o Autor e a Personagem Na Atividade Estética CapII

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Fichamento do texto o autor e a personagem na atividade estética de Mikhail Bakhtin

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1. O EXCEDENTE DA VISO ESTTICA

Quando contemple no todo um homem situado fora e diante de

mim, nossos horizontes concretos efetivamente vivenciveis no coin-

cidem. Porque em qualquer situao ou proximidade que esse outro

que contemplo possa estar em relao a mim, sempre verei e saberei

algo que ele, da sua posio fora e diante de mim, no pode ver: as par-

tes de seu corpo inacessveis ao seu prprio olhar - a cabea, o rosto, e

sua expresso -, o mundo atrs dele, toda uma srie de objetos e rela-

es que, em funo dessa ou daquela relao de reciprocidade entre

ns, so acessveis a mim e inacessveis a ele. Quando nos olhamos, dois

diferentes mundos se refletem na pupila dos nossos olhos Assumindo

a devida posio, possvel reduzir ao mnimo essa dife ena de hori-

zontes, mas para elimina-la inteiramente urge fundir-se em um todo ni-

co e tornar-se uma s pessoa.

Esse extedente: da minha viso, do meu conhecimento, da minha

posse _ excedente sempre presente em face de qualquer outro indivduo

- e' condicionado pela singularidade e pela insubstitutibilidade do meu

lugar no mundo: porque nesse momento e nesse lugar, em que sou o

nico a estar situado em dado conjunto de circunstncias, todos os ou-

tros esto fora de mim. Essa distncia concreta s de mim e de todos os

outros indivduos - sem exceo - para mim, e o excedente de minha

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viso por ele condicionado em relao a cada um deles (desse excedente

con-gladva uma certa carncia, porque o que vejo predommantemenm

no outro em mim mesmo s o outro v, mas neste caso isso no nos im-

porta, uma vez que na vida a inter-relao eu-outro no pode ser con-

cretamente reversvel para mim) so superados pelo conhecimento, que

constri um universo nico e de significado geral, em todos os sentidos

totalmente independente daquela posio nica e concreta ocupada por

esse ou aquele indivduo; para ele no existe tampouco a relao absolu-

tamente irreversvel eu e todos o: outrof; eu e o outro para o conheci-

mento, por serem concebidos, constituem uma relao relativa e revers-

vel, uma vez que o sujeito do conhecimento como ta.l no ocupa um lu-

gar concreto determinado na existncia. Porm, esse mundo nico do

conhecimento no pode ser percebido como o nico todo concreto,

preenchido pela diversidade de qualidade da existncia, da mesma for-

ma como percebemos uma paisagem, uma cena dramtica, um edifcio,

etc., pois a percepo efetiva de um todo concreto pressupe o lugar ple-

namente definido do contempladot, sua singularidade e possibilidade de

encarnao; o mundo do conhecimento e cada um de seus elementos s

podem ser supostos. De igual maneira, esse ou aquele vivenciamento in-

terior e o todo da vida interior podem ser experimentados concretamen-

te - percebidos internamente - seja na categoria do eu-para-mim, seja na

categoria do outro-para-mim, isto , como meu vivenciamento ou como

vivenciamento desse outro indivduo nico e determinado.

A contemplao esttica e o ato tico no podem abstrair a singu-

laridade concreta do lugar que o sujeito desse ato e da contemplao

artstica ocupa na existncia.

O excedente de minha viso em relao ao outro indivduo condi-

ciona oerta esfera do meu ativismo* exclusivo, isto , um conjunto da-

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quelulesntcmasouettemasqueseupossopratiaremrelaoao

outro, a quem elas so inacesslveis no lugar que ele ocupa fora de mim;

IIS 3955 completam o outro justamente naqueles elementos em que

ele no pode completar-se. Essas aes podem ser infinitamente varia-

das em funo da infinita diversidade de situaes da vida em que eu e

o outro nos encontramos num dado momento, mas em toda parte e em

quaisquer circunstncias ese excedente do meu ativismo existe e sua

composio tende a uma constncia estvel. Aqui no nos interesam

aquelas aes que com seu sentido externo abarcam a mim e ao outro

por meio do acontecimento singular e nico da existncia e visam a efe-

tiva mudanp desse acontecimento e do outro que ele contm como

elemento constituinte; elas so aa-atos puramente ticos; o que nos

importa so apenas os atos de mntemplaoao - pois a contempla-

o ativa e ecaz -, os quais no ultrapassam o ambito do dado do

outro e apenas unicam e ordenam esse dado; as aes de contempla-

o, que decorrem do excedente de viso externa e interna do outro in-

divduo, tambm so aes puramente estticas. O excedente de viso

o broto em que repousa a forma e de onde ela dmabrocha como uma

flor. Mas para que esse broto efetivamente desabroche na flor da fomta

concludente, urge que o excedente de minha viso complete o hori-

zonte do outro indivduo contemplado sem perder a originalidade des-

te. Eu devo entrar em empatia com esse outro indivduo, ver axiologi-

camente o mundo de dentro dele tal qual ele o v, colocar-me no lugar

dele e, depois de ter retomado ao meu lugar, completar o horizonte dele

com o excedente de viso que desse meu lugar se desoortina fora dele, con-

vert-lo, criar para ele um ambiente concludente a partir desse exce-

dente da minha viso, do meu conhecimento, da minha vontade e do

meu sentimento. Vamos que haja diante de nm um indivduo sofrendo;

o horizonte da sua conscincia foi preenchido pela circunstncia que o

faz sofrer e pelos objetos que ele v diante de si; os tons volitivo-emo-

cionais, que abarmm esse visvel mundo concreto, so os tons do sofri-

mento. Devo vivencia-lo eteticamente e condu-lo (aqui eto excludos

atos ticos como ajuda. salvao, Consolao). O primeiro momento

da atividade esttica e a compenetrao: eu devo vivenciar - ver e intei-

rar-me - o que ele vivencia. colocar-me no lugar dele, como que coinci-

dir com ele (no modo, na fomxa possivel dessa compenctmm dcmm

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de ada a questo psicolgica da compenetrao; basta-nos o faro in.

discutfvel de em certos limites ela ser posslveU- DKVO adotar o horizon-

te viral concreto desse indivduo tal como ele o vivencia; faltar, nesse

horizonte, toda uma srie de elementos que' me sao acessveis a parti-

do meu lugar; assim, aquele que sofre no vivencia a plenitude da sua

expressividade externa, ele s a vivencia parcialmente e ainda por cima

na linguagem de suas autossensaes internas: ele no v a tenso sofri-

da dos seus msculos, toda a pose plasticamente acabada do seu corpo,

a expresso de sofrimento do seu rosto, no v o cu azul contra o qual

se destaca para mim sua sofrida imagem externa. E mesmo que ele pu-

desse ver todos esses elementos, por exemplo, diante de um espelho,

no disporia de um enfoque volitivo-emocional apropriado a esses ele-

mentos, estes no lhe ocupariam na conscincia o lugar que ocupam na

conscincia do contemplador. Durante essa compenetrao devo abs-

trair-me do significado autnomo desses elementos transgredientes a

ele, utiliza-los apenas como indicativo, como dispositivo tcnico da

compenetrao; sua expressividade externa o caminho atravs do qual

eu penetro em seu interior e da quase me fundo com ele. Mas ser essa

plenitude da fuso interna o ltimo objetivo da atividade esttica para

a qual a expressividade externa apenas um meio, tem funo mera-

mente comunicativa? Absolutamente: a atividade propriamenre esttica

nem sequer comeou. A situao vital do sofredor, efetivamente viven-

ciada de dentro, pode me motivar para um ato tico: para a ajuda, a

Consolao, uma reflexo cognitiva, mas de qualquer modo a compe-

netrao deve ser seguida de um retorno a mim mesmo, ao meu lugar

fora do sofredor, e s deste lugar o material da eompenerrao pode ser

assimilado em termos ticos, cognitivos ou estticos; se no houvesse

esse retorno, ocorreria o fenmeno patolgico do viveneiamenro do

sofrimento alheio como meu prprio sofrimento, da contaminao

pelo sofrimento alheio, e s. A rigor, a compenetrao pura, vinculada

perda do nosso nico lugar fora do outro, quase impossvel e, em

todo uso, totalmente intil e sem sentido. Quando me compenetro dos

sofrimentos do outro, eu os vivencia precisamente como sofrimentos

dele, na mtegoria do aum), e minha reao a ele no um grito de dor

e sim uma palavra de consolo e um ato de ajuda. Relacionar ao outro

o vivenciado condio obrigatria de uma compenetrao eficaz e do

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conhecimento tanto tico quanto esttico. A atividade esttica comea

propriamente quando retornamos a ns mesmos e ao nosso lugar fora

d Pessoa que sofre, quando enformamos e damos acabamento ao ma-

Cal da Wmpcnetrao; tanto essa enformao quanto esse acaba-

mento transcorrem pela via em que preenchemos o material da com-

penetmo, isto , o sofrimento de um dado indivduo, atravs dos

elementos tmnsgredientes a todo o mundo material da sua conscincia

sofredora, elementos esses que agora tm uma nova funo, no mais oo-

municativa e sim de acabamento: a postura do corpo dele, que nos comu-

nicava o sofrimento, conduzia-nos para o seu sofrimento interior, mr-

na-se um valor puramente plstico, uma expresso que encarna e da

acabamento ao sofrimento expresso, e os tons volitivo-emocionais des-

sa expressividade j no so tons de sofrimento; o cu azul, que o abarca,

toma-se um elemento pictural, que da soluo e acabamento ao seu

sofrimento. E todos esses valores que concluem a imagem dele, eu os

hauri do excedente da minha viso, da minha vontade e do meu senti-

mento. Cumpre ter em vista que os elementos de compenetrao e aca-

bamento no se sucedem ctonologicamente; insistimos na diferencia-

o de sentidos entre eles, embora eles estejam intimamente entrelaa-

dos e se ftmdem no vivenciamento ativo. Em uma obra literria cada

palavra tem em vista ambos os elementos, exerce funo dupla: orien-

ta a compenetrao e lhe da acabamento, mas esse ou aquele elemento

pode predominar. Nossa tarefa imediata examina: aqueles valores

plstico-picturais e espaciais que so transgredientes conscincia e ao

mundo da personagem, sua diretriz tico-cognitiva no mundo, e o

concluem de fora, a partir da conscincia do outro sobre ele, da cons-

cincia do autor-contemplada'.

z. A IMAGEM EXTERNA

O primeiro elemento a merecer nosso exame a unagem

(naryjmp) como conjunto de todos os elementos expressivo: [te] emma

do como hmm 0m ' .a ..

e a imagem externa no outro? Em que P w ' d

seu valor esttico? Eis as questes a serem 63mm 35'

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No h dvida, evidentemente, de que minlia imagem externa no

ingggra o horizonte real concreto de minha visao, salvo os casos raros

em que eu, como Narciso, contemplo meu reflexo na gua ou no espe-

lho, Minha imagem externa, isto , todos os elementos expressivos do

meu corpo, sem exceo, vivenciada de dentro por mun; e apenas sob

a fonm de extratos, de fragmentos dispersos, que se agitam nas cordas

da autossensao intema; minha imagem externa chega ao campo dos

meus sentimentos externos, antes de tudo da viso, mas os dados de tais

sentimentos no so a ltima instncia nem para decidir se esse corpo

e meu; s a nossa autossensao resolve a questo. Ela no confere uni-

dade aos Fragmentos da minha arpressividade extema e os traduz em sua

linguagem intema. Assim acontece com a percepo real; em um mundo

exterior-nico que eu posso ver, escutar e apalpar, eu no encontro mi-

nha expressividade extema enquanto objeto nico igualmente exter-

no. ao lado de outros objetos; eu me encontro numa espcie de Fron-

teira do mundo que vejo, no sou conatural com ele em termos plsti-

co-picturais. Meu pensamento situa meu corpo inteiramente no mundo

exterior como um objeto entre os outros objetos, mas no o faz com

minha viso efetiva, que no pode vir em auxlio do meu pensamento,

propiciando-lhe uma imagem adequada.

Se nos voltarmos para a imaginao criadora, para o sonho centra-

do em ns mesmos, Facilmente nos convenceremos de que ela no ope-

ra com minha expressividade externa, no evoca sua imagem externa

acabada. O mundo de meu sonho centrado em mim situa-se minha

frente, como o horizonte da minha viso real, e eu entro nesse mundo

como personagem central que nele atua, vence coras, conquista mma

inusitada. etc., mas al no Fao a minima ideia da minha imagem exter-

na, ao passo que as imagem das outras personagens que povoam meu

sonho, inclusive as mais secundrias, se apresentam com uma nitidez s

Vans impressionante e uma plenitude que chega a suscitar em seus rostos

expresses de espanto, admirao, xtase, susto, amor e pavor, no en-

tanto eu no vejo, absolutamente, aquele a quem esto ligados esse x-

tase e esse amor. ou seja, eu no vejo a mim mesmo; eu me vivencia de

denuo; mesmo quando sonho com os sucessos da minha imagem attetk

na, no preciso imagn-Ia. imagino apenas o resultado da imprssio

produzida por ela sobre os outros. De um ponto de vista plstico-pic-

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tural. o mundo do sonho plenamente identico ao mundo da percep-

950 ?Cali "ele a personagem central no est externamente exprusa, no

se sima no mesmo plano das outras personagens; enquanto estas so

expressas artznzammtt, aquela vivenciada de dentm Aqui o sonho

no preenche as lacunas da percepo real; isto lhe dispensvd, A ..

versidade de planos das personagens no sonho particularmente clara

se o sonho de natureza ertica: a! a herona, objeto do desejo, chega

ao mximo grau de ntida externa que a representao pode atingir; o

heri - o prprio sonhador - vivencia de dentro de si mesmo em seu

desejo e seu amor, e no est absolutamente expresso attemamente.

Encontramos a mesma diversidade de planos no sonho. Mas, quando

comeo a contar o meu sonho a outra pessoa, tenho de transferir a per-

sonagem central para um plano com outras personagens (mesmo quan-

do a narrao feita na primeira pessoa), em todo caso devo levar em

conta que todas as personagens da narrao, inclusive eu, sero perca

bidas em um plano plstico-pictural pelo ouvinte, para quem todas elas

so outros. isso que diferencia o mundo da criaro artstica do mundo

do sonho e da realidade da vida.- todas as personagens esto igualmente

expressas em um plano plstico-pictural de viso, ao passo que na vida

apersonagemcentral-oeu-noestcttanammteexpressaedispensa

imagem. Revestir de carne externa essa personagem central da vida e do

sonho centrado na vida a primeira tarefa do artista. s vezes, quando

pessoas sem cultura leem sem arte um romance. a percepo artstica

substituda pelo sonho, no por um sonho livre e sim predeterminado

pelo romance, um sonho passivo, e o leitor se cornpenetra da persona-

gem central, abstrai-se de todos os elementos que lhe do acabamento,

antes de tudo da imagem externa, e vivencia a vida das: personagem

como se ele mesmo fosse o heri dessa vida.

Podemos tentar imaginar a nossa prpria imagem externa. perce-

ber-nos de fora, traduzir-nos da linguagem da autossensao interna

pamalirlguagemdaeztpressvdadecxtcma: nerndelongeissotofcil,

requer um esforo inusitado; essa 43561114345 C 9550 55'?? n50 5 P3'

mam em nada com aqueles que vivenciamos ao memorbannos 0 105m

pouco conhecido e meio esquecido dc outra pcsm aq 5 m

de insuficincia da memria de nossa irm"" uma m de m"? m'

sistncia de princpio que oferece a nossa M1355 tem P mew d

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nuospeco fcil verificamos due o resultado inicial dessa tentativa

ser o seguinte: minha imagem vlsualmente expressa comea, em rom

vacilantes, a definir-se ao lado de minha pessoa vivenciada por dentro,

@uma apenas levemente da minha autossensao intema em um sen.

tidoadiantedemimedesvia-seumpoucopamumladmcomoumbaixo-

.mlgvo, separa-se do plano da autossensao interna sem desligar-se ple-

namente dela; como se eu me desdobrasse um pouco, mas no me

desintegrasse definitivamente: o cordo umbilical da autossensao ir li-

gar minha imagem externa ao meu vivenciamento interior de mim mes-

mo. necessario algum novo esforo para me imaginar a mim mesmo

nitidamente m faz', desligar-me por completo de minha autossensa-

@o interior; conseguido isto, somos afetados em nossa imagem externa

por algum vazia original, por algo imagindrn e um estada de solido um

tanto terrvel dessa imagem. A que isto se deve? Ao fato de que no te-

mos para ela um enfoque volitivmemocional altura, capaz de vivifi-

c-la e inclu-la axiologmmente na unidade exterior do mundo plstico-

-picturaL Todas as minhas reaes volitivo-emocionais, que apreendem e

organizam a expressividade externa do outro - admirao, amor, ter-

nura, piedade, inimizade, dio, etc. -, esto orientadas para o mundo

adiante de mim; no se aplicam diretamente a mim mesmo na forma

em que eu me vivencio de dentro; eu organiza meu :u interior - que

run vontade, ama, sente, v, e conhece- de dentro, em categorias de va-

lores totalmente diferentes e que no se aplicam de modo imediato

minha expressividade exrema. No entanto, minha autossensao inter-

na e avida para mim permanecem no meu eu que imagina e v, no exis-

tem em um eu imaginado e visto, como no h em mim uma imediata

reao volitivo-emocional vivil-icante e includente para minha prpria

imagem extema. Da o vazio e o estado de solido que ela experimenta.

preciso reconstruir radicalmente toda a arquitetnica do mundo

do sonho, introduzindo-lhe um elemento absolutamente novo. para vi-

vicar e incorporar minha imagem extema ao conjunto de concepes.

Esse novo momento, que reconstri a arquitetnica - a possibilidade

de afirmao volitivo-emocional da minha imagem a partir do outro e

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para o outro; porque de dentro de mim mesmo existe apenas a minha

autoafirmao interna, que eu no posso projetar sobre minha expres-

sividade extema separada da minha autossensao interna, porque ela

se contrape a mim no vazio axiolgico, na impossibilidade de anna-

o. Entre minha autossensao interna - funo da minha viso vazia

_ e minha imagem externamente expressa ha uma espcie de tela

transparente, de tela da possivel reao volitivo-emocional do outro na

minha manifestao externa - de possvel xtase, amor, surpresa, pie-

dade, etc. do outro por mim; e olhando atravs dessa tela da alma do

outro, reduzida a meio, eu vvifioo e incorporo a minha imagem exter-

na ao mundo plstico-pictural. Esse eventual agente da resposta axio-

lgica do outro a mim no deve ser um individuo determinado, seno

ele desalojaria imediatamente minha imagem extema do campo da

minha representao e ocuparia o lugar desta; eu passaria a v-lo com

sua reao externamente expressa a mim, j situado nonnalmente na

fronteira do campo de viso; alm disso, ele introduziria alguma detet-

minao de enredo em meu sonho como participante j revestido de

um papel determinado, e o que se precisa de um autor que no par-

ticipe do acontecimento imaginrio. Trata-se precisamente de me tra-

duzir da linguagem interna para a linguagem da expressividade externa

e entreIaar-me inteiramente, sem reservas, com o tecido plstico-pic-

tural nico da vida enquanto homem entre outros homens, enquanto

personagem entre outras personagens; fcil substituir essa tarefa por

uma tarefa inteiramente estranha, pela tarefa do pensamento: o pensa-

mento da conta muito facilmente de situar-me no mesmo plano com

todos os outros indivduos, porque no pensamento eu me abstraio, an-

tes de tudo, do lugar nico que eu - o nico indivduo - ocupo na exis-

tncia, e consequentemente me abstraio da singularidade concreto-

-evidente do mundo; por isso o pensamento desconhece as dificulda-

des ticas e estticas da auto-objetiwo.

A objetivao tica e esttica necessita de um poderoso ponto de

apoio, situado fora de si mesmo, de alguma fora efetivamente real, de

cujo interior eu poderia ver-me como outro.

De fato, quando contemplo minha imagem externa - como viva e

incorporada ao conjunto externo vivo - pelo prisma da alma avaliadora

do outro possivel, essa alma do outro, desprovida de autonomia. alma

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de escravo, insere um demente Falso e inteiramente estranho a0 30"-

tecimento-existncia tico: no uma gerao produti" e "'q'

dora, porque [essa] gerao carece de valor autnomo, um produto

falso. fictcio. que rurva a pureu ptica da existncia: aqui parece ocor-

rer uma Fraude ptica. cria-se uma alma sem espao, um PRIPIHC

sem nome nem papel. algo absolutamente extra-histrico. bvio que

pelos olhos desse outro fictcio eu no posso ver meu verdadeiro rosto

mas tio somente a minha mascara'. Cabe condensar essa tela da reao

viva do outro e dar-lhe uma autonomia mdamemada, substancial,

prestigiosa, convert-la em autor responsvel. Uma condio negativa

para isso minha atitude plenamente desinteressada em relao a ele:

aps voltar a mim, devo usar para mim mesmo a avaliado dela. Aqui

no podemos nos aprofundar nessas questes enquanto tratamos ape-

nas de imagem externa (veja-se o narrador, a auto-objetivao da he-

rofna, etc.). claro que a extema enquanto valor esttico no

um elemento imediato da minha autoconscincia. est situada na fron-

teira de um mundo plstico-pictural; como personagem central de mi-

nha vida, tanto real quanto imaginria, vivencio a mim mesmo em um

plano essencialmente distinto do plano de todas as outras personagens

de minha vida e do meu sonho.

Contemplar a mim mesmo no espelho um caso inteiramente es-

peclioo de viso da minha imagem extema. Tudo indica que neste caso

vemos a ns mesmos de forma imediata. Mas no assim; pennanece-

mos dentro de ns mesmos e vemos apenas o nosso reflexo, que no

pode tomar-se elemento imediato da nossa viso e vivenciarnento do

mundo: vemos o reflexo da nossa imagem externa mas no a ns mes-

mos em nom imagem externa; a imagem externa no nos envolve ao

todo, estamos diante e no dentro do espelho; o espelho s pode for-

necer o material para a auto-objetivao, e ademais um material no

genuno. De fato, nossa situao diante do espelho sempre meio Falsa:

como no dispomos de um enfoque de ns mesmos de fora, tambm

nesse raso nos compenetramos de um outro possvel e indefinido, corn

cuja ajuda tentamos encontrar uma posio axiolgca em relao a

ns mesmos; tambm aqui tomamos vivitzr e enormar a ns mesmos

a partir do outro; da! a expresso original e antnatural de nosso rosto

que vemos no espelho [e] que no temos na vida. Essa expresso de nos-

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so rosto, refletido no espdho, compe-se de algumas expresses da

nossa tendncia volitivo-emocional, inteiramente assentada numa di-

versidade de planos: l) da expresso de nossa real diretriz volitivo-

emocional, que aplimmos em um dado momento e se justifica no oon-

tem d n583 Vida: 2) da arpresso da avaliao do outro possivel, da

npresso da alma fictcia e desprovida de espao; 3) da expresso de

nossa n-Jao com essa avaliao do outro possvel: satisfao, insatisfa-

o, contentamento. descontentamento. Ocorre que nossa prpria re-

lao com a imagem externa no de lndole imediatamente esttica

mas diz respeito apenas ao seu eventual efeito sobre os outros - obser-

vadores imediatos -. isto , ns a avaliamos no para ns mesmos mas

para os outros e atravs dos outros. Por ltimo, a esses trs tipos de ex-

presso ainda se pode incorporar aquela que gostaramos de ver em

nosso rosto, mais uma vez no para nos mesmos, daro, e sim para o

outro: ora, sempre chegamos quase a posar diante do espelho, fazen-

do a expresso que nos parece essencial e desejada So essas expresses

diversas que lutam e entram em simbiose casual em nosso rosto refletido

no espelho. Seja como for, neste uso no e uma alma nica e singular

que est expressa; no acontecimento da autocontemplao interfere

um segundo participante, um outro fictcio, um autor sem autoridade

no mdamentado; eu no estou s quando me oontemplo no espelho,

estou possudo por uma alma alheia. Ademais, s vezes essa alma alheia

pode ganha: consistncia a ponto de atingir cena autonomia: o des-

peito e cem exacerbao de nimo a que vem juntar-se nosso descon-

tentamento com a imagem externa do consistncia a esse outro - au-

tor possvel da nossa imagem externa; possvel desconarmos dele,

adia-lo, querermos destrul-lo: ao tentar combater cena avaliao pos-

sivel totalmente formadora, eu lhe dou consistncia a ponto de leva-la a

uma autonomia de pessoa quase localizada na existncia.

A primeira tarefa do artista que trabalha o autorretrato consiste

em depurar a txprma do mm: rdktido, o que s possivel com o artis-

ta ocupando posio firme fora de si mesmo, encontrando um autor

investido de autoridade e princpio. um autor-artista como tal, que ven-

Cc 0 artista-homem. Alis. parece que sempre possivel distinguir o

autorrenato do teu-ato a partir de alguma mracterstica um tamo ilusria

do rosto, o qual parece no englobar o homem em sua totalidade. at

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o fim: o homem que ri no autorretrato de Rembrnd sem?" PMA?,

em mim uma impresso quase horripilante, assim m msm an

de Vrubel ,

muito mais diHcil produzir uma imagem COmPk-m da Prpria

imagem externa na personagem autobiografia de uma obra literria

quando ma imagem extema, inserida no movimento Pllmrfo do ,en-

redo, deve abranger o homem pleno. Desconh= nativas desse

bem-sucedidas numa obra de arte de peso, mas h inmeras tentativas

parciais: algumas delas so o autorretrato infantil de Pchkin de Ll-

vin e lrtfenev' de Tolsti, o homem do subsolo de DoswVSkL CC- N

criao literria no ha (e, alis, impossvel) um acabamento Pmmen'

te pictural da imagem extema no qual ela esteja entrelaada com ou-

tros elementos do homem integral.

A fotografia propriamente dim tambm s oferece material para

ootejo, e nela no vemos a ns mesmos mas no somente o nosso refle-

xo sem autor; verdade que esse reflexo j no reproduz a expresso do

outro fictcio, ou seja, mais puro que o reflexo no espelho, no entan-

to percebido de forma aleatria, articial, e no expressa nossa dire-

triz volitivo-emocional no acontecimento da existncia - esse material

bruto, que de modo algum pode ser includo na unidade da minha ex-

perincia de vida por no haver princpios para a sua incluso.

Outra coisa o meu retrato executado por um artista que tem au-

toridade para mim; a temos realmente uma janela para o mundo onde

eu nunca vivo, efetivamente uma viso de mim no mundo do outro

pelos olhos de outro indivduo puro e integral - o artista, uma viso

como adivinhao, que traz em si uma natureza que me predetermina

em pequena medida. Porque a imagem externa deve englobar, conter e

concluir o todo da alma - o todo da minha diretriz volitivo-emocional

e tico-cognitiva no mundo; essa Funo, a imagem externa comporta

para mim apenas no outro: no posso perceber-me em minha imagem

externa englobado e expresso por ela. minhas reaes volitivo-emocionais

esto xadas aos objetos e no se comprimem numa imagem externa-

mente conclufda de mim mesmo. Minha imagem externa no pode vir

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ger um elemento de minha caracterizao para mim mesmo. Na ca-

gsoria do eu, minha imagem externa no pode ser vivenciada como um

valor que me engloba e me acaba, ela s pode ser assim vivenciada na ea-

egoria do 0mm, e eu preciso me colocar a mim mesmo sob essa cate-

goria para me ver como elemento de um mundo exterior plstico-pic-

ural e nico.

A imagem externa no deve ser tomada isoladamente em relao

criao literria; a1', certa incompletude do retrato puramente pictural

se completa em toda uma srie de elementos imediatamente contguos

imagem externa, pouco acessveis ou totalmente inacessfveis s artes

plsticas: o andar, os modos, a expresso cambiante do rosto e de toda

a imagem externa nsses ou naqueles momentos histricos da vida do

homem, a expresso dos momentos irreversveis do acontecimento da

vida na srie histrica do seu fluxo. os momentos de crescimento gra-

dual do homem que passa pela expressividade externa das idades; as

imagens da mocidade, da maturidade, da velhice em sua continuidade

plstico-pictural. Todos essa momentos podem ser englobados por uma

expresso: a histria do homem exterior. Para a minha autoconscineia,

essa imagem integral est dispersa na vida, entrando no campo da mi-

nha viso do mundo exterior apenas como fragmentos aleatrios, fal-

tando, ademais, precisamente unidade externa e continuidade, e o pr-

prio homem, vivenciando a vida na categoria do seu eu, no pode juntar

a si mesmo a um todo externo minimamente acabado. A no se trata

de carncia de material no plano de sua viso - ainda que a carncia

seja excessivamente grande - mas da ausncia, por puro princpio, de

um enfoque axiolgico nico da expressividade exterior do prprio ho-

mem. feito de dentro por ele; aqui nenhum espelho, Fotografa ou ob-

servao especial de si mesmo podem ajudar; na melhor das hipteses,

obtm-se um produto esteticamente Falso, criado de modo interesseiro

Cla posio do outro possvel. desprovido de autonomia.

Nesse sentido pode-se dizer que o homem tem uma necessidade

esttica absoluta do outro, do seu ativismo que v, lembra-se, rene e

unifica, que e o nico capaz de criar para ele uma personalidade exter-

namente acabada; tal personalidade no existe se o outro no a cria; a

memria esttica produtiva, aia pela primeira vez o homen miar em

um novo plano da existncia.

33

3. o VIVENCIAMENTO DAS FRONTEIRAS EXTERNAS oo HOMEM

Um elemento especial e sumamente importante na viso plastico-

-picrural do homem e o vivenciamento das fronteiras externas que o

abaram. Esse momento inseparvel da imagem externa e s separa-

vel dela em termos abstratas, traduzindo a relao do homem exterior,

uma aparncia, com o mundo exterior que o abarca, o momento de li-

mitao do homem no mundo. Vivencia-se essa fronteira externa na

autoconscincia, isto , em relao a si mesmo, de modo essencialmente

diverso do que se vivencia em relao a outro individuo. De fato, s no

outro indivduo me dado experimentar de forma viva., attica (e etica-

mente), convincente a finitude humana, a materialidade emprica limita-

da. O outro me todo dado no mundo exterior a mim como elemen-

to deste, inteiramente limitado ern termos espaciais; em cada momento

dado eu vivencia nitidamente todos os limites dele, abranjo-o por in-

teiro com o olhar e posso abarca-lo todo com o tato; vejo a linha que

lhe contorna a cabea sobre o fundo do mundo exterior, e todas as li-

nhas do seu corpo que o limitam no mundo; o outro est todo esten-

dido e esgotado no mundo exterior a mim como um objeto entre ou-

tros objetos, sem lhe ultrapassar em nada os limites, sem lhe violar a uni-

dade plstico-picmral visvel e ttil.

No h dvida de que toda a experincia por mim assimilada nun-

ca me propiciat a mesma viso de minha prpria e completa limita-

o externa; nem a percepo real nem as reprsenlaes tm condio

de construir tal horizonte em que eu possa entrar sem reservas como

inteiramente limitado. No que se refere percepo real, isso dispensa

demonstrao especial: eu estou na fronteira do horizonte da minha

viso; o mundo visvel se atende minha frente. Girando a cabea em

todas as direes, posso atingir a viso completa de mim mesmo de to_

dos os lados do espao circundante em cujo centro me encontro, mas

no me verei realmente rodeado por esse espao. Um pouco diferente

o que ocorre com a representao. J vimos que, embora habitualmen-

te eu no represente para mim a minha imagem, com certo esforo pos.

so faze-lo e ento represent-la para mim, claro que limitada de odos

os lados como imagem do outro. Mas essa imagem carece de persuabi-

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lidade interna: no cesso de me vivenciar de dentro, e esse autoviven-

eiamento permanece comigo, ou melhor. eu msmo permanea nele e

no o introduza na imagem representada; o que nunca convincente

em mim e precisamente a conscincia de que isso sou eu inteiro, de

que fora dsse objeto completamente limitado eu no existo: a cons-

cincia de que isso no sou eu inteiramente o coeficiente necessrio

de toda percepo e representao de minha expressividade artema.

Enquanto a representao de outro indivduo corresponde plenamente

plenitude de sua viso real, minha autorreprsentao est constru-

da e no corresponde a nenhuma percepo real; o ssencial no viven-

ciamento real de mim mesmo permanece a margem da viso externa.

Essa diferena no vivenciamento de mim e no vivenciamento do

outro superada pelo conhecimento ou, em termos mais precisos, o co-

nhecimento ignora a singularidade do sujeito oognoscente. No mundo

nico do conhecimento no posso colocar-me como eu-pam-mim em

oposio a todos sem exceo - os outros individuos passados, presen-

tes e futuros como outros para mim; ao contrrio, eu sei que sou um

individuo to limitado quanto todos os outros. e que todo outro vi-

vencia substancialmente a s msmo de dentro, no se personificando

essencialmente para si msmo em sua expressividade extema. Mas esse

conhecimento no pode determinar a viso real e o vivenciarnento do

mundo singular concreto do sujeito singular. A forma do vivencia-

mento concreto do indivduo real a correlao entre as categorias

imagticas do eu e do outra; e essa forma do eu, na qual vivencio s a

mim, difere radicalmente da forma do mam, na qual vivencia todos os

outros indivduos sem exceo. O modo como eu vivencia o :u do ou-

tro difere inteiramente do modo como vivencio o meu prprio eu; isso

entra na categoria do aum como elemento integrante, e ssa diferena

tem importncia fundamental tanto para a esttica quanto para a ti-

ca. Basta mencionar a desigualdade essencial de valores do eu e do nu-

tm do ponto de vista da moral crist: no se deve amar a si msmo mas

se deve amar o outro, no se deve ser indulgcnte consigo msmo mas se

deve ser indulgente com o outro, deve-se livrar o outro de qualquer fardo

e assumi-lo para si7; mencione-se ainda o altrulsmo. que aprecia de modo

inteiramente diverso a felicidade do outro e a prpria felicidade. Ain-

da teremos oportunidade de tratar do solipsismo tico.

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Para o ponto de vista esttico essencial o seguinte? Pa mim' e"

sou o sujeito de qualquer espcie de ativismo: do ativismo da W550i d

audio, do tato. do pensamento, do sentir, etc.; como SC e" P311**

de dentro de mim nos meus vivenciamento: e me dircconssc em um

sentido adiante de mim, para o mundo. para o objeto. O objeto se con-

trape a mim-sujeito. Aqui no se trata da correlao glwiiilglm dc

sujeito-objeto mas da correlao vital entre o eu singular e !O40 0 M'

tante do mundo como objeto no s do meu conhecimento e dos sen-

timentos externos como tambm da vontade e do sentimento. O outro

indivduo est todo no objeto para mim. e o seu eu apenas objeto para

mim. Posso recordar-me, posso perceber-me parcialmente atravS do sen-

timento externo, em parte posso fazer de mim mesmo objeto de dese-

jo e de sentimento, ou seja. posso fazer de mim mesmo o ma objeto. Mas

nesse ato de auto-objetivao eu no coincidirei comigo: permanecem

:amam-mim no prprio ato dessa auto-objetivao mas no em seu pro-

duto, no ato da viso, do sentimento e do pensamento mas no no ob-

jeto visto ou sentido. No posso me alojar por inteiro no objeto; exce-

do qualquer objeto como seu sujeito ativo. Aqui no nos interessa o

aspecto cognitivo dessa tese, que serviu de base ao idealismo, mas o vi-

venciamento concreto de minha subjetividade e de sua absoluta ines-

gotabilidade no objeto - momento que foi compreendido e assimilado

em profundidade pela esttica romntica (a doutrina da ironia em Schle-

gel') - em oposio objetividade pura do outro. Aqui o conhecimen-

no introduz uma correo segundo a qual eu para mim - indivduo sin-

gular - no sou um eu absoluto ou sujeito gnosiolgico; tudo o que

me faz ser eu msmo, um homem definido diferentemente de todos os

demais - no espao e tempo definidos, destino definido. etc. - e igual-

mente objeto e no sujeito do conhecimento (Ricltert'). No entanto. o

idealismo toma intuitivamente convincente o vivenciamento de mim

mesmo e no o vivenciamento do outro; o realismo e o materialismo

que tornam mais convincente o vivenciamento do outro. Em todo caso.

o solipsismo, que aloja o mundo inteiro na minha conscincia, pode

ser intuitivamente convincente, ao menos compreensvel, mas em

termos intuitivo: seria totalmente incompreensvel alojar o mundo in-

teiro e a mim mesmo na conscincia do outro que. de modo to eviden-

te, apenas uma parte lnma do mundo imenso. No pomo vivenciar-me

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convincentemente por inteiro encerrado em um objeto externamente

limitado, todo visivel e ttil, coincidindo completamente com ele em

todos os sentidos, mas no posso reprsentar o outro de modo diferente:

tudo o que conheo do interior dele e em parte vivencio empatica-

mente eu lhe insiro na imagem externa como num recipiente que con-

tm o seu eu, sua vontade, seu conhecimento; para mim, o outro est

reunido e contido por inteiro em sua imagem atterna. Enquanto isso,

eu vivencio minha prpria conscincia como se ela estivesse a abarcar

o mundo, a abrang-lo e no alojada nele [-il]. A imagem externa pode

ser vivenciada como uma imagem que conclui e esgota o outro, mas

eu no a vivencio como algo que me esgota e me conclui.

Para evitar mal-entendidos, salientemos mais uma va que aqui no

abordamos os elementos cognitivos: a relao entre alma e corpo, cons-

cincia e matria, idealismo e realismo e outras questes vinculadas a

esses elementos; aqui nos importa apenas o vivenciamento concreto,

sua pura capacidade de persuaso esttica. Poderamos dizer que, do

ponto de vista do autovivenciamento, o idealismo convence intuitiva-

mente, mas do ponto de vista do vivenciamento de outro indivduo

por mim o materialismo que convence inruitivamente; no nos refe-

rimos, em absoluto, capacidade de persuaso losfioo-cognitiva des-

sas correnres. A linha como fronteira do corpo axiologicamenre ade-

quada para definir e dar acabamento ao outro, e ademais no seu todo,

em todos os seus momentos, e totalmente inadequada para me defi-

nir e me concluir para mim mesmo, uma vez que eu me vivencio es-

sencialmente, abrangendo quaisquer fronteiras, qualquer corpo, am-

pliando-me alm de quaisquer limites; minha autoconscincia destri

a capacidade de persuaso plstica da minha imagem.

Segue-se da( que s outro homem pode ser vivenciado por mim

como conatural com o mundo exterior, pode ser entrelagdo a ele e con-

cordar com ele de modo esteticamente convincente. Enquanto nature-

za, o homem vivenciado de modo intuitivamente pcrsuasivo apenas

no outro, no em mim. Eu para mim no sou plenamente conarural

com o mundo exterior, em mim h sempre algo substancial que eu pos-

so contrapor a ele, isto , o meu ativismo interior, minha subjetividade,

que se contrape ao mundo exterior visto como objeto, sem interferir

nele; esse meu ativismo interior extranatural e extramundo, sempre

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_imponha d um ;nda pela linha do autovivenciamento interior no ato

[HJ do mundo, de uma espcie de escapatona pela qual eu me salvo do

dado total da natura. O aum [iL] esta mtimamente vinculado ao mun-

do, eu, ao meu ativismo interior extramundo. Quando em eu tenho a

mim mesmo em toda a minha seriedade, todo o objeticado est em

mim .- os fragmentos de minha expressividade externa, todo o j dado,

prmentc em mim, o eu como contedo determinado do meu pensa-

mento sobre mim mesmo, dos meus sentimentos de num -, deixa de

expressar-me para mim, eu comeo a ir-me todo pan o prprio alo

desse pensamento, da viso e do sentimento. No integre plenamente

nenhum crculo extemo nem me esgoto nele, estou para mim como que

na tangente de qualquer crculo. Todo o espacialmente dado em mim

tende para um centro interior no espacial, no outro, rodo o ideal ten-

de pan o seu dado espacial.

Essa peculiaridade do vivenciamento concreto do outro por mim

levanta a questo agudamente estria de justificar, por via meramente

intensiva. uma dada finitude restrita sem ir alem dos limites do mun-

do espacio-sensorial exterior igualmente dado; s em relao ao outro

vivencia-se imediatamente a precariedade da apreenso cognitiva e da

imagem puramente semntica - indiferente singularidade concreta -

da justificao tica, pois elas evitam o elemento da expressividade at-

terna to essencial no vivenciamento do outro por mim e no essencial

em mim msmo. .

Meu ativismo esttico no reside na atividade especial do artista-

-autor mas na vida singular no diferenciada nem liberada dos elementos

no estticos, vida 55a que encerra uma espcie de embrio da ima-

gem plstica da criao, manifesta-se numa srie de atos irreversveis

que partem de mim e afirmam axiologicamente o outro nos elementos

do seu acabamento extemo: o abrao, o beijo, o afago, etc No vivencia-

mento ativo desses atos so particularmente notrias sua eficacia e sua

irreversibilidade. Neles realiw de modo notrio e convincente o privi-

legio de minha posio fora do outro, e aqui a condensao axiolgica

dele se torna tangivelmente real. Porque s o outro podemos abraar,

envolver de todos os lados, apalpar todos os seus limites: a &agil fini-

tude, o acabamento do outro, sua existncia-aqui-e-agora so apreen-

didos por mim e parecem enformar-se com um abrao; nesse ato o ser

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exterior do outro come uma vida nova, adquire algum sentido novo,

nasce em um novo plano da existncia. S os lbios do outro posso to-

car com meus lbios, s no outro eu posso pousar as mos, erguer-me

anmeme 505m ele. afagando-o todo por completo, o corpo e a alma

que lidar/e, em todos os momentos da sua existncia. Nada disso me

d3d VWCHCU Comigo, e aqui a questo no est apenas na impossibi-

lidade fsica mas na fim-idade volitivo-cmocional de direcionar esses

atos para si mesmo. Como objeto do abrao, do beijo, do afago, a exis-

tncia acterior limitada do outro se toma axiologicamente rija e pesada,

um material nterionnente pondervel [il.] para se enmnar plastimmen-

te e esculpir um dado homem no como espao fisicamente acabado e

fisicamente limitado, mas como espao vivo esteticamente acabado e li-

mitado, como espao esteticamente acabado do acontecimento. cla-

ro, evidentemente, que aqui nos abstrafmos dos elementos sexuais que

turvam a pureu esttica desses atos irreversveis, tomamo-nos como rea-

es vinis artstico-simblicas ao todo do homem, de quem abraamos

ou afagamos tambm a alma encerrada nele e expressa por ele quando

lhe abraamos e afagamos o corpo.

4. A IMAGEM EXTERNA DA AO'

Fixemos nossa ateno nas aes, nos atos externos do homem.

que transcorrem no mundo espacial. Examinemos agora as

questes; como a ao e seu espao so vivenciados na autoconsciencia

do agente, como eu vivencia a ao de outra pessoih em q P13 d

conscincia situa-se o seu valor esttico. v . _ _

observam h Pouco que os fragmentos da mmha eatpressividade

externa s esto incorporados a mim mediante os vivcraifiamerzzivllz-

;criares que lhes correspondem. De fato, quando, por gum .

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