O Conflito Distributivo em Sociedades Pretorianas: uma interpretação teórica da inflação brasileira

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Pré-história. Publicado em 1994 (Nova Economia, 4 (1): 107-29), mas escrito quase todo em 1991, na forma de um projeto de tese de doutorado. Tese que, a propósito, saiu bem diferente quando ficou pronta, em 1997.

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  • Publicado em Nova Economia, 4 (1): 107-29.

    Belo Horizonte: Departamento de Cincias Econmicas da UFMG, novembro de 1994.

    O CONFLITO DISTRIBUTIVO EM SOCIEDADES PRETORIANAS:

    uma interpretao terica da inflao brasileira1

    Bruno Pinheiro W. Reis2

    Vem tornando-se moeda corrente na literatura especializada europia e norte-

    americana a afirmao da tese de que democracia mesmo que institucionalmente estvel,

    e organizada no que toca administrao do conflito distributivo causa inflao. O

    presente trabalho pretende investigar at que ponto se pode tambm afirmar que democracia

    desorganizada (ou seja, institucionalmente frgil e portanto com um conflito distributivo

    sem regras consensualmente estabelecidas) propicia processos inflacionrios

    particularmente descontrolados e violentos.

    Artigo recente de Gustavo Franco lista os casos observados de hiperinflao neste

    sculo, e salta aos olhos o fato de que todos os pases considerados enfrentavam na ocasio

    graves crises polticas, seja a derrota numa guerra, com perda de territrios (ustria,

    Alemanha), sejam problemas relacionados com a fundao do estado (Hungria, Polnia),

    seja a agitao pr ou ps revolucionria (China e Unio Sovitica).3 Franco observa que

    outros lugares enfrentaram dificuldades econmicas semelhantes quelas enfrentadas por

    estes pases, sem que se repetisse o processo hiperinflacionrio; de fato, nunca houve

    1 O presente trabalho uma adaptao do projeto de minha tese de doutorado, defendido no Iuperj em 19 de

    dezembro de 1991, sob a orientao da Prof Maria Regina Soares de Lima. Durante o primeiro semestre

    daquele ano contei com a orientao do Prof. Luiz Werneck Vianna, e ao longo de todo o processo de

    elaborao do projeto pude contar com o Prof. Fbio Wanderley Reis, da UFMG, como um interlocutor

    freqente, e, em algumas ocasies importantes, tambm com a Prof Elisa P. Reis, do Iuperj. Uma conversa

    com meu colega no Iuperj, Prof. Fabiano Guilherme Mendes Santos, da UFF, num momento crucial da

    elaborao do projeto, forneceu-me novas e valiosas referncias na literatura pertinente. Um outro colega,

    Prof. Alberto Carlos Melo de Almeida, tambm da UFF, leu o projeto depois de defendido, fazendo

    sugestes teis e chamando minha ateno para alguns deslizes que me haviam escapado. A todos o meu

    agradecimento. A responsabilidade, porm, pelo resultado final deve, como de praxe, ser imputada a mim

    exclusivamente.

    2 Professor do Departamento de Cincia Poltica da UFMG.

    3 FRANCO (1991, pp. 67-70). Para os propsitos de seu artigo, Franco define hiperinflao como a inflao

    que supera a taxa de 50% ao ms (p. 67).

  • 2

    sequer um processo inflacionrio crnico e de taxas mensais persistentemente acima dos

    10% em democracias politicamente estveis.4 Torna-se intuitivamente evidente o papel da

    poltica como elemento desencadeador da hiperinflao (parece mesmo que a instabilidade

    institucional seria uma condio necessria da hper), mas este nexo tem sido explorado

    inclusive por Franco de forma impressionista e pouco rigorosa. Cabe, portanto, o esforo

    de investigar mais cuidadosamente o vnculo entre a poltica e processos inflacionrios

    crnicos, de taxas persistentemente elevadas e especialmente resistentes a terapias

    convencionais, como os que se observam em vrias democracias recentes do Terceiro

    Mundo, entre elas o Brasil.

    1. Democracia e Inflao em Pases Desenvolvidos:

    A Teoria dos Ciclos Econmico-Eleitorais

    A dcada de 70 produziu abundante literatura sobre o nexo entre democracia

    poltica institucionalizada e inflao moderada diversos autores ligados corrente da

    escolha pblica (public choice) estiveram explorando o problema, com o foco das

    anlises voltado sobretudo para os casos da Europa Ocidental e dos Estados Unidos. Esta

    literatura veio a se tornar conhecida sob o rtulo de teoria dos ciclos econmico-

    eleitorais.5

    Um dos fulcros da tese consiste na percepo a meu ver, acertada de que as

    escolhas dos formuladores de poltica macroeconmica no se pautam prioritariamente pelo

    objetivo da otimizao da eficincia da economia, sendo as decises de poltica econmica

    antes o resultado de um conflito poltico entre interesses coletivos divergentes (LINDBERG,

    1985, pp. 27-8). O outro pilar da teoria condio suficiente, embora no necessria, do

    primeiro consiste numa modelagem dos atores envolvidos (basicamente, governo, de um

    lado, e eleitores, do outro) calcada em seus traos bsicos no modelo j clssico de Anthony

    DOWNS (1957) para a democracia contempornea: grosso modo, uma espcie de

    microeconomia da poltica, onde as firmas so substitudas pelos partidos polticos e os

    consumidores, pelos eleitores.

    4 Posta a questo nestes termos, possvel que exista quem queira considerar o caso da inflao israelense na

    dcada de 80 como uma exceo a esta regra. Creio, todavia, que embora se possa falar de estabilidade

    governamental em Israel, os dramticos conflitos internos e externos a que o pas est sujeito desde a sua

    fundao nos permitem no consider-lo um caso de democracia institucionalmente estvel.

    5 Uma abundante bibliografia sobre o tema pode ser encontrada em Wanderley Guilherme dos SANTOS (1983,

    esp. pp. 153-5, nn. 41-65).

  • 3

    Muito resumidamente, o argumento funciona, portanto, da seguinte maneira: como

    os polticos so, acima de tudo, empresrios eleitorais cujo objetivo maximizar seus

    votos na prxima eleio, eles so extremamente suscetveis s mais variadas presses, e

    procuram atender s demandas do maior nmero possvel de grupos, evitando assim

    incompatibilizarem-se com qualquer um deles. O resultado so gastos excessivos e muitas

    vezes inteis, e uma poltica macroeconmica inconsistente, que produz uma perda na

    eficincia da economia e propicia, entre outras coisas, o surgimento da inflao. A idia do

    ciclo emerge a partir da constatao de que este processo se intensifica medida que se

    aproxima a prxima eleio: o governo eleva seus gastos, a economia se aquece, cai o

    desemprego e eleva-se a inflao. Aps a eleio, o governo v-se obrigado a implementar

    uma poltica de estabilizao (ao mesmo tempo que se v mais livre para implement-la,

    dada a distncia das prximas eleies), passando a adotar uma poltica relativamente mais

    dura, desaquecendo a economia e segurando a inflao. Isto at que o governo sinta

    novamente a necessidade de cuidar da sua popularidade com vistas prxima eleio, e o

    ciclo recomea.

    necessrio ter em mente, porm, algo que muitos autores parecem preferir ignorar.

    O fenmeno da suscetibilidade dos governos a grupos de presso no pode ser tratado como

    uma excrescncia que se tenha instalado nas democracias contemporneas por descuido dos

    bons cidados ou m f de alguns aproveitadores, e que possa portanto ser eventualmente

    removida sem deixar seqelas. antes um fenmeno inseparvel da prpria natureza da

    democracia moderna, com o qual estamos condenados a conviver se quisermos viver em

    regimes democrticos.6 Mancur Olson, apesar dos enormes mritos de sua obra, um dos

    que parecem imaginar o contrrio. Parece-me contudo pouco plausvel a esperana por ele

    manifestada do advento de uma sociedade livre dos danos causados por grupos de interesse

    (OLSON, 1982, pp. 236-7). A condenao social das faces compreensvel numa

    sociedade como a democracia ateniense do sculo V a.C., que politicamente se resumia a no

    mximo trinta ou quarenta mil cidados adultos do sexo masculino, e onde virtualmente

    ningum era completamente annimo, sendo a identificao individual de cada cidado

    com a polis quase inimaginvel para os padres dos dias de hoje.7 Hoje, em rota batida

    6 Polticas de gastos respondem a um largo espectro de presses pluralsticas que so a essncia do processo

    democrtico. (LINDBERG, 1985, p. 47, traduo minha.)

    7 H no grego uma palavra stasis cuja gama de significados polticos, segundo M.I. Finley, engloba partido, partido formado com fins sediciosos, faco, sedio, discrdia, diviso, disseno,

    alm de guerra civil ou revoluo. Abundante na literatura da poca, sua conotao geralmente

    pejorativa (FINLEY, 1985, pp. 60-1). Para uma estimao da populao ateniense de ento, ver FINLEY

    (1985, pp. 29-30).

  • 4

    rumo quilo que Karl Popper chamou de sociedade abstrata,8 esta hiptese simplesmente

    no faz muito sentido.

    Um outro ponto relevante a considerar em conexo com este o de que, dentro de

    determinados limites, deve-se admitir a hiptese de que as pessoas podem simplesmente

    preferir a persistncia de alguma inflao a pagar os custos de uma poltica de estabilidade

    monetria.

    Albert HIRSCHMAN (1985, p. 70), por exemplo, menciona um argumento de Mrio

    Henrique SIMONSEN (1967, pp. 272-3) a respeito da inflao, baseado no axioma de

    DUESENBERRY (1949, p. 89) segundo o qual as pessoas querem sempre recuperar a melhor

    situao que j experimentaram. Uma peculiaridade da inflao, segundo Simonsen, que

    diferentes grupos experimentam sua melhor situao em pontos diferentes no tempo (no

    caso hipottico de existirem apenas dois grupos, a melhor situao de um grupo coincidir

    sempre com a pior do outro). Como somente a inflao pode permitir esta alternncia

    peridica nas rendas relativas dos diversos grupos na sociedade, as pessoas podem preferir

    a persistncia de uma inflao moderada a uma estabilidade que as afaste indefinidamente

    de uma renda temporariamente maior desde que o vale da oscilao no seja

    intoleravelmente baixo.9

    Tambm do ponto de vista do governo, especialmente em casos de transies

    democrticas, uma inflao moderada pode tornar-se desejvel na medida em que ameniza

    conflitos distributivos cuja radicalizao costuma ser inevitvel durante processos de

    democratizao. O problema que, se persistir durante muito tempo ou agravar-se

    excessivamente, a inflao pode tambm ajudar a derrubar esta mesma democracia nascente

    cuja administrao ela a princpio havia facilitado.10

    O reconhecimento da existncia de circunstncias plausveis onde a inflao pode

    ser desejvel corrobora a atitude de Brian BARRY (1985), que chega a desqualificar a

    inflao como problema relevante. Em uma crtica minuciosa das teses do ciclo econmico-

    eleitoral, Barry mostra o que h de excessivamente simplificador nas suposies do modelo.

    8 Para Popper, uma sociedade tanto mais abstrata (no confundir com sua clebre sociedade aberta),

    quanto menores forem os contatos pessoais entre os integrantes desta sociedade. O crescimento populacional

    e o avano tecnolgico contribuem nesta direo, embora Popper afirme que sociedade alguma ser jamais

    totalmente abstrata (POPPER, 1944, pp. 189-91). Em minha opinio, este processo, ao enfraquecer os

    vnculos afetivos das pessoas em relao sociedade, exacerba o seu impulso para a adeso a grupos

    particulares dentro desta mesma sociedade, em busca de uma identidade grupal, sectria, que elas no

    encontram na sociedade como um todo. A sociedade abstrata tenderia, assim, a meu ver, a estimular a

    stasis.

    9 Em corroborao a este ponto, Hirschman cita tambm a Tibor SCITOVSKY (1976).

    10 Cf. HIRSCHMAN (1985, p. 72), onde se ilustra a tese com o caso da inflao espanhola em 1977. Em Brian

    BARRY (1985, p. 288) encontra-se uma tese semelhante.

  • 5

    Alm de compartilhar a tese de que a inflao pode ser menos indesejvel do que parece ser

    aos olhos de alguns autores,11 Barry chama ateno para o carter um tanto bvio dos

    resultados da teoria dadas as suas suposies. Em linhas gerais, Barry acusa a teoria do

    ciclo econmico-eleitoral de postular polticos que so exclusivamente caadores de poder,

    dispostos a impor qualquer dano nao desde que isto possa aumentar sua votao, alm

    de hbeis manipuladores dos instrumentos da poltica econmica em busca da reeleio; por

    outro lado, os eleitores comportam-se como perfeitos idiotas, sem memria ou capacidade

    prospectiva. Com premissas como estas, afirma Barry, no surpresa alguma que a

    democracia se revele um sistema vicioso.12 Lindberg corrobora o ceticismo de Barry a

    respeito das concluses da teoria do ciclo econmico-eleitoral quando menciona o fato de

    que no parece haver correlao entre, de um lado, altas taxas de inflao, tendncias a

    dficits e produtividade declinante e, de outro, alto grau de taxao ou de gasto pblico

    often quite the opposite: quando o estado falha na regulao, o conflito transfere-se para

    o mercado, onde pode alimentar o cabo-de-guerra inflacionrio.13

    Ao final de seu artigo, porm, Barry concede que a democracia do welfare state tal

    como existe hoje, e que se estabeleceu sob o manto da hegemonia keynesiana na cincia

    econmica, possui efetivamente caractersticas propcias ao surgimento da inflao. S que

    ele simplesmente descarta este fato como um problema importante: a inflao moderada

    que comumente se observa na Europa e nos Estados Unidos perfeitamente til

    administrao do conflito distributivo, e no haveria razo, segundo Barry, para nenhuma

    histeria antiinflacionria. A nica razo pela qual a inflao importante, para Barry, que

    ela permite uma certa mobilizao em torno de propostas que em tempos mais calmos

    seriam largamente reconhecidas como reacionrias.14

    11

    BARRY (1985, pp. 291-7).

    12 BARRY (1985, p. 300). Para qualificaes ao retrato simplificador dos polticos freqentemente traado,

    BARRY (1985, p. 301, n. 41) menciona Robert PUTNAM (1973), um minucioso estudo emprico sobre as

    atitudes bsicas dos polticos de dois pases bastante diferentes um do outro (Gr-Bretanha e Itlia). Um

    trao saliente do comportamento dos polticos, segundo Barry e tambm Putnam, a preocupao com a

    reputao e com seu lugar na Histria, ainda que esta preocupao seja motivada apenas por vaidade. Ver

    tambm, a respeito, PUTNAM (1971).

    13 LINDBERG (1985, pp. 47-8). Ele cita, a respeito (p. 48, n. 37), M. PANIC (1978).

    14 Cf. BARRY (1985, pp. 315-7). Barry (p. 317) ironiza aqueles que, comprometidos primariamente com a

    idia do livre funcionamento do mercado, se vem diante do problema de obter uma aprovao democrtica

    da populao para que se mantenham perpetuamente de mos atadas governos eleitos tambm

    democraticamente. No toa, segundo ele, que pases autoritrios como Hong Kong, Taiwan e Coria do

    Sul se tornam freqentemente as meninas dos olhos de tais economistas.

  • 6

    2. Inflao Acelerada e Fragilidade Institucional

    Apesar de minha simpatia posio que Brian Barry assume em relao s teses do

    ciclo econmico-eleitoral, preciso estar atento ao fato de que ele se reporta sempre a

    pases que esto lidando com inflaes que atingiram no mximo a casa dos 10% ao ano.

    Quando passamos a tratar de inflaes com taxas percentuais anuais que gravitam na casa

    das centenas, a situao muda completamente. Passa a haver um efeito concentrador de

    renda que no depende mais de mudanas nos preos relativos, mas simplesmente do fato

    de que algumas pessoas (as mais ricas) tm acesso privilegiado a diversos meios de

    proteger seus ativos financeiros da corroso inflacionria, em detrimento dos mais pobres.15

    Alm disso h um forte desincentivo ao investimento produtivo, pois torna-se impossvel

    qualquer clculo seguro das taxas de retorno.

    Conforme foi visto acima, este tipo de inflao nunca foi observado em democracias

    institucionalmente estveis, e esta determinao poltica de processos inflacionrios

    crnicos com taxas elevadas vem sendo crescentemente ventilada na literatura. Resta ver,

    portanto, por que afinal a taxa de inflao escapa ao controle do governo nesses casos e no

    em pases poltica e institucionalmente estveis.

    2.1. Huntington e o grau de governo

    Pelo menos desde que Max Weber escreveu Parlamento e Governo numa

    Alemanha Reconstruda (WEBER, 1918), os problemas relacionados baixa

    institucionalizao da vida poltica de um pas se converteram em um dos temas clssicos

    da Cincia Poltica. O prprio Weber j apontava, no estudo citado, alguns dos principais

    efeitos deste quadro de baixa institucionalizao: poltica negativa da parte do

    parlamento, ingerncia da burocracia sobre a esfera das decises polticas do governo etc.

    Sem querer questionar a acuidade e o valor dos insights de Weber em seu ensaio,

    creio porm que foi Samuel Huntington quem mais longe levou a anlise dos problemas

    associados baixa institucionalizao poltica. Adotando uma postura realista,

    HUNTINGTON (1968) estabelece como seu problema no o tipo de governo e nisso difere

    no s de Weber, mas tambm de um Robert Dahl, por exemplo mas o grau de

    governo.16 Associando o problema do grau de governo ao nvel de institucionalizao da

    15

    Em frase recente do ex-ministro e atual deputado federal Delfim Netto: O que financia o dficit pblico a

    queda dos salrios reais. (Entrevista TV Cultura de So Paulo, dia 11 de novembro de 1991.)

    16 importante ter em mente que a idia a que Huntington se refere quando fala em grau de governo no

    necessariamente coincide com grau de autoritarismo, refletindo, sim, a eficcia das aes de um governo em

    seu propsito de governar um pas. Para Huntington, as diferenas entre democracia e ditadura so menores

    que as existentes entre os pases cuja poltica compreende consenso, comunidade, legitimidade, organizao,

  • 7

    vida poltica de uma sociedade, Huntington faz uma contribuio valiosa ao estudo das

    condies de governabilidade, especialmente daqueles pases que atravessaram

    recentemente processos de modernizao acelerada, nos quais via de regra se observou

    grande instabilidade poltica, que freqentemente resultou em golpes militares. Rejeitando a

    possibilidade de explicao do fenmeno dos freqentes golpes militares por meio da

    imputao de supostas caractersticas peculiares aos militares deste ou daquele pas,

    Huntington concentrou sua ateno na fragilidade institucional dos pases em processo de

    modernizao. Ele estendeu o conceito de pretorianismo (usualmente referido

    estritamente interveno dos militares na poltica) caracterizao da sociedade como um

    todo, pretendendo, com o conceito de sociedade pretoriana, caracterizar sociedades onde

    no existem instituies polticas efetivas, capazes de mediar, refinar e moderar a ao

    poltica dos grupos (HUNTINGTON, 1968, p. 208). Como conseqncia, tem-se uma

    sociedade onde aparentemente observa-se um alto grau de politizao de todos os grupos

    sociais, reflexo da interveno conflituosa e desastrada dos mais diversos grupos sociais na

    arena poltica, mas que fruto, porm, no propriamente daquilo que no Brasil se costuma

    chamar de politizao dos grupos (alto grau de informao poltica, ou orientao

    poltico-ideolgica mais ou menos ntida ou sofisticada), mas da inexistncia pura e simples

    de acordo entre os grupos quanto aos mtodos legtimos e conclusivos de dirimir os

    conflitos (idem, ibidem).17

    Ao contrrio do que poderia parecer primeira vista, o pretorianismo de

    Huntington, com sua nfase sobre a instabilidade institucional, no encontra

    correspondncia exata no modelo bidimensional da poliarquia de Dahl. Digo

    eficincia, estabilidade e os pases cuja poltica deficiente nessas qualidades (HUNTINGTON, 1968, p. 13).

    Ou seja, o grau de governo alto quando o governo governa. J Dahl, por seu turno, est ocupado

    eminentemente com problemas relacionados ao tipo de governo: basicamente, os pases se dividem entre

    democrticos ou no, e o esforo se dirige para investigar as condies de possibilidade da emergncia de

    uma democracia (ver por exemplo DAHL, 1971).

    17 H um trecho famoso e freqentemente citado que sem dvida a mais eloqente descrio que

    HUNTINGTON (1968, pp. 208-9) faz da sociedade pretoriana:

    Numa sociedade pretoriana [...] cada grupo utiliza os meios que refletem sua natureza peculiar e

    suas capacidades. Os ricos subornam; os estudantes se amotinam; os operrios fazem greve; as

    massas promovem manifestaes e os militares efetuam golpes. Na ausncia de procedimentos

    reconhecidos, todas essas formas de ao direta so encontradas no cenrio poltico. As tcnicas de

    interveno militar so apenas mais dramticas e eficientes que as outras porque, como diz Hobbes:

    Quando nada mais se apresenta, o trunfo paus.

    A ausncia de instituies polticas efetivas numa sociedade pretoriana significa que o poder

    fragmentado: manifesta-se de muitas formas e em pequenas quantidades. A autoridade sobre o

    sistema em seu todo transitria e a fraqueza das instituies polticas significa que a autoridade e o

    cargo com facilidade se adquirem e se perdem. Por conseguinte, no h incentivo para que um lder

    ou um grupo faa concesses importantes em busca de autoridade.

  • 8

    bidimensional porque Dahl define seu conceito de poliarquia por meio de dois vetores: a

    contestao pblica (liberalizao) e o direito participao (incluso). Ele chega a

    representar seu esquema por meio de um diagrama bidimensional onde a poliarquia est

    situada no extremo que corresponde mxima liberalizao e mxima incluso. No

    extremo oposto estariam as hegemonias fechadas, com nenhuma liberalizao e nenhuma

    incluso das massas. As trajetrias por meio das quais diferentes pases tenham logrado

    alcanar um estado polirquico ou quase-polirquico a partir de um estado original de

    hegemonia fechada condicionaro as possibilidades de sucesso de cada poliarquia (DAHL,

    1971, esp. pp. 5-9). Assim, o problema em Dahl no tanto a estabilidade/instabilidade (em

    suma, a famosa governabilidade), mas antes os processos de democratizao. Com vistas

    compatibilizao das duas abordagens, ainda pode-se afirmar que o vetor da

    liberalizao, por medir a existncia de contestao e competio poltica, supe a

    existncia de regras polticas acatadas de forma mais ou menos consensual e portanto algum

    grau de institucionalizao do sistema poltico nos termos de Huntington. No obstante,

    parece-me claro que os dois autores trabalham com problemas diferentes, estando o esforo

    de Dahl voltado sobretudo para o problema do tipo de governo, contrariamente a

    Huntington, atento para o grau de governo dos diversos pases. Para os fins do presente

    trabalho, interessaria fundamentalmente aquilo que em Dahl est representado no vetor da

    liberalizao, e que mais amplamente desenvolvido em Huntington.

    Na verdade, porm, o problema institucional tem histria muito mais longa na teoria

    poltica do que faria supor a meno exclusiva a autores do sculo XX, como Weber,

    Huntington e Dahl. Ele constitui, por exemplo, o objeto central da obra de um gigante como

    Hobbes, e penso que valeria a pena tecer algumas consideraes em torno deste ponto.

    Menciono Hobbes aqui porque entendo que sua caracterizao do estado de natureza

    levada a cabo no Leviat (HOBBES, 1651) pode ser considerada o extremo negativo de um

    continuum hipottico que comportasse variados graus de institucionalizao: o estado de

    natureza hobbesiano corresponderia a um caso ideal de sociedade no-institucional,

    enquanto que no outro extremo do continuum estaria a sociedade perfeitamente

    institucionalizada (igualmente imaginria), onde todos os conflitos encontrassem

    encaminhamento institucional, ao ponto de a prpria mudana institucional se dar por

    meios institucionais.

    No Leviat, o trao bsico do estado de natureza consiste na percepo de que, na

    ausncia de regras que os obriguem cooperao e preservao da ordem, os homens

    vem-se diante de uma situao idntica quela que na teoria dos jogos ficou conhecida

    como o dilema do prisioneiro: mesmo que prefiram a cooperao universal, todos so

    obrigados a agir egoisticamente, uma vez que no tm como se certificar de que o outro

  • 9

    pretende cooperar; e uma vez que no h sanes mesmo se todos os demais

    cooperarem, cada um pode se beneficiar ao adotar sozinho uma estratgia egosta.18 No caso

    do estado de natureza hobbesiano, este clculo redunda na famosa guerra de todos contra

    todos, pois todos os indivduos se vem diante do imperativo de atacar primeiro, uma

    vez que cada um deles sabe que nada h que possa impedir o outro de tentar o mesmo

    contra ele.

    Numa sociedade pretoriana eu diria que temos uma proxy moderna do estado de

    natureza hobbesiano, e que os dilemas com que se defrontam os homens podem ser

    considerados semelhantes em ambas as situaes, embora seja evidente que o conceito de

    sociedade pretoriana j se refere a sociedades onde existe um razovel grau de

    institucionalizao. Exatamente por isso que sendo a sociedade pretoriana um caso de

    institucionalizao incipiente, e portanto um caso intermedirio entre a plena

    institucionalizao e o estado de natureza se pode utilizar o estado de natureza como um

    parmetro extremo das caractersticas da sociedade pretoriana. Assim, pode-se esperar que

    na sociedade pretoriana os diversos grupos sejam compelidos a se comportarem mais

    agressivamente uns em relao aos outros do que numa sociedade mais institucionalizada,

    pois tm menos motivos para esperar que seus adversrios se mostrem cooperativos. Numa

    sociedade institucionalizada, o estado eficaz em constranger os cidados a manterem a

    ordem, ainda que atravs de uma soluo diferente daquela imaginada por Hobbes. Os

    prprios grupos, em sociedades pretorianas, sero provavelmente mais instveis, pois os

    atores das diversas coalizes estaro agindo sobre cenrios mais fluidos e incertos do que

    18

    Na teoria dos jogos, cada ator se depara com uma situao em que tem de escolher entre cooperar (C) ou

    no (D), e cada jogo definido pela estrutura de preferncias dos atores pelos quatro resultados possveis.

    O dilema do prisioneiro um jogo no qual a estrutura de preferncias dos atores a seguinte:

    1) a situao preferida por cada um dos jogadores conhecida por carona (free-rider), pois aquela em

    que todos cooperam menos eu (DC);

    2) em segundo lugar os atores desejam a cooperao universal (CC);

    3) em terceiro lugar, o egosmo universal (DD);

    4) e, por ltimo, a situao em que s eu adoto uma conduta cooperativa enquanto todos os demais adotam

    condutas egostas (CD).

    Dada esta estrutura de preferncias, o resultado de equilbrio do dilema do prisioneiro o egosmo universal

    (DD), pois a estratgia D a minha melhor independentemente do que os outros faam. um equilbrio

    sub-timo, pois existe um estado alternativo a cooperao universal (CC) que melhoraria o resultado de todos, sem piorar o de ningum. Apesar disso, a cooperao universal um estado inalcanvel pela

    agregao de estratgias individuais racionais: pois, partindo-se de uma situao de egosmo universal (DD),

    ningum estar estimulado a mudar unilateralmente sua estratgia para C, sob pena de ver-se diante do

    pior resultado possvel (CD). Pior ainda, mesmo que a cooperao universal seja eventualmente atingida, ela

    se revelar uma situao individualmente instvel, pois cada um poder melhorar individualmente sua

    situao se mudar sua estratgia para D, tentando pegar carona na cooperao dos demais. Um eventual

    estado de cooperao universal, portanto, tende naturalmente a se degenerar no egosmo universal, dadas as

    preferncias dos atores envolvidos em um dilema do prisioneiro.

  • 10

    seria o caso em outra circunstncia. Torna-se claro, com este pequeno esboo, que aquilo

    que Huntington chama de grau de governo um dos problemas mais antigos da tradio da

    teoria poltica moderna, e que a relevncia desta varivel no pode ser posta em dvida.19

    2.2. Pretorianismo e inflao:

    o conflito distributivo no-regulado

    O ponto de partida fundamental da minha tentativa de buscar as afinidades bsicas

    entre sociedades pretorianas e processos inflacionrios crnicos consiste na afirmao de

    que o conflito distributivo, em qualquer pas, configura um exemplo de dilema do

    prisioneiro.20 Para qualquer grupo envolvido em disputa pela apropriao da maior parcela

    possvel da renda nacional, o melhor seria que os demais grupos se mostrassem

    cooperativos e generosos enquanto ele prprio atuasse de maneira reivindicante e agressiva.

    A pior situao, ao contrrio, seria aquela em que todos se mostrassem agressivos na luta

    pela apropriao da maior parcela possvel do produto, ao passo que ele se mantivesse

    tmido e cooperativo. O conflito distributivo s no descamba para a animosidade aberta,

    sendo possvel ainda se ouvirem exortaes de parte a parte pela cooperao, porque no se

    trata de um jogo de soma zero (o que faz com que a cooperao universal seja prefervel ao

    egosmo universal), uma vez que o comportamento generalizadamente agressivo pode ter

    efeitos negativos sobre o tamanho do bolo, comprometendo no limite a fatia de cada

    um.

    Na verdade, esta caracterizao do conflito distributivo como um dilema do

    prisioneiro a principal tese subjacente ao livro de Mancur Olson, The Rise and Decline of

    Nations (OLSON, 1982). Tendo quase duas dcadas antes diagnosticado o dilema do

    prisioneiro com que se defronta o potencial integrante de um grupo de interesse,21 Olson

    19

    Observe-se que o diagnstico da guerra de todos contra todos no supe que os homens sejam maus,

    contrariamente ao que est implcito em muitas anlises superficiais, tanto da teoria de Hobbes, quanto da

    inflao brasileira.

    20 Talvez seja oportuno esclarecer que quando me refiro a conflito distributivo no penso exclusivamente no

    conflito entre capital e trabalho em torno da determinao de lucros e salrios, como espero que j tenha

    ficado claro. Conflito distributivo, no sentido em que o conceito usado no presente trabalho, engloba

    qualquer disputa entre grupos ou setores da economia em torno da apropriao da maior parcela possvel da

    renda nacional. Entre estes setores deve-se incluir tambm o estado, de modo que, quando relaciono a

    inflao ao conflito distributivo, no excluo de sada as teorias mais ortodoxas da inflao, baseadas no

    dficit pblico e nas diversas formas de seu financiamento.

    21 Muito rapidamente, o argumento pode ser exposto como se segue. A todos os membros de um grupo

    latente interessa que o grupo seja constitudo para atuar em defesa de seus interesses. Contudo, cada um

    destes membros preferiria que outros membros que no ele prprio assumissem os encargos relativos

    constituio e atuao do grupo, de modo que ele prprio pudesse pegar carona no trabalho dos outros e se

    beneficiar da atuao do grupo sem ter que ele prprio se mobilizar. O resultado, segundo Olson, que via

  • 11

    estende ali sua anlise sobre a prpria conduta dos grupos (coalizes distributivas) uma

    vez constitudos, e configura de maneira parecida a interao entre eles. Tambm para os

    integrantes das coalizes distributivas existe uma meta que compartilhada por todos: o

    contnuo crescimento do bolo da renda nacional, que dependeria da manuteno da

    concorrncia e portanto de um comportamento cooperativo das coalizes distributivas, que

    deveriam deixar de pleitear a proteo de suas fatias do bolo pela legislao.22 No

    obstante, esta meta individualmente inatingvel e individualmente instvel: se todas as

    organizaes estiverem atuando predatoriamente, pretender atuar isoladamente de maneira

    cooperativa seria suicdio; se, por outro lado, todas estiverem cooperando, a organizao

    que resolvesse ser agressiva poderia auferir lucros extraordinrios. Assim, entre aumentar o

    bolo ou aumentar a sua fatia do bolo (mesmo que para isto tenha de diminuir o tamanho do

    prprio bolo), as organizaes tendem a adotar a segunda alternativa. Pois, para aumentar o

    bolo (a renda nacional), a organizao enfrenta, perante toda a sociedade, o mesmo dilema

    da ao coletiva que um indivduo perante a prpria organizao. Assim, uma organizao

    escolher sempre um comportamento que aumente a fatia de seus clientes, mesmo que s

    expensas do prprio produto global da sociedade, at o ponto no qual a perda em que cada

    um dos seus clientes incorre como membro da sociedade em virtude exclusivamente da

    atuao da organizao seja maior que o ganho oferecido a eles pela mesma organizao

    (OLSON, 1982, pp. 42-4). Em termos empricos, somente em circunstncias muito especiais,

    em que um s grupo ou coalizo possua o monoplio da representao de um setor de

    de regra esses grupos de interesse no sero formados a no ser que sejam oferecidos incentivos seletivos

    aos membros participantes. (OLSON, 1965, esp. pp. 48-52.)

    22 Est admitida explicitamente na anlise de OLSON (1982, p. 216) a suposio de que uma economia sem

    grupos de interesse se comportaria de maneira muito parecida com o que est descrito nos manuais

    monetaristas de macroeconomia. Esta est longe de ser, contudo, uma posio consensual entre os

    estudiosos do assunto. Leon LINDBERG (1985, p. 30), por exemplo, associa a transformao do mercado

    liberal num mercado organizado e politizado a uma reao defensiva dos agentes instabilidade do

    mercado. Para Olson, provavelmente, a organizao de grupos de interesse e lobbies tenderia a emergir

    independentemente da percepo de qualquer instabilidade no mercado, bastando para tanto a constatao

    de que determinados interesses coletivos privados poderiam ser melhor atendidos atravs de uma atuao

    organizada, e que incentivos seletivos garantissem a transformao de grupos latentes em coalizes

    distributivas, abrindo assim a cada membro de grupo de interesse a possibilidade de apropriao de uma

    fatia maior do produto global da economia. De qualquer maneira, esta mesma hiptese demonstra a

    irrealidade e o carter um tanto estril em termos prticos da posio de Olson de que um mercado sem

    grupos de presso funcionaria mais eficientemente: um mercado assim simplesmente no existir jamais,

    uma vez que o poder coercitivo exclusivo do estado tem de continuar existindo at para a garantia do processo de trocas sob a gide do mercado e sua mera existncia estimula a formao de lobbies. E quanto mais lobbies houver, mais grupos sero obrigados a formar o seu prprio lobby, para no se tornarem as

    principais vtimas do processo. Como j foi visto, trata-se de um dilema do prisioneiro, onde todos estariam

    melhor sem lobbies, mas ao mesmo tempo todos so obrigados a se defender dos lobbies dos outros com o

    seu prprio lobby.

  • 12

    importncia central na economia. Mesmo no caso, porm, de se considerar a hiptese de

    que as lideranas nacionais operrias e patronais em vista dos riscos envolvidos (que, no

    caso de sociedades pretorianas, podem chegar ao risco de uma ruptura institucional)

    adotem uma postura cautelosa e moderada, deve-se ter em mente que estas organizaes

    nacionais so compostas por um sem nmero de organizaes locais e regionais, e que est

    aberta a estas bases especialmente as locais a possibilidade de atuarem como caronas:

    sabendo que sozinho ele no influir na estabilidade econmica do pas, um sindicato local

    (assim como o dono de uma fbrica isolada) pode se permitir ser intransigente, deixando

    para terceiros o nus da moderao. Neste caso, a varivel crucial seria a capacidade das

    lideranas de fazer cumprir nas bases o que se acertou na cpula (capacidade esta que, no

    por coincidncia, tende a ser relativamente reduzida em sociedades como as que nos

    interessam, com precria institucionalizao da vida poltica). Portanto em circunstncias

    normais podemos supor que nenhuma organizao sozinha tem capacidade de influir to

    negativamente na renda nacional quanto de influir positivamente na renda de seus clientes.

    O ponto a que quero chegar, ao cabo, a afirmao de que o processo

    inflacionrio crnico comumente observado em sociedades pretorianas corresponde

    precisamente ao equilbrio sub-timo resultante do dilema do prisioneiro com que se

    defrontam os grupos participantes do conflito distributivo. A inflao mais violenta e

    perversa em sociedades pretorianas simplesmente porque estas sociedades, por definio,

    possuem reduzido grau de governo, isto , a precariedade de suas instituies polticas

    no permite que o poder pblico seja plenamente bem-sucedido em sua tarefa de forar os

    atores cooperao.

    Uma das principais demonstraes em favor da caracterizao da inflao como o

    resultado de um dilema do prisioneiro dado pelas dificuldades que Albert Hirschman

    enfrenta por recusar precipitadamente esta caracterizao, sob uma argumentao rpida

    que d a entender que ele no se d conta da correspondncia entre, por exemplo, a obra de

    um Olson e o dilema do prisioneiro. Inicialmente, ele se pergunta por que os agentes

    desencadeiam um processo de resultado incerto, j que a inflao s assegura um ganho

    transitrio, que ser rapidamente anulado quando os demais atores do conflito distributivo

    reajustarem seus preos (HIRSCHMAN, 1985, p. 67). Em seguida, tendo descartado

    sumariamente o recurso ao dilema do prisioneiro (p. 69), Hirschman se v s voltas com

    uma srie de explicaes esdrxulas para o fenmeno, como por exemplo a imputao de

    ingenuidade ou de prazer no conflito em si mesmo aos agentes do processo (p. 71). Para o

    prprio Hirschman, a suposio de ingenuidade s pode ser uma explicao plausvel

    quando no tem havido inflao sria h algum tempo. Mas este apenas raramente o caso,

    pelo menos na Amrica Latina o que o deixa sozinho com a hiptese pouco convincente

  • 13

    da m vontade dos atores. O fato que a deciso de Hirschman de no levar em

    considerao o dilema do prisioneiro acaba se constituindo numa sugestiva corroborao

    de sua utilidade na compreenso da inflao: sem ele a inflao fica simplesmente

    incompreensvel do ponto de vista do comportamento dos atores, levando Hirschman a

    forar explicaes implausveis, como amor ao conflito per se, demonstraes de fora etc.,

    que, mesmo que eventualmente procedentes, no podem ter pretenso terica, pois no so

    em hiptese alguma generalizveis. Se a inflao se reduzisse a traos como estes, a poltica

    da exortao qual Brian BARRY (1985, p. 297) ironicamente se refere teria mais chance de

    funcionar, e os pactos sociais seriam bem mais simples bastando, para seu sucesso, contar

    com a boa f dos participantes.23

    Se a inflao, portanto, pode ser interpretada como o resultado de um dilema do

    prisioneiro no qual se encontra imersa a sociedade no que diz respeito repartio da renda,

    ento cumpre contemplar as possibilidades tericas que a literatura oferece para a superao

    do dilema do prisioneiro e a emergncia espontnea de solues cooperativas. Nesse

    sentido, as contribuies cruciais so as obras de Michael TAYLOR (1976; 1987) e,

    especialmente, de Robert AXELROD (1984). Infelizmente, preciso reconhecer que as

    solues por eles descobertas supem algumas condies um tanto restritivas, do ponto de

    vista das sociedades pretorianas.

    Para comear, ambas so baseadas na reiterao indefinida do jogo, que pode fazer

    com que os atores sejam induzidos cooperao por medo da retaliao de seu adversrio:

    se tenho motivos para esperar que meu oponente se comporte da mesma maneira que eu,

    ento pode ser racional cooperar, se eu valorizar suficientemente meus resultados futuros.

    Numa sociedade pretoriana, porm, as regras no so estveis, o que abre espao

    expectativa de que o jogo seja interrompido a qualquer momento. Se os atores considerarem

    plausvel esta possibilidade, todos sero induzidos a abandonar a estratgia cooperativa

    antes que seu oponente o faa, j que existe a possibilidade de a retaliao ser

    impossibilitada pela interrupo abrupta do jogo.

    Uma segunda condio necessria possibilidade de emergncia de solues

    cooperativas para o dilema do prisioneiro uma taxa de desconto suficientemente baixa na

    preferncia temporal dos atores, de forma a permitir que eles abram mo da possibilidade

    de um ganho imediato que seria propiciado pelo abandono da estratgia cooperativa, em

    nome de se evitar um equilbrio pior no futuro. Tambm no que diz respeito a este ponto a

    sociedade pretoriana se sai pior do que uma sociedade institucionalizada: pois quanto maior

    23

    Esta opinio abertamente confirmada por uma frase do prprio HIRSCHMAN (1985, p. 73, traduo

    minha): Os dois tipos aparentemente opostos de comportamento inflacionrio convergem assim em um a extremada resistncia a encontros e acordos cooperativos por parte dos grupos sociais.

  • 14

    for a fragilidade institucional de um pas, maior ser a taxa de desconto nas preferncias

    temporais dos atores, pelo simples motivo de que estes estaro imersos em um maior grau

    de incerteza quanto ao futuro. Numa sociedade pretoriana, portanto, h uma tendncia

    relativamente alta a se privilegiarem os ganhos de curto prazo.

    Alm disso, quaisquer que sejam as circunstncias (ou seja, independentemente da

    taxa de desconto na preferncia temporal dos atores e do nmero de reiteraes do jogo), a

    generalizao da estratgia da no-cooperao incondicional permanece sempre como uma

    possibilidade de comportamento estvel a longo prazo, uma vez alcanada. Isto porque as

    solues cooperativas dependem sempre de que o estado inicial seja cooperativo, ou ento

    da possibilidade remota de que uma populao em equilbrio no-cooperativo seja

    invadida (nos termos de Axelrod) por um cluster internamente cooperativo, que

    mantenha pouco contato com a populao majoritria (no-cooperativa), e que nestes

    poucos contatos se disponha a adotar uma poltica de retaliao (tit-for-tat) em relao

    aos no-cooperativos.24

    Tendo os resultados de Axelrod e de Taylor em vista, pode-se dizer que Hirschman

    novamente corrobora inadvertidamente minha interpretao da inflao relacionada a um

    dilema do prisioneiro ao afirmar a tese de que uma alta taxa de desconto nas preferncias

    temporais dos agentes (somada a um certo grau de amor ao risco) inflacionria

    (HIRSCHMAN, 1985, pp. 69-70). Ele porm afirma que so raras as pessoas ao mesmo tempo

    risk-lovers e mais atentas ao curto prazo: pessoas de baixa renda teriam horizontes de curto

    prazo, mas seriam avessas ao risco; j as elites poderiam estar dispostas a assumir riscos,

    mas teriam largo horizonte temporal. Discordo de Hirschman aqui quanto a dois pontos.

    Em primeiro lugar, uma pessoa no tem de ser propensa a correr riscos para adotar

    um comportamento que contribua com a inflao, muito pelo contrrio: Hirschman faz esta

    associao indevida porque descartou equivocadamente a caracterizao da inflao como o

    resultado de um dilema do prisioneiro, deixando assim de perceber que a estratgia

    inflacionria, longe de estar associada com a propenso a correr riscos, fruto de uma

    opo dos agentes pela prpria segurana individual.

    Em segundo lugar, minha hiptese de que, numa sociedade pretoriana, a taxa de

    desconto das preferncias temporais especialmente elevada vale para todos os agentes,

    inclusive (e, talvez, particularmente, por serem melhor informadas) as elites. Afirmo,

    portanto, que a postulao usual de que as elites, mais do que outras camadas sociais,

    tendem a levar em considerao ponderaes de longo prazo em suas decises no se

    24

    Para uma exposio sucinta dos resultados de Taylor e de Axelrod, ver Frank ZAGARE (1984, pp. 58-62).

  • 15

    aplica a sociedades pretorianas, de vida poltica precariamente institucionalizada.25 Isto

    porque conforme j foi dito nestas sociedades a mudana das regras uma possibilidade

    sempre aberta (com ou sem golpes de estado), o que torna racional a opo de acumular

    tanto quanto for possvel agora, e tentar impedir seu oponente de recuperar suas perdas

    depois. At porque, se no toma a iniciativa, cada agente corre o risco de se tornar a vtima

    passiva do processo este sim, um risco pondervel. Assim sendo, mesmo os grupos

    avessos ao risco sero compelidos a um comportamento agressivo.

    Caracterizada, portanto, a inflao como o equilbrio sub-timo resultante do dilema

    do prisioneiro configurado pelo conflito distributivo, e constatada a implausibilidade nas

    circunstncias que caracterizam as sociedades pretorianas das condies requeridas pela

    literatura para a emergncia de uma soluo cooperativa espontnea para o dilema do

    prisioneiro, ento a inflao nas sociedades pretorianas passa a ser um problema cuja

    soluo duradoura passa inevitavelmente pelo problema constitucional da consolidao

    das instituies polticas nacionais.26 A alternativa necessariamente de curto prazo, e de

    efeitos altamente nefastos ou o instrumento coercitivo do congelamento de preos (que

    faz aumentar ainda mais o grau de incerteza em que opera o sistema), ou uma recesso de

    efeitos avassaladores sobre a economia e os planos de vida das pessoas,27 ou ento numa

    perspectiva temporal um tanto mais longa, mas tambm certamente temporria a

    25

    Em corroborao a este ponto, evoco as constantes reclamaes na literatura tanto a acadmica quanto a jornalstica acerca do comportamento predatrio das elites brasileiras. A caracterizao do Brasil como um caso de sociedade pretoriana um dos assuntos da prxima seo.

    26 A distino entre os nveis constitucional e operacional da vida poltica elaborada em BUCHANAN e

    TULLOCK (1962). Uma utilizao destas categorias com vistas ao caso brasileiro encontra-se em Fbio

    Wanderley REIS (1976). Em outro trabalho do mesmo autor (REIS, 1989, pp. 162-7) encontra-se uma

    exposio acerca do problema constitucional acarretado pela penetrao do capitalismo em sociedades

    tradicionais: a progressiva expanso do princpio igualitrio das relaes mercantis em uma sociedade

    hierarquicamente segmentada traz consigo para a agenda pblica no apenas o tema da democracia poltica

    mas tambm o tema da democracia social, muito embora o prprio capitalismo esteja apoiado sobre

    desigualdades de classes que lhe so inerentes (o que torna certamente conflituosa e instvel a convivncia

    entre capitalismo e democracia). Este argumento tremendamente sugestivo para os propsitos do presente

    trabalho, uma vez que relaciona diretamente a dinmica mercantil do conflito distributivo ao processo de

    construo e transformao poltico-institucional das sociedades, bem como s vicissitudes deste processo.

    O pretorianismo de Huntington consiste justamente nas idas e vindas tpicas da vida poltica de sociedades

    que se vem s voltas com um problema constitucional no resolvido (REIS, 1989, p. 165).

    27 Falo de planos de vida pensando em James FISHKIN (1979), e portanto pensando na opo recessiva,

    dependendo da intensidade da recesso necessria, como altamente tirnica, eventualmente mais tirnica

    que o congelamento de preos. Isto porque Fishkin define uma poltica como tirnica a partir dos efeitos

    nefastos que ela venha a ter sobre os planos de vida da populao.

  • 16

    represso pura e simples atuao de alguns ou todos os grupos atuantes no conflito

    distributivo.28

    Portanto, uma vez instalado um processo inflacionrio crnico em uma sociedade

    pretoriana, ele somente ser revertido politicamente isto , mediante a percepo pelos

    atores cruciais de que esto todos perdendo com a persistncia da inflao e sua

    conseqente deciso de colaborar para a sua superao (analiticamente, esta situao

    equivale transformao das preferncias dos atores de modo tal que o dilema do

    prisioneiro em que estavam imersos se transforme num jogo da garantia;29 isto s

    possvel mediante alguma alterao objetiva do contexto). Uma hiptese plausvel para a

    emergncia desta propenso supe que ela s emerge aps a catstrofe guerras,

    sublevaes sangrentas, runa econmica, a prpria hiperinflao etc., diante das quais os

    atores podem ver-se dispostos a colaborar com o processo de construo institucional

    estvel para evitar a repetio do trauma do mal maior. Esta hiptese encontra

    corroborao, por exemplo, no fato de que somente depois do trauma da II Guerra Mundial

    os pases da Europa Continental encontraram o caminho da estabilidade democrtica. A

    mesma hiptese subjaz o raciocnio dos muitos que j pensam que s depois que a

    hiperinflao realmente chegar que ser possvel ao Brasil estabilizar sua economia.

    E assim chegamos ao Brasil.

    2.3. O caso da inflao brasileira desde 1980

    Escudados no fato de que no h, no momento, tanques na rua, e tampouco,

    aparentemente, disposio para quarteladas no interior das Foras Armadas, alguns talvez

    queiram negar acuidade caracterizao da sociedade brasileira como pretoriana.

    28

    Brian BARRY (1985, p. 297) enumera, com sarcasmo, as trs alternativas disponveis a um governo que

    queira acabar com a inflao: recesso, corporativismo ou exortao. Ele ctico quanto eficcia de

    qualquer uma delas, e observa que a exortao a que com maior freqncia adotada pelos governos. Para

    ele, solues neocorporativas tm produzido bons resultados em pases como Holanda e ustria, o que est

    longe de assegurar sua viabilidade em pases como os Estados Unidos ou mesmo a Gr-Bretanha (BARRY,

    1985, pp. 296-7). J LINDBERG (1985, p. 30), por outro lado, parece menos pessimista quanto s

    possibilidades de que um sistema de relaes industriais corporativas, alm de uma poltica de rendas,

    possa ter sucesso em deter a inflao. O otimismo de Lindberg com relao s chances de sucesso de um

    sistema corporativo de organizao e representao das relaes industriais corrobora minha concluso de

    que a soluo para a inflao um problema de natureza poltico-institucional. O problema com a posio

    de Barry que ele simplesmente renuncia soluo da inflao, atitude que possibilitada pelo fato de que

    ele no reconhece nela um problema grave opinio talvez aceitvel hoje em alguns pases da Europa e nos Estados Unidos, mas seguramente no no Brasil, por exemplo.

    29 O jogo da garantia (assurance game) difere do dilema do prisioneiro apenas no que se refere ordem

    das duas situaes preferidas pelos atores. (Assim, enquanto no dilema do prisioneiro DC>CC>DD>CD, no

    jogo da garantia CC>DC>DD>CD.) O resultado que o jogo da garantia apresenta dois pontos de equilbrio

    (DD e CC), mas apenas um deles estvel a cooperao universal (CC).

  • 17

    Entendo, todavia, que tal negao seria prematura num contexto como o brasileiro,

    independentemente da atual disposio dos militares para intervirem violentamente no

    processo poltico. Afinal, temos em vigor uma constituio que mal completou meia

    dcada, e, no obstante, hoje h poucos assuntos to insistentemente inseridos na agenda

    poltica brasileira quanto a necessidade de reformas na constituio. Praticamente no

    existem no Brasil instituies decisrias ou administrativas cujos procedimentos ou

    atribuies no sejam objeto de disputa. Assim, pode-se afirmar com segurana que nossa

    famosa crise de governabilidade to freqentemente propalada na imprensa e lamentada

    pelos sucessivos governos federais reside muito menos no teor da legislao em vigor que

    em sua instabilidade intrnseca, que faz com que o sistema legal seja, em boa medida,

    incuo, incapaz de afetar, para o bem ou para o mal, a dinmica viciosa da vida poltica

    brasileira. E este o trao fundamental do pretorianismo tal como definido por Huntington.

    este o principal sintoma daquilo que ele chama de baixo grau de governo (que, diga-se

    de passagem, no tem nada a ver com o tamanho do estado).

    A propsito desta caracterizao do Brasil como um caso de sociedade pretoriana

    la Huntington, talvez seja sugestivo um breve exerccio de reflexo sobre o caso brasileiro

    luz de uma tipologia elaborada por LINDBERG (1985, pp. 38-9) de trs diferentes

    configuraes de respostas inflao. Os trs grupos de pases so:

    1) pases de confrontao aberta e desestruturada (Estados Unidos, Reino Unido,

    Canad, Austrlia, Itlia);

    2) pases de confrontao suave e barganha estruturada (Alemanha Ocidental,

    ustria, Sucia, Noruega, Dinamarca, Holanda);

    3) pases de gerenciamento estatal ou controlado (Frana at 1979, Japo).

    Antes de mais nada, impressiona aos olhos do Terceiro Mundo em geral, e mesmo

    do Brasil somente que Estados Unidos, Reino Unido, Canad, Austrlia e Itlia sejam

    casos de confronto distributivo aberto e desestruturado. V-se que a tipologia no

    contempla a hiptese de incluso dos pases subdesenvolvidos, que s podem, portanto,

    formar um grupo parte. Alm disso, um caso como o do Brasil talvez o pior dos

    mundos mistura caractersticas deste grupo com as do grupo estatista (na classificao de

    Lindberg, casos da Frana e do Japo): temos um estado que tenta regular praticamente

    tudo na economia, mas que simplesmente no consegue regular, no consegue fazer com

    que suas determinaes sejam sequer cumpridas, que dir fazer com que sejam eficazes. O

    interesse desta observao aqui que ela se casa esplendidamente com a caracterizao que

    Huntington faz das sociedades pretorianas como sociedades com baixo grau de governo.

    Uma objeo mais forte, contudo, pode ser formulada: a caracterizao do Brasil

    como pretoriano tem de se aplicar a pocas em que a inflao, embora existisse, esteve

  • 18

    sempre abaixo dos ndices apresentados na dcada de 80. Por que teria ela escapado ao

    controle agora e no antes?

    Para tentar responder a essa questo cabe, em primeiro lugar, uma ressalva: a

    interpretao aqui esboada em torno das afinidades entre precariedade institucional e

    inflao crnica no pretende, absolutamente, elaborar uma nova teoria da inflao, em

    substituio s teorias econmicas existentes sobre o tema. Embora encontre tambm

    determinaes polticas, a inflao continua sendo um fenmeno acima de tudo econmico,

    e at, mais especificamente, monetrio. Assim, o conhecimento disponvel acerca do

    assunto na literatura econmica contempornea dever constituir-se no no inimigo a ser

    refutado, mas na principal fonte e campo de testes da tese, que ter de ser necessariamente

    compatvel com a literatura econmica se quiser atingir seus objetivos. Assim, a taxa de

    inflao encontra tambm determinaes outras que escapam ao mbito da investigao

    aqui proposta. O que, sim, se afirma aqui que, uma vez instalado um processo

    inflacionrio crnico numa sociedade pretoriana, este processo se mostrar

    particularmente resistente a terapias antiinflacionrias convencionais, e sua soluo

    duradoura estar vinculada ao processo de institucionalizao da vida poltica do pas.

    Feita a ressalva, porm, cabe reconhecer sem contudo ter de abandonar a

    caracterizao da sociedade brasileira como pretoriana que o Brasil j conheceu

    momentos de maior institucionalizao de sua vida poltica, o que, conseqentemente,

    propiciava um maior grau de governo. Para mencionar apenas um trao que diz respeito

    mais diretamente ao conflito distributivo, o arranjo corporativista das relaes trabalhistas

    implantado na dcada de 1930 seguramente permitia ao governo maior controle sobre a

    economia nacional do que ele dispe hoje, ao mesmo tempo em que era objeto de razovel

    consenso na populao em torno de sua legitimidade.30 Embora continuasse legalmente em

    vigor, a partir de 1964 ele foi virtualmente substitudo pela represso aos sindicatos e a

    arbitragem dos salrios pelo governo federal. Com a abertura, a contestao aberta ao

    sistema corporativista ganhou fora a partir dos ltimos dez anos especialmente nas

    plataformas do novo sindicalismo, que engendrou o PT e a CUT. O resultado que, de

    dez anos para c, temos vivido um estado de perfeita anomia no que diz respeito ao conflito

    distributivo, com uma legislao trabalhista e uma lei de greve ultrapassadas e que caram

    em desuso, sem que se tenha obtido nenhum consenso em torno de um novo arranjo

    institucional para a administrao das relaes entre capital e trabalho no Brasil.

    30

    A respeito da concordncia dos trabalhadores brasileiros com o esprito organicista da legislao

    trabalhista em vigor durante o perodo que vai de 1946 a 1964, ver Kenneth Paul ERICKSON (1975, pp. 57-

    8).

  • 19

    O desenvolvimento institucional, v-se portanto, no um caminho de mo nica,

    mas comporta idas e vindas. Alguns anos de estabilidade institucional significam um

    avano no processo de institucionalizao que pode ser praticamente zerado por um

    eventual rompimento das regras do jogo. O principal fermento da institucionalizao o

    tempo. Por isto, quanto mais tempo durar um determinado arranjo institucional, mais difcil

    se tornar sua remoo (o que talvez ajude a explicar a particular violncia com que foi

    efetuado o golpe militar no Chile em 1973).

    Assim, defendida a plausibilidade da caracterizao do Brasil como um caso de

    sociedade pretoriana, torna-se possvel utilizar a teoria aqui proposta para estudar a

    experincia inflacionria brasileira, especialmente na ltima dcada, quando a inflao

    ultrapassou a marca dos 100% anuais. A experincia de 1980 para c particularmente

    interessante por tratar-se de uma poca em que, num prazo relativamente curto,

    praticamente se tentou de tudo em matria de poltica econmica antiinflacionria, sem

    que no entanto qualquer das polticas experimentadas lograsse reduzir a inflao de maneira

    duradoura. Talvez nenhum outro experimento em cincias sociais aproxime-se tanto das

    condies de um laboratrio quanto o estudo da inflao brasileira nos ltimos dez anos.

    Comeamos a dcada atravessando a recesso decorrente de uma poltica ortodoxa de

    reduo da inflao, passamos depois poca dos sucessivos choques de congelamento de

    preos e salrios, e voltamos agora poltica recessiva sem que a inflao se curvasse em

    nenhum momento, a no ser enquanto duravam os perodos de congelamento de preos,

    mas ainda assim apenas para explodir com violncia cada vez maior to logo era iniciada a

    liberao dos preos. Pagamos e deixamos de pagar a dvida externa em diversos

    momentos, sempre com resultados decepcionantes. Desindexamos e reindexamos a

    economia sucessivas vezes, e nada. Por qu? Qual foi o parmetro que se manteve

    constante ao longo de todos estes anos, e que todos os governos ameaaram encarar, mas no

    qual invariavelmente fracassaram?

    A hiptese aqui defendida que a varivel crucial que impediu o governo no s de

    derrotar a inflao, mas praticamente de governar nesse perodo foi o vcuo institucional

    que se abriu a partir da acelerao da abertura no governo do General Figueiredo. De l para

    c, nenhuma fora poltica conseguiu construir uma hegemonia que possibilitasse a

    formao de um consenso mnimo em torno de um novo formato institucional internamente

    consistente para o pas. A Constituio de 1988, elaborada no interior dessa fragmentao

    poltica, uma colcha de retalhos excessivamente detalhista e carente de articulao

    interna, fruto dos inmeros lobbies em torno de pequenos problemas que se formaram

    durante o trabalho constituinte, ocupando o vazio deixado pela ausncia de uma conduo

  • 20

    poltica hegemnica.31 E, finalmente, as intervenes crescentemente violentas do governo

    na economia com vistas a controlar a inflao (principalmente os sucessivos congelamentos

    de preos efetuados a partir de 1986), ao aumentarem enormemente a incerteza na

    economia, colaboraram decisivamente para a exploso inflacionria que se observou desde

    ento. (O paradoxo fatal aos choques heterodoxos consiste em que eles intervm

    brutalmente no mercado e esperam que as pessoas ignorem este fato ao formarem suas

    expectativas.)32

    3. Concluso: Linhas de Pesquisa Possveis

    O enfoque aqui apresentado baseia-se na hiptese de que a estrutura de preferncias

    dos atores envolvidos no conflito distributivo pode ser adequadamente descrita pela

    configurao que na teoria dos jogos recebe o nome de dilema do prisioneiro, e que, na

    ausncia de instituies slidas (ou seja, nas sociedades pretorianas de Huntington, com

    baixo grau de governo), o poder pblico fracassa na tarefa primria que lhe foi atribuda

    por Hobbes, isto , torna-se incapaz de constranger eficazmente os diversos atores

    envolvidos a adotarem estratgias cooperativas, criando condies favorveis

    generalizao de uma opo maximizadora egosta, o que leva a um resultado sub-timo,

    porm racional, a inflao. Pretende-se que esta interpretao ajude a explicar a acelerao

    da inflao brasileira que se observou concomitantemente ao fim do regime militar, e a

    31

    Naturalmente, nada disso quer dizer que durante o regime militar o problema institucional estivesse

    resolvido; apenas chamo ateno para o vcuo poltico que se foi instalando no Brasil a partir do

    fenecimento da ditadura, e do aumento do grau de incerteza inclusive institucional da economia a partir deste fenmeno. Se a teoria aqui esboada estiver correta, isto ter trazido efeitos danosos sobre a

    administrao do conflito distributivo, com conseqente crescimento da inflao. HIRSCHMAN (1985, pp.

    62-4), por exemplo reportando-se a um argumento de Jos SERRA (1979) , nos lembra que, devido persistncia do conflito inter-capitalistas, a inflao no Brasil, mesmo durante o regime militar, nunca foi

    inferior a 15% ao ano. Assim, a funo precpua da indexao brasileira era evitar os impactos intersetoriais

    danosos da inflao. Um pouco adiante (p. 73) Hirschman lembra que, alm do conflito, tambm o grau de

    permeabilidade do governo a demandas colabora diretamente com a inflao, e nada assegura que regimes

    militares sejam mais intransigentes nesse ponto. Pelo contrrio, a experincia mostra que nos regimes

    militares os favores se multiplicam e a inflao se mantm a despeito da represso ao movimento sindical.

    Acerca do acesso (ainda mais) privilegiado de determinados setores da burguesia ao processo de tomada de

    decises governamentais sob os regimes autoritrios recentes na Amrica Latina, so referncias teis

    Guillermo O'DONNELL (1975) e Fernando Henrique CARDOSO (1979), entre outros.

    32 Este argumento acerca da influncia dos sucessivos choques econmicos sobre as expectativas dos

    empresrios e seus efeitos nefastos sobre a inflao est presente, por exemplo, em Jos Mrcio CAMARGO

    (1990, esp. pp. 19-21).

  • 21

    resistncia desta mesma inflao s mais diversas terapias antiinflacionrias a que a

    economia do pas foi submetida durante os ltimos dez anos.

    Vrios objetos de pesquisa mais detalhada podem-se enumerar desde j, com vistas

    a se testar a acuidade e avaliar a fecundidade da teoria aqui proposta. Diversas arenas do

    conflito distributivo podem ser tomadas como objeto de estudo, como possveis focos do

    processo inflacionrio, e suas conexes com o subdesenvolvimento institucional brasileiro

    investigadas, inclusive mediante comparaes com outros pases.

    No que diz respeito ao setor governamental, por exemplo, uma institucionalidade

    frgil traria efeitos inflacionrios especialmente no que tange forma de financiamento do

    dficit pblico, que na falta de controles legais adequados tenderia a ser feito atravs do

    mecanismo mais cmodo, que a emisso de moeda.33 No caso do Brasil, a ltima dcada

    somou indefinio poltica a um estado de absoluta penria nas contas do governo,

    pressionado por uma dvida externa em elevao e um sistema fiscal ineficiente. Uma

    investigao sobre as formas de financiamento do dficit brasileiro na ltima dcada,

    comparada com a experincia de outros pases, de preferncia institucionalmente estveis,

    seria certamente proveitosa para uma avaliao da fecundidade do enfoque aqui proposto.

    Outra arena crucial do conflito distributivo , naturalmente, a do conflito entre

    capital e trabalho em torno da determinao dos lucros e salrios na economia. Aqui

    seguramente a ausncia de instituies mediadoras consensualmente reconhecidas tem

    implicaes da maior relevncia sobre o acirramento do conflito, com possibilidade de

    implicaes particularmente graves sobre o andamento da economia como um todo.

    Tambm neste aspecto o pas vem vivendo uma penosa experincia de vcuo institucional,

    devida ao fato j mencionado de a legislao trabalhista em vigor desde a dcada de 30 ter

    sido quase que unanimemente contestada na ltima dcada, sem que nenhum acordo tenha

    sido alcanado para a formulao de uma nova legislao que a substitusse com o

    assentimento dos principais atores interessados.

    Ainda relativamente ao conflito entre capital e trabalho, creio que merece

    considerao atenta a j abundante contribuio de Edward Amadeo e Jos Mrcio

    Camargo ao estudo da inflao brasileira, vinculando-a ao conflito distributivo atravs da

    espiral salrios/preos deflagrada pelo mecanismo por eles descrito da filosofia do

    33

    O pior que j se percebe que, uma vez incorporada a inflao expectativa dos agentes, nem um dficit

    zerado ser necessariamente suficiente para derrubar a inflao, pois os agentes tratam de se proteger

    antecipadamente. Este argumento acerca das implicaes inflacionrias do aprendizado da populao em

    conviver com a inflao, bem como da possibilidade de inflao com oferta de moeda estacionria pode ser

    encontrado, por exemplo, em Mrio Henrique SIMONSEN (1991).

  • 22

    repasse.34 Partindo da constatao de que, ceteris paribus, qualquer variao de preo

    significa transferncia de renda na economia, Amadeo e Camargo tm, em seus trabalhos

    recentes sobre a inflao brasileira, caracterizado o processo inflacionrio como decorrncia

    da possibilidade de que desfrutam determinados setores da indstria de repassarem parte

    substancial ou mesmo a totalidade dos aumentos de seus custos (notadamente salrios)

    aos preos de seus produtos. Segundo Jos Mrcio CAMARGO e Carlos Alberto RAMOS

    (1988, pp. 8-9), a partir do momento em que a inflao decorrente desses repasses engendra

    a necessidade de uma reposio salarial, indexando a evoluo dos salrios nominais a uma

    inflao passada, a ento instala-se inevitavelmente um processo inflacionrio crnico, que

    tende a perpetuar indefinidamente uma determinada taxa inicial de aumento de preos.

    Embora os economistas nem sempre se mostrem de acordo quanto aos efeitos

    inflacionrios da espiral salrios/preos, hesitando em imputar a existncia da inflao ao

    conflito distributivo, parece haver convergncia em reconhecer que a forma de

    administrao do conflito distributivo produz um forte impacto sobre a inflao.35 Assim, se

    por um lado verdade que a magnitude da inflao no ser determinada por nada que se

    possa chamar de intensidade do conflito distributivo, por outro lado deve-se admitir que a

    generalizao da prtica do repasse de aumentos salariais aos preos, acompanhada da

    indexao dos salrios a uma inflao passada, constitui condio suficiente ainda que

    no necessria para que se instaure um processo inflacionrio crnico de difcil reverso.

    H um segundo aspecto pelo qual a contribuio de Amadeo e Camargo reveste-se

    de especial interesse para os meus propsitos, que o fato de eles insistirem na importncia

    de variveis institucionais no processo inflacionrio (AMADEO e CAMARGO, 1989a e

    1989b). Sua abordagem do tema, contudo, bastante diferente da minha. Em primeiro

    lugar, seu vetor de variveis institucionais diz respeito exclusivamente estrutura sindical

    e atuao dos sindicatos, e ainda assim para desempenhar um papel apenas residual na

    determinao do grau de ativismo sindical (AMADEO e CAMARGO, 1989b, p. 8). Mais

    importante que isto, porm, observar que no estamos tratando da mesma coisa quando

    nos referimos ao tema institucional. Enquanto Amadeo e Camargo incorporam variveis

    institucionais a um modelo que pretende explicar a inflao (distinguindo assim entre

    instituies especficas que em diferentes contextos facilitam ou dificultam a administrao

    34

    Sobre a filosofia do repasse, ver AMADEO e CAMARGO (1990, pp. 86-9). Os captulos 4 e 5 desse trabalho

    (pp. 77-108) foram posteriormente transformados num artigo e republicados duas vezes (AMADEO e

    CAMARGO, 1991a e 1991b). Para uma formalizao do problema, incluindo com destaque os efeitos dos

    congelamentos de preos sobre a dinmica da formao de rendas na economia, ver CAMARGO (1991).

    35 Para um texto que recusa a definio da inflao como resultado do conflito distributivo, mas que reconhece

    a importncia do impacto que a administrao do conflito produz sobre a inflao, ver, por exemplo, Mrio

    Henrique SIMONSEN (1988).

  • 23

    do conflito distributivo), o que eu pretendo fazer aqui demonstrar a equivalncia lgica

    entre, de um lado, o problema da administrao do conflito distributivo com o objetivo de

    controlar a inflao e, do outro, o clssico problema hobbesiano da instaurao da ordem

    poltica em sociedades em estado de natureza. Se meu argumento estiver correto, esta

    afinidade nos impediria de solucionar o primeiro problema sem um adequado

    encaminhamento do segundo. Ou seja, se o poder pblico no dispe de canais

    institucionais consensualmente reconhecidos como legtimos para dirimir conflitos polticos

    de diversas naturezas, tampouco estar apto a administrar o conflito distributivo de forma a

    evitar eventuais exploses hiperinflacionrias ou a reduzir eficientemente inflaes

    cronicamente elevadas. Amadeo e Camargo, diferentemente, procuram avaliar os diferentes

    impactos que estruturas institucionais diversas tais como variados graus de sincronizao

    ou de centralizao da negociao (AMADEO, 1991) tero sobre o conflito distributivo e a

    inflao. No acredito, todavia, que esta diferena de enfoque traduza qualquer

    incompatibilidade necessria entre a minha abordagem do problema e a de Amadeo e

    Camargo. Pelo contrrio, julgo-as antes complementares, embora se possa afirmar

    simplificando ao extremo nossos argumentos que enquanto a minha abordagem d nfase

    ao problema geral da falta de instituies e seus efeitos danosos sobre o processo

    inflacionrio brasileiro, o diagnstico de Amadeo e Camargo redunda, de certo modo, na

    afirmao de que temos as instituies erradas.36

    Os trabalhos de Amadeo e Camargo procuram mostrar, portanto, que a estrutura

    oligopolizada e protegida da economia brasileira e a forte segmentao do mercado de

    trabalho no Brasil permitem aos setores mais organizados da economia (oligoplios

    industriais e trabalhadores sindicalizados) protegerem-se da inflao e repassarem seus

    custos para os setores ditos concorrenciais da indstria e para os trabalhadores no

    organizados. De fato, segundo eles, ao longo da dcada de 80 a disperso dos salrios

    aumentou consideravelmente no Brasil, a despeito da poltica salarial que procurou

    sistematicamente garantir reajustes mais altos para as faixas salariais mais baixas, e tanto os

    lucros reais quanto os salrios reais aumentaram na indstria paulista (a mais moderna e

    mais organizada do pas) entre 1976 e 1988.37 importante assinalar, porm, que estes

    resultados especialmente no que dizem respeito evoluo dos salrios reais so

    fortemente contestados por Bernardo Gouthier MACEDO e Luiz Guilherme PIVA (1992, pp.

    36

    Agradeo Prof.a Maria Regina Soares de Lima por ter chamado minha ateno para este ltimo ponto.

    37 Para dados relativos ao aumento da disperso salarial, bem como dos lucros e salrios reais na indstria

    paulista, ver AMADEO e CAMARGO (1990, pp. 89-100).

  • 24

    21-5), com base em dados do Dieese, da Fundao Seade e do IBGE.38 Para MACEDO e

    PIVA (1992, p. 22), a transferncia de renda que possa ocorrer do segmento concorrencial

    para o oligopolizado no apropriada da mesma forma por empresrios e trabalhadores que

    compem este ltimo. De acordo com os dados utilizados por MACEDO e PIVA (1992, pp.

    21-2), os salrios reais mdios do setor privado da Grande So Paulo perderam algo em

    torno de 40% de seu valor entre 1985 e 1991, o mesmo acontecendo entre os metalrgicos

    de So Bernardo do Campo e Diadema entre 1980 e 1989. Mesmo levando em conta o fato

    de que Amadeo e Camargo cobrem um perodo diferente (1976-1988) e usam dados que

    tomam por base o Estado de So Paulo como um todo, os resultados no parecem

    compatveis. No cabe aqui procurar fazer esta compatibilizao (at porque no disponho

    dos dados necessrios, e tampouco seria eu a pessoa mais habilitada a faz-la), mas a

    discrepncia entre os resultados de Amadeo e Camargo e os de Macedo e Piva to grande

    que me deixa ctico quanto possibilidade de se dissiparem as dvidas sem que se recorra

    discusso das metodologias empregadas na obteno de cada um dos dados utilizados.

    De qualquer forma, minha hiptese consiste em afirmar que o estado de virtual

    anomia em que se acham imersas as relaes trabalhistas no Brasil desde o fim do regime

    militar dificultou enormemente ao governo a administrao do conflito distributivo,

    impedindo um combate eficaz inflao e independentemente de estarem corretos

    Amadeo e Camargo ou Macedo e Piva permitindo o aguamento das desigualdades

    sociais no Brasil. Pode-se mostrar que as iniciativas governamentais na poltica econmica

    especialmente no que tange s relaes trabalhistas, como a poltica salarial, por exemplo

    tm sido em grande medida incuas, e cabe investigar se o recente processo de

    desmantelamento da legislao trabalhista vigente no ter potencializado ainda mais as

    dificuldades do governo na administrao do conflito distributivo.39

    Seria til, portanto, acompanhar a elaborao e a execuo (ou no) das polticas

    salariais do governo ao longo da dcada de 80 e investigar suas relaes com o processo

    inflacionrio brasileiro de ento, procurando explicitar at que ponto a alegada

    incapacidade governamental de fazer cumprir suas polticas ter contribudo para a

    persistncia da inflao. Assim sendo, um importante objeto de pesquisa seria o

    comportamento das centrais sindicais e das associaes patronais no perodo, sem deixar de

    38

    Amadeo e Camargo no revelam a fonte de seus dados, mas afirmam que todos os dados se referem s

    empresas da Fiesp, dando a entender que seria esta a sua fonte (AMADEO e CAMARGO, 1990, p. 92).

    39 A ineficcia das polticas salariais recentes no Brasil um dos resultados da anlise de AMADEO e

    CAMARGO (1989c). Joo SABOIA (1991, pp. 181-5), porm, qualifica a afirmao, com base principalmente

    no crescimento relativo dos salrios mais baixos entre 1979 e 1982.

  • 25

    considerar o fato de que elas prprias enfrentavam problema semelhante ao do governo no

    que toca dificuldade de liderar seus representados.

    Tambm as sucessivas tentativas de pacto social podem ser analisadas, alm dos

    vrios e diferentes planos de estabilizao aos quais recorreu o governo ao longo da

    dcada. Pois, estando correta minha abordagem do problema, no de se admirar que as

    sucessivas tentativas de pacto tenham dado em nada, pois nenhuma delas trazia o tema

    institucional em sua pauta. O Congresso Nacional sequer costumava ser convidado a

    participar, e assim empresrios, governo e sindicatos sentavam-se uns diante dos outros sem

    terem nada que pudessem realmente negociar. Dado o dilema do prisioneiro em que esto

    todos inseridos, nenhum pode decidir unilateralmente pela colaborao. E mesmo se todos

    concordarem em cooperar, todos tero um incentivo para se comportarem como caronas,

    na falta de alguma sano que possa ser aplicada contra o transgressor. O pacto s ser

    possvel quando sua agenda incluir arranjos institucionais (neocorporativos?) que

    produzam uma alterao nas preferncias dos atores de forma a configurar um jogo da

    garantia, ou ento mais plausivelmente, mantido o dilema do prisioneiro que possam

    pelo menos obrigar os atores (com o consentimento destes) cooperao. A alternativa

    esperar pela catstrofe que viria na forma de hiperinflao aguda ou ento assistir a uma

    lenta e prolongada decadncia econmica e poltica.

    Assim, uma linha de pesquisa que se impe o acompanhamento da atividade

    sindical do perodo, bem como da poltica salarial e das diversas tentativas de pacto social.

    No que concerne aos pactos, possvel ainda recorrer a comparaes com experincias de

    outros pases, especialmente daqueles onde houve arranjos bem-sucedidos, para analisar as

    circunstncias nas quais ocorreram aqueles sucessos.

    Finalmente levando-se em conta o fato de que nos ltimos anos o Brasil tem sido

    um dos pases latino-americanos de pior desempenho econmico , seria desejvel analisar

    alguns casos recentes de estabilizao econmica aparentemente bem-sucedida em pases

    teoricamente semelhantes em alguns aspectos ao Brasil, tais como Bolvia, Chile, Mxico e

    Argentina. Esta comparao pode mesmo se constituir num teste decisivo do enfoque aqui

    proposto, em que se avaliar se as circunstncias da aparente recuperao econmica

    daqueles pases so ou no compatveis com as hipteses aqui defendidas.

  • 26

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