O Capitão Fracasso - cap. 25

1 O Captião Fracasso | Capítulo 25

O Capitão Fracasso

Novela deEvana Ribeiro

Livremente baseada emLe Capitaine Fracasse, The Fortunes and Misfortunes of the Famous Moll Flanders

e Arlequim, il servitore di due patroni

Capítulo 25


CENA 01. SOLAR BRONKHART. QUARTO DE LEVI E LEOPOLDINA. INT. NOITE

CONTINUAÇÃO DA CENA 22 DO CAPÍTULO ANTERIOR. SARAH CHEGA MAIS PERTO DA CAMA E COMEÇA A SACUDIR ISABELLE. A MOÇA COMEÇA A ACORDAR E OLHA EM VOLTA, COMPLETAMENTE CONFUSA.

ISABELLE - O que... O que estou fazendo aqui?ARTHUR - Não lembra?ISABELLE - Que quarto é esse? Alguém me dá um copo de água, por favor.ARTHUR - É bem mais bonito que o nosso quarto, não é? A cama deve ser mais macia também.ISABELLE - Arthur, eu não estou entendendo.ARTHUR - Olha para o lado!

ISABELLE OBEDECE E DÁ UM PULO DE SUSTO AO VER SÍLVIO AO LADO DELA, DESACORDADO.

CLARICE - Não, eu não aguento.

E CLARICE SAI DALI, CORRENDO E CHORANDO.

CENA 02. SOLAR BRONKHART. 1º ANDAR. INT. NOITE

CLARICE PASSA POR ALICE, SIMONE E MATAMOUROS CORRENDO. AS MULHERES NÃO PERCEBEM, POIS TENTAM REANIMAR O ATOR DESFALECIDO.

ALICE - [chorando] Vai, meu querido, acorda! Isso não tem a menor graça!SIMONE - [trêmula] Eu vou... Vou chamar os outros.

SIMONE LEVANTA E VAI PARA O QUARTO ONDE TODOS TINHAM ENTRADO. ALICE CONTINUA LÁ, EM DESESPERO.


CONTINUAÇÃO DA CENA 01. ISABELLE SE APROXIMA DE ARTHUR, QUE RECUA.

ISABELLE - Eu juro que não sei o que significa isso, como eu vim parar aqui...ARTHUR - Mas está muito claro. Eu é que não sei o que ainda faço aqui.


ELA COMEÇA A BATER EM SÍLVIO, QUE NÃO DESPERTA.

ARTHUR - Não precisa acordar o seu amante, não!ISABELLE - [grita] Mas ele não é meu amante!ARTHUR - Ah, está certo! E vocês vieram parar despidos nessa cama como? Por mágica?ISABELLE - Eu não sei.ARTHUR - E eu achando que estar com você era um sonho. [T] É um pesadelo, isso sim. E dos piores!SIMONE - [entra] Matamouros está morrendo!SARAH - Como é?SIMONE - Caído no corredor! Não ouviram o ruído?LEONARDO - [baixinho, para Sarah] Do jeito que a briga está boa aqui, quem ia ouvir?SIMONE - [nervosa] E vão ficar aí, como um bando de dois de paus? Acudam!

LEONARDO, SARAH E SIMONE VÃO NA FRENTE. ARTHUR VAI ATRÁS DELES, MAS ISABELLE O SEGURA PELO BRAÇO.

ISABELLE - Isso tudo só pode ser um grande mal entendido, acredita em mim.ARTHUR - Eu não quero mais acreditar em ninguém. Preferia não ter te visto nunca.ISABELLE - Mas eu não/ARTHUR - Some da minha vida, vai.

ELE SE SOLTA DE ISABELLE DE FORMA RUDE E SAI DO QUARTO. ELA COMEÇA A CHORAR.

CENA 04. SOLAR BRONKHART. SALÃO. INT. NOITE

DR. LOMBARDI, HORÁCIO E PANTALEÃO ESTÃO CONVERSANDO. CLARICE CHEGA CORRENDO E CHORANDO MUITO.

CLARICE - Pai, eu quero ir embora!DR. LOMBARDI - O que houve, minha norinha?CLARICE - Ex-nora, Doutor Lombardi. Está tudo acabado entre seu filho e eu, não quero ver Sílvio na minha frente nem pintado de ouro!PANTALEÃO - O que ele fez a você, meu anjo?CLARICE - Vamos embora logo, pelo amor de Deus!PANTALEÃO - Sim, filha.

ELES VÃO SAINDO, COM PRESSA. LEVI E LEOPOLDINA OS VEEM SAINDO E SE APROXIMAM DOS OUTROS DOIS, PREOCUPADOS.


LEOPOLDINA - O que aconteceu com eles?HORÁCIO - Clarice chegou em prantos dizendo que havia rompido com Sílvio e...DR. LOMBARDI - E eu vou encontrar aquele infeliz do meu filho e descobrir o que aconteceu. Este noivado não pode acabar!

DR. LOMBARDI SAI, DECIDIDO.

LEVI - Senti uma movimentação estranha por aqui. Os atores sumiram, agora Pantaleão e Clarice saindo sem se despedir...

CENA 05. SOLAR BRONKHART. 1º ANDAR. INT. NOITE

TODOS EM VOLTA DO CORPO DE MATAMOUROS. ARTHUR AUFERE A PULSAÇÃO E OS BATIMENTOS CARDÍACOS. DEPOIS, OLHA PARA O GRUPO, COM AR PESAROSO.

ARTHUR - Não há mais nada a ser feito. [T] Alice, eu sinto muito...ALICE - Não... Não é para sentir muito, é para Matamouros viver! [grita] Eu quero meu marido vivo!

ALICE COMEÇA A CHORAR E SE JOGA SOBRE O CORPO DE MATAMOUROS, O BEIJA VÁRIAS VEZES. SIMONE TAMBÉM COMEÇA A CHORAR. LEONARDO E SARAH FICAM OLHANDO A CENA, INEXPRESSIVOS.ISABELLE SAI DO QUARTO, TAMBÉM CHORANDO. PÁRA AO LADO DE ARTHUR, QUE SE AFASTA INDO PARA MAIS PERTO DE SARAH, QUE APROVEITA PARA SEGURAR A MÃO DELE. DECEPCIONADA, ISABELLE SAI. E ALICE AINDA CHORANDO HISTÉRICAMENTE. LEVI, LEOPOLDINA, HORÁCIO E DR. LOMBARDI CHEGAM CORRENDO.

LEVI - Mas que balbúrdia é essa na minha casa?DR. LOMBARDI - Eu quero saber onde está o meu filho.ALICE - [chorando] Doutor, me ajude, salve o meu marido...SARAH - Alice, ele está morto.ALICE - Ressuscite ele! Eu não posso ficar sozinha...HORÁCIO - Vai cuidar do teu filho, eu tento controlar a situação aqui.DR. LOMBARDI - Se eu soubesse onde ele se meteu!

LEONARDO INDICA O QUARTO E DR. LOMBARDI CORRE PARA LÁ. HORÁCIO ABRAÇA ALICE E A AFASTA DO CORPO.

ALICE - Me deixe, eu quero ficar com o meu marido.HORÁCIO - A senhora precisa se acalmar. Simone, vai lá embaixo, chama Oséias e Pascoal, por favor.


SIMONE - [chorando] Sim, senhor.

SIMONE SAI. LEONARDO VAI ATRÁS DELA; ELE PARECE ESTAR PERTURBADO.


DR. LOMBARDI DÁ TAPAS E SACODE SÍLVIO, QUE CONTINUA DESACORDADO.

DR. LOMBARDI - Vai, Sílvio, acorda e vê a besteira que você fez! [T] Se queria trair a noivinha, podia arrumar um outro lugar, não é? [T] Eu até entendo que a carne seja fraca, muito fraca... Mas agora você vai ter que fazer um milagre para salvar esse casamento. Uma noiva do dote de ouro, como Clarice, não se arruma em qualquer lugar! Está me ouvindo? Está?

ELE SEGURA O PULSO DO FILHO E DE REPENTE O LARGA. SEGURA DE NOVO, COM MAIS CUIDADO.

DR. LOMBARDI - Jesus.

CENA 07. ESTRADA. EXT. NOITE

O CARRO DE PANTALEÃO PASSA RAPIDAMENTE PELO CAMINHO.

CENA 08. CARRO DE PANTALEÃO. INT. NOITE

PANTALEÃO DIRIGE E DE QUANDO EM QUANDO OLHA PARA CLARICE. A MENINA AINDA ESTÁ CHORANDO E TORCE UM LENCINHO.

PANTALEÃO - Minha filha, eu estou ficando desesperado! O que aconteceu de fato nessa festa?CLARICE - Ele me traiu. E me traiu com Isabelle, ainda por cima!PANTALEÃO - A atriz?CLARICE - Ela mesma.PANTALEÃO - Clarice, eu não sei, mas acho que isso já era previsível.CLARICE - Nada previsível! Ele disse um milhão de vezes que só me... Enfim.PANTALEÃO - Vamos, o que ele disse?CLARICE - Não posso dizer, tenho vergonha. E não vem ao caso agora.PANTALEÃO - Mas Isabelle é uma atriz, vive no mundo, viajando, já conheceu muita gente e deve ter seduzido muitos homens. Sílvio foi só mais um.CLARICE - E tudo por culpa de quem? [T] De Guilherme!PANTALEÃO - Agora vai botar a culpa no falecido?


CLARICE - Sim! Não fosse ele e suas excentricidades, eu nunca teria conhecido Isabelle e nada disso estaria acontecendo.

CENA 09. SOLAR BRONKHART. JARDIM. EXT. NOITE

ISABELLE SAI CORRENDO SOZINHA, CHORANDO. SÉRGIO TENTA ALCANÇÁ-LA.

SÉRGIO - Ei, Isabelle! O que houve?ISABELLE - Me deixe sozinha!SÉRGIO - Chorando desse jeito, não.

SÉRGIO ALCANÇA ISABELLE E A DETÉM, SEGURANDO SEU BRAÇO E FAZENDO-A OLHAR PARA ELE. SEGURA O OUTRO BRAÇO

SÉRGIO - O que aconteceu?ISABELLE - É coisa minha.SÉRGIO - Vamos, pode falar. Sou seu amigo, não sou?ISABELLE - Eu só quero ficar sozinha e pensar um pouco.SÉRGIO - Farei a sua vontade. [T] Mas quando quiser falar, pode me procurar.

ELA NÃO RESPONDE. ELE SOLTA OS BRAÇOS DELA E VOLTA PARA O SOLAR. ISABELLE CONTINUA ANDANDO MAIS DEVAGAR; ENXUGA AS LÁGRIMAS COM A LUVA. CHIQUITA CORRE NA DIREÇÃO DELA, VINDA DO SOLAR.

CHIQUITA - Isabelle!

ISABELLE NÃO RESPONDE NEM OLHA PARA TRÁS, MAS PÁRA DE ANDAR. CHIQUITA CONTINUA CORRENDO ATÉ ALCANÇÁ-LA.

CHIQUITA - Eu já soube o que aconteceu. Sinto muito, você não merece isso.ISABELLE - Só você mesma para me dar uma palavra de apoio agora. [T] Eu só queria que Arthur me ouvisse, sabe?CHIQUITA - Ele vai ouvir. Vocês se amam, não é?ISABELLE - Agora ele está me odiando. Mas eu não sei mesmo como fui parar no quarto com Sílvio!CHIQUITA - Quero ajudar a provar sua inocência.ISABELLE - Você é muito boa; mas como vai me ajudar? Você nem sabe o que aconteceu!CHIQUITA - Mas posso descobrir. Confie em mim.

CHIQUITA SEGURA FORTEMENTE A MÃO DE ISABELLE. ELAS FICAM SE OLHANDO.


CENA 10. SOLAR BRONKHART. SALÃO. INT. NOITE

SÉRGIO E LEOPOLDINA SE DESPEDEM DOS CONVIDADOS, QUE APARENTEMENTE NÃO ENTENDEM NADA.

LEOPOLDINA - Os senhores nos perdoem, mas aconteceu essa tragédia... Temos de ajudar o grupo com os preparativos do funeral.

OS ÚLTIMOS CONVIDADOS SAEM. SÉRGIO SUSPIRA, DECEPCIONADO.

SÉRGIO - Acabou ou tem mais alguma surpresa?LEOPOLDINA - Pergunte isso ao seu tio, que eu mesma não sei de mais nada. E a sua atriz?SÉRGIO - Fugiu. Tão triste, coitada... Acho que brigou com o nobre saltimbanco ali. Ou o contrário.

SÉRGIO APONTA DISCRETAMENTE PARA ARTHUR, QUE MANTÉM O AR DE IRRITAÇÃO. OSÉIAS E HORÁCIO CARREGAM O CORPO DE MATAMOUROS E SÃO SEGUIDOS POR ALICE, QUE NÃO PÁRA DE CHORAR. ARTHUR SEGUE A AMPARANDO; SARAH O SEGUE.

SARAH - [baixinho] Muita tristeza para um dia só, não é?

ARTHUR NÃO RESPONDE. SARAH TOCA O OMBRO DELE DE LEVE.

SARAH - Precisamos ficar juntos agora.

ELE CONTINUA IGNORANDO. DR. LOMBARDI E PASCOAL PASSAM POR ELES CARREGANDO SÍLVIO.

DR. LOMBARDI - Saiam da frente, meu filho está morrendo!LEOPOLDINA - Promoveram um genocídio nessa casa, por acaso?LEVI - Eu vou com vocês para cuidar do funeral.ARTHUR - Antes o doutor tem que explicar a causa mortis. Onde está ele?OSÉIAS - Foi embora com Sílvio.

TODOS VÃO SAINDO. FICAM NO RECINTO APENAS LEOPOLDINA E SÉRGIO.

SÉRGIO - Tia, o que acha de irmos dormir?LEOPOLDINA - É melhor. O dia hoje foi impossível!

ELES SOBEM AS ESCADAS.



O LOCAL ESTÁ PRATICAMENTE DESERTO; PERCEBE-SE APENAS UMA MOVIMENTAÇÃO ENTRE OS ARBUSTOS. NÃO É POSSÍVEL IDENTIFICAR A PRINCÍPIO QUEM OU O QUE PROVOCA O MOVIMENTO. A IMAGEM SE APROXIMA MAIS ATÉ QUE SE DISTINGUE QUE É LEONARDO QUEM ESTÁ SOZINHO, NO MEIO DO MATO. ELE CHORA, JOGA PEQUENAS PEDRAS PARA OS LADOS E ARRANCA UM POUCO DAS FOLHAS, COM MUITA RAIVA.

LEONARDO - A culpa é minha. [T] Não era para ser assim, meu Deus!

ELE CONTINUA JOGANDO AS PEDRAS, ESPANTANDO PEQUENOS ANIMAIS QUE SE APROXIMAM.

CENA 12. CASA DE PANTALEÃO. SALA. INT. NOITE

CLARICE ESTÁ DEITADA NO SOFÁ, COMPLETAMENTE LARGADA E VESTIDA DE PRETO. AINDA ROLAM ALGUMAS LÁGRIMAS POR SEU ROSTO. PANTALEÃO AJOELHADO AO LADO DELA, CARINHOSO.

PANTALEÃO - Minha filha, por favor, pare de chorar. Vai acabar desidratando desse jeito!CLARICE - Meu sonho acabou, pai. Nunca mais vou amar ninguém nessa vida, nunca mais vou deixar o luto.PANTALEÃO - Ah, vai sim. Você é muito moça! Perde-se um noivo aqui, arranja-se outro ali...CLARICE - Não quero, já falei!CRIADO - [entrando] A senhorita Esmeralda.

ESMERALDA ENTRA CORRENDO E VAI DIRETO PARA JUNTO DE CLARICE.

ESMERALDA - Minha amiga...CLARICE - Eu não quero mais viver, Esmeralda!PANTALEÃO - Não fala isso que é heresia!ESMERALDA - A coitada vai saber o que é heresia triste desse jeito? [segura a mão dela] Vem que eu vou te levar para o albergue.PANTALEÃO - Não vai levar ninguém a lugar nenhum.ESMERALDA - Vou levar, sim senhor. Se Clarice ficar aqui, ela fica pele e osso em duas horas.PANTALEÃO - Eu acho que é melhor não. Vai que ela encontra o tal no meio da rua!ESMERALDA - Não vamos ficar no meio da rua, vamos para o albergue.PANTALEÃO - [resignado] Está certo; se ela quiser ir...ESMERALDA - Vamos?CLARICE - Vamos.


ESMERALDA AJUDA CLARICE A SE LEVANTAR; E ELAS SAEM. PANTALEÃO SENTA NA POLTRONA. SUSPIRA, CANSADO.


PARTE DA ESTRADA COM BIFURCAÇÃO. MOSTRA A PLACA INDICATIVA “MILLSHIRE: 50 YARDS”. UMA COMITIVA CONTENDO TRÊS CARROS SE APROXIMA. PÁRA EXATAMENTE ENTRE UM CAMINHO E OUTRO.

CENA 14. CARRO 1. INT. NOITE

DANIELA ESTÁ QUASE DORMINDO. ALEXANDER, BEM AO LADO DELA, A OBSERVA. PERCEBE QUE O CARRO PAROU, COLOCA A CABEÇA PARA FORA DA JANELA E DEPOIS VOLTA PARA DANIELA. TOCA O SEU BRAÇO, ELA NÃO DESPERTA. INSTANTES. ELE ABAIXA A MANGA DE SEU VESTIDO, COMO SE TENTASSE DESPI-LA, E ELA ACORDA ABRUPTAMENTE.

DANIELA - Ei, o que é isso?ALEXANDER - Ao menos funcionou para você acordar. Estamos chegando ao lugar que eu queria.DANIELA - Ótimo, vou voltar a dormir.

E ELA FECHA OS OLHOS.

ALEXANDER - Mas eu disse que ia explicar o que íamos fazer quando chegássemos ao lugar. Não quer saber?DANIELA - Não quando estou com sono.ALEXANDER - Prometo que logo a devolvo aos braços de Morfeu. Apenas olhe pela janela.

VISIVELMENTE CONTRARIADA, DANIELA ABRE A JANELA DO CARRO E PÕE SUA CABEÇA PARA FORA. PV DE DANIELA: A PLACA “MILLSHIRE: 50 YARDS.” CLOSE EM SEU ROSTO SURPRESO.

DANIELA - Millshire?ALEXANDER - Já esteve aqui?DANIELA - Eu? [T] Não, nunca.ALEXANDER - Pelo tom de voz, achei que conhecesse.

DANIELA VOLTA A OLHAR PARA ELE, MEIO IRRITADA.

DANIELA - Estou com sono, lembra?ALEXANDER - Desculpe-me.DANIELA - Mas o que vamos fazer lá?ALEXANDER - Vamos encontrar um sócio; o nome dele é Agustin. Aí vamos estabelecer nossos negócios de tecidos falsificados e pronto, estamos


feitos!DANIELA - Hmm...

ELES FICAM EM SILÊNCIO POR UM INSTANTE. DANIELA NÃO CONSEGUE DISFARÇAR O MISTO DE EMOÇÃO E MEDO QUE ESTÁ SENTINDO.

ALEXANDER - Pronto, pode ir dormir.DANIELA - Ah, é. Boa noite.ALEXANDER - Boa noite.

DANIELA FECHA A JANELA E ENCOSTA SUA CABEÇA NELA, MAS NÃO FECHA OS OLHOS. PARECE QUE VAI CHORAR.

ALEXANDER - Não está mais com sono?DANIELA - Só mais uma pergunta. Quando chegamos?ALEXANDER - De onde estamos... Dois ou três dias.DANIELA - Está certo.

ELA PISCA OS OLHOS E UMA LÁGRIMA ROLA POR SEU ROSTO. ENXUGA A LÁGRIMA COM A LUVA, SUSPIRA.

DANIELA - [baixinho] Millshire. [T] Arthur.

DE OLHOS FECHADOS, ELA ESBOÇA UM SORRISO.

CENA 15. ALBERGUE. QUARTO DE ESMERALDA. INT. NOITE

SIMONE ESTÁ PARADA JUNTO À JANELA ABERTA, OBSERVANDO A RUA. AINDA CHORA. ESMERALDA ESTÁ COM CLARICE NA CAMA; ESTA JÁ ADORMECIDA. ESMERALDA LEVANTA E VAI ATÉ SIMONE; A ABRAÇA.

ESMERALDA - Não acha melhor sair um pouco dessa janela? Vai acabar doente pegando essa friagem toda.SIMONE - Preciso ver a hora que o corpo chegar. [T] Está tão difícil para mim!ESMERALDA - Imagino. Matamouros devia ser para você o que seu Horácio é para mim; se eu perdesse ele hoje, minha vida acabava.SIMONE - Fiquei aqui lembrando do dia em que ele me levou para a companhia. [T] Um barão havia contratado eles para se apresentar num teatro imenso, em Paris. Eu dormia na porta daquele teatro e naquela noite eu estava com tanta fome que acabei invadindo o teatro para ver se roubava alguma coisa do banquete. Me pegaram... Mas ele me salvou de um belo de um castigo. Foi a coisa mais bonita que alguém já fez por mim.

ELA COMEÇA A CHORAR MAIS FORTE. NA RUA, UM CARRO CHEGA E ESTACIONA NA FRENTE DO ALBERGUE.


ESMERALDA - Acho que são eles. Quer que eu vá no seu lugar?SIMONE - Não precisa... É muito difícil, mas eu tenho de ir. Fica com Clarice.ESMERALDA - Não tem muito o que eu possa fazer por ela agora. Pelo menos consegui fazê-la dormir! Vamos descer.

ELAS SAEM. EM CLARICE DORMINDO PROFUNDAMENTE,

CENA 16. ALBERGUE. SAGUÃO. INT. NOITE

OSÉIAS, HORÁCIO E MAIS DOIS CRIADOS ARRUMAM UMA GRANDE MESA POSICIONADA NO MEIO DO AMBIENTE, COBERTA COM TOALHA DE LINHO BRANCO E OUTRA TOALHA DE RENDA BRANCA POR CIMA. POR FIM, POSICIONAM QUATRO VELAS. HORÁCIO, ALICE, ARTHUR E LEVI ENTRAM JUNTO COM DOIS CARREGADORES QUE TRAZEM O CORPO JÁ DENTRO DE UM CAIXÃO QUE É POSICIONADO SOBRE A MESA. AS VELAS SÃO ACESAS.

HORÁCIO - Quer que abram o caixão?ALICE - Não. Prefiro guardar a imagem dele vivo.LEVI - Vou terminar de providenciar as coisas para o sepultamento.HORÁCIO - Não precisa da causa mortis antes?LEVI - Precisar precisa, mas vai estender isso aqui até Doutor Lombardi lembrar do dever?OSÉIAS - Parece que Sílvio estava mesmo muito mal...

NESSE INSTANTE ESMERALDA E SIMONE CHEGAM. ESMERALDA VAI PARA JUNTO DE OSÉIAS ENQUANTO SIMONE CORRE E ABRAÇA ALICE. ELAS COMEÇAM A CHORAR DE NOVO. LEVI OLHA PARA A MENINA E FAZ UM CARINHO EM SEU OMBRO, MUITO PENALIZADO. SIMONE CHORA TANTO QUE PARECE NÃO PERCEBER QUE FOI TOCADA.

LEVI - Eu... Eu vou resolver o resto das coisas e volto logo.ARTHUR - Em nome do grupo, eu agradeço muito o seu gesto, Levi.LEVI - Só estou fazendo o que julgo ser meu dever.

LEVI SAI. SIMONE, ENXUGANDO AS LÁGRIMAS, VAI ATÉ ARTHUR, QUE A ABRAÇA.

ARTHUR - Ele era um bom homem.SIMONE - Era um pai pra mim, pras meninas... Aliás, onde estão elas?ARTHUR - [magoado] Não quero nem saber por onde Isabelle anda. E Sarah... Bem, acho que ela se perdeu no caminho.


ESMERALDA ARRASTA OSÉIAS DISCRETAMENTE ATÉ O PÉ DA ESCADA.

OSÉIAS - Meu amorzinho, isso não é hora... Tem um defunto aqui e mais um monte de gente.ESMERALDA - Não é hora de você pensar, seu atrevido. Eu só quero te fazer uma pergunta.OSÉIAS - Faça quantas perguntas quiser.ESMERALDA - O que foi que você disse sobre Sílvio mesmo?OSÉIAS - Que ele está mal. Doutor Lombardi saiu do solar Bronkhart dizendo que Sílvio estava morrendo.ESMERALDA - Morrendo igual a Matamouros?OSÉIAS - Parece que sim.ESMERALDA - Clarice vai ter um treco quando acordar e souber disso.OSÉIAS - Mas eles não estavam brigados?ESMERALDA - Ela está com raiva, mas se ele morrer ela morre junto, entendeu? Coitadinha...OSÉIAS - Mas ele pode sobreviver, quem sabe?ESMERALDA - Então me faz um favor. Procura o Doutor Lombardi ou Pascoal e descobre como ele está de verdade. Depois volta aqui correndo e me conta.OSÉIAS - Vou num pé e volto no outro.ESMERALDA - Obrigada.

OSÉIAS VAI ATÉ ARTHUR, FALA ALGUMA COISA COM ELE E DEPOIS SAI.

CENA 17. RUA. EXT. NOITE

OSÉIAS ATRAVESSA A RUA. ESTÁ QUASE DOBRANDO A ESQUINA QUANDO VÊ ISABELLE E CHIQUITA ANDANDO DE MÃOS DADAS. PÁRA E ESPERA AS DUAS SE APROXIMAREM.

OSÉIAS - Oh, Isabelle, meus pêsames! [a abraça]ISABELLE - Obrigada. Me diga uma coisa, Arthur está lá?OSÉIAS - Está.ISABELLE - E como ele está?OSÉIAS - Com uma perfeita cara de velório.ISABELLE - Ah, meu Deus. Pelo menos metade dessa cara de velório é por minha culpa e nem sei o que foi que eu fiz!CHIQUITA - Não sabe o que fez porque não fez nada.OSÉIAS - Depois do enterro vocês vão ter que conversar.ISABELLE - Espero que ele ainda queira me ouvir.OSÉIAS - Claro que vai, a senhorita é o tesouro da vida dele! Agora se as senhoritas me dão licença, preciso ir à casa do doutor.


OSÉIAS SAI CORRENDO E AS MOÇAS CONTINUAM O CAMINHO PARA O ALBERGUE.

CENA 18. CASA DO DR. LOMBARDI. QUARTO DE SÍLVIO. INT. NOITE

SÍLVIO CONTINUA ADORMECIDO. DR. LOMBARDI APLICA UMA INJEÇÃO NO BRAÇO DELE E PASCOAL ASSISTE A TUDO.

PASCOAL - O que é isso que o senhor tá aplicando?DR. LOMBARDI - É uma fórmula minha que ainda não foi patenteada, por isso não revelo. Serve para desintoxicar o corpo. Como Sílvio foi envenenado...PASCOAL - Envenenado com o quê?DR. LOMBARDI - Isso eu vou descobrir daqui a pouco.PASCOAL - E como dá o remédio pro homem sem saber?DR. LOMBARDI - Rapazinho, isto é um antídoto para qualquer tipo de veneno.PASCOAL - Será que vai funcionar mesmo?DR. LOMBARDI - Testei em cinco pessoas e funcionou, não é com o meu filho que vai acontecer o contrário. [T] Esse remédio só não levanta defunto, mas o resto...PASCOAL - E o que eu faço?DR. LOMBARDI - Fique vigiando. Se ele começar a suar e ficar ligeiramente avermelhado, o remédio está fazendo efeito. Verifique a pulsação a cada dez minutos. Se me procurarem, estou no sótão fazendo análises e volto em algumas horas.PASCOAL - Sim, senhor.

DR. LOMBARDI SAI. PASCOAL ARRASTA UMA CADEIRA PARA JUNTO DO LEITO E SENTA. FICA OBSERVANDO O DOENTE.

CENA 19. ALBERGUE. SAGUÃO. INT. NOITE

O VELÓRIO CONTINUA. ISABELLE E CHIQUITA ENTRAM; ARTHUR NÃO AS VÊ. ISABELLE SOLTA A MÃO DE CHIQUITA E ABRAÇA ALICE.

ALICE - Filha, por que logo ele?ISABELLE - Deus há de nos ajudar. Matamouros está em um lugar melhor agora.ALICE - Mas eu o amo! Quero meu marido comigo de novo!ISABELLE - Nós nunca vamos deixar de amá-lo.

ISABELLE DÁ UM BEIJO NA TESTA DE ALICE. AO SE VIRAR, OS OLHARES DELA E DE ARTHUR SE CRUZAM. ELA DÁ ALGUNS PASSOS NA DIREÇÃO DELE, QUE NÃO SE MOVE; ESTÁ MUITO SÉRIO.


ARTHUR - Elas se acabando de chorar e nem uma lágrima sua ao ver o caixão. Que sensível...ISABELLE - Pergunte a cada grão de terra da estrada, a cada folha de árvore e a cada paralelepípedo desta cidade onde estão as minhas lágrimas. Aliás, se for com ironias, prefiro que nunca mais me dirija a palavra.ARTHUR - Ah, obrigado por me lembrar de que não estou mais falando com a senhorita.

ISABELLE VAI SAINDO. ARTHUR A SEGURA PELO BRAÇO.

ARTHUR - Pode ficar aí velando o seu mentor. Eu saio.

ARTHUR SE RETIRA PARA A RUA. ISABELLE ACOMPANHA A SAÍDA DELE COM OLHAR PESAROSO. DEPOIS VOLTA-SE PARA O CAIXÃO DE MATAMOUROS E TOCA SUA TAMPA.


LEONARDO CONTINUA ENCOLHIDO NO MEIO DOS ARBUSTOS. UM PAR DE PÉS FEMININOS PÁRA DIANTE DELE.

SARAH -[V.O] Finalmente te achei!

A CÂMERA SOBE, REVELANDO O ROSTO DE SARAH. ELA SORRI.

LEONARDO - O que você quer?SARAH - Comemorar!LEONARDO - Comemorar o que, sua pedra? Matamouros morreu!SARAH - É uma pena que ele não esteja aqui para participar da nossa felicidade... Mas certamente estará num lugar melhor. No céu dos comediantes, se tivermos direito a um.LEONARDO - Com essa frieza toda você devia merecer todos os infernos existentes.SARAH - E você também, meu querido. Ou esquece que planejamos e executamos tudo juntos?LEONARDO - Eu sei.SARAH - A morte de Matamouros foi um... Acidente infeliz, mas não foi em vão. Conseguimos o que tanto queríamos! Isabelle e Arthur estão separados definitivamente.LEONARDO - Separados. E daí?SARAH - E daí que esta é nossa hora! Vai conquistar Isabelle!LEONARDO - Olha, Sarah, eu pensei muito em tudo o que aconteceu para que nós chegássemos exatamente nesse ponto. Para mim não valeu de absolutamente nada. Desisto.SARAH - Desiste, é? [T] Azar!


LEONARDO - Ou não. O azar pode ser seu.SARAH - Veremos. [T] Para onde você vai?LEONARDO - Não sei, não tenho coragem de ir ao enterro. Você vai aparecer lá, ao menos?SARAH - Também não. Do mesmo jeito que você está cheio de culpa cristã, eu estou alegre demais para tomar parte nessas cerimônias. Agora eu só quero cair nos braços dele e não sair de lá nunca mais!

SARAH VAI SAINDO, SALTITANTE E RISONHA. LEONARDO FICA A OBSERVANDO SE AFASTAR ATÉ VIRAR APENAS UMA SOMBRA NO MEIO DA NOITE.

CENA 21. MILLSHIRE. EXT. NOITE/DIA

TAKES DA RUA DO ALBERGUE DURANTE A MADRUGADA. AMANHECE.

CENA 22. ALBERGUE. QUARTO DE ESMERALDA. INT. DIA

CLARICE ESTÁ ACORDANDO. LEVANTA DEVAGAR, SE ESPREGUIÇA E OLHA EM VOLTA, COMO SE IDENTIFICASSE O AMBIENTE. PERCEBE QUE ESTÁ SOZINHA, VAI ATÉ A JANELA E A ABRE. FICA OLHANDO A RUA POR UM INSTANTE, TUDO MUITO QUIETO. ESMERALDA ENTRA.

ESMERALDA - Ora viva! Já acordou...

ESMERALDA DÁ UM BEIJO NO ROSTO DE CLARICE, QUE DÁ UM SORRISO SEM GRAÇA.

CLARICE - Só queria ter acordado em outro lugar.ESMERALDA - Estava tão desconfortável assim?CLARICE - Claro que não, seu quarto é ótimo. Mas eu queria ter acordado em outro mundo, se possível.ESMERALDA - E você não é a única a querer mudar.[T] Matamouros, o ator do teatro, está sendo velado lá embaixo.CLARICE - E Isabelle está lá.ESMERALDA - Naturalmente.CLARICE - Não vou descer, não quero vê-la.ESMERALDA - Quanta hostilidade com a pobrezinha!CLARICE - A pobrezinha seduziu meu... Ex-noivo. Eles se... Bem, você entende o que aconteceu.ESMERALDA - Certo, não precisa entrar em tantos detalhes. [T] Mas eu tenho pra mim que tudo isso foi mesmo um grande mal entendido.CLARICE - Eles estavam quase sem roupa, a cama desfeita... O que mais Arthur e eu íamos pensar?

CENA 23. ALBERGUE. RESTAURANTE. INT. DIA


HORÁCIO, ALICE, OSÉIAS, PASCOAL, SIMONE, ISABELLE E DOUTOR LOMBARDI ESTÃO REUNIDOS EM VOLTA DE UMA GRANDE MESA. CONVERSA JÁ INICIADA.

DR. LOMBARDI - Ópio! Meu filho e seu finado marido foram envenenados por uma quantidade absurda de ópio misturada em bebida alcoólica.HORÁCIO - Tem certeza?DR. LOMBARDI - Claro! Eu não dormi fazendo os testes, a causa mortis do senhor Matamouros e a causa quasi mortis de Sílvio é exatamente a mesma. A sorte é que Sílvio ingeriu uma quantidade menor da substância.

ESMERALDA E CLARICE ENTRAM NO RESTAURANTE; A PRIMEIRA ARRASTANDO A SEGUNDA.

ESMERALDA - Vem, você precisa comer.CLARICE - Já disse que não estou com fome!ESMERALDA - Não interessa, vai comer assim mesmo.

ELA PERCEBE O GRUPO REUNIDO E VAI RAPIDAMENTE ATÉ ELES.

ESMERALDA - Bom dia a todos. Oséias, o pé que você usou para voltar era de uma formiga, por acaso?OSÉIAS - Calma, Esmeraldinha! Demorei, mas trouxe a notícia.ESMERALDA - Ótimo, estamos esperando.DR. LOMBARDI - Clarice, venha cá. O assunto também é de seu interesse.

CLARICE CHEGA UM POUCO MAIS PERTO.

DR. LOMBARDI - Eu acabei de dizer e repito: Matamouros e Sílvio foram envenenados por ópio. Quando encontrei Sílvio naquele quarto ele estava praticamente morto.

NA REAÇÃO DE ESPANTO DE CLARICE.

[Fim do capitulo]

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