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I CARLOS ALBERTO BATISTA CORREIA Do Jogo de Fortuna ou Azar O Atual Paradigma na Exploração Ilícita Dissertação com vista à obtenção do grau de Mestre em Direito Orientador: Doutor Frederico Augusto Gaio de Lacerda da Costa Pinto, Professor da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa Julho de 2015

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I

CARLOS ALBERTO BATISTA CORREIA

Do Jogo de Fortuna ou Azar O Atual Paradigma na Exploração Ilícita

Dissertação com vista à obtenção do grau de Mestre em Direito

Orientador:

Doutor Frederico Augusto Gaio de Lacerda da Costa Pinto, Professor da

Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa

Julho de 2015

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II

CARLOS ALBERTO BATISTA CORREIA

Do Jogo de Fortuna ou Azar O Atual Paradigma na Exploração Ilícita

Dissertação com vista à obtenção do grau de Mestre em Direito

Orientador:

Doutor Frederico Augusto Gaio de Lacerda da Costa Pinto, Professor da

Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa

Julho de 2015

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DECLARAÇÃO DE COMPROMISSO ANTIPLÁGIO

Declaro por minha honra que o trabalho é original e que todas as citações

estão corretamente identificadas. Tenho consciência de que a utilização de

elementos alheios não identificados constitui grave falta ética e disciplinar.

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IV

À minha filha Constança,

cujo sorriso de criança me preenche o coração

À minha avó Cândida,

que de mim criança tomou conta e me custa tanto ver padecer

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AGRADECIMENTOS

Ao Professor Doutor Frederico da Costa Pinto, notável docente, por ter aceitado

orientar a minha investigação, pela sua disponibilidade, amabilidade e

compreensão na demora da realização da dissertação, o meu profundo

agradecimento.

Ao Dr. Pedro Hubert, psicólogo especialista dos casos de ludopatia, pela

amabilidade e disponibilidade em me explicar o contexto dos casos de adição ao

jogo.

Aos Drs. Rui Pedro Antunes e Sílvia Freches, jornalistas de profissão, por me

terem enquadrado na investigação que realizaram sobre o fenómeno do jogo de

fortuna ou azar.

Ao Professor Doutor Pablo Guérez, docente na Facultad de Derecho da

Universidad Autónoma de Madrid, pela preciosa explicação sobre o regime

jurídico do jogo no ordenamento jurídico espanhol e suas consequências legais.

À Dra. Patrícia Luz, da Divisão Académica, por em outubro de 2007 ter

acreditado que eu conseguiria recuperar o atraso do ano letivo no início da

licenciatura em Direito.

A todos os meus colegas de licenciatura e mestrado o meu profundo

agradecimento, pois sem vós não teria chegado até aqui.

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VI

ABREVIATURAS

AR – Assembleia da República

AT – Autoridade Tributária

CC – Código Civil

CP – Código Penal

CPP – Código de Processo Penal

CRP – Constituição da República Portuguesa

EM – Estado(s)-Membro(s)

LJ – Lei do Jogo

OPC – Órgão de Polícia Criminal

RJO – Regime Jurídico do Jogo e Apostas Online

STJ – Supremo Tribunal de Justiça

TC – Tribunal Constitucional

TFUE – Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

TJ/TJUE – Tribunal de Justiça/Tribunal de Justiça da União Europeia

TRC – Tribunal da Relação de Coimbra

TRE – Tribunal da Relação de Évora

TRL – Tribunal da Relação de Lisboa

TRP – Tribunal da Relação do Porto

UE – União Europeia

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DECLARAÇÃO SOBRE O LIMITE DE CARATERES

Declaro que o corpo da presente dissertação, incluindo espaços e notas,

ocupa um total de 199.568 carateres.

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VIII

«Quanto a mim, perdi tudo até ao último tostão

e rapidamente. Apostei no par vinte fredericos

e ganhei; apostei cinco e voltei a ganhar, e

deste modo mais duas ou três vezes. Acho que,

em cinco minutos, fiquei com uns quatrocentos

fredericos. Nessa altura deveria ter ido

embora, mas nasceu em mim uma estranha

sensação, um desafio ao destino, um desejo de

o afrontar, de lhe mostrar a língua. Apostei o

máximo permitido, quatro mil florins, e perdi.

Depois, desnorteado, tirei tudo o que tinha,

apostei no mesmo e voltei a perder, após o que

abandonei a mesa, aturdido.»1

1 FIÓDOR DOSTOIÉVSKI, O Jogador, trad. de Nina Guerra e Filipe Guerra, 7.ª ed., Lisboa: Editorial Presença, 2012, p. 29. A obra O Jogador, que reflete profundamente a própria biografia do autor, que terminou a obra em tempo recorde para pagar uma dívida de jogo, consiste num romance sobre a dependência do jogo desenvolvido nos casinos, em especial do jogo da roleta, na Alemanha da segunda metade do séc. XIX, e retracta a personagem de um jovem com forte sentido crítico, que descobre em si uma paixão compulsiva para o jogo.

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SUMÁRIO

O jogo de fortuna ou azar não possui, atualmente, uma forte reprovação

social. Todavia, o fenómeno do jogo de fortuna ou azar levanta várias questões

relativas à proteção do património, à ludopatia, à defesa do desenvolvimento da

personalidade da criança e do jovem, aos interesses fiscais do Estado e às

medidas de desenvolvimento social, que alguns autores entendem como o bem

jurídico-penal protegido pela incriminação da Exploração ilícita de jogo.

No entanto, pelo sistema de autorização regulamentada, e porque vários

daqueles interesses, constitucionalmente protegidos, são também violados nos

locais de jogo autorizado, parece que o legislador entendeu delimitar o bem

jurídico em torno da ordem e tranquilidade pública.

O propósito deste estudo será perceber o que se visa proteger com o

crime de Exploração ilícita de jogo. Para tal, importa definir o conceito de

exploração e o conceito de jogo de fortuna ou azar.

Ainda, procuraremos saber se existem situações sem ressonância ético-

social e quais as suas consequências.

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X

ABSTRACT

Currently, gambling doesn’t have a strong social disapproval. However,

the phenomenon of gambling raises several issues related to property protection,

compulsive gambling, the youngest personality development, the State taxes

and social development measures, which some authors believe to be the

protected legal interest in the criminalization of illegal gambling exploitation.

However, the authorization system, and because several of those

interests, constitutionally protected, are also violated in the authorized gambling

places, it appears that the legislator intended to define the legal interest as the

order and public tranquility.

The purpose of this study is to understand what is protected with the

illegal gambling exploitation. This will involve defining the concept of

exploitation and the concept of gambling.

Still, we will try to know if there are situations without ethical and social

resonance and what their consequences.

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INTRODUÇÃO

Vivemos numa época de forte expansão do jogo de fortuna ou azar. Joga-

se nos cafés, nas papelarias, nos quiosques de jornais, nas casas de apostas, pela

televisão e pela Internet. Os nossos dias retratam fielmente a sociedade

oitocentista onde a exploração e prática ilícitas de jogo tomaram enorme

proporção. Hoje, como então, o legislador teve necessidade de conter o

fenómeno do jogo. À data regulamentou a exploração de base territorial,

confinando o jogo às denominadas zonas de jogo e a um número restrito de

concessionárias. Agora, o legislador expande o jogo, permitindo a sua

exploração online e sem restrição de operadores.

O fenómeno do jogo de fortuna ou azar levanta várias questões relativas à

proteção do património, à ludopatia, à defesa do desenvolvimento da

personalidade da criança e do jovem, aos interesses fiscais do Estado e às

medidas de desenvolvimento social, que a doutrina maioritária considera

constituírem o bem jurídico-penal protegido pela incriminação da Exploração

ilícita de jogo.

Todavia, pelo sistema de autorização regulamentada, e porque vários

daqueles interesses, constitucionalmente protegidos, são também violados nos

locais de jogo autorizado, parece que o legislador entendeu delimitar o bem

jurídico em torno da ordem e tranquilidade pública.

Cabe perguntar se, dada a alteração de paradigma e por se tratar de um

crime de perigo abstrato de antiguidade secular, a Exploração ilícita de jogo

conserva, ainda, dignidade penal e conformidade constitucional?

Porque o perigo não é elemento do tipo, devemos anuir à tese da

presunção inilidível de perigo ou, pelo contrário, admitir a prova negativa do

perigo nos casos sem ressonância ético-social?

O jogo de fortuna ou azar compreende uma determinada fisiologia

necessária ao preenchimento do tipo penal da Exploração ilícita de jogo. A

compreensão deste elemento normativo do tipo, em torno da livre vontade, do

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Do Jogo de Fortuna ou Azar O Atual Paradigma na Exploração ilícita

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jogo e aposta, da alea e do prémio, levanta inúmeras dificuldades aos tribunais,

conduzindo a soluções jurisprudências díspares.

Para a nossa dissertação, o objeto de estudo e análise será o crime de

Exploração ilícita de jogo da Lei do Jogo, não prescindindo da análise da sua

versão no Regime Jurídico do Jogo e Apostas Online.

Com a análise e estudo do crime de exploração ilícita pretendemos

responder às seguintes questões: (i) em que consiste um jogo de fortuna ou

azar? (ii) Qual o objeto da exploração? (iii) Qual o bem jurídico-penal tutelado?

(iv) E se teremos limites ao regime de exclusivo?

A escolha e formulação do problema constituíram a primeira etapa da

investigação, cujo contacto foi propiciado pela elaboração de uma monografia

na unidade curricular de Direito Penal Económico, que permitiu a perceção de

inúmeras contradições na jurisprudência. Em função dos limites do trabalho,

não alargaremos o estudo aos demais tipos penais relativos ao jogo de fortuna

ou azar.

A nossa dissertação estará estruturada em três capítulos. No primeiro,

iremos propor uma definição do jogo de fortuna ou azar. No segundo,

excursaremos brevemente sobre o regime legal do jogo em Portugal. Por fim,

iremos identificar o objeto da exploração, identificar e delimitar o bem jurídico,

bem como identificar o elemento objetivo do tipo penal de Exploração ilícita de

jogo.

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Jogo de Fortuna ou Azar: Fisiologia e Delimitação

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CAPÍTULO I – DO JOGO DE FORTUNA OU AZAR: FISIOLOGIA E DELIMITAÇÃO

1. Enquadramento

O jogo de fortuna ou azar encontra-se, atualmente, regulado pelo

Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de dezembro2, diploma que é comummente

entendido como a Lei do Jogo. Se bem que as alterações de que foi alvo,

sobretudo as introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 10/95, lhe conferiram um maior

substrato, a sua letra não dispõe sobre todas as categorias de jogo. Em rigor, a

LJ apenas dispõe sobre algumas modalidades de jogo de fortuna ou azar,

designadamente as exploradas nos casinos – vulgo jogos de casino –, sobre o

jogo do bingo e sobre as modalidades afins do jogo de fortuna ou azar. De fora

ficam as restantes modalidades de jogo de fortuna ou azar – os jogos sociais do

Estado –, e apostas hípicas, bem como os jogos em que o resultado assente

exclusiva ou fundamentalmente na perícia do jogador – os jogos de perícia.

Desde a primeira autorização da exploração do jogo de fortuna ou azar,

na versão jogos de casino, permitida pelo Decreto n.º 14.643, de 03 de

dezembro de 1927, assistiu-se a uma extensa e profunda legiferação sobre a

realidade do jogo, sendo que em pouco menos de um século já se conceberam

mais de três centenas de diplomas legais atinentes ao domínio do jogo. O

emaranhado de leis é de tal ordem que se requer um constante labor para saber o

que já foi alvo de alterações ou até mesmo revogado, sobretudo tacitamente.

Não pretendemos, neste estudo, abarcar toda a realidade relativa ao jogo,

nem sequer todo o domínio do jogo de fortuna ou azar, mas tão-somente a

temática relativa ao jogo de fortuna ou azar atinente aos tradicionais jogos de

casinos, com particular incidência nos tipos penais de exploração ilícita de jogo

quer de base territorial quer online.

Todavia, a fim de analisarmos estes tipos penais, temos de atender, por

um lado, ao conceito de jogo de fortuna ou azar, que, aparentemente simples,

2 Com as alterações últimas do Decreto-Lei n.º 64/2015, de 29 de abril.

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Do Jogo de Fortuna ou Azar O Atual Paradigma na Exploração ilícita

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intrinca uma complexa definição, requerendo em nosso entender uma

delimitação segundo a sua fisiologia e outra por confrontação com as

modalidades afins, pela partilha de algumas características.

2. Conceito de jogo de fortuna ou azar

O jogo de fortuna ou azar encontra consagração legal no art. 1.º, da LJ3, o

Decreto-Lei n.º 422/89, dispondo que «são aqueles cujo resultado é contingente

por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte». Aqui, o legislador

articulou diversos conceitos dando corpo a um conceito de notória

complexidade e ambiguidade, percetível, desde logo, na definição de jogo.

Tendo presente que omnis definitio periculosa4, sobretudo em Direito, na

definição de um conceito geral de jogo englobam-se várias realidades, umas

relativas ao jogo, outras relativas às regras do jogo, outras ainda aos utensílios

de jogo. Todavia, alguns autores procuraram defini-lo de acordo com as suas

funções, como JOHAN HUIZINGA para quem «o jogo é uma atividade ou

ocupação voluntária, exercida dentro de certos e determinados limites de tempo

e de espaço, segundo regras livremente consentidas, mas absolutamente

obrigatórias, dotado de um fim em si mesmo, acompanhado de um sentimento

de tensão e de alegria e de uma consciência de ser diferente da “vida

quotidiana”»5.

Quem entenda, como entendo, que nem tudo é jogo concluirá que não se

pode confundir o jogo com a ação de jogar, enquanto efetivação da faculdade de

agir, porque implicaria conduzi-lo à sua prática e não lhe reconhecer

subsistência para além desta.

3 Adotamos a designação de «Lei do Jogo» numa perspetiva pragmática, já que entendemos que não se trata de um diploma geral sobre o jogo, mas apenas dos jogos de casino e das modalidades afins. 4 Neste mesmo sentido, ALTINA RENTO e ABEL LAUREANO, Direito do Jogo: Legislação Anotada, Lisboa: Quid Juris?, 1991, p. 21. 5 JOHAN HUIZINGA, Homo Ludens: o Jôgo Como Elemento da Cultura, trad. de João Paulo Monteiro, São Paulo: Editora da Universidade de são Paulo, 1971, p. 33.

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Jogo de Fortuna ou Azar: Fisiologia e Delimitação

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Se percorrermos algumas das culturas com as quais temos lugares comuns,

verificamos que na cultura espanhola o jogo consiste numa «acción y efecto de

jugar»6, confundindo-se o conceito de jogo com a própria efetivação do jogo.

Por seu lado, na conceção francesa «Les jeux sont des divertissements de

société, soumis à des règles convenues à l’avance et qui donnet lieu à une

beneficie matériel»7, o que não configura uma conveniente densificação do

conceito de jogo. Se apenas atendermos à primeira parte da formulação será

forçoso concluir que tudo é jogo, desde que haja divertimento. Para reduzir a

amplitude do conceito de jogo, a segunda parte da formulação converge o

conceito de jogo tout court, com o conceito de jogo de fortuna ou azar.

Na cultura britânica, com larga tradição na prática do jogo, inexiste uma

referência geral única ao conceito de jogo. As enciclopédias abordam a temática

do jogo de várias perspetivas, dando nota da evolução histórica do jogo, da sua

contextualização e repercussão na estrutura social. Mas, a definição mais

densificada do jogo refere que «Gambling is the betting or staking[8] of

something of value, with consciousness of risk and hope of gain, on the outcome

of a game, a contest, or an uncertain event the result of wich may be determined

by chance or accident or have un unexpected result by reason of the bettor’s

miscalculation»9, reconduzindo-o, assim, não só à noção de jogo que adotamos,

tal qual uma atividade ou ocupação voluntária, mas também ao que no nosso

ordenamento jurídico corresponde o jogo de fortuna ou azar.

No âmbito de uma investigação académica, AUGUSTO FRIAS, não

concordando em pleno com as atuais definições, entende o «jogo como uma

atividade do homem, que possui geralmente um carácter lúdico, regulada por

regras que, fazendo dele parte integrante, vigoram durante um tempo

determinado, são voluntariamente aceites pelos intervenientes, e que

6 ENCICLOPEDIA Universal Ilustrada Europeo-Americana, tomo XXVIII, segunda parte, Bilbao: Espasa-Calpe, S. A., 1926, p. 3072. 7 LA GRANDE ENCYCLOPÉDIE, vol. 11, Paris: Librairie Larouse, 1974, p. 6714. 8 Para melhor compreensão dos conceitos «gambling», «betting» e «staking» v. OXFORD ADVANCED Learner’s Dictionary, sixth ed., Oxford University Press, 2000, pp. 106, 528 e 1260. 9 THE NEW ENCYCLOPAEDIA Britannica, vol. 7, U.S.A.: William Benton Publisher, 1974, p. 866.

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Do Jogo de Fortuna ou Azar O Atual Paradigma na Exploração ilícita

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determinam um resultado final, face à posição inicial dos intervenientes, de

ganho ou perda, por força do seu carácter aleatório»10. Se bem que o autor

perspetive tal definição de jogo para efeitos da sua investigação, que igualmente

se situa no âmbito dos jogos de fortuna ou azar, todavia em sede de Direito

Administrativo, afigura-se-nos preferível partir da definição de jogo de JOHAN

HUIZINGA, em razão de dois aspetos estruturantes.

A definição daquele autor não reconhece que o aspeto lúdico está sempre

presente na atividade de jogo. Em rigor, tratando-se de um jogo, o aspeto lúdico

está sempre presente, pese embora em maior ou menor grau, ora não fosse o

jogo uma atividade lúdica em si mesma, porquanto escapa ao princípio da

realidade11. Depois, também não se percebe a alusão do autor à posição inicial

dos intervenientes, pois em várias modalidades de jogos a posição inicial pouco

ou nada interfere no resultado do jogo12, o que se deve precisamente ao seu

carácter aleatório.

Posto isto, JOHAN HUIZINGA foi quem melhor alvitrou um conceito geral

de jogo e é, pois, daquela ideia de atividade voluntária em que consiste a jogo

tout court que devemos resgatar a noção de jogo de fortuna ou azar

2.1. A fisiologia do jogo

Compreender o conceito de jogo de fortuna ou azar implica ter presente o

funcionamento desta modalidade de jogo, que requer a presença de elementos

estruturantes: a livre vontade para a prática do jogo, a aposta, a alea (fortuna ou

azar), o resultado e o prémio.

10 AUGUSTO FRIAS, Jogos de Fortuna ou Aza:. A Razão de ser de um Monopólio do Estado, Tese de mestrado inédita, Porto: Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa, 2007, p. 4. 11 ROLAND DORON e FRANÇOISE PAROT, Dicionário de Psicologia, Lisboa: CLIMEPSI Editores, 2001, p. 470. 12 Concordante, todavia, num contexto geral de jogo, NUNO FATELA, O Jogo Digital como Modelo da Crítica Social, Tese de mestrado inédita, Lisboa: Universidade Lusófona, 2008, p. 12).

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Jogo de Fortuna ou Azar: Fisiologia e Delimitação

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2.1.1 Livre vontade

A livre vontade para a prática do jogo, ou para a aposta, tanto pode

consistir na iniciativa de jogo ou na mera adesão ao mesmo, mas será sempre

um ato de vontade do jogador; e encontramo-la em todas as categorias de jogo,

especialmente nos jogos de fortuna ou azar, onde a tensão é maior pelo desejo

de fortuna.

Quer se trate de iniciativa ou de adesão à pratica do jogo, ou para a

aposta, estaremos sempre, quando lícito, perante um contrato de jogo ou de

aposta, que nos termos do art. 1245.º, e seguintes, o CC remete para legislação

especial. Ora se quanto ao tipo de declaração negocial não se levantam questões

de maior, em que estaremos na maior partes das situações perante uma

declaração negocial expressa13 com vista à prática de jogo ou de aposta, o

mesmo já não se poderá dizer quanto à livre vontade do jogador. Haverá,

contudo, casos em que a vontade do jogador não é livre, precisamente por ser

determinada por uma forte adição ao jogo – os quadros clínicos de ludopatia.

2.1.2 Jogo e aposta

Para entendermos o conceito de jogo de fortuna ou azar teremos, também,

de nos debruçar sobre a figura da aposta. É essencial perceber que são

realidades distintas, não só para sistematizarmos o próprio conceito, como

também para concluirmos que, no que concerne ao jogo de fortuna ou azar, todo

o jogo requer a aposta14, mas nem toda a aposta assenta num jogo15.

13 Por exemplo quando o jogador coloca as suas fichas de jogo num determinado número na mesa da roleta francesa, adotando assim um «meio direto de manifestação da vontade», nos temos do art. 217.º, n.º1, do CC. Todavia, já estaremos perante uma declaração negocial tácita se o jogador, tendo ganho determinado prémio, não o recolhe e permite que fique no número de aposta anterior, emitindo desta forma uma nova declaração negocial. Aqui, retira-se um conteúdo direto do seu comportamento – não receber o prémio, «mas implica e torna cognoscível, a latere,» um outro – uma nova jogada (CARLOS

MOTA PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª ed. act., Coimbra: Coimbra Editora, 1994, pp. 42-425). 14 Concordante SEBASTIÁN LÓPEZ MAZA, El Contrato de Juego y Apuesta en el Ámbito Civil, Navarra: Editorial Aranzadi, 2011, p. 93.

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Do Jogo de Fortuna ou Azar O Atual Paradigma na Exploração ilícita

8

O jogo e aposta vêm consagrados no CC, que não os distinguindo, dispõe

que «não são contratos válidos nem constituem fonte de obrigações civis; porém

quando lícitos, são fonte de obrigações naturais»16.

Têm sido esboçados vários critérios com vista à distinção das duas

figuras, mas determinar os critérios de delimitação do jogo da aposta tem sido

uma tarefa árdua, pejada de controvérsia e argumentação. MOTA PINTO vê na

«heterogeneidade de elementos que integram o jogo e a aposta» e na querela

entre os defensores das várias teorias que procuram erguer os seus critérios de

distinção do jogo da aposta, acima dos restantes, os principais obstáculos à

delimitação das figuras. O Professor Doutor vai, ainda, mais longe dizendo que

a distinção preconizada pelas várias teorias é irrelevante do ponto de vista

jurídico17. Ora, se por um lado concordamos com a primeira afirmação, já a

segunda – da irrelevância da distinção – nos merece alguns reparos.

Adeptos de teorias distintas, alguns autores procuram distinguir as figuras

do jogo e da aposta tendo por critérios a natureza do acontecimento, os fins

tidos em vista pelas partes, a incerteza quanto ao facto e ao conhecimento do

facto (critério germânico), a natureza extrajurídica do jogo18 e, por fim, a

participação dos contratantes no acontecimento (critério romano) 19.

Uma recente teoria, com maior eco na doutrina italiana, entende que o

jogo possui uma natureza extrajurídica, tal qual a religião ou a arte, não lhe

atribuindo relevância sem a aposta. Defende que o Direito só se interessa pela

figura do jogo quando haja aposta, sendo o jogo «pressuposto de facto (...) do

15 Segundo PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA quando associamos ao jogo um interesse económico surge a aposta, além de que esta não depende do jogo, porquanto poderá assentar noutro facto incerto e imprevisível (Código Civil Anotado, vol. II, 3.ª ed. rev. e act., Coimbra: Coimbra Editora, 1986, p. 852), como nas situações em que se aposta sobre quem será o próximo Papa [Em linha], [consult. 11 set. 2013], disponível em http://www.paddypower.com/bet/novelty-betting/current-affairs/pope-betting. 16 Art. 1245.º do CC. O CC apenas distingue entre contratos ilícitos e lícitos. Os ilícitos são relativos aos jogos e aposta que dependem única ou fundamentalmente da sorte (caso dos jogos de fortuna ou azar); os lícitos são relativos aos jogos autorizados ou aos tolerados. Aqueles são os jogos ilícitos quando autorizados (caso dos jogos de fortuna ou azar), os tolerados são os jogos que dependem essencialmente da perícia do jogador (jogos de perícia). 17 CARLOS MOTA PINTO, et al., Jogo e Aposta: Subsídios de Fundamentação Ética e Histórico-Jurídica, Coimbra: Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, 1982, pp. 8-9. 18 Posição adotada por RUI PINTO DUARTE, «O jogo e o Direito», in Thémis, ano II, n.º 3, Lisboa: Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, 2001, p. 74. 19 Quanto à denominação dos critérios v. SEBASTIÁN LÓPEZ MAZA, op. cit, pp. 26-27.

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Jogo de Fortuna ou Azar: Fisiologia e Delimitação

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contrato de aposta»20. É por esta razão que alguns autores tendem a considerar

irrelevante a distinção entre as duas figuras. Nestes termos, e se não olharmos

atentamente as duas figuras, não será difícil entender que estarmos perante duas

formas que se confundem numa única realidade.

A teoria que se nos afigura mais adequada, sendo igualmente mais

sufragada pela maioria da doutrina, distingue as figuras do jogo e da aposta pela

participação ou não participação das partes no acontecimento. Teremos um jogo

sempre que os contraentes participem ativamente na realização do

acontecimento. Será uma aposta quando as partes não participem no

acontecimento do qual depende o resultado. Sempre que os participantes de um

jogo contratem entre si, em função da possibilidade de um ganho ou de uma

perda, teremos um contrato de jogo, apesar de se realizarem apostas.

Entendemos que teremos um contrato de jogo sempre que, pelo menos,

uma das partes tenha uma participação no processo de jogo. Em rigor, não se

requer que todas as partes participem ativamente no processo de jogo, como

acontece, por exemplo, com o croupier em alguns jogos de casino onde as

regras e as componentes técnicas apenas permitem a este ter uma parte ativa no

desenvolvimento do jogo. No jogo, diferentemente da aposta, são os

participantes que «participam na criação dos pressupostos, das condições de que

depende a verificação do facto a que está subordinada a prestação acordada»21.

Desta feita, remetemos a aposta para as situações em que as partes contratantes

não participem no acontecimento ou quando participem não revista a natureza

de um jogo.

A distinção entre as duas figuras, longe de ser inócua, permite perceber

quando temos um jogo de fortuna ou azar ou uma mera aposta. Enquanto àquele

se lhe refere a LJ, a esta aplica-se lei especial, que não versa sobre todo o tipo

20 Posição defendida por CARLOS MOTA PINTO, et al., que entende, no entanto, que o jogo se trata de uma atividade destinada à diversão e logo inútil do ponto de vista económico, apenas tomado como referência para o Direito quanto sobre ele assente a possibilidade de uma perda ou de um ganho económico, logo uma figura instrumental e secundária da aposta (op. cit., pp. 9-15) 21 Assim, por exemplo, o «Totoloto», o «Euromilhões» e o «Poker» (CARLOS ALBERTO DA MOTA

PINTO, et al., op. cit., p. 13).

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de apostas22, maxime as relativas a eventos não desportivos. Não concordamos,

por isso, com a afirmação de autores que não veem na distinção das duas figuras

um interesse prático, já que se determinada atividade não constituir um jogo de

fortuna ou azar, mas uma aposta, não se poderá subsumir à LJ, e na inexistência

de um quadro jurídico especial será um contrato não válido, nos termos do CC,

mas sem previsão penal ou contraordenacional, logo sem estatuição para além

da lei cível. Conduzem-se a estas situações o caso das comezinhas apostas,

cobertas pelo uso social, entre duas pessoas que estão em desacordo quanto a

um determinado acontecimento passado, presente ou futuro, em que apostam

uma pequena quantia monetária, ou coisa com reduzido valor pecuniário, bem

como as apostas online sobre eventos não desportivos, estas, porém, com

possibilidades de ganho de valores substanciais.

2.1.3 A aleatoriedade: a fortuna e o azar

A LJ recorre ao termo «contingência» (art. 1.º) para se referir à

aleatoriedade existente no jogo. Não lhe sendo exclusiva, a aleatoriedade é uma

característica do jogo de fortuna ou azar e traduz um acontecimento futuro e

incerto23.

Dizendo que o resultado assenta – exclusiva ou fundamentalmente – na

«sorte», a LJ não dispõe sobre o seu significado. Adicionalmente, vários autores

referem-se-lhe como a ausência de azar. Tal acresce pouco à determinação do

elemento a que o legislador recorre na definição de jogo de fortuna ou azar, pelo

que devemos entender a «sorte» e o «azar» como possibilidade de ganho ou de

22 Não é de considerar jogo de fortuna ou azar o concurso de aposta denominado «Totobola», porque, não obstante o art. 1.º do seu Regulamento, em anexo à Portaria n.º 39/2004, de 12 de janeiro, o consagrar como jogo social do Estado, e a LJ se lhe referir como jogo de fortuna ou azar, nos termos do art. 161.º, n.º 3, em rigor não se trata de um jogo, mas de um sistema de apostas. Não são as partes (Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e apostadores) que participam no jogo, porque nenhuma intervém no início ou no desenrolar do jogo subjacente ao sistema de apostas, mesmo que o resultado dependa exclusiva ou fundamentalmente da sorte. 23 Assim SEBASTIÁN LÓPEZ MAZA, op. cit, p. 142.

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Jogo de Fortuna ou Azar: Fisiologia e Delimitação

11

perda, para determinado jogador, materializada no resultado de um jogo em que

a aleatoriedade é o elemento dominante24.

Não iremos tão longe quanto os autores que negam a existência da sorte e

do azar, mas concordamos quando afirmam que devido a estes elementos

geram-se várias superstições relacionadas com o jogo, dando lugar a um

fenómeno psíquico – o palpite25, que surge, na maioria das vezes, associado a

situações de adição ao jogo. Todavia, a fim de lhe afastar a carga metafísica,

preferimos retratar a «sorte» em termos jurídicos, referindo-nos ao termo

«alea»26.

O elemento alea está presente em várias categorias de jogo, como nos

jogos de perícia, em que o resultado não depende da predominância da alea.

Mas, para estarmos perante um jogo de fortuna ou azar não basta que excluamos

os jogos em que a alea não seja dominante. Outras categorias de jogo, como as

«modalidades afins ao jogo de fortuna ou azar», ou as apostas desportivas27,

partilham a essencialidade daquele elemento. Também nestas categorias a alea é

determinante para o resultado, não sendo relevante, quando exista, a perícia do

jogador28.

É com referência à alea que estudiosos do fenómeno do jogo procuram

classificar as diversas modalidades de jogo. Apesar das várias classificações que

alguns autores adotam para os jogos de fortuna ou azar, de que são exemplos a 24 As definições dos termos «sorte» e «azar» adotadas, no Dicionário de Língua Portuguesa Contemporânea, segundo a qual a primeira consiste numa «Força imaginária que supostamente condiciona os acontecimentos, as circunstâncias (…), independentemente da vontade humana», e a segunda uma «Sorte adversa» (op. cit., p. 3457 e p. 445, respetivamente), não nos parecem corretas. A «sorte» e «azar» não são forças imaginárias, porque, por um lado, o que é imaginário não tem manifestação exterior e, por outro, não condiciona nada. 25 V. VICTORINO COELHO, A Fisiologia do Jogo, Lisboa: Livraria Central, 1912, pp. 56-58. Com frequência os jogadores determinam a sua participação no jogo e o sentido da sua aposta de acordo com simples coincidências, como por exemplo os números de uma chapa de matrícula de um carro interveniente num acidente. 26 Elemento que «indica la probabilidad de una ventaja con la inherente probabilidad de una pérdida» (TERESA ECHEVARRÍA DE RADA, Los Contratos de Juego y Apuesta, Barcelona: José Maria Bosch Editor, 1996, p. 93). 27 Corresponde à categoria dos denominados «jogos sociais do Estado» regulados em vários diplomas especiais e assim designados por serem explorados, com intuito benemérito, pela Santa Casa da Misericórdia, sob tutela do Estado. 28 As «modalidades afins aos jogos de fortuna ou azar» consistem em jogos cujo resultado é, também, determinado essencialmente pela sorte, distinguindo-se da forma pura dos jogos de fortuna ou azar devido a limitações de ordem legal. Por seu lado, os «jogos sociais do Estado» são, na sua maioria, verdadeiros jogos de fortuna ou azar, não obstante o distinto tratamento jurídico que o legislador lhe confere.

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classificação entre «juegos de suerte y azar puro» e «juegos mixtos de azar y

habilidad» ou, para outros autores, entre «jogos de azar» e «jogos de parar»,

todos distinguem as modalidades de jogo com referência à alea. Os «juegos de

suerte y azar puro» são, indistintamente, o mesmo que «jogos de azar», bem

como os «juegos mixtos de azar y habilidad» são, materialmente, o mesmo que

«jogos de parar»29. A fim de distingui-los, cabe referir que nos primeiros não

interfere o estudo, habilidade ou prática do jogador, devendo-se, unicamente, ao

acaso a possibilidade de ganho ou de perda. Nos segundos, a par da

predominância da alea, o jogador tem conhecimento das leis e efeitos do jogo

por forma a tentar o domínio das chances contrárias e o aproveitamento das

favoráveis.

A distinção entre «jogos de azar» e «jogos de parar» permite que alguns

autores recusem a classificação destes como verdadeiros jogos de fortuna ou

azar, porquanto, além do elemento alea, encontramos outros elementos

intervenientes no resultado do jogo.

Longe de se tratar de semântica, esta classificação teve eco no processo

de legiferação que permitiu a exploração do jogo de fortuna ou azar, pela

autorização regulamentada, com o Decreto n.º 14:643, de 3 de dezembro de

1927. Definiram-se os jogos de fortuna ou azar como «Os jogos cujos resultados

são inteiramente contingentes, não dependendo a perda ou o ganho da perícia,

destreza, inteligência ou cálculo do jogador» (art. 1.º). Por recurso ao termo

«inteiramente» o legislador escolheu, de forma intencional, a classificação de

«jogos de azar» esboçada por VICTORINO COELHO.

Uma leitura menos atenta do preceito poderia conduzir a uma

interpretação restritiva, não permitindo que nos jogos de azar concorra outro

qualquer elemento distinto da alea, v.g. a perícia, destreza, inteligência ou

cálculo do jogador. Em rigor tais elementos ocorrerão em todos os jogo de

fortuna ou azar, em menor ou maior grau. O que se requer é que estes elementos

29 V. JEAN-MARC LAFAILLE y GUY SIMONIS, El Juego Diseccionado: Un Análisis Conceptual sobre los Juegos de Azar, trad. Ana López de Lemos y Gallego, Madrid: Instituto de Política y Gobernanza/Universidad Carlos III, 2005, pp. 49-50, e VICTORINO COELHO, op. cit., pp. 31-32.

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não condicionem o resultado do jogo. A determinação da perda ou ganho do

jogador dever-se-á sempre à alea, ainda que concorra com outro elemento

dominável pelo jogador, mas não determinante no resultado do jogo.

Se, na classificação dos jogos de fortuna ou azar, o autor e legislador são

concordantes, o mesmo já não acontece quanto à catalogação dos tipos de jogos.

É que os jogos dispostos, nos termos do art. 2.º, admissíveis nos casinos, são

aqueles que o autor aponta como «jogos de parar». Ora, tendo presente que, nos

termos do art. 9.º, n.º 3, do CC, o legislador terá consagrado a solução mais

acertada e soube exprimir adequadamente o seu pensamento na elaboração da

Lei, teremos de considerar que concebeu a participação do jogador nos tipos de

jogos de casino de forma distinta daquele autor. Nos termos da versão primitiva

da Lei do Jogo, de 1927, os jogos da «Roleta com trinta e seis números e um

zero», da «Banca francesa com dados transparentes», do «Trinta e quarenta», do

«Bacará bancado», do «Petits chevaux e suas variedades», do «Bacará chemin

de fer» e do «Ecarté» são jogos de fortuna ou azar (art. 2.º). Discordante,

VICTORINO COELHO entende os quatro primeiros como «jogos de parar»30, nos

quais o jogador, pelo domínio do sistema de progressões com a aplicação do

método Dolivaes31, tem a possibilidade de controlar as chances de jogo,

ganhando num determinado número de lances.

Ora, se bem se compreende o estudo daquele autor, não podemos

concordar com a denominação adotada para os «jogos de parar», discordando

inclusive da sua conceção. Recorde-se que nestes jogos, segundo entende aquele

estudioso, o elemento alea é mitigado pelo domínio que o jogador possui

decorrente do estudo do jogo. Todavia, não é o que se verifica da aplicação do

sistema de progressões. Deste sistema não resulta a interferência do estudo do

jogador num jogo, mas sim numa sequência de jogos, em que perdendo em

alguns, reforça o valor apostado por saber que em algum outro jogo ganhará,

cobrindo, assim, o valor anteriormente perdido. O legislador entende que se

30 Idem, ibidem. 31 Joaquim Dolivaes Nunes foi um estudioso do fenómeno do jogo, em particular do jogo da roleta, tendo desenvolvido um sistema de progressões que lhe permitiram, num determinado número de lances obter um ganho neste tipo de jogo (VICTORINO COELHO, op. cit., p. 83 ss).

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deve compreender a contingência do resultado em cada ciclo de jogo –

precisamente onde se determina o resultado – e não no conjunto de ciclos com

resultados subsequentes.

Significa que a alea é, tendencialmente, exclusiva ou predominante no

resultado de cada jogo. O resultado, na maioria dos jogos de fortuna ou azar, é

inteiramente aleatório (em cada ciclo de jogo).

A confirmar este entendimento do que se deve ter como característico do

jogo de fortuna ou azar, o legislador manteve nas subsequentes Leis do Jogo a

formulação de que são jogos «de fortuna ou azar os jogos cujos resultados são

contingentes, por dependerem exclusivamente da sorte» (art. 1.º), redação que

alterou, em 1989, para ali compreender a predominância do fator sorte, e não

apenas a sua exclusividade para o resultado do jogo. Na redação vigente os

«Jogos de fortuna ou azar são aqueles cujo resultado é contingente por assentar

exclusiva ou fundamentalmente na sorte», nos termos art. 1.º do Decreto-Lei n.º

422/89.

A razão da alteração na densificação do conceito de jogo de fortuna ou

azar resulta do surgimento de novos tipos de jogos, como por exemplo o

«Poker»32, onde em cada ciclo de jogo a perícia do jogador releva no resultado

no jogo, ainda assim não a ponto de o determinar.

Os tribunais têm, igualmente, dedicado alguma atenção à contingência do

jogo de fortuna ou azar e à predominância do elemento sorte no resultado.

Quanto ao resultado, a jurisprudência tem sido uniforme em considerar que tem

um «carácter totalmente aleatório», porque os jogos dependem «essencialmente

do acaso e da sorte do jogador, de modo que este não tem qualquer

possibilidade de influenciar ou condicionar o correspondente resultado»33. Tais

considerações não são isentas de incorreções, senão vejamos.

32 No entanto, a exploração deste tipo de jogo só se iniciou com a Portaria n.º 461/2001, de 8 de maio, encontrando-se agora regulado pela Portaria n.º 217/2007, de 26 de fevereiro, nas modalidades de «Póquer sem descarte», «Póquer não bancado nas variantes “Omaha” e “Hold’em”» e «Póquer sintético». 33 De que são exemplos os acórdãos do TRP, de 21-02-2007, e de 21-05-2008, ambos rel. por Joaquim Gomes, e ac. de 26-09-2007, rel. por Ernesto Nascimento, em www.dgsi.pt.

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Jogo de Fortuna ou Azar: Fisiologia e Delimitação

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Vimos que o legislador abandonou, na definição do conceito de jogo de

fortuna ou azar, a expressão «resultados inteiramente contingentes» da pioneira

Lei do Jogo. A nosso ver bem, porque, apesar de na maioria dos jogos o

resultado ser inteiramente aleatório, há casos em que a perícia do jogador

concorre com a alea, o que acontece, por exemplo, no «Poker»34.

É também por esta razão que se nos afigura incorreta a afirmação de que

o jogador não tem possibilidade de influenciar ou condicionar o resultado do

jogo. O que a norma vigente dispõe tem que ver com a determinabilidade do

resultado decorrer fundamental ou exclusivamente da sorte e não que não exista

interferência no processo que leva ao resultado. Por outras palavras, o resultado

não pode ser determinado pelo jogador, designadamente pela sua perícia, o que

não significa que não possa influenciá-lo ou condicioná-lo. Voltando ao jogo do

«Poker», o jogador através da perícia, da habilidade, e da experiência,

influencia o decurso do jogo, chegando a condicioná-lo com vista a aumentar a

probabilidade de ganho parcial ou total, por exemplo, exercendo bluff sobre os

outros jogadores, avaliando as chances ou passando a jogada. O que o jogador

não consegue é aumentar de tal ordem a probabilidade de ganho, a ponto de a

possível perda parecer pouco provável. A ser assim, o resultado assentaria

fundamentalmente na perícia e não na sorte do jogador, o que não sucede no

jogo de «Poker», enquanto jogo de fortuna ou azar.

2.1.4 O prémio

Na definição do conceito de jogo de fortuna ou azar nada se refere quanto

à existência de prémio. Em rigor, a LJ apenas alude, no art. 1.º, ao resultado do

jogo, o que é distinto de um prémio. O resultado é o estádio final de um jogo

(ou ciclo de jogo) e sobre o qual incide a esperança de ganho dos jogadores. O

prémio consiste naquilo que os jogadores esperam ganhar. É a materialização da

esperança de ganho ou, melhor dito, é o ganho.

34 Neste sentido, ac. do TRL de 29-06-2006, rel. por Simões de Carvalho, em www.dgsi.pt.

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Se no jogo tout court basta que haja um prémio repercutido no mero

alcance da vitória, nos jogos de fortuna ou azar o paradigma é distinto. Nestes, a

prática revela a existência de um prémio, que vai para além do mero alcance da

vitória no jogo. O prémio, nos tradicionais jogos de casinos, quer na versão de

base territorial, quer na versão online, consiste, usualmente, num valor

pecuniário.

Mas, não se exige o ganho do jogador para que estejamos perante, por

exemplo, um crime de exploração ilícita de jogo, nos termos do art. 108.º, n.º 1,

da LJ35. Este crime depende tão só da exploração de um jogo de fortuna ou azar,

sem que um jogador receba um prémio e mesmo que não esteja ninguém a

jogar36, mas estejam reunidas e acessíveis as condições para a prática do jogo.

Também não se exige que o prémio retribuível seja pecuniário. Se, em

regra, os prémios dos jogos de fortuna ou azar são pecuniários, não é menos

verdade que há modalidades de jogo, exploráveis nos casinos, em que não se

exige o prémio pecuniário, como ocorre no caso das máquinas que, «não

pagando diretamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas

próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações

dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte»37. CONDE FERNANDES

distingue este tipo de jogo dos restantes, referindo que não se trata de um jogo

«a dinheiro», por não haver prémio pecuniário, mas consiste num jogo «com

dinheiro», porque a prática do jogo requer o emprego de valores pecuniários38.

Concordamos inteiramente com a distinção, pese embora o autor a aplique

incorretamente aos jogos de fortuna ou azar. Por outras palavras, entende que o

35

Alguns arestos referem que «não é elemento do tipo legal de crime de exploração de jogo de fortuna ou azar que o jogador tenha ganho ou perda de natureza económica consoante o resultado do jogo, porquanto o legislador quis prevenir o mero perigo de isso se poder verificar» (sublinhado nosso) (ac. do TRP, de 24-05-1995, rel. por Matos Manso, em www.dgsi.pt). Tal afirmação não é rigorosa, porque no jogo de fortuna ou azar, o jogador despende sempre, a título de aposta, uma quantia pecuniária para jogar, o que já constitui, só por si, uma perda económica nos casos em que não ganhe nada. 36 Neste sentido, ac. do TRE, de 08-03-2005, rel. por António Pires Henriques da Graça, em www.dgsi.pt. 37 Art. 4. º, n.º 1, al. g), da LJ. 38 CONDE FERNANDES, «Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro», in PAULO PINTO DE

ALBUQUERQUE e JOSÉ BRANCO (org.), Comentário das Leis Penais Extravagantes, vol. II, Lisboa: Universidade Católica Editora, 2011, p. 360. O autor não se encontra sozinho, v. acórdão TRL, de 07-11-2007, proc. n.º 5955/2007-3, rel. por Moraes Rocha, em www.dgsi.pt.

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Jogo de Fortuna ou Azar: Fisiologia e Delimitação

17

art. 4.º, n.º 1, al g), da LJ se aplica às situações em que as máquinas não pagam

qualquer prémio, mas funcionam com dinheiro. O autor erra na interpretação

deste «conceito-tipo» de jogo de fortuna ou azar. Os jogos de fortuna ou azar

explorados nos casinos possuem na sua fisiologia um prémio atribuível em

função do resultado do jogo ser favorável ao sentido da aposta do jogador. É

característica essencial do jogo de casino a existência de um prémio, o que se

retira das disposições conjugadas dos arts. 1.º e 4.º da LJ e da existência de uma

aposta nos jogos de fortuna ou azar, já que esta só surge pela possibilidade de

ganhar um prémio.

2.2. Delimitação negativa do jogo de fortuna ou azar: as modalidades

afins

A pioneira versão da LJ, de 1927, não regulava as modalidades afins do

jogo de fortuna ou azar, remetendo-as para legislação especial a estabelecer39.

Surge, assim, com a Portaria n.º 5:154, de 16 de janeiro de 1928, o primeiro

diploma regulador do regime da exploração de algumas das, posteriormente

denominadas, modalidades afins, designadamente das tômbolas e das rifas,

considerando-as uma «operação oferecida ao público para fazer nascer a

esperança de um ganho que haja de obter-se por meio de sorte» (art. 1.º).

Dependendo ambos da sorte, as modalidades afins distinguiam-se do jogo

de fortuna ou azar por consistirem numa «operação oferecida ao público». O

que, então, as caracterizava era a faculdade dos seus exploradores poderem

anunciar a sua venda e interpelarem o público, por implicarem uma menor

exposição aos «males do jogo». Distintamente, o jogo de fortuna ou azar de

casino não poderia ser anunciado – no sentido de publicitado – ao público. O

legislador concluiu que o jogo desenvolvido nos casinos conduz a uma maior

exposição ao vício do jogo e a consequentes problemas sociais.

39 Art. 62.º do Decreto n.º 14:643.

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18

Após um período de interdição da exploração40, as modalidades afins

foram novamente objeto de permissão legal de exploração com o Decreto-Lei

n.º 41562, de 18 de março de 1958, porque o legislador à época, como o

contemporâneo, considerou que determinadas modalidades de jogo, designando-

as de «afins», revestem algumas características do jogo de fortuna ou azar41,

devendo ser reguladas num mesmo diploma que seja objeto do crivo

parlamentar, ainda que a respetiva regulamentação ocorra ao nível ministerial.

À data, o conceito de modalidades afins manteve-se, na essência,

inalterado, sendo «As operações oferecidas ao público em que a esperança de

ganho reside essencialmente na sorte»42. Com a atual LJ, na versão conferida

pelo Decreto-Lei n.º 10/95, de 2 de dezembro, o conceito foi alterado,

preconizando-se que «são operações oferecidas ao público em que a esperança

de ganho reside conjuntamente na sorte e perícia do jogador, ou somente na

sorte, e que atribuem como prémios coisas com valor económico»43.

Mantendo a noção de operação oferecida ao público, restringe-se a

atribuição de prémios a «coisas com valor económico»44, que até agora podiam

revestir natureza pecuniária45. O preceito legal prevê, agora, que nas

modalidades afins a esperança de ganho, também, pode assentar somente na

sorte, confirmando o entendimento que propugnámos, aproximando os conceitos

de jogo de fortuna ou azar e de modalidades afins, pela partilha de um elemento

40 A Portaria n.º 5:154, 16 de janeiro de 1928, foi revogada pela Portaria n.º 6:391, de 7 de setembro de 1929, para depois ser repristinada pela Portaria n.º 6:754, de 17 de março de 1930, e, por último, revogada pela Portaria n.º 7:094, 29 de abril de 1931. 41 Considerando da Portaria n.º 7:094, e 7.º parágrafo do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 41562, de 18 de março de 1958, alterado pelos Decretos-Lei n.ºs 45798, de 7 de julho de 1964, e 47623, de 3 de abril de 1967. 42 Apesar de, na definição de modalidades afins, o proémio do art. 38.º apenas referir que «a esperança de ganho reside essencialmente na sorte» não deve, por maioria de razão, restringir-se o conceito, considerando que nos casos em que a esperança de ganho resida exclusivamente na sorte não estejamos, também, perante uma modalidade afim, de que são exemplo os jogos exemplificados no § 1.º. 43 Art. 159.º, n.º 1, da LJ. 44 Art. 161.º, n.º 3, in fine, da LJ. 45 Art. 1.º, a contrario, por não se dispor sobre tal atribuição, da Portaria n.º 5:154, do art. 38.º, n.ºs 1 e 3, do Decreto-Lei n.º 41562, e art. 43.º, n.ºs 1 e 3, do Decreto-Lei n.º 48912, de 18 de março de 1969, alterado pelos Decretos-Lei n.ºs 82/83, de 11 de fevereiro, e 22/85, de 17 de janeiro. Onde a lei não distingue não deve o intérprete distinguir, razão pela qual não procede a afirmação de JANUÁRIO

PINHEIRO de que os prémios não podiam ser dinheiro, mas apenas representação de dinheiro, que recorre única, e restritivamente, ao § 3.º do art. 43.º do Decreto-Lei n.º 48912 (Lei do Jogo. Anotada e Comentada, Coimbra: Almedina, 2006, p. 560).

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19

que caracteriza ambos – a essencialidade ou exclusividade da «sorte» (alea) no

apuramento do resultado. É, de resto, pela presença deste elemento «sorte» que

certas modalidades de jogo se revelam «afins» do jogo de fortuna ou azar.

As modalidades afins apresentam quatro elementos essenciais no seu

recorte conceptual: (i) são operações de oferta ao público, (ii) tem de haver

esperança de ganho, (iii) os resultados dependem conjuntamente da sorte e

perícia do jogador, ou somente da sorte, e (iv) os prémios têm de consistir em

coisas com valor económico.

Na interpretação do conceito deve, ainda, ter-se em conta os conceitos-

tipo de modalidades afins do art. 159.º, n.º 2, e as proibições do art. 161.º, n.º 3,

de que não podem desenvolver temas característicos dos jogos de fortuna ou

azar, «nem substituir por dinheiro ou fichas os prémios atribuídos».

A doutrina tem esgrimido argumentos utilizando aqueles elementos, a fim

de distinguir o jogo de fortuna ou azar das modalidades afins; e, de igual modo,

os tribunais vão ditando acórdãos, espalhando a confusão sobre o critério

distintivo das duas categorias de jogo.

Alguns arestos lançam o enfoque sobre o carácter totalmente aleatório do

resultado46, referindo que há exploração ilícita de jogo de fortuna ou azar

quando a modalidade em causa dependa essencialmente do acaso e da sorte do

jogador. Esta argumentação visa atribuir relevância, de per si, ao art. 1.º da LJ,

descurando que também nas modalidades afins a sorte é determinante para

apuramento do resultado, porquanto a esperança de ganho reside conjuntamente

na sorte e perícia do jogador ou somente na sorte. A perícia do jogador pode

existir em alguns jogos de ambas as categorias, mas nunca será determinante

para o apuramento do resultado, ainda que o influencie. Em rigor, o critério da

«sorte» para obtenção do resultado não releva para distinguir, entre si, as duas

categorias de jogo47. Pelo contrário, é justamente este elemento que as torna

46 Ac. do TRP, de 27-02-2008, rel. por Francisco Marcolino, em www.dgsi.pt. 47 Não vingam entendimentos de que o Decreto-Lei n.º 48:912 distinguia, convenientemente, e por recurso ao elemento «sorte», os jogos de fortuna ou azar das modalidades afins, no sentido de que naqueles os resultados dependiam exclusivamente da sorte, ao passo que nestes dependiam apenas essencialmente. Por conseguinte, o cerne da distinção nunca foi o elemento «sorte», contrariamente ao defendido no ac. TRL, de 26-10-2005, rel. por Carlos Almeida, em www.dgsi.pt, de que não existe nenhum critério material de distinção e oferecendo um critério formal assente unicamente na

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próximas, logo «afins». Este critério da «sorte» serve, apenas, para distinguir os

jogos de fortuna ou azar e as modalidades afins dos jogos de perícia, porque

nestes a perícia48 do jogador é determinante para o resultado obtido.

Noutros casos evidencia-se a natureza pecuniária dos prémios

atribuídos49, fazendo-a coincidir com os ilícitos penais. Se os prémios

atribuíveis forem dinheiro, ou fichas convertíveis em moeda corrente, estaremos

perante um ilícito penal, o que não sucederá com prémios de natureza diversa,

caso em que estaremos perante um ilícito contraordenacional50. Tal não é

inteiramente conforme à Lei do Jogo, já que se não dispõe sobre a natureza do

prémio, em alguns dos jogos desenvolvidos nos casinos, também não impede

que os prémios sejam de coisa com valor económico. O diploma impede é que

as modalidades afins atribuam prémios pecuniários51.

Outra linha procura a distinção recorrendo ao tipo de operações

oferecidas ao público52. Assim, teremos modalidades afins quando haja

interpelação e promoção direta junto do público. No entanto, de acordo com

uma interpretação atualista, esta promoção não pode mais cingir-se aos casos de

interpelação pessoal do público nas ruas, ou em outros locais de deslocação das

pessoas53. A forma de anunciação dos produtos e serviços mudou radicalmente

nos últimos anos. Do anúncio de jogo nas ruas caminhámos para os anúncios

nos Mass Media e na Internet54.

autorização de exploração dos jogos de fortuna ou azar elencados no art. 4.º da LJ, sendo os demais modalidades afins. 48 Alguns arestos remetem os jogos de perícia para os jogos de diversão por contraposição aos jogos de fortuna ou azar (ac. TRE, de 03-06-2008, rel. por João Gomes de Sousa, em www.dgsi.pt). Este silogismo é incorreto, porque em ambos pode ocorrer divertimento. 49 Ac. do TRC, de 09-04-2008, rel. por Orlando Gonçalves, e ac. do TRL, de 07-02-2007, rel. por Carlos de Sousa, em www.dgsi.pt. 50 Esta linha jurisprudencial acolhe esta interpretação das disposições conjugadas dos arts. 1.º, 4.º, n.º 1, al. g), e 161.º, n.º 3, in fine, da LJ. 51 N.º 1 do art. 159.º e n.º 3 do art. 161.º da LJ. 52 Ac. do TRP, de 26-04-2000, rel. por Dias Cabral, e ac. do TRL, de 26-09-2006, relatado por Simões de Carvalho, em www.dgsi.pt. 53 Concordante, o ac. do TRE, de 11-07-2006, rel. por Ribeiro Cardoso, em www.dgsi.pt, afirmando que «a oferta de operações não carece de ser feita através de publicidade, podendo resultar da colocação do jogo em lugar visível de um qualquer estabelecimento comercial». 54 A afirmação de que o jogo de fortuna ou azar não é oferecido ao público deve restringir-se aos jogos de casino de base territorial. A regulamentação do jogo online alterou o paradigma ao nível da promoção do jogo de fortuna ou azar versão casinos online.

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Jogo de Fortuna ou Azar: Fisiologia e Delimitação

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A predeterminação do prémio serviu55, em alguns casos, para delimitar as

modalidades afins, sendo as operações em que o prémio está pré-fixado e se

dirige a um número indeterminado de pessoas, na inversa será jogo de fortuna

ou azar. Embora a predeterminação do prémio seja comum às modalidades

afins, nada impede que nos jogos de fortuna ou azar haja predeterminação de

prémios, de que são exemplo os torneios de «poker».

Alguns tribunais enfatizam a temática do jogo56, sendo considerados

jogos de fortuna ou azar os reservados à exploração pelos casinos, nos termos

do art. 4.º, estando o ilícito penal de exploração ilícita, do art. 108.º, preenchido

quando fossem explorados fora das zonas de jogo. Outros atribuem relevo a um

duplo critério, devendo considerar-se a temática do jogo ou a natureza dos

prémios57. A defesa deste critério tem surgido associado aos casos de

exploração de máquinas de jogo, segundo o qual apenas seria ilícito penal a

exploração de máquinas que desenvolvessem temas próprios de jogos de fortuna

ou azar, elencados no art. 4.º da LJ, independentemente do pagamento de

qualquer prémio ou as máquinas que não desenvolvendo os referidos temas

atribuíssem prémios em dinheiro ou convertíveis em dinheiro. Em rigor,

devemos conjugar os arts. 1.º e 4.º para, dos conceitos-tipo, extrairmos a

fisiologia dos jogos de fortuna ou azar. O critério do tema do jogo é insuficiente

para classificar determinada modalidade de jogo se outras características não

estiverem presentes.

A divergência jurisprudencial revela-nos que a fronteira entre o jogo de

fortuna ou azar e as modalidades afins, além de pouco clara, é sinuosa. Os

critérios são tão distintos que proporcionam soluções díspares, apontando, em

alguns casos, para crimes de exploração ilícita de jogo, porque os resultados dos

jogos desenvolvidos dependem do fator sorte, ou porque pagam prémios em

55 Ac. da TRC, de 16-05-2007, rel. por Gabriel Catarino, em www.dgsi.pt. 56 Ac. do TRL, de 26-10-2005, já referido. 57 Ac. do STJ, de 28-11-2007, rel. por Henriques Gaspar, e ac. do TRL, de 16-10-2007, rel. por Agostinho Torres, em www.dgsi.pt.

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Do Jogo de Fortuna ou Azar O Atual Paradigma na Exploração ilícita

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dinheiro ou porque não são formas de oferta ao público; noutros apontando para

ilícitos de mera ordenação social.

Devido à disparidade de soluções judiciais, o STJ emanou, em 04-02-

2010, um acórdão fixando jurisprudência sobre o enquadramento legal de um

determinado tipo de máquinas que desenvolvem o tema de jogo de «rifa»,

permitindo o jogo «com dinheiro» e «a dinheiro»58. Este aresto permite recortar

do quadro legal a distinção entre os jogos de fortuna ou azar e as modalidades

afins.

É, pois, da conjugação do conceito de jogo de fortuna ou azar, do art. 1.º,

com os conceitos-tipo, do art. 4.º, e da conjugação do conceito das modalidades

afins, do n.º 1 do art. 159.º, com os conceitos-tipos do n.º2, que devemos

recortar a distinção entre as duas categorias de jogo59. Os conceitos de ambas

são, por um lado, insuficientes para as distinguir e, por outro, são precisamente

o que as aproximam. Em ambas a sorte é determinante, de forma essencial ou

exclusiva, para o resultado obtido. A perícia do jogador também poderá existir

em vários jogos desenvolvidos nas duas categorias. A esperança de ganho não

caracteriza unicamente as modalidades afins, já que nas restantes modalidades

também se encontra presente, e o critério das operações oferecidas ao público

também não é exclusivo das modalidades afins, porquanto também ocorre nos

denominados «jogos sociais do Estado», estes igualmente jogos de fortuna ou

azar.

O que caracteriza as modalidades afins é o prémio ter de ser coisa com

valor económico (n.º 1, in fine, do art. 159.º). Aparentemente no jogo de fortuna

ou azar o prémio é pecuniário, porque nos casinos desenvolvem-se os jogos (do

art. 4.º) com atribuição de prémio pecuniário.

Duas importantes considerações merecem aqui lugar. A primeira é de que

a existência de um prémio pecuniário, embora pareça caracterizar o jogo de

fortuna ou azar, não remete para este todas as situações em que determinado

58 A distinção entre jogos de fortuna ou azar e modalidades afins resulta tão complexa que a sentença contou com seis votos vencidos, dos dezoito juízes conselheiros (ac. do STJ, de 04-02-2010, rel. por Rodrigues da Costa, em www.dgsi.pt). 59 Neste sentido, RUI PINTO DUARTE, op. cit., p. 81.

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Jogo de Fortuna ou Azar: Fisiologia e Delimitação

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jogo seja suscetível de atribuir tal prémio. É que, sendo proibido o prémio

pecuniário nas modalidades afins, a Lei sanciona a exploração destas

modalidades com uma coima, e não com uma sanção penal, quando se substitua

o prémio atribuído – coisa com valor económico – por dinheiro ou fichas60. Não

parece fazer sentido sancionar criminalmente a exploração de um jogo com

tema próprio de uma modalidade afim, convertendo-o em jogo de fortuna ou

azar, só pela mera atribuição de prémio pecuniário, quando o legislador visa

impedir, por via contraordenacional, que nas modalidades afins se substitua o

prémio respetivo por dinheiro ou fichas61.

A segunda é de os prémios atribuíveis nos casinos não têm apenas

natureza pecuniária. Nada impede que os prémios sejam convertíveis em

dinheiro, – as fichas e as guias de pagamento –, ou coisa com valor económico,

como é o caso das «Jogos em máquinas que, não pagando diretamente prémios

em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar

ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou

fundamentalmente da sorte» (al. g), n.º 1, do art. 4.º) 62.

Concordando com o recurso a conceitos-tipo, RUI PINTO DUARTE sugeriu

uma interpretação «segundo a qual o tipo de “jogos de fortuna ou azar” teria

como núcleo central uma aposta necessariamente em dinheiro, habilitante a um

prémio em dinheiro, e o tipo “modalidades afins” teria como núcleo central

uma prestação, normalmente avaliável em dinheiro, mas não necessariamente

consistente em dinheiro, habilitante a um prémio, sempre avaliável

pecuniariamente, mas nunca consistente em dinheiro»63. Apesar de tentadora,

60 N.º 3 do art. 161.º e n.ºs 1 e 2 do art. 163.º da LJ. 61 Discordamos de JANUÁRIO PINHEIRO que entende que «os organizadores e/ou exploradores das modalidades afins, quando ofereçam prémios em dinheiro, ficam sujeitos a penas criminais por exploração de jogo de fortuna ou azar» (op. cit., p. 547). O autor faz depender o tipo de ilícito da existência da autorização para exploração do tipo de jogo, conduzindo a distinção dos tipos a um critério formal. No mesmo sentido, o ac. do TRL, de 31-01-2007, rel. por Rodrigues Simão, em www.dgsi.pt. Ora, tal não pode suceder, porquanto a delimitação dos tipos penais só pode encontrar-se em critérios materiais de acordo com as respetivas categoriais legais e ligados à proteção de um determinado bem jurídico, sob pena de se violarem princípios com referência constitucional de dignidade penal, de carência de pena e de subsidiariedade penal (assim, o ac. do STJ, de 04-02-2010, já referido). 62 Todavia, não é despiciendo notar que, por questões atinentes ao funcionamento dos casinos e determinação do imposto especial sobre o jogo, os prémios atribuíveis são sempre pecuniários. 63 Op. cit., p. 81 (negrito nosso).

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esta interpretação não corresponde inteiramente à estrutura caracterizadora dos

jogos de fortuna ou azar constante no elencado dos conceitos-tipo. Como

dissemos, embora a tradição nos jogos de casino revele que o prémio atribuível

consiste em dinheiro, nada impede que possa ser coisa com valor económico.

Na LJ, o legislador combinou elementos generalizadores – as definições

de jogo – com elementos concretizadores – os conceitos-tipo de jogo. Os jogos

de fortuna ou azar são, tendencialmente, os tipificados de forma exemplificativa

no n.º 1 do art. 4.º. Assim, a especificação dos jogos de fortuna ou azar,

constante deste artigo, é «tendencialmente completa e comporta uma certa

rigidez, como é próprio de um tipo legal de crime, que é um tipo de garantia»,

pelo que todos os jogos que não detenham as características enunciadas nos arts.

1.º e 4.º não poderão ser jogo de fortuna ou azar, mesmo que os resultados

assentem exclusiva ou fundamentalmente na sorte64, ou que o prémio atribuível

seja pecuniário, revertendo para as modalidades afins. O que pode suceder é que

não respeitem integralmente as formas de exploração das modalidades afins,

caso em que os exploradores incorrem em responsabilidade contraordenacional.

Concluímos, afirmando, que para que um jogo se enquadre nas

modalidades de jogo de fortuna ou azar é necessário que, positivamente,

detenha todas as características – a fisiologia que propugnámos – do jogo de

fortuna ou azar, de acordo com a definição do art. 1.º, e estrutura dos conceitos-

tipo do art. 4.º, e, negativamente, não se enquadre no conceito das modalidades

afins e estrutura dos respetivos conceitos-tipo do art. 159.º.

64 Ac. do STJ, de 04-02-2010, já referido.

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CAPÍTULO II – REGIME JURÍDICO DO JOGO DE FORTUNA OU AZAR

3. Contextualização

Ininteligível à mente humana, a aleatoriedade do resultado dos jogos

de fortuna ou azar era, no caso da «sorte», encarada como algo quase divino,

e no caso de «azar», algo quase maléfico. A prática do jogo, em que o

jogador dependia da sorte, foi sempre encarada como algo profano e

moralmente condenável, por ser uma atividade sem esforço, não produtiva,

que conduzia a sociedade à ociosidade, à esperança da vida fácil e isolada da

vida normal de trabalho.

Atribui-se à antiga Grécia65 a invenção do jogo de dados, a forma mais

antiga de jogo de fortuna ou azar, que, embora não haja certeza quanto à

punição da sua prática, contava com um certo desprezo público66. Os jogos

que assentassem na aleatoriedade do resultado e cujo fim fosse o lucro –

jogos aleatórios ou jogos de azar – eram proibidos, sendo a sua prática

sancionada penal e civilmente na lex alearia67.

Devido ao forte apelo do jogo de fortuna ou azar, as intervenções

legislativas de todos os tempos refletiram a posição da Igreja68, que via no

jogo de azar uma atividade contrária às leis divinas, bem como os

inconvenientes sociais fomentados pela prática do jogo, tais como a ruína dos

patrimónios familiares e das próprias famílias, a alteração da ordem e

tranquilidade públicas e o vilipêndio da condição humana69, porque em

65 GIOVANNI PIOLETTI, «Giuochi Vietati», in Enciclopedia del Diritto, vol. XIX, Milano: Giuffrè Editore, 1970, p. 71. 66 PALAZZO, «Indagini Stotiche sui Delitti e sulle Pene: I Giuochi D’azzardo», in Revista di Diritto Penitenziario, 1934, p. 39, apud CARLOS MOTA PINTO, et al., op. cit., p. 38. 67 Os jogadores eram punidos com o quadruplum da aposta, posteriormente reduzida a simplum. Além disso, o jogador vencedor não gozava da solutio retentio e o jogador vencido gozava da condictio indebiti, (GIOVANNI PIOLETTI, op. cit., p. 72; UGO GUALAZZINI, «Guiochi e Scommesse (storia)», in Enciclopedia del Diritto, vol. XIX, Milano: Giuffrè Editore, 1970, p. 44). 68 BUTTARO, «Del Guioco e della Scommessa», in Comentario del Codice Civile (a cura de SCIALOJA e BRANCA), livro IV, 1959, p. 35 ss, apud CARLOS MOTA PINTO, et al., op. cit., pp. 42-43. 69 As leis eram ditadas de acordo com profundas valorações morais, sociais e económicas, sendo o jogo visto como algo de indigno para o bom cidadão (SEBASTIÁN LÓPEZ MAZA, op. cit., p. 34).

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alguns casos, depois de tudo perdido, apostava-se ao jogo o próprio jogador,

a mulher e os filhos. A paixão pelo jogo caracterizou de tal modo a Idade

Média que em muitos casos o próprio clero se prendeu ao jogo70. Esta

propensão para o jogo constituiu razão bastante para se considerarem ilícitas

as relações assentes no jogo de fortuna ou azar, por se considerar erguido

sobre a ignobilidade e ser um modo de vida em tudo anormal71.

A Igreja também tomou medidas proibindo aos católicos de jogarem a

dinheiro, leigos ou não, segundo o argumento de a sorte ser algo de divino,

em que Deus manifestava a sua vontade. Jogar-se à sorte a dinheiro seria

profanar a vontade divina72.

4. O regime jurídico do jogo em Portugal

Em Portugal, destacam-se dois grandes períodos de abordagem ao

fenómeno do jogo. Um período de repressão penal das condutas associadas ao

jogo de fortuna e azar, que vigorou até ao ano de 1927, e outro de maior

tolerância que caracteriza o atual instituto da autorização regulamentada.

4.1. Das casas de tavolagem aos casinos: da repressão à tolerância

Nas Ordenações Afonsinas73 encontramos as primeiras disposições

proibitivas, do período mediévico, da exploração do jogo de azar do nosso

ordenamento jurídico.

70 UGO GUALAZZINI, op. cit., p. 48. Com Justiniano, nas Leis Tícia, Publícia e Cornélia, eram proibidas aos clérigos a prática e a contemplação do jogo de azar (SEBASTIÁN LÓPEZ MAZA, op. cit., pp. 34-35); proibição, hoje, extensível, no nosso ordenamento jurídico, ao cidadão comum, sob a epígrafe de «Presença em local de jogo ilícito» (art. 111.º da LJ). 71 EMILIO VALSECCHI, «Guiochi e Scommesse (dir. civ.)», in Enciclopedia del Diritto, vol. XIX, Milano: Giuffrè Editore, 1970, p. 50. 72 GIOVANNI PIOLETTI, op. cit., p. 72, ANTONIO PERTILE, Storia del Diritto Italiano: Dalla Caduta dell Impero Romano alla Codificazione, vol. V, Torino: Unione Tipografico Editrice, 1892, p. 542. 73 Também Reformaçoens das Ordenaçoens (LUÍS DUARTE, Justiça e Criminalidade no Portugal Medievo (1459-1481), Lisboa: Função para a Ciência e a Tecnologia, 1999, pp. 119-120, nota 369).

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No título «XXXXI», dispunha-se «Que nom joguem a dados dinheiros,

nem aja hi tavollagem»74. Entendia-se que, por via da ociosidade, o jogo de

dados induzia os homens ao pecado e que da sua prática resultavam

alterações da ordem e tranquilidade públicas e, em alguns casos, mortes.

Proíbem-se a tavolagem75 em praça ou em «escondido», o dar dinheiro a

tavolagem e a prática do jogo de dados. O jogo de fortuna ou azar era um

«jogo ilícito», por conduzir ao pecado. Esta visão moralista do jogo de azar,

largamente cunhada pela religião, perdurou durante séculos, cravando na

história a perene dificuldade das civilizações, independentemente do estádio

de evolução, lidarem com o fenómeno do jogo de azar.

Puniam-se os exploradores do jogo de azar e os jogadores

tavolageiros76 com a perda do dinheiro encontrado no jogo. Aos jogadores

eram-lhes ainda aplicadas penas pecuniárias, sendo mais elevadas no caso dos

jogadores de elevada condição social, que eram encarcerados até pagarem.

No caso dos jogadores sem posses – «homeés vis» – eram açoitados em praça

pública, quando, depois de encarcerados, insistissem em não pagar.

Devido à forte reprovação social do jogo, o diploma abriu portas à

perseguição dos jogadores, já que as situações de condenação não se

restringiam aos casos de flagrante delito da prática do jogo de azar, bastando

que fosse provado que alguém tinha jogado. Tal deve-se, sobretudo, a uma

ideia de desvalor do próprio jogo de azar, e não apenas a uma ideia de

proteção de valores ou de bens jurídicos. Tal permite pensar o jogo de azar

como algo de ilícito em si mesmo, sobretudo nos casos em que já não há

perigo de perturbação da ordem e tranquilidades públicas, do património dos

jogadores e da vida familiar, porque a prática do jogo já cessou. Surge, ainda,

a perseguição penal daqueles que apenas fossem encontrados a assistirem ao

74 Ordenações Afonsinas, Livro V, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1984, pp. 148-152, ou em Ordenações Del-Rei D. Duarte, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1988, pp. 466-467. Ainda, NUNO SILVA, Livro das Leis e Posturas, Lisboa: Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 1971, pp. 324-325. 75 Também «tabulagem». Casa (ou lugar) onde se joga ou o próprio jogo de azar (GRANDE ENCICLOPÉDIA Portuguesa e Brasileira, vol. XXX, Lisboa e Rio de Janeiro: Editorial Enciclopédia, s.d., p. 842 e MÁRIO FIÚZA, Elucidário das Palavras, Termos e Frases, vol. II, Porto: Livraria Civilização Editora, 1983, p. 579). 76 Quem se dedicava à prática do jogo em tavolagem.

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jogo. Com menor relevância penal face aos jogadores, eram apenas punidos

com a perda das vestes, que, pagando por elas, podiam reaver, e com uma

noite de prisão77. É uma incriminação que ainda hoje se mantém no atual art.

111.º da LJ.

Com D. João I surgem novas incriminações em torno do jogo de azar.

Altera-se o elemento objetivo do tipo, alargando-se a perseguição penal aos

casos de jogo de dados a «dinheiros molhados»78 (§ 10).

A aversão, do legislador, ao jogo de azar levou D. Dinis, a erigir em

1304, uma Lei que punia com a pena de morte os casos de jogo falso, jogo

com dados falsos ou chumbados (jogo fraudulento). Considerando que em

alguns casos se jogaria a pequenas quantias e que a pena seria desigual ao

prejuízo causado, o legislador substituiu aquela sanção pelo açoitamento

público, pelo degredo para as ilhas e pelo pagamento em triplo do que o

jogador ganhou ao jogo79.

O apelo do jogo de fortuna ou azar com dados depressa abriu caminho

a outras formas de jogo, de que é exemplo o jogo com cartas80. As cartas de

77 § 4 e 8, do título «XXXXI», do Livro V, das Ordenações Afonsinas. 78 Jogar a «dinheiros secos» era jogar com moeda corrente. Também se podia jogar a «dinheiros molhados», jogando-se a coisas comestíveis a descontar a dinheiro (MÁRIO FIÚZA, op. cit., p. 196). Não é correta a indicação de PEDRO LISBOA, quando identifica o termo «dados molhados» com o jogo sem apostas ou com apostas de valor reduzido (“Jugar, Jugando”: Discursos sobre o Jogo de Sociedade em Finais do Antigo Regime (1700-1825), Tese de mestrado inédita, Lisboa: Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, 2006, pp. 203-204), porque o jogo de dados sem apostas não merecia tutela penal. O jogo começou por ser totalmente proibido, mas, por ser impossível conter o fenómeno, cedo se aligeirou a legislação, proibindo-se apenas os jogos a dinheiro (FERNANDA FRAZÃO, No Tempo em que Jogar às Cartas era Proibido, Séculos XV e XVI em Portugal, Lisboa: Apenas Livros, 2003, p. 5). 79 Não resulta líquida a razão da punição do jogo falso, jogo com dados falsos ou chumbados, porque ao punir-se o jogador que assegure a sorte através destes artifícios estar-se-á, de forma direta, a assegurar os interesses dos restantes jogadores no jogo de azar e, indiretamente, a proteção do próprio jogo. Como vemos, o jogo de azar era absolutamente proibido, pelo que a norma parece ser axiologicamente contrária à proibição do jogo de azar. 80 MANUEL J. GANDRA, «Cartas de Jogar», Boletim Cultural 2003, Mafra: Câmara Municipal de Mafra, 2004, p. 123. Os primeiros relatos sobre o jogo de azar com cartas, em Portugal, datam de finais do século XV (do ano de 1490). Ter-se-á aqui propagado pela mão de alfeloeiros vindos de terras castelhanas (Documentos do Arquivo Histórico da Câmara Municipal de Lisboa, Livro de Reis, I., Lisboa: 1957, doc. n. 35º, p. 240). O João de Olmedo de Campos foi o primeiro estanqueiro monopolista das cartas de jogar, tendo-lhe sucedido outros, de que são exemplos os «Contratos de Jogar e Solimão» de 1687 e de 1705 outorgados com os estanqueiros António da Silva e Manoel Coelho Velozo, respetivamente (Regimento das Alfândegas, dos Desportos Secos, Molhados & Vedados, Lisboa: Officina de Valetim da Costa Deslandes, 1705, p. 377 e ss). Os séculos XVII e XVIII testemunharam, pela difusão do «jogo de cartas», um apelo ao jogo, tanto ilícito como lícito. Também nos chamados jogos lícitos se perdiam e ganhavam apostas e a avidez

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jogar, tal como os dados, não são exclusivas para o jogo a dinheiro81.

Todavia, e distintamente dos dados, as cartas, dependendo do tipo de jogo,

admitem a perícia do jogador. Estes dois elementos associados terão

conduzido a uma tardia reação do legislador82 ao aumento da tavolagem com

cartas de jogar.

As Ordenações Manuelinas são um marco rumo ao atual conceito de

jogo de fortuna ou azar, porque não só admitem o elemento perícia do

jogador, desde que não determinante para o resultado, como excluem do

elemento do tipo os jogos de dados em que o resultado é a mera vitória no

jogo – jogos de mero entretenimento. O legislador, livre de uma visão

moralista, admite os «jogos de dados com tauolas em tauoleiro (…), porque

os homens tenham em que se desenfadarem» 83, reconhecendo, pela primeira

vez, o carácter unicamente lúdico num tipo de jogo.

Foi nos séculos XVI e XVII que a Igreja teve maior influência nas

opções legislativas84. Se tomarmos como referência as Ordenações Filipinas

verificamo-la no punho do legislador. Definiram-se como jogos «defesos»,

além dos jogos de fortuna ou azar, também os jogos que afastavam as pessoas

das igrejas e da vida normal de trabalho85. A manifestação da moral religiosa

não se quedou pela influência nos elementos do tipo no jogo de fortuna ou

azar. Aos tribunais eclesiásticos foi-lhe reconhecida competência para

julgarem delitos que atentavam, simultaneamente, contra valores sociais e

[sic] do fisco autorizou o jogo de cartas que quase se dispensaram as leis contra a tavolagem (REBELO DA SILVA, História de Portugal nos Séculos XVII e XVIII, tomo V, Lisboa: Imprensa Nacional, 1971, pp. 524-525). 81 As medidas proibitivas do jogo de cartas na Europa visavam abolir o jogo de azar e não o jogo lícito (EGAS MONIZ, História das Cartas de Jogar, Lisboa: Apenas, 1998, p. 20). 82 As preocupações com o jogo de azar conduziram à aprovação de ordenações para impedir os ajuntamentos de pessoas em locais de habitual prática de jogo de azar (GABRIEL PEREIRA, Documentos Históricos da Cidade de Évora, vol. III, Typographia Economica de José d’Oliveira, 1887, p. 54). 83 § 3 do título XVLIII, das Ordenações Manuelinas, Livro V, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1984, p. 160. 84 A influência da Igreja na censura do jogo manifestou-se para além das opções legislativas. Como exemplo, D. João II, sabendo que em algumas casas se jogavam jogos de dados e cartas, e entendendo que «Deos era defferuido, e seu Sancto nome renegado (…) e por castigo do que nas ditas casas se fazia (…) as mandou queimar» (GARCIA DE RESENDE, Crónica de D. João II e Miscelânea, Lisboa: Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1973, p. 145). 85 Ao «homem de trabalho» era igualmente vedado jogar em qualquer dia (§ 10, do título LXXXII do Livro V, das Ordenações Filipinas, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1984).

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contra valores religiosos. Eram os casos de mixti-fori e nos quais se incluía o

jogo de fortuna ou azar86. Os prelados e seus oficiais podiam conhecer dos

crimes de foro misto, quer os cometidos pelos clérigos quer pelo povo.

As codificações penais de 1852 e de 1886 arrumaram os tipos de ilícito

do jogo de fortuna ou azar no capítulo que tutela a ordem e tranquilidade

pública87, inovando quanto à revelação do interesse protegido.

À medida que se caminhou para o século XX o «discurso apocalíptico»

sobre o jogo tomou intensidade e propiciou antagonismos. Os periódicos, da

época, tendiam a veicular ideologias, mais do que informação88. O mote era a

defesa da moral e dos bons costumes. Os parlamentares, a imprensa e o

cidadão comum, discutiam entre uma punição mais severa do jogo e a sua

permissão controlada. Em 1927, optou-se pela segunda.

4.2. Do regime de exclusivo: a autorização regulamentada

Há muito se considerava que a repressão em absoluto do jogo de

fortuna ou azar não impedia que este grassasse junto das camadas sociais89.

De entre os deputados primo-novecentistas, monárquicos e

republicanos, havia quem, como OLIVEIRA MATTOS, entendesse que se o

86 Estes são casos de foro misto, que podiam ser julgados pelo ordinário diocesano ou pelo juiz da Coroa (ANTÓNIO HESPANHA, «O Poder Eclesiástico. Aspectos Institucionais», in JOSÉ MATTOSO (Org.), História de Portugal, vol. IV, Lisboa: Estampa, 1993, pp. 10 e 288). Concebia-se o jogo de azar, não só como um caso de lesão da ordem e tranquilidade pública e do património, mas essencialmente como um pecado, uma ofensa a Deus (ANTÓNIO GONÇALVEZ, Leis Extravagantes Collegidas e Relatadas pelo Licenciado Duarte Nunez do Liam per Mandado do Muito Alto & Muito Poderoso Rei Dom Sebastiam Nosso Senhor, Lisboa: edição de autor, 1569, pp. 82-82v). Ainda FRANCISCO SAMPAIO, Prelecções de Direito Patrio Publico e Particular, Oferecidas ao Serenissimo Senhor D. Joaõ Principe do Brasil, 1.ª e 2.ª parte, Coimbra: Real Imprensa da Universidade, 1793, p. 39. 87 Arts. 264.º a 269.º, do capítulo X, secção I. O jogador que fizesse do jogo modo de via era punido como «vadio», nos termos do art. 256.º Consiste, pois, na censurabilidade das condutas sociais contrárias à vida normal de trabalho a que já aludimos. 88 IRENE VAQUINHAS, Nome de Código “33856”: Os “Jogos de Fortuna ou Azar” em Portugal entre a Repressão e a Tolerância (De Finais do Século XIX a 1927), Lisboa: Livros Horizonte, 2006, pp. 18-19. 89 A carta aberta de TAVARES LEAL ao ministro do reino sobre a existência de casa onde se jogava o jogo do «Monte», vulgo «Batota» é caracterizadora da expansão do jogo junto da sociedade oitocentista (passim As Casas de Jogo e a Rusga, Lisboa: Livraria Avellar Machado, 1888, pp. 3-16).

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Regime Jurídico do Jogo de Fortuna ou Azar

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Estado não conseguia suprimir o jogo devia, pelo menos, obter lucro dele90.

Ou como o economista e político ANSELMO DE ANDRADE para quem, além de

um vício, o jogo é uma função económica91. De igual modo, TOMÁS

CABREIRA, ministro das Finanças em 1914, entendendo que «o jogo tal como

se explora atualmente, apesar de todas as proibições que ninguém respeita[92]

e de que todos se riem, é uma receita perdida para os cofres públicos, para os

melhoramentos locais e para a assistência a crianças e inválidos, que muito

teriam a lucrar, se o jogo fosse regulamentado e acabasse a comédia

indecorosa da sua impossível repressão»93. Nestas palavras, a regulamentação

do jogo de fortuna ou azar surge como uma cura para as debilidades sociais e,

houve quem acrescentasse, para o desenvolvimento das infraestruturas, pela

promoção do turismo e das localidades afetadas pelo incremento da

«jogatina».

As investidas policiais nas casas de tavolagem e a perseguição penal da

atividade do jogo de fortuna azar rapidamente se revelaram medidas

insuficientes para conter a prática deste jogo.

A ambiguidade legal, que resultava da punição penal do jogo de azar e

a tributação autárquica das casas de recreio que exploravam o jogo, lançou o

mote para o diálogo político sobre o quadro legal do jogo de azar94. Mais, a

contradição na opção de proibição absoluta do jogo de azar em Portugal e a

sua permissão nas colónias portuguesas conduziu ao desagrado das

sociedades exploradoras dos casinos. O discurso proibicionista era

inconciliável95.

A pretexto de iniciativas de índole social para apoio das classes sociais

economicamente debilitadas, o discurso da regulamentação do jogo de azar

90 Diário da Câmara dos Deputados, n.º 75, sessão de 25 de maio de 1900, fl. 4. 91 ANSELMO DE ANDRADE, passim Portugal Económico, Lisboa: Manuel Gomes Editor, 1902, pp. 172-278. 92 IRENE VAQUINHAS, dando nota dos locais e da dimensão do jogo em Portugal, com atribuição, à margem do Direito Penal, de licenças de exploração do jogo pelas autarquias (passim op. cit., pp. 24-49). 93 THOMAZ CABREIRA, O Algarve Económico, Lisboa: Imprensa Libânio da Silva, 1918, p. 259. 94 V. as críticas parlamentares ao Governo pela passividade na efetiva repressão do jogo em Diário da Câmara dos Deputados, 12.ª e 18.ª sessões da 1.ª legislatura, em 17 e 26 de outubro de 1906, fls. 8 e 10. 95 IRENE VAQUINHAS, op. cit., pp. 49-50.

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erguia-se em torno de interesses económicos e locais apoiados pelas

autarquias. Defendia-se que a regulamentação era essencial ao

desenvolvimento do turismo – um turismo de luxo - contribuindo para o

aumento das receitas do Estado. É assim que a favor da regulamentação do

jogo de azar se mobilizaram influências e grupos de pressão, para a qual

convergiram interesses públicos e privados, associações profissionais e poder

autárquico96.

Nos últimos anos da monarquia e no início da Primeira República são

apresentados no Parlamento onze projetos regulamentadores, que merecem

rejeição porque os interesses locais eram inconciliáveis com os interesses

nacionais97.

O último Projeto-Lei apresentado, na sessão de 21 de abril de 1913,

procurou um compromisso entre a regulamentação e a proibição do jogo, o

que se verificou ser inconciliável devido aos próprios princípios ideológicos

vincados nas participações dos parlamentares. A ideologia que defende a

proibição do jogo é antagónica dos princípios que permitem a sua

regulamentação. O projeto foi rejeitado.

Já em plena ditadura é aprovada a primeira LJ – o Decreto n.º 14.643 –

que revoga as disposições penais de 1886, dando lugar ao instituto da

autorização regulamentada98.

96 Idem, p. 50. No sentido inverso, vários autores insurgem-se contra a regulamentação do jogo, procurando alertar o legislador para a dependência do jogo, de que é exemplo NORBERTO TEIXEIRA, O Projecto de Lei Sobre a Regulamentação do Jogo em Portugal, Porto: Encyclopedia Portugueza Illustrada, 1909, pp. 96-104. 97 Câmara dos Dignos Pares do Reino, 28.ª sessão, em 21 de novembro de 1906, fls. 363-364; Diário da Câmara do Senhores Deputados, 64.ª sessão, em 11 de agosto de 1908, fls. 1-4; 34.ª sessão, em 24 de julho de 1909, fls. 4-5; 35.ª sessão, em 26 de julho de 1909, fls. 4-5; Diário da Câmara dos Deputados, 14.ª e 17.ª sessões, em 20 e 22 de dezembro de 1911, fls. 8 e 3; 20.ª, 30.ª e 31.ª sessões, em 08, 09 e 11 de janeiro de 1912, fls. 19-20, 5 e 6-8, 58.ª sessão, em 26 de fevereiro de 1912, fls. 2-3; 155.ª sessão, em 02 de julho de 1912, fl. 1; 87.ª e 88.ª sessões, em 28 de março e 11 de abril de 1912, fls. 6 e 5; e 75.ª sessão ordinária do 3.º período da primeira legislatura, em 21 de abril de 1913, fls. 29-60, em www.parlamento.pt. 98 O diploma assume que sempre foi «baldado» o esforço de repressão do jogo de fortuna ou azar. Afirma que a regulamentação resulta da necessidade de controlar os abusos e de já não ser possível reprimir o jogo. O Governo refere que a aprovação do diploma resulta de a Ditadura Militar não carecer de uma «clientela eleitoral» e, por conseguinte, não ter de sucumbir aos interesses molestados com a regulamentação, mas tal não é verídico. Como refere IRENE VAQUINHAS, «a regulamentação do jogo teria sido uma das “moedas de troca” para o apoio financeiro ao movimento que deflagrou em 28 de Maio e que abriu caminho à institucionalização do Estado

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O diploma permite uniformizar várias propostas anteriores num

esforço de acabar com as comuns «casas da roleta», que tanto serviam ao

jogador de baixa condição económica e social99 e traz-nos, de forma pioneira,

o conceito de jogo de fortuna ou azar (art. 1.º), mantendo a proibição do jogo

de azar suprimível pela outorga da exploração – o regime da autorização

regulamentada (art. 5.º). Imbuído pela ideia de devassidão, o legislador

interdita a entrada a quem exerça poderes de autoridade, salvo se em serviço,

e a quem, de um modo geral, disponha de dinheiro alheio (arts. 31.º a 33.º).

As penalidades são aprovadas pelo Decreto n.º 14708, de 10 de

dezembro de 1927, e reafirmam o compromisso entre a regulamentação do

jogo a repressão do jogo clandestino100. Puniam-se os casos de exploração

ilícita de jogo de azar com penas de prisão de dois a oito anos, e de expulsão

do país, como indesejáveis, nos casos de reincidência, com multa nunca

inferior a metade do valor dos bens (proémio do art. 1.º). Os jogadores, ou

quem fosse encontrado em local de jogo de azar não autorizado, eram

punidos com pena de um a três anos e multa nunca inferior a um quinto dos

seus haveres (proémio do art. 2.º), sendo punidos com a expulsão do país os

casos de reincidência (§2). Estimulava-se, inclusive, a denúncia dos casos de

tavolagem pelos jogadores, com a recuperação de tudo o que tivessem

perdido ao jogo (art. 5.º)101.

Idêntica reformulação é realizada com o Decreto-Lei n.º 41562, que

diminuiu a pena no caso da tavolagem (proémio do art. 45.º) e aplicou apenas

pena de multa aos jogadores (art. 47.º). Este diploma não criminaliza a

presença em local não autorizado de jogo de fortuna ou azar, contudo, este

Novo» (op. cit., p. 59). Também OLIVEIRA MARQUES (Dir.), A Liga de Paris e a Ditadura Militar (1927-1928). A Questão do Empréstimo Externo, Lisboa: Publicações Europa-América, 1976, pp. 81-84. 99 IRENE VAQUINHAS, ibidem. 100 Assim, os debates parlamentares dos anos que antecedem a aprovação da LJ de 1927 (Diário da Câmara do Deputados, 136.ª sessão, em 27 de julho de 1923, fls. 4-7, e 85.ª sessão, em 19 de maio de 1924, fls. 5-6. 101 A moldura das penas foi objeto de redução pelo Decreto n.º 16416, de 25 de janeiro de 1929.

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tipo penal volta a ser reintroduzido102 com a alteração operada pelo Decreto-

Lei n.º 47623, sendo mantido pelo Decreto-Lei n.º 48912103.

A atual LJ – Decreto-Lei n.º 422/89 – não só elevou as molduras

penais para os crimes de exploração ilícita de jogo, de prática ilícita de jogo e

presença em local de jogo ilícito, aproximando-as do quadro penal de 1929,

como criou novos tipos penais. São, agora, punidas a coação à prática de

jogo, o jogo fraudulento, a usura para o jogo e as condutas que tornem

acessível o material ou utensílios utilizados no jogo de fortuna ou azar104.

Este diploma representa uma mudança de rumo face aos anteriores diplomas,

punindo mais severamente e renovando os tipos que resultavam dos Códigos

Penais de 1852 e de 1886, bem como das Ordenações.

Numa abordagem superficial, resulta impercetível a alteração de

paradigma no quadro penal atinente ao jogo de azar. As molduras penais do

102 O crime do art. 111.º da atual LJ, «Presença em local de jogo ilícito», apresenta uma estrutura anacrónica. Este tipo de ilícito integra uma condição objetiva de punibilidade – «Quem for encontrado em local de jogo ilícito», comum aos tipos penais do jogo de fortuna ou azar previstos nas Ordenações (sobre as condições objetivas de punibilidade v. FEDERICO COSTA PINTO, A Categoria da Punibilidade na Teoria do Crime, tomo II, Coimbra: Almedina, 2013, pp. 505-552, e, ainda, CLAUS ROXIN, Derecho Penal, Parte General, tomo I, trad. Diego-Manuel Luzón Peña, Miguel Díaz y Garcia Conlledo e Javier de Vicente Remesal, Madrid: Editorial Civitas, 2001, pp. 969 a 992). A norma levanta problemas de conformidade constitucional pela difícil perceção do bem jurídico tutelado. E ainda que se entenda ser a ordem pública, não parece existir uma relação tensional entre a conduta de agente e o bem jurídico a proteger. O preceito aparenta defender os bons costumes de uma forma moralizante, o que não significa que que aos tipos penais esteja vedada a proteção da moral, mas não devem erguer-se por esse motivo (concordante, e resgatando a teoria de DWORKIN, v. ANDREW ALTMAN, Arguing About Law, An Introduction to Legal Philosophy, Belmont: Wadsworth Publishing Company, 1996, pp. 42-43). Não estamos convictos de que tal conduta seja imoral, menos ainda que se converta num dano para a sociedade, pois não se traduz em algo contrário à ordem e tranquilidade pública (sobre quando a imoralidade se converte em danosidade social v. MARIA DA CONCEIÇÃO CUNHA, «Constituição e Crimes: Uma Perspectiva da Criminalização e da Descriminalização, Porto: Universidade Católica Portuguesa, 1995, pp. 151-152 (nota 420). O crime do art. 111.º da LJ encontrava-se, na sua redação primeva, disposto no proémio art. 2.º do Decreto n.º 14:708, de 10 de Dezembro de 1927, dispondo que «As pessoas que forem encontradas jogando jôgo de fortuna ou azar (…) e as que estiverem presentes na sala de jôgo (…) serão punidas (…)», fixando para ambas a mesma moldura penal. Para o legislador tratavam-se de condutas idênticas na ação – prática de jogo de azar -, mas em algumas residia um problema de prova da prática de jogo – as que não eram encontradas jogando jogo de azar, mas já tinham jogado. Só assim é percetível idênticas penas para condutas, aparentemente, distintas e redigidas no mesmo preceito. Tal premissa retiramo-la do facto de aquele art. 2.º ter uma redação idêntica ao Projeto de Lei n.º 147-H, apresentado na 75.ª sessão ordinária do 3.º período da 1.ª legislatura, em 21 de abril de 1913, cujo art. 11.º dispunha que «Os indivíduos encontrados em qualquer local onde se estiver exercendo o jôgo de azar, parada ou fortuna, ainda que não sejam surpreendidos ou capturados em flagrante delito de jôgo, serão punidos». Sobre a cláusula de flagrante delito v. FREDERICO DA COSTA PINTO, op. cit., pp. 709-711. 103 Alterado pelos Decretos-Lei n.ºs 82/83, de 11 de fevereiro, e 22/85, de 17 de janeiro. 104 Arts. 108.º a 115.º.

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Regime Jurídico do Jogo de Fortuna ou Azar

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CP de 1886, relativas à exploração ilícita de jogo105 e da prática ilícita de

jogo106, são muito inferiores àquelas que encontramos na LJ de 1927. O

grassar dos casos de jogo de azar não terão constituído, de per si, a motivação

para a forte penalização do jogo de azar na década de 20. O problema não

residia na ausência de lei penal adequada, mas sim da aparente anuência das

autoridades para com as casas de jogo107, com a consequente inaplicabilidade

da Lei.

Tal agravamento só é compreensível no compromisso da autorização

regulamentada. A severa punição da exploração e prática de jogo fora das

zonas de jogo, por forma a assegurar que não se jogasse fora destas,

constituiu a «moeda de troca» para a forte tributação das sociedades

detentoras dos casinos. Assim se obteve o apoio financeiro necessário ao

movimento que deflagrou em 28 de maio e que proporcionou a

institucionalização do Estado Novo108.

Com o modelo de autorização regulamentada a exploração de alguns

jogos de fortuna ou azar encontra-se concessionada, sendo o jogo permitido

nos casinos existentes nas zonas de jogo permanente ou temporário (art. 3.º,

n.º 1). Em condições excecionais poderão ser explorados fora daquelas zonas,

como é o caso do jogo explorado em navios ou aeronaves, desde que fora do

território nacional (arts. 6.º, n.º 1), dos jogos não bancados e das máquinas de

jogo (art. 7.º, n.ºs 1 e 2).

Os jogos que podem ser explorados nos casinos, nas zonas de jogo

autorizado, são os constantes do elenco do art. 4, n.º 1. O legislador,

intencionalmente, utilizou o advérbio «nomeadamente», a fim de consagrar

que nos casinos podem ser explorados alguns jogos de azar, indicando alguns

deles. Não é interdita a exploração de novos jogos de azar nos casinos,

105 Pena de prisão correcional de dois meses a um ano (proémio do art. 267.º). 106 Pena de prisão até seis meses no caso do jogador que se sustente do jogo (art. 264.º conjugado com o art.º 256.º) ou de repreensão no caso do jogador comum (art. 265.º). 107 Com idêntica afirmação, JORGE CRESPO, «Os Jogos de Fortuna ou Azar em Lisboa em Fins do Antigo Regime», Revista de História Económica e Social, N.º 8, Sá da Costa Editora, Julho-Dezembro de 1981, 77-94 (pp. 79-80), para quem as variantes introduzidas na repressão revelam a hipocrisia dos seus autores, onde imperam razões de carácter moral e de perspetiva económica-política. 108 Concordante, IRENE VAQUINHAS, op. cit., p. 59.

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Do Jogo de Fortuna ou Azar O Atual Paradigma na Exploração ilícita

36

contudo carece de uma autorização do membro do Governo da tutela, após

parecer da Inspeção-geral de Jogos ao requerimento da concessionária (n.º 3).

Desde o início do século passado que a atividade do jogo passou a ser

considerada lícita, desde que exercida sobre fortes condicionalismos, por ser

entendida como uma atividade de risco109. Ao jogo foi-lhe atribuído um

estatuto de legalidade, quando exercido em zonas delimitadas

geograficamente – as zonas de jogo – e desde que autorizada a sua

exploração.

Encontramos nos primeiros diplomas, fruto de uma visão pejorativa do

jogo, uma apertada restrição de acesso às salas de jogo. Em 1927, para além

dos menores e dos que vivessem sob tutela ou curatela, estavam impedidos de

aceder às salas de jogo os estudantes de qualquer estabelecimento de ensino

do Estado, os funcionários do Ministério das Finanças e os tesoureiros,

pagadores de quaisquer outros Ministérios, os funcionários e agentes de

qualquer polícia, os militares em geral, os Magistrados Judiciais e do

Ministério Público e os oficiais de justiça, os que pelas funções dispusessem

de dinheiro alheio e os que não provassem auferir um rendimento anual

suficiente (art. 32.º do Decreto n.º 14643, de 3 de dezembro).

Em 1958 as restrições assumem maior severidade, acrescentando-se

que ficava vedado o acesso aos menores de 25 anos de nacionalidade

portuguesa, 21 anos para os menores de outras nacionalidades, e às mulheres

casadas que não se fizessem acompanhar dos seus maridos ou não fossem por

eles expressamente autorizadas (art. 24.º do Decreto-Lei n.º 41562).

Em 1969, todas as restrições relativas às funções profissionais

estendem-se aos respetivos cônjuges (§ 1, n.º 2, do art. 30.º do Decreto-Lei

n.º 48912)110.

109 Concordante MARIA ISABEL CLÍMACO, «Os Jogos de Fortuna e Azar – O Lazer Tolerado ou o “Vício” Legalizado?», in Homenagem a José Guilherme Xavier de Basto, org. de J. L. Saldanha Sanches e António Martins, Coimbra: Coimbra Editora, 2006, 469-495 (p. 484). 110 Estas restrições, bem como aquelas em função do género, foram revogadas pelas alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 82/83, de 11 de fevereiro.

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Regime Jurídico do Jogo de Fortuna ou Azar

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Do que fica dito, verificamos que o legislador procurou, sempre,

manter o jogo inacessível a determinados cidadãos, isolando-o da «vida

normal» de trabalho. Concordamos, por tudo o que dissemos, com alguns

autores quando referem que a legalidade atinente à atividade do jogo foi,

sobretudo, uma legalidade inevitável, um «mal menor», porque «não houve

ao longo destas últimas décadas uma mudança radical na atitude do

legislador, mas antes uma postura pragmática»111.

Apesar do paradigma social sobre jogo de fortuna ou azar ter mudado

ao longo do século passado, as várias revisões legislativas pouco mais

alcançaram do que a renovação do quadro fiscal sobre o jogo e a supressão de

algumas normas restritivas da liberdade individual, sob exigência de uma

conformidade constitucional. Apesar dos vários diplomas legislativos, aqui

trazidos, o legislador nunca se preocupou em perceber o jogo de azar. Apenas

se preocupou em reprimi-lo, em proibi-lo. As conceções morais sobre o jogo

de pura sorte, e mais ainda sobre o jogo de fortuna ou azar (jogo com

apostas), ofuscaram a visão do legislador ao longo dos tempos.

111 MARIA ISABEL NAMORADO CLÍMACO, op. cit., p. 485.

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Do Jogo de Fortuna ou Azar O Atual Paradigma na Exploração ilícita

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CAPÍTULO III – O ATUAL PARADIGMA NOS JOGOS DE CASINO

Alguns autores referem-se ao jogo de fortuna ou azar como jogo ilícito,

outros entendem que é a sua exploração que pode ser ilícita. Na verdade, quer

uns quer outros estarão corretos, dependendo apenas do âmbito de aplicação.

Haverá jogo ilícito, quando não autorizado, para efeitos de aplicação

do art. 1245.º e ss do CC, porquanto o jogo de fortuna ou azar não é contrato

válido nem é fonte de obrigações civis nem naturais; e teremos exploração

ilícita de jogo de fortuna ou azar, quando não autorizada, para efeitos de

aplicação da Lei Penal, nos termos do art. 108.º da LJ.

O legislador, ao instituir a autorização regulamentada, retirou ao jogo

de fortuna ou azar a natureza de jogo ilícito para efeitos penais. É errado

remeter o jogo de azar para a categoria dos produtos ilícitos, como acontece,

v. g., com o produto estupefaciente. Considerar o jogo, em termos penais,

como um produto ilícito em si mesmo levaria à impossibilidade da sua

exploração, que, como vemos, não foi a opção do legislador de 1927.

Do mesmo modo, o TJUE já se referiu ao jogo de fortuna ou azar,

dispondo que «as lotarias não podem ser consideradas como atividades cuja

nocividade leva a proibi-las em todos os EM e cuja situação, face ao direito

comunitário, possa ser comparada com a das atividades relativas aos produtos

ilícitos», apontado precisamente, como exemplo, o caso do produto

estupefaciente112. O juízo é extensível aos demais jogos de fortuna ou azar113,

porque, não obstante a exploração do jogo de azar ser, em princípio ilegal,

pode ser objeto de autorização regulamentada. O TJ, ao entender que a

atividade de jogo não deve ser comparada às atividades de produtos ilícitos,

considera que o jogo de azar não é um produto ilícito. Por outras palavras, a

exploração do jogo de azar sem autorização é que é ilícita e não o próprio

jogo que lhe serve de substrato.

112 N.º 32 do ac. Schindler, de 24 de março de 1994, em http://curia.europa.eu. 113 N.º 15 do ac. Läärä, de 21 de setembro de 1999, em http://curia.europa.eu.

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O Atual Paradigma nos Jogos de Casino

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5. O crime de exploração ilícita de jogo de fortuna ou azar

A exploração ilícita de jogo de fortuna ou azar encontra previsão legal

no art. 108.º da LJ. Comete o crime de exploração ilícita de jogo «Quem, por

qualquer forma, fizer a exploração de jogos de fortuna ou azar fora dos locais

legalmente autorizados» (n.º 1).

Se os termos «por qualquer forma» e «fora dos locais legalmente

autorizados» não parecem suscitar questões de relevo; o conceito

«exploração» levanta interrogações, maxime quanto ao bem jurídico

protegido pela norma.

O explorador comete tantos crimes de exploração ilícita de jogo

quantos jogos, do mesmo ou de diverso tipo, explore num dado momento?

Ou, distintamente, comete tantos crimes quantos os jogadores envolvidos em

determinado jogo? Para preenchimento do tipo requer-se a participação do

jogador no jogo ou, inversamente, nem se exige que haja jogo em curso?

Estas são algumas das questões que o conceito de «exploração» levanta

e às quais procuramos dar resposta nas seguintes linhas.

5.1. A exploração ilícita

Como verificámos, o conceito de jogo de fortuna ou azar é de notória

ambiguidade. Para além dos conceitos indeterminados de «fortuna», de

«azar» e do próprio «jogo», também o conceito de «exploração», enquanto

elemento objetivo do tipo do art. 108.º da LJ, merece alguma reflexão.

Em regra, o legislador procura descrever o comportamento ilícito sem

o qualificar, mas no caso do crime de «exploração ilícita de jogo» utilizou o

termo a definir – exploração – no termo definido, qualificando a conduta em

vez de a descrever, construindo um conceito jurídico indeterminado114.

114 Para uma visão mais abrangente do termo v. BERND SHÜNEMANN, «Las Reglas de la Técnica em Derecho Penal», in Anuario de Derecho Penal y Ciências Penales, tomo 47, fasc. 3, Madrid: Ministério de Justícia e Interior, Centro de Publicaciones, 1994, 307-341 (pp. 332-340). No sentido

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Do Jogo de Fortuna ou Azar O Atual Paradigma na Exploração ilícita

40

Estamos em crer que o legislador andou avisadamente nesta matéria,

mas com alguma indecisão115, procurando não minudenciar a conduta típica

na previsão dos casos possíveis de exploração ilícita de jogo. No entanto, esta

opção levanta algumas dificuldades na subsunção da conduta do agente à

previsão legal do crime pela dificuldade de perceção do bem jurídico

tutelado.

O conceito de «exploração» não remete, sem mais, para uma conduta

ilícita, mas no domínio do jogo de azar o legislador, de 1927, terá entendido

reconduzi-lo à «Acção de tirar partido de uma circunstância, de um ato

infeliz, de uma tendência de alguém, para auferir vantagens mais ou menos

imorais: explorar o vício de alguém»116. Hoje, já não é possível entender a

exploração nestes termos, pois poderia conduzir o aplicador do direito a

considerar que o objeto da exploração radicaria na pessoa do jogador.

Porque atender ao tipo de ilícito apenas com referência ao conceito de

exploração poderia conduzir à circunstância de não se estar perante algo

ilícito, ou que a tutela do bem jurídico ficaria aquém do pretendido, a norma

exige que o que se explora seja o jogo de fortuna ou azar. Assim, a

exploração será ilícita se relativa ao jogo de fortuna ou azar e realizada fora

dos locais legalmente autorizados referidos nos arts. 3.º, 6.º e 7.º da LJ.

Neste sentido caminharam vários ordenamentos jurídicos. Sobretudo

no contexto europeu, todos os países são unânimes em proibir as formas não

autorizadas de exploração do jogo de fortuna ou azar.

A legislação francesa, por exemplo, assenta tal como a nossa, sob o

princípio da proibição da exploração do jogo de fortuna ou azar, atualmente

com previsão nos arts. L320-1 a L324-10 do Code de la Securité Intérieure,

de distinguir entre normas penais em branco e conceito indeterminados v. TEREZA PIZARRO BELEZA e FREDERICO DE LACERDA DA COSTA PINTO, O Regime Legal do Erro e as Normas Penais em Branco: Ubilex Distinguit, Coimbra: Livraria Almedina, 1999, pp. 34-35. 115 É assim que numa redação um tanto arcaica a norma estabelece que «Quem (…) fizer a exploração…», em vez de objetivamente mais simples estabelecer, por exemplo, «quem explorar». 116 GRANDE ENCICLOPÉDIA Portuguesa e Brasileira, vol. X, op. cit., p. 753.

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O Atual Paradigma nos Jogos de Casino

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criado pela Ordonnance n.º 2012-351, du 12 mars 2012117. Neste

ordenamento, sob o art. L324-1, pune-se a conduta de participar, inclusive

como banqueiro, para a realização de uma casa de jogo de azar.

Em Itália, o jogo de fortuna ou azar encontra-se regulado nos arts.

718.º a 722.º do Codice Penale, prevendo a incriminação da exploração ilícita

de jogo (Esercizio di giuochi d'azzardo), punindo quem em local público ou

aberto ao público, ou em clubes privados de qualquer tipo, mantenha um jogo

de azar.

Por seu lado o Strafgesetzbuch apresenta, quanto aos tipos penais,

semelhanças com o Código Penal italiano, punindo quem sem autorização de

uma autoridade pública organizar ou operar publicamente um jogo de azar (§

284) (cap. 25.º da Parte Especial).

De igual modo a Loi Belge, du 7 mai 1999, «sur les jeux de hasard, les

paris, les établissements de jeux de hasard et la protection des joueurs»,

prevê um tipo penal correspondente, no nosso ordenamento jurídico, ao crime

de exploração ilícita de jogo (arts. 4.º, §1, e 63.º), consagrando que é proibido

a qualquer pessoa explorar um jogo de azar ou um estabelecimento de jogo de

azar.

O ordenamento jurídico britânico representa uma alteração de

paradigma na regulamentação do jogo de fortuna ou azar, face à maioria dos

EM da UE, porque o Gambling Act 2005, de 7 de abril, estabelece uma

separação entre os atos privados e não comerciais de jogo e de aposta dos

atos profissionais e comerciais de jogo e aposta. A Lei britânica, sob a

epígrafe «Provision of facilities for gambling» (section 33, part 3, chapter

19), pune quem providencie instalações para a prática do jogo de fortuna ou

azar, desde que com fins lucrativos ou comerciais. Fora do âmbito de

incriminação ficam as condutas de cedência do local para jogar/apostar, bem

como a prática de jogo/aposta, nos termos das sections 296 e 298, da part 14,

117

Os franceses referem-se-lhe como jeux d’argent et de hasard – jogos de dinheiro e de azar (tradução nossa) e não punem a prática ilícita de jogo, nem a presença em local de jogo ilícito.

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Do Jogo de Fortuna ou Azar O Atual Paradigma na Exploração ilícita

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(Exceptions to offences), sempre que se trate de jogo privado (private

gaming) ou aposta privada (private betting)118.

Especial referência merece-nos o ordenamento jurídico espanhol, por

ter sido dos últimos a regulamentar a exploração e prática do jogo de azar e,

por recentemente, ter aprovado o quadro legal atinente à exploração do jogo

online (Ley 23/2011, de 28 mayo).

A Lei castelhana punia as atividades em torno do jogo de azar nos arts.

349.º e 575.º119 do Código Penal espanhol, aprovado pelo Decreto 3096/1973,

de 14 de septiembre, com as penas de «arresto mayor»120 e de multa.

Todavia, em 1977, o Governo espanhol aprova o Real Decreto-Ley 16/1977,

de 25 de febrero, afastando o sistema de proibição absoluta e regulamentando

a prática e exploração de jogo de azar e apostas, mantendo, as incriminações

que resultavam dos arts. 349.º e 250.º do Código Penal espanhol.

Fruto da querela doutrinal e jurisprudencial121, o legislador castelhano

aprova a Ley 34/1987, de 26 de diciembre122, cujo objecto «es la regulación

de la potestad sancionadora de la administración pública en materia de

juegos de suerte, envite o azar» (n.º 1 do art. 1.º). Decorrente da Constitución

Española, de 1978, e daquele diploma, às Comunidades Autónomas são-lhes

conferidos, no seu âmbito territorial, amplos poderes para legislar sobre o

jogo de azar (n.º 2). O preceito legal revogou o art. 2.º da LJ espanhola,

deixando de incriminar as condutas atinentes à exploração e prática ilícitas de

jogo, que são agora consideradas infrações administrativas (n.º 3).

118 Consideram-se jogo privado e aposta privada os casos em que o jogo e aposta são desenvolvidos em local privado e que não haja pagamento pela participação no evento (part 1 e 2, schedule 15). 119 Punindo quer a exploração, quer a prática de jogo de fortuna ou azar. 120 Consistia numa pena privativa da liberdade com a duração mínima de um mês e um dia a seis meses, sendo cumprida em sistema de reclusão (arts. 30.º e 84.º). 121 Sobre a distribuição de competências legislativas no Estado espanhol entre o Governo e as Comunidades Autónomas v. MARIA RAMIS REBASSA, passim Régimen Jurídico del Juego, Madrid: Ediciones Jurídicas Marcial Pons, 1992, pp. 116 e 139. 122 Posteriormente revogado pela Ley 23/2011, de 27 de mayo, salvo para as Comunidades Autónomas de Ceuta e Melilla, enquanto não adotarem legislação específica (ponto 11.º da disposição derrogatória).

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Apesar de a atividade do jogo de fortuna ou azar ser um dos domínios

onde, ainda, não há harmonização na UE123, todas as legislações dos vários

EM consagram normas que proíbem a exploração não autorizada deste tipo de

jogo. Se nos fixarmos no elemento literal verificamos que o escopo das

normas das várias legislações nacionais é proibir as condutas que, por

qualquer forma, e em alguns casos visando obter lucro, ofereçam condições

para a prática do jogo de azar – nisto consistindo a exploração de jogo de

fortuna ou azar.

Este é, também, o propósito do art. 108.º da LJ, quando no n.º 1

sanciona penalmente os casos de exploração de jogo de azar fora dos locais

legalmente autorizados. Todavia o conceito – indeterminado – de exploração

não tem merecido a devida reflexão dos tribunais124, o que a nosso ver é

potenciador de uma errada aplicação da norma aos factos.

Por vezes os tribunais confundem a existência de lucro com a

exploração do jogo de azar125. Em rigor, a exploração de uma qualquer

realidade compreende um fim de lucro, ao que a exploração do jogo de

fortuna ou azar não é alheia. Mas, fazer depender a exploração do jogo da

existência de lucro é exigir do n.º 1 algo que no elemento literal não tem um

mínimo de adesão126. No crime de exploração ilícita de jogo de fortuna ou

azar não se exige que o explorador aufira vantagens com o jogo, mas sim que 123 A UE nunca legislou, até à data, sobre o jogo de fortuna ou azar. A sua regulamentação é um dos domínios onde há consideráveis divergências de ordem moral, religiosa e cultural entre os EM. Alguns, sem sucesso, têm invocado determinadas Diretivas comunitárias atinentes à prestação de serviços de comunicações em linha – Diretivas 96/19/CE, de 13 de março de 1996, que altera a Diretiva 90/388 no que diz respeito à plena concorrência nos mercados das telecomunicações, a Diretiva 97/13/CE, de 10 de abril de 1997, relativa aos serviços de telecomunicações e a Diretiva 97/66/CE, de 15 de dezembro de 1997, relativa ao tratamento de dados pessoais e à proteção da privacidade no sector das telecomunicações. Todavia estes textos não adotam qualquer disposição explícita ou implícita sobre a exploração do jogo de fortuna ou azar. Adicionalmente, as Diretivas 2000/31/CE, de 8 de junho, relativa ao comércio eletrónico, e 2006/123/CE, de 12 de dezembro, relativa aos serviços no mercado interno, excluem expressamente este tipo de jogo do âmbito das mesmas (terceiro travessão, al. d) do n.º 5 do art. 1.º e al. h) do n.º 2 do art. 2.º). 124 Na larga maioria das decisões judiciais o conceito de exploração é dado como adquirido, e a reflexão gira apenas em torno da distinção entre o jogo de fortuna ou azar e as modalidades afins. 125 São frequentes as decisões em que encontramos referências a «explorar lucrativamente o material apreendido», a «exploração lucrativa das máquinas» e a «exploração e desenvolvimento de tais jogos» (acórdãos do TRC, de 01-02-2007, rel. por Jorge Dias, e de 16-05-2007, já referido, em www.dgsi.pt). 126 O conceito de exploração deve extrair-se da exegese dos textos legais. Neste sentido, FERNANDO AZEVEDO MOREIRA, «Conceitos Indeterminados; sua Sindicabilidade Contenciosa», in Revista de Direito Público, n.º 1, Ano I, Lisboa: Vulgus Editora, Novembro 1985 p. 65 e ss.

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tenha essa intenção. Todavia, e porque tal não basta, para que se preencha o

ilícito típico da exploração ilícita, o agente tem de criar as condições para o

desenvolvimento do jogo127 – para a prática do jogo. Estamos perante um

crime de resultado cortado128, em que a existência de lucro do explorador não

constitui elemento do tipo legal da exploração ilícita. Para preenchimento dos

tipos objetivo e subjetivo, basta que o agente, visando o lucro, atente contra o

sistema de autorização regulamentada pela materialização das condições para

a prática de jogo de azar, logo um crime de mera atividade.

Ao não se exigir que haja lucro na exploração tem-se como possível

que o explorador tanto pode no início, durante e após a exploração, ter obtido

lucro como prejuízo. Com efeito, o explorador pode até nem ter tido lucro

nem prejuízo e encontrar-se na mesma situação patrimonial. Nestes termos,

sendo irrelevante a existência de lucro, e bastando que o explorador crie as

condições para a prática do jogo de azar, também não será de exigir que haja

jogo de fortuna ou azar em curso, mas apenas que esteja disponível para ser

jogado129.

No crime de exploração ilícita de jogo não se exige a lesão de um bem

jurídico, mas apenas o perigo de lesão. A formulação do preceito revela-nos

que o legislador presume o perigo130 de lesão resultante da conduta típica – a

127 Neste mesmo sentido, as poucas decisões judiciais que se debruçam sobre o conceito de exploração ilícita entendem que «A exploração de jogos de fortuna ou azar envolve, em maior ou menor medida, a implementação de uma atividade empresarial visando a obtenção de lucro» (negrito nosso) (acórdãos do TRP, de 06-04-2005, rel. por José Adriano, e do TRE, de 10-03-2009 rel. por Proença da Costa, em www.dgsi.pt). 128 No crime de exploração ilícita não tem de se verificar o efetivo lucro do explorador do jogo de azar. Neste crime não há inteira congruência entre o tipo objetivo e o tipo subjetivo, porque basta que se verifique a intenção da existência de lucro. A intenção (de lucro) do explorador (intrínseca ao conceito de exploração) tem por objeto uma factualidade (o lucro) que não pertence ao tipo objetivo. Sobre o crime de resultado cortado, JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal: Parte Geral, tomo I, 2.º ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2007, p. 380. 129 Da vasta jurisprudência, o ac. do TRP, de 14-04-2004, rel. por Teixeira Pinto, em www.dgsi.pt. 130 No sentido de uma presunção inilidível, CAVALEIRO DE FERREIRA, Lições de Direito Penal, Parte Geral I, 4.ª ed. Lisboa: Editorial Verbo, 1992, p. 144; FARIA DA COSTA, O Perigo em Direito Penal, Coimbra: Coimbra Editora, 1992, p. 567; e PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Lisboa: Universidade Católica Editora, 2008, p. 67. Todavia, no sentido de uma presunção ilidível admitindo a prova negativa do perigo, RUI PEREIRA, O Dolo de Perigo, Lisboa: LEX, 1995, p. 33, e SILVA DIAS, «Entre “Comes e Bebes”: Debate de Algumas Questões Polémicas no Âmbito da Proteção Jurídico-Penal do Consumidor (a Propósito do Acórdão da Relação de Coimbra de 10 de Julho de 1996)», in RPCC, ano 8, 1998, 515-592 (p. 524).

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criação, com intenção de lucro, das condições materiais para a prática do jogo

de fortuna ou azar, fora dos locais legalmente autorizados.

Assim erigido, o crime de exploração ilícita de jogo caracteriza-se por

ser um crime de perigo abstrato, e coloca ao intérprete e aplicador do direito

a dificuldade de perceção do bem jurídico protegido pela norma.

5.2. O bem jurídico tutelado

Apesar de as normas penais, em regra, não descreverem os bens

jurídicos tutelados, é possível, mediante a descrição do facto lesivo,

identificar o bem jurídico protegido. No entanto, a tarefa do intérprete é

dificultada quando a letra da lei não é, inteiramente, fiel ao espírito do

legislador, ou, amiúde, quando o «pluralismo hermenêutico»131 permite

diversas interpretações.

A LJ é um claro exemplo da dificuldade de identificação do bem

jurídico tutelado pela norma, assim o demonstra a vasta, mas paradoxal,

jurisprudência dos nossos tribunais. Mas as dúvidas, e em alguns casos as

falsas certezas, não assombram apenas o nosso ordenamento jurídico; ao TJ

chegam pedidos de decisão prejudicial que evidenciam as dificuldades dos

vários EM na interpretação da legislação sobre o jogo em conformidade com

o Direito dos Tratados. Apesar de o TJ já ter proferido vários acórdãos,

amiúde relativos à exploração do jogo de fortuna ou azar, a jurisprudência

não é isenta de paradoxos e de contradições. Está em causa a violação da

livre prestação de serviços (art. 56.º do TFUE), que os EM entendem

restringir para defesa de interesses nacionais. Mas, o TJ não reconhece, em

vários acórdãos, o bem jurídico invocado pela legislação nacional.

No nosso ordenamento, parte da doutrina entende que a LJ tutela um

bem jurídico complexo, protegendo «a ordem pública, a segurança dos

131 GERMANO MARQUES DA SILVA, Direito Penal Português. Parte Geral II. Teoria do Crime, Lisboa: Editorial Verbo, 1998, pp. 21-22.

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cidadãos, a infância e juventude, o livre desenvolvimento da personalidade, a

estabilidade social e económica, os interesses fiscais do Estado e o

património», visando «garantir e reforçar o próprio sistema de autorização

regulamentada», a fim de proteger «o monopólio estatal da exploração dos

jogos de fortuna ou azar»132, ou ainda, «em sentido amplo, o interesse público

que resulta da legalidade do jogo e da utilização dos seus proventos

económicos em benefício da sociedade, o que pode ser sintetizado na

realização de uma certa ordem, na paz pública e na justiça social»133. Para

outros autores, na base da incriminação dos crimes de jogo de fortuna ou azar

estão os bons costumes, a propriedade e o interesse fiscal, «ou certos

entendimentos desses valores – cuja permanência na ordem jurídica resulta da

inércia política»134.

Quanto aos tribunais, estes resenham, em regra, o bem jurídico em

torno dos valores de ordem e tranquilidade pública135, entendendo presumir-

se um perigo que resulta de outros crimes – rixas e delitos, fraudes e enganos

múltiplos para garantir a vitória – provocados pela paixão do jogo.

Do que fica dito, constatamos que inexiste consenso sobre o bem

jurídico tutelado no crime de exploração ilícita de jogo de fortuna ou azar, em

que doutrina e jurisprudência divergem, não só entre si, mas também em si

mesmas136. Longe de se tratar de pura semântica, a questão levanta problemas

de ordem legal e constitucional, porque de uma errada identificação do bem

jurídico a proteger resultará uma desadequada aplicação do Direito Penal.

Para esta ordem de problemas, segundo entendemos, contribuíram o

emaranhado de diplomas atinentes ao jogo de azar e uma deficiente técnica

legislativa traduzida na ausência de conceitos-chave, bem como uma

132 CONDE FERNANDES, op. cit., p. 352. 133 VASCO ROQUE, A Lei do Jogo e Seus Regulamentos, Coimbra: Coimbra Editora, 2011, p. 707. 134 RUI PINTO DUARTE, op. cit., p. 89. 135 Ac. do STJ, de 04-10-2010, rel. por Rodrigues da Costa; ou o ac. do TRC, de 01-02-2006, rel. por Elisa Sales, em www.dgsi.pt. 136 V., por exemplo, o ac. do TRE, de 03-06-2008, rel. por João Gomes de Sousa, em www.dgsi.pt, que recorta o bem jurídico em termos aproximados a CONDE FERNANDES.

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desajustada consideração de motivos nos preâmbulos das sucessivas Leis do

Jogo, em tudo cunhadas por uma visão ético-social moralizante do jogo.

5.2.1. Identificação e delimitação do bem jurídico: limite à

moralização do Direito Penal do jogo

A norma penal vigente sobre o jogo de fortuna ou azar constitui,

afigura-se-nos, o texto de excelência para identificação do bem jurídico

tutelado. O legislador terá sabido depositar no seu escopo as razões da

criminalização de certas condutas.

O primeiro aspeto que ressalta do preâmbulo137 da LJ é de que a

mesma se reveste «de interesse e ordem pública, dadas as respetivas

incidências sociais, administrativas, penais e tributárias».

Em segundo, visa «instaurar um sistema mais adequado de

regulamentação e de controlo da atividade, sem deixar de acautelar a defesa

dos direitos constituídos e das legítimas expectativas das atuais

concessionárias».

Em terceiro, através de uma exploração rentável promovem-se os

«mercados interno e externo» e a animação e equipamento turístico das

regiões.

Os motivos elencados no preâmbulo da LJ servem à doutrina e aos

tribunais na identificação do bem jurídico a proteger. Mas, a mera

identificação não basta; impõe-se a delimitação do mesmo. Só assim se

esculpe o bem jurídico-penal constitucionalmente protegido. Ora vejamos:

a) Grande parte da doutrina entende existir um escopo de proteção

jurídico-penal dos interesses fiscais do Estado. Na verdade, a norma

137 Parágrafos 2.º a 5.º.

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confere um elevado grau de proteção à captação fiscal do Estado138 na

exploração do jogo de azar pelas concessionárias. Todavia, não se nos

afigura líquido concluir que se mantêm crimes de jogo de azar139 para

proteção dos interesses fiscais do Estado. Dizer que os interesses

fiscais do Estado resultam reflexamente protegidos não é o mesmo que

dizer que a norma penal tem como fim a proteção desses interesses.

A norma penal goza de uma estrutura e finalidade distintas da

norma fiscal. Com aquela previnem-se comportamentos contrários ao

Direito, sancionando os autores com penas privativas da liberdade ou

com penas de multa. De modo diverso, a norma fiscal está, no caso do

imposto especial de jogo, orientada para a tributação do consumo do

jogo. Por conseguinte, se uma tem finalidade proibitivo-sancionatória a

outra tem finalidade meramente sancionatória140.

Ambas as normas apresentam, também, diferenças quanto à sua

estrutura, porque enquanto a norma penal do jogo tem por previsão a

existência de um ato ilícito – crimes de jogo de azar –, a norma fiscal

(não penal) assenta, atualmente, sobre atos lícitos141. Dito de outra

forma, o interesse fiscal do Estado apenas incide sobre os casos de

autorização regulamentada para exploração do jogo e não sobre ilícitos

penais que não prevejam um intrínseco bem jurídico-penal fiscal a

proteger.

138 Através do imposto especial de jogo (arts. 84.º a 94.º LJ). 139 «Exploração ilícita de jogo», «Prática ilícita de jogo», «Presença em local de jogo ilícito» e de «Material de jogo» (arts. 108.º, 110.º, 111.º e 115.º LJ). 140 Aderimos à tese de SÉRGIO VASQUES de que sanção penal e imposto se distinguem pela sua estrutura, discordando, porém, que sejam idênticos quanto à finalidade. Entendemos que o imposto não tem, como a sanção penal, uma finalidade proibitiva, mesmo nos chamados «impostos do pecado» (Os Impostos do Pecado: o Álcool, o Tabaco, o Jogo e o Fisco, Coimbra: Almedina 1999, p. 61). A forte carga moral e as conceções sociais de bons costumes, que impelem o jogo à categoria de «mal social», por afastar o homem da austera vida normal de trabalho, permitem concluir, tal como SÉRGIO VASQUES, que o legislador primitivo impôs pelo fisco a sanção do consumo do jogo de azar (op, cit., nota 80). 141 A estrutura sancionatória dos crimes de jogo de azar não assenta, como nas Ordenações Filipinas, em penas de exílio onde se sancionava pecuniariamente a exploração e prática do jogo de azar; ou na Resolução de 16 de maio de 1753, e no Alvará de 26 de março de 1754, onde se permitia a produção e exploração de cartas de jogar pelo pagamento das taxas fiscais.

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Se pensarmos na situação de uma concessionária de jogo de

fortuna ou azar que não proceda à entrega do imposto especial de jogo

ou que omita os valores do capital em giro inicial142, verificamos que

estarão em causa interesses fiscais, por se atentar contra o interesse

público do Estado, sendo o bem jurídico-penal a proteger os valores da

«verdade, transparência, segurança do tráfico probatório, confiança e

fé pública nos documentos»143, ou para alguma jurisprudência a «Conta

do Estado»144. A ofensa a estes valores só é possível quando

determinada entidade estabelece uma relação com a Administração,

tornando-se contribuinte145, relação que não se verifica nos casos em

que inexiste contrato de concessão para a exploração de jogo de azar.

Assim, nos casos em que não exista esta relação com a

Administração não se poderá invocar a violação destes valores,

enxertando-os numa norma penal (não fiscal), porque é a própria

Administração que não permite essa relação, por não conceder a

licença de exploração do jogo de fortuna ou azar. Não parece fazer

sentido invocar a proteção de algo que não existe e não se quer, pois

seria venire contra factum proprium.

O TJ mostra-se congruente com a nossa linha de argumentação

de que o bem jurídico-penal, protegido pelas incriminações de jogo,

não se ergue em torno dos interesses fiscais do Estado.

Nos vários pedidos de reenvio prejudicial sobre situações de

exploração de jogo de fortuna ou azar, máxime na modalidade online,

o TJ têm encontrado, nos fundamentos invocados pelos EM, dúvidas

sobre a interpretação do Direito dos Tratados, bem como insuficientes,

142 Comete o crime de «Fraude fiscal» (art. 103.º da Lei n.º 15/2001, de 05 de junho, do «Regime Geral das Infrações Tributárias, com alterações últimas pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 de dezembro. 143 MANUEL DA COSTA ANDRADE, «A Fraude Fiscal – Dez Anos Depois, ainda um “Crime de Resultado Cortado”?», in Direito Penal Económico e Europeu: Textos Doutrinários, vol. III, Coimbra Editora, 2009, 255-292 (p. 278). 144 Ac. do TRC, de 02-10-2013, rel. por Jorge Dias, em www.dgsi.pt. 145 Nestes termos, o ac. do STJ, n.º 1/2013, de 15-11-2012, rel. por Henriques da Graça, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 4, de 7 de Janeiro de 2013, pp. 44-74.

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e em alguns casos desadequadas, justificações para a restrição da livre

prestação de serviços.

O TJ só tem admitido duas ordens de razões para se restringir a

liberdade de prestação de serviços entre os EM: por um lado, pela

aplicação derrogatória dos arts. 51.º146 e 52.º147 TFUE e, por outro,

pelas razões imperiosas de interesse geral148.

Por sua vez os EM têm invocado que o regime de monopólio

público da exploração do jogo de fortuna ou azar é importante «para a

preservação de uma fonte importante de receitas para os Estados,

substituindo a cobrança coerciva de impostos e servindo para financiar

as políticas sociais, culturais e desportivas»149.

Do que constatamos, esta fundamentação corresponde à primeira

e à terceira linhas motivacionais de regulamentação do jogo de fortuna

ou azar. No entanto, é jurisprudência assente do TJ que a diminuição

de receitas fiscais e a angariação de receitas para fins de

desenvolvimento do turismo e das regiões de forte implantação do

jogo, e ainda a canalização do imposto do jogo para fins sociais, não só

não integram as disposições derrogatórias dos arts. 51.º e 52.º TFUE,

bem como não constituem razões imperiosas de interesse geral. Essa

afetação dos rendimentos obtidos pelo imposto especial do jogo de

azar apenas pode constituir uma consequência benéfica acessória de

uma restrição150.

146 Permite afastar as liberdades dos Tratados quando estejam em causa atividades ligadas ao exercício de autoridade pública. 147 Permite a restrição das liberdades de estabelecimento e de prestação de serviços por justificadas razões de «ordem pública», «segurança pública» e «saúde pública». 148 São construções jurisprudenciais do TJ que, não correspondendo a disposições expressas dos Tratados, constituem uma linha de interpretação e de harmonização do Direito da UE. 149 Posição do Estado português no ac. Gambelli e o., de 6 de novembro de 2003, n.º 38, acompanhada pelos Estados sueco e belga (n.ºs 32 e 40), em http://curia.europa.eu. 150 Entre outros, acórdãos Gambelli e o., n.ºs 61 e 62, Zenatti, n.º 36, de 21 de outubro de 1999; Dickinger e Ömer, n.º 55, de 15 de setembro de 2011; Stoß e o., n.º 104 e 105, apensos de 8 de setembro de 2010; Zeturf, n.º 51 a 53, de 30 de junho de 2011. Ainda, neste sentido, acórdãos ICI, de 16 de julho de 1998, e Danner, de 23 3 de outubro de 2002, n.º 56, em http://curia.europa.eu.

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51

Na segunda linha de motivações para a formulação da LJ

verificamos que o legislador tem em mente assegurar uma melhor

regulamentação e acautelar os direitos constituídos das

concessionárias. Assim exposto, afigurar-se-nos-ia que a LJ teria como

fim, em si mesma, assegurar o sistema de autorização regulamentada e

a manutenção do monopólio do jogo de azar. Não é que tal não seja

possível, mas deve, apenas, constituir uma motivação acessória151 para

a restrição da livre prestação de serviços.

Face ao exposto, não podemos concordar com os autores que

entendem reconhecer interesses fiscais do Estado dignos de proteção

jurídico-penal nos crimes de jogo. É que, para além de não

identificarmos nos crimes de jogo um bem jurídico-penal de natureza

fiscal, também o TJ não considera que os interesses fiscais dos EM

sejam suporte bastante para restringir as liberdades dos Tratados, logo

os Estados não podem erigir crimes com base nestes interesses.

Qualquer restrição à livre prestação de serviços no domínio do jogo de

fortuna ou azar que se erga para estrita proteção de interesses fiscais é

violadora do Direito dos Tratados, e por maioria de razão sê-lo-á a

legislação que lhe confira uma proteção penal152.

Bem sabemos que as liberdades dos Tratados estão pensadas

para as situações em que um EM impõe restrições a um nacional de

outro EM. No entanto, sempre que uma legislação penal nacional não

deva restringir a liberdade de um nacional de outro EM, por ser

151 A razão de ser de um monopólio deve estar relacionada com o controlo dos riscos ligados ao sector dos jogos de azar, prosseguindo a prevenção do incentivo a despesas excessivas ligadas aos jogos e de luta contra a dependência do jogo, bem como da prevenção das formas de criminalidades que se desenvolvem em torno dos locais de jogo (neste sentido, e já referidos, os acórdãos Stoß e o., n.ºs 81 e 83, Zeturf, n.º 41, e Dickinger e Ömer, n.º 48). 152 Ac. Gambelli e o., n.º 57. Pese embora, em princípio, o Direito Penal seja do domínio da competência absoluta dos EM, «é jurisprudência assente que o direito comunitário impõe limites a esta competência, não podendo tal legislação, com efeito, restringir as liberdades fundamentais garantias pelo direito comunitário» (ac. Placanica, de 6 de março de 2007, n.º 68). Um EM não poderá aplicar uma sanção penal por o agente não ter uma autorização administrativa, sempre que tal autorização seja recusada «ou tornada impossível pelo EM em questão em violão do direito comunitário» (n.º 69, e ac. Sjöberg, já referido, n.º 49). V., ainda, ac. Calfa, de 19 de janeiro de 1999, e ac. Rienks, de 15 de dezembro de 1983, n.ºs 10 e 11), conclusões do advogado-geral Yves Bot, de 15 de setembro de 2011, n.ºs 45 a 50, em http://curia.europa.eu.

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contrária153 ao Direito dos Tratados, também não deve, a pari,

sancionar a conduta do nacional do próprio EM, sob pena de se violar

o princípio constitucional da igualdade154.

b) Se os interesses económico-sociais e os interesses fiscais do Estado são

insuficientes para fundamentar uma opção de incriminação das

condutas de jogo de fortuna ou azar; de modo diverso, os valores de

ordem e tranquilidade pública poderão constituir a razão da opção pela

incriminação daquelas condutas.

Da nossa excursão histórico-legislativa, verificamos que ao

longo dos tempos se foi cimentando uma ideia de proteção da ordem e

tranquilidade pública. O legislador primevo foi deixando de parte uma

conceção pejorativa do próprio jogo de fortuna ou azar e criminalizou

as condutas de jogo com referência à proteção da ordem e

tranquilidade pública155. A razão de ser teve que ver com

recrudescimento de condutas violentas associadas aos locais de prática

do jogo de azar.

A ordem pública é um conceito que serve à ordem jurídica no

seu todo. De utilização corrente, entre outros, no âmbito constitucional,

no administrativo, no civil e no penal, são várias as teorias para a sua

densificação. Entre nós, ANA PRATA remete-o ao «Conjunto de

princípios basilares de uma dada ordem jurídica, fundados em valores

de moralidade, de justiça e ou de segurança social, que regulam

interesses gerais e considerados fundamentais da colectividade»156. Por

153 Seria o caso de a LJ se erguer para da proteção de interesses fiscais e da ordem social. 154 N.ºs 1 e 2 do art. 13.º da CRP. A não ser assim, poderíamos ter, na mesma circunstância, um nacional português que lhe visse aplicada uma sanção penal por violação da LJ, enquanto um nacional de outro EM ficaria sob a égide da livre prestação de serviços. 155 As Ordenações Filipinas já procuravam a proteção da ordem e tranquilidade pública, pois proibiam o explorador de jogo de demandar quem praticasse crimes nas casas de jogo (Titulo LXXXIII, art. 5.º). De igual modo, o 6.º parágrafo do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 10/95, de 19 de janeiro. 156

Dicionário Jurídico, 4.ª ed., Coimbra: Almedina, 2006, p. 837.

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53

seu lado, EMMANUELLE NÉRAUDAU-D’UNIENVILLE entende que

compreende «principes sur lesquels repose l’organisation sociale»157.

Ambas as definições reportam a uma mesma ideia central de

proteção de direitos e liberdades individuais e de princípios gerais do

Direito, bem como de valores essenciais à vida em sociedade.

Na jurisprudência da UE, o TJ entende que uma ameaça à ordem

pública pressupõe a existência de uma ameaça real e suficientemente

grave que afete um bem fundamental da sociedade, sendo algo mais

lesivo que a mera perturbação da ordem social, resultante da infração

da lei158, conceção a que aderimos na íntegra. Assim, afigura-se-nos

que uma ameaça à ordem pública ocorrerá, v. g., pelo cometimento de

crimes contra as pessoas ou contra a sociedade159. Ora, do nosso

percurso histórico verificamos que o fenómeno de jogo de azar sempre

potenciou o cometimento de vários crimes, v. g., agressões, rixas,

roubos, furtos, coações, fraudes, usura e até mesmo homicídios, ao que

acresce, nos nossos dias, o crime organizado160. É neste sentido que se

entende existir uma ameaça real e suficientemente grave de lesão da

ordem e tranquilidade pública, pelo potencial de cometimento de

vários crimes pelos e contra os jogadores, sendo este o caminho que a

jurisprudência mais recente vai percorrendo161.

c) A tudo isto, acresce o facto de que, no excurso das opções de política

criminal, não só não estiveram em causa ponderações de saúde

157 Ordre Public et Droit des Étrangers en Europe, Bruxelles: Bruylant, 2006, p. 7. Numa conceção de «ordem e segurança públicas», ANTÓNIO FRANCISCO DE SOUSA entende conduzi-la à capacidade de funcionamento das instituições democráticas, ao respeito pelos direitos fundamentais e ao próprio direito positivo em geral (Direito de Reunião e de Manifestação, Lisboa: Quid Juris?, 2009, p. 97. 158 N.º 35 do ac. Regina de 27 de outubro de 1977, em http://curia.europa.eu. 159 Com idêntica conclusão para a paz social e tranquilidade pública, AAVV, Comentário Conimbricense do Código Penal: Parte Especial, Figueiredo Dias (dir), tomo I, 2.ª ed., Coimbra: Coimbra Editora, 2012, p. 480. 160 V. o Livro Verde: Sobre o Jogo em Linha no Mercado Interno, da Comissão Europeia, em especial pp. 26-30, em http://www.infoeuropa.eurocid.pt. 161 Acórdãos do TRP de 04-02-2015, rel. por Neto de Moura, de 08-02-2012, rel. por Maria do Carmo Silva Dias, de 28-03-2012, rel. por Carlos Espírito Santo, e do TRL 25-06-2009, rel. por Fátima Mata-Mouros, em www.dgsi.pt.

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pública162, que o TFUE claramente distingue da ordem pública163,

como ainda discordamos de autores que entendem recortar do bem

jurídico protegido a estabilidade económica, a segurança dos cidadãos,

a infância e a juventude e o livre desenvolvimento da personalidade. Se

por um lado, o TJ referiu que nas medidas derrogatórias das liberdades

constantes dos Tratados não figuram questões económicas164, por outro

não conseguimos isolar a «segurança dos cidadãos», enquanto bem

jurídico-penal, para além dos casos referidos que atentam contra a

tranquilidade pública.

Como bem refere o TC, no ac. n.º 99/02, estamos perante

interesses constitucionalmente protegidos, todavia parece-nos que,

como tantos outros, não configuram um bem jurídico-penal. A não ser

assim, estaríamos a aderir à existência de injunções constitucionais

implícitas de criminalização, no sentido de só porque a normal

constitucional consagra a proteção da propriedade teríamos de

criminalizar toda e qualquer conduta que colocasse este bem jurídico

em perigo165.

d) De igual modo, também não se nos afiguram sólidos os entendimentos

de «que a opção pela incriminação visa salvaguardar e reforçar o

“sistema de autorização regulamentada”» e que, por seu turno, se

destinaria funcionalmente a proteger a infância e a juventude, o lucro

legitimado pela repartição social e a combater os efeitos nocivos às

pessoas, na família e no trabalho, pelo incitamento à despesa e ao

endividamento166. É que tais efeitos verificam-se quer no sistema de

proibição absoluta, quer no sistema de autorização regulamentada. Não

pode, pois, o legislador escudar-se no sistema de autorização

162 V. ac. do TC n.º 99/02, rel. por Luís Nunes de Almeia, em http://www.tribunalconstitucional.pt. 163 N.º 1 do art. 46.º TFUE. 164 N.º 52 do ac. Zeturf, já referido. 165 Para melhor compreensão, TAIPA DE CARVALHO, Direito Penal, Parte Geral, 2.ª ed., Coimbra Editora, 2011, p. 53. 166 CONDE FERNANDES, op. cit., pp. 352-354.

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regulamentada para criminalizar condutas, por referência a uma

nocividade presente, com igual relevo, nos dois sistemas.

e) Subsiste, em alguma doutrina167 e jurisprudência168, o entendimento de

que o património dos jogadores é um bem jurídico tutelado pela

previsão penal da exploração ilícita de jogo. Em rigor, não nos parece

que a ideia de defesa do património dos jogadores tenha adesão no

elemento literal. Mais, o elemento histórico e o teleológico parecem

contradizer uma ideia de defesa do património do jogador.

Como vimos, nas Ordenações, exploradores e jogadores, além

de serem punidos com penas corporais e de multa pela atividade de

jogo de azar, perdiam o dinheiro que tivessem ganho ou fosse

encontrado em jogo, bem como as vestes, para os apreensores e para o

reino. Também, nos Códigos Penais169, que se lhes seguiram, bem

como no sistema de autorização regulamentada, além das penas de

prisão e de multa, se determina a perda do dinheiro e dos utensílios

destinados ao jogo.

Acresce que em caso algum a LJ dispõe sobre a restituição ao

jogador do perdido ao jogo. Aqui, apenas podemos socorrer-nos do art.

1245.º do CC que refere que os contratos de jogo de azar não são

válidos, nem geradores de obrigações civis, quando praticados fora dos

locais autorizados, pelo que o pagamento prestado pelo devedor é

repetível.

Todavia, o legislador parece ser incongruente ao retirar por um

lado o que parece conceder por outro, senão vejamos. Nos termos em

que a LJ do jogo dispõe, e o CC não rebate, se os jogadores ainda não

tiverem perdido, mas o valor das apostas estiver em jogo, o dinheiro e

os valores a ele destinados serão apreendidos e declarados perdidos a

167 Idem, ibidem. 168 Ac. do TRP, de 02-07-2008, rel. por Artur Oliveira, em www.dgsi.pt. 169 Art. 61.º do CP de 1852, n.º 1 do art. 75.º do CP de 1886, e § único do art. 267.º de ambos.

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favor do Fundo de Turismo170. Nestes termos, sempre que em flagrante

delito, de exploração ou prática ilícita de jogo de azar, o OPC apreenda

dinheiro e valores não haverá lugar à repetição do pagamento do

devedor, porquanto foram declarados perdidos pelo tribunal. O que o

art. 1245.º do CC parece contemplar são as situações em que, não

estando perante casos de flagrante delito, o jogador perdedor requer a

repetição do que pagou.

Acresce referir que parece ser contraditório invocar a proteção

do património dos jogadores pela criação de crimes de jogo, quando

nos locais de jogo autorizado aquele é delapidado de igual modo.

f) Alguma jurisprudência e doutrina, refugiando-se no art. 109.º da LJ,

entendem que esta confere especial proteção à infância e juventude,

porque agrava as penas dos casos de exploração ilícita de jogo quando

no local sejam encontrados menores de 18 anos de idade. Entendem

que o bem jurídico-penal consiste salvaguarda da formação e

desenvolvimento dos jovens171.

De novo, consideramos que a jurisprudência e doutrina, que

entendem reconhecer na proteção da norma um bem jurídico-penal em

torno da proteção da infância e da juventude, confundem o âmbito de

proteção da norma com o que dela resulta reflexamente protegido. Se

no espírito do legislador estivesse a proteção do jovem, na sua

formação e desenvolvimento, não sancionaria administrativamente a

concessionária de jogo que não restrinja a entrada de menores de 18

anos às salas de jogo e com uma sanção penal o explorador de jogo não

autorizado172. É que em ambos os casos a formação e desenvolvimento

dos jovens estará, igualmente, em perigo. Mais, importaria, por essa

ordem de razões, sancionar o progenitor ou quem sobre o jovem

170 Art. 117.º LJ. 171 Assim, VASCO ANTÓNIO VILARES ROQUE, op. cit., p. 798. 172 Art. 36.º, n.º 2, al. a) com sanção ditada pelo art. 125.º da LJ, com a agravante de não distinguir este caso de infração demais casos de entradas irregulares nas salas de jogo, e art. 109.º da LJ.

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tivesse responsabilidade, ainda que momentânea, e o conduzisse a uma

casa de jogo autorizada ou ilegal. Não só a Lei não sanciona estes

casos, como distingue as casas de jogo autorizadas, vulgo casinos, das

ilegais.

A razão de ser das normas é distinta. Num caso sanciona-se a

violação administrativa em cujo substrato não se encontra dignidade

penal – a não restrição da entrada de menores de 18 anos nas salas de

jogo dos casinos –, o que resulta de uma opção de mera ordenação

social, por uma consideração ético-social de não exposição dos

menores ao jogo. Em sentido inverso, o que se sanciona nos locais de

exploração ilícita de jogo não é a entrada irregular, que serão todas –

adultos ou menores – mas o potencial de perigo para a ordem pública.

Por outras palavras, sanciona-se a criação de um conjunto de

circunstâncias potenciadores do surgimento de vários ilícitos penais,

agravando-se as penas quando no local se encontrem menores de 18

anos, porquanto apresentam uma maior vulnerabilidade e probabilidade

de serem vítimas dos crimes de ofensas à integridade física, roubo,

furto, coação, fraude, usura ou homicídios. A não ser assim, e estando

a imputabilidade penal fixada a partir dos 16 anos de idade, não se

compreenderia a necessidade de proteção da formação e

desenvolvimento de um jovem com esta idade que depois fosse punido

por prática ilícita de jogo ou por presença em local de jogo ilícito173.

Seria, pois, um paradoxo em que o legislador puniria o objeto de

proteção da norma – o menor de 18 anos imputável.

Do que fica dito, o bem jurídico-penal tutelado na exploração ilícita de

jogo de fortuna ou azar consiste na ordem e tranquilidade pública174. Trata-se

173 Nos termos dos arts. 110.º e 111.º da LJ. 174 Em outros ordenamentos jurídicos a disciplina do jogo de fortuna ou azar é remetida para o âmbito dos crimes contra a propriedade (v. MARIA RAMIS REBASSA, op. cit.,, p. 50 e ss), o que nunca foi a opção do legislador português. Connosco, FABIENNE PÉRALDI LENEUF, «La Cour de Justice er la Libéralisation des Jeux en Ligne: L’exigence de Cohérence: A Propos de l’arrêt Santa Casa», in RTDeur., Revue trimestrielle de droit européen, n.º 1-2010, 7-29, (p. 28).

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de um crime erigido para proteção da ordem e tranquilidade pública e não

para proteção de alguns interesses constitucionalmente protegidos, cuja

ofensividade não resulta da exploração ilícita do jogo ou não lhe é exclusiva

por se verificar, igualmente, no sistema de autorização regulamentada.

Para proteção do bem jurídico, e por entender que os cenários de

exploração não autorizada de jogo propiciam o cometimento de vários

crimes, o legislador antecipou a tutela penal.

5.3. Limites ao regime de exclusivo

Por a exploração ilícita de jogo consistir num crime de perigo abstrato

não é indiferente a via de interpretação do tipo, se pela teoria do bem jurídico

se pelo princípio da ofensividade.

A opção correta permitir-nos-á identificar que situações não

preenchem o elemento objetivo do tipo da exploração ilícita de jogo, logo

constituindo limites ao regime de exclusivo da exploração de jogo de fortuna

ou azar.

5.3.1. O crime de perigo abstrato de exploração ilícita de jogo à luz

da teoria do bem jurídico: legitimidade constitucional e

relevância do princípio da ofensividade

Nas reformas penais foi tomando relevo a ideia de que o Direito Penal

apenas pode punir condutas que atentem contra bens jurídicos previamente

existentes175, logo excluem-se as meras imoralidades e as normas

axiologicamente neutras176.

175 WINFRIED HASSEMER, «¿Puede Haber Delitos que no Afecten a un Bien Jurídico Penal?», in ROLAND HEFENDEHL (ed.), La Teoria del Bien Jurídico ¿Fundamento de Legitimación del Derecho Penal o Juego de Abalorios Dogmático?, Madrid: Marcial Pons, 2007, 95-104 (pp.103-104). 176 Assim, CLAUS ROXIN, op. cit., pp. 52 e 53.

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De igual modo, também tomou relevo, na problemática penal, a figura

do cuidado de perigo, com claras manifestações ao nível da política criminal,

do discurso legitimador da determinação punitiva e no plano da dogmática

penal177.

Como já vimos, no crime de exploração ilícita de jogo apenas se visa

proteger a ordem e a tranquilidade pública. Mas será que daqui podemos

inferir que este bem jurídico-penal é colocado em perigo178 pela conduta

exploradora não autorizada do jogo de fortuna ou azar?

Em bom rigor, estamos perante um ilícito penal em que o tipo não

requer a colocação daquele bem jurídico em perigo; todavia, porque o

legislador considera existir um potencial de pôr o bem jurídico em perigo,

este constitui a motivação para a incriminação da conduta. O crime de

exploração ilícita de jogo de fortuna ou azar é, assim, um crime de perigo

abstrato.

O legislador terá, no crime de exploração ilícita de jogo, concluído

pela potencialidade de uma perigosidade para o bem jurídico ordem e

tranquilidade pública e, afastando-se da formulação típica dos crimes de

perigo concreto, não requer a sua comprovação no caso concreto. Por outras

palavras, o legislador conclui que certos comportamentos criam as condições

adequadas para o cometimento de condutas ofensivas de outros bens

jurídicos. Assim, e por referência a um cuidado de perigo, criminalizou tais

comportamentos, antecipando a tutela de um determinado bem jurídico.

Conduzindo ao crime em análise, o legislador concluiu que as

situações de exploração ilícita de jogo não colocam em perigo, de per si,

nenhum bem jurídico. Contudo, propiciam as condições adequadas para o

cometimento de, entre outros, crimes de coação à prática de jogo, jogo

fraudulento, usura para o jogo, ameaças, furtos, roubos, ofensas à integridade

177 FARIA DA COSTA, op. cit., p. 568. 178 Acolhemos a conceção objetiva de perigo de WOLDEMOR VON ROHLAND, no sentido de ser uma possibilidade (ou probabilidade) objetiva de um evento danoso (Die Gefah Im Strafrecht, Dorpat, 1886, p. 1, apud, RUI PEREIRA, op. cit., pp. 20-21).

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física e homicídios, colocando em causa o bem jurídico ordem e tranquilidade

pública.

A conduta do agente deve, assim, ser punida independentemente de se

ter criado perigo para a ordem e tranquilidade pública, pelo que deverá ser

punido o explorador não autorizado de jogo de azar, quer seja cometido, ou

não, algum daqueles crimes.

Todavia, no crime de perigo abstrato, diferente de o bem jurídico ter

sido, em concreto, colocado em perigo, bem como, diríamos mesmo, de se

provar que o bem jurídico não poderia concretamente ter sido colocado em

perigo, estarão em causa situações em que, de forma absoluta, o bem jurídico

nunca poderia ter sido colocado em perigo179, por não existir o cuidado de

perigo para o bem jurídico180.

O juízo de perigo resulta de uma gradação da probabilidade de

ocorrência do resultado desvalioso181, e porque o legislador procura evitar

que pela exploração ilícita de jogo se criem as condições adequadas para a

violação da ordem e tranquilidade pública antecipa a tutela daquele bem

jurídico criando um crime de perigo abstrato.

Então, e se dissermos que a probabilidade de ocorrência do resultado

desvalioso é nula, por inexistir o potencial de pôr-em-perigo os bens jurídicos

que se visam proteger? Neste caso, entende FARIA DA COSTA, se a

probabilidade for igual a zero, que não temos perigo182.

Nestes termos, sentir-nos-íamos tentados a afirmar que inexistindo o

desvalor do cuidado de perigo, também não temos perigo, logo não teremos

suporte que constitui a motivação da incriminação. Todavia, e apesar de tal

ser verdade, o legislador, por razões de política criminal, criou o crime de

perigo abstrato de exploração ilícita de jogo, entendendo que existe uma

179 Idem, p. 293. 180 Connosco, SANTIAGO MIR PUIG, Derecho Penal, Parte General, 5.ª ed., Barcelona: Reppertor S. L., 1998, p. 234. 181 FARIA DA COSTA, op. cit., p. 599. 182 Idem, p. 600.

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probabilidade de cometimento de vários crimes – o cuidado de perigo a bens

jurídico-penais.

Entendemos, contudo, que tais considerações de política criminal não

são suficientes para recusar a prova negativa do perigo, porque poderemos

estar perante uma situação em que o perigo para o bem jurídico nunca

ocorreria, por a situação primeva não ter o cuidado de perigo, ao que

acrescem duas ordens de razões.

Por um lado, se recusarmos ao arguido a prova negativa do perigo

estaremos a limitar, ou até mesmo negar, o direito de defesa e a violar o

princípio da culpa183. Tal tem, ainda, como consequência o aumento do

campo de punibilidade do tipo, o que só está ao alcance do legislador184, com

a agravante de existir uma relação tensional mitigada entre a exploração

ilícita de jogo e o bem jurídico a proteger.

Por outro, não nos parece ser de aceitar que os tipos penais estejam

subtraídos ao juízo de prova no duplo sentido de que determinado facto

ocorreu ou de que não ocorreu. Para que se prove o cometimento de

determinado tipo de crime, tem, necessariamente, de se provar que estão

preenchidos os elementos objetivo e subjetivo constitutivos do tipo de ilícito

penal. Não só se admitem, em Direito adjetivo, meios de prova que provem

que determinado facto ocorreu, como se admitem aqueles que provem que

determinado facto não ocorreu. E nem se diga que aqueles têm maior valor

probatório do que estes, porquanto são valorados de acordo com o princípio

da livre apreciação da prova pelo tribunal185.

183 O princípio da culpa, enquanto corolário do princípio da legalidade, é um meio de limitação da pena (nulla poena sine culpa), no sentido de que a pena não pode em nenhum caso ser superior à medida da culpa (n.º 2 do art. 40.º do CP), sob pena de atentar contra a dignidade da pessoa humana (vertida no art. 25.º, n.º da CRP). Segundo este princípio de feição liberal, e independente das teorias retributivas, a graduação da culpa determina-se em função de fatores internos na pessoa do agente e pela dimensão dos danos causados (CLAUS ROXIN, op. cit., pp. 99-100, ainda GARCIA-PABLOS, Derecho Penal, Madrid: Universidad Complutense, 1995, pp. 283-289). Se inexistir o potencial de perigo, e porque o princípio da culpa impõe que a culpa se gradue de acordo com a dimensão do dano - no caso concreto de acordo com a dimensão do cuidado de perigo – teremos de admitir a prova negativa do perigo. Na inversa estaremos a impor uma pena superior à medida da culpa, em razão da inexistência de culpa. 184 FARIA DA COSTA, op. cit., p. 573. 185 Art. 127.º do CPP.

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Se admitimos a prova que determinado bem jurídico não foi

concretamente posto em perigo, porque no caso concreto a conduta do agente

nunca lesionaria o bem jurídico, então teremos, também, de aceitar que, no

caso dos crimes de perigo abstrato, o legislador não pretendeu subtrair ao

juízo de prova a prova negativa do perigo.

De acordo com a teoria do bem jurídico186, à luz dos parâmetros

constitucionais, o legislador apenas poderá erguer tipos penais que atentem

contra bens jurídicos com relevância penal. E, se nos crimes de perigo

concreto ainda temos uma forte tensão relacional entre a conduta do agente e

o bem jurídico posto em perigo, nos crimes de perigo abstrato essa tensão

está diluída, pois não se requer que o bem jurídico seja colocado em perigo.

A questão que se coloca é, de saber se tendo em conta a secular

existência do crime de exploração ilícita de jogo, não estaremos perante um

ilícito penal que perdeu o fundamento penal legitimador face aos atuais

parâmetros constitucionais? De acordo com o princípio da ofensividade187, e

antecipando a resposta, entendemos que não.

O princípio da ofensividade consiste na exigência de uma ofensa a um

bem jurídico-penal – nullum crimen sine iniuria – e contrapõe-se à existência

de crimes por mera violação de deveres188.

186 Aderimos à conceção ético-social do bem jurídico-penal, materializada pela Constituição Democrática (n.º 2 do art. 18.º da CRP, que consagra os pressupostos de dignidade penal e de necessidade penal), de TAIPA DE CARVALHO (op. cit., pp. 47-54), no sentido de que «só deverão ser assumidos e qualificados como bens jurídico-penais os valores considerados, pelo ethos social comunitário, como essenciais ou indispensáveis para a realização pessoal de cada um dos membros da sociedade». A realização pessoal implica a proteção dos direitos intrinsecamente inerentes à pessoa humana individual, mas igualmente a garantia das condições sociais necessárias àquela realização. Refere, ainda, o autor que é deste modo que se alcança a dimensão axiológica fundamental do bem jurídico-penal que se designa por dignidade penal do bem jurídico. Mas, para a qualificação como bem jurídico-penal é necessário que o recurso às penas criminais seja considerado indispensável, porque outras sanções seriam ineficazes ou insuficientes à proteção daqueles bens jurídicos, e adequado à proteção dos bens jurídicos fundamentais. Esta dimensão pragmática é designada de necessidade penal (Idem, pp. 48 e 49). 187 Alguns autores entendem que, por si só, o bem jurídico não pode conformar uma teoria adequada de criminalização de condutas, evidenciando outros critérios, v.g., o princípio da ofensividade, como legitimação do direito penal (HANDREW VON HIRSCH, «El concepto del bien jurídico y el “pincípio del daño”, in ROLAND HEFENDEHL (ed.), op. cit., 37-52 (p. 52)). 188 Para melhor compreensão v. FERRANDO MANTOVANNI, para quem o bem jurídico consiste no suporte do princípio da ofensividade e a ofensa àquele a sua concretização (Diritto Penale, Parte

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Do que dissemos, pela exploração ilícita de jogo, o explorador não

produz um concreto dano para um bem jurídico. Com a conduta exploradora

apenas se produz um potencial de perigo para um determinado bem jurídico –

como vimos a ordem e a tranquilidade pública. Nestes termos, segundo a

teoria do bem jurídico, ao legislador não caberia outra opção senão esperar

que se produzisse um dano na ordem pública e, consequentemente, alguns

dos crimes que a perigam.

O legislador considerou, todavia, que existem algumas condutas que

estão já muito próximas de uma efetiva lesão ao bem jurídico e cuja

probabilidade de ocorrência é elevada. E, considerando que não será de exigir

que o dano se concretize, por impossibilidade de conter as consequências

lesivas da conduta, antecipou a tutela penal. É assim na exploração ilícita de

jogo.

Tal é possível, porque o princípio da ofensividade não exige um

concreto dano num bem jurídico, bastando-se com o potencial dano pelo

cuidado de perigo para o bem jurídico189 – resultando na criminalização da

conduta. Mas não devemos quedar-nos por esta exigência mínima, porquanto,

para que se preencha o tipo da exploração ilícita, é necessário que segundo

um juízo ex ante se conclua da probabilidade de produção de um dano pelo

potencial de perigo para a ordem pública resultante da conduta exploradora –

tarefa que caberá ao tribunal190.

Generale, 3.ª ed., Padova: CEDAM, 1999, p. 221). Aderimos à visão de FÁBIO ROBERTO D’ÁVILA para quem o princípio da ofensividade consiste num princípio de carácter garantista e que representa a expressão político-ideológica de um Estado pluralista, laico e inspirado em valores de tolerância; onde apenas cabe lugar um Direito Penal de efetiva tutela de bens jurídicos e no qual não há espaço para a prossecução de objetivos éticos, para a punição de inclinações antissociais ou de mera infração ao dever (Ofensividade e Crimes Omissivos Próprios, Coimbra Editora, 2005, p. 48). A ofensividade é uma exigência constitucional, que decorre do n.º 2 do art. 18.º da CRP, e que se impõe a todas as categorias de crime (p. 108). 189 Acórdãos do STJ, de 05-09-2007, rel. por Pires da Graça, de 25-06-2008, de 13-07-2009, e de 07-07-2010, relatados por Souto de Moura, em www.dgsi.pt; bem como os acórdãos do TC, n.ºs 323/2008, de 18-06-2008, e 95/2011, de 16-02-2011, relatados por Ana Guerra Martins, em http://www.tribunalconstitucional.pt. 190 Concordante, FÁBIO ROBERTO D’AVILA para quem o princípio da ofensividade opera em dois níveis diversos. De jure condendo orienta e limita o trabalho do legislador no âmbito penal, de jure condito exige uma interpretação da norma de acordo com a exigência da ofensividade (op. cit., p. 49).

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Não se afigura conforme aos imperativos constitucionais a afirmação

de que no crime de perigo abstrato de exploração ilícita de jogo temos uma

presunção inilidível de perigo191, pois não devem confundir-se os casos em

que o perigo, não sendo elemento do tipo, se encontra implícito na conduta,

daqueles em que o perigo não se encontra implícito na conduta192.

É dizer, nos crimes de perigo abstrato o perigo encontra-se implícito na

conduta193. Assim, quando o tribunal procura enquadrar a conduta no tipo tem

de valorá-la e ao fazê-lo estará a valorar o perigo. Se considerar que de uma

conduta exploradora de jogo não resulta em absoluto um cuidado de perigo

para a ordem pública, o juiz terá de concluir que não preenche o tipo da

exploração ilícita de jogo, logo não haverá crime em sentido material.

Embora o legislador presuma o perigo, não se trata de uma presunção

inilidível de perigo194.

Os crimes de perigo abstrato encontram-se no limiar do raio de ação da

Lei Penal, onde a tutela do bem jurídico-penal é mais antecipada, sendo por

esta mesmíssima razão que não nos parece que o legislador tenha criado uma

presunção inilidível de perigo no crime de exploração ilícita de jogo.

Não faz sentido que nos casos de tutela próxima do bem jurídico, onde

existe uma proximidade da ação ofensiva ao bem jurídico, pela sua colocação

191 A não ser assim veríamos sacrificado o corolário nulla poena sine judicio, porquanto a independência das magistraturas face a outros poderes do Estado é pressuposto necessário para que o processo judicial corresponda à função de garantia do Direito Penal. (CAVALEIRO DE FERREIRA, Direito Penal Português, Parte Geral I, Lisboa: Editorial Verbo, 1981, p.95). Segundo KARL

BINDING, a presunção de perigo não é o mesmo que perigo e nem poderia sê-lo (Die Normen und ibre Übertretung. Eine Untersuchung über die rechtmässige Handlung und die Arten des Deliktes, vol. 1, Nordem und Strafgesetze, 3.ª ed., Leipzig: Felix Meiner, 1916, p. 386, apud Fábio Roberto D’Ávila, op. cit., p. 110). 192 Existe na doutrina uma tendência para identificar, nos crimes de perigo abstrato, um perigo de juris et de jure e, por conseguinte, subtraído ao juízo do tribunal. Consideramos que tal visão não é a mais correta. Diríamos mesmo que levanta problemas de compatibilidade constitucional, porque uma perceção dos crimes de perigo estabelecida nos termos de uma presunção inilidível de perigo impossibilitaria uma qualquer noção de perigo como ofensa ao bem jurídico-penal. Tal levaria a que os crimes de perigo abstrato fossem, na realidade, crimes de mera desobediência. Assim, FÁBIO

ROBERTO D´ÁVILA, op. cit., p. 103. Em sentido diverso, e entendendo tratar-se de uma presunção iuris et de iure, EDUARDO CORREIA, Direito Criminal, vol. I, Coimbra: Almedina, 2007, pp. 287-288. 193 Concordante, MANTOVANNI (op. cit., p. 225). 194 Connosco, HORST SCHRÖDER, «Abstrakt-konkrete Gefährdungsdelikte?», JZ, 1967, p. 525, apud Fábio Roberto D’Ávila, op. cit., p. 105 (nota n.º 53).

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em perigo, se admita a prova da sua não colocação em perigo, para depois

não se admitir, nos casos de tutela mais antecipada – afastada – do bem

jurídico, a prova de que o bem jurídico nunca poderia ser ofendido195.

Se pensarmos no crime de exploração ilícita de jogo ocorrem-nos dois

grupos de casos em não há cuidado de perigo para o bem jurídico: (i) quando

o elemento do tipo não se encontrar preenchido, por faltarem os elementos

normativos do tipo da exploração ilícita de jogo de fortuna ou azar, e (ii)

quando a exploração do jogo ocorre num contexto de inocuidade ético-social.

Remetendo o primeiro grupo de casos para ulteriores considerações,

atendamo-nos, por ora, nas situações em que do contexto de exploração não

resulta uma relevante ressonância ético-social.

Se se entender que os crimes de perigo abstrato são crimes de perigo

presumido, no sentido de uma presunção inilidível do perigo, tal implica

aceitar que existe uma repartição de tarefas entre o legislador e o juiz quanto

ao juízo de perigo. Assim, porque ao legislador caberia a determinação dos

indícios de perigosidade, ao juiz estaria subtraído o juízo de perigosidade da

conduta pela aparência do preenchimento do tipo da exploração ilícita de

jogo – preenchimento formal196 do tipo de crime.

Na verdade, além de exigirem que se identifique de forma clara o bem

jurídico tutelado e que este seja de grande importância, os crimes de perigo

abstrato requerem que a conduta típica seja descrita, tanto quanto possível, de

forma precisa e minuciosa197. O crime de exploração ilícita de jogo é um

claro exemplo da necessidade de identificar de forma clara o bem jurídico

protegido – a ordem e a tranquilidade pública e não os interesses

constitucionalmente protegidos reflexamente – e de que, provavelmente, não

seria possível descrever a conduta típica com maior minúcia.

195 É que «a ressonância que o desvalor do resultado de dano/violação adquire dentro da comunidade jurídica tem uma força e uma precisão que não se pode comparar ao desvalor do resultado de perigo» (FARIA DA COSTA, op. cit., p. 578). 196 Para compreensão entre o conceito formal de crime e o conceito material de crime v. CLAUS ROXIN, op. cit., p. 51 ss. 197 FIGUEIREDO DIAS, op. cit., p. 293.

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O crime de exploração ilícita de jogo está, a nosso ver, redigido de

forma, o quão possível, minuciosa. É dizer, permite perceber que a conduta

típica se circunscreve a uma ação de exploração que tem por substrato um

jogo de fortuna ou azar, fora dos locais autorizados. Nos termos em que

descrevemos a «exploração» e o «jogo de fortuna ou azar» não restam

dúvidas de quais são os elementos objetivos normativos do tipo.

No entanto, no crime de exploração ilícita, o perigo não é elemento

(explícito) do tipo, mas apenas motivação para a sua construção, pelo que a

descrição minuciosa não se lhe refere. Será exigir demasiado da norma, e de

menos ao tribunal, se confiarmos, unicamente ao legislador, pela descrição

dos indícios de perigosidade, a subsunção da conduta exploradora ao tipo do

art. 108.º/1 da LJ. Estaremos a violar a separação de poderes, não porque o

legislador aplique a Lei, mas porque o juiz vê coartada a sua função de

interpretação da Lei e valoração do perigo198, melhor dito do potencial de

pôr-em-perigo, de uma conduta que indiciariamente se subsume ao tipo do

crime de exploração ilícita de jogo.

Porque para o preenchimento do tipo da exploração ilícita de jogo não

se exige que o perigo se manifeste na conduta, mas tão só que haja um

desvalor de cuidado de perigo, o juiz não terá de comprovar – positivamente

– a séria possibilidade de lesão do bem jurídico. Mas se lhe coartarmos o

juízo que ele tem de realizar, impossibilitando-o de comprovar –

negativamente – a absoluta impossibilidade de lesão, estaremos a violar o

princípio da separação de poderes pela opressão do poder judicial.

O raciocínio não deverá ser redutor no sentido de só se comprovar,

quanto ao perigo, o que pode ser comprovado positivamente. É que pela

ausência de comprovação positiva do perigo, o único juízo admissível é um

juízo negativo do perigo199.

198 Por não ser um conceito naturalístico, mas um conceito normativo-descritivo, o perigo não está subtraído à interpretação e valoração do tribunal (concordante, GERMANO MARQUES DA SILVA, Direito Penal Português, Teoria do Crime, Lisboa: Universidade Católica Editora, 1992, p. 28). 199 Connosco, SILVA DIAS, op. cit., p. 524. Também o TC, no ac. n.º 426/91, já referido, e a propósito do princípio da necessidade penal, vertido no art. 18.º, n.º 2, da CRP, admite a prova

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67

Os tribunais superiores têm sido chamados a pronunciar-se sobre,

aparentes, casos de exploração ilícita de jogo de fortuna ou azar. Trata-se da

exploração ilícita de máquinas que desenvolvem modalidades (afins) de jogo

de fortuna ou azar. São situações em que determinado jogo, cujo tema não é

próprio dos jogos de fortuna ou azar, é desenvolvido em máquina automática

na qual o jogador introduz uma moeda e, rodando um manípulo, faz sair de

forma aleatória uma cápsula contendo uma senha que dá direito a um prémio

pecuniário, no caso de o número nela inscrito coincidir com algum dos

números constantes de um cartaz exposto ao público200. No acórdão de 04-03-

2010, o STJ decidiu que o caso sub judice constitui a exploração ilícita de

uma modalidade afim e não de um jogo de fortuna ou azar201.

O STJ, para concluir não estar perante um caso de exploração ilícita de

jogo de fortuna ou azar, tomou em consideração os seguintes critérios: (i) que

o jogo desenvolvido naquela máquina não é objeto de exploração nos casinos

autorizados, por não ter previsão nas alíneas do n.º 1 do art. 4.º da LJ, nem,

diretamente, na Portaria n.º 217/2007, de 26 de fevereiro, que define as regras

de execução dos jogos de fortuna ou azar; (ii) que a máquina não desenvolvia

um tema próprio dos jogos de fortuna ou azar, embora dependesse da sorte, e

(iii) não pagava diretamente prémios em fichas ou moedas.

negativa do perigo quando a recusa para o caso concreto do tráfico de produto estupefaciente (ponto 18). 200 Os casos de exploração deste tipo de máquina de jogo levaram os tribunais portugueses a pronunciarem-se centenas de vezes sobre se estaríamos perante a exploração de jogos de fortuna ou azar ou apenas de modalidades afins. Perante, pasme-se, a colossal disparidade de soluções, cujos arestos ora se decidiam pela existência de um jogo de fortuna ou azar, ora por uma modalidade afim, o STJ fixou jurisprudência através do ac. de 04-02-20140, no sentido de se tratar de um caso que constitui uma modalidade afim e não um jogo de fortuna ou azar. No sentido de constituir uma exploração de jogo de fortuna ou azar v., entre muitos: acórdãos do TRL, de 21-04-1998, rel. por Isabel Martins; do TRP, de 29-09-1999, rel. por Milheiro de Oliveira, de 21-02-2001, rel. por Francisco Marcolino, de 14-08-2001, rel. por Esteves Marques; do TRE, de 04-03-2008, rel. por Guilhermina de Freitas, em www.dgsi.pt. No sentido de constituir modalidade afim do jogo de fortuna ou azar v., entre muitos, acórdãos do STJ, de 28-11-2007, já referido, de 27-02-2008, rel. por Henriques Gaspar; do TRC, de 09-04-2008, já referido; do TRE, de 03-06-2008, já referido. 201 De inexplicável contradição são os arestos dos tribunais, inclusive superiores, que, apesar da fixação de jurisprudência, ainda condenam os arguidos no crime de exploração ilícita de jogo de fortuna ou azar, de que é exemplo o ac. do TRE, de 28-02-2012, rel. por Ana Barata Brito, em www.dgsi.pt.

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Em suma, concordamos com o aresto, no sentido de não estarmos

perante uma exploração ilícita de jogo de fortuna ou azar, mas não pelos

critérios enunciados. Enquanto o STJ exclui a tipicidade dos factos por

referência ao elemento normativo objetivo do tipo jogo de fortuna ou azar, o

que a nosso ver não é corretamente conseguido, entendemos que se exclui o

tipo por absoluta impossibilidade de potencial de perigo para o bem jurídico

ordem pública. Por outras palavras, não releva se o art. 4.º da LJ enuncia

taxativamente determinado tipo de jogo, pois como já vimos tal preceito

serve tão só para dali retirar, em conjugação com o art. 1.º, a fisiologia do

jogo de fortuna ou azar. De igual modo, não importa se a máquina expele ela

própria os prémios, pois da redação da alínea f) do n.º 1 do art. 4.º deve

retirar-se que o pagamento direto de prémios é o pagamento efetuado e

devido pelo resultado do jogo, quer seja pela máquina, quer seja pelo caixa

do casino. O que releva, pela aparência de subsunção dos factos à norma, é de

saber se no caso concreto temos uma relevante ressonância ético-social202

pela exploração daquele tipo de jogo que potencie um perigo para a ordem

pública pela probabilidade de cometimento de vários crimes – situação em

que teremos um crime de exploração ilícita de jogo de fortuna ou azar; ou se

estaremos perante um situação de inocuidade ético-social pela inexistência de

potencial de perigo – caso em que não se preenche o tipo.

No caso em apreço não existe uma relevante ressonância ético-social

na exploração ilícita de um jogo, com a fisiologia de um jogo de fortuna ou

azar, em que o jogador, introduzindo uma moeda numa máquina rudimentar,

dispõe de reduzida quantia para jogar (jogo de dinheiro) com a expectativa de

um reduzido prémio pecuniário (jogo a dinheiro), em que o impulso para o

jogo é, igualmente, reduzido por ter de ser renovado em cada operação203.

202 O próprio aresto refere este argumento, embora de forma acessória, o que a nosso ver constitui a essência da questão. 203 Inexiste, neste caso, o que se verifica nas vulgarmente designadas slot machines que se caracterizam: (i) pelo near miss (falhar por pouco), (ii) prémio avultados e (iii) a manutenção no jogo pela concessão de créditos, permitindo ciclos de jogo dinâmicos num encadeamento mecânico e compulsivo. Aqui o impulso para o jogo não tem de ser renovado em cada operação, e o jogador não corre o risco de se envolver emocionalmente (concordante o acórdão STJ de 04-02-2010).

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Se atendermos à descrição do tipo, afigura-se-nos existir uma formal

subsunção dos factos à norma. Contudo, existe algo que não integra o tipo,

mas é considerado para a sua criação – o perigo. Perante o caso concreto, o

juiz, valorando o perigo – o potencial de pôr-em-perigo a ordem pública –

concluirá que a conduta do explorador não tem ressonância ético-social204,

pois é em absoluto impossível que se atente contra a ordem e tranquilidade

pública.

Impõe-se a admissão da prova negativa do perigo205, do que resultará o

não preenchimento material do tipo penal da exploração ilícita de jogo, e sem

tipo não há crime.

5.3.2. O preenchimento dos elementos objetivos do tipo:

(a)moralidade do Direito Penal do jogo

A consumação do crime de exploração ilícita de jogo depende da

verificação cumulativa dos seguintes elementos objetivos do tipo: (i) que haja

exploração206, (ii) de jogo de fortuna ou azar e (iii) fora dos locais legalmente

autorizados.

Perceber estes elementos objetivos implica perceber que o legislador se

orientou politico-criminalmente sobre o que deve ou não deve ser punido e,

ancorado pelo princípio da mínima intervenção penal, moldou um tipo de

ilícito com o fim de proteção do bem jurídico ordem pública.

O fenómeno do jogo de azar, por ser contrário aos bons costumes e

afastar o homem da vida normal de trabalho, foi sempre cunhado por

204 No sentido de o princípio da culpa vedar a incriminação de condutas destituídas de qualquer ressonância ético-social v. ac. do TC n.º 426/91, de 6-11-1991, rel. por Sousa e Brito, em http://www.tribunalconstitucional.pt. 205 Só teremos perigo quando «l’evento lesivo, secondo un giudizio ex ante sulla base delle circostanze al momento verosimilmente esistenti, era prevedibile come verosimile secondo la miglior scienza ed esperienza. Il pericolo è, pertanto, la probabilità del verificarsi dell’evento di danno» (MANTOVANNI, op. cit., p. 223). 206 O legislador equipara, para efeitos de punição, ao explorador os casos de encarregado da direção do jogo, os administradores, diretores, gerentes, empregados e agentes da entidade exploradora (n.º 2 do art. 108.º da LJ).

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70

considerações morais. A comprová-lo temos o Direito das Ordenações que

perseguiam exploradores e jogadores punindo-os severamente. Se, à época,

tais considerações morais não eram erradas, hoje, por referência ao bem

jurídico, já não se pode aceitar punir como «vadio» alguém que pratique jogo

de azar207, pois seria punir uma mera imoralidade208, que, em conformidade

com os imperativos constitucionais, não cabem no âmbito de proteção penal

da LJ.

Dito assim, e apesar de terem um passado comum, não parece ser de

confundir Direito e Moral. Todavia, todo o Direito tem um mínimo de moral,

levando a que sempre se encontrem elementos de carácter moral nos sistemas

normativos209, sendo este aspeto a ter em atenção na regulamentação do jogo

de fortuna ou azar.

Com a regulamentação da exploração do jogo de fortuna ou azar, o

legislador procurou circunscrever geográfica e socialmente o fenómeno do

jogo, mas não deixou de considerar moralmente condenável a sua exploração

e consequente prática210. Por questões de pragmatismo, optou-se por um

sistema de autorização regulamentada, já que se mostrava impossível reprimir

o recrudescimento do jogo de azar.

Se concordamos que no Direito poderá existir um mínimo de moral,

recusamos, no entanto, que o Direito Penal se determine pela moral211. Ao

Direito Penal importa apenas a proteção dos valores constitucionalmente

protegidos e considerados como essenciais para o desenvolvimento de cada

um dos membros da sociedade. Apesar das várias considerações morais ao

fenómeno do jogo, desde logo patentes nos termos «sorte», «fortuna» e

«azar» empregues pelo legislador, entendemos que a LJ ainda conserva, no

207 Arts. 256.º e 264.º do CP, de 16 de setembro de 1886. 208 CLAUS ROXIN, op. cit., p. 52. 209 MONTERO OLMEDO, Derecho e Moral: Estudio Introductório, México: Facultad de Derecho Uiversidad Nacional Autónoma de México, 2011, p. 57. 210 Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 46, de 4 de Abril de 1979, p. 1641 e ss, em www.parlamento.pt. 211 Nem mesmo no caso das «regras morais dominantes» como entende MANUEL FONTAINE

CAMPOS, O Direito e a Moral no Pensamento de Friedrich Hayek, Porto: Publicações Universidade Católica, 2000, p. 119.

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ilícito típico da «Exploração ilícita de jogo», o baluarte constitucional por

referência à proteção do bem jurídico-penal ordem pública.

Mas não apenas na legiferação devemos manter a ideia de defesa de

um bem jurídico penalmente relevante. Também ao juiz cabe interpretar a

norma jurídica afastando-se de conceções moralizantes sobre o jogo de

fortuna ou azar. É dizer, com referência a uma visão moralizante sobre o

fenómeno do jogo de azar, facilmente nos conduzimos à estabilidade familiar,

à defesa do património do jogador, ao desenvolvimento da personalidade do

jovem e da criança, ou até mesmo ao interesses fiscais do Estado e à

promoção de questões sociais, e que como já vimos, não se nos afigura terem

relevância penal no sistema de autorização regulamentada do jogo fortuna ou

azar. Aliás, entendemos que pela adoção deste sistema se subtraiu àqueles

bens jurídicos constitucionalmente protegidos a sua relevância penal no

âmbito do jogo.

Para auxiliar a tarefa do julgador, a técnica legislativa recorre ao tipo

legal de crime – Tatbestände – onde descreve as condutas humanas que

violam os bens ou interesses jurídico-criminais. Assim, impõe ao juiz, como

quadros valorativos, os tipos legais de crimes, cujos acontecimentos deve

subsumir, a fim de verificar se têm dignidade jurídico-criminal212.

Uma interpretação do tipo penal da exploração ilícita teleologicamente

fundada na letra da Lei é essencial para respeitar os corolários do princípio da

legalidade – nullum crimen sine lege certa e nullum crimen sine lege stricta –

bem como a sua função de garantia constitucional. Tal desiderato assume

especial importância sobretudo nos crimes cujo bem jurídico é relativamente

indeterminado na sua definição213, como é o caso dos crimes contra a ordem e

tranquilidade pública. O facto criminoso não pode ser inferido da Lei. Tem de

ser determinado pela Lei e não pelo arbítrio do julgador. Não está ao alcance

212 EDUARDO CORREIA, op. cit., pp. 275-276. 213 MANUEL CAVALEIRO DE FERREIRA, Lições de Direito Penal, …, p. 140.

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72

deste determinar o conteúdo do crime, como o preconizava a teoria de

ROSSI214, porquanto uma lei incerta é inconstitucional.

O juiz deve afastar quaisquer considerações que remetam o jogo de

fortuna ou azar para uma categoria de produto ilícito em si mesmo. A

valoração do jogo de azar num quadro moralmente depreciativo, cunhado por

uma visão estigmatizante do jogo a dinheiro215, em que os próprios elementos

normativos do tipo parecem indetermináveis quanto ao conteúdo, remete o

jogo de azar para uma noção de jogo ilícito, atualmente inoperante em termos

penais. São várias as decisões que espelham a enorme dificuldade de

valoração dos elementos objetivos da norma do art. 108.º, n.º 1, da LJ, as

mais das vezes por dificuldade de compreensão do conteúdo do conceito

normativo «jogo de fortuna ou azar».

Tomemos como exemplo um aresto do TRP216 em que num

estabelecimento de restauração era explorada uma máquina eletrónica que

desenvolvia um jogo semelhante ao «Poker» e outro semelhante ao «Black

jack», cuja utilização era gratuita, dependendo apenas do consumo dos

produtos próprios do estabelecimento, e não atribuía prémio para além do

mero prolongamento do jogo. No caso sub judice os exploradores do

estabelecimento foram condenados, em coautoria material, pela prática de um

crime de exploração ilícita de dois jogos de fortuna ou azar previsto e punido

nos termos do disposto nos arts. 1.º, 3.º e 4.º, n.º 1 al. g) e 108.º, n.º 1, todos

da LJ. Em recurso, os arguidos invocaram que a atividade desenvolvida não

preenchia o conceito de exploração ilícita de jogo, porquanto não obtinham

lucro diretamente da utilização da máquina pelo público.

214 R. GAROFALO, Criminologia, Estudo sobre o Delicto e a Repressão Penal, trad. Júlio de Matos, 3.ª ed., Lisboa: Livraria Clássica Editora, 1916, p. 78. 215 Em muito determinada pelos casos de adição ao jogo, v.g. o ac. do STJ, de 23-04-1954, rel. por Beça de Aragão em INOCÊNCIO GALVÃO TELES, O Vício do Jogo como Fundamento de Divórcio, Lisboa: Jornal do Fôro, 1959. 216 Datado de 25-09-2002, rel. por Clemente Lima, ou outro caso semelhante, ainda mais recente, no ac. do TRL, de 29-06-2006, já referido, em www.dgsi.pt.

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O Atual Paradigma nos Jogos de Casino

73

No presente caso concordamos com o Ministério Público no sentido de

o conceito de exploração ínsito no art. 108.º, n.º 1, da LJ se encontrar

preenchido pela conduta dos arguidos, pois não se requer que haja lucro da

atividade exploradora, bem como esta pode ser exercida «por qualquer

forma». De igual modo consideramos estarmos perante um máquina

eletrónica que desenvolve jogos e cujos temas são próprios de jogos de

fortuna ou azar.

Releva, no entanto, uma questão essencial e determinante na fisiologia

do jogo de fortuna ou azar e que não ocorre nos processos de jogo

desenvolvidos pela máquina. É que, neste caso, não temos nem aposta, nem

prémio. Ora, como tivemos oportunidade de referir, o jogo de fortuna ou azar

compreende uma fisiologia, onde se são próprios a livre vontade, o jogo e a

aposta, a aleatoriedade e o prémio, que se retiram dos conceitos-tipo vertidos

no art. 4.º, n.º 1, em conjugação com o art. 1.º da LJ, e sem os quais não

temos jogo de fortuna ou azar. A nosso ver, não estaremos, segundo o

exposto, perante um jogo de fortuna ou azar, por lhe faltarem dois dos

elementos essenciais da fisiologia desta categoria de jogo.

A confusão do tribunal decorre de considerar que todo o jogo

desenvolvido em máquina, cujo tema seja próprio de jogo de fortuna ou

azar217, é um jogo de fortuna ou azar. Para o efeito terá contribuído uma

errada interpretação do conceito de jogo de fortuna ou azar, sobretudo quando

em causa esteja um jogo desenvolvido numa máquina. As máquinas de jogo,

217 A redação da al. b) do n.º 1, do Capítulo Único, do Titulo III, do Anexo da Portaria n.º 217/2007, de 26 de fevereiro, não tem uma redação feliz quando prescinde da atribuição de prémios nos jogos de fortuna ou azar desenvolvidos em máquinas. Como já vimos, de acordo com a fisiologia de jogo tem sempre de haver um prémio exterior à mera vitória, caso contrário não teremos preenchido o elemento objetivo do tipo. De maior gravidade cabe referir que o preceito da Portaria é contrário à LJ, alargando o espectro de punibilidade pela criação de nova incriminação. Ora, tratando-se de matéria que pertence à reserva relativa da AR, a definição dos crimes, nos termos da al. c), do n.º 1, do art. 165.º da CRP, pode ser objeto de autorização legislativa ao Governo, mas nunca objeto de aprovação pela tutela ministerial, caso em que estaríamos perante um norma penal em branco com as necessárias implicações em matéria de conformidade constitucional relativas à distribuição de competências legislativas em matéria penal (assim, GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa, Anotada, 3.ª ed. revista, Coimbra Editora, 1993, p. 193, e GERMANO MARQUES DA SILVA, Direito Penal Português, Parte Geral I, Introdução e Teoria da Lei Penal, 2.º ed. revista, Lisboa: Editorial Verbo, 2001, pp. 234-235).

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Do Jogo de Fortuna ou Azar O Atual Paradigma na Exploração ilícita

74

pelo seu potencial aditivo dado o impulso para o jogo frenético, imprimem

uma visão depreciativa do fenómeno do jogo, em que a «sorte» e «azar»

quase perdem o significado de alea, para dar lugar ao significado de

«fatalismo»218 de perder ou ganhar.

É por isso que, e tendo por referência a ordem pública, o objeto da

exploração também não é o jogador. A não ser assim, o explorador estaria em

concurso de tantas infrações quantos jogadores fossem encontrados na prática

do jogo de fortuna ou azar, o que implicaria recortar o bem jurídico em torno

do património do jogador, o que, como já vimos, não se retira do espírito da

norma, muito menos da sua letra. Tal teria como implicação a não

consumação do tipo da exploração ilícita nos casos em que não se

encontrasse ninguém a jogar.

No tipo penal da exploração ilícita, o agente do crime explora o

desenvolvimento da modalidade de jogo de fortuna ou azar, pelo que,

independentemente do número de jogos explorados em dado momento,

comete apenas um crime de exploração ilícita de jogo219, previsto e punido

nos termos do n.º 1 do art. 108.º da LJ.

O tribunal deverá, a fim de evitar valorações moralizantes do jogo de

azar, e de acordo com a teoria da adequação social, procurar que

comportamentos são social e contemporaneamente adequados e adotados pela

maioria. Deve fazê-lo, não numa perspetiva de derrogar o Direito Penal

218 De entre vários acórdãos que entendem que se visa acautelar a perda de dinheiro ao jogo, interpretando assim os conceitos de «sorte» e «azar» numa perspetiva de «fatalismo», temos o ac. do TRP, de 27-02-2008, já referido, e ac. de 25-05-2011, rel. por Luís Teixeira, em www.dgsi.pt. 219 Concordante, o ac. do TRP, de 06-04-2005, porém contra o ac. do TRE, de 04-03-2008, já referidos, em www.dgsi.pt. O crime é um facto voluntário cuja unidade decorre, entre outros motivos, da unidade da resolução voluntária, da unidade da ação do agente ou da unidade do evento (MANUEL CAVALEIRO DE FERREIRA, Direito Penal Português, …, p. 267. Também, EDMUND

MEZGER, Derecho Penal, Parte General, trad. Conrado A. Finzi, Buenos Aires: Editorial Bibliográfica Argentina, 1958, pp. 333-349). Tendo em conta que o crime de exploração ilícita é um crime de mera actividade, apenas releva a unidade do facto voluntário para concluir que estamos perante um único crime de não perante um concurso de crimes (assim, SANTIAGO MIR

PUIG, op. cit., pp. 661-665).

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O Atual Paradigma nos Jogos de Casino

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vigente, mas de operar uma interpretação restritiva do tipo penal220, pois

recordamos que o jogo que não é a dinheiro não interessa ao mundo do

Direito221, e de igual modo assim o entende o cidadão comum.

6. O novo paradigma da exploração (ilícita) do jogo de fortuna ou azar:

o jogo online

Um pouco por toda a Europa, os diversos EM têm adaptado as suas

legislações a fim de regulamentarem a exploração e prática do jogo de azar

em linha (jogo online)222.

O nosso ordenamento jurídico, cuja política de exploração do jogo de

azar sempre foi marcadamente proibicionista223, adotou recentemente, com o

Decreto-Lei n.º 66/2015, de 29 de abril, designado por Regime Jurídico dos

Jogos e Apostas Online, um modelo semiliberal não mitigado. São agora

permitidas formas de exploração online de jogos de fortuna ou azar e de

alguns tipos de apostas.

Para o RJO, o jogo de fortuna ou azar é «aquele que implica o

dispêndio de uma quantia em dinheiro e cujo resultado é contingente por

assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte»224. Vemos que não só o

legislador pouco inovou quanto à definição vertida na LJ, como voltou a

integrar o termo definido na definição. De novo, é necessário conjugar vários

preceitos225 do diploma para dali retirar a fisiologia do jogo de fortuna ou

azar explorado online.

220 Assim, FRANCISCO MUÑOZ CONDE e MERCEDEZ GARCÍA ARÁN, Derecho Penal, Parte General, 2.ª ed., Valencia: Tirant lo Blanch, 1996, p. 272. 221 ANTÓNIO PATACAS, «Jogos de Fortuna ou Azar», in Ciência e Técnica Fiscal, n.ºs 202/204 (outubro – dezembro de 1975) e 205/207 (janeiro – março de 1976), em especial a p. 49 do segundo número. 222 Caracterizando uma Europa em mudança, Espanha aprovou um regime para o jogo online – a Ley 23/2011, de 27 de mayo, – mantendo a tradição de descriminalização dos casos de jogo de fortuna ou azar. 223 RUI ANTUNES e SÍLVIA FRECHES, «Santa Casa vai controlar apostas desportivas», Diário de Notícias (27 de julho de 1012), n.º 52337, 2-6. 224 Al. n) do art. 4.º do RJO. 225 Art. 4.º, al. n), e art. 5.º, al. c), do RJO.

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Do Jogo de Fortuna ou Azar O Atual Paradigma na Exploração ilícita

76

A criminalização da exploração ilícita de jogos de fortuna ou azar vem

agora disposta no art. 49.º do RJO226, sob a epígrafe «Exploração ilícita de

jogos e apostas online», ao que se adicionam dois outros tipos penais de

«Fraude nos jogos e apostas online» e de «Desobediência»227.

A exploração ilícita de jogo de azar online consiste, do mesmo modo

que a versão de base territorial, num crime formal, pois o tipo preenche-se

com a ação de exploração de jogo de azar. Como não requer uma lesão ao

bem jurídico, nem a sua colocação em perigo, consiste num crime de perigo

abstrato, tal como a sua versão na LJ, em que o perigo é motivação para a

incriminação pelo cuidado de perigo gerado para o bem jurídico.

Pela mesma ordem de razões apontadas para a exploração ilícita de

jogo da LJ, o bem jurídico na exploração ilícita de jogo online não se ergue

em função dos interesses fiscais do Estado, de questões de promoção social,

nem visa salvaguardar o regime de autorização regulamentada228.

Não obstante considerarmos que o RJO confere uma maior proteção

aos jovens pela restrição da prática de jogo decorrente da obrigatoriedade de

identificação nos sítios de internet, não é menos certo que o diploma, tal

como a LJ, estatui com sanção administrativa a entidade exploradora que

permita um menor229 jogar. Por conseguinte, não se nos afigura que o bem

jurídico-penal, do tipo da exploração ilícita de jogo online, esteja moldado

em razão da proteção da infância e da juventude, pelos motivos expostos para

a exploração ilícita de jogo de base territorial.

O RJO também evidencia uma maior preocupação com os casos de

adição ao jogo230. No entanto afigura-se-nos que a proteção conferida ao

226 Antes da entrada em vigor do atual RJO a conduta exploradora de jogo de fortuna ou azar online era, igualmente, criminalizada devido a uma proibição geral (arts. 3.º, n.º 1, e 9.º, n.ºs 1 e 2 da LJ). 227 Arts. 50.º e 51.º do RJO. 228 O RJO é, em bom rigor, contrário aos interesses dos casinos. Agora, quaisquer pessoas coletivas de direito privado, constituídas sob a forma de sociedade anónima ou equivalente e idóneas, podem candidatar-se a uma licença de exploração de jogo de fortuna ou azar online (art. 9.º, n.ºs 1 e 3 do RJO). 229 O RJO não estabelece uma idade, aplicando-se supletivamente os termos do CC que estabelece a menoridade em idade inferior aos 18 anos (art. 122.º do CC). 230 Art. 7.º, sob a epígrafe «Política de jogo responsável», e o art. 39.º, sobre a autoexclusão do jogador.

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O Atual Paradigma nos Jogos de Casino

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jogador surge como uma salvaguardar de não ser canalizado para os sítios

online de exploração ilícita de jogo, e não como uma proteção ao património

no sentido de ser um bem jurídico-penal a proteger, porquanto, além de as

normas penais não deverem ter carácter paternalista, quando ocorra a

violação da proibição de entrada de determinado jogador no sítio online o

legislador sanciona o explorador com uma mera coima231. O jogador tanto

dispõe do seu património nos sítios online de exploração lícita como de

exploração ilícita.

Estamos certos que, também no RJO, o bem jurídico-penal tutelado é a

ordem pública. No espírito do legislador, aquando da criação do tipo de

exploração ilícita, estarão os casos frequentes de engano nos sítios online de

jogo de fortuna ou azar, que não sendo objeto de fiscalização permitem aos

exploradores adulterar as regras e os processos de funcionamento dos jogos

assegurando um resultado desfavorável ao jogador. Ora, consideramos que

nos sítios online de exploração ilícita de jogo de azar, em que ocorra fraude

no jogo, o explorador não incorre no tipo de ilícito de fraude nos jogos

online, já que não deverá ser objeto de proteção uma realidade que é ilícita.

Dito de outra forma, a prática ilícita de jogo em sítio online de exploração

ilícita, que seja ludibriada por fraude nos jogos de azar, não merece tutela

penal232.

231 Art. 57.º, n.º 1, al. a), do RJO. 232 Com o RJO, o legislador descriminalizou os casos de prática «ilícita» de jogo online, que agora constituem contraordenações leves (art. 58.º, n.º2). É de difícil perceção a conformação constitucional do tipo do art. 110.º da LJ, porquanto não é possível, com referência à ordem pública, identificar um cuidado de perigo na conduta do jogador. É irrazoável entender que todos os jogadores, ou a sua maioria, iriam cometer ilícitos vários que atentassem contra a ordem pública. De iure constituendo, seria mais adequado a uma ideia de proteção do património um tipo penal que previsse uma condição objetiva da punibilidade em razão de uma grave disposição patrimonial (sobre as condições objetivas de punibilidade FREDERICO DA COSTA PINTO, op. cit., p. 505 e ss, e IVO CARACCIOLI, Manuale di Diritto Penale, Parte Generale, Padova: CEDAM, 1998, pp. 347-350). Os jogadores, alguns motivados por um impulso que lhes tolda a razão, apenas aderem ao local de jogo e apostam o que têm até ao último cêntimo (quando à adição ao jogo v. B. R. BULGESKI, Psicologia da Aprendizagem, São Paulo: Editora Cultrix, 1977, p. 276, e ANTÓNIO

CABRAL, Teoria do Jogo, Lisboa: Editorial Notícias, 1990, pp. 7, 9 e 10). Quanto ao ilícito da prática de jogo nos sítios online não autorizados à exploração, cabe referir que a opção legislativa pela sua condução à categoria de contraordenação revela-se mais coerente com a adequação social do fenómeno do jogo que deixa de ser encarado como um vício – enquanto categoria moral – para em alguns casos ser tido como uma adição sem substância – um transtorno mental (ENRIQUE

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Para tutela da ordem pública, o art. 49.º do RJO prevê que a conduta

típica se preenche quando: (i) ocorra exploração, bem como a promoção, a

organização, ou o consentimento da exploração online, ou ainda

disponibilização online em Portugal a partir de servidores situados fora do

território nacional, (ii) de jogo de fortuna ou azar, (iii) sem autorização.

Dos elementos típicos expostos, apenas os relativos à conduta nos

merecem algumas considerações. Vemos que, quando comparado com a

versão de base territorial, o legislador alargou o campo de punibilidade no

crime de exploração ilícita de jogo na versão online. Equipara à exploração, e

para efeitos de punição, várias realidades distintas, como é o caso da simples

promoção do jogo ou o mero organizador, bem como quem consinta na sua

exploração. São punidas, com a mesma moldura penal abstrata, condutas que

a nosso ver não revelam o mesmo cuidado de perigo para a ordem pública.

O promotor de jogo de azar pode ser, apenas, quem tenha um site e lá

publicite um outro onde seja possível jogar, com a faculdade de através de

um link poder direcionar para o sítio de jogo. Não só nos parece que tal

conduta é distinta da conduta exploradora não autorizada de jogo, como ainda

poderá suceder que o promotor desconheça a real situação do explorador de

jogo, v.g., encontrar-se com a licença caducada ou revogada. Neste caso

promove uma exploração ilícita, desconhecendo este facto. Por esta razão, e

sem precedentes na história do jogo de azar, o legislador prevê a punibilidade

a título de negligência (n.º 2), já que poderíamos estar perante um caso de

erro do tipo233.

ECHEBURÚA, ¿Adicciones… sin Drogas? Las Nuevas Adicciones: Juego, Sexo, Comida, Compras, Trabajo, Internet…, 2.ª ed., Sevilla: Editorial Desclée De Brouwer, 2000, p. 15, e PEDRO HUBERT, psicólogo especializado em adição ao jogo, em entrevista de SÓNIA SIMÕES, «Todos os Dias Há um Jogador Compulsivo Proibido de Entrar no Casino», Diário de Notícias (29 de julho de 2012), n.º 52339, 8-9). Existe no jogo patológico, enquanto adição sem substância, um lugar paralelo com o consumo de produto estupefaciente, adição com substância, descriminalizado há pouco mais de uma década (assim, BLÁS BOMBÍN MÍNGUEZ, El Juego de Azar. Patologia e Testimonio, Valladolid: Junta de Castilla y León, 1992, p. 29). 233 Primeira parte, do n.º 1, do art. 16.º do CP.

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O Atual Paradigma nos Jogos de Casino

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O n.º 1 do art. 49.º do RJO merece-nos algumas considerações quanto a

perseguição penal dos casos de promoção, organização e consentimento da

exploração de jogos online.

A primeira é que aquelas condutas para integrarem o tipo têm,

necessariamente, como referente uma exploração ilícita, senão estaríamos a

tutelar algo quando o potencial de perigo seria inexistente.

A segunda é de que a incriminação daquelas condutas depende da

existência de uma atividade exploradora de jogo de azar online. No caso em

que as condutas sejam contemporâneas da exploração, e pese embora o

legislador tenha entendido expressamente prever tais condutas, consideramos

que sempre estariam sob previsão legal por cumplicidade material, embora

que com exclusão da conduta negligente234.

A questão agudiza-se, porém, no caso em que as condutas de promoção

e consentimento precedam a conduta exploradora, máxime quanto esta não

ocorra. Se a exploração ilícita de jogo online tiver lugar, a incriminação

daquelas condutas corresponderá a um crime de perigo abstrato que surge por

referência a outra incriminação – exploração ilícita – de perigo abstrato. Ora,

acolhendo o que ficou dito para tipo penal da exploração ilícita de jogo de

azar de base territorial, nomeadamente, quanto ao princípio da ofensividade e

ao perigo ser a motivação para a incriminação, somos de considerar que o

perigo para o bem jurídico ordem pública poder-se-á manifestar na conduta

exploradora do jogo online, cuja incriminação já de si consiste numa

antecipação da tutela ao bem jurídico-penal em causa. Todavia, procurar o

cuidado de perigo em condutas que antecedam a exploração, e de que esta

delas não depende, ainda que lhe acresçam exequibilidade, será anteceder a

tutela penal para além da relação tensional exigida entre a conduta ofensiva e

o bem jurídico a proteger. Por maioria de razão, tal também sucede nos casos

em que nunca ocorra exploração ilícita.

234 Art. 27.º, n.º 1, do CP.

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Não nos parece possível incriminar tais condutas sem ter como

referente uma atual conduta exploradora ilícita235, porque só neste caso

aumentam o cuidado de perigo da exploração ilícita236. Na hipótese em que a

exploração seja futura e incerta, e sobretudo quanto à conduta promotora,

entendemos que esta não possui, de per si, o potencial de pôr-em-perigo o

bem jurídico ordem pública. Assim, e por referência ao tipo de garantia237 e

ao princípio da intervenção mínima238, entendemos que a promoção, a

organização e o consentimento, da exploração de jogos online, só podem

ocorrer num quadro de uma exploração ilícita atual.

O legislador optou, ainda, por criminalizar a disponibilização da

prática de jogo de azar online em Portugal a partir de servidores situados fora

do território nacional239.

A exigência do RJO em que a exploração de jogos online só pode ser

atribuída a sociedades anónimas que tenham sede, ou no mínimo sucursal em

Portugal, consiste numa restrição à livre prestação de serviços e logo uma

violação do art. 56.º TFUE, com prejuízo dos prestadores de serviços de

outros Estados-Membros e dos destinatários dos serviços240. Importa contudo

verificar que o TJ admite tais restrições a título de medidas derrogatórias

235 Tais condutas, contrariamente à exploração, podem não ter um fim de lucro associado. 236 Anacrónica é ainda a opção pela redação do n.º 3 do art. 49.º, onde o legislador optou por expressamente punir a exploração ilícita a título tentado. Tal afigura-se uma redundância, já que a tentativa de ilícitos típicos, cuja moldura penal abstratamente aplicável seja superior a três anos, é sempre punível nos termos gerais (arts. 22.º, n.º 1 e 2, e 23.º, n.º 1, do CP). 237 No sentido de não se dever interpretar extensivamente a norma incriminadora, v. TEREZA

PIZARRO BELEZA, Direito Penal, 2.º vol., Lisboa: AAFDL, 1985 pp. 98-99. 238 Só as condutas que ponham um bem jurídico em perigo devem ser objeto do Direito Penal, v. FRANCISCO MUÑOZ CONDE e MERCEDEZ GARCÍA ARÁN, op. cit., pp.78-79. Com respeito ao princípio da subsidiariedade penal, e pela excessiva abstração face ao bem jurídico, o legislador deveria ter remetido tais condutas ao ilícito de mera ordenação social, já que vistas autonomamente são axiológico-socialmente neutras pela inexistência de um cuidado de perigo. Assim, FIGUEIREDO

DIAS, Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, pp. 135-154, e «O Movimento da Descriminalização e o Ilícito de Mera Ordenação Social», in Centro de Estudos Judiciários, Jornadas de Direito Criminal: o Novo Código Penal Português e Legislação Complementar, Caxias: CEJ, 1983, pp. 315-336; e o art. 1.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, com alterações últimas da Lei n.º 109/2001, de 24 de dezembro. 239 Segunda parte do n.º 1 do art. 49.º do RJO. 240 N.º 14 do ac. Ladbrokes, já referido.

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O Atual Paradigma nos Jogos de Casino

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expressamente previstas nos arts. 51.º e 52.º do TFUE241 ou justificadas por

razões imperiosas de interesse geral.

O art. 52.º, n.º 1, admite restrições justificas por razões de ordem

pública, segurança pública ou saúde pública. Por seu lado, a jurisprudência

do TJ identificou um certo número de razões imperiosas de interesse geral

suscetíveis de justificar igualmente tais restrições, como, por exemplo, a

proteção dos consumidores, a prevenção da fraude e de incitação dos

cidadãos a uma despesa excessiva ligada ao jogo e ainda a prevenção de

perturbações da ordem social242.

O TJ tem entendido que os Estados-Membros têm a faculdade de fixar,

em função da própria escala de valores, os objetivos da sua política em

matéria de jogos de fortuna ou azar, bem como de definir o nível de proteção

pretendido. Mas as restrições devem ser proporcionais243 e servir para limitar

o jogo de maneira coerente e sistemática244.

O RJO agora aprovado, apesar de invocar preocupações com a

proteção dos menores, de evitar a fraude e o branqueamento de capitais e com

a ordem pública, prevenindo o jogo excessivo e desregulado, bem como os

comportamentos e práticas aditivas, admite conferir competitividade ao

mercado português, pela atribuição de licenças a todas as entidades que

reúnam determinados requisitos legais245.

Assim exposto, o RJO possui uma política expansionista do sector dos

jogos de fortuna ou azar. No entanto, o TJ já admitiu que uma política

expansionista desde que controlada pode ser coerente com o objetivo de atrair

jogadores dos locais de jogo não autorizado, o que pode implicar a oferta de

uma extensa gama de jogos246.

Atendendo às medidas derrogatórias do art. 52.º, n.º 1, do TFUE e ao

RJO não se identificam questões de segurança pública nem de saúde pública,

241 Aplicáveis por força do art. 62.º TFUE. 242 N.º 56 do ac. Santa Casa, de 8 de setembro de 2009, em http://curia.europa.eu. 243 N.º 48 do ac. Placanica e o., já referido. 244 N.º 75 do ac. Gambelli, já referido. 245 O 17.º e 18.º parágrafos do preâmbulo. 246 N.º 55 do ac. Placanica e o., já referido.

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já que a proteção dos jogadores contra o vício do jogo é, em princípio,

incompatível com uma política de expansão do jogo de fortuna ou azar. Tal

expansão só pode ser compreendida num quadro de proteção aos

consumidores se apenas se restringir à criação de novos jogos e à sua

publicidade quando as atividades ilegais de exploração de jogo tenham já

uma dimensão considerável247. Ora, além de não temos dados concretos sobre

a dimensão da exploração ilícita de jogo de azar online, também nos parece

ser distinta a política expansiva de jogo em que opera uma ou várias

entidades em monopólio, daquelas em que operem um número sem fim de

entidades em regime concorrencial248.

Na situação de várias empresas a explorar o jogo de azar, assistiremos

a um incremento dos casos de publicidade e profusão da prática do jogo que

em nada contribuirão para controlar os comportamentos e práticas aditivas

dos jogadores. Em rigor, a prática ilícita de jogo online reduzir-se-á, mas isso

nada tem que ver com o controlo dos casos de adição ao jogo.

Com referência ao perigo para a ordem pública, pela manifestação de

práticas criminosas em torno do jogo, é admissível a criminalização da

exploração ilícita. Mas isto é distinto de, com referência a esse argumento, se

restringir uma liberdade consagrada no Direito da UE, porque tal implicaria

dizer que os operadores situados em outros EM seriam permissivos a práticas

criminosas só por não terem sede ou sucursal em Portugal.

Quanto às razões imperiosas de interesse geral, e com exceção da

prevenção da fraude, justificam-se com a necessidade de reduzir as ocasiões

de jogo249. Se a aprovação do RJO tiver tal fundamento, nada obstará à

conformidade da segunda parte do n.º 1 do art. 49.º com o Direito dos

Tratados.

247 N.º 30 do ac. Ladbrokes, já referido. 248 O TJ é mais tolerante com as legislações que proíbem em absoluto, ou sujeitam a exploração do jogo de fortuna ou azar a um monopólio, do que quando permitem múltiplos operadores (NUNO

PIÇARRA, «A Jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia em Matéria de Jogos de Fortuna ou Azar: Tendências, Tensões e Paradoxos», in Desporto & Direito, ano VIII, n.º 23, Coimbra Editora, Janeiro/Abril 2011, 165-225 (p. 222). 249 N.º 66 do ac. Carmen Media, de 8 de setembro de 2010, em http://curia.europa.eu.

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O Atual Paradigma nos Jogos de Casino

83

Acontece, porém, que não reconhecer o controlo feito por outros EM

aos seus operadores nacionais de jogo de azar online, afastando o princípio

do reconhecimento mútuo, é distinto de não se permitir que explorem em

Portugal. Ao exigir-se que tenham aqui sede ou sucursal serve para efeitos de

tributação do jogo no nosso ordenamento jurídico. Ora, o TJ tem entendido

que quando um EM prossegue uma política de forte expansão do jogo de

fortuna ou azar, com o objetivo principal de perceção fiscal ou de fundos, a

restrição à livre prestação de serviços não é proporcional aos interesses a

defender, nem limita de maneira coerente e sistemática os casos de jogo de

fortuna ou azar, nem a adição ao jogo250.

Neste caso, o TJ refere que as liberdades fundamentais garantidas pelo

Direito da UE – neste caso a livre prestações de serviços – não podem ser

restringidas pelas legislações dos EM, mesmo pelas legislações penais251.

Se o TJ for chamado a pronunciar-se sobre a conformidade do atual

regime penal do RJO, e o Estado português não consiga justificar a violação

ao Direito dos Tratados, poderá concluir que que a norma portuguesa é

injustificadamente contrária ao art. 56.º do TFUE, por não ser proporcional,

coerente e sistemática252. Por conseguinte, a violação ao regime penal não

pode ser sancionada criminalmente.

250 N.º 28 do ac. Ladbrokes, já referido. 251 N.º 49 do ac. Sjöberg, de 8 de junho de 2010, em http://curia.europa.eu. 252 Connosco, ANTÓNIO CORDEIRO, «Acórdão do tribunal de Justiça de 6 de Março de 2007», in Desporto & Direito, ano V, n.º 13, Coimbra Editora, Setembro/Dezembro 2007, 119-150, (pp. 148-149), e, ANTHONY DAWES e KAI STRUCKMANN, «Rien va Plus? Mutual Recognition and the Free Movement of Services in the Gambling Sector after the Santa Casa Judgment», in European Law Review, vol. 35, n.º 2, April 2010, 236-264, p. 254. Ainda, defendendo que o TJ é cada vez mais exigente na violação da livre prestação de serviços, LUÍS SILVA MORAIS, «O Regime do Jogo e o Direito Económico Comunitário» in Estudos em Honra do Professor Doutor José de Oliveira Ascensão, vol. I, coord. Menezes cordeiro, et al., Coimbra: Almedina, 2008, 577-620, p. 614.

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CONCLUSÕES

O jogo de fortuna ou azar era visto como algo maléfico, que afastava

as pessoas da vida normal de trabalho, levando-as a perder a razão, a família,

o património, a dignidade e a própria vida. Até a Igreja teve de tomar

medidas proibicionistas, a fim de o clero não se envolver no jogo ilícito.

Às sociedades não restou outra opção senão proibir e punir

severamente as atividades em torno do jogo ilícito. Perseguiam-se

exploradores tavolageiros, jogadores e mesmo quem apenas se encontrasse

em local de jogo ilícito. A visão pejorativa do jogo conduziu, inclusive, à

punição dos casos de jogo de mera diversão nos dias sacros.

Incidiu sobre o jogo uma tal carga moral que se constituíram tribunais

eclesiásticos de foro misto, nos quais se julgavam homens comuns e membros

do clero pela prática de jogo ilícito.

Convencido da impossibilidade de reprimir o jogo, o legislador

avançou, em 1927, para um sistema de autorização regulamentada em que

permite a exploração e prática do jogo em zonas de jogo determinadas.

Com esta medida o jogo deixou de ser ilícito, para manter apenas a

categoria de jogo de fortuna ou azar. Ilícitas são agora as atividades não

autorizadas em torno do jogo.

Ao longo deste texto procuramos estabelecer as linhas mestras para

uma correta apreensão do conceito de jogo de fortuna ou azar, bem como dar

luz a vários problemas com os quais a prática judiciária se depara na

identificação do bem jurídico-penal protegido no crime de Exploração ilícita

de jogo.

Assim, em face do Direito Penal vigente em torno do fenómeno do

jogo de fortuna ou azar, as soluções que retirámos deste estudo consistem nas

seguintes:

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1. O conceito de jogo de fortuna ou azar é de complexa definição,

requerendo uma delimitação segundo a sua fisiologia e por

confrontação com as modalidades afins;

2. A fisiologia do jogo de fortuna ou azar compreende os seguintes

elementos estruturantes: a livre vontade para a prática do jogo, a

aposta, a alea (fortuna ou azar), o resultado e o prémio;

3. Para que um jogo se enquadre nas modalidades de jogo de fortuna ou

azar é necessário que, positivamente, detenha todas as características –

a fisiologia que propugnámos – do jogo de fortuna ou azar, de acordo

com a definição do art. 1.º, e estrutura dos conceitos-tipo do art. 4.º, e,

negativamente, não se enquadre no conceito das modalidades afins e

estrutura dos respetivos conceitos-tipo do art. 159.º da LJ;

4. O legislador, ao instituir a autorização regulamentada, retirou ao jogo

de fortuna ou azar a natureza de jogo ilícito para efeitos penais.

Entender o jogo como algo de ilícito resulta da incompreensão do

mesmo e levaria à impossibilidade de autorização da sua exploração;

5. A Exploração ilícita de jogo consiste na criação, com intenção de

lucro, das condições materiais para a prática do jogo de fortuna ou

azar, fora dos locais legalmente autorizados e referidos nos arts. 3.º, 6

e 7.º da LJ;

6. Recusando injunções constitucionais implícitas de criminalização,

constatamos que a ordem e tranquilidade pública é o bem jurídico-

penalmente protegido no crime de Exploração ilícita de jogo;

7. A Exploração ilícita de jogo consiste num crime de perigo abstrato,

porquanto o perigo não é elemento do tipo, constituindo a motivação

da incriminação;

8. O legislador erigiu uma tutela penal antecipada, justificável segundo o

princípio da ofensividade, pelo cuidado de perigo para o bem jurídico

ordem pública;

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9. Porque o perigo se encontra implícito na conduta, admite-se a prova

negativa do perigo aquando da impossibilidade absoluta de cuidado de

perigo para a ordem pública.

10. O tribunal deverá afastar valorações moralizantes do jogo de fortuna

ou azar, não remetendo os elementos de «sorte» e «azar» para um

quadro de fatalismo de perda ao jogo, mas para o significado de

aleatoriedade;

11. Com o recente RJO, o legislador proíbe condutas prévias à exploração

ilícita de jogo online, cuja punição dependerá a existência de uma atual

conduta exploradora ilícita de jogo;

12. A segunda parte do n.º 1 do art. 49.º do RJO é injustificadamente

contrária ao art. 56.º do TFUE, por não ser proporcional, coerente e

sistemática;

13. Finalmente, e constituindo limites ao regime de exclusivo, não teremos

crime de Exploração ilícita de jogo: (i) quando o elemento do tipo não

se encontrar preenchido, por faltarem os elementos normativos do tipo

da exploração ilícita de jogo de fortuna ou azar e (i) quando a

exploração do jogo ocorra num contexto de inocuidade ético-social,

pela inexistência de um desvalor de cuidado de perigo.

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Verbo, 2001.

____. Direito Penal Português. Parte Geral II. Teoria do Crime, Lisboa:

Editorial Verbo, 1998.

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Católica Editora, 1992.

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Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 1971.

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Lisboa: Imprensa Nacional, 1971.

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SOUSA, ANTÓNIO FRANCISCO DE, Direito de Reunião e de Manifestação,

Lisboa: Quid Juris?, 2009

TEIXEIRA, NORBERTO, O Projecto de Lei Sobre a Regulamentação do Jogo

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Publisher, 1974.

VALSECCHI, EMILIO, «Guiochi e Scommesse (dir. civ.)», in Enciclopedia del

Diritto, vol. XIX, Milano: Giuffrè Editore, 1970.

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Azar” em Portugal entre a Repressão e a Tolerância (De Finais do

Século XIX a 1927), Lisboa: Livros Horizonte, 2006.

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http://debates.parlamento.pt/.

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de 1906, ibidem.

Câmara dos Dignos Pares do Reino, 28.ª sessão, em 21 de novembro de

1906, ibidem.

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Diário da Câmara do Senhores Deputados, 64.ª sessão, em 11 de agosto de

1908, em www.parlamento.pt.

Diário da Câmara do Senhores Deputados, 34.ª sessão, em 24 de julho de

1909, ibidem.

Diário da Câmara do Senhores Deputados, 35.ª sessão, em 26 de julho de

1909, ibidem.

Diário da Câmara dos Deputados, 14.ª e 17.ª sessões, em 20 e 22 de

dezembro de 191, ibidem.

Diário da Câmara dos Deputados, 20.ª, 30.ªe 31.ª sessões, em 08, 09 e 11 de

janeiro de 1912, ibidem.

Diário da Câmara dos Deputados, 58.ª sessão, em 26 de fevereiro de 1912,

ibidem.

Diário da Câmara dos Deputados, 155.ª sessão, em 02 de julho de 1912,

ibidem.

Diário da Câmara dos Deputados, 87.ª e 88.ª sessões, em 28 de março e 11

de abril de 1912, ibidem.

Diário da Câmara dos Deputados, 75.ª sessão ordinária do 3.º período da

primeira legislatura, em 21 de abril de 1913, ibidem.

Diário da Câmara do Deputados, 136.ª sessão, em 27 de julho de 1923,

ibidem.

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101

Diário da Câmara do Deputados, 85.ª sessão, em 19 de maio de 1924,

ibidem.

Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 46, de 4 de abril de 1979,

ibidem.

Livro Verde: Sobre o Jogo em Linha no Mercado Interno, da Comissão

Europeia, Bruxelas: de 24-03-2011, em www.infoeuropa.eurocid.pt.

JURISPRUDÊNCIA PORTUGUESA CITADA

Tribunal Constitucional

Acórdão de 6-11-1991, n.º 426/91, proc. n.º 183/90, rel. por Sousa e Brito,

em http://www.tribunalconstitucional.pt.

Acórdão de 27-02-2002, n.º 99/02, proc. n.º 482/01, rel. por Luís Nunes de

Almeia, ibidem.

Acórdão de 18-06-2008, n.º 323/2008, proc. n.º 675/07, rel. por Ana Guerra

Martins, ibidem.

Acórdão de 16-02-2011, n.º 95/2011, proc. n.º 103/09, rel. por Ana Guerra

Martins, ibidem.

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102

Supremo Tribunal de Justiça

Acórdão de 23-04-1954, proc. n.º 55846/1, rel. por Beça de Aragão em

INOCÊNCIO GALVÃO TELES, O Vício do Jogo como Fundamento de

Divórcio, Lisboa: Jornal do Fôro, 1959.

Acórdão de 05-09-2007, proc. n.º 07P1125, rel. por Pires da Graça, em

www.dgsi.pt.

Acórdão de 28-11-2007, proc. n.º 07P3186, rel. por Henriques Gaspar,

ibidem.

Acórdão de 27-02-2008, proc. n.º 08P293, rel. por n.º Henriques Gaspar,

ibidem.

Acórdão de 25-06-2008, proc. n.º 06P1398, rel. por Souto de Moura, ibidem.

Acórdão de 13-07-2009, n.º 08P3702, rel. por Souto de Moura, ibidem.

Acórdão de 04-02-2010, proc. n.º 08P2485, rel. por Rodrigues da Costa,

ibidem.

Acórdão de 07-07-2010, proc. n.º 893/01.4TALSD.S1, rel. por Souto de

Moura, ibidem.

Acórdão n.º 1/2013, de 15-11-2012, proc. n.º 1187/09.2TDLSB.L2-A.S1-3.ª,

rel. por Henriques da Graça, publicado no Diário da República, 1.ª

série, n.º 4, de 7 de janeiro de 2013.

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103

Tribunal da Relação de Coimbra

Acórdão de 01-02-2006, proc. n.º 2324/05, rel. por Elisa Sales, em

www.dgsi.pt.

Acórdão de 01-02-2007, proc. n.º 1/05.2FDCBR.C1, rel. por Jorge Dias,

ibidem.

Acórdão de 16-05-2007, proc. n.º 19/05.5FDCBR.C1, rel. por Gabriel

Catarino, ibidem.

Acórdão de 09-04-2008, proc. n.º 24/05.1FANZR.C1, rel. por Orlando

Gonçalves, ibidem.

Acórdão de 02-10-2013, proc. n.º 105/11.2IDCBR.C1, rel. por Jorge Dias,

ibidem.

Tribunal da Relação de Évora

Acórdão de 08-03-2005, proc. n.º 3036/04-1, rel. por António Pires

Henriques da Graça, em www.dgsi.pt.

Acórdão de 11-07-2006, proc. n.º 1254/06-1, rel. por Ribeiro Cardoso,

ibidem.

Acórdão de 07-02-2007, proc. n.º 8653/2006-3, rel. por Carlos de Sousa,

ibidem.

Acórdão de 04-03-2008, proc. n.º 1432/07-1, rel. por Guilhermina de Freitas,

ibidem.

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104

Acórdão de 03-06-2008, proc. n.º 421/08-1, rel. por João Gomes de Sousa,

ibidem.

Acórdão de 10-03-2009, proc. n.º 1678/07-1, rel. por Proença da Costa,

ibidem.

Acórdão de 28-02-2012, proc. n.º 468/06.1GFSTB.E1, rel. por Ana Barata

Brito, ibidem.

Tribunal da Relação de Lisboa

Acórdão de 21-04-1998, proc. n.º 0009495, rel. por Isabel Martins, em

www.dgsi.pt.

Acórdão de 26-10-2005, proc. n.º 7610/2005-3, rel. por Carlos Almeida,

ibidem.

Acórdão de 29-06-2006, proc. n.º 3381/2006-5, rel. por Simões de Carvalho,

ibidem.

Acórdão de 26-09-2006, proc. n.º 3381/2006-5, relatado por Simões de

Carvalho, ibidem.

Acórdão de 31-01-2007, proc. n.º 9598/2006-3, rel. por Rodrigues Simão,

ibidem.

Acórdão de 16-10-2007, proc. n.º 2728/2007-5, rel. por Agostinho Torres,

ibidem.

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105

Acórdão de 07-11-2007, proc. n.º 5955/2007-3, rel. por Moraes Rocha,

ibidem.

Acórdão de 25-06-2006, proc. n.º 358/08.3ECLSB.L1-9, rel. por Fátima

Mata-Mouros, ibidem.

Tribunal da Relação do Porto

Acórdão de 24-05-1995, proc. n.º 9510252, rel. por Matos Manso, em

www.dgsi.pt.

Acórdão de 29-09-1999, proc. n.º 9910508, rel. por Milheiro de Oliveira,

ibidem.

Acórdão de 26-04-2000, proc. n.º 9941112, rel. por Dias Cabral, ibidem .

Acórdão de 21-02-2001, proc. n.º 0040968, rel. por Francisco Marcolino,

ibidem.

Acórdão de 14-08-2001, proc. n.º 0011366, rel. por Esteves Marques, ibidem.

Acórdão de 25-09-2002, proc. n.º 0210716, rel. por Clemente Lima, ibidem.

Acórdão de 14-04-2004, proc. n.º 0342218, rel. por Teixeira Pinto, ibidem.

Acórdão de 06-04-2005, proc. n.º 0240988, rel. por José Adriano, ibidem.

Acórdão de 21-02-2007, proc. n.º 0617238, rel. por Joaquim Gomes, ibidem.

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106

Acórdão de 26-09-2007, proc. n.º 0742168, rel. por Ernesto Nascimento,

ibidem.

Acórdão de 27-02-2008, proc. n.º 0716981, rel. por Francisco Marcolino,

ibidem.

Acórdão de 21-05-2008, proc. n.º 0812492, ambos rel. por Joaquim Gomes,

ibidem

Acórdão de 02-07-2008, proc. n.º 0842841, rel. por Artur Oliveira, ibidem.

Acórdão de 25-05-2011, proc. n.º 34/09.0FAPRT.P1, rel. por Luís Teixeira,

ibidem.

Acórdão de 08-02-2012, proc. n.º 398/10.2SLPRT.P1, rel. por Maria do

Carmo Silva Dias, ibidem.

Acórdão de 28-03-2012, proc. n.º 1237/09.2GAVNF.P1, rel. por Carlos

Espírito Santo, ibidem.

Acórdão de 04-02-2015, proc. n.º 60/10.6PEMTS.P1, rel. por Neto de Moura

Santo, ibidem.

JURISPRUDÊNCIA TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA

Acórdão Regina proc. Regina contra Pierre Bouchereau, n.º 30/77, de 27 de

outubro de 1977, em http://curia.europa.eu.

Acórdão Rienks, proc. n.º 5/83, de 15 de dezembro de 1983, ibidem.

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107

Acórdão Schindler, proc. Her Majesty´s Customs and Excise contra Gerhardt

Schindler e Jörg Schindler, C-275/92, de 24 de março de 1994, ibidem.

Acórdão ICI, proc. C-264/96, de 16 de julho de 1998, ibidem.

Acórdão Calfa, proc. C- 348/96, de 19 de janeiro de 1999, ibidem.

Acórdão Läärä, proc. Markku Juhani Läärä, Cotswold Microsystems Ltd e Oy

Transatlantic Software Ltd contra Kihlakunnansyyttäjä (Jyväskylä) e

Suomen valtio (Estado finlandês), C-124/97, de 21 de setembro de 1999,

ibidem.

Acórdão Zenatti, proc. Questore di Verona contra Diego Zenatti, C-67/98, de

21 de outubro de 1999, ibidem.

Acórdão Danner, proc. C-136/00, de 23 3 de outubro de 2002, ibidem.

Acórdão Gambelli e o., proc. Pergiorgio Gambelli e o., C-243/01, de 6 de

novembro de 2003, ibidem.

Acórdão Placanica, proc. Massimiliano Placanica, Christian Palazzese e

Angelo Sorricchio, C-338/04, C-359/04 e C-360/04, de 6 de março de

2007, ibidem.

Acórdão Santa Casa, proc. Liga Portuguesa de Futebol Profissional e Bwin

International Ltd contra Departamento de Jogos da Santa Casa de

Misericórdia de Lisboa, C-42/07, de 8 de setembro de 2009, ibidem.

Acórdão Sjöberg, proc. Otto Sjöberg e Anders Gerdin, apensos C- 447/08 e

C-448/08, de 8 de junho de 2010, ibidem.

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108

Acórdão Stoß e o., proc. Markus Stoß, Avalon Service-Online-Dienste Gmbh

e Olaf Amadeus Wilhelm Happel contra Wetteraukreis, C-316/07, C-

409/07 e C-410/07, Kulpa Automatenservice Asperg GmbH, SOBO

Sport & Entertainment GmbH e Andreas Kunert contra Land Baden-

Württemberg, C-358/07, C-359/07 e C-360/07, apensos de 8 de

setembro de 2010, ibidem.

Acórdão Carmen Media, proc. Carmen Media Group Ltd contra Land

Schleswig-Holstein e Innenminister des Landes Schleswig-Holstein, C-

46/08, de 8 de setembro de 2010, ibidem.

Acórdão Zeturf, proc. Zeturf Ltd contra Premier ministre, C-212/08, de 30 de

junho de 2011, ibidem.

Acórdão Dickinger e Ömer, proc. Staatsanwaltschaft Linz contra Jochen

Dickinger e Franz Ömer, C-347/09, de 15 de setembro de 2011, ibidem.

LEGISLAÇÃO PORTUGUESA CITADA

Código Penal de 1852, aprovado por Decreto de dezembro (revogado).

Código Penal de 1886, aprovado por Decreto de 16 de setembro (revogado).

Decreto n.º 14.643, de 03 de dezembro de 1927 (revogado).

Decreto n.º 14708, de 10 de dezembro de 1927, alterado pelo Decreto n.º

16416, de 25 de janeiro de 1929 (revogado).

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109

Portaria n.º 5:154, 16 de janeiro de 1928, revogada pela Portaria n.º 6:391, de

7 de setembro de 1929, e depois repristinada pela Portaria n.º 6:754, de

17 de março de 1930, e de novo revogada pela Portaria n.º 7:094, 29 de

abril de 1931.

Decreto-Lei n.º 41562, de 18 de março de 1958, alterado pelos Decretos-Lei

n.º 45798, de 7 de julho de 1964, e n.º 47623, de 3 de abril de 1967

(revogado).

Decreto-Lei n.º 48912, de 18 de março, de 1969, alterado pelos Decretos-Lei

n.ºs 82/83, de 11 de fevereiro, e 22/85, de 17 de janeiro (revogado).

Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, alterado pelos Decretos-Lei n.ºs

356/89, de 17 de outubro, 244/95, de 14 de setembro, 323/2001, de 17

de fevereiro, e Lei n.º 109/2001, de 24 de dezembro.

Lei n.º 422/89, de 2 de dezembro, com as alterações introduzidas pela

Declaração de Retificação de 30 de dezembro de 1989, pelo Decreto-Lei

n.º 10/95, de 19 de janeiro, pela Lei n.º 28/2004, de 16 de julho, pelo

Decreto-Lei n.º 40/2005, de 17 de fevereiro, pela Lei n.º 64-A/2008, de

31 de dezembro, pelos Decretos-Lei n.ºs 114/2011, de 30 de novembro,

e 64/2015, de 29 de abril, aprova a «Lei do Jogo».

Portaria n.º 461/2001, de 8 de maio (revogada).

Lei n.º 15/2001, de 05 de junho, com alterações últimas pela Lei n.º 82-

E/2014, de 31 de dezembro.

Portaria n.º 39/2004, de 12 de janeiro.

Portaria n.º 217/2007, de 26 de fevereiro.

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110

Lei n.º 66/2015, de 29 de abril, aprova o «Regime Jurídico dos Jogos e

Apostas Online».

LEGISLAÇÃO DA UNIÃO EUROPEIA

Diretiva 96/19/CE, de 13 de março de 1996, concorrência nos mercados das

telecomunicações.

Diretiva 97/13/CE, de 10 de abril de 1997, relativa aos serviços de

telecomunicações.

Diretiva 97/66/CE, de 15 de dezembro de 1997, relativa ao tratamento de

dados pessoais e à proteção da privacidade no sector das

telecomunicações.

Diretiva 2000/31/CE, de 8 de junho, relativa ao comércio eletrónico.

Diretiva 2006/123/CE, de 12 de dezembro, relativa aos serviços no mercado

interno.

PERIÓDICOS

ANTUNES, RUI PEDRO e SÍLVIA FRECHES, «Santa Casa vai Controlar Apostas

Desportivas», Diário de Notícias (27 de julho de 1012), n.º 52337, 2-6.

HUBERT, PEDRO, «Todos os Dias Há um Jogador Compulsivo Proibido de

Entrar no Casino», Diário de Notícias (29 de julho de 2012), n.º 52339,

8-9.

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111

ÍNDICE

INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 1

CAPÍTULO I – DO JOGO DE FORTUNA OU AZAR: FISIOLOGIA E DELIMITAÇÃO ......... 3

1. Enquadramento ................................................................................................. 3

2. Conceito de jogo de fortuna ou azar .................................................................. 4

2.1. A fisiologia do jogo .......................................................................................... 6

2.1.1 Livre vontade ............................................................................................. 7

2.1.2 Jogo e aposta .............................................................................................. 7

2.1.3 A aleatoriedade: a fortuna e o azar ........................................................... 10

2.1.4 O prémio .................................................................................................. 15

2.2. Delimitação negativa do jogo de fortuna ou azar: as modalidades afins .......... 17

CAPÍTULO II – REGIME JURÍDICO DO JOGO DE FORTUNA OU AZAR ....................... 25

3. Contextualização ............................................................................................. 25

4. O regime jurídico do jogo em Portugal ........................................................... 26

4.1. Das casas de tavolagem aos casinos: da repressão à tolerância ........................ 26

4.2. Do regime de exclusivo: a autorização regulamentada .................................... 30

CAPÍTULO III – O ATUAL PARADIGMA NOS JOGOS DE CASINO .............................. 38

5. O crime de exploração ilícita de jogo de fortuna ou azar ................................. 39

5.1. A exploração ilícita ......................................................................................... 39

5.2. O bem jurídico tutelado ................................................................................... 45

5.2.1. Identificação e delimitação do bem jurídico: limite à moralização do

Direito Penal do jogo ...................................................................................... 47

5.3. Limites ao regime de exclusivo ....................................................................... 58

5.3.1. O crime de perigo abstrato de exploração ilícita de jogo à luz da teoria do

bem jurídico: legitimidade constitucional e relevância do princípio da

ofensividade .................................................................................................... 58

5.3.2. O preenchimento dos elementos objetivos do tipo: (a)moralidade do

Direito Penal do jogo ...................................................................................... 69

6. O novo paradigma da exploração (ilícita) do jogo de fortuna ou azar: o jogo

online .............................................................................................................. 75

CONCLUSÕES ......................................................................................................... 84

BIBLIOGRAFIA ....................................................................................................... 87