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1 UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ RODRIGO DOUGLAS FRANCÊZ CORRÊA O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NO BRASIL E A ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL Tijucas 2009

O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NO BRASIL E A …siaibib01.univali.br/pdf/Rodrigo Douglas Francez Correa.pdf · O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NO BRASIL E A ... A todos os Professores

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ

RODRIGO DOUGLAS FRANCÊZ CORRÊA

O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NO BRASIL E A ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO

FUNDAMENTAL

Tijucas

2009

RODRIGO DOUGLAS FRANCÊZ CORRÊA

O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NO BRASIL E A ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO

FUNDAMENTAL

Monografia apresentada como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Direito, pela Universidade do Vale do Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas, campus Tijucas. Orientadora: Prof.ª MSc. Thaís Vandresen

Tijucas

2009

1

RODRIGO DOUGLAS FRANCÊZ CORRÊA

O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NO BRASIL E A ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO

FUNDAMENTAL

Esta Monografia foi julgada adequada para obtenção do título de Bacharel em Direito e

aprovada pelo Curso de Direito do Centro de Ciências Sociais e Jurídicas, campus Tijucas.

Área de Concentração/Linha de Pesquisa: Direito Público/Direito Constitucional

Tijucas, 23 de outubro de 2009.

Prof.ª MSc. Thaís Vandresen Orientadora

Prof. MSc. Marcos Alberto Carvalho de Freitas Responsável pelo Núcleo de Prática Jurídica

2

À Vó Nina (in memoriam), com seu infinito amor, símbolo do

conceito de ser um pilar em uma família, desde sempre grande

incentivadora dos meus estudos, veraz entusiasta do meu sucesso

profissional e pessoal, e cuja ausência reverbera dolorida em meu

coração. A você, vovó, dedico este trabalho.

3

A Deus, fonte suprema de todo saber e alicerce íntimo nessa jornada acadêmica.

A toda minha família, pela confiança que depositaram em mim.

Aos meus pais, Alcenir Lemos Corrêa e Cléia Francêz Corrêa, que além de toda ajuda, apoio

e compreensão, foram expectadores orgulhosos nessa etapa que se conclui, sendo os braços

que me sustentaram quando eu não conseguia percorrer minha jornada sozinho.

Ao meu irmão, Diogo Phillipe Francêz Corrêa, um amigo eterno, que me entende e me ama.

À minha avó, Maria “Nina” Espíndola Francêz (in memoriam), que me amou, apoiou,

aconselhou e incentivou desde os primeiros passos na vida pessoal e profissional.

À Professora Orientadora, Thaís Vandresen, norte seguro na orientação deste trabalho e

profissional merecedora da minha grande admiração.

A todos os Professores do Curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí, campus

Tijucas, na pessoa do Professor Celso Leal da Veiga Júnior, que muito contribuíram para a

minha formação jurídica.

À Rafaella Cibele Coninck, que se mostrou, mais que uma amiga, uma irmã nessa jornada, e

cuja amizade ultrapassa os limites da vida acadêmica.

À Débora Cristini Silva, detentora da minha sincera amizade e grande admiração por seu

maravilhoso caráter e destacada inteligência.

À Georgia Paulina Motter Leal da Veiga, a primeira amizade verdadeira que fiz na

universidade e uma daquelas que continuará após a graduação.

À Ana Maria Spessato, pela amizade sólida, conselhos valiosos e broncas necessárias.

À Janaína Bez Lopes Borba, representando meus colegas de trabalho junto ao Fórum de Porto

Belo, que torce pelo meu sucesso profissional e é a melhor companhia diária que alguém

poderia ter.

Aos meus amigos extraclasse, Rafael Medeiros, Lucas Teixeira Leal Negrão e André Felipe

da Silva Gambeta, que traduzem o conceito de amizade e que sempre me apoiaram em tudo.

Ao William Domiciano dos Santos, pelo que me fez aprender e desaprender.

Aos colegas de classe, pelos momentos que passamos juntos e pelas experiências trocadas.

Aos que colaboraram com suas críticas e sugestões para a realização deste trabalho.

A todos que, direta ou indiretamente, contribuíram para a realização desta pesquisa.

4

Teu dever é lutar pelo Direito, mas se um dia encontrares o Direito em conflito com a Justiça, luta pela Justiça.

Eduardo Juan Couture

5

TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte

ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do Itajaí –

UNIVALI, a Banca Examinadora e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca

do mesmo.

Tijucas, 23 de outubro de 2009.

Rodrigo Douglas Francêz Corrêa Graduando

6

RESUMO Considerando que a Constituição de um Estado seja a lei máxima e que as demais normas legiferadas sob sua vigência lhe devam adequação, o controle de constitucionalidade surge para erradicar do ordenamento jurídico vigente, as normas que afrontem a Constituição, desde seu processo de nascimento no berço legislativo ou ainda, depois de adquirirem eficácia integrando o conjunto de leis do país. Nesta esteira, o objetivo primordial deste trabalho monográfico é, em um primeiro momento, investigar a origem e evolução história do controle de constitucionalidade no Brasil, desde a época da Constituição Imperial até o atual Texto Constitucional de 1988, acompanhando-se o processo de aprimoramento de referido controle em nosso país. Num segundo momento, analisa-se o controle de constitucionalidade de maneira concreta, suas formas e critérios de funcionamento, abordando-se as ações específicas pelas quais se guerreia a norma ou ato normativo dado como inconstitucional. Derradeiro, entra-se no cerne da presente pesquisa, expondo-se, especificamente a ação nominada Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, que se trata um expediente pouco utilizado, pelo qual se combate a inconstitucionalidade, adentrando-se na parte conceitual, particularidades, passando pela fase procedimental e efeitos da decisão proferida na mesma. Palavras-Chave: Constituição. Controle. Constitucionalidade. Arguição de Descumprimento

de Preceito Fundamental.

7

RESUMEN Considerando que la Constitución de un Estado sea la ley máxima y que las demás normas legiferadas bajo su vigencia le deban adecuación, el control de constitucionalidad surge para erradicar del ordenamiento jurídico vigente, las normas que afronten la Constitución, desde su proceso de nacimiento en la cuna legislativa o, aun, después de que adquieran eficacia integrando el conjunto de leyes del País. En esta estera, el objetivo primordial de este trabajo monográfico es, en un primer momento, investigar el origen y evolución histórica del control de constitucionalidad en el Brasil, desde la época de la Constitución Imperial hasta el actual Texto Constitucional de 1988, acompañándose el proceso de mejoramiento del referido control en nuestro País. En un segundo momento, se analiza el control de constitucionalidad de manera concreta, sus formas y criterios de funcionamiento, abordándose las acciones específicas por las cuales se guerrea la norma o acto normativo entendido como inconstitucional. Por fin, se entra en el íntimo de la presente pesquisa, exponiéndose, específicamente la acción llamada de Argumentación de Incumplimiento de Precepto Fundamental, que se trata de una herramienta poco utilizada, a través de la cual se combate la inconstitucionalidad, ingresando en el aspecto conceptual, particularidades, pasando por la fase de procedimientos y efectos de la decisión proferida en la misma. Palabras-Llave: Constitución. Control. Constitucionalidad. Argumentación de

Incumplimiento de Precepto Fundamental.

8

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

Abaixo uma lista das abreviaturas e siglas (à esquerda) utilizadas pelo Autor em seu

trabalho com o respectivo significado (à direita), visando uma pronta identificação quando do

manuseio do mesmo.

ADC Ação Declaratória de Constitucionalidade

ADECON Ação Declaratória de Constitucionalidade ADI Ação Direta de Inconstitucionalidade ADIn Ação Direta de Inconstitucionalidade ADPF Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental Art. Artigo CF Constituição Federal

CRFB Constituição da República Federativa do Brasil EC Emenda Constitucional Ed. Edição DF Distrito Federal L.A. Lei de Arguição nº. Número n. Número p. Página RTJ Revista Trimestral de Jurisprudência STF Supremo Tribunal Federal

UNIVALI Universidade do Vale do Itajaí v. Versus

9

LISTA DE CATEGORIAS E SEUS CONCEITOS OPERACIONAIS

Lista de categorias1 que o Autor considera estratégicas à compreensão do seu trabalho,

com seus respectivos conceitos operacionais2.

Constituição

A lei fundamental de um Estado, sendo a organização de seus elementos essenciais: um

sistema de normas jurídicas, escritas ou costumeiras, que regula a forma do Estado, a forma

de seu governo, o modo de aquisição e o exercício do poder, o estabelecimento de seus

órgãos, os limites de sua ação, os direitos fundamentais do homem e as respectivas garantias,

sendo, em suma, o conjunto de normas que organiza os elementos constitutivos do Estado3.

Supremacia Constitucional

É característica que confere superioridade da Constituição perante às demais normas em um

sistema jurídico, decorrendo, por conseguinte, da própria origem da Constituição, pois

provém de um poder constituinte originário, de natureza absoluta, bem como do seu caráter de

rigidez, sobrepondo-se as normas constitucionais em relação a todas as demais normas

jurídicas4.

1 Denomina-se “categoria” a palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou expressão de uma idéia. Cf. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica: idéias e ferramentas úteis ao pesquisador do Direito. 8ª ed. Florianópolis: OAB Editora, 2003, p. 31. 2 Denomina-se “Conceito Operacional” a definição ou sentindo estabelecido para uma palavra ou expressão, com o desejo de que tal definição seja aceita para os efeitos das idéias expostas ao longo do trabalho. Cf. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica: idéias e ferramentas úteis ao pesquisador do Direito, p. 43. 3 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 29. ed. São Paulo: Malhares Editores, 2007. p. 37. 4 PINHO, Rodrigo César Rebello. Teoria Geral da Constituição e Direitos Fundamentais. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 16.

10

Inconstitucionalidade por Ação

É o tipo de inconstitucionalidade que se verifica quando da produção de atos legislativo ou

normativos que contrariem dispositivos constitucionais, podendo este vício ser uma

inconstitucionalidade formal ou uma inconstitucionalidade material.5

Inconstitucionalidade formal

Trata-se da inconstitucionalidade individualizada pelo vício no procedimento ou no órgão

competente da norma infraconstitucional, uma vez que foi produzida por procedimento ou

órgão diverso do prescrito na norma constitucional na qual deveria ter encontrado o seu

fundamento de validade6.

Inconstitucionalidade material

É a inconstitucionalidade flagrada quando o conteúdo do ato infraconstitucional estiver em

contrariedade com alguma norma substantiva prevista na Constituição, seja uma regra ou um

princípio7.

Inconstitucionalidade por Omissão

Diz-se da ausência de elaboração de atos legislativos ou normativos que impossibilitem o

cumprimento de preceitos constitucionais, ou, em outras palavras, é a inconstitucionalidade

verificada quando não se puder cumprir um preceito constitucional em decorrência de inércia

legislativa ou administrativa dos poderes constituídos, que deixam de legislar paralelamente a

fim de regulamentar o efetivo alcance do referido preceito8.

Controle de Constitucionalidade Repressivo

Repressivo, sucessivo ou a posteriori são termos distintos para se referir ao controle de

constitucionalidade realizado após a elaboração da lei ou do ato normativo, tendo como

finalidade retirar uma lei ou ato normativo inconstitucional da esfera jurídica, sendo que, no

Brasil, via de regra, é exercido pelo Poder Judiciário, e, excepcionalmente, pelo Poder

Legislativo9.

5 PINHO, Rodrigo César Rebello. Teoria Geral da Constituição e Direitos Fundamentais, p. 33. 6 MORAES, Guilherme Peña de. Direito Constitucional: Teoria da Constituição. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2007. p. 140. 7 BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. 2. ed. Saraiva: São Paulo, 2006. p. 26. 8 PINHO, Rodrigo César Rebello. Teoria Geral da Constituição e Direitos Fundamentais, p. 33. 9 PINHO, Rodrigo César Rebello. Teoria Geral da Constituição e Direitos Fundamentais, p. 34.

11

Controle de Constitucionalidade Preventivo

Tem-se como definição do controle preventivo, também denominado controle prévio, o

controle realizado anteriormente à conversão de um projeto de lei, em lei propriamente dita,

visando impedir a integração de norma dotada de inconstitucionalidade ao ordenamento

jurídico10.

Controle de Constitucionalidade Concentrado

É o controle exercido exclusivamente por um Tribunal Superior de cada país ou, ainda, por

uma Corte Constitucional, como no caso do controle concentrado na Alemanha11.

Controle de Constitucionalidade Difuso

Trata-se do controle de constitucionalidade exercido pelos integrantes do Judiciário, lendo,

em integrantes, qualquer juiz ou tribunal, que podem declarar a inconstitucionalidade da lei

em um caso concreto, em exame12.

Controle Judiciário

É a definição do controle judicial da constitucionalidade, ou seja, o controle exercido pelo

Poder Judicial, quando se verifica a adequação vertical, da correspondência entre atos

legislativos e a Carta Maior da nação. É exercido por juízes e tribunais13.

Controle Político

O controle político da constitucionalidade de normas e atos normativos é aquele realizado por

órgão não pertencente ao Judiciário14. Exemplo no Brasil é a Comissão de Constituição e

Justiça presente no Senado Federal e na Câmara dos Deputados.

Preceito Fundamental

Por preceito fundamental, entende-se cada princípio constitucional (inclusive os princípios

constitucionais sensíveis constantes no inciso VII do art. 34, da Constituição), os objetivos,

direitos e garantias fundamentais previstas nos artigos 1º e 5º, bem como as cláusulas pétreas,

10 BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência, p. 45. 11 PINHO, Rodrigo César Rebello. Teoria Geral da Constituição e Direitos Fundamentais, p. 35. 12 PINHO, Rodrigo César Rebello. Teoria Geral da Constituição e Direitos Fundamentais, p. 35. 13 PINHO, Rodrigo César Rebello. Teoria Geral da Constituição e Direitos Fundamentais, p. 35. 14 PINHO, Rodrigo César Rebello. Teoria Geral da Constituição e Direitos Fundamentais, p. 35.

12

os princípios da Administração Pública e demais disposições constantes no Texto Magno que

se revelam fundamentais para a preservação dos valores mais relevantes sob a guarida

constitucional15.

Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental

Trata-se de garantia de origem constitucional, de natureza processual, que tem como objetivo

a preservação da obediência geral devida às regras e princípios constitucionais que,

considerados fundamentais, estavam, há muito, dentro de um quadro evolutivo, a demandar

mecanismo próprio para tanto, destacando-se que só caberá arguição quando houver expresso

descumprimento de um preceito fundamental16.

15 CHIMENTI, Ricardo Cunha... [et al.]. Curso de Direito Constitucional. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 394. 16 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 276.

13

SUMÁRIO

RESUMO ................................................................................................................................. 05 RESUMEN .............................................................................................................................. 06 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ............................................................................ 07 LISTA DE CATEGORIAS E SEUS CONCEITOS OPERACIONAIS ............................ 08 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 15 2 O HISTÓRICO DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE FRENTE À EVOLUÇÃO DAS CONSTITUIÇÕES NO BRASIL ......................................................... 19 2.1 O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE SOB O REGIME IMPERIAL DA CARTA DE 1824 ...................................................................................................................... 22 2.2 O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE SOB O REGIME REPUBLICANO DA CARTA DE 1891 ...................................................................................................................... 24 2.3 O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE SOB O REGIME DA CONSTITUIÇÃO DE 1934 ...................................................................................................... 26 2.4 O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE SOB O REGIME DA CARTA POLÍTICA DE 1937 ................................................................................................................. 28 2.5 O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE SOB O REGIME DA CARTA MAGNA DE 1946 .................................................................................................................... 30 2.6 O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE SOB O REGIME DA CARTA DE 1967 E EMENDA CONSTITUCIONAL 1/69 ......................................................................... 34 2.7 O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE SOB O REGIME DA CARTA DE 1988 (COM A EC 3/93) ............................................................................................................ 37

3 O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE E SUAS AÇÕES ESPECÍFICAS ...................................................................................................................... 41 3.1 CONCEITO DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE ..................................... 43 3.2 O CONTROLE PREVENTIVO DE CONSTITUCIONALIDADE .................................. 44 3.3 O CONTROLE REPRESSIVO DE CONSTITUCIONALIDADE .................................... 45 3.3.1 Controle Repressivo de Constitucionalidade Exercido pelo Legislativo ......................... 48 3.3.2 Controle Repressivo de Constitucionalidade Exercido pelo Judiciário ........................... 50 3.3.2.1 O Controle Difuso de Constitucionalidade ................................................................... 51 3.3.2.2 O Controle Concentrado de Constitucionalidade ......................................................... 54 4 A AÇÃO DE ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL COMO INSTRUMENTO DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE ................................................................................................. 62 4.1 CONCEITO ........................................................................................................................ 62 4.2 MODALIDADES DA ADPF ............................................................................................. 65 4.3 LEGITIMAÇÃO PARA A PROPOSITURA DE ADPF ................................................... 69 4.4 PROCEDIMENTO DA ADPF ........................................................................................... 73 4.4.1 A Petição Inicial ............................................................................................................... 73 4.4.2 O despacho liminar exarado na ADPF ............................................................................ 75 4.4.3 O Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União na ADPF .................. 78 4.4.4 O julgamento e efeitos da decisão proferida na ADPF .................................................... 81

14

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................. 85 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................. 90

15

INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por objeto17 o estudo do controle de constitucionalidade no

Brasil, desde sua evolução histórica, como ponto inicial a Constituição Imperial de 1824 até a

atual Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, bem como a revisão das ações

específicas para o combate à inconstitucionalidade, e, por fim, uma análise mais detalhada da

Ação de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental.

A importância deste tema reside em um maior conhecimento acerca do funcionamento

do controle de constitucionalidade no Brasil, a forma como é exercida, meios de se controlar a

constitucionalidade, competência para apreciar uma ação que verse sobre a

constitucionalidade, bem como, especificamente esclarecer o procedimento da Ação de

Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental.

Ressalte-se que, além de ser requisito imprescindível à conclusão do curso de Direito

na Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, o presente relatório monográfico também vem

colaborar para o conhecimento de um tema que, apesar de não poder ser tratado como

novidade no campo jurídico, na dimensão social-prática ainda pode ser tratado como elemento

novo e repleto de nuances a serem destacadas pelos intérpretes jurídicos.

A escolha do tema é fruto do interesse pessoal do pesquisador em conhecer mais

intimamente o controle de constitucionalidade das leis elaboradas sob a vigência de uma Carta

Máxima, compreender os aspectos da Ação de Arguição de Descumprimento de Preceito

Fundamental como peça inserta no controle de constitucionalidade vigente no Brasil.

Em vista do parâmetro delineado, constitui-se como objetivo geral deste trabalho

pesquisar a evolução do controle de constitucionalidade no Brasil bem como realizar um

estudo específico sobre a Ação de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental.

17 Nesta Introdução cumpre-se o previsto em PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica: idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do Direito, p. 170-181.

16

O objetivo institucional da presente Monografia é a obtenção do Título de Bacharel

em Direito, pela Universidade do Vale do Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas,

campus de Tijucas.

Como objetivos específicos, pretende-se atingir 3 metas: 1ª) analisar as etapas

históricas do controle de constitucionalidade no Brasil desde a Constituição Imperial de 1824

até a atual CRFB/88; 2ª) abordar de forma sucinta as ações específicas do controle de

constitucionalidade possíveis no Brasil; e, 3ª) elaborar uma análise mais detida acerca da

Ação de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, como um instrumento

possível para o controle de constitucionalidade no Brasil.

Não é o propósito deste trabalho exaurir o tema escolhido em todos os seus termos.

Por certo não se estabelecerá um ponto final em referida discussão. Pretende-se, tão-somente,

aclarar o pensamento existente sobre o tema, abordando-se de forma simples os aspectos

considerados pertinentes pelo autor para um razoável processo cognitivo acerca dos

apontamentos aduzidos.

Para o desenvolvimento da presente pesquisa, e levando em consideração os objetivos

expostos, foram formulados os seguintes problemas e respectivas hipóteses que serão

analisados na sequência.

1º problema: Como ocorreu a evolução do controle de constitucionalidade no Brasil,

desde sua Constituição Imperial até o regime de vigência da atual Carta Política de 1988?

Hipótese: O controle de constitucionalidade no Brasil evoluiu de forma paulatina, não

necessariamente melhorando a cada Constituição promulgada, eis que, tendo em vista a

ocorrência de regimes autoritários, o controle de constitucionalidade sofreu mudanças radicais

na evolução histórica das Constituições que vigeram no Brasil.

2º problema: Quais as medidas eficazes e garantidas legalmente para o combate à

inconstitucionalidade no Brasil? Hipótese: Há no Brasil uma série de instrumentos capazes de

garantir a inviolabilidade do Texto Constitucional, sendo cada uma, conforme o tipo de

inconstitucionalidade a ser combatida, competente para se lograr a proteção da Constituição.

3º problema: A Ação de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental é um

instrumento eficiente a ser utilizados por cada cidadão num contexto de controle de

constitucionalidade? Hipótese: Embora a Ação de Arguição de Descumprimento de Preceito

Fundamental (ADPF) seja um eficaz meio de combate a inconstitucionalidade de leis ou atos

17

normativos, sua interposição é dificultosa, eis que isto só será possível quando não houver

outro meio capaz de garantir a integridade de um preceito fundamental, e, conforme o caso, é

restrita a certos sujeitos de direito, que detêm a competência de propositura da mesma.

O relatório final da pesquisa foi estruturado em três capítulos, podendo-se, inclusive,

delineá-los como três molduras distintas, mas conexas, conforme declinadas a seguir.

O primeiro capítulo destina-se a visualizar a evolução histórica do controle de

constitucionalidade no Brasil face às Constituições que aqui vigoraram, desde a Constituição

Imperial, passando pela autoritária Constituição vigente na época da Ditadura Militar até a

atual Constituição promulgada em 1988.

No segundo capítulo destacam-se as ações específicas asseguradas pelo atual

ordenamento jurídico no Brasil, que visam controlar a inconstitucionalidade das leis ou atos

normativos do Poder Público. Abordar-se-á de forma sucinta cada uma delas, explicando-se

seu cabimento e procedimento.

Já o terceiro capítulo será voltado exclusivamente para a Ação de Arguição de

Descumprimento de Preceito Fundamental, visualizando-se a parte conceitual, suas

características e particularidades até a parte procedimental e os efeitos da decisão proferida na

mesma.

Quanto à metodologia empregada, registra-se que, na fase de investigação foi utilizado

o método dedutivo, e, o relatório dos resultados expresso na presente monografia é composto

na base lógica dedutiva18, já que se parte de uma formulação geral do problema, buscando-se

posições científicas que os sustentem, para que, ao final, seja apontada a prevalência, ou não,

das hipóteses elencadas.

As categorias julgadas estratégicas pelo autor e seus respectivos conceitos

operacionais serão abordados no decorrer da pesquisa, sem detalhes.

Os acordos semânticos que procuram resguardar a linha lógica do relatório da pesquisa

e respectivas categorias, por opção metodológica, estão apresentados na Lista de Categorias e

seus Conceitos Operacionais, muito embora algumas delas tenham seus conceitos mais

aprofundados no corpo da pesquisa.

18 Sobre os “Métodos” e “Técnicas” nas diversas fases da pesquisa científica, vide PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica: idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do Direito, p. 99-125.

18

A presente monografia se encerra com as Considerações Finais, nas quais são

apresentados pontos conclusivos destacados, bem como a análise aos problemas ora

apontados com a possível confirmação das hipóteses elencadas.

19

2 O HISTÓRICO DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE FRENTE À EVOLUÇÃO DAS CONSTITUIÇÕES NO BRASIL

O controle concentrado de constitucionalidade surgiu no Brasil com a Emenda

Constitucional n. 16/65, contudo, é de se esclarecer que de maneira genérica, o controle de

constitucionalidade já vem sendo exercido desde as Constituições da República anteriores à

vigente. Neste caso, faz-se necessário a menção do processo evolutivo do controle de

constitucionalidade em cada constituição, a fim de que se compreendam os meios e formas

anteriores do controle desde a Constituição Imperial de 1824 até a atual CRFB/1988.

Antes de se pormenorizar o controle de constitucionalidade frente cada Constituição

que vigeu no Brasil, é necessária a menção da origem do “Controle de Constitucionalidade”,

que, obviamente não surgiu no Brasil, mas que foi adotado frente a funcionalidade e eficácia

comprovada nos países que já possuíam uma Constituição e, por consequência, modos de

evitar ou remediar afrontas à Carta Maior de cada nação.

O doutrinador Rodrigo César Rebello Pinho discorrendo acerca das origens do

controle de constitucionalidade explica:

O mecanismo de verificação da constitucionalidade das normas infraconstitucionais pelo Poder Judiciário é uma construção do constitucionalismo norte-americano. Diversos precedentes judiciais levaram ao mecanismo de verificação judicial da adequação vertical das leis com Texto Constitucional, até a eclosão do famoso case Marbury v. Madison, relatado pelo Presidente da Suprema Corte norte-americana John Marshall em 1803. Essa doutrina do controle da constitucionalidade das leis pelo Poder Judiciário como uma decorrência inevitável da superioridade da Constituição escrita em relação às demais normas consolidou-se na jurisprudência americana. O Brasil, influenciado por esse modelo, passou a admitir o controle judicial da constitucionalidade a partir da primeira Constituição Republicana, em 189119.

Pode-se perceber que, embora já existisse um relativo e peculiar controle de

constitucionalidade desde a Constituição Imperial de 1824 como se verá a seguir, a efetiva

proteção da Constituição como lei suprema e inviolável frente normas que a contrariassem se

daria somente na primeira Constituição Republicana de 1981.

19 PINHO, Rodrigo César Rebello. Teoria Geral da Constituição e Direitos Fundamentais, p. 31.

20

Antes disso, porém, após o caso Marbury v. Madison dos Estados Unidos, e desta vez

na Europa, a partir do século XX e fundamentada nas idéias de Kelsen, se desenvolveu um

modelo distinto para assegurar a supremacia constitucional. Isso porque foi instituído o

controle de constitucionalidade em abstrato, exercido por um órgão fora do Poder Judiciário,

examinando a lei em tese e com efeitos erga omnes. No Brasil, este tipo de controle de

constitucionalidade das normas foi definitivamente introduzido em 1965, com a Emenda

Constitucional nº. 16 à Constituição Federal de 1946, sendo que a Constituição de 1934 já

continha a possibilidade de representação interventiva por iniciativa do Procurador-Geral da

República perante o Supremo Tribunal Federal20.

Quando versa acerca do controle de constitucionalidade no Brasil, Rebello Pinho

inicia expondo que “no Brasil o controle da constitucionalidade é exercido por todos os

poderes constituídos, que têm o dever de zelar pelo respeito à Constituição”21.

Levando em consideração que a forma do controle de constitucionalidade pode ser

preventiva ou repressiva, versando em seguida sobre o controle preventivo no Brasil, Rebello

Pinho continua:

O controle preventivo é exercido pelos Poderes Legislativo e Executivo, que impedem que um projeto de ato legislativo inconstitucional venha a ser aprovado. O Poder Legislativo realiza o controle pela Comissão de Constituição e Justiça existente em toda Casa Legislativa, que examina o projeto de ato legislativo sob esse aspecto antes da votação em Plenário (CF, art. 58). O Poder Executivo exerce essa forma de controle pelo poder de veto jurídico do Presidente da República ao projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional (CF, art. 55, § 1º)22.

Curial ressaltar que de forma extraordinária, o STF tem admitido, somente por parte

dos parlamentares, o exercício de um controle jurisdicional preventivo da constitucionalidade,

quando da permissão aos membros do Legislativo o direito à correta formação de espécies

normativas, impedindo, prematuramente, a tramitação de emendas constitucionais e leis que

incidam em vícios constitucionais. Por exemplo: num caso de admissão de trâmite de

proposta de emenda constitucional que pretenda supressão de cláusula pétrea, é possível, por

um parlamentar, impetrar mandado de segurança contra o ato do Presidente da Casa

Legislativa, vedando-se, contudo, que outras pessoas ingressem em juízo para se questionar a

20 PINHO, Rodrigo César Rebello. Teoria Geral da Constituição e Direitos Fundamentais, p. 31. 21 PINHO, Rodrigo César Rebello. Teoria Geral da Constituição e Direitos Fundamentais, p. 36. 22 PINHO, Rodrigo César Rebello. Teoria Geral da Constituição e Direitos Fundamentais, p. 36.

21

constitucionalidade de projeto de ato legislativo antes da aprovação e promulgação, em

respeito ao princípio constitucional da separação de poderes23.

Isto posto, Rebello Pinho versa acerca do controle repressivo, expondo:

O controle repressivo é feito pelo Poder Judiciário. Caso o projeto de lei que contenha alguma inconstitucionalidade venha a ser aprovado pelo Legislativo e sancionado pelo Executivo, a lei poderá ter seu vício declarado pelo Poder Judiciário. O controle repressivo é exercido por duas vias, tanto de forma abstrata, pela via principal ou de ação, como de forma concreta, pela via de exceção ou incidental24.

A atual Carta Magna de 1988, excepcionalmente, admite que o controle repressivo da

constitucionalidade seja exercido pelo Poder Legislativo, com finalidade de retirar do

ordenamento jurídico normas já editadas, com plena vigência e eficácia. Uma hipótese é o

decreto legislativo do Congresso Nacional com intuito de sustar atos normativos do Poder

Executivo que exorbitem do poder regulamentar; a outra hipótese é o caso de medidas

provisórias rejeitadas pelo Congresso Nacional por apresentarem vício de constitucionalidade,

por não atenderem aos pressupostos constitucionais necessários da relevância e da urgência25.

Conforme elucidado, no Brasil vige o controle de constitucionalidade preventivo e

repressivo, sendo estas, formas de controle. O controle preventivo se dá pelo Poder

Legislativo e pelo Poder Executivo que, durante a fase ainda embrionária da lei ou ato

normativo, percebem pontos de inconstitucionalidade e impedem a aprovação ou sanção da

norma com tal vício. Já o controle repressivo, conforme dito, se dá, via de regra, pelo Poder

Judiciário, após a aquisição de vigência e eficácia das normas, quando então, se incute à

norma irregular, por meio de declaração, a inconstitucionalidade da mesma.

Vencida essa parte preambular, passa-se ao escopo deste capítulo, caracterizando-se as

constituições que já vigeram no Brasil até a atual Carta da Primavera de 1988, demonstrando-

se, de forma sucinta, como funcionava o controle de constitucionalidade em cada constituição,

seus aspectos e mecanismos de funcionamento.

23 PINHO, Rodrigo César Rebello. Teoria Geral da Constituição e Direitos Fundamentais, p. 37. 24 PINHO, Rodrigo César Rebello. Teoria Geral da Constituição e Direitos Fundamentais, p. 37. 25 PINHO, Rodrigo César Rebello. Teoria Geral da Constituição e Direitos Fundamentais, p. 37.

22

2.1 O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE SOB O REGIME IMPERIAL DA

CARTA DE 1824

Em um primeiro momento, esclarece-se que, com a volta da família real e a simultânea

regência de D. Pedro I, urgia a necessidade de conferir uma Constituição ao Brasil, sendo que

a convocação para uma Assembléia Constituinte deu-se antes mesmo da Proclamação da

República26.

A Constituição de 1824 não podia ser compreendida senão à luz das ideias liberais que

a tudo afetavam à época, vez que o liberalismo era, e ainda o é, uma corrente de pensamento

que marcou profundamente a história, atravessando o tempo aos dias atuais, ainda que

envolvido com problemáticas desconhecidas por seus criadores27.

O liberalismo tão acirrado à época da Constituição em referência, em muito

influenciava esta, sendo prestadio o escólio de Celso Ribeiro de Bastos, que explica:

A constituição outorgada de 1824, embora sem deixar de trazer consigo características que hoje não seriam aceitáveis como democráticas, era marcada, sem dúvida, por um grande liberalismo que se retratava, sobretudo, no rol dos direitos individuais que era praticamente o que havia de mais moderno na época, como também na adoção da separação dos poderes que, além dos três clássicos, acrescentava um quarto: o Poder Moderador28.

Nota-se que, embora as ideias liberais tidas como democráticas à época de sua

promulgação não seriam aceitas nos dias contemporâneos, a Carta Magna de 1824 trazia

grandes avanços no sentido da expansão democrática no Brasil Imperial dando enfoque aos

direitos individuais, considerados tópicos futurísticos no momento histórico em que entrou em

vigor.

Oportuno que se demonstre a novidade trazida pela Constituição de 1824 bem como

uma de suas principais características: a semi-rigidez.

Uma inovação trazida pela Lei Maior de 1824 era um quarto e novo poder: o Poder

Moderador. Este Poder em voga à época consistia na faculdade do soberano de arbitragem

entre os poderes, sendo que os atos praticados pelo monarca eram negados aos Ministros,

negando-se, por consequência, o controle político do legislativo. Em análise, pode-se 26 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 97. 27 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional, p. 98. 28 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional, p. 98.

23

constatar que se utilizado por um monarca com tendências tirânicas, levar-se-ia a um poder

quase absoluto, o que não foi o caso do Brasil, então governado por um imperador culto,

moderado, cônscio do seu poder e responsabilidades, o que resultou num sistema político com

alto nível de organização constitucional29.

O Poder Moderador que assegurava ao Chefe de Estado a elevada missão de velar para

manutenção da independência, equilíbrio e harmonia dos demais poderes, era visto como uma

faculdade de fazer com que cada um deles, Executivo, Legislativo e Judiciário, se

conservassem em sua órbita, concorrendo harmoniosamente para o fim social, o bem estar

nacional, mantendo o equilíbrio, impedindo os abusos e mantendo-os na direção da alta

missão de cada um30.

Levando-se em consideração que as Constituições, conforme a maneira de sua

alteração podem ser definidas como rígidas ou flexíveis, a Constituição de 1824 era tida como

pertencente à uma terceira categoria: a das semi-rígidas. E assim era em virtude do seguinte

motivo: as matérias relacionadas ao cerne ou à substância do Estado era modificáveis apenas

por maioria, de uma maneira mais solene, enquanto que os assuntos apenas formalmente

constitucionais, ou seja, só eram constitucionais por estarem na Constituição, para estes

dispensava-se qualquer exigência específica31.

Por fim, no regime da Constituição Imperial de 1824, considerava-se que somente o

poder que editou a lei que teria o condão de declarar o preceito dela. Única e exclusivamente

o poder que a promulgou é que tinha o direito de interpretar o seu próprio ato, sua vontade e

seus fins. Assim, nenhum outro poder tinha o direito de interpretar por igual modo, pois

nenhuma lei lhe dava esta faculdade, sendo que a ideia de isto acontecer seria absurda. Desta

maneira, cabia tão-somente ao Poder Legislativo fazer, interpretar, suspender e revogar as

leis, e, ademais, velar pela guarda da Constituição. A influência francesa, flagrantemente

manifesta na Constituição de 1824, estava presente desde a similitude dos artigos da Carta

Maior na época. Não havia, destarte, o controle constitucional das leis, salientando-se,

contudo, que se versava que seria constitucional somente o que diz respeito aos limites, e

atribuições dos poderes públicos, e aos direitos políticos, e individuais dos cidadãos. Tudo

29 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional, p. 99. 30 MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 190. 31 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional, p. 101.

24

que não era constitucional seria alterado sem as formalidades referidas, pelas legislaturas

ordinárias32.

Neste sentido, o insigne jurista Gilmar Mendes ratifica:

A Constituição de 1824 não contemplava qualquer sistema assemelhado aos modelos hodiernos de controle de constitucionalidade. A influência francesa ensejou que se outorgasse ao Poder Legislativo a atribuição de “fazer leis, interpretá-las, suspendê-las ou revogá-las”, bem como “velar na guarda da Constituição” (art. 15, n. 8º e 9º)33.

Observa-se, desde logo, que na Constituição Imperial de 1824 embora estribada numa

ideia liberal e espelhando-se num modelo excelente para a época em que vigeu, tinha, vista

com olhos contemporâneos, a grande lacuna da ausência de um eficaz controle de

constitucionalidade bem como a temerária característica da semi-rigidez que permitia uma

alteração do texto constitucional sem formalidades e de maneira meramente por leis

ordinárias.

2.2 O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE SOB O REGIME REPUBLICANO DA

CARTA DE 1891

O primeiro ato jurídico do movimento armado que terminou no golpe de Estado de 15

de novembro de 1889, quando se destituiu o Imperador, proclamando-se uma República

Federativa, consistiu na edição do Decreto nº. 1, redigido por Rui Barbosa. Este texto

decretava, de forma provisória, a forma de governo da nação brasileira como sendo República

Federativa, sendo as províncias elevadas ao nível de Estados gozando da faculdade de

autonomia segundo a característica própria dos Estados-Membros de uma Federação34.

Bastos, nesta esteira, confirma:

Com a Constituição Federal de 1891, o Brasil implanta, de forma definitiva, tanto a Federação quanto a República. Por esta última, obviam-se as desigualdades oriundas da hereditariedade, as distinções jurídicas quanto ao

32 PACHECO, José da Silva. O Mandado de Segurança e Outras Ações Constitucionais Típicas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 414. 33 MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade, p. 189. 34 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional, p. 107.

25

status das pessoas, as autoridades tornam-se representativas do povo e investidas de mandato por prazo certo35.

E, continua:

A Federação implicou a outorga de Poderes Políticos às antigas Províncias, que assim passaram a governar os seus assuntos com autonomia e finanças próprias36.

Desta maneira, pode-se verificar que o Decreto nº. 1, ao passo que é o apogeu da

destituição da monarquia e da Proclamação da República, também vem com acentuada

distinções quanto às classes da população, nada obstante seu cunho mais democrático do que

a sua precedente.

Quanto à divisão dos poderes, assume-se o tripé do Executivo, comandado por um

Presidente, o Legislativo composto pelas casas do Senado e da Câmara dos Deputados, e o

Judiciário, que, fortalecido, ressurge com poderes de controlar os atos legislativos e

administrativos observando-se aos seus servidores as prerrogativas de vitaliciedade e

irredutibilidade de vencimentos. Bane-se, por conseguinte, o Poder Moderador37.

Na Constituição de 1891, o controle de constitucionalidade na forma difusa tem como

modelo o utilizado nos Estados Unidos, cabendo aos juízes e tribunais federais processar e

julgar causas em que alguma das partes fundar a ação, ou a defesa, em disposição da

Constituição Federal, causas propostas contra o governo da União, ou Fazenda Nacional,

fundadas em disposições da Constituição, leis e regulamentos do Poder Executivo, ou em

contratos celebrados com o mesmo governo. Nestes casos, o Tribunal não anulava a lei

inconstitucional, apenas deixava de aplicá-la38.

Assim, tendo sido vedada a atribuição de qualquer jurisdição federal às justiças dos

Estados, cabia ao STF julgar em grau de recurso as questões resolvidas pelos juízes e

tribunais federais e as sentenças de última instância dos Estados, quando se contestasse a

validade de leis ou de atos frente à Constituição, ou, ainda, quando se questionasse acerca da

validade de tratados e leis federais e a decisão fosse contra ela39.

35 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional, p. 108. 36 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional, p. 108. 37 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional, p. 108. 38 PACHECO, José da Silva. O Mandado de Segurança e Outras Ações Constitucionais Típicas, p. 415. 39 PACHECO, José da Silva. O Mandado de Segurança e Outras Ações Constitucionais Típicas, p. 415.

26

Detalhadamente, a Constituição de 1981 incorporou a via de exceção para controle de

constitucionalidade e o julgamento incidental de inconstitucionalidade, mediante provocação

das partes, reconhecendo a competência do STF para rever as sentenças da Justiça Estadual

em última instância, quando se questionasse a validade ou aplicação de tratados e leis federais

e a decisão do Tribunal atacada fosse contra ela, quando se contestasse a validade de leis e

atos federais em face da Constituição ou, ainda, de leis federais e a decisão recorrida

considerasse válidos os atos ou leis impugnadas40.

Nessa esteira, Mendes enfatiza que “não havia mais dúvida quanto ao poder outorgado

aos órgãos jurisdicionais para exercer o controle de constitucionalidade”41.

Pode-se notar que, neste regime, o controle de constitucionalidade, embora exercido

pelo STF, só era utilizado quando, em sentenças recorríveis, julgadas em última instância nos

Tribunais Estaduais e em decisões dos juízes e tribunais federais, contestasse-se a validade de

leis ou atos perante a Carta Magna e, ainda, nos casos que a validade das leis e atos federais

face a constituição fossem colocadas à prova quanto sua constitucionalidade, considerando-se

válidas os atos ou leis vistas como inconstitucionais.

2.3 O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE SOB O REGIME DA

CONSTITUIÇÃO DE 1934

Explica-se de maneira tão sucinta quanto sua duração, visto que seria logo substituída

pela Constituição de 1937, que as principais mudanças trazidas pela Carta Política de 1934

eram: a introdução do nome de Deus no preâmbulo, incorporação de preceitos de direito civil,

social e administrativo, multiplicação dos títulos e capítulos, ficando a Constituição com mais

do dobro de capítulos que tinha a de 1891, o reforço aos vínculos federais, poderes

independentes e coordenados entre si, sufrágio feminino e voto secreto, o Senado com

funções de prover a coordenação dos poderes, manter a continuidade administrativa e velar

pela Constituição, responsabilidade solidária dos Ministros de Estados com o Presidente da

República, a Justiça Militar e Eleitoral como sendo órgãos do Poder Judiciário, o Ministério

Público, o Tribunal de Contas e os Conselhos Técnicos coordenados em Conselhos Gerais, e,

40 MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade, p. 190. 41 MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade, p. 192.

27

ainda, a presença de normas reguladoras da ordem econômica e social, da família, educação,

cultura, dos funcionários públicos e segurança nacional42.

Quanto ao controle de constitucionalidade propriamente dito, na vigência da CF/34,

admitia-se recurso extraordinário quando se questionasse vigência ou validade de lei federal

em face da Carta Maior e a decisão do tribunal local que negasse aplicação à lei impugnada; e

quando se contestasse a validade de lei ou ato dos governos locais face à Constituição.

Salientam-se, basicamente, três inovações frente à constituição anterior: I – a atuação do

Senado para suspender a execução das leis declaradas inconstitucionais pelo Judiciário; II – a

necessidade de maioria absoluta de juízes no âmbito dos colegiados quando da decisão acerca

de inconstitucionalidade; e, III – a atribuição ao Procurador para a ação perante a Suprema

Corte visando o exame da constitucionalidade da lei interventiva43.

Gilmar Mendes, explicando o controle de constitucionalidade quando da Constituição

de 1934, enfatiza:

A Constituição de 1934 introduziu profundas e significativas alterações no nosso sistema de controle de constitucionalidade. A par de manter, no art. 76, III, b e c, as disposições contidas na Constituição de 1891, o constituinte determinou que a declaração de inconstitucionalidade somente poderia ser realizada pela maioria da totalidade de membros dos tribunais. Evitava-se a segurança jurídica decorrente das contínuas flutuações de entendimento dos tribunais (art. 179)44.

E continua:

Por outro lado, a Constituição consagrava a competência do Senado Federal para suspender a execução, no todo ou em parte, de qualquer lei ou ato, deliberação ou regulamento, quando hajam sido declarados inconstitucionais pelo Poder Judiciário, emprestando efeito erga omnes à decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal (arts. 91, IV, e 96)45.

Desta forma, em linhas gerais, extrai-se que as inovações trazidas pela Constituinte de

1934 são presentes na Constituição vigente atualmente, qual seja a suspensão pelo Senado

Federal de lei declarada inconstitucional pelo Judiciário, bem como a necessidade de maioria

absoluta de juízes no âmbito do órgão que representam quando se faz necessária a decisão

42 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional, p.113. 43 PACHECO, José da Silva. O Mandado de Segurança e Outras Ações Constitucionais Típicas, p. 416. 44 MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade, p. 192. 45 MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade, p. 193.

28

sobre inconstitucionalidade, sob pena de nulidade desta decisão se realizada de forma

fracionária.

2.4 O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE SOB O REGIME DA CARTA

POLÍTICA DE 1937

A Constituição de 1934, estribada num modelo liberalista ante os problemas existentes

à época, sucumbiu ao vitorioso golpe de 1937, dando lugar a uma Constituição que primava

pelo cunho extremista e autoritário dos fatos que assomavam o Brasil. Sendo assim, o modelo

democrático e social de 1934 foi substituído por uma Carta Maior inspirada no modelo

fascista, eminentemente autoritário, que dava ao Presidente da República amplos poderes de

intervenção não só no Executivo, mas também no Legislativo e no Judiciário46.

Não sendo de outra maneira, Bastos elucida:

Trata-se, portanto, de documento destinado exclusivamente a institucionalizar um regime autoritário. Não havia a divisão de poderes, embora existissem o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, visto que estes últimos sofriam nítidos amesquinhamentos47.

Isto porque no Legislativo desapareceu o Senado, substituído por um Conselho

Federal, e, o Presidente da República podia sempre que assim lhe aprouvesse, colocar recesso

no Legislativo, quando então a ele incumbia as funções legiferantes. Já quanto ao Poder

Judiciário, este sofreu substancial perda no que diz respeito ao controle de constitucionalidade

das leis já introduzidas, vez que uma vez declarada a inconstitucionalidade de uma lei pelo

Supremo Tribunal Federal, esta era submetida novamente ao legislativo, que poderia rejeitar a

decisão judicial, resultando em consequente alteração da Constituição48.

Quando versa acerca do duvidoso controle de constitucionalidade na vigência do

Texto Magno de 1937, Mendes explica:

A Carta de 1937 traduz um inequívoco retrocesso no sistema de controle de constitucionalidade. Embora não tenha introduzido qualquer modificação no modelo difuso de controle (art. 101, III, b e c), preservando-se, inclusive, a

46 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional, p. 118. 47 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional, p. 119. 48 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional, p. 120.

29

exigência de quorum especial para a declaração de inconstitucionalidade (art. 96), o constituinte rompeu com a tradição jurídica brasileira, consagrando, no art. 96, parágrafo único, princípio segundo o qual, no caso de ser declarada a inconstitucionalidade de uma lei que, a juízo do Presidente da República, seja necessária ao bem-estar do povo, à promoção ou defesa de interesse nacional de alta monta, poderia o Chefe do Executivo submetê-la novamente ao Parlamento. Confirmada a validade da lei por 2/3 de votos em cada uma das Câmaras tornava-se insubsistente a decisão do Tribunal49.

Ou seja, o controle de constitucionalidade de fato existia no corpo da Constituição de

1937, contudo, tal controle era falho, eis que declarava a inconstitucionalidade de uma lei, o

Presidente da República, alicerçado na premissa de que a lei dada como inconstitucional era

necessária no ordenamento jurídico, tinha a opção de submetê-la novamente ao Poder

Legislativo que, com 2/3 de votos em cada casa legislativa, conferia validade a referida lei, ao

arrepio da Constituição e sobrepujando a decisão do Tribunal que a julgou dotada do vício da

inconstitucionalidade.

Observa-se, neste caso, que ante esta peculiar modalidade de revisão constitucional, a

lei confirmada pelo Legislativo passava a ter força de uma emenda à Constituição50.

É de se lembrar que quando o Presidente Getúlio Vargas editou o Decreto-Lei nº.

1.564, em 1939, confirmando textos de leis declarados inconstitucionais pelo STF, a reação

no Judiciário foi intensa. Assim mesmo, havia doutrinadores à época que defendiam que tais

críticas ao ato presidencial não procediam, pois nada obstante o cunho arbitrário de tal ato, o

Presidente nada mais fizera do que cumprir, como era de seu dever, o prescrito no art. 96 da

Carta Constitucional. Diziam tais doutrinadores que o problema visto pelo Judiciário quando

da desautorização dos atos judiciais, mostrava o quanto o pensamento jurídico era arraigado

no sentido de conferir a declaração judicial um caráter incontrastável, em relação ao caso

concreto51.

De outro norte, quando se fala em particularidades da Constituição de 1937, vigorava

a vedação expressa ao Judiciário, de conhecer das questões exclusivamente políticas, bem

como o mandado de segurança perdeu a qualidade de garantia constitucional, passando a ser

regulamentado por legislação ordinária. Já o Código de Processo Civil de 1939 excluiu a

49 MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade, p. 195. 50 MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade, p. 195. 51 MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade, p. 196.

30

apreciação judicial, na via mandamental, os atos do Presidente da República, dos ministros de

Estado, dos governadores e interventores dos Estados52.

Desta maneira, levando-se em consideração que a Carta Maior de 1937 atendia aos

interesses da ditadura que se estabelecia no Brasil à época, a mesma era dotada de preceitos

vazios, cujo conteúdo efetivo dependia da lei e dos atos governamentais, ou, em outras

palavras, da mentalidade dos dirigentes. Embora não tenha retirado a competência do

Judiciário de pronunciar-se sobre a constitucionalidade de forma difusa, estabeleceram-se

sérias restrições, características do regime governamental em vigor53.

Num caso concreto, exemplificando-se, quando o Supremo Tribunal Federal julgou

inconstitucional um dispositivo do regulamento de imposto de renda, o chefe do governo,

usurpando atribuições que caberia ao Parlamento por dois terços de seus membros, editou um

decreto-lei considerando a decisão do tribunal como alheia ao interesse nacional, e dando

vigência ao dispositivo considerado judicialmente inconstitucional. Desta maneira era o

controle de constitucionalidade nos regimes ditatoriais54.

Destarte, pode-se notar que gerida sob a sombra do autoritarismo, a Constituição de

1937, mesmo prevendo um controle de constitucionalidade das normas e atos normativos,

abria a possibilidade ao Chefe de Estado de, justificando num interesse nacional ou

imprescindibilidade para o bem estar social, a norma declarada inconstitucional pelo

Judiciário, usar de meios previstos na própria Constituição de, tornando válida a lei, anular a

decisão judicial que a declarou inconstitucional, conferindo, desta feita, um caráter de emenda

constitucional à lei, modificando, de forma leviana, o Texto Magno em sua essência.

2.5 O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE SOB O REGIME DA CARTA

MAGNA DE 1946

No que pese seus principais aspectos, a Carta Política de 1946 era uma Constituição

Republicana, Federativa e Democrática, que reconhecia a origem popular de todo poder que é

exercido por mandatários do povo em seu nome e por período certo, dando forças à forma

52 MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade, p. 197. 53 PACHECO, José da Silva. O Mandado de Segurança e Outras Ações Constitucionais Típicas, p. 418. 54 PACHECO, José da Silva. O Mandado de Segurança e Outras Ações Constitucionais Típicas, p. 418.

31

federativa com garantia às autonomias dos Estados, prestigiando-se, como característica

peculiar, o municipalismo como nenhuma outra Constituição até hoje o fez55.

Quanto ao Poder Judiciário, este assume funções importantes, bem como vê as suas

competências majoradas. Assume papel de destaque, e seus membros passam então a gozarem

da vitaliciedade, da irredutibilidade de vencimentos e da inamovibilidade. Sua competência é

engrandecida à medida que se passa a utilizar dois instrumentos importantes: o mandado de

segurança, já agora como garantia constitucional, assim como o papel de julgador da

constitucionalidade das leis56.

Em breves apontamentos, a Carta Maior de 1946 trazia as seguintes características

destacadas: o ressurgimento do bicameralismo no Legislativo composto pela Câmara dos

Deputados e Senado Federal, volta do modelo de tripartição dos poderes, retomada da

normalidade democrática no Executivo dado a obrigatoriedade de o Presidente da República

ser eleito de forma direta para mandato de 5 anos, a titularidade do Vice-Presidente da

República para ocupar a função concomitante de Presidente do Senado Federal, retomada da

normalidade no Judiciário após o período autoritário e reintrodução do mandado de segurança

e ação popular no texto constitucional57.

Com a Constituição de 1946, estabeleceu-se, entre outras considerações, que o ato

arguido de inconstitucionalidade deveria ser submetido ao exame do STF mediante

manifestação do Procurador-Geral da República, e tal ato com possível vício inconstitucional,

assim seria definido quando não assegurasse a observância dos seguintes princípios: a) forma

republicana representativa; b) independência e harmonia dos poderes; c) temporariedade das

funções eletivas, limitada a duração destas à das funções federais correspondentes; d)

proibição da reeleição de governadores e prefeitos para o período imediato; e) autonomia

municipal; f) prestação de contas da administração; e, g) garantias do Poder Judiciário58.

Assim, Mendes quando ensina como funcionava o controle de constitucionalidade na

Carta Maior de 1946, detalha:

O Texto Magno de 1946 restaura a tradição do controle judicial no Direito brasileiro. A par da competência de julgar os recursos ordinários (art. 101, II,

55 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional, p. 127. 56 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional, p. 128. 57 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 11. ed. São Paulo: Método, 2007, p. 91. 58 PACHECO, José da Silva. O Mandado de Segurança e Outras Ações Constitucionais Típicas, p. 418.

32

a, b e c), disciplinou-se a apreciação dos recursos extraordinários: “a) quando a decisão for contrária a dispositivo desta Constituição ou à letra de tratado ou lei federal; b) quando se questionar sobre a validade de lei federal em face desta Constituição, e a decisão recorrida negar aplicação à lei impugnada; e c) quando se contestar a validade de lei ou ato de governo local em face desta Constituição ou de lei federal, e a decisão recorrida julgar válida a lei ou o ato”. Preservou-se a exigência da maioria absoluta dos membros do Tribunal para a eficácia da decisão declaratória de inconstitucionalidade (art. 200). Manteve-se, também, a atribuição do Senado Federal para suspender a execução da lei declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal (art. 64)59.

Nota-se que a Constituição de 1946 veio restaurando o modelo do controle de

constitucionalidade pelo Judiciário nas hipóteses elencadas, bem como inovou no sentido da

representação interventiva de inconstitucionalidade pelo Procurador-Geral da República, no

caso de violação de determinados princípios.

Neste sentido, é do escólio de Gilmar Ferreira Mendes:

A Constituição de 1946 emprestou nova conformação à ação direta de inconstitucionalidade, introduzida, inicialmente, no Texto Magno de 1934. Atribuiu-se ao Procurador-Geral da República a titularidade da representação de inconstitucionalidade, para os efeitos de intervenção federal, nos casos de violação dos seguintes princípios: a) forma republicana representativa; b) independência e harmonia entre os Poderes; c) temporariedade das funções eletivas, limitada a duração destas à das funções federais correspondentes; d) proibição da reeleição de governadores para o período imediato; e) autonomia municipal; f) prestação de contas da Administração; g) garantias do Poder Judiciário60.

É de se asseverar que embora o constituinte tenha dado a titularidade da ação direta ao

Procurador-Geral da República, o modelo da chamada representação interventiva, desde a

Constituição de 1934 já constituía uma modalidade peculiar de composição de um conflito

entre a União e o Estado. Velava-se a coibição da violação de deveres constitucionalmente

impostos ao ente federado. Tem-se, então, que o poder atribuído ao Procurador-Geral da

República, que na Carta Política de 1946 exercia a função de chefe do Ministério Público

Federal, era de simples representação processual61.

Destaca-se, igualmente, que a arguição de inconstitucionalidade direta teve ampla

utilização no regime da Constituição de 1946. A denominação de “representação” dada ao

novo instituto devia-se a uma escolha entre a reclamação e a representação, que já eram 59 MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade, p. 197. 60 MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade, p. 197. 61 MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade, p. 198.

33

processos conhecidos pelo STF. Dada a análise disto, conduziu-se a escolha do termo

representação feita ao Procurador-Geral, isto porque a função deste era o seu

encaminhamento ao Tribunal, já com o devido parecer62.

Logo, o Supremo Tribunal Federal, exercia, nas palavras de Gilmar Mendes, “a função

de árbitro final do contencioso da inconstitucionalidade. Não se tratava, porém, de afastar,

simplesmente, a aplicação da lei inconstitucional”63.

A Emenda Constitucional nº. 16, de 26/11/1965 introduziu na Constituição de 1946 a

competência originária do STF para conhecer e julgar a representação contra

inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual, encaminhada pelo

Procurador-Geral da República. Acrescentou ainda, que a lei poderá estabelecer processo, de

competência originária do Tribunal de Justiça, a fim de que se declarasse inconstitucional lei

ou ato do Município em detrimento à Constituição Estadual. Desta maneira, ao final, a

Constituição de 1946, com as alterações da indigitada emenda, admitia o controle direto

concreto e abstrato da constitucionalidade, o controle indireto através de recurso ao STF ou

suscitação incidental nas turmas, o alargamento do objeto de controle, abrangendo leis

federais e estaduais, e a necessidade de maioria absoluta, em qualquer hipótese, para a

declaração de inconstitucionalidade64.

Quando versa sobre a Emenda Constitucional nº. 16/65, Gilmar Mendes delineia:

A implantação do sistema de controle de constitucionalidade, com o objetivo precípuo de preservar o ordenamento jurídico da intromissão de leis com ele inconviventes, veio a somar, aos mecanimos já existentes, um instrumento destinado a defender diretamente o sistema jurídico objetivo65.

E finaliza:

Finalmente, não se deve olvidar que, no tocante ao controle de constitucionalidade da lei municipal, a Emenda n. 16 consagrou, no art. 12, XIII, regra que outorgava ao legislador a faculdade para estabelecer processo de competência originária do Tribunal de Justiça, para declaração de

62 MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade, p. 198. 63 MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade, p. 201. 64 PACHECO, José da Silva. O Mandado de Segurança e Outras Ações Constitucionais Típicas, p. 420. 65 MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade, p. 206.

34

inconstitucionalidade de lei ou ato do Município em conflito com a Constituição do Estado66.

Não sendo de outra maneira, pode-se chegar ao resultado de que, não obstante a Carta

Magna de 1946 restaurasse os padrões de controle de constitucionalidade, reavivando o

Judiciário quando das suas competências, a Emenda Constitucional de 1965 veio a fomentá-lo

no Brasil, introduzindo e solidificando o controle direto concreto e abstrato da

constitucionalidade bem como o controle indireto quando da remessa de expediente recursal

ao Supremo Tribunal Federal, aumentando, por conseguinte, um eficaz controle das normas

aspirantes a integração ao ordenamento jurídico que nasçam com o vício de afronta a Carta

Maior.

2.6 O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE SOB O REGIME DA CARTA DE

1967 E EMENDA CONSTITUCIONAL 1/69

A Constituição de 1967 foi considerada como centralizadora, tendo em vista que

trouxe para o âmbito federal as competências que antes pertenciam a Estados e Municípios,

reforçando, por conseguinte, os poderes do Presidente da República. Pode-se dizer que, nada

obstante a existência de três Poderes, na prática só existia o Executivo, eis que as

competências do Legislativo e do Judiciário foram diminuídas. Alguns doutrinadores,

acertadamente consideram que nenhuma Constituição em toda história republicana deu tantos

poderes ao Chefe do Executivo quanto a de 1967, seguida pela Emenda Constitucional nº. 1

de 1969, que lhe reforçou o cerne centralizador67.

À medida que o Poder Executivo ganhava forças em matéria legislativa, os poderes

Legislativo e Judiciário sucumbiam, tendo como apogeu de uma nova ordem política

instaurada, o Ato Institucional nº. 5, que dava poderes ao Presidente de, entre outros, decretar

o fechamento do Congresso e Assembleias Estaduais e Câmaras de Vereadores,

oportunidades que ao Executivo eram incumbidas as competências dos mencionados órgãos.

Quanto ao Judiciário, após o Ato Institucional nº. 5, a magistratura vê suspensas as garantias

como vitaliciedade e inamovibilidade, e, tamanho era o autoritarismo do referido ato que o

66 MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade, p. 206. 67 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional, p. 134.

35

art. 11 deste diploma subtraía da apreciação do Judiciário qualquer ato praticado com

fundamento nele, o que gerou muitas demasias excluídas do conhecimento do Judiciário68.

Ratificando o exposto, prestadio é o escólio de José Afonso da Silva, que, versando

sobre a Constituição de 1967, explica:

Essa Constituição [...] entrou em vigor em 15.3.67 [...]. Sofreu ela poderosa influência da Carta Política de 1937, cujas características básicas assimilou. Preocupou-se fundamentalmente com a segurança nacional. Deu mais poderes à União e ao Presidente da República. [...] Reduziu a autonomia individual, permitindo suspensão de direitos e de garantias constitucionais, no que se revela mais autoritária do que as anteriores, salvo a de 193769.

Percebe-se que ante a acentuada centralização na esfera federal, o Executivo vem a

ganhar forças em detrimento do Legislativo e do Judiciário. Características marcantes da

Carta de 1967 eram, além da mencionada brusca concentração do poder no âmbito federal, a

acentuada preocupação com a segurança nacional, o Executivo passando a ser eleito para

mandato de 4 anos, de maneira indireta por sufrágio público e nominal do Colégio Eleitoral

composto pelos membros do Congresso Nacional e de Delegados indicados pelas

Assembléias Legislativas dos Estados, diminuição das competências do Poder Judiciário,

possibilidade exagerada de suspensão de direitos políticos por 10 anos, suspensão da garantia

de habeas corpus em determinados casos, poder de decreto de confisco pelo Presidente da

República, após investigação, de todos quantos tivessem enriquecido ilicitamente no exercício

do cargo ou função70.

Aufere-se em derradeiro na parte histórica, que a Constituição de 1967, embora não

alterasse o controle de constitucionalidade, também representava um retrocesso à democracia,

pois tinha um cerne autoritário e centralizador, eis que, conforme exposto, espelhava-se em

muito na precedente Carta Magna de 1937.

Já quanto ao controle de constitucionalidade, consoante a Carta de 1967 com a

Emenda 1/69, competia originariamente, ao STF, julgar a representação do Procurador-Geral

da República, por inconstitucionalidade ou para interpretação de ato normativo federal ou

estadual. Ainda, era de competência do STF, julgar em sede de recurso extraordinário,

decisões finais que contrariassem à Constituição ou negassem vigência de tratado ou lei

68 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional, p. 136. 69 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 86 70 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado, p. 93.

36

federal, bem como as que declarassem inconstitucionais tratados ou leis federais, e, ainda, que

julgassem válida lei ou ato de governo local contestado ao arrepio da Constituição ou de lei

federal. Todavia, somente por maioria absoluta de seus membros, poderia o tribunal declarar a

inconstitucionalidade de lei ou ato normativo. Desta forma, admitia-se, na Constituição da

República de 1967, o controle difuso, o controle direto concreto e abstrato, a maioria absoluta

para declaração de inconstitucionalidade, a abrangência de lei federal e estadual, a

possibilidade de que a Constituição Estadual regulasse a intervenção no município, com

observância ao disposto em seu texto, e a medida liminar nas ações relativas à

inconstitucionalidade71.

Explanando acerca do controle de constitucionalidade a Constituição de 1967, Mendes

preconiza:

A Constituição de 1967 não trouxe grandes inovações no sistema de controle de constitucionalidade. Manteve-se incólume o controle difuso. A ação direta de inconstitucionalidade subsistiu, tal como prevista na Constituição de 1946, com a Emenda n. 16, de 196572.

Cumpre-se mencionar que o Texto de 1967 não incorporou o disposto na Emenda nº.

16 da Constituição precedente, no que diz respeito à permissão da criação do processo de

competência originária dos Tribunais de Justiça dos Estados, para a declaração de lei ou ato

dos municípios, editados à margem das Constituições dos Estados. Neste viés, a Emenda

Constitucional nº. 1, de 1969, previu, expressamente, o controle de constitucionalidade de lei

municipal, em face da Constituição Estadual, para fins de intervenção no município editor da

lei dada como inconstitucional73.

Deste modo, nota-se que embora dotada de um caráter negativo decorrente do

autoritarismo e centralização de poder, o controle de constitucionalidade no regime

constitucional da Carta Política de 1967 não sofreu grandes intervenções, mantendo-se, por

exemplo, o controle difuso de constitucionalidade e a ação direta de inconstitucionalidade.

71 PACHECO, José da Silva. O Mandado de Segurança e Outras Ações Constitucionais Típicas, p. 420. 72 MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade, p. 206. 73 MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade, p. 206.

37

2.7 O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE SOB O REGIME DA CARTA DE

1988 (COM A EC 3/93)

A atual Constituição começou seu processo de nascimento no dia 27 de janeiro de

1988, quando o plenário, então, se reuniu para dar início às votações, e, já no dia posterior, 28

de janeiro de 1988, teve aprovada as primeiras matérias: o preâmbulo e o Título I. Após um

longo período de deliberações com tomadas de decisões de grande impacto nacional, no final

de julho de 1988 inicia-se o 2º turno de votação. Não obstante ao persistente absenteísmo de

uma parcela dos constituintes, o clima de cansaço que a partir de certo ponto se abateu sobre

os mesmos e a Nação, somado à aproximação dos pleitos municipais, fez com que a

Constituinte se voltasse para um trabalho denominado “concentrado”, que não deixou de

trazer consigo uma grande dose de precipitação e inconsciência, surgindo ao final um clima

festivo, frente ao trabalho exaustivo que se concluía74.

Já entrando no assunto do controle de constitucionalidade, na atual Carta da

Primavera, se finda o monopólio da ação por parte do Procurador-Geral da República. Isto

porque, embora a existência de grande discussão a respeito deste particular, a jurisprudência

era consolidada sobre o assunto. Contudo, tal discussão veio a ser acolhida pela constituinte

de 1988, que, embora mantivesse o Procurador-Geral da República como legítimo para propor

ação de inconstitucionalidade, alargou a legitimidade para diversos órgãos e entes para

referida propositura75.

Neste diapasão, oportuna a manifestação doutrinária do jurista Gilmar Mendes:

Nos termos do art. 103 da Constituição de 1988 dispõem de legitimidade para propor a ação de inconstitucionalidade o Presidente da República, a Mesa do Senado Federal, a Mesa da Câmara dos Deputados, a Mesa de uma Assembléia Legislativa, o Governador do Estado, o Procurador-Geral da República, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, partido político com representação no Congresso Nacional, as confederações sindicais ou entidades de classe de âmbito nacional76.

É flagrante, deste modo, que, ante a insatisfação geral da permissão exclusiva do

Procurador-Geral da República e a inércia da jurisprudência visando modificar tal premissa,

que a Constituição Federal de 1988 vem ao encontro do clamor, no sentido de, embora

74 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional, p. 149. 75 MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade, p. 207. 76 MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade, p. 207.

38

mantendo o Procurador-Geral como um órgão legítimo para propor ação de

inconstitucionalidade, aumenta a lista de órgãos e entes legitimados para interpor ação

buscando tutela judicial à Carta Magna quando do confronto de leis e atos normativos paridos

em lesão à mesma.

Assim, notório que a Carta Política de 1988, ao ampliar de forma marcante, a

legitimação para propositura de ação direta de inconstitucionalidade, reduziu,

significativamente, o controle de constitucionalidade incidental ou difuso. Isso porque

permitiu que, praticamente, todas as controvérsias constitucionais dotadas de relevância,

sejam submetidas diretamente ao STF, fazendo jus ao processo de controle abstrato de

normas77.

Ainda apenas pincelando acerca da jurisdição constitucional do STF no atual regime

da Carta Política de 1988, Nogueira da Silva completa:

A Constituição atual ampliou a jurisdição constitucional do Supremo, na medida em que criou o mandado de injunção e o habeas data, mas, principalmente, ao encerrar a antiga controvérsia doutrinária, agasalhando a ação direta de inconstitucionalidade por omissão. Além disso, para não deixar qualquer dúvida quanto à natureza que atribuiu ao tribunal, declara desde logo que a ele “compete”, precipuamente, a guarda da Constituição78.

Voltando ao mencionado alargamento da legitimidade para propositura da ação direta

de inconstitucionalidade perante o Supremo, Mendes destaca:

Ao lado desta ampla legitimação para a provocação do controle abstrato de normas, cuidou o constituinte de instituir mecanismo (art. 5º, LXXI) para a tutela de direitos subjetivos lesados em decorrência da omissão normativa. No mesmo passo, instituiu-se ainda processo de controle abstrato da omissão normativa constitucional (art. 103, § 2º), instituto – a exemplo do anterior – ainda carente de conformação definitiva79.

Quanto ao controle de constitucionalidade propriamente dito em vigência atualmente,

a atual Constituição apresenta os seguintes aspectos: amplo controle difuso, com recurso

extraordinário ao STF; ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, federal ou

estadual; ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, com

eficácia vinculante; ação de inconstitucionalidade por omissão; o fato de que a 77 MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade, p. 208. 78 SILVA, Paulo Napoleão Nogueira da. A evolução do controle de constitucionalidade e a competência do Senado Federal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992. p. 104. 79 MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade, p. 210.

39

inconstitucionalidade pode ser apreciada em tese ou em caso concreto; o fato de que o

Procurador-Geral da República tem legitimidade vinculada à sua função institucional; a

possibilidade de medida cautelar nas demandas citadas; a arguição de descumprimento de

preceito fundamental veio a ter o seu processo regulado pela Lei n. 9.882/9980.

Curial esmiuçar, ainda, a evolução do controle de constitucionalidade no Brasil,

mesmo após a última e atual Constituição Federal de 1988, como por exemplo, a edição da

Emenda Constitucional nº. 3 de 1993 que introduz a ação declaratória de constitucionalidade,

da Lei nº. 9.868/99 que regulamenta a ação direta de inconstitucionalidade e ação declaratória

de constitucionalidade, e, da Lei nº. 9.882/99 que regulamenta a ação de argüição de

descumprimento de preceito fundamental.

Discorrendo acerca da Emenda Constitucional nº. 3 de 1993, que institui a ação

declaratória de constitucionalidade, Gilmar Mendes leciona:

A Emenda Constitucional n. 3, de 17 de março de 1993, disciplinou o instituto firmando a competência do Supremo Tribunal Federal para conhecer e julgar a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, processo cuja decisão definitiva de mérito possuirá eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Executivo e do Judiciário. Conferiu-se legitimidade ativa ao Presidente da República, à Mesa do Senado Federal, à Mesa da Câmara dos Deputados e ao Procurador-Geral da República. Considerando a súbita repercussão da introdução do instituto, cumpra agora cogitar-se se represente ele um novum no modelo brasileiro de controle de constitucionalidade81.

Logo, é nítido que o legislador quando da inserção da referida Emenda Constitucional,

procurou inovar e aprimorar o controle de constitucionalidade no Brasil, embora conferindo a

legitimidade para propositura da ação a pequena parcela de órgãos.

No tocante às Leis nº. 9.868 de 10/11/1999 e nº. 9.882 de 03/12/1999, encontra-se um

passo mais recente da evolução do controle de constitucionalidade das normas no Brasil, eis

que se tratam de dois textos normativos que surgiram para disciplinar instrumentos

processuais destinados ao controle de constitucionalidade, quais sejam, a arguição de

descumprimento de preceito fundamental (pela Lei nº. 9.882/99), que pode conferir nova

conformação ao controle de constitucionalidade entre nós, e, a ação direta de

80 PACHECO, José da Silva. O Mandado de Segurança e Outras Ações Constitucionais Típicas, p. 422. 81 MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade, p. 210.

40

inconstitucionalidade e ação declaratória de constitucionalidade (ambas pela Lei nº.

9.868/99), que ganham regulamentação quanto ao seu processamento e julgamento.

Ante o exposto, pode-se auferir que não obstante as Constituições, com exceção à

Constituição de 1937, tinham princípios e disposições conhecidas atualmente, o processo

evolutivo do controle de constitucionalidade só foi aprimorado com o decorrer do processo

constituinte legiferante, isto por que, o legislador buscou, de forma paulatina e gradativa, com

o avanço social e econômico, a assegurar o diploma constitucional, garantindo, cada vez mais,

meios para que se busque reparar ou evitar afrontas ao texto constitucional, tido como norma

máxima em nosso ordenamento jurídico vigente.

41

3 O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE E SUAS AÇÕES ESPECÍFICAS

Neste momento, faz-se oportuno expor os conceitos e as noções acerca do tema em

debate. Assim, é de bom alvitre que se traga à baila, noções de direito constitucional e do

controle concentrado de constitucionalidade de forma ampla, antes de, propriamente, adentrar

no cerne da pesquisa, qual seja, a Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental.

Para fins de ilustração, necessária uma classificação geral do controle de

constitucionalidade da seguinte forma: I – Inconstitucionalidade pode ser por ação (formal ou

material) ou por omissão; II – Formas do controle de constitucionalidade pode ser preventivo

ou repressivo; III – Órgãos de controle podem ser político ou judiciário; IV – Critérios de

controle podem ser difuso ou concentrado; V – Meios de controle podem ser incidental ou

principal; VI – Efeitos da decisão que declara inconstitucionalidade pode ser inter partes ou

erga omnes; e, VII – Retroatividade da decisão acerca da constitucionalidade pode ser ex tunc

ou ex nunc82.

Nesse sentido, imprescindível que se desmembre a classificação acima consignada, a

fim de maior esclarecimento quanto ao esquema do controle de constitucionalidade adotado,

hodiernamente, em nosso País.

Seguindo a classificação acima, temos em primeiro lugar a diferença entre a

inconstitucionalidade formal por ação, que é a produção de atos legislativos e/ou normativos

sem a devida observância do processo legislativo disposto na Constituição, a

inconstitucionalidade material por ação, que constitui a produção de atos legislativos e/ou

normativos editados ao arrepio da Carta Magna e, a inconstitucionalidade por omissão que é a

ausência de atos legislativos e/ou normativos que, por não existirem, impossibilitam o

cumprimento de preceitos presentes na Constituição83.

A seguir, curial a explicação acerca da distinção entre a forma de controle de

constitucionalidade, que pode ser preventivo, antes de a norma adquirir eficácia e validade,

82 PINHO, Rodrigo César Rebello. Teoria Geral da Constituição e Direitos Fundamentais, p. 32. 83 PINHO, Rodrigo César Rebello. Teoria Geral da Constituição e Direitos Fundamentais, p. 33.

42

integrando o ordenamento jurídico, e, repressivo, que visa retirar do ordenamento jurídico

uma lei ou ato normativo promulgado com vício de inconstitucionalidade84.

Vencida esta etapa, fala-se dos órgãos de controle: político ou judiciário. Tem-se o

controle político quando referida verificação de constitucionalidade é exercido por órgão não

pertencente ao Judiciário, como no caso de um Conselho ou Comissão Constitucional

presentes no Legislativo ou da possibilidade do Chefe do Executivo vetar o projeto de lei que

considerar inconstitucional85.

Na sequência, temos os critérios do controle de constitucionalidade, quais sejam, o

difuso e o concentrado. No difuso, o controle da constitucionalidade é exercido por todos os

que integram o Judiciário, podendo qualquer juiz ou tribunal declarar a inconstitucionalidade

da lei no caso em que examinar. Já no concentrado, o controle é exercido somente por um

Tribunal Superior no país, que no Brasil é o Supremo Tribunal Federal86.

Quanto aos meios utilizados para controle do contido no Texto Constitucional, temos

o meio incidental, também nominado como via de defesa, oportunidade em que o objeto da

ação é a satisfação de um direito individual ou coletivo, alegando-se, por conseguinte, de

forma incidental, a ofensa do ato legislativo ou normativo à Carta Maior. Já no meio

principal, também referido como via de ação, o objeto é, exatamente, a declaração da

inconstitucionalidade do ato legislativo ou normativo87.

Derradeiro, quanto aos efeitos da decisão, estes podem ser inter partes (produz efeito

somente entre os litigantes, os integrantes da relação processual) ou erga omnes (produz

eficácia contra todos, sendo um efeito da constitucionalidade exercido por meio da via de

ação). E, a natureza da decisão pode ser classificada como sendo ex tunc (retroage, atingindo

a lei e todas as suas consequências jurídicas, desde sua origem) ou ex nunc (não retroage,

produzindo efeitos somente a partir de sua publicação, sem atingir consequências pretéritas)88.

84 PINHO, Rodrigo César Rebello. Teoria Geral da Constituição e Direitos Fundamentais, p. 34. 85 PINHO, Rodrigo César Rebello. Teoria Geral da Constituição e Direitos Fundamentais, p. 35. 86 PINHO, Rodrigo César Rebello. Teoria Geral da Constituição e Direitos Fundamentais, p. 35. 87 PINHO, Rodrigo César Rebello. Teoria Geral da Constituição e Direitos Fundamentais, p. 35. 88 PINHO, Rodrigo César Rebello. Teoria Geral da Constituição e Direitos Fundamentais, p. 36.

43

3.1 CONCEITO DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

Para que se compreenda o controle de constitucionalidade se faz necessária a

compreensão de que a Constituição é a norma ou o conjunto normativo de maior relevância

em nosso ordenamento jurídico, e, sendo assim, todas as demais só terão validade se forem

recepcionadas pela mesma, sob pena de serem declaradas inconstitucionais e ineficazes.

Neste sentido, Moraes assevera que a idéia de controle de constitucionalidade está

ligada à Supremacia da Constituição e à rigidez constitucional. Desta forma, a existência de

um escalonamento normativo é pressuposto necessário para a supremacia constitucional, e,

pode-se observar que nas constituições rígidas se verifica a superioridade da norma magna em

relação àquelas produzidas pelo Legislativo89.

Chimenti, quando versa acerca da Supremacia da Constituição, ratifica:

O controle de constitucionalidade tem por pressuposto que a Constituição é a norma mais importante de um país e por isso deve ter protegidos sua supremacia e os direitos e garantias dela decorrentes. Dessa supremacia, oriunda não só do conteúdo da norma constitucional mas também do processo especial que cerca a sua elaboração, decorre o princípio da compatibilidade vertical, segundo o qual a validade da norma inferior depende de sua compatibilidade com a Constituição da República90.

Ainda, Lenza, quando discorre acerca da rigidez e da supremacia da Constituição

perante as outras normas, conceitua que, quanto à rigidez, verifica-se tal peculiaridade quando

a Constituição possui um processo de alteração mais dificultoso, árduo e solene do que o

processo de alteração das demais normas. Em decorrência desta rigidez, nota-se a supremacia

da constituição, isto por que a ideia de controle emanada da rigidez, ou seja, pressupõe um

escalonamento normativo em que a Constituinte ocupa o grau máximo na relação hierárquica,

sendo considerada norma de validade para os demais atos normativos do sistema91.

Assim, pode-se concluir que o controle de constitucionalidade está intimamente ligado

à ideia de rigidez constitucional, isto porque sem a rigidez constitucional a legislação inferior

subsequente à Constituição revogaria a norma constitucional e não haveria o que controlar.

89 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 15. ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 598. 90 CHIMENTI, Ricardo Cunha... [et al.]. Curso de Direito Constitucional, p. 394 91 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado, p. 149.

44

Logo, segundo Capez, “controle de constitucionalidade é a verificação da

compatibilidade vertical que, necessariamente, deve haver entre a norma constitucional e as

regras a ela subordinadas”92.

Destarte, em suma, podemos destacar que, “controlar a constitucionalidade do ato

normativo, significa impedir a subsistência da eficácia de norma contrária à Constituição”93.

Ou, nas palavras de Moraes, “controlar a constitucionalidade significa verificar a

adequação (compatibilidade) de uma lei ou de um ato normativo com a constituição,

verificando seus requisitos formais e materiais”94.

Com efeito, é flagrante que num Estado como o brasileiro, onde a Constituição da

República é rígida e qualquer alteração em seu texto se dá de forma árdua e solene, todas as

normas a serem promulgadas devem ir ao encontro do texto constitucional, isto por que, em

caso de afronta à Carta Magna, a eficácia e validade de determinada norma editada em

desacordo com a Constituinte, serão cassadas e consequentemente, tal norma será revogada.

3.2 O CONTROLE PREVENTIVO DE CONSTITUCIONALIDADE

O controle ou fiscalização preventiva da constitucionalidade é aquele que se dá antes

do ingresso da norma, cuja constitucionalidade está sendo averiguada, no ordenamento

jurídico brasileiro. Assim, tem-se que o controle de constitucionalidade preventivo visa

impedir, através de prévia análise, a vigência de normas ou atos normativos que estejam em

desacordo com a Constituição da República.

Na esteira do conceito de controle preventivo de constitucionalidade, Peña de Moraes

explica que este controle difere do controle repressivo, conforme o momento do exercício,

sendo o primeiro “realizado sobre a proposta de emenda ou projeto de lei, não tendo a norma

adquirido vigência”95.

Em outras palavras, e ainda buscando-se esclarecer o conceito de controle preventivo

de constitucionalidade, pode-se afirmar que é o controle feito antes da elaboração da lei,

92 CAPEZ, Fernando. Direito Constitucional. 13. ed. São Paulo: Damásio de Jesus, 2003, p. 74. 93 CAPEZ. Fernando. Direito Constitucional, p. 74. 94 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, p. 600. 95 MORAES, Guilherme Peña de. Direito Constitucional: Teoria da Constituição, p. 144.

45

impedindo que um projeto de lei inconstitucional venha a ser promulgado. Considerando que

o controle preventivo se dá antes da aquisição de vigência e eficácia da lei, observa-se que, na

verdade, ele acontece quando da apreciação do projeto de lei ainda no berçário legiferante.

Isto se levando em consideração que toda Casa Legislativa tem uma Comissão de

Constituição e Justiça, ou órgão equiparado, cuja função primordial é justamente verificar a

constitucionalidade do projeto de lei apresentado para aprovação. Pontua-se que na esfera

Executiva, o controle preventivo de constitucionalidade se dá pelo veto do Presidente da

República ao projeto de lei aprovado no âmbito Legislativo96.

Já Chimenti, quando fala dos órgãos que controlam a constitucionalidade de forma

preventiva no Brasil, exemplifica:

São órgãos controladores preventivos a Comissão de Constituição e Justiça e Redação da Câmara e a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado, cujos pareceres negativos em regra são conclusivos, salvo se o plenário os invalidar dando provimento a recurso apresentado por, no mínimo, 1/10 dos parlamentares da Casa Legislativa a que pertence a comissão. Ademais, o próprio plenário da Casa pode rejeitar proposta inconstitucional97.

E continua Chimenti, asseverando que “por meio de veto jurídico o Presidente da

República e demais chefes do Poder Executivo, cada um deles na sua esfera de competência,

realizam o controle preventivo”98.

Quanto à hipótese do controle preventivo pelas Comissões de Constituição e Justiça,

Moraes explica que se tratam das comissões permanentes cuja existência está prevista no

regimento interno de cada casa legislativa e com função precípua de analisar a

compatibilidade do projeto de lei ou proposta de emenda constitucional apresentados com o

texto da Constituição Federal. Este tipo de controle de constitucionalidade poderá ser

realizado, também pelo plenário da casa legislativa, na hipótese de rejeição do projeto de lei

por inconstitucionalidade99.

Acerca da segunda hipótese, qual seja o veto jurídico, Moraes preceitua que esta reside

na possibilidade da participação do chefe do Poder Executivo no controle de

constitucionalidade preventivo. Neste caso, o Presidente da República poderá vetar o projeto

96 PINHO, Rodrigo César Rebello. Teoria Geral da Constituição e Direitos Fundamentais, p. 34. 97 CHIMENTI, Ricardo Cunha... [et. al.]. Curso de Direito Constitucional, p 398. 98 CHIMENTI, Ricardo Cunha... [et. al.]. Curso de Direito Constitucional, p. 398. 99 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, p. 605.

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de lei aprovado pelo Congresso Nacional por entendê-lo inconstitucional. É o chamado veto

jurídico100.

Lenza quando conceitua o controle preventivo define como sendo:

O controle realizado durante o processo legislativo de formação do ato normativo. Logo no momento de apresentação de um projeto de lei, o iniciador, a “pessoa”que deflagrar o processo legislativo, em tese, já deve verificar a regularidade material do aludido projeto de lei101.

Ainda, classificando o controle preventivo, Lenza enumera, além dos já citados, o

controle preventivo realizado pelo Poder Judiciário:

[...] a única hipótese de controle preventivo a ser realizado pelo Judiciário sobre projeto de lei em trâmite na Casa Legislativa é para garantir ao parlamentar o devido processo legislativo, vedando a sua participação em procedimento desconforme com as regras da Constituição. Trata-se, como visto, de controle exercido, no caso concreto, pelos parlamentares, pela via de exceção ou defesa, ou seja, o controle difuso de Constitucionalidade102.

Capez afirma que o controle preventivo, também nominado controle lato de

constitucionalidade, se destina a impedir o ingresso no sistema de normas que, em seu

projeto, já revelam desconformidade com a Constituição, atuando, desta feita, antes da própria

existência da lei103.

Podemos extrair, desta forma, que o controle preventivo é a fiscalização, o controle

prévio exercido na maioria dos casos pelo Poder Legislativo, de uma norma na fase de edição

da mesma, a fim de garantir que o disposto em seu texto e também os seus efeitos na prática

não firam a Constituição. Este controle visa garantir o bloqueio da introdução de leis ou atos

normativos que afrontem à Constituição da República, ao ordenamento jurídico vigente.

3.3 O CONTROLE REPRESSIVO DE CONSTITUCIONALIDADE

No Brasil, via de regra, adota-se o controle repressivo de constitucionalidade, onde o

próprio Poder Judiciário é quem realiza o controle da lei ou do ato normativo, já editados, 100 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, p. 606. 101 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado, p. 161. 102 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado, p. 163. 103 CAPEZ, Fernando. Direito Constitucional, p. 75.

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perante a Constituição, visando retirá-los do ordenamento jurídico uma vez que contrários à

Carta Magna. O Judiciário utiliza-se de dois sistemas de controle de constitucionalidade

repressivo: o concentrado (via de ação) e o difuso (via de exceção), e, excepcionalmente, o

poder Legislativo poderá exercer o controle repressivo de constitucionalidade, podendo retirar

normas editadas, com plena vigência e eficácia, do ordenamento jurídico, deixando estas de

produzir seus efeitos, por apresentarem um vício de inconstitucionalidade104.

O controle repressivo será realizado sobre a lei e não mais sobre o projeto de lei, como

ocorre no controle preventivo. Neste caso, os órgãos incumbidos do controle verificarão se a

lei, ato normativo ou qualquer ato com caráter normativo, possuem um vício formal

(originário do seu processo de formação) ou um vício material (em seu conteúdo)105.

Peña de Moraes esclarece que o controle repressivo vem agir “sobre Emenda ou Lei,

tendo a norma adquirido vigência, com o desiderato de elidir a presunção relativa de validade

ou confirmá-la em presunção absoluta de validade”106.

Segundo Chimenti, a finalidade do controle repressivo é afastar a incidência de uma

norma inconstitucional. Logo, o controle repressivo é efetivado de forma ampla pelo

Judiciário e, excepcionalmente, pelo Executivo ou Legislativo107.

Assim, no entendimento de Chimenti, o Poder Legislativo tem poderes para editar

decreto legislativo sustando atos normativos do Presidente da República que exorbitem o

poder regulamentar bem como pode rejeitar medida provisória inconstitucional; os Tribunais

de Contas, por sua vez, considerados órgãos normalmente auxiliares do Legislativo, podem,

em casos concretos, também, deixar de aplicar leis e atos normativos que considerarem

inconstitucionais108.

Chimenti, quando destaca a possibilidade de o controle de constitucionalidade

repressivo ser exercido pelo Poder Executivo, esclarece:

Quanto ao Poder Executivo, prevalece o entendimento, fundado no inciso I do art. 23 da CF (pelo qual é da competência comum da União, dos Estados, do DF e dos Municípios zelar pela guarda da Constituição), segundo o qual, por ato administrativo expresso e formal, o Presidente da República, os

104 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, p. 606. 105 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado, p. 165. 106 MORAES, Guilherme Peña de. Direito Constitucional: Teoria da Constituição, p. 144 107 CHIMENTI, Ricardo Cunha... [et. al.]. Curso de Direito Constitucional, p. 399. 108 CHIMENTI, Ricardo Cunha... [et. al.]. Curso de Direito Constitucional, p. 399.

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governadores e os prefeitos (mas não os seus subalternos), nos limites da sua competência (prefeito não pode deixar de cumprir lei estadual ou federal), podem negar cumprimento a uma lei ou ato normativo que entendam flagrantemente inconstitucional, até que a questão seja apreciada pelo Poder Judiciário (STF, RTJ, 151/331). As posições contrárias a esse entendimento majoritário sustentam que o controle pelo Poder Executivo fere a presunção de constitucionalidade das leis e gera insegurança jurídica109.

Logo, nota-se que o controle repressivo de constitucionalidade, primordialmente, é

exercido pelo Poder Judiciário (de forma difusa ou concentrada), contudo, admite-se que,

excepcionalmente, o controle de constitucionalidade seja exercido, também, pelo Poder

Legislativo quando da edição de atos que sustem decretos normativos do Executivo e rejeitam

medidas provisórias, bem como, pelo Poder Executivo quando, no limite de suas

competências, negam cumprimento à lei considerada inconstitucional até o deslinde judicial.

3.3.1 Controle Repressivo de Constitucionalidade Exercido pelo Legislativo

Como visto, o Poder Legislativo, excepcionalmente, poderá exercer o controle

repressivo de constitucionalidade quando editam decretos que suspendem atos normativos do

Chefe do Executivo que ultrapassem o poder regulamentar ou os limites da delegação

legislativa, bem como quando rejeitam medidas provisórias editadas pelo Executivo e

consideradas inconstitucionais.

Desta maneira, a primeira hipótese de controle repressivo realizado pelo Poder

Legislativo reside no artigo 49, inciso V, da Constituição Federal, que garante competência do

Congresso Nacional sustar os atos do Poder Executivo que ultrapassem, exorbitem do poder

regulamentar ou dos limites de delegação legislativa. Quando uma das situações elencadas

ocorrer, poderá o Congresso Nacional editar um decreto legislativo sustando o decreto

presidencial ou a lei delegada, por desrespeito à forma constitucional prevista para sua

edição110.

Já a segunda hipótese de controle de constitucionalidade repressivo exercido pelo

Poder Legislativo faz referência ao artigo 62 da Constituição Federal, e, trata-se do processo

em que, uma vez editada uma medida provisória pelo Presidente da República, esta terá

vigência e eficácia imediata, e força de lei, pelo prazo de sessenta dias, devendo ser submetida

109 CHIMENTI, Ricardo Cunha... [et. al.]. Curso de Direito Constitucional, p. 399. 110 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, p. 606.

49

de imediato ao Congresso Nacional, que poderá tanto aprová-la convertendo-a em lei, quanto

rejeitá-la, por várias causas, inclusive, inconstitucionalidade111.

Nesta esteira, Moraes ensina:

Na hipótese de o Congresso Nacional rejeitar a medida provisória, com base em inconstitucionalidade apontada no parecer da comissão temporária mista, estará exercendo controle de constitucionalidade repressivo, pois retirará do ordenamento jurídico a medida provisória flagrantemente inconstitucional112.

E continua o Professor Moraes em seu escólio:

Nota-se que, enquanto espécie normativa, a medida provisória, uma vez editada, está perfeita e acabada, já tendo ingressado no ordenamento jurídico com força de lei independentemente de sua natureza temporária. Assim, o fato de o Congresso Nacional rejeitá-la, impedindo que converta-se em lei, ou mesmo que fosse reeditada por ausência de deliberação, em face da flagrante inconstitucionalidade, consubstancia-se em controle repressivo113.

E, ainda, Moraes, discorrendo acerca do controle de constitucionalidade das medidas

provisórias, conclui:

Consagrando a idéia de existência de controle de constitucionalidade repressivo exercido em relação às medidas provisórias, por tratarem-se de atos normativos perfeitos e acabados, apesar do caráter temporário, o Supremo Tribunal Federal admite serem as mesmas objeto de ação direta de inconstitucionalidade, ressaltando que a edição de medida provisória, pelo Presidente da República, reveste-se de dois momentos significativos e inconfundíveis: o primeiro diz respeito a um ato normativo, com eficácia imediata de lei; o segundo é a sujeição desse ato ao Congresso Nacional, para que este não apenas ratifique seus efeitos, mas a converta em lei, com eficácia, definitiva. Dessa maneira, esse ato normativo poderá ser objeto de controle repressivo de constitucionalidade, seja por via de ação direta de inconstitucionalidade, seja por parte do Poder Legislativo114.

Extrai-se, por conseguinte, que o Poder Legislativo também será, dentro de suas

atribuições, competente para exercer o controle de constitucionalidade repressivo, uma vez

que os atos normativos presidenciais e as medidas provisórias estarão sujeitas à ratificação

pelo Congresso Nacional. Deste modo, a consequente rejeição é uma forma de controle

repressivo de constitucionalidade, uma vez que a medida provisória exaurida ou o ato

111 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, p. 607. 112 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, p. 607. 113 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, p. 607. 114 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, p. 607.

50

normativo sustado já tinha adquirido plena eficácia com força de lei antes que fosse

submetida a analise do Poder Legislativo.

3.3.2 O Controle Repressivo de Constitucionalidade Exercido pelo Judiciário

No Brasil o controle de constitucionalidade repressivo é exercido de duas formas: o

controle repressivo difuso e o controle repressivo concentrado. Levando-se em consideração

que o Supremo Tribunal Federal, a quem cabe, primordialmente, a guarda da Constituição,

exerce, através de julgamentos a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo

federal e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, a este

cabe o controle concentrado de constitucionalidade, enquanto que, os demais tribunais,

quando, ao afirmar por maioria absoluta de seus membros, a inconstitucionalidade de lei ou

ato normativo do Poder Público, exercem o controle difuso de constitucionalidade115.

Na esteira de elucidar o controle repressivo de constitucionalidade, Peña de Moraes

leciona:

O controle repressivo, implementado por órgão de natureza judicial, propicia a declaração de inconstitucionalidade de emenda à Constituição ou lei pelo Poder Judiciário [...]. A propósito, excepcionalmente, há a possibilidade de exercício de controle repressivo-político, na hipótese de sustação de atos normativos do Poder Executivo que exorbitem dos limites de delegação legislativa, com fulcro no art. 49, inc. V[...]116.

Logo, resta claro que o controle repressivo exercido pelo judiciário divide-se entre um

controle difuso, que é aquele exercido quando da prolação de decisões por juízes ou tribunais

que declarem inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e, um controle chamado

concentrado que é o oriundo da competência do STF para conhecer e julgar, por exemplo, a

ação direta de inconstitucionalidade de determinada lei ou ato normativo.

Vencida esta etapa conceitual, mister que se verse acerca do controle difuso e do

controle concentrado de constitucionalidade que vigoram no Brasil. Assim, é imprescindível o

estudo de cada um com suas particularidades e ações específicas, voltadas, em seu âmago,

para a proteção ao Texto Magno.

115 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, p. 607. 116 MORAES, Guilherme Peña de. Direito Constitucional: Teoria da Constituição, p. 147.

51

3.3.2.1 O Controle Difuso de Constitucionalidade

Historicamente, pode-se afirmar que o controle difuso de constitucionalidade teve

como berço o célebre caso, já citado neste trabalho, de Marbury v. Madison, em 1803. Tem-se

que o juiz estadunidense John Marshall, da Suprema Corte norte-americana, apreciando o

mencionado case, decidiu que, havendo conflito entre a aplicação de uma lei em um caso

concreto e a Constituição, deve prevalecer a Constituição por ser hierarquicamente

superior117.

O controle difuso, também conhecido como controle por via de exceção ou defesa,

nada mais é do que a permissão a qualquer juiz ou tribunal averiguar no caso concreto a

análise acerca da compatibilidade do ordenamento jurídico com a Carta Maior118.

Nesta linha, Moraes discorre:

Na via de exceção, a pronúncia do Judiciário, sobre a inconstitucionalidade, não é feita enquanto manifestação sobre o objeto principal da lide, mas sim sobre questão prévia, indispensável ao julgamento do mérito. Nesta via, o que é outorgado ao interessado é obter a declaração de inconstitucionalidade somente para o efeito de isentá-lo, no caso concreto, do cumprimento da lei ou ato, produzidos em desacordo com a Lei Maior. Entretanto, este ao ou lei permanecem válidos no que se refere à sua força obrigatória com relação a terceiros119.

E continua:

O controle difuso caracteriza-se, principalmente, pelo fato de ser exercitável somente perante um caso concreto a ser decidido pelo Poder Judiciário. Assim, posto um litígio em juízo, o Poder Judiciário deverá solucioná-lo e para tanto, incidentalmente, deverá analisar a constitucionalidade ou não da lei ou do ato normativo. A declaração de inconstitucionalidade é necessária para o deslinde do caso concreto, não sendo pois objeto principal da ação120.

Quanto a questão do artigo 97121 da Constituição Federal, Moraes ainda explica que a

inconstitucionalidade de ato normativo estatal só poderá ser declarada pelo voto de maioria

absoluta da totalidade dos membros do tribunal ou, onde houver, dos integrantes do órgão

117 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado, p. 174. 118 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, p. 608. 119 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, p. 608. 120 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, p. 610. 121 Constituição Federal de 1988 – “Art. 97. Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público.”

52

especial competente, sob pena de atribuir-se nulidade absoluta da decisão emanada do órgão

fracionário, em respeito ao disposto no referido artigo constitucional. Desta forma, esta

chamada “cláusula de reserva de plenário” vem como uma condição de eficácia jurídica da

declaração jurisdicional de inconstitucionalidade dos atos do Poder Público, aplicando-se para

todos os tribunais, via difusa122.

Ainda, salutar que se faça menção à súmula vinculante nº 10123 do Pretório Excelso,

que ratifica o mencionado, explicitando que o tribunal que de maneira fracionária, mesmo não

declarando expressamente a constitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público,

mas tão somente afasta sua incidência no todo ou em parte, viola a cláusula de reserva de

plenário prevista no art. 97 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

O controle difuso de constitucionalidade também poderá surtir efeitos através do

Senado Federal. Assim, quando o Supremo Tribunal Federal, declarar por maioria absoluta de

seus membros, a inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo do Poder Público, deverá

oficiar o Senado Federal para que este, através de resolução, suspenda a execução, no todo ou

em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal

Federal. O Regimento Interno do Senado Federal prevê que, proferida em decisão definitiva

pelo Supremo Tribunal Federal, de inconstitucionalidade, conhecerá da declaração mediante

comunicação do Presidente do Tribunal, representação do Procurador-Geral da República, ou,

por meio de projeto de iniciativa da comissão de constituição, justiça e cidadania124.

Neste entendimento, Moraes ressalta:

A declaração de inconstitucionalidade é do Supremo, mas a suspensão é função do Senado. Sem a declaração, o Senado não se movimenta, pois não lhe é dado suspender a execução de lei ou decreto não declarado inconstitucional, porém a tarefa constitucional de aplicação destes efeitos é sua, no exercício de sua atividade legiferante125.

Desta maneira, pode-se observar que também o Senado Federal, no limite de sua

competência poderá exercer o controle difuso de constitucionalidade. Isto por que, na hipótese

do Supremo Tribunal Federal declarar, em decisão definitiva, por maioria absoluta de seus

122 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, p. 611. 123 BRASIL. Súmula vinculante número 10 do Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/jurisprudenciaSumulaVinculante/anexo/Sumulas_Vinculantes_1_a_16.pdf> Acessado em 21/06/2009. 124 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, p. 612. 125 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, p. 613.

53

membros, a inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo, esta declaração servirá de

espeque jurídico para que o Senado atue na suspensão de referido diploma legal considerado

afronta à Carta Magna.

Conforme visto, o controle de constitucionalidade difuso caracteriza-se,

principalmente, pelo fato de ser aplicado exatamente em um caso concreto a ser apreciado

pelo Judiciário. Logo, quando colocado em litígio, o Judiciário, no afã de solucionar a

demanda judicial, analisará a constitucionalidade ou não de lei ou ato normativo (municipal,

estadual, distrital ou federal).

De outro lado, ainda em se tratando de controle repressivo de constitucionalidade

exercido de forma difusa, podemos apontar o controle que se dá durante o processo

legiferante, quando as normas, editadas ao arrepio do devido processo legislativo, são dotadas

de inconstitucionalidade formal.

Assim explica Moraes quando discorre acerca do controle difuso de

constitucionalidade durante o processo legislativo:

[...] o controle jurisdicional sobre a elaboração legiferante, inclusive sobre propostas de emendas constitucionais, sempre se dará de forma difusa, por meio do ajuizamento de mandado de segurança por parte de parlamentares que se sentirem prejudicados durante o processo legislativo. Reitere-se que os únicos legitimados à propositura de mandado de segurança para defesa do direito líquido e certo de somente participarem de um processo legislativo conforme as normas constitucionais e legais são os próprios parlamentares126.

Ainda Moraes, continua:

Os parlamentares, portanto, poderão propiciar ao Poder Judiciário a análise difusa de eventuais inconstitucionalidades ou ilegalidades que estiverem ocorrendo durante o trâmite de projetos ou proposições por meio de ajuizamento de mandados de segurança contra atos concretos da autoridade coatora (Presidente ou Mesa da Casa Legislativa, por exemplo), de maneira a impedir o flagrante desrespeito às normas regimentais ao ordenamento jurídico e coação aos próprios parlamentares, consistente na obrigatoriedade de participação e votação em um procedimento inconstitucional ou ilegal127.

E, conclui:

126 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, p. 617. 127 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, p. 618.

54

Não raro o Poder Judiciário deverá analisar a constitucionalidade, ou não, de determinada seqüência de atos durante o certo processo legislativo tendente à elaboração de uma das espécies normativas primárias, uma vez que é a própria Constituição Federal que, com riqueza de detalhes, prevê as normas básicas e obrigatórias do devido processo legislativo (CF, arts. 59 a 69). Quando assim atuar, o Judiciário estará realizando controle difuso de constitucionalidade, para poder – no mérito – garantir aos parlamentares o exercício de seu direito líquido e certo a somente participarem da atividade legiferante realizada em acordo com as normas constitucionais128.

Destarte, pode-se observar que, quando do desrespeito ao devido processo legiferante,

os parlamentares que se sentirem coagidos no âmbito de seu ofício de legislar, poderão

impetrar mandado de segurança para que tenham garantido o seu direito de exercer a

atividade legislativa em concordância com as normas constitucionais. Tal mandado de

segurança, que visa à concessão do referido mandamus tem cunho de controlador difuso de

constitucionalidade, pois a decisão do Tribunal que declarar a inconstitucionalidade do

processo legislativo garantirá o exercício do direito líquido e certo dos parlamentares de

exercerem seu ofício de maneira legal e constitucional.

Derradeiro, pode-se perceber que no controle difuso de constitucionalidade, o

reconhecimento da inconstitucionalidade não é o objeto principal do processo, contudo, a

apreciação do incidente se mostra imprescindível para o deslinde de determinada lide. Desta

maneira, no controle difuso o reconhecimento da inconstitucionalidade é apreciado como

incidente da ação principal e, após sua resolução, o juiz aprecia o pedido principal. Com

efeito, a declaração no controle difuso atinge somente as partes do litígio em exame, só

valendo para o caso concreto e sua eficácia é retroativa, atingindo a lei ou ato normativo

inconstitucional desde o seu nascimento129.

3.3.2.2 O Controle Concentrado de Constitucionalidade

Nos dizeres de Lenza, o controle concentrado de constitucionalidade de lei ou ato

normativo é assim nominado pelo fato de “concentrar-se” em um único tribunal, podendo ser

verificado em cinco situações: I – ADI (ação direta de inconstitucionalidade) genérica,

prevista no artigo 102, I, a, da Constituição Federal; II – ADPF (arguição de descumprimento

de preceito fundamental), prevista no art. 102, §1º, da Constituição Federal; III – ADI por

128 MOARES, Alexandre de. Direito Constitucional, p. 618. 129 CHIMENTI, Ricardo Cunha... [et. al.]. Curso de Direito Constitucional, p. 400.

55

omissão, prevista no art. 103, §2º, da Constituição Federal; IV – ADI interventiva, prevista no

art. 36, III, da Constituição Federal, com modificações introduzidas pela EC 45/2004; V –

ADC (ação declaratória de constitucionalidade), prevista no art. 102, I, a, e as alterações

introduzidas pela EC n. 3/93 e 45/2004130.

Hans Kelsen, quando versa a respeito de um único órgão ser executor do controle

concentrado de constitucionalidade explica que:

[...] se a Constituição conferisse a toda e qualquer pessoa competência para decidir esta questão, dificilmente poderia surgir uma lei que vinculasse os súditos do Direito e os órgãos jurídicos. Devendo evitar-se uma tal situação, a Constituição apenas pode conferir competência para tal a um determinado órgão jurídico131.

E conclui que:

[...] se o controle da constitucionalidade das leis é reservado a um único tribunal, este pode deter competência para anular a validade da lei reconhecida como inconstitucional não só em relação a um caso concreto mas em relação a todos os casos a que a lei se refira – quer dizer, para anular a lei como tal. Até esse momento, porém, a lei é válida e deve ser aplicada por todos os órgãos aplicadores do Direito132.

Originariamente, o controle concentrado de constitucionalidade, surgiu no Brasil por

meio da Emenda Constitucional n. 16, de 06/12/1965, que atribuiu ao Supremo Tribunal

Federal a competência para julgar originariamente a representação de inconstitucionalidade de

lei, ato normativo federal ou estadual, apresentada pelo Procurador-Geral da República,

apesar de já existir a representação interventiva desde a Constituição de 1934133.

Moraes explica que por meio deste controle, busca-se a obtenção da declaração de

inconstitucionalidade da lei ou ato normativo em tese, independentemente da existência de um

caso concreto, visando-se à obtenção da invalidação da lei, para assegurarem-se as relações

jurídicas, que não podem ser baseadas em normas inconstitucionais134.

E completa:

130 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado, p. 187. 131 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. São Paulo: Martins Fontes, 1985. p. 288 132 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito, p. 288. 133 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, p. 626. 134 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, p. 627.

56

A declaração da inconstitucionalidade, portanto, é o objeto principal da ação, da mesma forma que ocorre nas Cortes Constitucionais Européias, diferentemente do ocorrido no controle difuso, característica básica do judicial review do sistema norte-americano135.

Exemplificando as espécies de controle concentrado contempladas pela Constituição

Federal, Moraes enumera: a) ação direta de inconstitucionalidade genérica; b) ação direta de

inconstitucionalidade interventiva; c) ação direta de inconstitucionalidade por omissão; d)

ação declaratória de constitucionalidade; e e) arguição de descumprimento de preceito

fundamental136.

Nota-se, ao contrário da via difusa, onde o controle se verifica em casos concretos e

incidentalmente à ação principal, no controle concentrado de constitucionalidade, a

representação de inconstitucionalidade, em razão de ser em relação a um ato normativo em

tese, tem por objeto principal a declaração de inconstitucionalidade da lei ou ato normativo

impugnado. Logo, o que se busca é saber se a lei é inconstitucional ou não, por meio da

manifestação do Judiciário. Via de regra, através do controle concentrado, busca-se expurgar

do ordenamento jurídico lei ou ato normativo viciado (material ou formalmente), com a

consequente invalidação do diploma legal atacado137.

Explicando de forma sucinta cada uma das formas de exercício de controle

concentrado de constitucionalidade pode-se destacar, inicialmente, a ADI genérica (Lei nº.

9.868/99) como o instrumento para busca do controle de constitucionalidade de ato normativo

em tese, abstrato, marcado pela generalidade, impessoalidade e abstração. A ADI genérica

tem como objeto a lei ou ato normativo que se mostrarem incompatíveis com o sistema, sendo

que a competência para processá-las e julgá-las é definida conforme a natureza do objeto da

ação, qual seja, lei ou ato normativo. Em sede de decisão na ADI, a decisão produzirá efeitos

contra todos, e será dotada de efeito retroativo, retirando do ordenamento jurídico o ato

normativo ou lei incompatível com a Constituição138.

Historicamente falando, a ADI genérica foi introduzida no ordenamento jurídico

brasileiro no ano de 1965, por meio da Emenda Constitucional nº. 16. Logo, tem-se que até

referida data, o Brasil seguia exclusivamente o método difuso do controle de

constitucionalidade dos atos normativos, e, apenas indiretamente, o controle concentrado, 135 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, p. 627. 136 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, p. 627. 137 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado, p. 188. 138 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado, p. 188.

57

quando da apreciação pelo STF, de recurso extraordinário. Já no regime da atual Constituição

Federal, a ADI genérica tem previsão legal e constitucional no art. 102, I, a, que versa sobre o

cabimento de ADI contra leis ou atos normativos, estaduais ou federais139.

Na ADI genérica, o pedido será a declaração de inconstitucionalidade, buscando como

efeito mediato, a preservação da ordem jurídico-constitucional com a restituição ao estado de

coisas anterior e a consequente desconstituição do ato impugnado. Ainda, é de se apontar que

a competência para julgamento da ADI genérica é originária e exclusiva do STF140.

Quanto à ADPF, esta será cabível seja na modalidade de ação autônoma ou por

equivalência. No primeiro caso, é nítido o caráter preventivo, qual seja, evitar a lesão a

preceito fundamental, enquanto que no segundo caso, por equivalência, prevê-se a

possibilidade de arguição quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional

sobre lei ou ato normativo (federal, estadual, municipal), incluídos os anteriores à

Constituição. A competência originária para julgamento da arguição de descumprimento de

preceito fundamental é do Supremo Tribunal Federal e a decisão terá eficácia contra todos e

efeito vinculante relativamente aos demais órgãos do Poder Público, além de efeitos

retroativos141.

Quanto ao cabimento de uma ADPF, Rebello Pinho norteia:

Poderá ser proposta quando não for cabível ação direta de inconstitucionalidade, ação declaratória de inconstitucionalidade, mandado de segurança, ação popular, agravo regimental, recurso extraordinário, reclamação ou qualquer outra medida judicial apta a sanar, de maneira eficaz, a situação de lesividade, conforme reiteradas decisões do Supremo Tribunal Federal142.

Para cabimento da ADP é necessária a comprovação de violação de preceito

fundamental constante na Constituição, não podendo ser arguida a violação de um preceito

constitucional qualquer. Ou seja, não basta para o cabimento da ADPF, comprovar-se

violação de uma norma constitucional aleatória, eis que a violação de ser de norma

139 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional, p. 287. 140 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional, p. 288. 141 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado, p. 237. 142 PINHO, Rodrigo César Rebello. Teoria Geral das Constituições e Direitos Fundamentais, p. 43.

58

considerada relevante, tendo isso caráter de fundamentalidade como elemento de bloqueio ao

cabimento da ADPF143.

Assim, observa-se que a ADPF é um instrumento de não tão fácil manuseio, dada a

imprescindibilidade de, primeiro, esgotar-se outras medidas judiciais para sanar a

inconstitucionalidade, e, após, ainda, que o ato ou diploma impugnado tenha violado,

comprovadamente, um preceito considerado fundamental, relevante, constante na

Constituição Federal.

Ao seu tempo, com relação a ADI por omissão, Lenza a conceitua da seguinte forma:

Trata-se de inovação da CF/88, inspirada no art. 283 da Constituição Portuguesa. O que se busca através da ADIn por omissão é combater uma “doença”, chamada pela doutrina de “síndrome de inefetividade das normas constitucionais”144.

E Chimenti, complementa:

[...] A inconstitucionalidade por omissão é constatada quando o responsável pela iniciativa da norma de complementação não toma as medidas necessárias para a sua edição, ou as toma de forma meramente parcial. Em síntese, a ação visa afastar, com eficácia erga omnes, omissão quanto à medida normativa necessária para tornar efetiva norma constitucional que não é de eficácia plena (e não para que sejam tomadas atitudes administrativas concretas, a exemplo da construção de uma escola ou de um posto de saúde)145.

Deste modo, a questão da inconstitucionalidade por omissão trata do vício revelado

pela inexistência de um ato legislativo em sentido próprio. Neste caso, o legislador deixou de

praticar o ato de produzir uma norma legal para tornar viável o exercício de direitos ou

garantias constitucionalmente asseguradas. Assim, a violação a preceito constitucional não é

expressa, é tácita ou implícita, quando o Poder Público impede o exercício de um direito

subjetivo, sem negá-lo abartamente146.

143 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional, p. 285. 144 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado, p. 245. 145 CHIMENTI, Ricardo Cunha... [et. al.]. Curso de Direito Constitucional, p. 428. 146 SILVA, Paulo Napoleão Nogueira da. A evolução do controle de constitucionalidade e a competência do Senado Federal, p. 113.

59

Via de regra, a decisão proferida pelo STF se limita a dar ciência ao Poder omisso para

que este providencie a supressão da omissão. Assim, o Legislativo ou o Executivo matem

autonomia quanto ao momento em que sanarão a omissão147.

Vê-se, desde logo, que a ADI por omissão é cabível quando se faz necessário provocar

o Poder Judiciário para manifestar-se quando da ausência de norma que regulamente ou

garanta o acesso a direitos ou garantias previstas constitucionalmente.

A ADI interventiva, por sua vez, dotada de finalidade jurídica e, diferentemente da

genérica, também, política, tem como objeto lei ou ato normativo estadual contrário aos

princípios sensíveis da Constituição Federal. Neste sentido, a ADI interventiva fundamenta-se

na defesa destes princípios que se dividem em: a) forma republicana, sistema representativo e

regime democrático; b) direitos da pessoa humana; c) autonomia municipal; d) prestação de

contas da administração publica, direta e indireta; e, e) aplicação do mínimo exigido da

receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de receitas de

transferência, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de

saúde148.

Moraes ainda explica:

São denominados princípios sensíveis constitucionais, pois sua inobservância pelos Estados-membros ou Distrito Federal no exercício de suas competências legislativas, administrativas ou tributárias, pode acarretar a sanção politicamente mais grave existente em um Estado Federal, a intervenção na autonomia política149.

E continua:

Assim, qualquer lei ou ato normativo do Poder Público, no exercício de sua competência constitucionalmente deferida que venha a violar um dos princípios sensíveis constitucionais, será passível de controle concentrado de constitucionalidade, pela via de ação interventiva150.

Sendo assim, conclui-se que a ação direta interventiva, além de buscar a declaração de

inconstitucionalidade formal ou material da lei ou ato normativo estadual (finalidade jurídica),

147 CHIMENTI, Ricardo Cunha... [et. al.]. Curso de Direito Constitucional, p. 428. 148 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, p. 652. 149 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, p. 653. 150 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, p. 653.

60

busca, também, a decretação de intervenção federal no Estado-membro ou Distrito Federal

(finalidade política), compreendendo, assim, um controle direto, para fins concretos151.

Por fim, como último exemplo de instrumento de controle repressivo de

constitucionalidade exercido de forma concentrada, destaca-se a Ação Declaratória de

Constitucionalidade.

A ADC ou ADECON tem como objetivo transformar uma presunção relativa de

constitucionalidade em absoluta, não mais admitindo prova em contrário. Ou seja, a decisão

que julga procedente a ADC vinculará os órgãos do Poder Judiciário e a Administração

Pública que não poderão mais declarar a inconstitucionalidade da aludida lei, ou agir em

desconformidade com a decisão do STF. Isto por que não se estaria mais frente a uma

presunção relativa de constitucionalidade, mas sim, absoluta152.

Quanto ao objeto, como visto, na ADC é lei ou ato normativo federal (somente

federal), e, a competência originária para apreciação da ADC é do STF. Quanto aos efeitos da

decisão, esta produzirá eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais

órgãos do Poder Judiciário e ao Poder Executivo, podendo assim, sistematizarem-se os efeitos

da decisão na ADC como sendo: erga omnes, ex tunc e vinculante em relação aos órgãos do

Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual, municipal e distrital153.

De forma a, ainda, conceituar a ADC, diz-se que se trata de, nada mais do que uma

ação direta de inconstitucionalidade com o sinal trocado, eis que o exercício delas resulta na

instauração de processo de natureza ambivalente ou dúplice, de modo que na ADC a

pretensão é a declaração de inconstitucionalidade da norma impugnada, para fins de elidir e

presunção relativa de constitucionalidade, ao passo que na ação direta de

inconstitucionalidade busca-se a declaração de constitucionalidade da norma questionada,

para converter a presunção relativa em absoluta de constitucionalidade154.

151 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, p. 653. 152 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado, p. 252. 153 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado, p. 252. 154 MENDES, Gilmar Ferreira. Controle Concentrado de Constitucionalidade: Comentários à Lei nº 9.868/99. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 239.

61

Por fim, Peña de Moraes esclarece que o objeto do controle de constitucionalidade

quando da interposição da ADC é “lei ou ato normativo federal, [...], suscetíveis de

impugnação por via de ação direta de inconstitucionalidade, excluídos os estaduais”155.

Destarte, quanto à ADC, nota-se que se trata de uma ação que visa a declaração de

constitucionalidade de norma ou ato normativo que até então teria uma constitucionalidade

relativa. Do julgamento do mérito da ADC, a decisão é dotada de eficácia contra todos e, após

o trânsito em julgado, não há mais que se falar em constitucionalidade relativa da norma ou

ato impugnado, mas sim constitucionalidade absoluta.

Cumpre-se esclarecer, ainda, que os legitimados para propositura das ações

constitucionais mencionadas (ADI, ADC e, por equiparação, ADPF), são os previstos no art.

103 da CRFB/88, in verbis:

Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade: I – o Presidente da República; II – a Mesa do Senado Federal; III – a Mesa da Câmara dos Deputados; IV – a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; V – O Governador de Estado ou do Distrito Federal; VI – o Procurador-Geral da República; VII – o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; VIII – partido político com representação no Congresso Nacional; IX – confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional; [...]156

Deste modo, e de forma conclusiva, nota-se que o controle concentrado de

constitucionalidade se dá ante propositura de litígio no Judiciário visando exatamente a

declaração de inconstitucionalidade, a garantia de proteção de preceitos fundamentais

constitucionais ou anteriores à constituição, bem como zelar pela integridade dos chamados

princípios sensíveis, que são aqueles arrolados no artigo 34, inciso VII da CRFB/88, ou, até

mesmo, declarar de forma absoluta, a constitucionalidade antes relativa de determinada lei ou

ato normativo.

155 MORAES, Guilherme Peña de. Direito Constitucional: Teoria da Constituição, p. 234. 156 Vade Mecum. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 40.

62

4 A AÇÃO DE ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL COMO INSTRUMENTO DE CONTROLE DE

CONSTITUCIONALIDADE

4.1. CONCEITO

Conforme conceito adotado quando do apontamento das categorias e conceitos

operacionais, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental trata-se de garantia de

origem constitucional, de natureza processual, que tem como objetivo a preservação da

obediência geral devida às regras e princípios constitucionais que, considerados fundamentais,

estavam, há muito, dentro de um quadro evolutivo, a demandar mecanismo próprio para tanto,

destacando-se que só caberá arguição quando ocorrer expresso descumprimento de um

preceito fundamental157.

Corroborando este entendimento, e, em outras palavras, Peña de Moraes explica que a

ADPF é “instituto bivalente ou dúplice, dado que comporta a arguição direta ou autônoma,

com fulcro no art. 1º, caput, e a arguição indireta ou incidental, com fundamento no art. 1º.,

parágrafo único, inciso I, ambos da Lei nº 9.882/99”158.

E continua o doutrinar apontando a ADPF como sendo um instrumento com a seguinte

função:

Evitar ou reparar lesão a preceito fundamental resultante de ato do Poder Público, bem como solucionar controvérsia constitucional a respeito de lei ou ato normativo federal, estadual ou Municipal, incluídos os anteriores à Constituição da República159.

E, por sua vez, Hélio Márcio Campo conceitua a ADPF como sendo:

[...] um remédio constitucional destinado ao controle de constitucionalidade das leis e dos atos normativos. De fato, representa mais que isso, pois constitui um plus em relação ao modelo tradicional de fiscalização adotado no Brasil, já que também permite o domínio de atos administrativos e,

157 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional, p. 276. 158 MORAES, Guilherme Peña de. Direito Constitucional: Teoria da Constituição, p. 264. 159 MORAES, Guilherme Peña de. Direito Constitucional: Teoria da Constituição, p. 261.

63

inclusive, o exame, pelo Supremo Tribunal Federal, de controvérsias judiciais em que é debatida relevante questão constitucional.160

E finaliza Campo, afirmando que a ADPF “insere-se no rol daquelas demandas que

visam a garantir a supremacia da Constituição Federal”161, concluindo que a ADPF “visa

corrigir uma desobediência, um desrespeito, um não-seguimento a uma determinação

essencial consubstanciada na Constituição Federal”162.

Já Slaibi Filho, conceitua a ADPF como sendo “um novo remédio jurídico processual,

cujo objeto é a garantia ou defesa de preceito fundamental decorrente desta Constituição,

competindo, funcionalmente o STF para processar e julgar a arguição”163.

E, finalmente, Tavares define:

A arguição é ação (ou incidente judicial), de competência originária do Supremo Tribunal Federal, que desencadeia o denominado processo objetivo, cujo fundamento é o descumprimento constitucional que consagra valores basilares para o Direito pátrio, descumprimento este perpetrado por ato de natureza estatal, quando direta a modalidade, ou por atos normativos, quando se tratar de arguição na modalidade incidental, aplicando-se, por força de lei, no âmbito do controle abstrato, o princípio da subsidiariedade em relação às demais ações diretas existentes164.

Desta feita, nota-se que a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental

consubstancia-se na defesa ao preceito fundamental constante na Carta Magna do país, sendo

uma modalidade de ação pouco utilizada tendo em vista seu caráter de subsidiariedade em

relação às outras ações para controle da constitucionalidade existentes. Ou seja, só será

cabível a ADPF quando, na situação, não houver possibilidade de interposição de outra ação

direta que vise o combate à inconstitucionalidade.

Quanto à noção do que seja descumprimento de preceito fundamental constante no

Texto Magno, este não deve ser confundido com a inconstitucionalidade propriamente dita. O

termo inconstitucionalidade é de rigor bastante acentuado no Direito pátrio, só devendo ser

160 CAMPO, Hélio Márcio. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2001. p. 22. 161 CAMPO, Hélio Márcio. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, p. 22. 162 CAMPO, Hélio Márcio. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, p. 23. 163 SLAIBI FILHO, Nagib. Direito Constitucional. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 273. 164 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional, p. 282.

64

aplicável nas situações especificamente delimitadas pela Constituição e pelo Supremo

Tribunal Federal165.

De outro norte, na esteira de conceituar-se a função da ADPF, curial que se analise o

conceito de preceito fundamental.

Fazendo-se menção ao adotado quando do item de categorias e conceitos operacionais

da presente pesquisa, Preceito Fundamental será visto como sendo cada princípio

constitucional, os objetivos, direitos e garantias fundamentais previstas nos artigos 1º a 5º,

bem como as cláusulas pétreas, os princípios da Administração Pública e demais disposições

constantes no Texto Magno que se revelam fundamentais para a preservação dos valores mais

relevantes sob a guarida constitucional166.

De outra vertente, Slaibi Filho pondera:

A expressão preceito fundamental conduz a um grau de grande densidade na afronta aos valores constitucionais, o que somente pode ser percebido em cada caso, mesmo porque, também, e principalmente, ao Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição, aplica-se a velha parêmia de minime NE curiat praetor, a introduzir o princípio da bagatela ou da insignificância167.

Na esteira do mencionado, são considerados fundamentais os preceitos previstos no

art. 1º como basilares do Estado brasileiro, a saber: a soberania, a cidadania, a dignidade da

pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da iniciativa e o pluralismo político,

ressaltando-se que mencionados valores também são protegidos pelos demais dispositivos

constitucionais, em desdobramento que a Hermenêutica Constitucional considera na

apreensão do significado das normas da Lei Máxima168.

E, por fim, imprescindível que, novamente, atente-se ao delineado pelo mestre Nagib

Slaibi Filho:

[...] a ADPF tem por razão de existir e objeto a proteção dos valores constitucionais, os quais devem ser apreendidos em processo hermenêutico que leve em consideração o momento histórico. Assim, o preceito

165 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional, p. 276. 166 CHIMENTI, Ricardo Cunha... [et al.]. Curso de Direito Constitucional, p. 394 167 SLAIB FILHO, Nagib. Direito Constitucional, p. 273. 168 SLAIB FILHO, Nagib. Direito Constitucional, p. 274.

65

fundamental tem caráter de mutabilidade, que deve ser considerado a cada momento de modo tópico169.

Destarte, nada obstante o conceito adotado no processo cognitivo do presente trabalho,

salutar se fazer menção da existência de correntes doutrinárias, como a acima consignada,

representada pelo doutrinador Nagib Slaibi Filho, que considera como preceito fundamental

uma reduzida parcela de valores constitucionais que, da interpretação conforme o momento

histórico do controle de constitucionalidade exercido, adquire um caráter de fundamental.

4.2 MODALIDADES DA ADPF

Levando-se em consideração que o instituto da Arguição de Descumprimento de

Preceito Fundamental é bivalente, necessária uma exposição das duas modalidades de

interposição, quais sejam, a ADPF direta (também chamada de autônoma) e a ADPF

incidental (conhecida, também, pelo termo “por derivação”).

A modalidade chamada de ADPF direta ou autônoma é aquela que possui espeque no

artigo 1º, caput, da Lei de Arguição (Lei nº. 9.882/99), nos seguintes termos: “A arguição

prevista no § 1º do art. 102 da Constituição será proposta perante o Supremo Tribunal

Federal, e terá por objeto evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do

Poder Público”. Assim, esta é a regra-matriz da arguição autônoma, que leva essa

nomenclatura por não depender da existência de qualquer outro processo no qual se

controverta sobre a aplicação de preceito fundamental, que é o que ocorre na ADPF

incidental170.

Neste sentido, manifesta-se Peña de Moraes:

[...] a arguição autônoma é suscitada diretamente perante o Supremo Tribunal Federal, para evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público. Destarte, a natureza jurídica da arguição direta é a de ação constitucional, porquanto veicula pretensão dirigida à tutela de preceito fundamental decorrente da Constituição, ameaçado ou lesado por ato do Poder Público171.

169 SLAIB FILHO, Nagib. Direito Constitucional, p. 274. 170 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional, p. 277. 171 MORAES, Guilherme Peña de. Direito Constitucional: Teoria da Constituição, p. 264.

66

A ADPF autônoma realiza o típico e tradicional controle concentrado, via direta, da

constitucionalidade das leis, atos normativos e demais atos de natureza estatal, podendo-se

afirmar que a arguição por descumprimento se posta ao lado da ação direta de

inconstitucionalidade, cada um delas com campo próprio e específico de incidência

possível172.

A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental autônoma pode ter caráter

preventivo ou repressivo, visto da seguinte forma: quando visa evitar a lesão a preceito

fundamental terá efeito preventivo; já quando o que se busca é reparar a violação do preceito

fundamental, seu caráter será repressivo. Salienta-se que, em ambos os casos, deve haver

nexo de causalidade entre a lesão ao preceito fundamental e o ato do Poder Público, sendo da

esfera que for, não se restringindo a atos normativos, mas alcançando a lesão resultante de ato

administrativo, incluindo-se decretos regulamentares173.

Assim, é de se reafirmar que a arguição direta ou autônoma consiste em forma própria

de ação, pelo que se deflagra a jurisdição constitucional orgânica, condicionada ao

descumprimento de um preceito fundamental174.

Importante esclarecer que a ADPF autônoma pode ser revestida de caráter preventivo

ou repressivo, conforme o seu objeto (evitar o reparar lesão a preceito fundamental)175.

Por derradeiro, quanto à ADPF autônoma, nota-se que, de um conceito breve, é uma

ação constitucional cujo objeto é, exatamente, tutelar um preceito fundamental constante na

Carta Maior, e sua interposição funda-se nessa somente nesta premissa. Já quanto ao caráter,

pode ser preventiva quando se busca “evitar” a lesão ao preceito fundamental, ou, repressiva,

quando o deslinde se dará com a “reparação” da lesão ao preceito objeto da lide.

Por sua vez, a ADPF incidental é suscitada durante o trâmite de um processo em

qualquer juízo ou tribunal, inclusive o STF, desde que seja relevante o fundamento da

controvérsia sobre a constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, estadual ou, até

mesmo, municipal, incluídos os anteriores à vigência da Constituição. Destarte, a natureza

jurídica da ADPF indireta é a de incidente de constitucionalidade, eis que viabiliza a

172 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional, p. 277. 173 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado, p. 238. 174 TAVARES, André Ramos. Tratado da Arguição de Descumprimento de Preceito Constitucional Fundamental. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 249. 175 MORAES, Guilherme Peña de. Direito Constitucional: Teoria da Constituição, p. 264.

67

suspensão do processo em curso perante qualquer juízo ou tribunal, para que, antes, seja

proferida decisão exclusivamente sobre a questão constitucional levantada, a fim de antecipar

a solução da demanda constitucional que percorreria a via de exceção até o pronunciamento

do Supremo Tribunal Federal por recurso extraordinário176.

Neste raciocínio, salutar ao comento, consoante se extrai do parágrafo único, inciso I

do artigo 1º, da Lei de Arguição que versa acerca do cabimento de Arguição de

Descumprimento de Preceito Fundamental dada a relevância do fundamento da controvérsia

constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, inclusive aqueles

geridos antes da Constituição, é possível a ADPF como um incidente em um processo já em

curso, tratando-se-, neste caso, da ora analisada, Arguição por Descumprimento de Preceito

Fundamental indireta177.

Nesta senda, é do escólio do ilustre André Ramos Tavares:

[...] há uma arguição incidental, ao lado daquela exercida por ação, porque a controvérsia com “relevante fundamento” à qual faz menção o inciso I do parágrafo único do artigo 1º só pode ser aquela que se apresenta em juízo, e não qualquer controvérsia que se instale entre particulares, não levada necessariamente ao conhecimento da Justiça, ou ainda uma controvérsia doutrinária178.

E continua:

Confirma esse entendimento o disposto no art. 3º, quando exige que a petição inicial contenha, “V – se for o caso, a comprovação da existência de controvérsia judicial relevante sobre a aplicação do preceito fundamental que se considera violado”. Ora, será o caso de exigir mencionada comprovação se se tratar da arguição incidental. Este o alcance exato do dispositivo179.

Oportuno se notar que ao contrário da ADPF por via autônoma, a arguição incidental

tem campo mais restrito, eis que, além de exigir o descumprimento de preceito fundamental,

como não poderia deixar de ser, acresce outra condição: a relevância da questão e que o

descumprimento origine-se de ato normativo (e não de qualquer ato do Poder Público, como

ocorre na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental autônoma)180.

176 MORAES, Guilherme Peña de. Direito Constitucional: Teoria da Constituição, p. 264. 177 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional, p. 277. 178 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional, p. 278. 179 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional, p. 278. 180 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional, p. 279

68

Quanto ao requisito imprescindível para que se instaure uma ADPF incidental, Lenza

explica, ao encontro do consignado no parágrafo anterior, que é necessária a demonstração de

“divergência jurisdicional (comprovação da controvérsia judicial) relevante na aplicação do

ato normativo, violador do preceito fundamental”181.

É importante mencionar que a arguição incidental produz uma cisão funcional de

competência em plano vertical, entre a questão constitucional e o próprio mérito, que são

dirimidos por órgãos judiciais de instâncias distintas. Assim, o acolhimento da arguição

indireta ou incidental implica na cisão funcional de competência em plano vertical, na medida

em que a controvérsia sobe a constitucionalidade da lei ou ato normativo arguido de

inconstitucionalidade, deve ser resolvida pelo STF, em consonância aos termos do art. 1º,

parágrafo único, I, da Lei de Arguição; assim, ao passo que o acolhimento da arguição de

inconstitucionalidade importa na cisão funcional de competência em plano horizontal, uma

vez que a inconstitucionalidade da lei ou ato normativo impugnado pode ser declarada pelo

plenário ou até mesmo pelo órgão especial do mesmo tribunal182.

É de se advertir, contudo, que a ADPF incidental não se confunde com a extinta

avocatória, que consiste na requisição de processo em curso perante qualquer Juízo ou

Tribunal, com devolução da causa ou recurso ao Pretório Excelso e suspensão dos efeitos das

decisões proferidas, pelo Procurador-Geral da República, em decorrência de perigo à ordem,

segurança, saúde e finanças públicas. Explica-se que neste caso, a arguição indireta ou

incidental não implica em violação do princípio do juiz natural, eis que o STF somente decide

a questão constitucional suscitada, com esteio em fundamento jurídico, de forma que se

conserve a competência do Juízo ou Tribunal, perante o qual estava em curso a causa ou

recurso, para o julgamento do mérito do processo; já a avocatória, importa em violação do

princípio do juiz natural, já que o Supremo Tribunal Federal também decide as outras

questões suscitadas, com espeque em um fundamento político, de modo que se desloca a

competência do juiz ou tribunal, perante o qual estava tramitando a causa ou recurso, para o

julgamento do mérito do litígio183.

Ressalta-se que a ADPF indireta ou incidental enseja um controle de

constitucionalidade misto, tendo em vista que enseja a instauração de processo objetivo

lastreado em questão constitucional arguida em processo subjetivo, por intermédio do trânsito 181 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado, p. 238. 182 MORAES, Guilherme Peña de. Direito Constitucional: Teoria da Constituição, p. 264. 183 MORAES, Guilherme Peña de. Direito Constitucional: Teoria da Constituição, p. 265.

69

do controle de constitucionalidade difuso para o controle de constitucionalidade

concentrado184.

Sobre o assunto da transmutação de controle difuso para concentrado, ensejando um

controle misto de constitucionalidade, oportuno o que leciona Gomes Canotilho:

[...] trata-se de processo de declaração de inconstitucionalidade com base no controle concreto de normas. Este processo conjuga duas dimensões: I) uma dimensão abstrata, dado que se trata de declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, tal como sucede nos processos principais de inconstitucionalidade; II) outra dimensão concreta, pois a declaração de inconstitucionalidade tem como base a fiscalização concreta da inconstitucionalidade de normas jurídicas, de sorte que permite-se o trânsito do controle difuso para o controle concentrado, mediante o processo de generalização dos efeitos jurídicos da decisão de inconstitucionalidade, a partir de uma fiscalização abstrata sucessiva185.

Derradeiro quanto à ADPF incidental ou indireta, pode-se perceber que é possível

arguir inconstitucionalidade sem interpor especificamente um expediente diretamente perante

o STF, quando, durante o trâmite de um processo, se fazer necessária o julgamento de

inconstitucionalidade de ato normativo do Poder Público para o escorreito julgamento do

mérito a que se está litigando. É o caso de, suspendendo os autos principais, devolver a

matéria constitucional ao Supremo Tribunal Federal que julgará a Arguição de

Descumprimento de Preceito Fundamental interposta de forma incidental no curso dos autos

principais, sem, contudo, resolver o mérito do litígio, eis que isto seria competência do juízo

ou tribunal que estava tramitando os autos principais.

4.3 LEGITIMAÇÃO PARA A PROPOSITURA DE ADPF

Quanto aos legitimados ativos para propor a ADPF direta ou autônoma (já que a

incidental se dá no curso de um processo entre particulares), estes são enumerados de forma

taxativa no art. 2º, I, da Lei de Arguição, de forma concorrente e disjuntiva, de maneira que a

pretensão pode ser deduzida pelo Presidente da República, pela Mesa do Senado Federal,

Câmara dos Deputados, Assembléia Legislativa ou Câmara Distrital, por Governador de

Estado ou Distrito Federal, pelo Procurador-Geral da República, pelo Conselho Federal da 184 MORAES, Guilherme Peña de. Direito Constitucional: Teoria da Constituição, p. 265. 185 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3. ed. Coimbra: Almedina, 1999. p. 919.

70

Ordem dos Advogados do Brasil, por partido político com representação no Congresso

Nacional, por confederação sindical ou, ainda, por entidade de classe de âmbito nacional.

Ainda, não obstante o veto ao inciso II do art. 2º do Projeto nº 2.872/99, que possibilitava o

manejo da ADPF por qualquer pessoa lesada ou ameaçada em decorrência de ato do Poder

Público, curial que se mencione a possibilidade de os interessados, consoante se extrai do § 1º

do art. 2º da Lei de Arguição, representarem o Procurador-Geral da República, no exercício

do direito de petição, a fim de solicitar a promoção da Arguição de Descumprimento de

Preceito Fundamental autônoma, cumprindo-lhe decidir sobre o cabimento do seu ingresso

em juízo186.

Neste sentido, a jurisprudência do STF estabelece diferenciação de tratamento, no que

concerne à propositura da ação direta de inconstitucionalidade (que devem refletir na ADPF),

entre os legitimados universais (Presidente da República, Procurador-Geral da República,

Mesas do Senado e da Câmara dos Deputados, partidos políticos com representação no

Congresso Nacional e o Conselho Federal da OAB) e os chamados legitimados especiais

(Governador de Estado, Mesa de Assembléia Legislativa e confederação sindical ou entidade

de classe de âmbito nacional): ao passo que os primeiros não precisam demonstrar interesse

(relação de pertinência entre o ato impugnado e as funções exercitadas pelo órgão ou a

entidade), em decorrência de suas atribuições constitucionais características, os segundos têm

este ônus para interposição da ADPF187.

Assim, de forma minuciosa, ao passo que o Presidente da República, em princípio,

poderá propor a arguição sem ter que demonstrar relação de pertinência entre o ato

impugnado e as funções exercitadas pelo órgão, os Governadores de Estado, por sua vez,

terão, por equiparação à ação direta de inconstitucionalidade, de demonstrar tal relação

quando promoverem a arguição contra lei ou ato normativo de outro governador, sendo tal

demonstração, imprescindível ante a relevância do fundamento da questão constitucional188.

No tocante aos partidos políticos, em unissonância ao consolidado pela jurisprudência

do Pretório Excelso, só terão legitimidade para propor a arguição os diretórios nacionais,

excluídos, em consequência, os diretórios regionais. E, da mesma forma, na área sindical, são

186 MORAES, Guilherme Peña de. Direito Constitucional: Teoria da Constituição, p. 268. 187 CLÈVE, Clèmerson Merlin. A Fiscalização Abstrata da Constitucionalidade no Direito Brasileiro. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 41. 188 CAMPO, Hélio Márcio. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, p. 42.

71

legítimas somente as confederações sindicais, eliminando-se as federações, mesmo que de

âmbito sindical, mediante a interpretação literal do art. 103 da CRFB/88189.

Já quanto às entidades de classe, que são doutrinariamente difíceis de definir e

identificar, o Supremo Tribunal Federal tem-se pronunciado no sentido de serem legítimas

para ingressar com a ADIn só as entidades de classe de âmbito nacional que possuam

associados ou membros em pelo menos nove Estados da Federação, além de exigir que os

associados e os membros sejam pessoas físicas e estejam ligados entre si em decorrência da

mesma atividade econômica ou profissional, o que, por comparação, aplica-se às entidades de

classe de âmbito nacional quando da propositura de ADPF190.

Por fim, comentando o veto presidencial ao inciso II, do art. 2º da Lei de Arguição,

que facultava a qualquer pessoa lesada ou ameaçada por ato do Poder Público propor o novel

instrumento, justifica-se tal vedação que, se assim não fosse, haveria uma sobrecarga do

número de processos no STF e, possivelmente, muitos deles não teriam a correlata relevância

jurídica e consistência nas arguições propostas191.

Neste caso, a solução a ser buscada por um individual que se sinta lesado, ou mesmo

que tenha receio de se sentir lesado por lei ou ato do Poder Público que contraria, ou venha a

contrariar preceito fundamental, é a representação ao Procurador-Geral da República, que,

examinando os fundamentos jurídicos do pedido, decidirá acerca do cabimento de propositura

na esfera judicial192.

Consequentemente, ao Procurador-Geral da República, sendo o representante do

interesse público, caberá averiguar a importância da propositura da ADPF pretendida por

qualquer pessoa, sendo irrecorrível a decisão por ele tomada, embora possa, em um momento

posterior, retratar-se a respeito da decisão, ingressando junto ao STF, podendo, até mesmo,

aditar novas considerações na causa de pedir193.

Já no caso da arguição incidental, qualquer pessoa interessada, leia-se, envolvida em

processo judicial, pode submeter a questão constitucional fundamental diretamente ao

Supremo Tribunal Federal, a partir de seu processo originário, mesmo após o mencionado

189 CAMPO, Hélio Márcio. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, p. 42. 190 CAMPO, Hélio Márcio. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, p. 42. 191 CAMPO, Hélio Márcio. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, p. 43. 192 CAMPO, Hélio Márcio. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, p. 45. 193 CAMPO, Hélio Márcio. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, p. 46.

72

veto presidencial, o que representa, ante referido veto para propositura de ADPF autônoma,

um significativo alargamento democrático da legitimidade para provocação do STF194.

André Ramos Tavares, explicando o motivo do referido alargamento da legitimidade

para se arguir inconstitucionalidade por descumprimento de preceito fundamental, versa:

Isso é assim porque a legitimidade para a propositura da arguição incidental, por óbvio, não poderia ser idêntica àquela prevista para a modalidade direta, sob pena de ineficácia absoluta da primeira. Tal interpretação seria absurda e totalmente descabida. Se se está de acordo acerca da existência de uma segunda modalidade, é evidente que não poderá ela ser eclipsada peã arguição direta, reduzida que estaria a um “sem-sentido” normativo195.

Não sendo de outra maneira, observa-se que a existência do alargamento da

legitimidade para se propor ADPF (incidental, frise-se), decorre do fato que como na ADPF

autônoma os legitimados são os chamados universais e especiais, na ADPF incidental, caso se

adotasse o mesmo procedimento, a primeira perderia sentido, pois seriam, com nomes

diferentes, o mesmo expediente petitório.

Nesta senda, nota-se que para a apreciação da ADPF autônoma a parte legítima deve

estar incluída no rol já consignado, devendo ou não demonstrar interesse de propositura,

conforme o caso, podendo qualquer cidadão, apresentar representação ao Procurador-Geral da

República que decidirá se demanda ou não uma ADPF autônoma. E, na ADPF incidental,

qualquer parte integrante de um litígio judicial, pode arguir o descumprimento de preceito

fundamental por via incidental, oportunidade em que os autos ascenderão ao STF para

julgamento da questão constitucional.

De maneira breve, como diferente não se podia ser, explicita-se que os legitimados

passivos na ADPF são as autoridades ou órgãos responsáveis pelo ato questionado, que terão

o prazo de dez dias para prestarem as informações que julgarem convenientes para o deslinde

da celeuma constitucional196.

Derradeiro, extrai-se que para fins de integrar uma Arguição de Descumprimento de

Preceito Fundamental, aponta-se como pólo passivo do litígio, as autoridades ou órgãos

responsáveis pelo ato arguido de descumprir um preceito fundamental constante na Carta

Magna.

194 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional, p. 283. 195 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional, p. 283. 196 CAMPO, Hélio Márcio. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, p. 47.

73

4.4 PROCEDIMENTO DA ADPF

Conforme já exposto, a parte procedimental da Arguição de Descumprimento de

Preceito Fundamental encontra-se regulada, basicamente, pela Lei 9.882/99.

Contudo, relevante que se faça uma averiguação de cada um dos passos importantes na

tramitação da ADPF, desde os requisitos para admissibilidade da petição inicial até a decisão

proferida na arguição, com seus respectivos efeitos no ordenamento jurídico.

4.4.1 A Petição Inicial

A petição inicial, que deverá ser protocolizada diretamente no Supremo Tribunal

Federal em duas vias e acompanhada do instrumento de mandato, se for o caso, deverá ser

elaborada consoante a prescrição determinada no art. 3º da Lei de Arguição. Ressalte-se que

com exceção ao Procurador-Geral da República, todos os legitimados, sejam ativos,

universais e singulares, deverão estar representados por advogado197.

Uma curiosidade quanto a esta imprescindibilidade de advogado para se propor a

ADPF, é que no Tribunal Constitucional Alemão, de forma distinta do que ocorre no nosso

Supremo Tribunal Federal, não há essa exigência de a parte estar representada por advogado,

salvo nas audiências198.

A fim de esclarecer quanto à mencionada prescrição constante no art. 3º da Lei de

Arguição, José da Silva Pacheco elucida:

O art. 3.º da Lei 9.882/99 é expresso no sentido de exigir que da petição inicial, na hipótese de arguição de descumprimento, constem: a) a indicação do preceito fundamental que se considera violado; b) a indicação do ato questionado; c) a prova da violação do preceito fundamental; d) o pedido, com suas especificações; e) a comprovação, se for o caso, da existência de controvérsia judicial relevante sobre a aplicação do preceito fundamental que se considera violado199.

197 CAMPO, Hélio Márcio. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, p. 51. 198 MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição Constitucional. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 16 199 PACHECO, José da Silva. O Mandado de Segurança e Outras Ações Constitucionais Típicas, p. 465.

74

Ainda, menciona-se que o petitório inicial deve ser instruído com prova da violação do

preceito fundamental, do ato questionado e dos documentos necessários para que se comprove

a procedência do pedido, bem como pelo instrumento de procuração, quando subscrita por

advogado200.

Curial que se traga à ribalta que a arguição proposta na hipótese de controvérsia

constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, inclusive os

anteriores à Constituição, deverá, obrigatoriamente, vir acompanhada de comprovação desta

controvérsia judicial201.

Por fim, menciona-se que a petição inicial será indeferida liminarmente, pelo relator,

quando não for o caso de ADPF, faltar algum requisito legal ou for inepta. Analisado o pedido

de liminar, se for o caso, o relator solicitará as informações às autoridades responsáveis pela

prática do ato questionado, no prazo de dez dias e, entendendo necessário, poderá ouvir as

partes nos processos que ensejaram a arguição, requisitar informações adicionais, designar

perito ou comissão de peritos para que emita parecer sobre a questão, ou, ainda, fixar data

para declarações, em audiência pública, de pessoas com experiência e autoridade na matéria.

Conforme preceituado em lei, poderá ser autorizada, a critério do relator, sustentação oral e

juntada de memoriais, por requerimento dos interessados no processo. Finalmente, decorrido

o prazo das informações, o relator lançará o relatório, com cópia a todos os Ministros, e pedirá

dia para julgamento.

Lenza explica que, do caso em que o relator indeferir a petição inicial, será “cabível o

recurso de agravo, no prazo de 5 dias, para atacar tal decisão”202.

Fundamental se advertir, acerca da cautela na interposição de petição de ADPF que,

consoante o art. 4º, § 1º da Lei de Arguição, não será admitida quando houver qualquer outro

meio eficaz capaz de sanar a lesão. Trata-se do princípio da subsidiariedade, que confere um

caráter residual à arguição, e, condiciona o ajuizamento da ação à ausência de qualquer outro

meio processual apto a sanar, de modo eficaz, a lesividade indicada pelo autor203.

Necessária, por fim, a ciência de que o STF não vem admitindo aditamento à petição

inicial após a requisição das informações do órgão que emanou o ato, sendo, portanto, de

200 MORAES, Guilherme Peña de. Direito Constitucional: Teoria da Constituição, p. 270. 201 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, p. 734. 202 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado, p. 241. 203 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado, p. 241.

75

primeira importância, que as provas, que são visceralmente documentais, sejam todas juntadas

quando do protocolo da ação, não se esperando possibilidade de emenda à inicial204.

4.4.2. O despacho liminar exarado na ADPF

É de se apontar que o relator na Arguição de Descumprimento de Preceito

Fundamental tem o poder de proferir um despacho liminar de forma positiva ou negativa

quando da apreciação inaugural da petição inicial.

Na hipótese do despacho inicial apontar um conteúdo positivo, é de competência do

relator, no caso de inexistência de pedido de medida liminar, requerer informações às

autoridades responsáveis pelo ato questionado, no prazo de dez dias; ao passo que, quando

existir pedido de medida liminar, requerer informações às autoridades tidas como

responsáveis pela produção do ato questionado, como também o Advogado-Geral da União

ou Procurador-Geral da República, no prazo comum de cinco dias, unicamente sobre os

pressupostos do pronunciamento liminar, ressalvado o caso de excepcional urgência205.

Logo, quando o relator visualizar inexistência de pedido de medida liminar, e o

despacho ser de cunho positivo, aquele, diretamente, deve requerer informações às

autoridades que cometeram o ato arguido de inconstitucionalidade; já, quando na inicial da

ADPF conter um pedido de liminar, além das informações das autoridades supostamente

violadoras do preceito fundamental, também o relator as requererá ao Advogado-Geral da

União ou Procurador-Geral da República, que terão o prazo simultâneo de cinco dias para se

manifestarem acerca dos pressupostos da medida liminar.

Na ocorrência de o despacho liminar exarar um conteúdo negativo, também, conforme

já consignado anteriormente, é de competência do relator indeferir liminarmente a petição

inicial, quando a demanda for inepta ou não seja o caso de Arguição de Descumprimento de

Preceito Fundamental, como, exemplificando-se, na hipótese de desatendimento ao versado

princípio da subsidiariedade, na medida em que a ADPF é ação de natureza constitucional

cuja admissão é vinculada à inexistência de qualquer outra maneira de se buscar a reparação

da lesão ocorrida em decorrência de ato do Poder Público, de modo que a ausência deste

204 CAMPO, Hélio Márcio. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, p. 52. 205 MORAES, Guilherme Peña de. Direito Constitucional: Teoria da Constituição, p. 270.

76

requisito importa no indeferimento liminar da petição inicial, com a consequente

determinação de arquivamento do feito206.

Destarte, o relator da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, quando

flagrar situações que ensejam o indeferimento da inicial, como por exemplo, a possibilidade

de interposição de outro modo de busca ao remédio para a lesão ao preceito fundamental, o

fará sumariamente, o que acarreta, por vias óbvias, no arquivamento da demanda.

Quanto à possibilidade de deferimento de medida liminar, Alexandre de Moraes

ensina:

Concessão de medida liminar: por decisão da maioria absoluta de seus membros, o STF poderá deferir pedido de medida liminar, salvo em caso de extrema urgência ou perigo de lesão grave, ou, ainda, no recesso, quando a liminar poderá ser deferida pelo Ministro relator, ad referendum do Plenário. A liminar poderá consistir na determinação de que juízes e tribunais suspendam o andamento de processo ou os efeitos de decisões judiciais, ou de qualquer outra medida que apresente relação com a matéria objeto da arguição de descumprimento de preceito fundamental, salvo se decorrentes de coisa julgada207.

E na esteira do aludido por Moraes, Pacheco ratifica que “Ad referendum do tribunal

pleno, poderá o relator conceder a medida liminar quando houver: a) extrema urgência; b)

perigo de lesão grave; c) período de recesso”208.

Nesta seara, a medida liminar poderá consistir em determinação de que os juízes e

tribunais suspendam o andamento de processo ou os efeitos de decisões judiciais ou qualquer

outra determinação pertinente que apresente relação com a matéria objeto da ADPF,

ressalvada, sempre, a coisa julgada209.

Assim, nota-se que, no caso de ADPF incidental, nada obstante o conteúdo da liminar,

na maioria dos casos seja uma determinação com relação à matéria sobre a qual se propõe a

Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, esta pode tão-somente, quando do

deferimento, determinar que os juízes ou tribunais suspendam o andamento processual ou,

ainda, os efeitos de decisões judiciais já proferidas nos autos originários.

206 MORAES, Guilherme Peña de. Direito Constitucional: Teoria da Constituição, p. 270. 207 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, p. 734. 208 PACHECO, José da Silva. O Mandado de Segurança e Outras Ações Constitucionais Típicas, p. 465. 209 PACHECO, José da Silva. O Mandado de Segurança e Outras Ações Constitucionais Típicas, p. 465.

77

Nos passos da precaução quando da coisa julgada, considera-se que o legislador agiu

acertadamente ao dispor que não serão afetados pela liminar os processos em que já tenha

ocorrido a coisa julgada. É que esta é uma garantia da eficácia das decisões judiciais. Encara-

se, com propriedade, como sendo a forma pela qual se exterioriza a segurança que a sociedade

terá ao socorrer-se ao Poder Judiciário e a efetiva demonstração de que este realiza um ato

supremo e culminante na prestação jurisdicional210.

Adverte-se que a concessão de medida liminar trata-se de uma providência de caráter

excepcional, tendo em vista que os atos normativos gozam da presunção de

constitucionalidade211.

Para fins de uma melhor compreensão, explica-se que, comparativamente à ação direta

de inconstitucionalidade, a medida liminar será deferida quando houver plausibilidade jurídica

da tese proposta, a possibilidade de prejuízo decorrente do retardamento da decisão postulada,

a possibilidade de se tornar irreparáveis os danos emergentes dos próprios atos impugnados e

houver necessidade de se garantir a ulterior eficácia da decisão212.

Não sendo de outra maneira, nota-se que o pressuposto implícito para a concessão da

liminar, será, portanto, a ocorrência de lesão irreparável a pessoas, à sociedade, à ordem, à

segurança e à economia pública213.

Ressalta-se que a liminar suspenderá o ato impugnado do Poder Público, contudo, seu

efeito, em princípio, não retroage, ou seja, a partir de sua publicação no Diário da Justiça da

União, a liminar deferida não sustará o que se aperfeiçoou durante a vigência do ato

impugnado pela ADPF, não voltando no tempo os efeitos concedidos quando do acolhimento

da liminar arguida214.

Portanto, pode-se perceber que, por cautela, quando deferido o pedido de medida

liminar, esta poderá suspender o ato impugnado do Poder Público, sem, contudo, retroagir às

consequências decorrentes de sua vigência.

Vencido exposto, é prudente que se exponha que a liminar concedida para se garantir a

eficácia ulterior do juízo de procedência da ADPF, não se confunde com antecipação de

210 CAMPO, Hélio Márcio. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, p. 54. 211 CAMPO, Hélio Márcio. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, p. 52. 212 CAMPO, Hélio Márcio. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, p. 52. 213 TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989. p. 49. 214 CAMPO, Hélio Márcio. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, p. 53.

78

tutela. Esta afirmação se reforça ainda mais quando se vê que um dos efeitos da liminar

poderá consistir na suspensão de processos, tal qual funcionasse a cautela como o efeito

suspensivo que poderá ser agregado ao agravo de instrumento em relação ao ato impugnado

no feito principal. Não existe, frise-se, um efeito que retroaja do juízo de procedência da

arguição com a concessão da liminar. Isto procede sobremaneira, eis o processo de onde se

originou a arguição pode ter como assunto a ser decidido, outra causa além da controvérsia

constitucional. De outro norte, a cautela liminarmente concedida vigorará até a decisão

definitiva da arguição215.

Desta feita, o despacho que defere a liminar, constitui um poderoso meio para se evitar

abuso do Poder Público; todavia, deve ser lembrado que há um certo receio na medida em que

o instrumento poderá ser usado pelo próprio Poder Público diante de decisões judiciais que

lhes sejam desfavoráveis e que envolvam interpretação de direitos fundamentais com o único

fim de protelar o andamento das ações216.

Cabalmente, pode-se assimilar que o despacho liminar que aprecia, entre outras

causas, ao pedido de medida liminar na Arguição de Descumprimento de Preceito

Fundamental poderá ser positivo, oportunidade em que será concedida a liminar, sem,

contudo, retroagir ao alcance dos efeitos do ato impugnado durante sua vigência, ou, ainda,

poderá ser negativo, quando, negar o pedido liminar, ou mesmo indeferir a inicial, que

acarretará no arquivamento do processo.

4.4.3 O Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União na ADPF

Conforme já exposto anteriormente, há a possibilidade de manifestação no processo

instaurado em decorrência da ADPF, prestadas ou não as informações pelas autoridades

responsáveis pela prática do ato questionado, do Advogado-Geral da União, na qualidade de

curador da presunção de constitucionalidade do ato normativo arguido de

inconstitucionalidade, sob o papel de defensor do mesmo, e do Procurador-Geral da União, na

qualidade de órgão interveniente, sob o papel de custus legis, ou seja, fiscal da lei, no prazo de

5 (cinco) dias217.

215 CAMPO, Hélio Márcio. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, p. 54. 216 CAMPO, Hélio Márcio. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, p. 55. 217 MORAES, Guilherme Peña de. Direito Constitucional: Teoria da Constituição, p. 271.

79

Deste modo, verifica-se que, interposta a ADPF, serão chamados à lide o Advogado-

Geral da União, como curador/defensor do ato guerreado, e o Procurador-Geral da República,

com a função de fiscalizar a lei, em decorrência de sua primordial função, qual seja, defender

os interesses da sociedade.

Convém salientar que o Advogado-Geral da União não é parte no processo objetivo,

sendo comum a ideia de que se trata mais de um curador para a norma acusada de desrespeitar

a Constituição, quando se tratar de controle concentrado218.

A Lei de Arguição apenas explicita a manifestação do Advogado-Geral da União

quando se tratar da concessão de medida liminar, a fim de facultar ao relator da ADPF sua

oitiva previamente à outorga da medida, no prazo de cinco dias. Contudo, dada a não

obrigatoriedade desta manifestação, caberá ao relator a avaliação da necessidade ao deslinde

do feito, da manifestação do Advogado-Geral da União219.

Destarte, parece claro que é prescindível a manifestação do Advogado-Geral da União,

se manifestar quando do deferimento de liminar, cabendo ao relator do processo decidir a

relevância de referida manifestação. Contudo, há de se ter cautela, tendo em vista o declinado

constitucionalmente.

Não obstante o disposto na Lei 9.882/99, a Constituição prevê de forma expressa, a

presença do Advogado-Geral da União sempre que se tratar de impugnação de ato normativo,

devendo funcionar como curador do ato, à inteligência do art. 103, § 3º da CRFB/88, sendo

uma missão atribuída ao mesmo, e da qual não poderá declinar220.

Desta maneira, logra-se o entendimento de que, em consonância à determinação

constitucional, sempre que se alegar descumprimento de preceito fundamental levado a efeito

via ato normativo do Poder Público, de qualquer nível ou espécie, terá de ser “citado” o

Curador, durante o processo, para fins de atuar na defesa do indigitado ato atacado221.

Portanto, é notória a importância da manifestação do Advogado-Geral da União

quando o Supremo Tribunal Federal verificar a inconstitucionalidade de norma legal ou ato

normativo, eis que incumbe, necessariamente, ao primeiro, defender o ato ou texto

impugnado. 218 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional, p. 284. 219 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional, p. 284. 220 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional, p. 284. 221 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional, p. 284.

80

De outra banda, não bastasse o § 1º, do art. 103, da Carta Política de 1988, que

determina que o Procurador-Geral da República deverá ser previamente ouvido em todos os

processos de competência do STF, a Lei de Arguição veio à reforçar a ideia, quando

determina que nas arguições que não houver formulado, terá o Ministério Público, vista do

processo, por cinco dias, após o decurso do prazo para informações222.

Na esteira de ratificar o consignado no parágrafo anterior, é o escólio de André Ramos

Tavares:

A disciplina constitucional do processo objetivo determina que em todas as ações de competência do Supremo Tribunal Federal se manifeste o Procurador-Geral da República (art. 103, § 1º). Só à luz dessa norma se pode compreender a L.A., no momento em que é flagrada preceituando, em seu ar. 7º: “Parágrafo único. O Ministério Público, nas arguições que não houver formulado, terá vista do processo, por cinco dias, após o decurso do prazo para informações”223.

Completando este raciocínio quanto ao Procurador-Geral da República, vê-se que,

indiferentemente, de ocupar a posição de autor da ação ou não, sempre há de oferecer seu

parecer, enquanto ocupar a posição constitucional de fiscal da lei. Logo, numa interpretação

lógica dada pelo Texto Magno, será regra compreendida no sentido de que, além de

pronunciar-se, necessariamente, naqueles processos em que já funciona, o termo “membro do

Ministério Público” terá acolhimento também nos demais processos de Arguição de

Descumprimento, seja na principal, seja na de caráter incidental, independendo, pois, da

verificação de quem seja o requerente da demanda judicial224.

E, por fim, nota-se que não obstante uma eventual redundância ao texto constitucional,

a Lei de Arguição previu que o Ministério Público, nas arguições em que não houver

formulado, terá vista do processo, pelo prazo de 5 dias, sendo, somente obrigatória, após as

informações, nas arguições que não forem propostas por ele225.

Derradeiro, chega-se à premissa de que o Procurador-Geral da República, exercendo

seu primeiro e nobre papel de defensor da sociedade e fiscal da lei, deve ser prestigiado não

só em toda ação de inconstitucionalidade, bem como em todo e qualquer processo de

222 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, p. 734. 223 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional, p. 284. 224 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional, p. 284. 225 PAGANELLA, Marco Aurélio. A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental no Contexto do Controle da Constitucionalidade. São Paulo: LTR, 2004. p. 104.

81

competência originária do STF, sendo sua manifestação, imprescindível para o juízo final das

questões versadas em expedientes acerca da constitucionalidade.

4.4.4 O julgamento e efeitos da decisão proferida na ADPF

Quando da ocasião de julgamento da ADPF, em obediência ao estabelecido pelo artigo

8º, da Lei de Arguição, a decisão sobre a ação somente será tomada se presentes na sessão

pelo menos dois terços dos Ministros. Sublinhe-se que a lei não estabelece quorum

qualificado para a votação, contudo, se houver necessidade de declaração de

inconstitucionalidade do ato do Poder Público que tenha descumprido preceito fundamental,

nos termos do art. 97 do Texto Máximo, haverá a necessidade de maioria absoluta226.

Nota-se, por oportuno, que o quorum de instalação da sessão de julgamento obedece

ao padrão geral da ação direta de inconstitucionalidade, iniciando-se o julgamento desde que

presentes oito Ministros, e, para a decisão, exige-se o voto de pelo menos seis dos

Ministros227.

De forma mais detalhada, observa-se que, decorrido o prazo das informações, o

Ministério Público terá vista dos autos por cinco dias, não havendo previsão de vista dos autos

caso o Ministério Público seja o proponente da ação. Ato contínuo, o relator lançará seu

relatório, com cópias para todos os ministros, pedindo dia para o julgamento228.

Exposto isto, salienta-se que, a critério do relator, poderão ser autorizadas a

sustentação oral ou a juntada de memoriais, sendo a decisão do pleno tomada somente se

presentes na sessão pelo menos 2/3 dos ministros (8 dos 11 ministros é o quorum de

instalação). Tendo em vista a falta de previsão expressa, entende-se que a decisão declaratória

de uma inconstitucionalidade na ADPF depende do voto de seis Ministros, sendo esta uma

regra geral prevista no artigo 97 da CRFB/88 e no artigo 173 do Regimento Interno do

STF229.

Por último, julgada a ação, o Pretório Excelso comunicará às autoridades ou órgãos

responsáveis as condições e o modo de interpretação e aplicação do preceito fundamental, 226 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, p. 735. 227 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional, p. 284. 228 CHIMENTI, Ricardo Cunha... [et al.]. Curso de Direito Constitucional, p. 424. 229 CHIMENTI, Ricardo Cunha... [et al.]. Curso de Direito Constitucional, p. 424.

82

agora já tido como de fato violado. O presidente do tribunal determinará o cumprimento

imediato da decisão, lavrando-se, em momento posterior, o acórdão. No prazo de 10 dias, a

contar do trânsito em julgado da decisão, a parte dispositiva da mesma será publicada via

Diário da Justiça e Diário Oficial da União230.

Nesta senda, quanto ao procedimento para julgamento da ADPF, pode-se perceber

que, num primeiro ângulo, para instalação da sessão de julgamento da arguição, faz necessária

a presença de pelo menos 2/3 dos Ministros, o que soma a quantia de 8. Contudo, para a

declaração da inconstitucionalidade na Arguição de Descumprimento de Preceito

Fundamental dependerá do voto de 6 Ministros, que é uma regra adotada em virtude do art. 97

da CF/88 e art. 173 do Regimento Interno do Supremo. Já, num âmbito de que a sessão seja

instalada e o processo julgado, o presidente do STF determinará que a decisão seja cumprida

imediatamente, nada obstante a não lavratura do acórdão, que poderá se dar em momento

posterior.

Já em sede de se versar acerca dos efeitos da decisão proferida na ADPF, explica-se

que a decisão definitiva de mérito, provida de eficácia contra todos e caráter vinculante

relativamente aos demais órgãos do Poder Público, opera efeitos retroativos até o momento da

produção do ato questionado, que podem ser modulados ponderadamente ao controle de

constitucionalidade231.

Abrilhantando este raciocínio, expõe-se que a decisão proferida terá eficácia contra

todos e efeitos vinculantes (art. 10, § 3º, da Lei de Arguição), alcançando, na dicção da lei,

“os demais órgãos do Poder Público”, o que tornaria, nesta particularidade, a decisão em

ADPF, mais ampla do que a proferida em ADIn ou ADC, quando a vinculação opera

relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública direta e

indireta, nas esferas federal, estadual e municipal232.

Ainda, Pedro Lenza quando se manifesta acerca da eficácia e efeito vinculante da

decisão proferida em ADPF, adverte:

Da mesma forma como acontece na ADIn, como exceção à regra geral do princípio da nulidade, ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, no processo de arguição de descumprimento de preceito fundamental, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de

230 CHIMENTI, Ricardo Cunha... [et al.]. Curso de Direito Constitucional, p. 424. 231 MORAES, Guilherme Peña de. Direito Constitucional: Teoria da Constituição, p. 272. 232 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional, p. 286.

83

excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria qualificada de 2/3 de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado (ex nunc) ou de outro momento que venha a ser fixado233.

Ou seja, que, presentes determinadas situações que restrinjam a possibilidade de se

atribuir um efeito retroativo à decisão proferida em sede de ADPF, o STF, respeitando a

maioria de 2/3 de seus membros, tem a discricionariedade de delimitar que os efeitos oriundos

da referida decisão tenham eficácia a partir do trânsito em julgado, ou, até mesmo, de

momento distinto que venha a ser escolhido.

Em outras palavras, versa-se que referida disposição da possibilidade de restrição dos

efeitos retroativos, permite adequar os efeitos da declaração de inconstitucionalidade à

complexidade da sociedade moderna e à coexistência de múltiplos valores que também devem

ser tutelados pela ordem jurídica; nisso, ao reconhecer a segurança jurídica e excepcional

interesse social, a Corte poderá avaliar com prudência a presença de ambos, bem como a

conveniência de não se atribuir eficácia retroativa à decisão234.

Falando-se no efeito vinculante da decisão final proferida na ADPF, salutar que se

esclareça que os juízes e tribunais deverão proferir decisão compatível com o entendimento

do STF sobre a matéria objeto da arguição, e, a não observância da regra, enseja reclamação

do autor da ação abstrata ao STF, que apreciará a questão sem a participação dos tribunais

existentes entre o órgão que inobservou o efeito vinculante e o próprio STF235.

Completando, cumpre-se observar que a decisão que julgar procedente ou

improcedente o pedido em ADPF é irrecorrível, não podendo a mesma, ser objeto de ação

rescisória236.

Por fim, revisando os pontos principais dos efeitos da decisão em Arguição de

Descumprimento de Preceito Fundamental, constata-se que, embora a eficácia seja contra

todos e vincule os demais órgãos do Poder Público, como por exemplo, os demais juízos e

tribunais devem julgar questões semelhantes em unissonância à posição do STF, os efeitos,

quando se tratar de retroatividade, poderão ser restritos ao trânsito em julgado ou outro

233 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado, p. 242. 234 CAMPO, Hélio Márcio. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, p. 65. 235 CHIMENTI, Ricardo Cunha... [et al.]. Curso de Direito Constitucional, p. 425. 236 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, p. 735.

84

momento definido pela maioria de 2/3 dos Ministros, decisão está que será estribada num

contexto social de interesse e segurança jurídica.

85

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com efeito, constata-se que o presente trabalho monográfico logrou êxito em seu

objetivo geral, qual seja, “pesquisar o controle de constitucionalidade no Brasil bem como

realizar um estudo específico sobre a Ação de Arguição de Descumprimento de Preceito

Fundamental”.

Quanto aos objetivos específicos, os problemas e respectivas hipóteses, diz-se que

foram alcançados (os objetivos) e confirmados (as hipóteses), conforme se extrai de cada

capítulo elaborado com base na proposição dos objetivos e problemas constantes na parte

introdutória da presente pesquisa.

O primeiro capítulo, elaborado no intuito de atender ao primeiro objetivo específico e

responder ao primeiro problema, quais sejam, o primeiro objetivo específico: “analisar as

etapas históricas do controle de constitucionalidade no Brasil desde a Constituição Imperial

de 1824 até a atual CRFB/88” e, o primeiro problema: “como ocorreu a evolução do controle

de constitucionalidade no Brasil, desde sua Constituição Imperial até o regime de vigência da

atual Carta Política de 1988?”, não só atingiu o objetivo como também confirmou a hipótese

proposta preambularmente, que expunha que “o controle de constitucionalidade no Brasil

evoluiu de forma paulatina, não necessariamente melhorando a cada Constituição

promulgada, eis que, tendo em vista a ocorrência de regimes autoritários, o controle de

constitucionalidade sofreu aclives e declives na evolução histórica das Constituições que

vigeram no Brasil”.

Senão vejamos.

Observou-se que a Constituição Imperial de 1824, mesmo investida num modelo

considerado liberalista para a época, o que lhe era um ponto dado como positivo, não

amparava um válido e eficaz controle de constitucionalidade, tendo em vista que, por ser

semi-rígida, seria informalmente alterada por uma norma que viesse ao seu arrepio.

Passando à Constituição de 1891, percebeu-se que esta deu um grande passo no

controle de constitucionalidade, já que previa o controle de constitucionalidade na forma

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difusa e elencava como competência do Supremo Tribunal Federal a apreciação de questões

concernentes à constitucionalidade de leis ou atos do Poder Público.

Por sua vez, embora sucinta, a Constituição de 1934, trouxe uma inovação no controle

de constitucionalidade não existente até então, qual seja, a suspensão primária pelo Senado

Federal de lei declarada inconstitucional pelo Poder Judiciário.

Representando um retrocesso no controle de constitucionalidade, a Carta Política de

1937 veio estribada num modelo autoritário que endeusava a figura do Presidente da

República e permitia ao mesmo, quando o Judiciário declarava inconstitucionalidade de lei ou

ato normativo, submeter novamente o diploma invalidado ao Legislativo, que, aprovando-o,

anulava a decisão do Judiciário, num duvidoso espeque de interesse nacional da norma

derribada no âmbito judicial.

Já a Carta Máxima de 1946 veio a restaurar o sistema de controle de

constitucionalidade, e, a posterior Emenda à Constituição de 1965 avivou o controle, ao passo

que introduziu e fortaleceu o controle direto concreto e abstrato da constitucionalidade e o

controle indireto quando se fala em recorrer ao Pretório Excelso para se buscar a guarida ao

Texto Magno.

Passando rapidamente pela Constituição de 1967, expõe-se que esta, embora

centralizadora do poder na esfera federal, não trouxe mudanças significativas ao controle de

constitucionalidade.

Por fim, no que diz respeito ao 1º capítulo, chega-se à vigência da atual Carta Política

de 1988, que ampliou o controle difuso da constitucionalidade pelo STF quando da remessa

de recursos extraordinários para sua apreciação, bem como inovou nas ações específicas de

controle de constitucionalidade, introduzindo a Ação Declaratória de Inconstitucionalidade e,

sob o atual contexto constitucional, editou-se as Leis 9.868/99 (regulamenta a ação direta de

inconstitucionalidade e ação declaratória de constitucionalidade), e 9.882/99 (regulamenta a

ação de arguição de descumprimento de preceito fundamental).

Na esteira de confirmar a hipótese dada ao segundo problema e atender ao segundo

objetivo específico, elabora-se o Capítulo 2, apontando-se as ações específicas para o controle

de constitucionalidade no Brasil.

Desta maneira, dá-se um conceito ao controle de constitucionalidade, elaborando-se

um esquema para melhor assimilação do mesmo.

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No referido esquema, verifica-se que as formas de inconstitucionalidade, do controle

de inconstitucionalidade, os órgãos de controle, os critérios, os meios, e os efeitos da decisão

exarada nos autos de uma ação que vise a tutelar o Texto Magno.

Momento subsequente, aborda-se o controle preventivo de constitucionalidade, o

controle repressivo de constitucionalidade, adentrando-se finalmente ao cerne do segundo

capítulo, quando, do subitem 3.3.2.2, se menciona o objeto e características gerais das

seguintes ações que visam à guarida constitucional: Ação Direta de Inconstitucionalidade

Genérica, cujo objeto é a lei ou ato normativo que se mostrarem incompatíveis com o sistema;

Ação Direta de Inconstitucionalidade Interventiva, cujo objeto é tutelar os princípios

constitucionais considerados sensíveis de lei ou ato normativo estadual contrário àqueles;

Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão, cujo objeto é sanar a ausência de lei que

torne executável direito previsto constitucionalmente; Ação Declaratória de

Inconstitucionalidade, cujo objeto é tornar uma presunção relativa de constitucionalidade de

determinada norma ou ato normativo, em presunção absoluta, dirimindo-se controvérsias

acerca do tema declarado constitucional; e, Ação de Arguição de Descumprimento de Preceito

fundamental, cujos maiores detalhes foram objeto do capítulo seguinte.

Assim, confirma-se a hipótese dada ao segundo problema, tendo em vista que se

ratifica o afirmado, mencionando-se que, sem dúvida, “há no Brasil uma série de instrumentos

capazes de garantir a inviolabilidade do Texto Magno, sendo cada uma, conforme o tipo de

inconstitucionalidade a ser combatido, competente para se lograr a proteção da Constituição”.

Finalmente, no terceiro capítulo foi tratado, exclusiva e especificamente, acerca da

Ação de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), visualizando-se a

parte conceitual, as modalidades da ADPF, os legitimados para sua propositura e o

procedimento da mesma.

Ratificando o conceito exposto nas categorias estratégicas da presente pesquisa,

ratificou-se a ADPF como de fato, sendo um instrumento previsto na CRFB/88 cuja função é

velar pelos preceitos fundamentais constantes no Texto Magno, que não puderem ser

protegidos por expediente diverso.

Constatou-se que a ADPF pode ter duas modalidades, quais sejam, a ADPF autônoma

e a ADPF incidental.

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A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental via autônoma, trata-se de

ação pela qual os chamados legitimados universais ou especiais argúem de

inconstitucionalidade leis ou atos normativos, diretamente perante o Pretório Excelso.

Já a ADPF incidental é uma modalidade de arguição que pode ser proposta por

qualquer um em demanda judicial. Assim, compreendeu-se que se uma parte em litígio flagra

uma lesão à preceito fundamental, decorrente de norma ou ato normativo do Poder Público,

poder-se-á instaurar um incidente de arguição que será, também, apreciado pelo STF, na

medida em que o mérito dos autos principais continuam de competência do juízo de instância

inferior onde tramitava ação dita abstrata.

Na etapa posterior, notou-se que os legitimados para a propositura para a ADPF

dividem-se em dois casos.

Para se propor uma ADPF autônoma são legitimados os seguintes órgãos/sujeitos:

Presidente da República, pela Mesa do Senado Federal, Câmara dos Deputados, Assembléia

Legislativa ou Câmara de Vereadores, por Governador de Estado ou Distrito Federal, pelo

Procurador-Geral da República, pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil,

por partido político com representação no Congresso Nacional, por confederação sindical ou,

ainda, por entidade de classe de âmbito nacional.

De outro norte, para que se proponha uma ADPF incidental, conforme já consignado,

basta qualquer uma das partes em litígio, verificar descumprimento de preceito fundamental

por norma ou ato normativo, que estará apta para arguir em sede de ADPF incidental, a

inconstitucionalidade a ser apreciada pelo Supremo Tribunal Federal.

Por fim, adentrou-se na parte procedimental da ADPF, onde se analisou a forma da

petição inicial bem como seus requisitos, o despacho liminar exarado na ADPF e suas

consequências, os papéis do Procurador-Geral da República e do Advogado-Geral da União

no âmbito da arguição, e, o julgamento e efeitos da decisão final proferida na Arguição de

Descumprimento de Preceito Fundamental.

Não sendo de outra maneira, responde-se ao terceiro problema proposto, qual seja, “a

Ação de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental é um instrumento eficiente a

ser utilizados por cada cidadão num contexto de controle de constitucionalidade?” de forma a

confirmar a hipótese proposta de que “embora a ADPF seja um eficaz meio de combate a

inconstitucionalidade de leis ou atos normativos, sua interposição é dificultosa, eis que isto só

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será possível quando não houver outro meio capaz de garantir a integridade de um preceito

fundamental, e, conforme o caso, é restrito a certos sujeitos de direito, que detêm a

competência de propositura da mesma”. Contudo, é de se ressaltar que sem embargo da

confirmação da hipótese, ampliou-se o conteúdo programado, eis que, conforme dito, além de

responder implicitamente ao terceiro problema, verificou-se demais aspectos das ADPF como

um todo.

Por derradeiro e finalmente, é de grande importância que se consigne que, nada

obstante ao êxito no objetivo geral, nos objetivos específicos e na confirmação das hipóteses

propostas na fase inaugural da presente pesquisa, não se tem a pretensão de exaurir as

questões relacionadas ao tema investigado, sendo o presente trabalho um enfoque aos

aspectos e particularidades do tema julgados pertinentes pelo autor quando da feitura do

mesmo.

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