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O Consumo de Medicamentos e a Polimedicação em Portugal Alexandra Pinto*, Victor Lobo , Fernando Bação , Helena BacelarNicolau* * Laboratório de Biomatemática, Faculdade de Medicina de Lisboa, Escola Naval, ISEGIUNL Portugal é um dos países com maior consumo de medicamentos per capita. O consumo de medicamentos implica, não só, riscos para o doente, como também um forte encargo para o Serviço Nacional de Saúde. A polimedicação, apontada por muitos autores como o consumo simultâneo de pelo menos cinco fármacos, pode ter consequências de extrema gravidade para o doente e é responsável por muitos internamentos. A consciência desta situação levou Portugal à criação de um projecto pioneiro, MAISCINCO, de divulgação e aconselhamento farmacoterapêutico da população. Neste trabalho utilizaramse os dados do 4º Inquérito Nacional de Saúde (2005/06), instrumento que avalia a saúde da população portuguesa, realizado em Portugal Continental e nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira. Introdução Objectivo É objectivo deste trabalho calcular as estimativas das prevalências dos consumos dos medicamentos prescritos e não prescritos, referidos no INS. Pretendese também averiguar quais os indivíduos com maiores consumos de medicamentos, quais os medicamentos mais consumidos e qual a prevalência estimada da polimedicação em Portugal e nas sete regiões da NUTS II. Referências bibliográficas Figura 1 Nota: A informação apresentada que se prende com o consumo de mediamentos referese sempre às duas semanas anteriores à realização do inquérito. Medicamentos prescritos e não prescritos Dos 41193 indivíduos inquiridos (51,7% do sexo feminino e 48,3% do sexo masculino), 21374 (51,9%) fizeram medicação prescrita pelo médico (incluindo pílulas contraceptivas, pomadas cremes, cremes, injeccções e vacinas) nas duas semanas anteriores à entrevista. Destes, 62,5% eram do sexo feminino e 37,5% do sexo masculino (Figura 1). Fizeram medicação não prescrita pelo médico (incluindo vitaminas e minerais) 8,2% (3371) dos indivíduos (Figura 2). Destes, 56,9% eram do sexo feminino e 43,1% do sexo masculino. O consumo simultâneo de medicamentos prescritos (P) e não prescritos (NP) verificouse em 4,4% (1802) dos indivíduos. Em oposição, 44,2% (18212) dos indivíduos não fizeram qualquer tipo de medicação. Figura 2 Dos indivíduos que tinham consumido medicamentos prescritos, 8,4% também tinham consumido medicamentos não prescritos. Medicação e Polimedicação Embora não haja consenso quanto ao número de medicamentos prescritos para se considerar que o doente é polimedicado, é comum falarse num mínimo de 5. Cerca de 5,45% (2245) dos indivíduos inquiridos revelaramse polimedicados, quando se contabilizaram apenas os medicamentos prescritos pelo médico. Quando se contabilizaram, simultaneamente, os medicamentos prescritos e os não prescritos pelo médico, encontraramse 6,02% (2481) de polimedicados (Figura 3). Figura 3 Perfil de consumo por sexo e idade Analisado o consumo total por sexo, para pelo menos 1, 2, 3 , 4 ou 5 medicamentos por dia, verificouse que o consumo foi sempre superior no sexo feminino (Figura 4). A diferença entre o consumo nos dois sexos atingiu o seu máximo em 3 ou mais medicamentos por dia (12,5%), começando a decair a partir de 4 ou mais (Figura 5). Figura 4 Figura 5 Neste estudo pôde confirmarse a forte tendência de o consumo de medicamentos aumentar com a idade (Figura 6). O consumo médio em indivíduos com idades não superiores a 14 anos foi de 1,27±0,57 medicamentos por dia, subindo para 3,05±1,8, em idades superiores ou iguais a 65 anos, mantendose esta crescente nos polimedicados. A prevalência da polimedicação em indivíduos com mais de 64 anos foi de 18,8% e nos indivíduos com menos de 15 anos foi de 0,2%. Na Figura 7 pode verse a idade e o sexo aparecem como factores associados ao consumo de medicamentos. Figura 6 Figura 7 [1] Alto Comissariado da Saúde (2009). Consumo de medicamentos ansiolíticos, hipnóticos e sedativos e antidepressivos no mercado do SNS, em ambulatório. http://www.acs.minsaude.pt/pns/acessibilidadeaomedicamento/healthimpactassessment/. (Acedido em 05 de Abril de 2010). [2] Ferreira, R. (2007). Consumo crónico de medicamentos na população de um Centro de Saúde. Rev Port Clin Geral 23, 125132. [3] MAISCINCO, (2008). Polimedicação. http://www.maiscinco.com/a01.html. (Acedido em 10 de Abril de 2010). [4] Silva, P., Luís S., Biscaia A. (2004). Polimedicação: um estudo de prevalência nos Centros de Saúde do Lumiar e de Queluz. Rev Port Clin Geral 20, 323336. Perfil de consumo por região Os consumos efectuados nas sete regiões da NUTS II, embora com algumas diferenças entre si, apresentaram a mesma tendência (Figura 8). A região de Lisboa e Vale do Tejo destacase por ser a que apresenta consumos mais elevados e a R. A. da Madeira a região com menores consumos. A esta região seguemse a do Algarve e a R. A. dos Açores. Numa posição intermédia de consumo e de idêntico perfil entre si situamse as regiões do Norte, Centro e Alentejo (Figuras 8 e 9). Figura 9 Figura 8 Tipo de medicamentos consumidos De entre os vários motivos que levaram os indivíduos a consumir medicamentos, a tensão arterial elevada (17,7%) foi notoriamente o mais frequente (Figura 10). Seguiramse as dores nas articulações (10,4%), o colesterol elevado (10,0%), as perturbações do sono (8,3%) e outra doença cardiovascular (7,4%). O recurso a medicamentos por motivos não especificados no inquérito foi de 15,6% (“Outros medicamentos”). Figura 10 Tipo de medicamentos consumidos por região Considerações finais Como principais resultados obtidos é de referir que no inquérito realizado: cerca de metade dos indivíduos consomem medicamentos receitados pelo médico; 8,2% dos indivíduos consumiam medicamentos não receitados pelo médico; as mulheres e os idosos eram mais susceptíveis de consumir medicamentos; a tensão arterial elevada era a causa mais frequente de consumo de medicamentos; Lisboa e Vale do Tejo era a região do país com maior prevalência de consumo de medicamentos, sugerindo que os indivíduos possam ter pior estado de saúde; a R. A. da Madeira apresentouse como a região com menores consumos de medicamentos, sugerindo que os indivíduos sejam mais saudáveis. Este estudo aponta para possibilidade de algumas diferenças encontradas poderem estar associadas a estilos de vida mais saudáveis (em algumas regiões como: Madeira, Açores e Algarve), o que se reflecte num menor (ab)uso dos medicamentos. O presente trabalho está de acordo com o que outros estudos já realizados demonstraram: o uso crónico de medicamentos e a polimedicação são mais prevalentes nas mulheres e nos idosos. Este trabalho pretende alertar para a existência da polimedicação em Portugal e para a necessidade de se estudar a polimedicação como factor de risco, principalmente nos idosos. Figura 11

O Consumo de Medicamentos e a Polimedicação em Portugal · A diferença entre o consumo nos dois sexos atingiu o seu máximo em 3 ou mais medicamentos por dia (12,5%), começando

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Page 1: O Consumo de Medicamentos e a Polimedicação em Portugal · A diferença entre o consumo nos dois sexos atingiu o seu máximo em 3 ou mais medicamentos por dia (12,5%), começando

O Consumo de Medicamentos e a Polimedicação em Portugal

Alexandra Pinto*, Victor Lobo , Fernando Bação , Helena Bacelar‐Nicolau*

* Laboratório de Biomatemática, Faculdade de Medicina de Lisboa, Escola Naval, ISEGI‐UNL

Portugal é um dos países com maior consumo de medicamentos per capita. O consumo de medicamentos implica, não só, riscos para o doente, como também um forte encargo para o Serviço Nacional de Saúde. A polimedicação, apontada por muitos autores como o consumo simultâneo de pelo menos cinco fármacos, pode ter consequências de extrema gravidade para o doente e é responsável por muitos internamentos. A consciência desta situação levou Portugal àcriação de um projecto pioneiro, MAISCINCO, de divulgação e aconselhamento farmacoterapêutico da população. Neste trabalho utilizaram‐se os dados do 4º Inquérito Nacional de Saúde (2005/06), instrumento que avalia a saúde da população portuguesa, realizado em Portugal Continental e nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira.

Introdução

ObjectivoÉ objectivo deste trabalho calcular as estimativas das prevalências dos consumos dos medicamentos prescritos e não prescritos, referidos no INS. Pretende‐se também averiguar quais os indivíduos com maiores consumos de medicamentos, quais os medicamentos mais consumidos e qual a prevalência estimada da polimedicação em Portugal e nas sete regiões da NUTS II.

Referências bibliográficas

Figura 1

Nota: A informação apresentada que se prende com o consumo de mediamentos refere‐se sempre às duas semanas anteriores à realização do inquérito.

Medicamentos prescritos e não prescritosDos 41193 indivíduos inquiridos (51,7% do sexo feminino e 48,3% do sexo masculino), 21374 (51,9%) fizeram medicação prescrita pelo médico (incluindo pílulas contraceptivas, pomadas cremes, cremes, injeccções e vacinas) nas duas semanas anteriores à entrevista. Destes, 62,5% eram do sexo feminino e 37,5% do sexo masculino (Figura 1). Fizeram medicação não prescrita pelo médico (incluindo vitaminas e minerais) 8,2% (3371) dos indivíduos (Figura 2). Destes, 56,9% eram do sexo feminino e 43,1% do sexo masculino.

O consumo simultâneo de medicamentos prescritos (P) e não prescritos (NP) verificou‐se em 4,4% (1802) dos indivíduos. Em oposição, 44,2% (18212) dos indivíduos não fizeram qualquer tipo de medicação.

Figura 2

Dos indivíduos que tinham consumido medicamentos prescritos, 8,4% também tinham consumido medicamentos não prescritos.

Medicação e PolimedicaçãoEmbora não haja consenso quanto ao número de medicamentos prescritos para se considerar que o doente é polimedicado, écomum falar‐se num mínimo de 5. Cerca de 5,45% (2245) dos indivíduos inquiridos revelaram‐se polimedicados, quando se contabilizaram apenas os medicamentos prescritos pelo médico. Quando se contabilizaram, simultaneamente, os medicamentos prescritos e os não prescritos pelo médico, encontraram‐se 6,02% (2481) de polimedicados (Figura 3). Figura 3

Perfil de consumo por sexo e idadeAnalisado o consumo total por sexo, para pelo menos 1, 2, 3 , 4 ou 5 medicamentos por dia, verificou‐se que o consumo foi sempre superior no sexo feminino (Figura 4). A diferença entre o consumo nos dois sexos atingiu o seu máximo em 3 ou mais medicamentos por dia (12,5%), começando a decair a partir de 4 ou mais (Figura 5).

Figura 4 Figura 5

Neste estudo pôde confirmar‐se a forte tendência de o consumo de medicamentos aumentar com a idade (Figura 6). O consumo médio em indivíduos com idades não superiores a 14 anos foi de 1,27±0,57 medicamentos por dia, subindo para 3,05±1,8, em idades superiores ou iguais a 65 anos, mantendo‐se esta crescente nos polimedicados. A prevalência da polimedicação em indivíduos com mais de 64 anos foi de 18,8% e nos indivíduos com menos de 15 anos foi de 0,2%.

Na Figura 7 pode ver‐se a idade e o sexo aparecem como factores associados ao consumo de medicamentos.

Figura 6 Figura 7

[1] Alto Comissariado da Saúde (2009). Consumo de medicamentos ansiolíticos, hipnóticos e sedativos e antidepressivos no mercado do SNS, em ambulatório. http://www.acs.min‐saude.pt/pns/acessibilidade‐ao‐medicamento/health‐impact‐assessment/. (Acedido em 05 de Abril de 2010).[2] Ferreira, R. (2007). Consumo crónico de medicamentos na população de um Centro de Saúde. Rev Port Clin Geral 23, 125‐132.[3] MAISCINCO, (2008). Polimedicação. http://www.maiscinco.com/a01.html. (Acedido em 10 de Abril de 2010).[4] Silva, P., Luís S., Biscaia A. (2004). Polimedicação: um estudo de prevalência nos Centros de Saúde do Lumiar e de Queluz. Rev PortClin Geral 20, 323‐336.

Perfil de consumo por regiãoOs consumos efectuados nas sete regiões da NUTS II, embora com algumas diferenças entre si, apresentaram a mesma tendência (Figura 8).A região de Lisboa e Vale do Tejo destaca‐se por ser a que apresenta consumos mais elevados e a R. A. da Madeira a região com menores consumos. A esta região seguem‐se a do Algarve e a R. A. dos Açores. Numa posição intermédia de consumo e de idêntico perfil entre si situam‐se as regiões do Norte, Centro e Alentejo (Figuras 8 e 9).

Figura 9

Figura 8

Tipo de medicamentos consumidosDe entre os vários motivos que levaram os indivíduos a consumir medicamentos, a tensão arterial elevada (17,7%) foi notoriamente o mais frequente (Figura 10). Seguiram‐se as dores nas articulações (10,4%), o colesterol elevado (10,0%), as perturbações do sono (8,3%) e outra doença cardiovascular (7,4%). O recurso a medicamentos por motivos não especificados no inquérito foi de 15,6% (“Outros medicamentos”).

Figura 10

Tipo de medicamentos consumidos por região

Considerações finaisComo principais resultados obtidos é de referir que no inquérito realizado:

cerca de metade dos indivíduos consomem medicamentos receitados pelo médico; 8,2% dos indivíduos consumiam medicamentos não receitados pelo médico;as mulheres e os idosos eram mais susceptíveis de consumir medicamentos;a tensão arterial elevada era a causa mais frequente de consumo de medicamentos;Lisboa e Vale do Tejo era a região do país com maior prevalência de consumo de medicamentos,

sugerindo que os indivíduos possam ter pior estado de saúde;a R. A. da Madeira apresentou‐se como a região com menores consumos de medicamentos,

sugerindo que os indivíduos sejam mais saudáveis.

Este estudo aponta para possibilidade de algumas diferenças encontradas poderem estar associadas a estilos de vida mais saudáveis (em algumas regiões como: Madeira, Açores e Algarve), o que se reflecte num menor (ab)uso dos medicamentos.

O presente trabalho está de acordo com o que outros estudos já realizados demonstraram: o uso crónico de medicamentos e a polimedicação são mais prevalentes nas mulheres e nos idosos.

Este trabalho pretende alertar para a existência da polimedicação em Portugal e para a necessidade de se estudar a polimedicação como factor de risco, principalmente nos idosos.

Figura 11