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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA- UNEB DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO CAMPUS XIV LETRAS COM HABILITAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA E LITERATURAS - LICENCIATURA ELIANE LIMA DOS SANTOS O CAMPO LEXICAL DE PESSOAS EM UMA CARTA DE LIBERDADE DO SÉCULO XIX Conceição do Coité 2012

O campo lexical de pessoas em uma carta dde liberdade do século XIX

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Page 1: O campo lexical de pessoas em uma carta dde liberdade do século XIX

UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA- UNEB

DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO CAMPUS XIV LETRAS COM HABILITAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA E LITERATURAS -

LICENCIATURA

ELIANE LIMA DOS SANTOS

O CAMPO LEXICAL DE PESSOAS EM UMA CARTA DE LIBERDADE DO SÉCULO XIX

Conceição do Coité 2012

Page 2: O campo lexical de pessoas em uma carta dde liberdade do século XIX

ELIANE LIMA DOS SANTOS

O CAMPO LEXICAL DE PESSOAS EM UMA CARTA DE LIBERDADE DO SÉCULO XIX

Monografia apresentada ao Departamento de Educação, Campus XIV, Curso de Letras com Habilitação em Língua Portuguesa e Literaturas – Licenciatura da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), como instrumento da avaliação final do Componente Curricular Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) para obtenção do grau de Licenciada.

Orientadora: Profa. Dra. Celina Márcia de Souza Abbade

Conceição do Coité 2012

Page 3: O campo lexical de pessoas em uma carta dde liberdade do século XIX

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...........................................................................................................07

CAPITULO 1: POVOS AFRICANOS “DESTERRADOS” E ESCRAVIZADOS

1.1 Um breve relato da escravidão dos povos africanos no Brasil............................08

.1.2 Escravidão e resistência dos Afro-baianos.....................................................................12

1.3 Conceição do Coité: escravidão no interior da Bahia.........................................14

CAPITULO 2: ESTUDO DA LEXEMÁTICA

3.1 Língua e linguagem..............................................................................................17

3.2 Palavra e lexia......................................................................................................19

3.3 A Lexemática e a teoria dos campos lexicais.......................................................20

CAPITULO 3: A CARTA DE LIBERDADE DA ESCRAVA “CUSTODIA”

2.1O Documento........................................................................................................22

2.2 Transcrição do documento...................................................................................24

CAPITULO 4: O CAMPO LEXICAL DE PESSOAS NA CARTA DE

LIBERDADE...............................................................................................................29

CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................32

REFERÊNCIAS

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“Dizem que o que procuramos é um sentiDo para a

vida. Penso que o que procuramos são experiências

que nos façam sentir que estamos vivos.” (J.

Campbell).

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AGRADECIMENTOS

Ao nosso pai soberano Deus, por mais uma etapa da minha vida, dando inicio

a uma nova jornada, pela dádiva da vida e por ser luz em minha trajetória.

Agradecer minha querida professora Drª Celina Márcia de S. Abbade, que despertou

em mim o interesse por esse estudo lexicológico das palavras e me orientou para o

desenvolvimento deste trabalho de conclusão de curso e ao professor Deijair

Ferreira pelo auxilio da estruturação do mesmo. A minha irmã Dulcinéia pelo

incentivo e contribuição. A Marcelo o motorista que passou esses anos todos nos

tolerando o qual por algumas vezes incomodei para que trouxesse ou levasse

alguns livros da biblioteca para mim. Aos amigos de graduação em especial as

minhas queridas e inesquecíveis amigas Rosana Cristina, Sandra Kelly e Mônica

pela força e amizade. A todos os meus familiares, a meu amor, amigos e vizinhos

pelo incentivo e torcida. Enfim a todos o meu muito obrigada! Pois em cada olhar,

gestos, palavras pude encontrar forças para ultrapassar as barreiras e chegar no dia

de hoje mais feliz e cheia de planos e com a certeza de que assim como o rio, é

contornando obstáculos que alcançarei meu maior objetivo.

Page 6: O campo lexical de pessoas em uma carta dde liberdade do século XIX

RESUMO

O presente trabalho faz uma abordagem sobre o período escravocrata no Brasil, da importância e preservação de documentos do século XIX e tem como objetivo conhecer um pouco da história de uma comunidade através da estruturação das lexias em seus respectivos campos lexicais, a partir de uma Carta de Liberdade do século XIX. Para isso foi preciso realizar uma pesquisa documental no acervo da Universidade Estadual da Bahia Campus XIV, de onde foi retirada a base para o estudo lexicológico do vocabulário levantado. Além desse método realizou-se uma pesquisa bibliográfica em: Bechara (2005), Coseriu (1987), Abbade (2006 e 2009), entre outros, que abordaram sobre o estudo da Lexemática. Observa-se que é possível ter o conhecimento da história de quem utilizou um determinado vocabulário já que a língua varia de forma lenta e continua, mas, o registro dessa nos possibilita ter conhecimento dessa carga semântica da linguagem e dos aspectos socio-histórico de uma comunidade. Palavras-chave: Carta de liberdade. Lexicologia. Campo lexical.

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ABSTRACT This paper presents an approach about the slavery period in Brazil, the importance and preservation of documents of the nineteenth century and aims to learn a little history of a community through the structuring of lexias in their respective lexical fields, from a Letter Freedom of the nineteenth century. For this we need to make a documentary research in the archives of the State University of Bahia Campus XIV, where the base was taken for the study of lexical vocabulary lifted. In this method we carried out a literature search on: Bechara (2005), Coseriu (1987), Abbade (2006 and 2009), among others, who approached the study of Lexemática. Observe that it is possible to have knowledge of the history of who has used a particular vocabulary that language varies slowly and remains, but the record that enables us to have knowledge of semantic load of language and socio-history of a the community. Keywords: Letter of freedom. Lexicology. Lexical field.

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INTRODUÇÃO

Sendo esta introdução parte viável para o desenvolvimento da monografia de

pesquisa de conclusão curso de Letras com Habilitação em Língua Portuguesa e

Litraturas - licenciatura da Universidade da Bahia - UNEB Campus XIV, sob a

orientação da professora Doutora Celina Márcia Abbade, a pesquisa tem como

objetivo conhecer o vocabulário de uma comunidade através da estruturação das

lexias em seus respectivos campos lexicais, retirados de uma Carta de liberdade

redigida no século XIX mais especificamente em 1869, a partir da qual pretende-se

fazer um estudo lexicológico.

Para isso foi realizado uma pesquisa documental no acervo da Universidade

Estadual da Bahia Campus XIV em Conceição do Coité - BA, onde foi encontrado a

referida carta no livro 2 de registros de Cartas de Alforria.

Diante da problemática existente, supõe-se que o levantamento de um

vocabulário específico de pessoas envolvidas na mencionada carta, pode nos levar

ao conhecimento de alguns aspectos da história do povo que utilizou esse

vocabulário.

Como se trata de um vocabulário retirado de um documento referente à

libertação de escravos, é possível que a organização do campo lexical de pessoas

existentes no corpus de base, possa nos remeter ao modo como a sociedade da

época se relacionava e se comportava. Para realizar esta pesquisa foi feito um

estudo bibliográfico de autores que desenvolveram pesquisas relacionadas à

estruturação dos campos lexicais como: Bechara (2005), Coseriu (1987), Abbade

(2006 e 2009) dentre outros.

Desenvolvida em 4 capítulos, intitulados como: Povos africanos

“desterrados” e escravizados, Estudo da lexemática, A carta de liberdade da escrava

“Custodia” e O campo lexical de pessoas na carta de liberdade, a partir dos quais

busca-se-a mostrar sequencialmente: um breve retrato do contexto em que a carta

foi escrita; algumas concepções teóricas; transcrição de um dos fólios; um

levantamento de algumas lexia e questões que refere-se à maneira de como aquele

povo produzia seus escritos, ou seja, que tipo de vocabulário eles utilizavam, o qual

parece estar intrisicamente ligado aos seus costumes, hábitos e história.

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CAPÍTULO 1

POVOS AFRICANOS “DESTERRADOS” E ESCRAVIZADOS

Desde os ancestrais a escrita constitui-se, retrata e dá veracidade aos fatos

que vieram a marcar a formação social do Brasil. Portanto, com base em fontes

escritas, no primeiro item apresenta-se um breve relato sobre a origem da

escravidão africana no Brasil, que deu-se através dos portugueses. Do segundo item

em diante, o texto se restringe ao período escravocrata na Bahia e no interior,

basicamente na cidade de Conceição do Coité, onde foi encontrado o elemento base

para o desenvolvimento deste projeto: uma Carta de liberdade1 do século XIX”.

1.1 Um breve relato da escravidão dos povos africanos no Brasil

A partir da formação da cultura e cultivação da escrita, generalizou-se a

comunicação, com a elaboração e reprodução de documentos, que permitiram que

as histórias do passado fossem divulgadas, proporcionando-nos o conhecimento,

entendimento e questionamentos ou mesmo críticas a fatores que ainda perpassam

na sociedade vigente. Segundo Simon (1996), “a língua falada (no caso da cultura)

escrita e falada (no caso da civilização) torna possível transmitir a experiência dos

mais velhos” (p.38).

No Brasil, a prática da escrita se deu a partir da colonização portuguesa,

embora se tenham indícios de que tradições indígenas e africanas também tivessem

suas formas de registro gráfico. E é a partir de documentos escritos em séculos

passados que se pode buscar o conhecimento dos hábitos socioculturais de um

1 Autorização oficial de alguém para que aja livremente.

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povo, ou seja, suas ideologias. Como diz Bakhtin (2004 apud ABBADE, 2009,

p.129), “a palavra é um reflexo ideológico que funciona como elemento essencial

que acompanha toda criação ideológica, seja ela qual for”.

O mundo é constituído por pessoas as quais se dividem em governantes e

governados, desde os tempos mais remotos. Dessa forma, já existiam os sujeitos

submissos a outros, antes mesmo das miscigenações das raças.

No Brasil, antes da colonização, os povos autóctones, denominados pelos

portugueses de indígenas, também tinham uma política de hierarquia. Existia

alguém superior, que ditava as regras a serem seguidas, e para isso ocorriam lutas

nas aldeias para conseguir status, superando e derrotando a tribo rival. Esse fator

também perpassou nas terras africanas, em que eles praticavam a escravidão entre

seus povos.

Embora esse fator não venha a justificar a violência cometida pelos

portugueses aos negros, o crítico Ribeiro (2006), em sua crônica “Viva o povo

brasileiro,” diz que, antes mesmo dos portugueses traficarem os negros como

escravos para o Brasil, eles já governavam entre si, ou seja, os negros africanos

governavam os próprios negros. Então, “[...] os portugueses não compravam

homens livres, compravam peças-da-india, mercadoria pronta, gente já escravizada

[...]’’ (Ribeiro, p.149, 2006). Tanto o homem branco, como o negro, o amarelo e o

indígena, eram escravizados pela própria raça, como diz Campos:

[...] o negro não foi introduzido no Brasil, e em outras partes da América, como um elemento humano isolado, mas como o representante de um grupo de cultura. Grupo de cultura que não pôde ser mantido puro, em virtude da escravidão (2004, p. 151).

Desde então, com base na cultura escravagista africana, os portugueses

intensificaram cada vez mais a exportação de negros para suas colônias, com

objetivos econômicos, ao contrário do tipo de escravidão sofrida por esses negros

na sua terra nativa.

A exploração dos escravos por motivos puramente econômicos era encontrada nos enclaves europeus em alguns lugares como Axante e Daomé, mas a associação de escravidão com a economia era mais característica do setor europeu do que do africano, exceto quando o setor africano estava fortemente associado às exportações (LOVEJOY, 2002, p.210).

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No Brasil, a escravidão africana atingiu seu ponto máximo no século XIX, já

que ter escravos negros nas grandes fazendas lhes custaria mão-de-obra barata,

além, de ser indício de riqueza. Os escravos passaram a ser objeto de luxo e

patrimônio de penhora compra e venda. Como diz Lisboa (2002 apud OLIVEIRA

2009, p. 93): “[era] prova de mendicidade extrema o não ter um escravo, ter-se-ão

todos os incômodos domésticos, mas um escravo a toda lei”.

Como a posse de escravos durante muito tempo esteve atrelada aos grandes

proprietários de terras, nem mesmo com a independência política do Brasil, em

1822, e com a adoção das ideias liberais pelas classes dominantes, o tráfico de

escravos e a escravidão foram abalados. O trabalho livre “passava” longe do

imaginário destes fazendeiros, que só pensavam em se libertar do domínio

português que os impedia de expandir livremente seus negócios. Ainda era

interessante para eles preservar as estruturas sociais, políticas e econômicas

vigentes e, mesmos leis abolicionistas que surgiam sistematicamente, segundo

Simon (1996), não impediam o intenso comércio de escravos.

O comércio, assim como os leilões, ocorria de forma aleatória em praças

públicas, permitindo que os compradores avaliassem minuciosamente os aspectos

físicos da “mercadoria” com o intuito de detectar se tinham alguma doença como de

ínguas ou hérnias, além disso, davam preferência àqueles de orelhas pequenas,

panturrilhas magras, pele lisa ressaltando a musculatura.

Eles eram capturados nas terras onde viviam na África e trazidos à força para

a América, em grandes navios, em condições miseráveis e desumanas. Muitos

morriam durante a viagem através do oceano Atlântico, vítimas de doenças, de

maus tratos e da fome.

Os escravos que sobreviviam à travessia, ao chegarem ao Brasil, eram logo

separados do seu grupo linguístico e cultural africano e misturados com outros de

tribos diversas para que não pudessem se comunicar. Além de serem mantidos em

cativeiro, ou seja, presos nas denominadas senzalas, ao saírem para o trabalho que

lhes designavam, eram sempre mantidos sob vigilância que os proibiam de se

comunicarem com escravos de outras fazendas, pois seus senhores temiam uma

revolução escravocrata.

Isso porque que não eram todos os escravos que acolhiam a condição de

subalterno passivamente. Muitos deles não aceitavam essa nova condição de vida,

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por isso, as fugas, as resistências e as revoltas sempre estiveram presentes durante

o longo período da escravidão. Em consequência disso, houve a formação de vários

"quilombos"2, nos quais segundo Santana (2007), os negros procuravam reconstruir

neles as tradicionais formas de associação política, social, cultural e de parentesco

existentes na África.

Com essa nova opção, os africanos e descendentes começaram a participar

de rebeliões, motins ou formação de quilombos em diversas regiões, numa tentativa

de acabar com a escravidão, ou pelo menos, reduzir sua carga de opressão, já que

eles não tinham nenhuma atividade espontânea e viviam a mercê da severidade de

castigos. De acordo com a percepção de Campos (2004 p.143), os escravos

transportados para o Brasil sofriam maus tratos, “[...] do excesso de trabalho, das

condições deficitárias de higiene, enfim, tinham marcas de surras, cicatrizes no

dorso, nas nádegas, no pescoço, queimaduras, etc.”.

Cabe ressaltar a diferença de tratamento relacionado ao negro já que em

território africano eles eram pelo menos vistos como servos permanentes da família

como mostra a citação a seguir:

[...] A abundância dos itens necessários à sobrevivência e o trabalho comparativamente fácil de extrair e carregar madeira, conduzir o gado lavrar os campos, trabalhar nos vinhedos, ou dedicar-se ao serviços domésticos diários torna a sua vida bastante tolerável, e se, às vezes, è encontrado algum patife desumano que maltrate seus escravos, em nenhum lugar existe uma oportunidade melhor de obstruir e impedir totalmente esses maus-tratos por meios de boas leis do que no Cabo (LOVEJOY, 2002 p. 243).

Diante de tais disparidades foram instauradas no Brasil algumas leis antes de

ser decretada a abolição, ou seja, a Lei Eusébio de Queirós (1850), que oficializou o

fim do tráfico de negros. Dentre estas, a Lei do Ventre Livre (1885), que além de

libertar os filhos (as) de negros que nascessem a partir desta lei, veio a despertar o

desejo e a possibilidade dos escravos poderem juntar dinheiro o suficiente para

entrarem na justiça e comprarem a liberdade que lhes foram tomadas.

Entretanto, a liberdade conquistada por alguns negros não lhes renderam

benefícios diante do preconceito que lhes foi impregnado. Nem mesmo a abolição,

que se deu por uma necessidade econômica, foi suficiente para que os negros

2 S.m. (Hist.) casa ou esconderijo no mato, onde se refugiavam os escravos fugidos.

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fossem inseridos na sociedade de forma digna, já que estes, segundo Campos

(2004, p. 156), não tiveram nenhuma assistência, ou proteção social e econômica.

1.2 Escravidão e resistência dos afro-baianos

A escravidão pode ser definida como sistema de trabalho não assalariado, em

que o indivíduo, ou seja, o escravo é propriedade de outro, este está sujeito a: ser

vendido, doado, emprestado, alugado, hipotecado, confiscado. Constitucionalmente,

o escravo não tem direito: não pode possuir ou doar bens e nem iniciar processos

judiciais, mas pode ser castigado e punido como se fossem animais irracionais.

Os escravos devem fazer o trabalho dentro de casa; se eles não estiverem dispostos a trabalhar, deve-se bater neles com o chicote ou deve se bater neles com a vara. Eles começam então a chorar [e] ficam dispostos a trabalhar (LOVEJOY, 2002, p.321).

Não existem registros precisos dos primeiros escravos negros que chegaram

ao Brasil. A tese mais aceita é a de que em 1538, Jorge Lopes Bixorda, arrendatário

de pau-brasil, teria traficado para a Bahia a qual durante muito tempo foi a porta de

entrada dos primeiros escravos africanos. Segundo Viana Filho (1988, p.158), o

número de escravos africanos que chegaram à Bahia foi vinte mil no século XVI e

duzentos e cinco mil no século seguinte.

Na Bahia, o escravo tornou-se a mão-de-obra fundamental nas plantações de

cana-de-açúcar, de tabaco e de algodão, nos engenhos e mais tarde, nas vilas e

cidades, nas minas e nas fazendas de gado.

Além de mão-de-obra, o escravo representava riqueza: era uma mercadoria,

que, em caso de necessidade, podia ser vendida, alugada, doada e leiloada. O

mesmo era visto na sociedade colonial também como símbolo do poder e do

prestígio dos senhores, cuja importância social era avaliada pelo número de

escravos que possuíam. Por isso, a escravidão de africanos em território baiano

manteve-se em vigor até 1850.

No entanto, passou a ser combatido devido a pressões internas, prescindida

pelos próprios escravos, a exemplo da Rebelião dos Malês, considerada pelos

historiadores como a maior revolta escrava na Bahia. Patrício (2006, P. 53) afirma

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que os malês eram de origem muçulmana e lideraram as demais etnias de escravos

baianos, deixando suas marcas na história da resistência afro-baiana.

Ainda na concepção de Patrício (2004), mesmo, os malês foram os

responsáveis pela deflagração da denominada “Grande Insurreição de 1835” e

marco histórico considerado por Clóvis Moura apud Patrício (2004) como “última

grande revolta de escravos da Capital baiana e a que teve maior ressonância

Histórica”. Assim as autoridades brasileiras passaram a demonstrar interesse em

acabar com o tráfico internacional de escravos na década de 1840. De acordo com

(Viana Filho, 1996, p.65):

A sociedade baiana era desigual e pouco flexível à absorção da mão-de-obra negra livre e liberta, mesmo sendo esse contingente representado pela ampla maioria da população da cidade da Bahia. Uma expressiva parcela dos trabalhadores era composta por negros, que no ano de 1835, estavam subdivididos em dois grupos: os escravos que contabilizavam, aproximadamente, 42% da população; e os livres e libertos, que juntos aglutinavam 29,8% do contingente populacional de Salvador.

Diante dessa proporção e da importância do negro como mão-de-obra, ainda

foram necessárias algumas décadas para que fossem tomadas medidas para

reverter à situação dos escravos, os quais, mesmo após a abolição, continuaram a

sofrer preconceito racial. E apesar das restrições e perseguições, o tráfico para a

Bahia continuou ocorrendo com a utilização de rodeios, ou seja, estratégias

elaboradas pelos comerciantes inseridos nessa atividade. Isso porque o tráfico

negreiro ao longo do século XVII tornou-se mais lucrativo para a metrópole

Portuguesa do que o próprio comércio açucareiro.

1.3 Conceição do Coité: escravidão no interior da Bahia

Diante de fatos constatados, faz-se necessário relatar um pouco da história

de Conceição do Coité, localizada na região Norte do estado da Bahia, a duzentos e

dez quilômetros da capital baiana, com aproximadamente sessenta mil habitantes.

Sobre a origem e a formação do Município, é motivo de discussões entre

historiadores da cidade. A cidade desenvolveu-se na rota de vaqueiros e retirantes,

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14

que passavam em direção a Salvador. No século XIX ainda em condição de Arraial

da Freguesia de Nossa Senhora da Conceição do Coité, a população coiteense

vivenciou o período escravocrata, momento em que pessoas, principalmente os

negros, eram comprados e vendidos como objetos.

Segundo a concepção de Mattoso (1982), estes trabalhavam desde o raiar,

ao pôr do sol, a fim de construir riqueza para seus senhores, pois, viviam na pobreza

como se fossem animais sob constante vigilância, caso não obedecessem eram

fortemente castigados. Esta forma de regime foi instaurada no Brasil no período

colonial no século XV quando a bula papal autorizou os portugueses a escravizarem

os “povos infiéis”.

De acordo com a pesquisa realizada por Silva3 (2009), a constituição do

Município teve influência negra e esta certeza vem dos registros de descendentes

de escravos, “visto que as escrituras de compra e venda existentes nos vários livros

de escrituras”, que até então encontravam-se no Cartório de Registro Civil de

Conceição Coité, comprovam o número de escravos comprados, vendidos e

alforriados durante o período escravocrata.

Rios (2003, p. 20-1), em pesquisa realizada na freguesia de Nossa Senhora

da Conceição do Coité, zona de produção essencialmente de pecuária, cruzando

dados de várias fontes como cartas de alforria e livros de escrituras de compra,

venda e hipoteca de escravos, encontrou 169 proprietários escravistas –

correspondendo a 92% do total encontrado – com até cinco escravos nas fazendas

da referida freguesia, entre o período de 1856 a 1883.

Estes documentos eram elaborados por um escrivão no Cartório da cidade,

na presença de testemunhas do comprador, vendedor (caso se tratasse da venda de

escravo), ou de um tenente representando um dos interessados na questão. .

Segundo Barreto (2007, p.72), a cidade aqui mencionada a partir do ano de

1865 teve um elevado crescimento, o que possibilitou a formação de uma feira-livre

nas sextas-feiras de gado, cereais e intenso comércio de escravos. De acordo com a

pesquisa realizada por Abbade (2009), no município obtêm-se várias escrituras de

compra e venda existentes nos vários livros de escrituras, arquivados no cartório de

Registro Civil de Coité. Atualmente os documentos estão guardados no Acervo

3 Nilzete C. Docente da Universidade do Estado da Bahia- UNEB, Campus XIV, Mestre em Línguas e Linguagens

pelo PPGEL-UNEB.

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Documental da Universidade do Estado da Bahia Campus XIV, situada em Coité.

Estes comprovam o grande número de escravos comprados, vendidos e alforriados

antes da abolição da escravidão, os quais mesmo após a abolição continuaram a

sofrer preconceito racial.

Durante muitos anos de escravização dos negros, estes não tinham nenhuma

perspectiva de libertarem-se do cativeiro a não ser fugindo. Só a partir do século

XVIII, segundo o escritor Russell-wood (1939, p. 58), com o aumento de jazidas de

minerais e a diversidade de oportunidades econômicas abertas aos escravos na

agricultura e no comercio que estes tiveram oportunidades de comprar sua própria

liberdade.

Entretanto, os escravos que desempenhavam vários tipos de trabalhos a

depender do lugar em que atuavam tinham uma maior ou menor possibilidade de

adquirir à tão sonhada liberdade. Por exemplo, os que trabalhavam nas minas e em

áreas urbanas tinham mais oportunidade que os das áreas rurais.

Russell-Wood (1939, p. 69), afirma que a liberdade também passou a ser

concebida por outros fatores não tão frequentes como: piedade cristã, filantropia

social, considerações financeiras, paternidade (biológica ou adotiva), recompensa

pela gratidão sexual, ou mesmo pelo reconhecimento da lealdade e

companheirismo, dentre outras.

Esse era um processo complexo, ainda segundo Russell-Wood (1939), a

prática mais comum era o escravo juntar dinheiro suficiente para assim obter sua

emancipação do cativeiro e receber algo denominado como carta de alforria, ou um

certificado de liberdade do seu senhor ou representante legal do mesmo. Neste

documento deveria constar o motivo da libertação, a quantia paga ao proprietário (se

fosse o caso), além da assinatura das partes envolvidas e testemunhas.

É o que se pode constatar no documento a ser analisando, ou seja, uma

Carta de Liberdade documento jurídico de liberdade de escravos pelo seu senhor ou

alguém por ele determinado. Encontrado no livro 2, do cartório de Conceição do

Coité, o documento foi redigido no período em que o Brasil foi comandado por

grandes proprietários de fazendas mais precisamente, no período da escravidão,

quando os senhores de engenho compravam e vendiam negros para trabalhar em

suas fazendas. Atualmente este documento pertence ao acervo documental da

Universidade do Estado da Bahia, campus XIV, Departamento de Educação em

Conceição do Coité - BA.

Page 17: O campo lexical de pessoas em uma carta dde liberdade do século XIX

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A partir de um documento de compra e venda, de uma escrava denominada

Custodia no ano de mil oitocentos e setenta e nove, que esta pesquisa discorre, na

perspectiva de conhecer o vocabulário da comunidade coiteense através do

levantamento e estruturação das lexias em campos lexicais, já que segundo Abbade

(2006, p. 214), o estudo lexical das línguas é de fundamental importância para

descobrir os vários segredos da nossa história social e linguística, segredo estes

que podem ser desvendados pelo estudo e análise do léxico existente nessas

línguas em determinados períodos da história de cada povo.

Com toda a intensidade de escravos em várias regiões do Brasil, inclusive

em Conceição do Coité, acredita-se que eles marcaram em profundidade os

costumes, o imaginário, a cultura e até, através de uma intensa miscigenação, o

perfil étnico-racial de nossa população. Segundo Campos (2004, p. 205), já não se

tem uma cultura exclusivamente africana nem europeia, mas todas elas numa só

combinação.

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CAPÍTULO 2

ESTUDO DA LEXEMÁTICA

Sendo os estudos da lexemática parte integrante para o desenvolvimento

desta monografia, este capítulo foi dividido em três tópicos nos quais a partir de

algumas concepções teóricas relata a influencia da língua e linguagem em uma

determinada comunidade, a diferença entre palavra e lexia, e sobre o

desenvolvimento do estudo da lexemática e a constituição dos campos lexicais.

2.1. Língua e linguagem

A língua é um fator de grande influência na comunicação entre falantes de

determinada região, pois sendo a língua o objeto da Línguística, entendida por

Saussure (2002) como um conjunto organizado de elementos definidos em relação a

outros elementos e que vão ser concretizados a partir da utilização da linguagem,

percebe-se que língua e linguagem devem ser concebidas uma em conformidade

com a outra para ocorrer comunicação, conforme afirma Rousseau (2003).

Em face desse princípio, percebe-se que, sendo a Linguística uma ciência

interessada na língua como pano de fundo para realização de um trabalho

linguístico, a mesma necessita de dados históricos e comparativos de uma língua e

como ela é articulada dentro da sociedade. Vê-se consequentemente a língua como

uma parte social da linguagem, a qual faz parte da história, ou seja, o homem para

ser entendido histórico e linguisticamente precisa se comunicar e a comunicação só

podem ser concretizadas através da linguagem, expressada por palavras, as quais

constituem o sistema lexical de uma língua , de um povo.

Este sistema lexical reúne diversos conhecimentos a serem abordados na

perspectiva de mergulhar na cultura e nos costumes de um povo, conceituando

aspectos linguísticos, utilizados para maior esclarecimento da estrutura e

significação da primeira instituição social, que é a língua.

Page 19: O campo lexical de pessoas em uma carta dde liberdade do século XIX

18

Sendo a língua, conjunto das variações linguísticas, assim definida por

Saussure (1969), é o objeto de estudo da Linguística nas mais diversas

comunidades de fala, que, ao ser investigada, leva-se em consideração os aspectos

linguísticos e sociais.

A língua é, portanto, um veículo básico para que ocorra comunicação entre

falantes de uma mesma comunidade, pois proporciona interação entre eles, como

afirma Marcuschi (2003): “[...] A língua é uma atividade de natureza sócio-cognitiva,

histórica e situacionalmente desenvolvida para promover a interação humana [...]”

(p. 23).

Assim Claret (1979 apud Hernandes, 2005, p. 32) afirma que as pessoas de

diferentes faixas etárias compreendem-se porque estão integradas em uma mesma

comunidade, num mesmo espaço e tempo. Caso alguns desses elementos fossem

alterados poderia gerar transtornos quanto à compreensão, já que a língua segundo

o mesmo é uma instituição social de adoção obrigatória de todo ser humano.

Através dessa concepção, observa-se a língua como veículo de interação que

concretizar-se como o estudo da linguagem, já que a mesma é um instrumento de

comunicação, concebida anexo á língua. Logo, a linguagem é o elemento de

comunicação social, pois não é possível a existência de uma sociedade se não

houver linguagem, conceituada como a forma de expressão de um grupo ou classe.

Bagno (2002) aponta que a língua constitui-se de signos que evoluem

mediante aos mecanismos concernentes à dinâmica de interação entre si e a

realidade (p.32). Desde já se pode considerar que não há individualidade na língua,

pois a partir das regras e códigos estabelecidos, ela existe para socializar. Rousseau

(2003), afirma que [...] não se sabe de onde veio o homem, antes dele ter falado [...].

Por isso diante de tais constatações e de acordo com Teixeira apud Abbade

(2006, p.130), que de forma resumida afirmar que a língua, dentre outras coisas,

registra e acumula as aquisições culturais, pereniza fatos e dados que o tempo e as

mudanças estruturais impõem à vida da sociedade; assegura a continuidade do

conhecimento e avança e recua no tempo; espelha a vida do povo; é meio das

manifestações culturais; retrata as influencias pela quais passam grupos humanos;

traduz as ansiedades que assimilam diferentes épocas; evidencia as tendências que

marcam cada momento; além de fornecer sempre e em qualquer época, elementos

para uma leitura da sociedade e de outras culturas que ficam marcadas na própria

língua.

Page 20: O campo lexical de pessoas em uma carta dde liberdade do século XIX

19

Dessa forma o estudo do sistema lexical em documentos históricos tem

contribuído para que haja maiores descobertas no campo lexical da história da

língua de um povo.

2.2 Palavra e lexia

A lexia, diferente da palavra, é conceituada como uma unidade significativa

não apenas na sua significação lexemática, mas também gramatical. Enquanto lexia

representa uma palavra com significação social externa ou referencial vista sob o

ponto de vista da lexemática. Isso é possível porque a Lexicologia, ciência que

estuda o léxico, viabiliza todas as relações ditas pragmáticas, linguísticas,

discursivas, históricas e culturais.

Na Lexicologia, tem-se uma preocupação com a significação (significado)

lexical, ou seja, estuda-se em maior escala o sentido da palavra de uma língua

particular: “[...] entendida como o estudo funcional do vocabulário, [...], a estrutura

semântica [...], ocupa-se apenas da significação lexical, excluindo outros tipos de

significação [...]” (ABBADE, 2006, p. 222- 3).

Para Bechara (2005), o léxico pode ser dividido em duas estruturas

lexemáticas: as paradigmáticas ou sintagmáticas. A paradigmática apresenta dois

tipos de estruturas, as estruturas primárias e secundárias, sendo que a primária

subdivide-se em campo léxico e a classe léxica. O campo léxico é formado por

palavras com significação comum e que se encontram em oposição umas com as

outras, como por exemplo, “[...] Estive três _____________ em Fortaleza;”

(BECHARA, 2005, p.387), pode-se preencher a coluna com dias, semanas, meses,

anos etc.

A classe léxica compreende uma classe constituída por um classema, ou

seja, um traço distinto comum que define uma classe independente dos campos

lexicais, ou seja, criança, inteligente, bonita, pertencem a campos distintos, mas

podem ser incluídos na mesma classe pelo classema “ser humano”.

Diante do estudo realizado com ênfase na classificação de Bechara (2005) e

Geckleler (apud Abbade, 2009, p.39), Trier, um dos linguista que introduziu nos anos

20 e 30 o conceito de campo lexical foram inicialmente selecionados do documento

Page 21: O campo lexical de pessoas em uma carta dde liberdade do século XIX

20

em questão as seguintes lexias: mulher, senhores, escravos, tenente, testemunha,

recebedor e escrivão as quais constituem ou designam o campo lexical de pessoas.

Nesta análise, busca-se-á identificar e compreender as mudanças ou não das

lexias ao longo do tempo, já que, segundo Silva (2009, p.150), o léxico é capaz de

revelar a dinamicidade social e cultural de uma comunidade num determinado

período da história. Sendo assim, o léxico é considerado por estudiosos linguístas

como um patrimônio vocabular de um povo que perpassa de geração para geração

com modificações extremas ou não, mas que tem um referencial no passado.

2.3 A Lexemática e a teoria dos campos lexicais

A partir da concepção de Matoré (1953, p.138), acredita-se no encadeamento

do léxico em redes semânticas, ou seja, que o individuo, no decorrer da vida e de

forma gradual, assimila significados lexicais, os quais de acordo com o autor vão

sendo arquivados e recuperados em questão de segundos. Este arquivamento pode

ir aos poucos sendo modificadas embora não se perca o que antes lhe foi guardado.

A estas modificações, vão sendo lhes impostas valores sociais.

Com esta percepção de que as lexias não surgem do nada, e que estas de

forma lenta e gradual vão continuamente sendo modificadas, é que pretende-se

fazer esta análise.

Visando as mudanças e introduções lexicais que têm sido mais intensas nas

últimas décadas, resultado da projeção secular de uma cultura que aos poucos vai

assimilando-se a signos de outras línguas, ou seja, aos denominados empréstimos

que tem cada vez mais se propagado devido principalmente aos meios de

comunicação.

Vale ressaltar que o estudo lexical só foi preconizado a partir do momento que

o homem percebe a importância de registrar, ou seja, nomear os seres e objetos.

Diante dessa necessidade surgem as lexias das línguas naturais, que constituem

sistemas distintos e variados, isso porque as categorias lexicais variam de um

idioma para outro, raramente ocorre semelhanças conceituais entre eles.

Com a civilização, consequentemente, houve a necessidade de ampliação do

vocabulário usado pela sociedade devido ao progresso técnico e cientifico, pela

Page 22: O campo lexical de pessoas em uma carta dde liberdade do século XIX

21

intensidade das comunicações e da progressiva interação das culturas e dos povos

além da mídia.

Diante da expansão lexical, muitos estudiosos passaram a analisar o léxico

ou a ciência Lexicológica, que desde o século XIX tem sido estudado atrelado a

cultura. Segundo a concepção de Abbade (2009), a partir do século XX, o estudo

lexicológico deu origem a diversas correntes linguísticas como:

A teoria Gerativista, na qual a língua é estudada sob o ponto de vista

cognitivista.

A teoria Funcionalista, em que a língua é avaliada sob o ponto de vista

do uso social.

A teoria Estruturalista, na qual estuda a língua sob o ponto de vista

formal e social, observa o vocabulário usado por pessoas de uma

determinada categoria ou grupo social, para serem analisados. Nessa

perspectiva o léxico de uma língua é estruturado em conjuntos e

subconjuntos de palavras.

É com base em teóricos estruturalistas, principalmente os dos campos

lexicais, que esta pesquisa vem sendo desenvolvida com o objetivo de registrar uma

pequena amostra do léxico em uso, numa dada época com o intuito de alcançar os

objetivos mencionados.

Entretanto, ao analisar um documento histórico que é de fundamental

importância para o estudo lexicológico, é possível identificar a partir de algumas

lexias os reflexos de uma época. Por isso, com base nos conceitos de Coseriu

(1997), Bechara (2005) e Abbade (2006 e 2009), que tratam de léxico, as lexias aqui

elencadas serão agrupadas em um campo lexical e analisadas através de suas

conceituações em dicionários, no paralelo entre os respectivos séculos XIX e XXI,

de acordo com o contexto sócio-histórico em que estas estavam inseridas no

documento seguidas de exemplos retirados do mesmo.

Page 23: O campo lexical de pessoas em uma carta dde liberdade do século XIX

22

CAPÍTULO 3

A CARTA DE LIBERDADE DA ESCRAVA “CUSTODIA”

Como o material base desse trabalho foi retirado de um documento do século

XIX, com o objetivo de conhecer um pouco da história de um povo, neste capítulo

foram desenvolvidos dois tópicos: o primeiro faz uma descrição da carta de

liberdade da escrava “Custodia”; e o segundo relata sobre a importância de

preservar documentos antigos, além, trazer uma amostra de parte da transcrição de

um dos fólios do referido documento.

3.1 O documento

Documento palavra derivada do latim documentum, derivado por sua vez do

latim docere, que significa “ensinar”, com a evolução adquiriu significado de prova,

de testemunho escrito do qual segundo Queiroz (2007, p.18) “deve-se extrair tudo o

que ele contém e não lhe acrescentar nada”. Um documento manuscrito constitui-se

como fonte histórica primária, matéria-prima de investigações históricas e

linguísticas, ou mesmo como base para a construção de uma identidade sócio-

histórico-cultural.

Entretanto, é inegável a contribuição dos manuscritos do século XIX para a

compreensão da evolução lingüística da língua portuguesa, assim como de uma

parcela significativa da história de Coité, o intuito deste trabalho é abranger o

conhecimento desse processo histórico da sociedade Coiteense.

Com base nesse principio, pretende-se fazer uma reflexão sobre a cultura das

pessoas envolvidas na referida Carta de Liberdade através da seleção de lexias que

constituem o corpus do documento, proporcionando o acesso e a disseminação de

informações que até o momento estão no esquecimento, considerando-se que:

Page 24: O campo lexical de pessoas em uma carta dde liberdade do século XIX

23

[...] um caminho a percorrer é precisamente aquele que nos apontam as relações atentas com a alteridade, porque elas nos permitem também, como a arte, escutar o estranhamento. As ações do outro, os dizeres do outro, prenhes de sua cultura, quando confrontados com objetos e fenômenos que nos escondem as valorações que nós mesmos lhes atribuímos, mostram-nos o que não mais conseguimos enxergar (GERALDI, 2003, p.6).

Desse modo, quando se analisam documentos escritos, não se pode perder

de vista que é o sujeito que se expressa, mas sua voz carrega o tom de outras

vozes, refletindo a oralidade de seu grupo, gênero, etnia, classe, momento histórico

(SPAGGIARI, 2004), assim, é inegável a contribuição desses manuscritos de

séculos passados para a compreensão da evolução linguística da língua portuguesa,

a qual sofre mudanças continuas.

O documento a ser analisado, escrito no século XIX, refere-se à compra da

liberdade de uma escrava denominada “Custodia”, passada por seus senhores

Manuel José da Cunha e sua mulher Dona Anna Maria de Jezus. A compra foi

efetuada mais precisamente no ano mil oitocentos e sessenta e nove (1869), pela

quantia de seiscentos mil reis, como pode-se constatar na citação a seguir:

Diz em Manuel José da Cunha, e sua mulher Dona Anna de Jezus, que foram, e de facto tornado (...) a escrava “Custodia”, pela quantia de seiscentos mil reis e por terem, lhe conterem a presente, idora em diante lhe será gozar de sua liberdade, como se de ventre livre

nascesse; (1879, l4. 9).

Para testemunhar a este ato jurídico, compareceu ao cartório Manuel Jose da

Cunha Junior, Manuel Lopes da Silva, além do escrivão Raymundo Nonato de

Couto, o recebedor e o tenente Antonio Manuel Morais, que juntamente com o

escrivão assinou a Carta de liberdade da escrava “Custodia”. O mesmo tenente foi o

encarregado de trazer o pedido dos senhores e de levar a carta já ortogada.

Este documento jurídico, intitulado como Carta de liberdade, foi lavrado no

Cartório Durval Silva Pinto na cidade de Conceição do Coité - BA, como já foi

mencionado, hoje este documento se encontra no acervo documental da

Universidade Estadual da Bahia (UNEB) Campus XIV, possui cento e quarenta e

4 O l na referência significa a linha no texto “A carta de liberdade”.

Page 25: O campo lexical de pessoas em uma carta dde liberdade do século XIX

24

três fólios, recto e verso, constituído de uma coluna, escrito em folhas de papel

pautado, mas devido às agressões externas (umidade, poeira, fungos, sol, insetos

em geral), o documento encontra-se em estado de conservação rasurável, com

desgastes de alguns fólios nas extremidades.

Vale ressaltar que alguns dos critérios mencionados por Queiroz (2007), sobre

descrição do documento, não foram constatados no fólio que será transcrito, como:

b) Número de linhas da mancha escrita

c) Existência de ornamentos

d) Maiúsculas mais interessantes

e) Existências de sinais especiais

f) Número de abreviaturas

g) Tipo de escrita

Acredita-se que, a partir dessa pequena amostra do vocabulário usado na

referida Carta, seja possível descrever um pouco do mundo escravista na época e

local observados. Como diz Simon (1996, p.50), “não se trata de uma língua como

espelho da realidade, mas sim de uma opção especificamente humana que resume

conceitualmente e avalia a realidade das coisas”.

3.2 Transcrição do documento

A paleografia disciplina da edótica ou crítica textual, num sentido mais

restrito, tem como objeto de estudo “as antigas formas de escrita” disciplina esta que

englobam a filologia, que num sentido mais amplo, “realiza o estudo da língua em

toda a sua plenitude linguística, literário, crítico textual, sócio-histórico etc, com a

finalidade de tornar possível sua divulgação à estudiosos e público em geral

interessados, bem como preservar os aspectos do patrimônio cultural que estes

documentos compõe, (SANTIAGO-ALMEIDA, 2009, p. 224).

Acioli (1994) acredita que os estilos de escrita variam de época para época,

de país a país e entre os diferentes tipos de documentos, por isso, ela diz que é

Page 26: O campo lexical de pessoas em uma carta dde liberdade do século XIX

25

possível, através de uma catalogação das particularidades de um documento fazer,

a leitura de outros da mesma época, estilo, região, instituição e finalidade.

No entanto, a tarefa de preservação destes documentos tem sido um trabalho

árduo para os filólogos que tem como objeto de estudo a língua e documentos

escritos, não permitindo que ninguém interfira no texto do outro, buscando acima de

tudo resgatar o mais fidedigno possível a transcrição destes documentos, para que

estes não percam sua essência, ou seja, parte da história de um povo devido a

diversas situações como: às traças, os cupins, os insetos em geral, bem como à

ação do tempo – ou seja, a depender do local onde estão acondicionados, à chuva,

ao sol, ao vento, ou à ação do próprio homem, que os danifica achando que não são

importantes.

Diante da importância de se conservar documentos que traduzem a história

foi feita a transcrição de parte do documento estudado já que devido a algumas

limitações não será possível transcrevê-lo na integra. Para esse exercício foram

levando em consideração alguns critérios utilizados por Queiroz (2007), como:

a) Respeitar fielmente o texto: grafia (letras e algarismos), linha, fólio, etc;

b) Indicar o número de fólio, à margem direita, fazendo a chamada com

asterisco;

c) Numerar o texto linha por linha, indicando a numeração de cinco em cinco,

desde a primeira linha do fólio;

e) Desdobrar as abreviaturas apresentando-as em itálico;

f) Utilizar colchetes para as interpolações;

g) Utilizar chaves para as letras e palavras expurgadas;

h) Indicar as rasuras ilegíveis com o auxílio de colchetes e reticências;

i) Expontuar as letras de leitura duvidosa.

Na Carta de Liberdade da escrava denominada “Custodia”, na qual

manteve-se a escrita original das palavras, conforme se apresentam no

manuscrito como: dobramento de letras, erros gráficos ausência de diacríticos,

mantiveram-se as palavras juntas e as que estão separadas, como mostram

sequencialmente os exemplo a seguir:

Page 27: O campo lexical de pessoas em uma carta dde liberdade do século XIX

26

1- Villa, sellada = Vila, selada (l. 7 e 24).

2- Saibão, cauza = saibam, causa (l. 3 e 23).

3- Le = Lê (l.26).

4- Com migo = comigo (l. 25).

5- Suprapor = supra por (l.17).

Observa-se também a troca do “S” por “Z” nas seguintes palavras: Diaz, mez,

cauza, além da coerência semântica e redundância de informações das referida

frases:

1- (...) ano do Nascimento do nosso Senhor Jesus Christo de mil e oitocentos e

setenta e nove, aos cinco Diaz do mez de novembro do dito anno (l. 4-6).

2- Coité cinco de novembro de mil oitocentos sessenta e nove (l.18)

3-Coité cinco de novembro de mil oitocentos sessenta e nove (l.20).

Pode se dizer que o escrivão identificado na carta como Raymundo Nonato

de Couto por algumas vezes tráz uma linguagem talvez considerada rebuscada para

a época em que foi escrita, sendo que algumas destas palavras adquiriram nova

configuração mas continuarão com a mesma carga semântica a exemplo das

palavras: Saibão, theor, facto, alsignei.

Sendo a língua vista como um organismo vivo, por conseguinte, está sempre

em mudança contínua, ressalta-se que, na imediação dos estudos do português, se

observou que mesmo depois de tantos processos, atualmente as mudanças

continuam ocorrendo devido a influências diversas. Para Mattos e Silva (1996),

essas mudanças ocorrem devido a fatores extralinguísticos (sociais e/ ou culturais),

que podem propiciar processos de mudanças na língua que, por conseguinte

excluem características apresentadas à fase arcaica da língua portuguesa.

Diante de tais observações e respeitando tais critérios mencionados por

Queiroz (2007), segue a transcrição de um dos fólios, rectum5 8, da denominada

Carta de Liberdade:

5 S.m. parte anterior da folha, ou página impar.

Page 28: O campo lexical de pessoas em uma carta dde liberdade do século XIX

27

F.6 8*

1 Carta de liberdade da escrava Custodia, passada por seus senhores Manuel José da Cunha, e sua mulher Dona Anna Maria de Jesus, como abaixo declara, Saibão quantos verem esta carta de liberdade ou como em direito melhor nome e lugar haja verem que sendo no ano do 5Nascimento do nosso Senhor Jesus Christo de mil e mil e oitocentos e setenta e nove, aos cinco Diaz do mez de novembro do dito anno, neste arraial da Freguesia de Nossa Senhora da Conceição do Coité, termo da Villa da feira de Santa Anna, Comarca do mesmo nome em seu Cartório Compareceu, o tenente Antonio Manuel, e por elle me foi 10entregue uma Carta de liberdade de theor seguinte. Diz em Manuel José da Cunha, e sua mulher Dona Anna de Jezus, que foram, e de facto tornado [...] a escrava Custodia, pela quantia de seiscentos mil reis, e por terem, lhe contarem a presente, idora em diante lhe será gozar de sua liberdade, como se de ventre livre nascesse; e como por tela 15reconheceu. Brindão sete de outubro de mil oitocentos e setenta e nove. Manuel José da Cunha, [...] de Áurea Maria de Jesus, Antonio Manuel Mancio. Como testemunha Manuel José da Cunha Junior, Manuel Lopes da Silva. Reconheço as firmas suprapor próprias por ter dellas o meu conhecimento, do que dou Fé; Coité cinco de novembro de 20mil oitocentos sessenta e nove. Em testemunha de verdade estava o [...] Raymundo Nonato de Couto. Numero primeiro, dusentos reis pagou ou dusentos reis. Coité cinco de novembro de mil oitocentos sessenta e nove. O escrivão, e recebedor. [...] Nada mais se continha nem se declarava em dita carta de liberdade pois eu escrivão bem e fielmente a 25compus, a qual se acha limpa sem borrão ente linhas nem cauza duvida tivesse, a qual vai reconhecida, e sellada, entregue a própria carta de liberdade ao mesmo tenente Antonio Manuel Morais que com migo a baixo assignou se depois de Le ser lida por mim. Raimundo nonato Couto. Escrivão que a escrevi e alsignei.

Acredita-se que ao longo dos séculos, ou seja, desde a constituição latina até

os dias atuais a formação da Língua Portuguesa sofre mudança linguística. De

acordo com Martin (2003, p.135), “[...] enquanto uma língua permanecer viva ela não

deixará de se transformar [...]”, ou seja, a língua evolui junto à comunidade em que é

falada.

E como a escrita pode nos revelar o conhecimento de mundo de determinado

autor, diante da escrita de tais unidades lexicais, constata-se um pouco da cultura

social de um povo, isso porque se houvesse nesse ambiente alguém mais instruído

que ele não lhe seria permitido a ortogação de documentos de tamanha importância.

Além disso Abbade (2009), afirma-nos que:

6S.m. fólio, cada uma das páginas de um manuscrito.

Page 29: O campo lexical de pessoas em uma carta dde liberdade do século XIX

28

Língua, história e cultura caminham sempre de mãos dadas e para conhecermos cada um desses aspectos, faz-se necessário mergulhar um nos outros, pois nenhum deles caminha sozinho e independente, (p. 23).

Portanto, o estudo e preservação de documentos antigos de uma comunidade

pode, consequentemente, nos levar a um mergulho na história e cultura de uma

determinada comunidade.

Page 30: O campo lexical de pessoas em uma carta dde liberdade do século XIX

29

CAPÍTULO 4

O CAMPO LEXICAL DE PESSOAS NA CARTA DE LIBERDADE

Este capítulo traz uma amostra de lexias que constituem um dos campos

lexicais, presentes na referida Carta de Liberdade, ou seja, o campo lexical de

pessoas. Estas lexias foram conceituadas com base em dicionários e no contexto do

documento observando se houve mudanças ou não das lexias aqui selecionadas ao

longo do tempo.

O campo lexical de uma palavra designa um conjunto de palavras que

representam um campo conceptual comum devido às relações semânticas que

estabelecem entre si, ou seja, pelas relações de sentido existentes entre elas.

Os campos lexicais de uma língua não são fixos, pois à medida que são

criados novos lexemas, também pode mudar a relação entre eles, possibilitando que

formem novos campos lexicais. Diante de tais concepções a seguir foram elencadas

algumas lexias que constituem o campo lexical de pessoas envolvidas em um

processo jurídico de libertação de uma escrava na cidade Conceição do Coité – BA.

MULHER- s.f. Esposa companheira.

Exemplo: “[...] Diz em Manoel Jozé Cunha, e sua mulher Donna Anna de Jezus[...]”

(l.8).

SENHORES- s.m. Donos, proprietários de pessoas escravizadas.

Exemplo: “[...] passada por seus senhores Manoel José da Cunha e

sua mulher dona Anna Maria de Jesus [...]” (l. 1 e 2).

ESCRAVA- s.f. pessoa subordinada a um dono, a quem pertence como propriedade

privada, que pertence ao campo semântico dos regimes de

trabalho.

Exemplo: “[...] Carta de liberdade da escrava Custódia [...]” (l.1).

TENENTE7- s.m. Patente militar.

7 No contexto da referida carta tem por função buscar na casa dos senhores no caso Manuel José da

Cunha e Donna Anna de Jezus e após assinada diante das testemunhas no cartório e retornar

Page 31: O campo lexical de pessoas em uma carta dde liberdade do século XIX

30

Exemplo: “[...] em seu Cartório Compareceu o tenente Antonio Manuel e por elle

me foi entregue uma Carta de liberdade [...] e selada e entregue a

própria carta de liberdade ao mesmo tenente” (l. 21).

TESTEMUNHA- s.f. Pessoa que presenciou determinado fato, ato ou evento.

Exemplo: “[...] Como testemunha Manuel José da Cunha Junior [...]” (l. 13).

ESCRIVÃO- s.m. Funcionário público que escreve documentos legais

junto a diversas autoridades ou tribunais.

Exemplo: “[...] Escrivão que a escrevi e alsignei” (l. 23).

RECEBEDOR- s.m. que, quem ou que recebe.

Exemplo: “[...] O escrivão, e recebedor [...]”8 (l. 18).

Observa-se que tais funções no contexto da referida Carta de liberdade são

desempenhadas pelo mesmo indivíduo, como mostra o trecho a seguir: “o escrivão,

e recebedor. (...) nada mais se continha nem se declarava [...]” (l. 21).

Como pode observar-se este campo lexical estudado com base em estudos

lexicológicos e na dimensão social da linguagem humana que tem por natureza

própria a variação a qual por excelência juntamente com outros símbolos da herança

cultural, é caracterizada como base para o estudo de antepassados, pois segundo

Matoré (1953, p.132), que considera a lingüística como uma disciplina sociológica,

acredita que o léxico de uma língua reflete os pensamentos e ideais de cada

indivíduo, contudo, ela afirma que “a palavra tem uma existência psicológica e um

valor coletivo”.

É perceptivo que todos os fatores da língua estão sujeitos a variações. Que

duas ou mais formas dependem de fatores de ordem externa ou social. Como a

exemplo da lexia escrava, quando utilizada no século XIX ela é totalmente aceitável,

isso por sua existência esta presente no contexto social interno e externo daquele

a casa dos mesmos. Sendo assim, pode-se dizer que esta lexia adquiriu um novo valor semântico. Isso porque segundo a concepção de Aurélio (2005), tenente é um cargo publico exercido por um militar inferior ao de capitão, que fica no comando, ou seja, fica á frente de um departamento policial,

dá ordens. 8 Na visão de Aurélio (2005), recebedor é um funcionário incumbido de receber e arrecadar impostos.

Page 32: O campo lexical de pessoas em uma carta dde liberdade do século XIX

31

período. Já no contexto vigente, tal lexia é interpretada de forma contrária isso

porque os valores sociais mudaram ou mesmo sofreram variações. E para isso, ou

seja, para que haja variação ou mudança linguística é preciso que uma determinada

comunidade a utilize. Assim, o processo lingüístico não se estagna, mas evolui,

acompanhando o evoluir da sociedade que a utiliza como instrumento de

comunicação. A variação é sempre motivada por fatores lexicais, semânticos,

sintático, morfológicos, fonéticos e fonológicos, sendo assim esta mudança não

ocorre de forma aleatória.

Deste modo, conclui-se que realmente a mudança lexical ocorre de forma

lenta e gradual, muito embora na contemporaneidade tenha ocorrido um

crescimento significativo do mesmo. Isso segundo Pinto (1988, p.15), é devido ao

progresso técnico e cientifico, já que as palavras acompanham o tom da novidade.

Page 33: O campo lexical de pessoas em uma carta dde liberdade do século XIX

32

CONSIDERAÇÕES FINAIS

De acordo com Vera Acioli (2003, p. 1): “O documento manuscrito é

considerado a mola-mestra da História.” No entanto, o documento escrito não é só

de interesse da História como também da Filologia, da Paleografia, da Linguística,

da Literatura, dentre outras ciências. Portanto, é de suma importância a sua

preservação e conservação.

Sabemos que as lexias não surgem do nada. As camadas sociais vão

continuamente introduzindo estas ao uso de lexias diárias já existentes. No entanto,

essas mudanças ocorrem lentamente de modo a denunciar o tipo de usuário e

também revelar o tipo de ambiente em que está inserido o grupo deste usuário.

Segundo Hernandes (2005), isso ocorre devido a uma sequência de fatores

sociais e geográfico. Já que, ao analisarmos tais documentos, devemos levar em

consideração o contexto em que foi escrito.

Diante do exposto, pode se constatar-se que ao extrair, por exemplo, a lexia

escrava do documento em questão pode se verificar em que período esta lexia

esteve em evidencia, qual o tipo de cultura qual a situação econômica, como eram

vistos, ou seja, o contexto vivenciado por uma determinada comunidade num

determinado período da história, como se pode observar no esquema abaixo.

ESCRAVA

Entretanto, é possível constatar que a partir da organização de algumas

lexias em campos lexicais existentes em determinado documento possam nos

remeter ao modo como a sociedade da época se relaciona e se comportava. Assim

Século XIX

Animalescos Objetos

Manufatura

Senhores

Agropecuária

Capatazes

Page 34: O campo lexical de pessoas em uma carta dde liberdade do século XIX

33

pode-se a partir do estudo do vocabulário, conhecer um pouco da história social de

quem utilizou o mesmo, já que segundo Matoré (1953, p.42), as unidades lexicais

surgem em momentos sócio-históricos específicos.

Page 35: O campo lexical de pessoas em uma carta dde liberdade do século XIX

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