O ataque multinacional à Líbia

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  • 8/7/2019 O ataque multinacional Lbia

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    sbado, 26 de maro de 2011 | 03:00

    O ataque Lbia: tramas de uma impostura criminosa

    Danilo Zolo, Professor de Filosofia do DireitoInternacional na Universidade de Florena.

    O vento de revolta que sopra sobre os pases do Maghreb e do Mashrek, daTunsia Lbia, ao Egito, ao Imen e ao Bahrein, no anuncia uma nova primaverapara as populaes rabe-muulmanas. A liberdade, a democracia, a justia, ummnimo de bem-estar so um sonho ainda muito longnquo. Os seus inimigos sopoderosos. A guerra que desencadearam os aliados europeus, Frana e Gr-Bretanha, com os Estados Unidos contra a Lbia a prova da sua vontade de porsob o seu controle a rea mediterrnica, todo o Golfo e, em perspectiva, africa.

    A exaltao dos direitos humanos, a garantia da segurana e da paz, sopura retrica, uma ensima impostura sanguinria aps as agresses trgicas

    contra o Iraque e o Afeganisto e aps os massacres que o Estado de Israel aliado muito estreito dos EUA efetua e continua a efetuar contra o povopalestino.

    Os Estados Unidos, desta vez numa confuso aberta com seus aliados eprovavelmente no interior da sua prpria administrao, tentam com grandeesforos esconder a sua vocao neo-colonial e neo-imperial sob o hbito daensima interveno humanitria. A violao desenvolta da Ca rta das NaesUnidas e a utilizao oportunista do Conselho de Segurana das Naes Unidas soa prova da sua irreprimvel vontade de poder.

    Repete-se letra o modelo da agresso criminosa da NATO contra a Srviaem 1999, desejada pelo presidente Clinton para a libertao do Kosovo.

    Tratou-se de uma interveno humanitria que massacrou, a partir do cu,milhares de pessoas inocentes. Mesmo uma leitura rpida da resoluo 1973 de 17de Maro, com a qual foi decidida a zona de interdio de voo contr a a Lbia, suficiente para encontrar uma violao gravssima da Carta das Naes Unidas,alm da do direito internacional geral.

    A violao da Carta evidente se se pensa que a clusula 7 do artigo 2estipula que nenhuma disposio do presente Estatuto autoriza as Naes Unidasa intervirem em questes que pertencem competncia interna de um Estado. portanto indiscutvel que a guerra civil da competncia interna da Lbia no um acontecimento de que o Conselho de Segurana se possa ocuparmilitarmente.

    Alm disso, o artigo 39 da Carta das Naes Unidas prev que o Conselhode Segurana pode autorizar a utilizao da fora militar s aps ter verificado aexistncia de uma ameaa internacional paz, uma violao da paz ou um actode agresso (da parte de um Estado contra outro Estado).

    Trata-se, portanto, de uma segunda razo, absoluta, que torna criminoso omassacre de pessoas inocentes que os voluntaristas aliados europeus e os EstadosUnidos se preparam para fazer na Lbia. E cobre de vergonha o governo italiano

  • 8/7/2019 O ataque multinacional Lbia

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    empenhado, com as suas bases e seus avies militares, em contribuir paraderramar o sangue de povo de que ele enfaticamente declarava -se amigo at sltimas semanas. J no h qualquer sentido em servir -se como o faz em vriasocasies a resoluo 1973 do Conselho de Segurana da dita responsabilidadede proteger (Responsability to protect).

    Trata-se da muito contestada resoluo 1674 de 28 de Abril do Conselhode Segurana. Em caso de violao grave confirmada dos direitos humanos porparte de um Estado, o Conselho de Segurana sustenta-se pode declarar que setrata de uma ameaa paz e segurana internacional. E pode assim adotartodas as medidas militares que julgar oportunas.

    No h necessidade de gastar muitas palavras p ara argumentar que oConselho de Segurana no competente para dar origem a novas normas dedireito internacional. E tambm evidente que a guerra civil interna na Lbiano representava e no representa uma ameaa paz e seguranainternacional, como de resto cinco membros do Conselho de Segurana(Alemanha, Rssia, ndia, China e Brasil) sustentaram implicitamente ao recusarvotar a favor da resoluo.

    Alm disso, estes deploraram a agresso que a Frana, Inglaterra e EstadosUnidos desencadearam contra a populao lbia em nome da vigilncia sobre osdireitos humanos. Assim como a Liga rabe que sustentou que, de qualquermodo, seu objetivo salvar os civis e no matar outros. Doravante evidenteque outras vias podiam ser tomadas para a busca de uma mediao e para umasoluo do conflito.

    At h pouco tempo estvamos convencidos de que os Estados Unidoshaviam mudado de rosto graas ao novo presidente Barack Obama. Masatualmente estamos certos de que o rosto no basta e que pode mesmo servir demscara, como mostram a continuidade da guerra no Afeganisto, o silncio

    aquiescente sobre o desastre do povo palestino, o encerramento falhado apesarde prometido de Guantanamo. Tudo a propsito de direitos humanos.

    Nada mudou na estratgia hegemnica dos Estados Unidos e isso terconsequncias muito graves exatamente em relao ao povo lbio que pareceuquerer salvar-se da violncia de um ditador. fcil prever que a guerra nocessar enquanto Kadafi no for feito prisioneiro ou morto (tal com o o lderiraquiano Saddam Hussein foi enforcado pela vontade do presidente dos EstadosUnidos George W. Bush). E tambm fcil prever que, acaba a guerra, os EstadosUnidos exercero o seu poder para garantir o controle da Lbia ou do Estadoda Cirenaica, tal como controlam hoje militarmente e estrategicamente o Kosovo para explorar seus recursos energticos muito ricos, tal como ocorreu no Iraque.

    Esta , e ser, a guerra justa do Mediterrneo de Barack Obama e dafalcoa Hillary Clinton.

    Danilo Zolo Professor de Filosofia do DireitoInternacional na Universidade de Florena.Este artigo foi publicado originalmente em

    Il Manifesto , edio de 22/Maro/2011.