O CONFISCO DA VÍTIMA NO PROCESSO PENAL

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  • 7/30/2019 O CONFISCO DA VTIMA NO PROCESSO PENAL

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    O CONFISCO DA VTIMA NO PROCESSO PENAL

    1. INTRODUO

    2. O SURGIMENTO DA DICOTOMIA ENTRE DELICTA PUBLICA E DELICTA PRIVATA

    A legislao Greco-romana foi um marco em termos de secularizao do poder punitivo, bem

    como da atenuao na crueldade das penas. Isso se deveu concepo poltica democrtica acerca do

    governo que, diferente das teocracias antigas, era regido pelos prprios cidados utilizando-se de

    tcnicas persuasivas, e no atravs da imposio arbitrria de um s.

    Tal contexto permitiu o surgimento da composio, ocorrendo o cancelamento da pena

    mediante pagamento vtima ou a seus parentes.

    Apareceu tambm neste contexto a primeira distino da natureza dos delitos em dois grupos:

    pblicos (delicta publica), encalados pelos representantes do estado em seu prprio interesse; e

    privados (delicta privata), perseguidos pelos particulares em benefcio pessoal.

    Entrementes, ao florescer o Imprio, os procedimentos tornaram-se todos ordinrios, e o poder

    punitivo assumiu carter exclusivamente pblico. Deste modo, os delitos privados passaram a ser

    sancionados com penas pblicas, mesmo aqueles mais leves que antes eram passveis de indenizao

    negociada pelas partes.

    Percebe-se, pois, a existncia de uma tenso entre Repblica e Imprio pelo confisco dos

    conflitos, ocorrendo a descentralizao do poder punitivo no primeiro momento, e o monoplio estatal

    no segundo. Consolidando-se o modelo do confisco absoluto, o Imperador delegou aos tribunais tais

    poderes, corrompendo as instituies republicanas e ampliando os crimes de lesa-majestade.

    O modelo romano, que influenciou decisivamente as modernas legislao, tendeu a publicizar

    todos os bens jurdicos e reduzir a legislao penal a um instrumento a servio dos interesses do Estado,

    eliminando o protagonismo da vtima no processo. O desvio tornou-se manifestao de inimizade contra

    o prprio governante, perdendo sua dimenso particular.

    3. O PROCURADOR DO REI NA IDADE MDIA

    Na Idade Mdia no havia poder judicirio. A liquidao era feita entre indivduos. Pedia-se ao

    mais poderoso ou quele que exercia a soberania que no fizesse justia, mas que constatasse,

    em funo de seus poderes polticos, mgicos e religiosos, a regularidade do procedimento. (p.

    65, Foucault).

    Aparece na Europa um personagem inexistente no Direito Romano e que se apresenta

    como representante do soberano o procurador, seio de origem do atual Ministrio Pblico.

    Ele ir tomar o lugar da vtima, visto que o ato criminoso ser, em verdade, um atentado

    contra a autoridade do monarca (infrao), e no mero dano a um particular.

    A infrao, portanto, uma das grandes invenes medievais (p. 66, Foucault), pois no

    conceito de crime ser substituda a noo de dano pela de infrao, isto , ofensa ao Estado.

    O poder estatal vai confiscando todo o procedimento judicirio, acusando, de um lado, e

    julgando, de outro.

    Ademais, o soberano no apenas a parte lesada, como tambm a que exige a

    reparao. O autor da infrao, desta forma, receber uma dupla punio: alm de ser

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    condenado a reparar o dano sofrido por outro indivduo, tambm responder pelo desacato

    ao poder do Estado, sobretudo atravs do confisco de seus bens a grande fonte de

    enriquecimento das nascentes monarquias1.

    Contrariamente ao que ocorria no perodo clssico da autotutela em que os

    indivduos lutavam com as prprias foras para fazer justia

    , procurador e acusado noestaro mais em posio de igualdade. Havia dois modelos: um primeiro (intra-jurdico), no

    qual a coletividade, presenciando o exato momento em que algum cometia um crime,

    poderia leva-lo imediatamente presena do monarca (flagrante delito); o outro (extra-

    jurdico), que prevaleceu em virtude da no atualidade da maioria dos crimes, consignava-se

    por meio da realizao do inqurito (inquisitio), no qual inquiriam-se pessoas sob juramente de

    dizer a verdade, e ao final um conselho de notveis (por sua idade, riqueza,

    conhecimento)deliberavam uma soluo para o caso2.A confisso do culpado poderia, a

    qualquer momento, interromper a inquisio.3

    Com a consolidao poltico-econmica da Igreja nos sculos X, XI e XII, a Inquisio

    tornou-se inqurito espiritual sobre os pecados, faltas e crimes cometidos, e inquritoadministrativo sobre a maneira como os seus bens eram administrados. O inqurito ser uma

    forma de trazer ao presente fato ocorrido preteritamente, como se estivesse sendo

    presenciado, vindo a substituir o flagrante delito4; uma manifestao de saber-poder de

    produo da verdade5.

    1Idem. p. 67.

    2Idem. p. 68-69.

    3

    Idem. p. 70.4Idem. p. 72.

    5Idem. p. 78.