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O COLECIONADOR DE BORBOLETAS

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VOCÊ SABE QUAL A VERDADE SOBRE O EFEITO BORBOLETA? Nicola é um pesquisador e colecionador de borboletas que perdeu a memória. Durante sua recuperação, com a ajuda de uma psiquiatra, descobre que possui o poder de voltar ao passado e modificá-lo, e também que era apaixonado por uma garota chamada Joana, que aparece repetidas vezes em meio à suas confusas visões. Pior que uma lembrança morta, é uma lembrança que insiste em ressurgir. E Nicola terá que seguir o fio de suas vagas recordações para desvendar até que ponto alterou seu passado. Porém, este colecionador ainda não tem consciência do quanto o efeito borboleta pode ter afetado seu próprio destino.

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São Paulo 2012

COLEÇÃO NOVOS TaLENTOS Da LITERaTURa BRaSILEIRa

CeCília MOuta

O colecionador de borboletas

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O bater de asas de uma simples borboleta pode influenciar o curso natural das coisas e, talvez,

provocar um tufão do outro lado do mundo. Edward Lorenz

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um

Era um dia bem ensolarado, sem nenhuma nuvem no céu. O azul era hipnotizante. Ventava pouco. Eu estava sentado em uma cadeira de rodas, parado ao lado de uma grande e bonita árvore num jardim bem grande. Não sei há quanto tempo estava ali, nem mesmo quanto tempo mais permaneceria. Na verdade, não me importava.

Uma borboleta pousou no braço da cadeira de rodas. Fiquei olhando para ela. Suas asas grandes, delicadas, bonitas, amarelas. Meus olhos se encheram d’água. Coloquei meu dedo perto dela, o que a fez, por simples curiosidade de saber o que seria aquela coisa estranha, voar até meu dedo e pousar. Seu toque era leve, simples, puro. Devagar, aproximei-a do meu rosto.

Quando me dei conta, havia esmagado a borboleta, estava gritando e me remexendo na cadeira, chorando. Dois homens de branco vieram ao meu encontro e me levaram às pressas para den-tro da casa. Lá, fui levado para o meu quarto, o terceiro do cor-redor, e colocado na cama. Poucos segundos depois, uma mulher de branco aproximou-se de mim, com uma seringa na mão. Senti a picada. Um minuto depois, estava tudo ficando embaçado, as vozes ecoavam pelo ar, não conseguia entender nada.

Olhei para as paredes brancas com vários desenhos de borbo-letas, de todas as cores, de todos os tamanhos, de todos os tipos. Olhei para a mesa de cabeceira, havia um porta-retrato com a foto de uma mulher sorrindo.

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Então tudo ficou escuro. Não me lembro de mais nada.Quando acordei ainda estava um pouco tonto. Não me lembrava

exatamente o que tinha acontecido. Ao meu lado havia uma mulher, de cabelos cinza presos num coque, um blazer preto, uma blusa mar-fim, uma saia preta até o joelho e um sapato de salto baixo. Sentei-me na cama. A mulher levantou-se da cadeira e veio acomodar-se ao meu lado. Colocou a mão no meu rosto, fez um carinho e falou:

“Ligaram para mim dizendo que você teve outra crise, meu filho. Está melhor?”

Então ao ouvir aquilo lembrei que aquela mulher era minha mãe. Dei um sorriso, mas não respondi a pergunta. Apenas fiquei encarando-a.

“Fiquei preocupada com você. Achei que estivesse melhorando.” “Era uma linda borboleta, mãe.” Foi a única coisa que consegui

falar.Minha mãe permitiu que uma lágrima escorresse dos seus

olhos pelo seu rosto. Eu permiti também.“Eu sei, meu filho.”“E eu a matei.”“Existem milhões como ela no mundo. Tenho certeza de que

vai encontrar outra.”“E se eu matar a outra também?”“Você não vai.”“Como sabe?”“Eu sinto isso, meu filho.”Então minha mãe me abraçou e ficou um tempo assim.

Alguém bateu na porta. Minha mãe enxugou os olhos, virou-se para a porta e falou:

“Entre!”Uma mulher de branco, a mesma que havia me aplicado a inje-

ção, abriu a porta e avisou:

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“A Dra. Liz está esperando no seu consultório.”“Obrigada, Ester”, minha mãe agradeceu.A mulher de branco fechou a porta. Minha mãe virou-se para

mim e falou:“Eu volto mais tarde para ver como você está. Vá para sua con-

sulta agora.”Então minha mãe levantou-se da cama, deu um beijo na minha

testa, pegou sua bolsa na cadeira em que estava sentada e saiu do quarto. A mulher de branco entrou no quarto e alertou:

“Vamos, Nicola. A Dra. Liz está esperando.”“Tudo bem, Ester”, disse eu, levantando-me da cama, calçando

o chinelo e seguindo-a.Havia me lembrado, a mulher de branco era Ester, a minha

enfermeira particular. Fui com ela até uma sala, no fim do corredor à direita. Passamos por uma sala onde havia uma televisão e dois sofás. Havia três pessoas em cada sofá assistindo a um programa na TV.

A sala da Dra. Liz era de um tom pêssego, com uma estante grande, cheia de livros, um sofá e uma poltrona, uma mesinha de centro com uma linda flor num jarro, uma mesa maior, mais ao fundo, onde havia um computador e papéis. Depois da mesa havia uma grande janela, com uma bela vista para o jardim, cor-tinas grandes, agora abertas para deixar a luz do sol iluminar a sala. Assim que me viu entrar, fez sinal para eu me sentar no sofá. Sentei-me. Ela pegou um bloco de anotações, uma caneta e sen-tou-se na poltrona ao lado do sofá.

“Está se sentindo melhor, Nicola?”“Sim, estou.”“Que horas acordou hoje?”“Acho que por volta das oito horas.”“E depois fez o quê?”

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“Fui tomar café. A Ester me levou.”“Muito bom. O que comeu no café?”“O de sempre, gosto de rotinas. Comi cereal com leite.”“E sempre foi assim?”“Assim como?”“Seu gosto por rotinas.”“Não. Não gostava de rotinas até algum tempo atrás.”“E por que mudou de ideia?”“Não sei.”“Pense um pouco.”Fiquei em silêncio por um tempo.“E então, Nicola?”, insistiu a doutora.“Acho que é mais cômodo assim.”“Ok. E depois do café, o que fez?”“Pedi para Ester me levar até o jardim. O dia parecia bonito.

Queria ficar um pouco no sol.”“Muito bom. E depois?”“Uma borboleta pousou perto de mim.”Dra. Liz deu um suspiro. Olhei para minhas mãos.“E o que aconteceu depois que a borboleta pousou?”Fiquei em silêncio. Queria chorar, mas estava muito cansado

para isso. Então apenas fiquei com a cabeça baixa.“Você se lembrou do seu passado, Nicola?”Então eu consegui chorar. Balancei a cabeça positivamente.“O que exatamente você lembrou?”Fiquei mais um tempo chorando, depois levantei a cabeça. A

Dra. Liz olhava para mim, seus olhos claros, de um azul trans-parente, seus cabelos cacheados e loiros, sua pele branca. Ela era uma mulher muito bonita.

“Eu não deveria ter matado aquela borboleta.”“E por que a matou?”

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“Eu não pude evitar.”“Por quê?”“Ela...”, então me calei.A Dra. Liz deu outro suspiro e falou:“Nicola, você já está aqui há quatro meses. Sempre que vem

aqui não me conta das suas lembranças. Assim não terei como ajudá-lo.”

“Ninguém pode, doutora.”“Por quê? O que realmente aconteceu?”“Não importa. Eu não consigo mais.”“Não consegue mais o quê?”“Quero voltar para o meu quarto.”Ela me encarou por um momento. Então levantou-se da pol-

trona e argumentou:“Tudo bem, pode ir. Mas saiba que ainda não avançamos em

nada no seu caso”, então lançou um olhar para mim, com espe-rança de que depois de ter dito aquilo eu voltasse a me sentar no sofá e contasse alguma coisa.

“Não tem mais jeito, doutora. Não se pode brincar com certas coisas.”

Então saí da sala e voltei para o meu quarto. Ele estava arru-mado, o que era raro. Havia uma escrivaninha na parede, uma cadeira, um armário, uma mesinha de cabeceira, uma cama e uma janela. Aproximei-me da janela e fiquei olhando para o jardim por alguns instantes, depois voltei a olhar para o quarto. Observei as paredes com as várias borboletas desenhadas, aproximei-me de um dos desenhos, que estava na altura do meu rosto. Toquei-a. Dei um soco no desenho da borboleta e sentei-me rapidamente na cadeira. Abri grosseiramente a segunda gaveta da escrivaninha e tirei uma caixinha de madeira. Olhei para o conteúdo da caixinha por um tempo, coloquei-a em cima da mesa e fiquei olhando concentra-

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damente para ela. Minha cabeça começou a doer, coloquei as mãos nos ouvidos, caí no chão. Então a dor passou.

Voltei a sentar-me na cadeira e tirei a mão dos ouvidos; esta-vam sangrando um pouco. Nada havia acontecido. Olhei para a caixinha de novo. Lá dentro tinha uma borboleta verde. Tampei a caixinha para conservar a borboleta. Foi então que a memória veio.

Estava no meu escritório. Ela chegou sorridente, com as mãos para trás. Olhei para ela, sorri.

“O que está fazendo?”, perguntou ela sorrindo.“Estou preparando uma câmara úmida.”“Conseguiu uma nova espécie?”“Nenhuma extraordinária. Ela está doente, então o laboratório

me deixou trazê-la para minha coleção. Olhe.”Então eu mostrei o envelope com uma borboleta de asas marrons,

com algumas manchas.“Bonita.”“E como foi a viagem?”Dei um leve beijo em seus lábios.“Foi ótima.”“E por que você está com as mãos para trás?”“Porque eu tenho uma surpresa para você.”“Ah, é? E o que seria?”Ela tirou as mãos das costas e mostrou uma caixinha de madeira,

com uma tampa bem vedada. Olhei para ela com os olhos brilhando, eu sabia o que aquilo significava. Abri a caixinha, dentro havia uma linda borboleta verde.

“É a Cyanophrys bertha, a borboleta verde. Comprei no museu para você. É para dar esperança.”

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Então a memória se desfez como fumaça na minha mente, assim como a esperança em mim.

No fim da noite, minha mãe apareceu para ver como eu estava.“Estou melhor, mãe.”“Você quer que eu te leve para um lugar melhor?”“Não. Estou bem aqui.”Então ficamos em silêncio. Depois de dez minutos, ela foi

embora. Voltei a ficar sozinho.