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O ATO DE (DES) CONSIDERAR O OUTRO SUJEITO NO PROCESSO EDUCACIONAL E SUAS IMPLICAÇÕES NA CONSTRUÇÃO DE RELAÇÕES DE AUTORIDADE AUTÊNTICAS Rita de Cássia Squizzato Baise 1 Resumo: Este artigo apresenta o princípio da autoridade como fundamento na educação escolar e familiar. Expõe de que maneira, na sociedade moderna, o princípio da autoridade perde-se, além de seus reflexos na educação e formação das novas gerações. Enfatiza que resgatar a autoridade no processo educacional é resgatar, sobretudo, o amor incondicional às novas gerações, o compromisso ético, a coerência, a disposição em educar a partir do exemplo. Relata também sobre o Encontro de Pais, proposta de implementação desenvolvida no PDE/PR (Programa de Desenvolvimento Educacional) no ano 2008, em que pais e profissionais da educação tiveram oportunidade de se reunirem para discutir temas pertinentes à educação de crianças e adolescentes. O objetivo foi proporcionar maior aproximação entre família e escola e à melhoria nas relações interpessoais familiares e escolares, para contribuir assim com o desenvolvimento saudável e feliz das novas gerações. Palavras chaves: Autoridade, Família, Escola. Abstrat: This article presents the beginning of the authority like basic in the school and familiar education. Expose as in the modern society the beginning of the authority is lost, besides his reflexes in the education and formation of the new generations. It emphasizes what to ransom the authority in the education process is to ransom especially, the unconditional love to the new generations, the ethical promise, the coherence, at disposal in educating from the example. It reports about the Meeting of Parents, proposal of implementation developed in the PDE/PR (Program of Education Development) in 2008, where parents and professionals of the education had opportunity for meeting and discussing relevant subjects to education of children and adolescents with the objective to provide a bigger approximation betweem family and school and the improvement in the interpersonal familiar and school relations, providing so the healthy and happy development of the new generations. Words keys: Authority, Family, School. 1 Pedagoga, Especialista em Educação Especial – Deficiência Mental e Professora PDE/PR período 2007 – 2008.

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O ATO DE (DES) CONSIDERAR O OUTRO SUJEITO NO PROCESSO EDUCACIONAL E SUAS IMPLICAÇÕES NA CONSTRUÇÃO DE RELAÇÕES DE

AUTORIDADE AUTÊNTICAS

Rita de Cássia Squizzato Baise1

Resumo: Este artigo apresenta o princípio da autoridade como fundamento na educação escolar e familiar. Expõe de que maneira, na sociedade moderna, o princípio da autoridade perde-se, além de seus reflexos na educação e formação das novas gerações. Enfatiza que resgatar a autoridade no processo educacional é resgatar, sobretudo, o amor incondicional às novas gerações, o compromisso ético, a coerência, a disposição em educar a partir do exemplo. Relata também sobre o Encontro de Pais, proposta de implementação desenvolvida no PDE/PR (Programa de Desenvolvimento Educacional) no ano 2008, em que pais e profissionais da educação tiveram oportunidade de se reunirem para discutir temas pertinentes à educação de crianças e adolescentes. O objetivo foi proporcionar maior aproximação entre família e escola e à melhoria nas relações interpessoais familiares e escolares, para contribuir assim com o desenvolvimento saudável e feliz das novas gerações.

Palavras chaves: Autoridade, Família, Escola.

Abstrat: This article presents the beginning of the authority like basic in the school and familiar education. Expose as in the modern society the beginning of the authority is lost, besides his reflexes in the education and formation of the new generations. It emphasizes what to ransom the authority in the education process is to ransom especially, the unconditional love to the new generations, the ethical promise, the coherence, at disposal in educating from the example. It reports about the Meeting of Parents, proposal of implementation developed in the PDE/PR (Program of Education Development) in 2008, where parents and professionals of the education had opportunity for meeting and discussing relevant subjects to education of children and adolescents with the objective to provide a bigger approximation betweem family and school and the improvement in the interpersonal familiar and school relations, providing so the healthy and happy development of the new generations.

Words keys: Authority, Family, School.

1 Pedagoga, Especialista em Educação Especial – Deficiência Mental e Professora PDE/PR

período 2007 – 2008.

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Introdução

Muitos são os desafios da educação brasileira, antigos e ao mesmo tempo

extremamente atuais. A evasão escolar e as reprovações constituem ainda um

ponto de estrangulamento no sistema educacional. Além disso, uma aprendizagem

superficial, mesmo para aqueles alunos que não apresentam distorções quanto à

série e idade, é preocupante.

Não desconsiderando todos os fatores econômicos, sociais e políticos que

interferem no processo educativo, direta ou indiretamente, é a relação professor-

aluno-conhecimento o foco mais importante de todo o processo escolar. O professor

é quem propicia vida à organização curricular, atribui sentido àquilo que está

ensinando e que constrói um relacionamento que tanto pode facilitar como dificultar

o sucesso no processo ensino-aprendizagem.

Não se pode negar que o trabalho pedagógico para se efetivar necessita que

professores e alunos em suas distintas, mas complementares, posições coloquem-

se igualmente como sujeitos do processo, pois se negarmos essa relação estaremos

prejudicando o ato educativo em si.

Quem é o aluno da escola atual? Ou quem são esses seres humanos que

estão nos bancos escolares de hoje? Quem são os educadores contemporâneos? A

organização das escolas (Projeto Político Pedagógico, Regimento Escolar, Normas

de Conduta, Organização Interna, Estrutura Física) contribui ou dificulta o processo

ensino-aprendizagem?

Para uma efetiva compreensão destas relações interpessoais que se

estabelecem na escola, as modificações ocorridas ao decorrer dos tempos, há a

necessidade de analisarmos as mudanças na sociedade moderna e que,

inevitavelmente, atingiram o interior das escolas e as relações nelas estabelecidas.

A indisciplina tornou-se um grande obstáculo na realização do trabalho

docente com conseqüências negativas no aproveitamento escolar. Dentre todos os

desafios, há um que é o cerne de todas as questões. Por que professores

encontram tanta resistência por parte de seus alunos no processo ensino-

aprendizagem, uma vez que esta é uma característica inerente a nós?

Quando analisamos as questões disciplinares, nos reportamos

automaticamente à questão da autoridade necessária que os profissionais da

educação devem conquistar para desenvolver com sucesso seu trabalho, partindo

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da compreensão de que, especificamente, o trabalho docente depende

necessariamente do envolvimento, participação e vontade do aluno para acontecer

de modo efetivo.

Esta crise da autoridade na educação, iniciou-se na verdade fora dela e

todas as instâncias sociais sofrem o seu reflexo com conseqüências indeléveis às

gerações vindouras. Quando a sociedade moderna perde o vínculo forte e seguro da

tradição e da religião, a autoridade vai-se diluindo e enfraquecendo em todos os

contextos sociais.

Historicamente, podemos dizer que a perda da autoridade é meramente a fase final, embora decisiva, de um processo que durante séculos salopou basicamente a religião e a tradição. Dentre a tradição, a religião e a autoridade (...) a autoridade se mostrou o elemento mais estável. Com a perda da autoridade, contudo, a dívida geral da época moderna invadiu também o domínio político, no qual as coisas assumem não apenas uma expressão mais radical como se tornam investidas de uma realidade peculiar ao domínio político. O que fora talvez até hoje uma significação espiritual apenas para uns poucos se tornou preocupação geral. Somente agora, por assim dizer após o fato, a perda da tradição e da religião se tornaram acontecimentos políticos de primeira ordem. (ARENDT, 2007, p. 130).

Tal reflexão aponta para modificações sócio-históricas que caracterizam a

sociedade moderna e afetaram diretamente as relações interpessoais entre adultos

e crianças. O avanço e a rapidez com que as teorias do conhecimento e a tecnologia

se desenvolveram, trouxeram não apenas esclarecimentos, mas constantes dúvidas

e incertezas que, em muitas situações, resultaram numa descrença geral e

abandono de valores, sem que fossem substituídos por algo melhor. Para Arendt,

Com a perda da tradição, perdemos o fio que nos guiou com segurança através dos vastos domínios do passado; esse fio, porém, foi também a cadeia que aguilhou cada sucessiva geração a um aspecto predeterminado do passado. Poderia ocorrer que somente agora o passado se abrisse a nós com inesperada novidade e nos dissesse coisas que ninguém teve ainda ouvidos para ouvir. Mas não se pode negar que, sem uma tradição firmemente ancorada ---- e a perda dessa firmeza ocorreu muitos séculos atrás ----, toda a dimensão do passado foi também posta em perigo. Estamos ameaçados de esquecimento, e um tal olvido ---- pondo inteiramente de parte os conteúdos que se poderiam perder ---- significaria que, humanamente falando, nos teríamos privado de uma dimensão, a dimensão de profundidade na existência humana. Pois memória e

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profundidade são o mesmo, ou antes, a profundidade não pode ser alcançada pelo homem a não ser através da recordação. Ocorre algo análogo com a perda da religião. Desde a radical crítica das crenças religiosas nos séculos XVII e XVIII, permaneceu como característica da época moderna o duvidar da verdade religiosa, e isso e igualmente verdadeiro para crentes e não crentes. (ARENDT, 2007, p. 130, 131).

Por nossa condição finita no mundo e ao mesmo tempo de continuidade por

meio das novas gerações, esta perda da tradição, religião e autoridade tornou-se

extremamente prejudicial à nossa condição humana que depende desses elementos

para um processo de humanização que contemple nossas especificidades e

necessidades intrínsecas (físicas, sociais e espirituais).

Cada geração necessita comprometer-se com a preservação de valores

fundamentais que garantam um ambiente saudável e propício para o

desenvolvimento das novas gerações. Reconhecer todas as necessidades destes

recém-chegados, refletir e buscar formas coerentes de agir para atendê-los,

acreditando num devir sempre melhor e possível, é condição indispensável quando

nos comprometemos com a educação.

Os recém-nascidos da sociedade moderna chegam predominantemente

urbanizados, onde a estrutura familiar sofreu profundas alterações devido às

mudanças políticas, econômicas, sociais, religiosas e tecnológicas. O modelo social

vigente enfatiza por meio da inculcação ideológica o individualismo, a competição

exacerbada, a valorização do ter em detrimento do ser, o culto à juventude eterna, a

satisfação imediata dos desejos, a banalização e superficialidade dos

relacionamentos e de vínculos mais profundos entre os seres humanos.

O desafio da educação é atuar para garantir que a carência e necessidade

do recém-nascido e das crianças sejam satisfeitas, sendo responsabilidade dos

adultos conduzi-los com respeito, amor, seriedade, autoridade e ética à vida adulta e

à perpetuação da vida e do mundo. Como lidar com as contradições do dizer e fazer

que impregnam nossas atitudes? Afinal, qual a autoridade que almejamos

estabelecer no processo educacional?

Visto que a autoridade sempre exige obediência, ela é comumente confundida como alguma forma de poder ou violência. Contudo, a autoridade exclui a utilização de meios externos de coerção; onde a força é usada, a autoridade em si mesma fracassou. A autoridade, por outro lado, é incompatível com a persuasão, a qual pressupõe igualdade e opera

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mediante um processo de argumentação. Onde se utilizam argumentos, a autoridade é colocada em suspenso. Contra a ordem igualitária da persuasão ergue-se a ordem autoritária, que é sempre hierárquica. Se a autoridade deve ser definida de alguma forma, deve sê-lo, então, tanto em contraposição à coerção pela força como à persuasão através de argumentos. (ARENDT, 2007, p. 129).

Assim, a autoridade necessária ao processo educativo familiar ou escolar

não deve basear-se em ameaças ou violência de qualquer natureza, tão pouco na

persuasão. Tanto professores e alunos quanto pais e filhos desempenham papéis

distintos, onde a condição de adulto por si só deve incutir responsabilidades e

saberes a serem repassados aos mais jovens, garantindo-lhes um desenvolvimento

social, cognitivo, afetivo e físico necessários a uma vida saudável e feliz.

As crianças e os adolescentes em processo de formação têm nos adultos

seu referencial de valores, observando as atitudes cotidianas, a coerência entre

discurso e ação. Aprende-se muito mais com os exemplos do que com discursos

contínuos, cansativos e vazios.

Portanto, vivenciar relações sociais onde se torne evidente e perceptível o

respeito que se almeja alcançar, com o fortalecimento da autoridade, é condição

imprescindível para o resgate da mesma. Pais de crianças e adolescentes que

demonstram cuidado, tolerância, amor e respeito a seus próprios pais, bem como

aos profissionais responsáveis pela educação escolar de seus filhos estão

ensinando valores como o respeito.

No ambiente escolar, os profissionais da educação que têm, no dia-a-dia,

atitude ética para com seus pares, seus superiores hierárquicos, aos pais dos

alunos, demonstram na prática o respeito às autoridades constituídas. Como

abordou Arendt, não se consegue autoridade por meio de coerção, ela deve ser uma

conquista diária. No caso do professor é necessário que os alunos tenham clareza

de sua função específica, demonstrada mediante uma formação profissional

eficiente, com o domínio do conhecimento específico de sua área de atuação, a

metodologia, a organização didática no desenvolvimento de seu trabalho e a

compreensão da relevância desses conhecimentos para as novas gerações.

Porém, mesmo sendo esta condição imprescindível não é a única

necessária.

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Na educação, essa responsabilidade pelo mundo assume a forma de autoridade. A autoridade do educador e as qualificações do professor não são a mesma coisa. Embora certa qualificação seja indispensável para a autoridade, a qualificação, por maior que seja nunca engendra por si só autoridade. A qualificação do professor consiste em conhecer o mundo e ser capaz de instruir os outros acerca deste, porém sua autoridade se assenta na responsabilidade que ele assume por este mundo. Face à criança, é como se ele fosse um representante de todos os habitantes adultos, apontando os detalhes e dizendo à criança: ____ Isso é o nosso mundo. (ARENDT, 2007, p.239).

Assim, cada adulto responsável pela educação, seja formal ou informal das

crianças e adolescentes, deve ter o compromisso em buscar ações coerentes aos

princípios da ética, da justiça e do respeito nas relações que estabelecem com os

sujeitos em formação, como também a postura diante das mais diferentes situações

da vida cotidiana.

Interação família escola e autoridade.

Como Educadora há muitos anos, observa-se frequentemente, um desgaste

dentro da relação família e escola, bem como uma dificuldade cada vez maior por

parte das duas instituições em estabelecerem um diálogo entre Pais e Filhos,

Professor e Aluno. Verifica-se, também, a diminuição e, em alguns casos, a perda

da autoridade dos adultos (pais e professores), necessária ao processo educacional,

e que deve basear-se nos princípios sólidos do amor, respeito, no conhecimento e

na discussão, previamente, das regras e das normas de convivência social, na

coerência e sintonia entre os educadores.

Acompanha-se, na atualidade, um número crescente de crianças e

adolescentes envolvidos em situações de risco, abandono, violência doméstica e

social, gravidez precoce, desajustes sociais e psicológicos decorrentes, em muitos

casos, da negligência ou das ações inadequadas daqueles que deveriam

responsabilizar-se pela preservação do sujeito e por sua educação. Com isto,

observa-se a necessidade que existe de pais e profissionais da educação discutirem

sobre temas que permitam tanto a compreensão quanto a identificação de possíveis

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ações individuais e coletivas para melhorar o relacionamento interpessoal, buscando

ações preventivas que contribuam de forma mais eficaz na educação das crianças e

adolescentes, buscando por meio dessas ações minimizar problemas disciplinares e

de relacionamentos entre educadores e educandos, oportunizando ainda um

crescimento mais saudável e equilibrado das crianças.

O PDE/PR (Programa de Desenvolvimento Educacional) oportunizou um

tempo específico para estudos, organização da proposta de intervenção e aplicação

da mesma.

O Encontro de Pais teve como objetivo provocar reflexões sobre a

importância da afetividade e do estabelecimento de limites na educação de crianças

e adolescentes. Oportunizou a pais e professores momentos de diálogos, reflexão e

troca de experiências sobre diferentes necessidades das crianças e a importância

das duas instituições agirem de forma coerente e dialogando entre si, estabelecendo

uma maior aproximação e confiança mútua.

Um espaço diferenciado de comunicação entre escola e família, através

deste Encontro de Pais, proporcionou maior diálogo de temas pré-selecionados -

informações necessárias que pudessem colaborar para o fortalecimento dos adultos

responsáveis pela educação informal e formal das crianças e adolescentes, que

encontram dificuldades ou sentem-se fragilizados em sua tarefa de educar – além da

proposta de união entre as instituições.

Autoridade: uma conquista por meio de ações diárias

As famílias e escolas têm uma tarefa muito árdua e importante no resgate da

autoridade e tradições, pois estão remando contra a maré. Se não tiverem clareza

quanto aos seus objetivos e ideais almejados no processo, buscando atingi-los a

médio e longo prazo, as novas gerações ficarão desamparadas em seu percurso

existencial.

O diálogo perdeu espaço nos relacionamentos do mundo moderno, não há

mais tempo para conversas, para ouvir o outro, mesmo que esse seja o próprio filho.

As famílias se constituem das mais diferentes formas, os casamentos se desfazem

com muita facilidade, o bem estar do adulto têm sido priorizado em detrimento do

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bem estar dos filhos, a figura paterna tem se dirimido em muitas situações de suas

responsabilidades, ainda que se mantenha a presença física.

As mulheres em sua grande maioria estão divididas entre vida familiar e vida

profissional, disponibilizando de menos tempo para o cuidado e educação dos filhos.

O convívio com a família ampliada está mais raro e distante da rotina das crianças.

Esta ausência de contato e convivência saudável provoca um distanciamento da

criança com sua história e suas raízes, desvinculando-a da coletividade da qual

pertence, produzindo, assim, seres humanos ensimesmados e individualizados.

Diferentemente dos outros animais, o ser humano necessita de muitos anos

de cuidados, aprendizagem, atenção e monitoramento de adultos até atingir a

autonomia necessária para condução de sua vida com equilíbrio e responsabilidade.

A autoridade do adulto se faz necessária neste percurso, proporcionando a criança

segurança e tranqüilidade neste caminhar. Quando as primeiras e principais

instituições educacionais (família e escola) se omitem da educação das crianças e

jovens, negligenciando e/ou desconhecendo suas necessidades básicas, as

conseqüências são inevitáveis.

Diante da disseminação de teorias sobre o desenvolvimento humano, bem

como teorias educacionais sem que houvesse uma avaliação rigorosa quanto sua

validade, passou-se a idéia generalizada de que as crianças deveriam ser o centro

das atenções nas famílias, escolas e que deveria ser permitido a elas que se auto-

governassem. A difusão dessas idéias contribuiu para uma perda significativa da

autoridade dos adultos educadores, produzindo a ditadura das crianças, tão maléfica

ao seu bom desenvolvimento.

As tecnologias da vida moderna que propiciam conforto, comodidade,

agilidade e rapidez na comunicação, também promovem isolamento, uma

incessante busca por inovações e apelos consumistas, especialmente às classes

sociais mais abastadas.

A televisão – meio de comunicação social mais acessível - dominou os lares

e tem ditado valores, costumes e comportamentos, reduzindo a vida num

imediatismo constante (presente), sendo hoje o instrumento mais eficaz a serviço do

sistema capitalista.

Neste contexto, as crianças são tão expostas quanto os adultos às mesmas

imagens, às informações e aos mesmos recursos televisivos. Recebem,

cotidianamente, mensagens que vão sendo internalizadas e vivenciadas como

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naturais à infância, aproximando a criança do mundo adulto, inadequadamente,

reduzindo ou eliminando uma linha divisória importante e que deve ser respeitada

para um desenvolvimento harmonioso da infância.

A televisão, (...), é uma tecnologia com entrada franca, para a qual não há restrições físicas, econômicas, cognitivas ou imaginativas. Tanto os de seis anos quanto os de sessenta estão igualmente aptos a vivenciar o que a televisão tem a oferecer. A televisão, neste sentido, é o perfeito meio de comunicação igualitário, ultrapassando a própria linguagem oral. Porque quando falamos, sempre podemos sussurrar para que as crianças não ouçam. Ou podemos usar palavras que elas não compreendam. Mas a televisão não pode sussurrar, e suas imagens são concretas e auto-explicativas. As crianças vêem tudo o que ela mostra. O efeito mais óbvio e geral desta situação é eliminar a exclusividade do conhecimento mundano e, portanto, eliminar uma das principais diferenças entre a infância e a idade adulta (POSTMAN, 1999, p.98).

As crianças, diante da exposição dos assuntos e dramas do mundo adulto,

são na atualidade conduzidas, mesmo que involuntariamente ou inconscientemente,

cada vez mais precocemente, a desempenhar papéis amadurecidos. Postman

(1999, p.152) apresenta pesquisa, demonstrando o aumento nas últimas décadas de

menores envolvidos em atividade criminal e a decorrente mortalidade de

adolescentes e jovens, a atividade sexual cada vez mais precoce gerando

conseqüências sérias como gravidez indesejada, transmissão de doenças venéreas,

distúrbios psicológicos, desajustes familiares e sociais. A sociedade moderna deixou

de respeitar e proteger a infância e colhe os frutos desse desrespeito.

Para Postman (1999, p.107), as crianças precisam acreditar que os adultos

têm o controle sobre seus impulsos para a violência e que têm uma concepção clara

do que é certo e errado. Graças a essas crenças, (...), as crianças podem

desenvolver sentimentos positivos sobre si mesmas, o que lhes dá a força para

manter sua racionalidade que, por sua vez, irá sustentá-las na adversidade.

Porém, na atualidade verifica-se uma excessiva exposição das crianças a

mais cruel realidade social, escancarou-se com a censura e nos indignamos com os

acontecimentos e dados estatísticos que demonstram como os comportamentos

característicos da idade adulta em tempos passados, tornam-se cada vez mais

freqüentes entre adolescentes e crianças. Subestima-se a capacidade de

aprendizagem da criança nas diferentes situações de sua vida.

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A criança não possui discernimento e maturidade para selecionar o que deve

aprender ou como agir. É função dos adultos estabelecer esses parâmetros e guiá-la

com tolerância, disciplina e amor. Educar, verdadeiramente, exige do educador

doação de si mesmo, coerência, disposição e responsabilidade constante.

Verifica-se na atualidade que mesmo com o objetivo explícito de educar, as

ações dos adultos acabam por promover a deseducação. A falta de persistência ou

clareza quanto aos objetivos, de crença no ato de educar, de sintonia entre os

diferentes educadores produzem resultados catastróficos na formação e

personalidade dos sujeitos em processo de formação.

As crianças e os adolescentes, que chegam nas escolas, vivenciam uma

realidade dinâmica, de mudanças rápidas, de incertezas. Uma realidade onde

apesar das informações serem disseminadas com muita rapidez tornam-se ainda

mais voláteis. Uma educação voltada somente ao momento presente e à satisfação

do prazer e das necessidades imediatas tem gerado, nas salas de aula, uma apatia

e indisposição dos alunos aos estudos. O ato de estudar exige disciplina,

disposição para aprender, concentração, atitude em muitas situações introspectiva

de análise e síntese. Em sala de aula ou em outros espaços reservados ao processo

de ensino-aprendizagem, deve-se cultivar um ambiente condizente a essas

necessidades.

O ambiente escolar é por natureza um ambiente coletivo, necessitando o

estabelecimento entre todos os segmentos e regras de convivência claras,

definindo-se os direitos e deveres e, principalmente, a observância para que as

mesmas sejam compreendidas e respeitadas por todos. Há necessidade do

envolvimento de todos os segmentos na discussão, elaboração e cumprimento do

estabelecido. Condicionar regras excessivas, incompatíveis aos objetivos propostos

ou impossíveis de serem cumpridas ou supervisionadas provocará um desgaste nos

relacionamentos e enfraquecimento das autoridades (pais e profissionais da

educação) que, por não terem meios de fazê-las cumprir, ficarão desacreditados

perante o educando.

Em primeiro lugar, devemos considerar a importância de estabelecer regras em nossa relação com nossos filhos ou alunos. Sim, devemos estabelecer regras. Elas devem ser criadas para permitir um relacionamento adequado entre os membros da família, respeitoso em relação aos valores e hábitos daqueles que convivem em um determinado lugar. Deve-se, em linhas

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gerais, buscar o estabelecimento de poucas regras, que sejam flexíveis e realmente possam ser cumpridas. Os pais não devem estabelecer regras excessivas, rígidas e difíceis de serem cumpridas. Quando os pais ou professores criam muitas regras, os filhos ou alunos, por saturação, deixam de prestar atenção a grande parte delas, ignorando-as e burlando-as. Quando as regras são difíceis de serem cumpridas, porque são muito rígidas, a chance de que sejam desrespeitadas aumenta, e a possibilidade de os pais ou professores permitirem seu descumprimento é grande. Raramente uma criança atinge os critérios rígidos estabelecidos pelos pais ou professores nas primeiras tentativas. (GOMIDE, 2004, p.13,14).

Quando se discute as regras de convivência escolar, deve-se dar a mesma

importância quanto à elaboração e cumprimento por todos os segmentos

(pais/responsáveis, profissionais da educação e alunos) considerando-se as

especificidades pertinentes de cada um. É inconcebível que instituições educadoras

como a família e escola tenham regras que devam ser cumpridas apenas pelos

filhos ou alunos. Exatamente, por tratar-se de instituições que atuam com seres

humanos em processo de desenvolvimento e formação à postura ética e a atitude

coerente do educador tornam-se imprescindíveis quando se propõe a ensinar não

apenas conceitos, mas atitudes como responsabilidade, disciplina, tolerância,

compromisso, respeito.

É facilmente percebido na rotina familiar e escolar incoerências por parte dos

educadores, discursos moralistas e atitudes hipócritas. Pequenas ações diárias

denunciam as contradições entre o dizer e o fazer. Quando se estabelece regras

importantes que facilitam a convivência e garante o respeito aos direitos individuais

e coletivos, o educador deve ser o primeiro a acatá-las. Assim, na rotina escolar

deve-se verificar se os profissionais da educação estão atentos quanto ao respeito

aos horários pré-estabelecidos, o cumprimento do calendário escolar, a organização

e preparo das aulas de acordo com a proposta curricular, respeitando-se as

características das faixas-etárias e séries em que atua, cuidado com os materiais e

espaços individuais e coletivos, utilização de postura respeitosa e ética para com

todas as pessoas.

Quando se identifica a apatia e desinteresse dos alunos quanto à

aprendizagem, faz-se necessário refletir, enquanto educadores, a motivação e a

disposição com que o trabalho é desenvolvido. Pelo fato do trabalho escolar ser

eminentemente dinâmico, coletivo e de relacionamento, conflitos e divergências

ocorrerão e exigirão decisões e ações amparadas em regras justas. Desta maneira,

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são necessárias análises e reflexões periódicas das regras estabelecidas e

modificações quando as mesmas não atendem mais as necessidades da

comunidade. Tal atitude tem o objetivo não de enfraquecer, mas de fortalecer a

autoridade do educador, tornando a convivência melhor. A impossibilidade de

verificação ou a falta do cumprimento das regras existentes tendem a enfraquecer a

autoridade instituída, que por não possuir meios de fazê-la cumprir utiliza-se das

ameaças que só dificultam a convivência.

A ameaça se dá quando sinalizamos um castigo que tanto os pais como os filhos sabem que não será cumprido. A ameaça não controla o comportamento, ou seja, ela não é capaz de mudar ou de enfraquecer o comportamento indesejado. Ela apenas torna a relação entre pais e filhos aversiva, desagradável, irritante e desgastante. Quando os pais descumprem, sucessivamente, as regras por eles estabelecidas, ensinam aos filhos três atitudes indesejáveis: (1) que as regras não são para serem cumpridas; (2) que a autoridade (pais ou professores) pode ser desrespeitada; além de (3) ensinar a manipulação emocional. Esta aprendizagem terá sérias conseqüências para as atitudes futuras da criança ou do adolescente. Aprender que as regras podem ser descumpridas leva os jovens a não aceitarem normas sociais (GOMIDE, 2004, p.17).

Por ignorar as leis que regem a educação escolar ou por dificuldade em

estabelecer relações dialógicas com os alunos, muitos profissionais da educação

agem por impulso, sinalizando ações perante o aluno que não poderão ser

cumpridas. Essas atitudes tomadas impensadamente tendem a prejudicar e

enfraquecer, sucessivamente, a relação professor-aluno.

Torna-se prudente aos profissionais da educação buscar o equilíbrio e

coerência em suas ações, não deixando que o estado emocional do momento

(humor) conduza suas atitudes utilizando-se de ameaças impossíveis de serem

cumpridas.

Agir coletivamente, observando e acatando as regras estabelecidas também

contribui para o fortalecimento da autoridade no processo educativo. Quando no

ambiente escolar não há consenso entre os educadores, todos saem perdendo,

tanto educadores como alunos.

Ao fazer sua opção por uma proposta político-pedagógica, o professor faz,

automaticamente, uma escolha que será refletida na unidade de seu trabalho. De

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acordo com sua proposta, construirá seu fazer pedagógico. Considera-se como

unidade neste processo sua formação profissional (domínio de conteúdos, técnicas

e metodologias de ensino), seu compromisso ético, o desenvolvimento de relações

dialógicas autênticas com os alunos, o respeito à diversidade cultural, a coerência

de sua práxis.

Freire (1997) aponta que, dependo da posição ideológica, o professor dará

encaminhamentos específicos no tratamento do conteúdo e às relações

interpessoais. Encontramos, assim, professores autoritários, licenciosos e

progressistas num mesmo universo escolar, atuando muitas vezes numa mesma

turma e construindo relações totalmente diferentes.

Não se trata, porém, de negar a importância do respeito a individualidades e

diversidades, diferenças saudáveis, que enriquecem a dinâmica educacional, mas

de estar atentos aos objetivos comuns inerentes à prática pedagógica que, sendo

produzida coletivamente, necessita ser conduzida com coerência em direção aos

objetivos propostos.

Muitas vezes, quando o professor perde o sentido daquilo que ensina, distancia-se do aluno, e este se sente incompetente por não conseguir apropriar-se do que o mestre lhe apresenta. A formação profissional do educador deve ir além do aspecto técnico e teórico, deve atingi-lo enquanto pessoa (CAMARGO, 1999, p. 72).

Uma humanização nas relações pedagógicas proporcionará um ambiente

mais favorável ao desenvolvimento do processo ensino aprendizagem. Uma

aproximação do professor à realidade dos seus alunos, bem como o conhecimento

de suas características pessoais favorecerá o vínculo com os mesmos.

A valorização da cultura, da qual os alunos fazem parte, deve fazer-se

presente nas escolas. A diversidade não pode ser encarada como obstáculo para o

trabalho. Desconsiderar a preciosidade das diferenças, negar a cultura popular é

construir barreiras que separam profissionais da educação dos alunos,

dificultando a construção de uma escola democrática.

Se as distintas culturas destacam os caminhos e as maneiras através das quais os seres humanos dão sentido a suas vidas, constroem seus sentimentos, crenças, pensamentos, práticas e artefatos (desde textos até

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produtos em geral), as culturas juvenis vão ser as que, por definição, traduzem a juventude. Não obstante, essa realidade juvenil é algo que a instituição escolar vai tratar de ocultar, quando não atacar frontalmente (SANTOMÉ, 2002, p.166).

No dia-a-dia escolar, professores ficam intrigados com a apatia apresentada

pelos alunos em sua disciplina, com resistência em participar, envolverem-se no

processo, e, ao mesmo tempo, ficam surpresos com a desenvoltura apresentada

pelos mesmos em outras disciplinas e situações onde demonstram interesse,

envolvimento, entusiasmo, caminhando em busca da superação das dificuldades e

estabelecendo relações cordiais e respeitosas com outros professores.

Estes professores deveriam questionar sua atuação, seus motivos e

desejos, a relação que estabelecem com o conteúdo que desenvolvem; questionar o

seu fazer pedagógico.

Os problemas disciplinares não podem ser analisados apenas como questão

extra-escolar. Buscar soluções somente externas à prática escolar conduzirá a

grandes frustrações e sentimento de impotência, impossibilidade à solução de

questões talvez relativamente simples.

A educação, como manifestação exclusivamente humana, possui como

característica um refazer permanente, exigindo de seus autores uma reflexão-ação

contínua. Trabalhar com educação é propor-se a refazer, reconstruir, crescer e

envolver-se continuamente.

Uma concepção problematizadora de educação parte exatamente do caráter histórico e da historicidade dos homens. Por isto mesmo é que os reconhece como seres que estão sendo, como seres inacabados, inconclusos, em e com a realidade, que sendo histórica também, é igualmente inacabada (FREIRE,1983,p. 83).

As relações que se estabelecem entre o professor, o objeto do

conhecimento e o aluno, são as ações mais preciosas no ato educativo e no papel

da escola enquanto instituição que se propõe a trabalhar em prol da emancipação

humana.

Os profissionais da educação, assim como os alunos, também são produtos de uma

realidade histórica e cultural sofrendo os efeitos desta realidade. Combater o

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individualismo, a competitividade exacerbada, inclusive em muitas situações em que

ela não se justifica, o egocentrismo, o desamor e tantos outros sentimentos

destrutivos que assolam a sociedade moderna são atitudes que deve fazer parte das

ações dos educadores que se dispõem a contribuir para a formação de seres

humanos a partir de um referencial de sociedade mais saudável e justo. Nesse

sentido o grande educador polonês Janusz Korczak afirma,

A criança conhece bem o que a rodeiam: os humores, hábitos, fraquezas de sua família não são segredo pra ela, e sabe como explorá-los. Sentem a afeição, adivinha a hipocrisia, percebe imediatamente o ridículo. Lê num rosto da mesma forma que um camponês lê o céu. Ela nos observará assim durante anos. Na escola, no internato, esta observação é coletiva. Não leva muito tempo para adivinhar tudo em nós. Mas preferimos ignorar isto. Enquanto não perturbar a nossa tranqüilidade, preferimos manter ilusões sobre a ingenuidade infantil. Senão seríamos obrigados a renunciar à imagem da nossa própria superioridade e fazer um grande esforço para livrar-nos de tudo o que nos degrada e ridiculariza a seus olhos (KORCZAK,1986,p.104).

Korczak (1986) aponta elementos que conduzem a uma reflexão simples e

necessária quando se busca compreender o desgaste da autoridade no processo

educacional. Em muitas situações cotidianas os próprios profissionais da educação

fazem opção consciente ou inconscientemente por não desenvolverem relações de

autoridade necessária com seus alunos e assim, por despreparo, negligencia ou

descompromisso, transferem sem hesitar responsabilidades que lhe cabem na

construção dessa relação de autoridade.

Comumente, busca-se que outros segmentos da sociedade exercçam sua

autoridade para se obter resultados na relação professor-aluno. Distinguir os papéis

e funções sociais de cada segmento e suas responsabilidades específicas é

importante, porém não isenta os profissionais da educação de exercerem a

autoridade que lhe competem no exercício de sua profissão.

Equipe Pedagógica e Administrativa da escola, Pais, Conselheiros Tutelares,

Policiais e Promotoria de Justiça necessitam significar o princípio da autoridade que

se encontra desgastada, nas relações que estabelecem com as crianças e os

adolescentes. Buscar auxílio e atuar de maneira integrada e coerente com os

diferentes segmentos é necessário, porém não isenta o efetivo compromisso que

cada um deve ter nesse processo.

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A verdadeira autoridade, base da educação impõe-se por si mesma, por correspondência afetiva e lógica. Bem sabem os escolares que o melhor professor não é o que mais chama atenção ou castiga, mas aquele que demonstra capacidade, segurança e correção, aptidão para conversar, escutar e compreender. (...) A personalidade do “dominado” desde pequeno apresenta sérias deformações. Suas tendências agressivas, reprimidas, aparecerão cedo ou tarde. Sua pseudo-educação canalizar-se-á para a destrutividade, o ódio orientará sua conduta e a desadaptação social será a regra que intenta dissimular-se por trás da máscara de atitudes científicas, religiosas ou políticas. A melhor autoridade é a moral, a do saber, a do compreender, a do ensinar com o exemplo. O autoritarismo é semente da angústia e de rebeldia que pode levar a criança ou o jovem a não estudar, não trabalhar, não “ligar”, criando confusões e brigas no lar e na sociedade. Educar não é dominar; educar é liberar os valores humanos que o domínio abafa (KNOBEL, 1996, p.117).

Nesse contexto entende-se que há um desperdício de oportunidades de o

professor construir laços de afetividade autênticos com o aluno. Todos os seres

humanos possuem como necessidade básica amar e ser amado. É este amor

incondicional que garantirá ao ser humano um desenvolvimento equilibrado,

saudável e feliz.

Num mundo em que as relações econômicas são prioritárias, há uma

desvalorização dos vínculos do amor entre as pessoas, produzindo neuroses e

depressões coletivas. Nunca na história da humanidade houve um abandono tão

evidente na construção de relações afetivas autênticas como é evidente agora.

O egocentrismo, característico de uma fase do desenvolvimento do ser

humano tem perdurado até a idade adulta. Adorno (1994) (...) coloca que “hoje em

dia qualquer pessoa, sem exceção, se sente mal amada, porque cada um é

deficiente na capacidade de amar”. O próprio conceito de amor provoca confusões

e interpretações errôneas nos diferentes contextos sociais. Especificamente na

família e escola as primeiras e mais importantes instituições responsáveis pela

formação do indivíduo, o amor incondicional não deve ser ignorado nem ter

deformações quanto sua interpretação.

Muitos educadores entendem que, se demonstrarem amor aos alunos, não

conseguirão estabelecer relações baseadas no respeito e na autoridade. Para

Chapman é o amor incondicional a luz-guia que deve acima de tudo guiar as ações

dos educadores.

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O amor incondicional é aquele que independe de qualquer coisa. Amamos a criança a despeito de como ela, de suas posses, de suas responsabilidades ou habilidades, independentemente do que esperamos que ela seja e, o mais difícil de tudo, apesar de suas atitudes (CHAPMAN, 1997, p.22).

Além dessa e de outras experiências, também o educador Pestalozzi em sua

trajetória pessoal e profissional enfatizou que “A formação elementar da natureza

humana é a formação da espécie para o amor; obviamente, não para um amor cego,

mas para o amor vidente” (INCONTRI, 1997, p.94). Considera que o amor vidente “é

o amor capaz de reconhecer no homem seus aspectos em conflito, sua fragilidade e

sua multiplicidade, e, ao mesmo tempo, não perder de vista sua unidade essencial”

(INCONTRI, 1997, p.95).

Se os educadores não atuarem nessa perspectiva, o que esperar de um ser

humano que durante seu desenvolvimento pessoal, intelectual, social e profissional

não desenvolveu relações de afetividade consigo mesmo e para com seu

semelhante? Que perde a dimensão histórica de que é somente na relação com o

outro que um ser humano atinge sua própria natureza humana?

Desconsiderar o aspecto afetivo na educação escolar é esvaziar a educação

familiar e escolar de sua essência e se lamentar de seus resultados. A partir dos

estudos de Pestalozzi, Incontri enfatiza que,

(...) a formação integral do homem, que permite o pleno desabrochar de todas as suas potencialidades --- como queria Pestalozzi ---, depende em primeiro lugar da capacidade de amor dos educadores e do grau de lucidez desse amor. Depende de uma espécie de clima espiritual positivo, manifestado em forma de benevolência, entusiasmo e compreensão, que circundado a criança, faça vir à tona sentimentos de reciprocidade e ao mesmo tempo incite o seu potencial de desenvolvimento moral e intelectual. Apenas quando a criança encontra no outro (na mãe, no educador) um espelho em que se vê refletida sua imagem verdadeira, em que identifica uma força propulsora de aperfeiçoamento, ancorando-se num sólido e saudável vínculo afetivo, é que seu desenvolvimento será equilibrado e seguro (INCONTRI, 1997, p.97).

A educação escolar, mesmo sendo eminentemente coletiva, ocorre também

a partir de vontades e decisões individuais. É do compromisso pessoal de cada um,

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do modo como age e interage com o todo que os resultados se dão. Muito do fazer

pedagógico do dia a dia escolar independe de normas, regras, legislações,

fiscalizações. Algumas posturas desejáveis para um educador não se adquire nos

cursos de formação, por melhores que sejam.

O fortalecimento pessoal do educador, o amadurecimento emocional, a

superação do individualismo, o exercício de ação reflexão contínuo e a disposição

em construir relações inter-pessoais com base na ética, na justiça, no respeito e no

amor ao próximo é condição indispensável para aqueles que pretendem ser ou

continuar atuando na educação escolar e serem respeitados no exercício de sua

profissão.

Com certeza, essas características não irão garantir a eliminação dos

conflitos advindos da própria convivência social que é dinâmica, porém

desconsiderá-las é não assumir a função histórica a que os profissionais se

propuseram quando fizeram a opção por serem educadores. Seria mais honesto,

nestas condições, abandonar a profissão e buscar alternativas de sobrevivência que

não trouxessem tantas frustrações pessoais e tantos prejuízos sociais.

Escola e Família: unidas no resgate da autoridade no processo educacional

A grandeza do ser humano está em sua capacidade de modificar-se,

desenvolver-se e melhorar, e nenhuma mudança significativa ocorre na sociedade

se não ocorrer primeiramente no plano individual.

A boa interação entre os seres humanos depende de uma disposição

constante das pessoas em investirem nesse relacionamento. A Família e a Escola,

espaços sociais essencialmente de relações interpessoais, necessitam atuar com o

objetivo de melhorar e solidificar vínculos baseados na ética, no respeito, no amor e

na justiça.

Considerando essas colocações organizou-se e desenvolveu-se na Escola

Estadual Ulysses Guimarães – Ensino Fundamental esses temas nos Encontro de

Pais, atendendo uma necessidade tanto da instituição familiar quanto escolar,

acreditando na implementação de uma proposta que permitisse um processo de

reflexão-ação e de, paulatinamente, mudanças significativas e positivas nas duas

instituições é que foi organizado o Encontro de Pais.

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Para a efetivação da proposta, a participação no PDE/PR (Programa de

Desenvolvimento Educacional) entre 2007/2008 foi fundamental, permitindo

implementar os Encontros de Pais e Educadores, objetivando fortalecer os laços

familiares, o vínculo entre família e escola, além de melhorar as relações

interpessoais nos ambientes de ensino. A possibilidade de estudar e organizar um

material com fundamentação teórica consistente, a preparação de cada Encontro,

que ocorreu mensalmente, no período noturno, totalizando 08 encontros no ano,

com duração de 1 hora e 30 minutos onde os temas (As sete necessidades básicas

da criança: Segurança, Aceitação, Amar e Ser Amada, Elogios, Disciplina e Deus;

As Cinco Linguagens de Amor das Crianças: Contato Físico, Palavras de Afirmação,

Presentes, Qualidade de Tempo e Atitude de Serviços; Adolescência: Principais

mudanças e necessidade dessa fase de desenvolvimento; Sexualidade, Drogas,

Violência e Influência dos meios de comunicação de massa na formação de valores

e o papel da família e escola nesse processo) foram discutidos e refletidos pelos

participantes, oportunizando um diálogo e aproximação entre os educadores e

familiares.

Estes Encontros oportunizaram assim, uma aproximação entre família e

escola durante o ano de 2008 com temas que foram do interesse de ambas as

instituições a fim de resgatar no cotidiano familiar e escolar as relações de

autoridade, necessárias para o processo de desenvolvimento e formação das

crianças e adolescentes. Os temas e Encontros foram selecionados a partir de

consulta prévia e tiveram participação livre dos pais e profissionais da educação.

Mediante as discussões apresentadas e diferentes contribuições dos

participantes, ficou evidente que quando família e escola buscam desenvolver suas

funções isolando-se, criticando e acusando-se mutuamente, as crianças e

adolescentes perdem-se em sua formação, a autoridade necessária ao processo

educacional diminui e os problemas aumentam.

A compreensão do papel social desempenhado por cada uma dessas

instituições, assumindo seus deveres na formação dos sujeitos é fundamental. O

cumprimento das funções específicas de cada instituição surtirá melhores resultados

à medida que seus objetivos não forem conflitantes ou contraditórios.

Estabelecer uma relação de confiança e autonomia relativa, necessária para

que ambas cumpram o seu papel ao mesmo tempo em que estreitam os espaços de

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diálogo e interação, é imprescindível e beneficia principalmente as crianças e os

adolescentes sob a responsabilidade das duas instituições.

Ao organizar os Encontros de Pais e enviar os convites pelos alunos,

verificou-se certo receio e desconfiança destes sobre os objetivos propostos -

muitos alegavam que não entregariam os convites porque os organizadores falariam

mal deles aos pais. Apenas após o retorno positivo dos pais sobre os encontros é

que os alunos puderam compreender os propósitos almejados. Os Encontros

contaram com a participação aproximada de 10% dos pais e professores

convidados. Apesar de a participação ter sido numericamente reduzida, avaliou-se

que qualitativamente ela foi muito positiva, pois possibilitou um espaço alternativo de

reflexões valiosas sobre educação e uma compreensão mais ampla dos problemas

e conflitos cotidianos a que os participantes estão sujeitos. A discussão quanto as

possíveis alternativas para superação das dificuldades ou melhorias nas relações

interpessoais. Em termos quantitativos houve uma freqüência média mensal de 45

participantes por Encontro.

A abertura de um canal de comunicação direta entre profissionais da

educação e família - dissociada das reuniões bimestrais de verificação de

rendimento escolar ou reuniões extraordinárias onde são apresentados os

problemas comportamentais e/ou de participação nas aulas - possibilitou um olhar

diferenciado entre as duas instituições. Consequentemente houve maior respeito de

uma para com a outra, condição necessária para o início de um processo de

reflexão aprofundada sobre a educação dos filhos/alunos.

Todos os temas selecionados foram abordados a partir de uma

fundamentação teórica visando propiciar um processo de discussão que superasse

o imobilismo e o senso comum. Isto permitiu, através da reflexão, identificar e

discernir sobre quais atitudes cotidianas na educação familiar e escolar favorece ou

prejudica o desenvolvimento saudável e equilibrado das crianças e adolescentes no

mundo moderno.

No primeiro encontro foi abordado o tema Ter ou Ser Família? - As Crianças

Precisam de um Sentido e de Significado, em que foi discutida a importância do

vínculo familiar, bem como sobre as atitudes diárias que permitem que a criança

cresça com auto-estima, dignidade e sensação de que significa muito para sua

família. Os adultos da instituição familiar (pai, mãe, avô, avó, tios, irmãos mais

velhos...) são os primeiros referenciais fundamentais para que o desenvolvimento

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ocorra de forma tranqüila. Respeitar a criança e oportunizar seu desenvolvimento

permitindo-lhe ter opinião, expressar-se, ser elogiada, ser ouvida e encorajada

naquilo que é capaz de realizar por si própria, contribuirá para o sentimento de

dignidade e importância.

O segundo encontro apresentou o Tema As Crianças Precisam Amar e Ser

Amadas. A análise do conceito de Amor Incondicional, e a ênfase neste como o

mais importante sentimento que deve nortear toda ação educativa. Segundo uma

das pesquisas sobre o tema,

O amor incondicional é uma luz-guia que ilumina a escuridão e que permite que nós, ao exercermos a nossa missão de pais, saibamos onde estamos e o que necessitamos fazer enquanto educamos nosso filho. Sem esse tipo de amor, a paternidade e a maternidade são desnorteadas e confusas. (...) O amor incondicional é aquele que independe de qualquer coisa. (CHAPMAN; CAMPBEL, 1999, p.22).

Foram apresentados alguns exemplos de como os adultos, mesmo amando

os filhos, muitas vezes não o demonstram, provocando uma enorme carência nas

crianças e nos adolescentes quando não percebem este amor incondicional. Por

isso, uma condição importante para intervir no desenvolvimento dos mais jovens é a

capacidade do adulto expressar o sentimento de amor. Quando o afeto positivo é

praticado no dia a dia, os pais conseguem colocar melhor os limites. Foram

apresentadas as cinco linguagens do amor como formas importantes de manifestar

amor aos filhos, refletindo-se sobre cada uma delas.

A Importância do Contato Físico – O afago, o beijo, o colo, o abraço, o

cafuné... Quanto menores são as crianças mais manifestações de carinho se vêem

em relação a elas. No entanto, conforme vão crescendo há em algumas famílias um

distanciamento físico muito grande, interpretado pela criança como falta de amor. O

contato físico, como uma importante linguagem e expressão de amor pode também

transformar-se em expressão de desamor, raiva e descontrole por parte dos pais

que pensam que para exercer a autoridade se utilizam arbitrariamente de agressões

físicas.

Alguns relatos expressaram a dificuldade de alguns em estabelecer o

contato físico com filhos ou mesmo com os próprios pais. Uma mãe presente expôs

a ausência em sua infância do abraço e beijo dos pais e que apenas depois de

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casada e com filhos, conseguiu superar essa barreira dos seus pais e manter uma

aproximação maior, relatou também que busca não perder esse vínculo de amor

com seus filhos.

A Importância das Palavras de Afirmação - Para Chapman e Campbel (1999,

p.48) “Na expressão do amor, as palavras são muito importantes. Palavras de afeto

e de carinho, palavras de elogio e encorajamento, palavras positivas de instrução

(...) todas elas expressam a mesma frase: Eu me importo com você”. Estas palavras

de afirmação ditas no cotidiano encorajam, incentivam e marcam os seres humanos

pelo resto de suas vidas. Refletir o quanto estamos utilizando, de que forma, em que

momento e os efeitos que tem produzido são necessários. Habituados a enxergar

primeiramente erros e falhas, os educadores (pais ou professores) passam grande

parte do dia apontando as melhorias a serem feitas, as correções, os defeitos, as

imperfeições... Enxergar e manifestar apreço também às conquistas, por mais

simples que possam ser, deve ser um exercício constante na tarefa de educar.

O terceiro encontro contou com a participação do Professor Juarez Gomes,

Pedagogo e Terapeuta Familiar, para proferir palestra sobre a Importância do

Relacionamento Conjugal para a Educação dos Filhos. Abordou que os

relacionamentos geralmente iniciam-se pela paixão, que é um sentimento finito,

porém a base para relacionamentos sólidos deve ser o amor. Colocou as diferenças

existentes entre os dois sentimentos e o quanto se confunde. Mesmo nos

relacionamentos construídos com base no amor não há a garantia da durabilidade e

felicidade, pois sofrem com a rotina, com os enfrentamentos dos problemas

cotidianos, as diferenças sociais, históricas, econômicas e psicológicas de cada um,

com os apelos de uma sociedade que defende o individualismo exacerbado. A

manutenção de um bom relacionamento exige respeito, cuidado, atenção,

colaboração, manifestações de amor incondicional nas pequenas coisas do dia a

dia. Os pais ensinam principalmente através daquilo que vivenciam no cotidiano, da

coerência entre o dizer e o fazer.

No quarto encontro foi dada continuidade as discussões sobre as cinco

linguagens do amor, destacando A Importância da Qualidade de Tempo como uma

atenção concentrada aos filhos. Oferecer atenção exclusiva independente do que

possa ser realizado junto. O excesso de afazeres das pessoas na sociedade

moderna atinge grande parte da população, independente de seu nível sócio

econômico. As pessoas têm cada vez menos tempo de conviverem, de dedicarem-

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se ao outro simplesmente para brincar, jogar conversa fora, ler ou contar uma

história, ouvir os acontecimentos do seu dia... Tudo é prioridade na vida dos pais, e

as crianças crescem sem que os pais as vejam crescer, aprendem novas coisas,

arrumam novos amigos, sentem-se sozinhos, preteridos, esquecidos. Então onde

está a prioridade? Prioridade de sobreviver não deve acontecer em detrimento da

prioridade do convívio familiar. Estabelecer nova rotina incluindo as crianças

enquanto prioridade torna-se urgente.

A Importância de Presentear como uma expressão de amor e não como

tentativa de compensar a falta de envolvimento pessoal com os filhos. Segundo

Chapman e Campbell (1999, p.85) os presentes devem ser expressões genuínas de

amor incondicional. Se eles são apenas pagamentos por serviços prestados ou um

tipo de suborno emocional, dar-lhes um nome mais adequado pelo que eles na

realidade são, é necessário. O ato de presentear exige a observância de que o

excesso de presentes perde seu significado especial, que presentear implica em

escolhas significativas em vez de impressionantes e que os pais não devem oferecer

um presente se não puder pagar por ele, para não expor o filho a um sistema de

valores muito diferente daquele adotado pela família.

Algumas mães participantes expuseram suas experiências e a dificuldade

em administrar os pedidos constantes das crianças, e que se sentiam mal em não

poder atender as solicitações. Pode-se analisar que devido à grande exposição das

crianças aos apelos de consumo, elas não têm discernimento quanto às

necessidades ou condições da família em atender aos pedidos, cabendo aos pais

essa orientação. Alguns pais também chegaram à conclusão de que estavam

presenteando excessivamente os filhos, que não chegavam a explorar um

determinado brinquedo colocava-o de lado e já pedia outro.

A Importância das Atitudes de Serviço como manifestação de amor aos

filhos. Para Chapman e Campbell (1999, p.98) “em virtude de o servir ser diário e

rotineiro, até os melhores pais precisam parar para refletir de vez em quando sobre

as formas como estão agindo, para assegurar-se de que suas atitudes de serviço

estão realmente comunicando amor aos filhos”. Observa-se na atualidade uma

sobrecarga dos pais e principalmente das mães que acumulam atividade profissional

com afazeres domésticos, contando muito pouco com a colaboração do marido e

filhos. Solicitar a cooperação de todos os membros da família, além de facilitar sua

rotina, oferece condições às pessoas para que se sintam necessárias, importantes,

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fazendo parte da estrutura familiar. Permitir que as crianças e adolescentes realizem

trabalhos domésticos dentro das possibilidades de cada um é colaborar para que

desenvolva sua autonomia e fortaleça os vínculos familiares.

No quinto encontro discutiu-se o tema As Crianças Precisam de Segurança

e Disciplina. Várias situações - Os relacionamentos constantemente conflituosos e

tensos na família, separações, morte de familiares, viagens prolongadas dos pais, a

mobilidade contínua, a ausência de disciplina na rotina diária - geram insegurança

nas crianças e adolescentes, caso sejam negligenciadas e ignoradas podem

provocar instabilidade emocional profunda. Torna-se imprescindível defender e

proteger as crianças procurando meios de solucionar os problemas de modo a

restabelecer a segurança necessária.

Com o intuito de organizar a vida da criança e oferecer uma estabilidade para

que ela possa se desenvolver de forma saudável é função dos pais, por meio de

limites estabelecidos ao comportamento. Disciplinar significa ensinar, estabelecer

regras claras de comportamentos e coerentes com o objetivo de ordenar, organizar

a vida familiar e social. Segundo uma das referências utilizadas,

Pais permissivos e comodistas abrem mão de regras e limites e nunca dizem não aos filhos. Para tudo dá-se um jeito, tudo é permitido para que o filho fique quieto, satisfeito e não incomode. Os filhos não têm resistência à frustração, o dia a dia tem de ser como eles querem. Definitivamente, não sabem enfrentar oposição. Evitar coisas assim, evitar o consumismo e fortalecer o comportamento ético, os bons hábitos, o autocuidado são atitudes vitais (MENEZES, 2005, p.111).

Estabelecer limites, exercer a autoridade com sabedoria e respeito é antes

de tudo um ato de amor para com as novas gerações. Assim, o principio básico

para quem deseja disciplinar é o amor incondicional, aquele que separa pessoa e

comportamento. Os educadores (pais e professores) devem empenhar-se nesta

tarefa que exige consistência, coerência entre os educadores, valores e regras

claras, justas e apropriadas à idade da criança, paciência, persistência e

conseqüências lógicas. Como pais e educadores, devemos nos lembrar

constantemente que o propósito da disciplina é corrigir um comportamento errado e

ajudar a criança a desenvolver a autodisciplina. Zagury (2005, p.43) coloca que “a

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criança que não aprende a ter limite cresce com uma deformação na percepção do

outro. Só ela importa, o seu querer, o seu bem-estar, o seu prazer.”.

No sexto encontro os temas abordados foram As Crianças Precisam de

Aceitação e Religião. Neste encontro foi apresentado como os educadores (pais e

professores), por meio das atitudes do dia a dia demonstram aceitação ou não das

crianças e dos adolescentes que estão sob seus cuidados. As atitudes como

elogios, fazer pedidos, encorajar, ouvir, repreender de acordo com a ofensa

cometida, controle e calma ao estabelecer castigo, analisar conseqüências ao invés

de utilizar rótulos, xingamentos, reclamações, conclusões precipitadas e

humilhações em público, que fortalecem o sentimento de aceitação.

As experiências religiosas fortalecem as relações familiares e contribuem

para a formação integral do ser humano, ensinando e reforçando os princípios

fundamentais a vida individual e social.

O sétimo encontro possibilitou uma análise das diferentes instituições sociais

e as influencias na formação e desenvolvimento do ser humano. As Famílias cada

vez mais cedo dividem suas responsabilidades com as demais instituições sociais. A

Família Ampliada, principalmente os avós e as Escolas recebem as crianças

precocemente, sendo que muitas delas passam a maior parte de seu tempo nessas

instituições. Porém, o fato de estarem menos tempo na companhia dos pais não

isenta o compromisso quanto sua educação e formação e exige maior diálogo entre

as instituições.

Os meios de comunicação social, principalmente a televisão, exercem uma

influência na formação das crianças e dos adolescentes. A exposição desta clientela

à televisão, em muitos casos, ultrapassa o tempo em que fica na escola. São muitas

horas, dias, meses e anos recebendo passivamente uma infinidade de imagens e

mensagens que vão sendo assimiladas e muitas vezes incorporadas ao cotidiano de

forma acrítica. Cabe aos adultos a análise e reflexão sobre os valores que são

transmitidos pela televisão, para se propor e incentivar formas alternativas de lazer

que possam melhor contribuir para a formação e desenvolvimento dos filhos.

No oitavo encontro, o Sr. Mario Furtado, integrante do Grupo de Apoio às

famílias Amor Exigente proferiu palestra enfocando e reforçando vários temas

discutidos nos outros encontros. Enfatizou que educar exige coerência e sintonia

entre os educadores, a necessidade de cooperação entre os diferentes integrantes

da família, a importância de se estabelecer limites na educação dos filhos. Colocou

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que a sociedade moderna perdeu alguns princípios básicos na educação como

Hierarquia, Autoridade e Respeito e que os mesmos devem ser resgatados

urgentemente. Abordou sobre a prevenção ao uso indevido de drogas, lícitas ou

ilícitas, alertando que, atualmente, a droga que mais provoca problemas familiares e

sociais ainda é o álcool e atribuiu aos pais a grande responsabilidade de cuidarem e

prevenirem este uso, principalmente, por meio do exemplo aos filhos.

Conclusão

O Encontro de Pais possibilitou uma aproximação maior entre família e

escola, permitindo que se conhecessem melhor, com a eliminação de algumas

atitudes preconceituosas. A confiança fortalecida entre as instituições contribui por

sua vez no atendimento às crianças e aos adolescentes, que, indiretamente,

perceberem um vínculo de respeito entre escola e família.

A partir dos Encontros, algumas famílias procuraram a equipe pedagógica

da escola para expor as dificuldades particulares que estavam passando e o reflexo

dessas dificuldades no comportamento e rendimento escolar dos filhos. Através

deste ato de confiança pode-se ampliar o atendimento à família mediante o

encaminhamento aos atendimentos especializados ofertados pelo município na

escola.

Isso é uma pequena amostra de que Escola e Família mais próximas e

estabelecendo relação de respeito e confiança permite que as crianças e

adolescentes (filhos e alunos) sintam-se mais seguros na educação que estão

recebendo. Na escola, se observa uma melhora no relacionamento interpessoal;

manifestações de carinho e respeito, conseqüência direta da confiança e respeito

mútuo entre as instituições - entre professores participantes do Encontro e os alunos

pertencentes às famílias que também participaram.

As discussões suscitadas durante estes Encontros conduziram à conclusão

de que a autoridade, como princípio fundamental no processo educacional deve ser

exercitado com sabedoria e amor pelos adultos. A autoridade só se consolida num

ambiente de amor e de cuidado permanente, onde o sujeito responsável em educar

jamais transfere sua responsabilidade a outrem, atitude muito comum na educação

atual - mães que transferem exclusivamente aos avós a autoridade familiar,

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professores que transferem para a família ou equipe administrativo-pedagógica a

autoridade que deveria exercer.

Quando se busca as instituições preventivas ou repressivas da sociedade torna-se

pior, como a Polícia, Conselho Tutelar, Promotoria de Justiça, como pseudo-solução

para as dificuldades no relacionamento que dependem do compromisso de cada

segmento responsável pela educação das novas gerações.

O resgate da autoridade no processo educacional não é uma conquista

simples, porém extremamente necessária. Resgatar a autoridade é resgatar a

tradição de ser família, de valorizar o ser humano, ter e dedicar tempo aos filhos,

olhar e ouvir o outro verdadeiramente, contar histórias, abraçar e se deixar abraçar,

elogiar as conquistas cotidianas das crianças e ajudá-las a superar as dificuldades

do dia a dia.

Permitir que as crianças sejam simplesmente crianças, protegidas dos

apelos televisivos de consumo, da violência, da pornografia, das tragédias da

humanidade.

Disciplinar é resgatar a autoridade e organizar a vida da criança para que se

desenvolva com saúde física, mental, psicológica e social. Educadores (pais e

professores) possuem o compromisso ético de serem coerentes, firmes e

persistentes no ato de educar. Esta educação implica ações individuais e coletivas.

As atitudes coletivas integradas num objetivo maior fortalece família e escola na

realização do trabalho coletivo, para melhores resultados.

A escola, pública ou privada, é espaço privilegiado para esse tipo de trabalho.

A presente experiência, que se soma a outras, confirma mais uma vez os muitos

benefícios que podem advir de uma relação sinérgica entre família escola, em

especial no resgate da autoridade dessas instituições. Em torno desse e demais

temas que envolvem a criança e o adolescente, está lançado o desafio para que

outras comunidades promovam essa benéfica revolução.

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