulo, rea maior do que 4 (quatro) mdulos fiscais; utilize
predominantemente mo de obra da prpria famlia nas atividades econmicas do seu
estabelecimento ou empreendimento; tenha percentual mnimo da renda familiar originada de
atividades econmicas do seu estabelecimento ou empreendimento, na forma definida pelo
Poder Executivo; dirija seu estabelecimento ou empreendimento com sua famlia.
A institucionalizao do conceito de agricultura familiar representou, em uma dada
conjuntura da histria do pas uma vitria poltica de um segmento, antes marginalizado da
ao governamental. Contudo, a produo familiar no Brasil vive num contexto de
heterogeneidade. Navarro (2010) enfatiza que at mesmo a evoluo da principal poltica para
a agricultura familiar5 (PRONAF) e a sua implementao vem observando crescentes
entraves, pois a definio institucionalizada, muitas vezes no permite abarcar produtores to
diferenciados, em face da heterogeneidade estrutural e social que caracteriza o meio rural
brasileiro.
1.3. Importncia da Agricultura Familiar no Brasil segundo os dados do Censo
Agropecurio de 2006
A agricultura familiar possui um papel histrico no desenvolvimento agrcola
brasileiro, em suas vrias dimenses. Informaes do Censo Agropecurio de 2006 permitem
inferir que 84,4% dos estabelecimentos agropecurios do pas so familiares, totalizando
4.367.902 estabelecimentos. Porm, esses estabelecimentos ocupam uma rea de apenas 80,25
milhes de hectares, ou 24,3% da rea total de estabelecimentos, evidenciando a histrica
desigualdade da distribuio da posse e do uso da terra no Brasil, uma vez que os
estabelecimentos no familiares, apesar de representarem 15,6% do total dos
estabelecimentos, ocupam 75,7% da rea ocupada. A rea mdia dos estabelecimentos
familiares representa um total de 18,37 ha, e a dos no familiares, de 309,18 ha.
No obstante, a agricultura familiar responde por cerca de 38% do valor da produo
agropecuria brasileira, ou R$ 54,4 bilhes, com destacado papel na produo de alimentos de
consumo domstico. O segmento tem importante contribuio para a segurana alimentar das
prprias famlias de agricultores, alm de fornecer volumes significativos aos mercados e de
ter participao fundamental em praticamente todos os produtos alimentares no pas.
5 Trataremos das polticas agrcolas voltadas para a agricultura familiar no tpico 1.5.
14
H, alm disso, cerca de 12,3 milhes de pessoas vinculadas a esse segmento, o que
equivale a 74,4% do total do pessoal ocupado na agropecuria. Os estabelecimentos
familiares so os principais geradores de emprego no meio rural, sendo uma categoria que
pode contribuir muito para o desenvolvimento sustentvel e para a melhoria de vida no
campo.
A regio que mais compreende o total dos estabelecimentos familiares no pas,
segundo Frana et al. (2009) a Nordeste contendo metade deles (2.187.295) e 35,3% da rea
total. Nela, os estabelecimentos familiares representaram 89% do total dos estabelecimentos e
37% da rea total. A Regio Sul abrigava 19,2% do total dos estabelecimentos familiares
(849.997) e 16,3% da rea total deles. Nela, os estabelecimentos familiares representaram
84% do total de estabelecimentos e 37% da rea total. A terceira regio com maior nmero de
estabelecimentos familiares foi a Sudeste, com 699.978 estabelecimentos, ou 16% do total.
Eles ocupavam 12.789.019 ha, ou 15,9% do total da rea ocupada por este tipo de
estabelecimento no pas. Nela, os estabelecimentos familiares representaram 76% do total de
estabelecimentos e 24% do total da rea.
De acordo com Frana et al. (2009), baseados no Censo Agropecurio de 2006, os
estabelecimentos familiares apresentaram um crescimento de 6,5% sobre o mesmo resultado
em 1995/96 (4.859.865 estabelecimentos), com um total de 5.175.489 estabelecimentos. A
rea total em 2006 foi de 329,9 milhes de ha, o que representa um decrscimo sobre o
mesmo resultado em 95/96 (353,6 milhes de ha). A diferena de 23,7 milhes de hectares
corresponde a 6,7% da rea do censo anterior.
Os autores ainda demonstram que os recenseamentos de 1985 e 1995/96 apresentaram
uma tendncia declinante no nmero de estabelecimentos agropecurios e da sua rea total,
considerando os seus diversos usos (lavouras, pastagens, matas e outros), pois no Censo de
2006, foi apontada a existncia de 4.551.967 estabelecimentos em 106.761.753 ha, o que
revela 412.598 novas unidades de produo, com um aumento de 10% em relao ao outros
recenseamentos. A rea ocupada, no entanto, diminuiu 1.006.697 ha, ou pouco menos de 1%
no mesmo perodo.
A agricultura familiar, apesar de cultivar uma rea menor com lavouras e pastagens
(17,7 e 36,4 milhes de hectares, respectivamente) apresenta-se como importante fornecedora
de alimentos para o mercado interno. De acordo com Frana et al. (2009), a participao dos
produtos agroalimentares no total das exportaes brasileiras vem se mantendo estvel, e isso
no seria possvel sem o valor de produo gerado pela agricultura familiar, que em boa
15
medida supre o mercado interno, pois, para manter estabilidade no basta apenas exportar um
grande volume, mas tambm, ao mesmo tempo, deve-se importar menos, o que propiciado
pelo suprimento ao mercado interno feito pela agricultura familiar.
Em suma, percebemos que as condies gerais de reproduo sociocultural dos
produtores familiares nas vrias regies do pas apresentam situaes no mbito econmico e
social semelhantes, porm prevalecem suas peculiaridades local e regional, principalmente
ressalta Mendes (2005), no que diz respeito sua insero aos mercados, o nvel tecnolgico
adotado e os aspectos e valores culturais.
1.4 Transformaes do meio rural brasileiro e seus reflexos na agricultura familiar: a
diversificao e a pluriatividade como elementos de sustentao
A Agricultura Familiar engloba discusses conceituais que geralmente abarcam trs
requisitos principais - propriedade, trabalho e a famlia. Em uma anlise de forma
generalizada entre os agricultores brasileiros, dificilmente encontraremos estabelecimentos
que no se enquadram neles. No entanto, segundo Mendes (2005), a relao elencada nestas
caractersticas sugere uma diversidade de situaes peculiares, que define suas estratgias de
reproduo e sua insero na sociedade.
No Brasil, conforme Buainain (2005), a diversificao da agricultura familiar inclui
tanto famlias que vivem e exploram pequenas pores de terras com poucos recursos e sem
muita tecnologia, como produtores inseridos no moderno agronegcio e que logram gerar
renda vrias vezes superior a que define a linha da pobreza. Essa diversidade de situaes
est associada, muitas vezes, continua o autor, prpria formao dos grupos ao longo da
histria, a heranas culturais variadas, ao acesso e disponibilidade diferenciada de um
conjunto de fatores como os nveis de capacitao/aprendizado adquirido, recursos naturais,
informaes, capital humano e o capital social que podem variar radicalmente entre grupos de
produtores, desde sua localizao at as caractersticas particulares do meio-ambiente no qual
esto inseridos.
A perspectiva de Buainain (2005) tambm retrata divergncias em relao insero
dos grupos em estruturas agrrias divergentes uma das outras, acesso diferenciado aos
mercados e insero socioeconmica dos produtores que resultam tanto das condies
particulares dos vrios grupos como de oportunidades criadas pelo movimento da economia
como um todo e pelas polticas pblicas. Alguns desses aspectos podem diferenciar at
mesmo as unidades produtivas de um mesmo local.
16
Esta diferenciao entre as unidades produtivas familiares poder acentuar-se ainda
mais, na viso de Buainain e Dedecca (2010), pois apenas parte deste grupo est apto a
incorporar-se ou ser incorporado aos processos de inovao tecnolgica necessrios para
assegurar a reproduo e viabilidade das unidades de produo.
Sem dvida, a heterogeneidade presente na Agricultura Familiar brasileira leva muitas
famlias a adotarem estratgias alternativas para obterem mais recursos, combinando duas ou
mais atividades, sendo uma delas a agricultura em seu estabelecimento produtivo e a outra, na
maioria dos casos, fora dele. Esta combinao de atividades, cada vez mais frequente nas
unidades familiares de produo, pode ser ilustrada como um exemplo das tantas
modificaes que a agricultura brasileira tem passado recentemente.
Nessa linha, Schneider (2003) chama a ateno para a emergncia e a expanso das
unidades familiares pluriativas, visto que cada vez mais frequente uma parte dos membros
das famlias residentes no meio rural se dedicar a atividades no agrcolas, praticadas dentro
ou fora das propriedades.
Este cenrio que vem tomando conta das unidades familiares de produo no
significa uma situao de abandono da agricultura e do meio rural, como afirmam alguns
autores. Implica em uma estratgia adotada pela famlia, com a finalidade de, diversificando
suas atividades fora do estabelecimento produtivo, assegurar a reproduo deste e garantir a
sua permanncia como elemento de referncia para a famlia, o que explica as estratgias para
constituir este estabelecimento e reproduzi-lo, destaca Wanderley (2003).
A esse respeito, a autora distingui o significado da pluriatividade exercida pelos
diversos membros da famlia, pois afirma que um estabelecimento familiar pluriativo
quando o seu chefe trabalha fora, seja porque seu desempenho lhe assegura um tempo livre
ou, quando ocorre o contrrio, o estabelecimento no capaz de absorver plenamente sua
fora de trabalho. O trabalho externo dos filhos, na viso de Wanderley (2003) aponta para o
processo de individualizao e de busca de autonomia financeira e, no caso da mulher, o
trabalho externo muitas vezes significa uma maior capacidade de participar dos ganhos da
famlia ou investido em alguma forma na produo ou ainda pode ser destinado a pagar
dvidas do estabelecimento familiar.
No entanto, Schneider (2003) compreende a pluriatividade presente nos
estabelecimentos familiares de produo como a combinao das mltiplas inseres
ocupacionais das pessoas que pertencem a uma mesma famlia:
17
Um fenmeno atravs do qual membros das famlias que habitam no meio
rural opta pelo exerccio de diferentes atividades, ou, mais rigorosamente,
pelo exerccio de atividades no agrcolas, mantendo a moradia no campo e
uma ligao, inclusive produtiva, com a agricultura e a vida no espao rural.
Nesse sentido, ainda que se possa afirmar que a pluriatividade seja
decorrente de fatores que lhe so exgenos, como o mercado de trabalho no
agrcola, ela pode ser definida como uma prtica que depende de decises
individuais ou familiares (SCHNEIDER, 2003, p. 112).
Assim, a pluriatividade pode ser entendida como um mecanismo de diversificao de
atividades, visto que h um elevado incremento das ocupaes no agrcolas dentro e fora das
propriedades familiares, mesmo com variaes regionais importantes, em virtude da forma e
da intensidade do processo de insero nos mercados assumido pela agricultura familiar, que
no homogneo.
Apesar dessas variaes, Conterato (2008) assinala que a combinao de atividades
agrcolas e no agrcolas pelas famlias dos agricultores familiares emerge como uma das
estratgias de diversificao mais relevantes no meio rural, e se relaciona, de acordo com o
autor, disponibilidade da mo de obra familiar, pela necessidade ou possibilidade de
complementar o oramento da famlia em funo das oscilaes das rendas agrcolas causadas
tanto pela deteriorao dos preos das commodities6 agrcolas, no caso de regies
especializadas na produo de gros, e do aumento dos custos de produo, realidade
encontrada em todas as regies e estilos de agricultura.
Essa combinao de atividades realizadas no interior do prprio setor agropecurio ou
fora dele, podem ser representadas, segundo Schneider et al. (2014):
Pelos indivduos que residem no meio rural e trabalham na atividade
agrcola, mas uma parcela relevante, seno a maior parte, de sua jornada de
trabalho dedicada prestao de servios em mquinas e equipamentos
plantio, colheita, pulverizao, manejo, transporte etc. para terceiros, como
vizinhos ou mesmo em propriedades mais distantes, mediante pagamento
(em dinheiro ou em produto), no se tratando de uma forma de ajuda mtua;
pela contratao de pessoas que moram no meio rural e integram famlias de
agricultores para atuar em atividades como processamento, beneficiamento,
transporte, comercializao etc. da produo agropecuria, em empregos
gerados pela prpria dinmica agroindustrial, que ao se desenvolver gera um
6 O termo Commodities pode ser definido como mercadorias, principalmente minrios e gneros agrcolas, que
so produzidos em larga escala e comercializados em bolsas de valores, portanto seus preos so definidos em
nvel global, pelo mercado internacional. Geralmente, so produtos que podem ser estocados por um
determinado perodo de tempo sem que haja perda de qualidade, e se caracterizam por no ter passado por
processo industrial, ou seja, so geralmente matrias-primas. O Brasil um grande produtor e exportador de
commodities, sendo a soja, petrleo, suco de laranja, caf, alumnio e minrio de ferro as principais produzidas
no pas.
18
conjunto de atividades no agrcolas; e pela informalidade e precariedade da
venda da fora de trabalho no meio rural, em larga medida decorrente da
sazonalidade dos processos de produo na agricultura (SCHNEIDER ET
AL., 2014, p. 114).
Na viso de Carneiro (1998), a pluriatividade acena para um movimento de
reorientao da capacidade produtiva da populao residente no campo, expresso em novas
formas de organizao da atividade agrcola como uma alternativa ao xodo rural, ao
desemprego urbano e ao padro hegemnico de desenvolvimento agrcola. Portanto, a
pluriatividade no revela uma tendncia ao desaparecimento do agricultor em tempo integral
ou a mais uma forma de explorao do trabalho rural.
Nesse sentido, a noo de pluriatividade se refere multiplicidade de formas de
trabalho e renda que compem o oramento das unidades agrcolas familiares, indo de
encontro s transformaes que vem ocorrendo no meio rural. Graziano da Silva (2010)
corrobora:
Isso porque, de um lado, o peso da renda agrcola cada vez menos
relevante nos rendimentos familiares rurais. De outro, [...] as atividades
desenvolvidas nos estabelecimentos agropecurios est deixando, cada vez
mais, de ser de responsabilidade de um conjunto dos membros da famlia
para ser de um ou outro membro dela. (GRAZIANO DA SILVA, 2010, p.
166).
Alm das unidades de produo pluriativas, outra tendncia que tem sido cada vez
mais frequente no meio rural brasileiro a procura crescente por formas de lazer e at mesmo
de meios alternativos de vida no campo por pessoas vinda da cidade. Conforme discorre
Carneiro (1998), este movimento est permitindo a construo de pequenas pousadas rurais
em substituio da unidade de produo agrcola que nela funcionava e o lugar da agricultura,
nesses casos, passa a ser um complemento, muitas vezes voltada para a manuteno da
famlia e dos hospedes, e um bem de consumo ao garantir o clima rural almejado pelos
turistas.
neste contexto, que a autora supracitada demonstra que devemos entender o
fenmeno da pluriatividade como uma forma alternativa de explorar a agricultura e, em
consequncia, como uma possibilidade de reelaborao de identidades sociais. Na concepo
de Alentejano (2001) o surgimento e a consolidao da pluriatividade no fruto apenas da
urbanizao do meio rural, mas est profundamente ligado resistncia de uma parcela
significativa de agricultores difuso de um modelo nico de agricultor modernizado.
19
Em suma, a discusso em torno desse tema permite evidenciar a complexidade das
situaes que envolvem a agricultura familiar no Brasil, sobretudo no que se refere sua
reproduo social. Contudo, no constitui propsito deste trabalho fazer uma anlise mais
profunda dessas questes. O que importa ressaltar a grande diversidade de situaes
particulares que revelam a capacidade de adaptao da produo rural familiar brasileira.
1.5 As Polticas Pblicas para a Agricultura Familiar
A agricultura familiar uma temtica que est sendo muito discutida em funo do
relevante papel que desempenha na estrutura socioeconmica brasileira. Se analisarmos seu
desempenho, no entanto, veremos que poderia ser mais significativo se contasse com uma
atuao estatal que priorizasse seu modo de produo para alm da agenda. Todavia, este tipo
de relao (Estado - Agricultura Familiar) que se estabeleceu no Brasil possui contornos
totalmente distintos daqueles encontrados nos pases desenvolvidos.
Tendo como foco a importncia da agricultura familiar para o desenvolvimento de
uma sociedade e o papel do Estado atuando como o principal indutor deste desenvolvimento
ao promover e garantir a permanncia da agricultura familiar, Abramovay (2012, p. 220)
ressalta a importncia que esta categoria desempenha atualmente, e a condio particular que
ela ocupa no ambiente econmico capitalista contemporneo: em torno do estabelecimento
familiar que se estrutura socialmente a agricultura nos pases capitalistas avanados.
Tomando como referncia emprica a realidade dos pases capitalistas avanados, o
autor acima sustenta que a formao de um setor com um grande nmero de unidades
familiares atomizadas possui uma articulao oriunda tanto de suas organizaes profissionais
quanto do controle do Estado:
O estado previdencirio agrcola no consiste apenas na contemplao dos
problemas sociais ligados ao desenvolvimento agrcola. Alm da
administrao do xodo rural, das polticas de ocupao do territrio e da
formao profissional, o Estado acaba por responder pela prpria formao
da renda no setor. (ABRAMOVAY, 2012, p 220).
Nesse contexto, Abramovay (2012) afirma que existe uma complementaridade entre
os papis exercidos pela agricultura familiar e o Estado. Enquanto este tipo de agricultura
exerce uma funo de grande importncia nos pases centrais, na medida em que produz
alimentos a baixo custo, permitindo a reduo dos gastos com a reproduo da fora de
trabalho, beneficiando no s os setores de produtos agrcolas, insumos e mquinas, mas o
20
conjunto do sistema econmico ao reduzir parte do oramento familiar dedicado diretamente
alimentao, o Estado atua mantendo um patamar mnimo de preos para os produtos
agrcolas:
A poltica agrcola contempornea compe-se de um compromisso entre a
manuteno de um piso mnimo para a renda agrcola e, ao mesmo tempo, de
controle sobre os preos alimentares. [...] Por mais que as diferenas entre os
ganhos agrcolas e os de outros setores possam ser compensadas pela
valorizao patrimonial, o fato que a renda agrcola cada vez mais
estabelecida institucionalmente (ABRAMOVAY, 2012, p 237).
Dessa forma, agricultura familiar produz alimentos baratos, atravs da atuao estatal,
diminuindo o custo com a reproduo da fora de trabalho, e com isso possibilita aos
assalariados uma maior parcela de seu salrio para outro tipo de consumo.
No Brasil essa estratgia de interveno na agricultura claramente definida como nos
pases desenvolvidos, historicamente, no contemplava as unidades familiares de produo,
implicando no fato de que a agricultura familiar no tinha a prioridade que deveria ter por
parte do Estado, que por sua vez sempre apoio e incentivou a reproduo das grandes
propriedades, muito provavelmente em virtude de permanecerem na estrutura agrria
brasileira desde o perodo colonial.
Esta situao se confirma ao verificarmos que, em linhas gerais, at o incio da dcada
de 1990 no existia nenhum tipo de poltica pblica, com abrangncia nacional, voltada ao
atendimento das necessidades especficas dos agricultores familiares. Em relao ao crdito,
por exemplo, o produtor familiar tinha que disput-lo com os demais produtores, e ainda
atender as mesmas exigncias de emprstimo bancrio exigidas do grande produtor.
Mediante tal fato, para Alves et al. (2011), a soluo se encontrava na implementao
de polticas agrcolas por parte do Estado em prol do desenvolvimento desta categoria social,
organizadas a partir da compreenso e da lgica do modo de vida campons, onde os
agricultores fossem reconhecidos como sujeitos do desenvolvimento e do crescimento da
economia.
Nesses termos, somente em meados dos anos 1990 que a agricultura familiar,
enquanto objeto de poltica pblica no Brasil se legitima, com a implantao do Programa
Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar - PRONAF, trazendo modificaes
importantes na constituio das redes de polticas para a agricultura, incorporando atores que
at ento estavam fora dos acontecimentos que modelavam as polticas para o setor.
A partir da presso dos movimentos sociais e de organismos internacionais como o
Banco Mundial, o Estado passa a reconhecer a superioridade competitiva da agricultura
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familiar, afirmando-a como protagonista do desenvolvimento rural. Apesar de o PRONAF ser
um programa recente, ele se apresenta como a primeira poltica pblica consolidada
nacionalmente destinada agricultura familiar no Brasil, a partir do decreto no 1.946, de
1996.
Este programa, conforme demonstra Schneider et al. (2004), formulado como resposta
s presses do movimento sindical rural desde o incio dos anos de 1990, nasce com a
finalidade de prover crdito agrcola e apoio institucional s categorias de pequenos
produtores rurais que vinham sendo alijados das polticas pblicas ao longo da dcada de
1980 e encontravam srias dificuldades de se manter na atividade.
Segundo informaes disponveis no Manual do Crdito Rural (2008), ele destina-se
ao apoio financeiro das atividades agropecurias e no agropecurias exploradas mediante
emprego direto da fora de trabalho da famlia produtora rural, entendendo-se por atividades
no agropecurias os servios relacionados com turismo rural, produo artesanal,
agronegcio familiar e outras prestaes de servios no meio rural, que sejam compatveis
com a natureza da explorao rural e com o melhor emprego da mo de obra familiar. Os
crditos podem ser concedidos de forma individual ou coletiva.
A partir do PRONAF, os agricultores familiares se tornaram objeto de uma poltica de
promoo social, e o sindicalismo rural brasileiro, sobretudo aquele localizado nas regies Sul
e Nordeste, passou a reforar a defesa de propostas que vislumbrassem o compromisso cada
vez mais slido do Estado com uma categoria social considerada especfica e que necessitava
de polticas pblicas diferenciadas (SCHNEIDER, 2003).
Buainain e Dedecca (2010) acentuam que a massificao do PRONAF cujas linhas de
crdito e transferncias alcanam praticamente todos os segmentos de produtores familiares -
daqueles com menos recursos queles com melhores condies econmicas - tem impacto
direto sobre o mercado de trabalho, pois viabiliza e facilita o acesso modernizao
tecnolgica por parte dos produtores, ao mesmo tempo em que eleva a resistncia dos
produtores menos abastados aos processos histricos de pobreza e eliminao, apontados
como fatores relevantes para as migraes do meio rural.
Em uma avaliao sobre o programa que em 2006 completou sua primeira dcada de
atuao, Guanzirolli (2007) apresenta os resultados j alcanados:
Aps dez anos de execuo no cabe nenhuma dvida que o programa se
estendeu de forma considervel por todo o territrio nacional, ampliou o
montante financiado, desenvolveu programas especiais para atender diversas
categorias, assumiu a assistncia tcnica e reforou a infraestrutura tanto dos
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prprios agricultores como dos municpios em que se encontra
(GUANZIROLLI, 2007, p 302).
Essa poltica de grande importncia para os agricultores familiares e apesar dos
avanos, estudos diversos vm apontando algumas limitaes em sua operacionalizao,
como a tendncia em reproduzir a lgica do sistema tradicional de financiamento agrcola,
no rompendo com a velha tradio do crdito rural no Brasil de continuar financiando a
mudana da base tcnico-produtiva (SOUZA; BARB, 2014; GAZOLLA, 2004), a
distribuio dos recursos entre as diferentes regies do pas, onde residem grupos com rendas
distintas, caracterizadas pela presena da agricultura familiar capitalizada, com forte
integrao ao mercado, localizadas especialmente no Centro-Sul do pas, em detrimento de
outras regies, como a Nordeste, que apesar de possuir o maior nmero de agricultores
familiares, recebe o menor montante dos recursos do PRONAF dentre as cinco grandes
regies do pas (GUANZIROLLI, 2007; MATTEI, 2005; GAZOLLA, 2004).
Todavia, estudos posteriores evidenciaram uma reduo na desigualdade da
distribuio desses financiamentos, medida que as limitaes do programa foram sendo
enfrentadas e o crdito se expandindo para regies at ento pouco atingidas (MATTEI et al.,
2007). De acordo do Souza e Barb (2014) a elevada desigualdade na distribuio regional
dos financiamentos do PRONAF, observada nos primeiros anos do programa, foi se
reduzindo por meio de medidas que facilitaram o acesso aos recursos pelos diversos
municpios e tipos de agricultores familiares.
Alm do PRONAF, outros programas foram de encontro s necessidades dos
agricultores familiares. Em 2003, so implementados o Programa de Aquisio de Alimentos
(PAA) por meio do qual so adquiridos produtos da agricultura familiar, contribuindo para
revitalizar sistemas de produo locais que estavam em crise e sem perspectivas e o Programa
Nacional de Crdito Fundirio (PNCF), responsvel pela aquisio e distribuio de terras.
Em 2004, colocam-se o Programa de Garantia da Atividade Agropecuria (PROAGROMAIS)
e em 2002, o Garantia Safra, que asseguram uma renda mnima aos pequenos produtores ou
agricultores familiares em caso de perda por razes climticas e queda de preos. A expanso
do Programa Bolsa Famlia7 e o aumento da cobertura da previdncia social, tanto em relao
aposentadoria como aos demais benefcios previstos no sistema nacional de proteo social
7 Apesar de o Programa Bolsa Famlia no ser uma poltica especfica para os agricultores familiares, a maioria
de seus beneficirios se encontram no meio rural, sendo, possivelmente, agricultores familiares.
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tambm so apontados como fatores de estmulo ao desenvolvimento e manuteno da
reproduo da agricultura familiar (BUAINAIN; DEDECCA, 2010).
Apesar destas polticas voltadas para a categoria familiar, o PRONAF se constitui no
principal e mais amplo programa de fomento e apoio agricultura familiar, sendo um marco
na trajetria das polticas pblicas brasileiras, que at a sua criao eram destinadas somente
para as grandes propriedades, embora, segundo Sabourin (2007), o apoio agricultura
patronal no tenha cessado, sendo a ela destinada a maior parte dos recursos voltados para a
agricultura no pas. Gazolla (2004) corrobora ao destacar que grande parte do crdito rural
disponibilizado ainda voltado para as commodities visando s exportaes e o comrcio
internacional, como o caso da soja, ao mesmo tempo em que o favorecimento dos
agricultores dito patronais em detrimento dos familiares tambm parece ser uma questo
quase impossvel de ser superada pelas polticas agrcolas. Um exemplo clssico deste fato a
negociao das dvidas dos grandes latifundirios que conseguem prazos exorbitantes para
pagamento das mesmas.
Nessa lgica, podemos compreender que as polticas agrcolas atualmente
estabelecidas pelo Estado brasileiro permanecem com o mesmo ideal, e no rompem, com o
padro de desenvolvimento mantido durante os anos de modernizao agrcola, o que nos
prope a pensar, qual o sentido de desenvolvimento rural que o Brasil quer desenvolver e qual
o papel da agricultura familiar no modelo adotado. Tanto Veiga (1996) quanto Abramovay
(2012) defendem um modelo equitativo, pautado na igualdade de oportunidades, e veem a
agricultura familiar com um importante papel para esse desenvolvimento, ao produzir
alimentos mais baratos.
Desta forma, na viso dos autores, o Estado seria o mais interessado em garantir a
permanncia da agricultura familiar, fomentando sua estabilidade com vistas a garantir a
reduo do custo de reproduo do trabalho assalariado, garantindo alimentao para a
populao e ao mesmo tempo favorecendo o consumo de outros tipos de bens.
Em suma, o debate em torno do segmento familiar e sua relevncia econmica e social
compreende uma participao maior do Estado, se fazendo mais presente com polticas
pblicas para a agricultura familiar que assegurem sua promoo, sendo mais aberto para as
questes cotidianas e que esteja disposto a olhar para os agricultores familiares como agentes
sociais e no apenas como objetos das aes de polticas.
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1.6 As dificuldades que permeiam a agricultura familiar
Analisando a formao da estrutura agrria brasileira, possvel observar, no conjunto
de seu processo histrico, a implementao de polticas direcionadas prioritariamente s
grandes propriedades. Desde o perodo colonial, com a concesso das sesmarias, passando
pela Lei de Terras de 1850 no perodo imperial, at a modernizao conservadora da
agricultura, com os incentivos fiscais da dcada de 70, o apoio formao dos latifndios
favoreceu a ocupao do territrio brasileiro. Em contrapartida, a formao das pequenas
propriedades teve sua constituio limitada pela hegemonia do latifndio.
Somente em 1964 uma nova legislao veio tratar a temtica. Segundo informaes do
Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria (2011), instituiu-se neste ano o Estatuto
da Terra, criado devido necessidade de distribuio de terras no Brasil, alm de conceituar o
campo, determinar os nveis de produtividade e caracterizar o uso social da terra. Alm disso,
de acordo com a entidade acima mencionada, apresentou um carter inovador, pois novos
conceitos ligados a questo agrria foram introduzidos, e a partir dele se mensurou o
minifndio e o latifndio, atravs dos mdulos fiscais, que variam de acordo com a regio, e
os nveis de produtividade. No entanto, a questo da distribuio da terra em nada foi
modificada.
A dcada de 1960 foi tambm marcada pelo incio de um processo de modernizao
na agricultura brasileira, oriundo dos pases capitalistas centrais, particularmente os Estados
Unidos da Amrica, denominado Revoluo Verde8. Balsan (2006) salienta que esse processo
fez emergir novos objetivos e formas de explorao agrcola originando transformaes tanto
na pecuria, quanto na agricultura e teve como consequncias o aumento da concorrncia em
relao produo e os efeitos sociais e econmicos sofridos pela populao envolvida nas
atividades rurais, alm das alteraes sofridas pelo meio ambiente, principalmente com a
degradao do solo.
Alm dessas consequncias, Souza et al (2006) ressaltam o avano de outras
transformaes sofridas no campo brasileiro, destacando-se, como as mais importantes, a
acelerao do xodo rural, o aumento na concentrao da distribuio da posse da terra (pois
as mudanas ocorreram apenas no processo produtivo no campo e no na estrutura fundiria
8 Conceitualmente, a Revoluo Verde pode ser considerada como a difuso de tecnologias agrcolas que
permitiram um aumento da produtividade atravs do uso intensivo de insumos qumicos, de variedades de alto
rendimento melhoradas geneticamente, da irrigao e da mecanizao, criando a ideia que passou a ser
conhecida (BALSAN, 2006).
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que continuou a mesma, caracterizando-a assim, como uma modernizao conservadora e
excludente) e da renda, a alterao no perfil da fora de trabalho agrcola, e as mudanas na
composio da produo.
Para Balsan (2006), atualmente, a agricultura brasileira atua em uma posio dual. Ao
mesmo tempo em que permite a uma classe da sociedade produzir com o que h de mais
moderno na agropecuria, est deixando a maioria dos produtores rurais, sobretudo os
pequenos, cada vez mais distante das inovaes:
esta categoria [agricultores familiares] que se apresenta cada vez mais
prxima do limite de sobrevivncia que, atualmente, tem merecido maior
preocupao por parte das polticas governamentais, tendo em vista o
desenvolvimento local sustentvel no contexto de um novo mundo rural.
Entretanto, uma utopia buscar o desenvolvimento local sustentvel quando
refletimos sobre a idia de que muitos agricultores familiares so privados
at mesmo das condies dignas de sobrevivncia (BALSAN, 2006, p.p 125-
126).
Nessa perspectiva, Abramovay (1999) salienta que h no Brasil um vasto segmento da
agricultura familiar que no consegue afirmar-se economicamente em virtude do ambiente
social que a vincula ao mercado. o que ocorre sempre no ambiente local e regional, onde as
famlias tm reduzidas margens de escolha na comercializao de seus produtos, na obteno
de financiamentos, na compra de insumos e no acesso informao, propiciando assim, um
dos principais desafios que as unidades familiares de produo enfrentam que a participao
em mercados dinmicos, competitivos e exigentes em inovaes.
Apesar de a agricultura familiar apresentar um papel significativo no abastecimento do
mercado interno, com a oferta de alimentos para a populao, sobretudo das zonas urbanas, a
dinmica da pequena produo brasileira constitui-se de forma insuficiente, uma vez que os
rendimentos so baixos, as condies de trabalho precrias, as perspectivas de mercado quase
sempre incertas e, ainda, convivem com as instabilidades naturais, como as pragas, doenas e
oscilaes climticas. Acresce-se a isto o fato de muitas vezes o padro tecnolgico adotado e
difundido pela modernizao agrcola, no se adqua s necessidades da produo rural
familiar, uma vez que suas caractersticas estruturais como limitada disponibilidade de terras
para uso de mquinas, condies naturais adversas, policultura, poucos recursos para
investimento e o tamanho da famlia, dificultam a tecnologia nessas unidades (MENDES,
2005).
Alm destas dificuldades, sobretudo quanto ao acesso novas tecnologias disponveis,
considerando que as grandes mquinas e equipamentos requerem maiores escalas produtivas,
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o sistema creditcio, a pesquisa e a extenso rural foram direcionados, em sua maioria, para
agricultura patronal.
O crdito rural, por exemplo, conforme amplamente discutido na literatura, foi o
principal componente indutor da modernizao agrcola brasileira (MARTINE, 1991),
atuando como um instrumento concentrador de riqueza, pois, dada a baixa taxa de juros que o
caracterizava, seus recursos foram concedidos aos produtores que pudessem oferecer maiores
garantias reais, sendo a terra a principal delas, gerando uma distribuio intensamente
desigual, que direcionava a riqueza para aqueles que mais a possuam.
Nesse contexto, Matos e Pessa (2011) enfatizam que ao invs de ser uma poltica que
consolidasse de forma efetiva o desenvolvimento rural, foi uma poltica promotora de
desigualdades, devido ao seu carter seletivo no que se refere a reas e produtores, estando
concentrada, sobretudo, nas regies Sul e Sudeste e direcionada aos mdios e grandes
produtores.
Alm do crdito, Martine (1991) destaca que o Estado brasileiro estruturou um setor
pblico rural gigantesco, articulando as instituies desenvolvidas tais como a EMBRAPA, a
EMBRATER, as Polticas de Garantia de Preos Mnimos, os programas especiais a favor da
expanso da agricultura no campo, como o Programa Nacional do lcool - PROLCOOL, e
os programas de desenvolvimento regional, como, o PROTERRA, o POLAMAZNIA, o
POLONORDESTE, o POLOCENTRO, etc., entre outras iniciativas para fomentar a
modernizao da agricultura brasileira, vinculadas concepo funcionalista de
desenvolvimento rural.
Portanto, fica demonstrado que a atuao do conjunto de polticas e programas
pblicos incentivou a concentrao fundiria, alm