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FEMPAR FUNDAÇÃO ESCOLA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO PARANÁ FÁBIO RODRIGUES DA SILVA O CRIME ORGANIZADO E O REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO. CURITIBA 2008

O CRIME ORGANIZADO E O REGIME DISCIPLINAR …E1bio%20... · que o PCC possui todos os elementos particulares de uma organização criminosa. Finalizando, será enfatizado que o regime

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FEMPAR – FUNDAÇÃO ESCOLA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO PARANÁ

FÁBIO RODRIGUES DA SILVA

O CRIME ORGANIZADO E O REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO.

CURITIBA

2008

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FÁBIO RODRIGUES DA SILVA

O CRIME ORGANIZADO E O REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO.

Monografia apresentada como requisito parcial para a obtenção do grau de Especialista em Ministério Público – Estado Democrático de Direito, na área de concentração em Direito Penal, Fundação Escola do Ministério Público do Paraná - FEMPAR, Faculdades Integradas do Brasil - UniBrasil. Orientador: Prof. Dr./Ms. Marcelo Kintzel Graciano.

CURITIBA

2008

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TERMO DE APROVAÇÃO

FÁBIO RODRIGUES DA SILVA

O CRIME ORGANIZADO E O REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO.

Monografia aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Especialista no

curso de Pós-Graduação em Ministério Público - Estado Democrático de Direito,

Fundação Escola do Ministério Público do Paraná - FEMPAR, Faculdades Integradas

do Brasil – UniBrasil, examinada pelo Professor Orientador Marcelo Kintzel Graciano.

_____________________________

Prof. Dr./Ms Marcelo Kintzel Graciano

Orientador

Curitiba, 30 de abril de 2009.

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SUMÁRIO

RESUMO.............................................................................................................. iv

INTRODUÇÃO..................................................................................................... 05 2 CRIME DE QUADRILHA OU BANDO............................................................. 08 3 CRIME ORGANIZADO (LEI 9.034/95).............................................................. 14 4 PRIMEIRO COMANDO DA CAPITAL.............................................................. 22 4.1 CARACTERÍSTICAS DO PCC....................................................................... 24 4.2 A LIDERANÇA................................................................................................ 31 5 REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO........................................................ 34 6 INCONSTITUCIONALIDADE DO REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO.. 42 CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................. 46 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................................... 49

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RESUMO

O presente trabalho almeja analisar o crime organizado e o regime disciplinar diferenciado, demonstrando com o exemplo da facção Primeiro Comando da Capital a representação prática do primeiro instituto citado. Será estudado inicialmente o crime de quadrilha ou bando, como forma de compreensão básica de um agrupamento ilícito. Posteriormente será examinado o crime organizado, pontuando suas características de complexidade. E fortalecendo o estudo do tema, será demonstrado que o PCC possui todos os elementos particulares de uma organização criminosa. Finalizando, será enfatizado que o regime disciplinar diferenciado teve sua gênese vinculada ao crime organizado. E na tentativa de encontrar um remédio inibidor contra ações ilícitas organizadas, acabou-se criando uma ferramenta normativa inconstitucional.

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INTRODUÇÃO

Na atualidade, grupos organizados e voltados para o crime estão agindo em

todo o Brasil para atingir seus objetivos. A ação desses movimentos causa grandes

problemas sociais, principalmente prejuízos econômicos ao Estado e a particulares,

sem mencionar o pânico na população de vir a ser vítima de algum ataque

inesperado.

Para compreender e tentar solucionar esse problema, inicialmente será

estudado o crime de quadrilha ou bando. Esse tipo penal é encontrado no artigo 288

do Código Penal, sendo uma matéria fundamental para compreender e diferenciar

esse instituto de uma organização criminosa. A quadrilha ou bando é um crime que

não existia no ordenamento jurídico brasileiro antes do CP atual. Dessa forma, tal

delito será definido e classificado, de acordo com a doutrina, com a finalidade de

concluir, se a figura do artigo 288 do CP é uma designação delitiva autônoma que

ainda vigora, ou se já caiu em desuso, pelo aparecimento de novas formas de

associação com fins ilícitos.

Em razão de algumas características semelhantes entre o crime de

quadrilha ou bando e as organizações criminosas, esse último também terá uma

atenção especial. Essas associações criminosas, além dos elementos similares ao

tipo descrito no artigo 288 do CP, possuem outros sinais peculiares.

Além disso, essa forma de organização está em evidência em todo o

planeta, já algum tempo. E por atuarem de forma muito organizada, utilizando a

tecnologia em seu favor e com um poder descomunal, o poder público nacional,

seguindo uma onda internacional, quis legislar sobre a matéria. O resultado de tal

ação governamental foi a lei 9.034/95, que apesar da ótima iniciativa, deixa a

desejar no seu conteúdo.

O grande problema dessa lei 9.034/95 é não conceituar organização

criminosa. Essa falha gerou uma enorme discussão doutrinária, complicando ainda

mais a lacuna legislativa. Porém, a solução para esse problema está a um ponto de

ser concretizada. Tramita no Congresso Nacional o projeto de lei 150/2006 que trará

uma definição completa para organização criminosa, além de fixar uma pena para

esse crime.

Assim, como um importante exemplo de organização criminosa será

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estudado o Primeiro Comando da Capital (ou simplesmente PCC). Grupo que se

originou dentro das penitenciárias do estado de São Paulo atingindo um certo grau

de organização e poder inimagináveis. E por esse desenvolvimento, se tornou

imprescindível e necessária a intervenção jurídica do Ministério Público e do Poder

Judiciário, para que se resolvam os problemas gerados por essa organização

criminosa conhecida como PCC.

O estudo do PCC é muito importante pelas suas características singulares.

Essa facção possui poder e agressividade inigualável, ela é uma forma diferente de

agrupamento social que preenche todas as características e conceitos de um

subgrupo, que luta por objetivos comuns, se comporta de forma uniforme, e

desenvolve uma cultura própria. Existem outras formas de agrupamento social,

porém essa organização criminosa é uma que está bem explícita na atualidade,

basta um mínimo de observação. A grande questão é que o Primeiro Comando da

Capital, pela falência do Estado e da sociedade, está em expansão contínua, sofre

constante mutação, gerando conseqüências jamais previstas, que estão colocando o

poder e a autonomia do Estado em dúvida.

Um dos institutos já criados como forma de conter as organizações

criminosas é o Regime Disciplinar Diferenciado (RDD). Tal regime foi criado pela Lei

10.792/2003 e inserido na Lei de Execuções Penais (Lei 7.210/1984). O Regime

Disciplinar Diferenciado se caracteriza: pela duração de 360 dias, prorrogáveis por

mais 360 dias; cumprimento em cela individual; com direito a banho de sol

diariamente pelo período de duas horas; e pelo direito de receber duas visitas por

semana, não sendo computado a visita de crianças.

A primeira espécie de RDD teve sua criação na Resolução SAP 26,

motivada pela megarrebelião que aconteceu nos presídios paulistas no ano de 2001.

Inicialmente o novo regime foi aplicado apenas em cinco estabelecimentos prisionais

do estado de São Paulo. Eram eles: Casa de Custódia de Taubaté, Penitenciária I

de Avaré, Penitenciária de Iaras e Penitenciárias I e II de Presidente Venceslau.

Essa rebelião, a pouco citada, foi tão grandiosa porque houve a adesão de

milhares de presos, somando-se ainda seus familiares e visitantes que estavam no

interior dos estabelecimentos rebelados no dia de visitas. Além disso, a visibilidade

do ocorrido se expandiu com a transmissão incessante de várias redes televisivas,

que utilizavam o sensacionalismo para gerar audiência.

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Não obstante a repercussão dessa rebelião, após o ocorrido se iniciou uma

nova fase em que as revoltas não eram apenas para reivindicar melhores condições

dentro do cárcere. As insurgências começaram a ocorrer com o objetivo de afrontar

os atos governamentais que buscavam dissolver o Primeiro Comando da Capital,

transferindo seus principais dirigentes para outros presídios mais longínquos.

Assim, o estudo do Regime Disciplinar Diferenciado, como forma de

erradicar, ou pelo menos diminuir as ações maléficas de organizações criminosas, é

de importância incontestável. Tanto o Ministério Público quanto o Poder Judiciário

têm o dever de compreender o crime organizado e utilizar o meio jurídico mais

propício, para sanar todos os problemas causados por essa forma de criminalidade

mais complexa.

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2 CRIME DE QUADRILHA OU BANDO

As facções criminosas foram sempre causa de inquietações do poder

público, em razão do temor de serem vítimas de alguma ação, que pudesse

comprometer a sua hegemonia política. Porém, a tipificação do crime de quadrilha

ou bando no Brasil só ocorreu no Código Penal vigente.

“As associações ilícitas, desde os tempos remotos, causavam preocupação aos governantes, inicialmente, por motivos políticos, posto que representavam um perigo de sedição ou conjuração”.

1

No Brasil, o crime de quadrilha ou bando foi criado pelo atual Código Penal. Os demais textos legislativos, anteriores à década de 40, não dispunham a respeito. Havia no entanto, previsão de ajuntamento ilícito, mas esse delito não corresponde ao que é hoje acolhido pelo nosso diploma, pois se refere apenas a uma reunião eventual de pessoas. Não havia uma estabilidade entre elas – Código Imperial, art. 285 e ss., e Código Penal de 1890, art. 119.

2

O crime de quadrilha ou bando descrito no artigo 288 do Código Penal pode

ser cometido por qualquer pessoa, e por essa razão é considerado crime comum.

Todavia, para preencher os requisitos do tipo é obrigatório o concurso de mais de

três sujeitos. Por esse fato, o mesmo é classificado como crime de concurso

necessário de pessoas.3

Lendo-se a descrição típica dos crimes, constata-se que eles podem ser cometidos por uma só pessoa ou por várias pessoas. Há crimes que exigem obrigatoriamente a participação de várias pessoas. São os chamados crimes plurissubjetivos. São de condutas paralelas (exemplo: quadrilha ou bando, CP, art. 288) ou contrapostas (exemplo: rixa, art. 137) ou convergentes (exemplo: bigamia, art. 235)... Os crimes plurissubjetivos configuram crimes de concurso necessário (de pessoas). O crime de quadrilha ou bando, como vimos, é um crime plurissubjetivo. É um exemplo de concurso necessário de pessoas (exige no mínimo quatro).

4

1 PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro, volume 2: parte

especial, arts. 121 a 361. 2a ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 677.

2 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro, volume 3: parte especial, arts.

184 a 288. 3a ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 853.

3 Ibidem, p. 854. “Sujeito ativo pode ser qualquer pessoa (delito comum). Como será visto

adiante, o artigo 288 do Código Penal exige que se associem mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes. Isso significa que se trata de delito de concurso necessário”.

4 GOMES, Luiz Flávio. Conceito de autoria em direito penal. Disponível em:

<http://jus2.uol.com.br/Doutrina/texto.asp?id=8026> Acesso em: 27 fev. 2009.

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A tipicidade objetiva é definida pela reunião, agrupamento de no mínimo

quatro indivíduos para a prática de inúmeras ações criminosas. O delito estará

configurado independentemente se participaram inimputáveis com discernimento no

grupo, ou até mesmo se não for identificável quem eram todos os membros, desde

que seja incontestável o fato da existência da quadrilha.

O verbo típico é associar, que no vernáculo significa unir, reunir agrupar, ajuntar. A ação típica consiste em associarem-se, congregarem-se, mais de três pessoas para a consecução de um fim comum, que é a prática de delitos. Com a expressão mais de três pessoas fixou-se a indispensabilidade de atuação de pelo menos quatro pessoas para a conformação do delito, ainda que na composição entrem pessoas inimputáveis (menores, por exemplo), desde que possam manifestar satisfatoriamente o seu entendimento e a vontade de participar da associação, ou que não venham a ser identificados todos os seus componentes. Nada muda se nem todos estiverem no local no momento da prática do delito, ou, ainda, que alguma causa pessoal de isenção de pena alcance algum dos malfeitores. Para a existência do delito é suficiente o acordo de vontades entre os indivíduos que compõem a associação, sem necessidade de qualquer formalidade, posto ser bastante a sua existência concreta.

5

Contudo, o agrupamento de pessoas deve ser fixo, duradouro (crime

permanente) para preencher o crime de quadrilha ou bando. É exatamente esse

fator que diferencia esse delito do concurso de pessoas tipificado no Código Penal.

Dessa forma, é impossível ocorrer o concurso do crime de quadrilha ou bando com a

qualificadora ou a majorante por concorrência de pessoas para um crime. Caso isso

aconteça, será um bis in idem.

A quadrilha ou bando distingue-se do concurso de agentes nos seguintes pontos: a) na quadrilha ou bando os seus membros associam-se de forma estável e permanente, ao passo que na co-delinqüência os sujeitos se associam de forma momentânea; b) na co-delinqüência os participantes associam-se para a prática de determinado crime, antes individuado, ao passo que na quadrilha ou bando os seus componentes se associam para a prática de indeterminado número de crimes.

6

A preocupação em tipificar essas condutas foi tamanha, a ponto de se punir

apenas a reunião de pessoas com fins ilícitos (crime de mera atividade ou perigo

5 PIERANGELI, José Henrique. Op. cit., p. 679.

6 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito penal, 3

o volume: parte especial, dos crimes

contra a propriedade imaterial a dos crimes contra a paz pública. 15a ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p.

429.

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10

abstrato). Não tendo importância alguma que se pratique, posteriormente, qualquer

outro crime. Dessa forma, não se pune a tentativa por ser crime de mera atividade.

Trata-se de um delito sui generis, punido independentemente da prática de uma conduta, e, se também esta vier a ocorrer, ocorre um concurso material de delitos... Realmente, trata-se de conduta punível independentemente do advento de crimes que possam ser praticados, porque, como salientava Carrara, a simples existência da associação (societas criminis) já significava uma agressão permanente praticada contra a sociedade civil, e o estado antijurídico que tem sua objetividade no direito universal (de todos os cidadãos) à tranqüilidade pública.

7

O crime de quadrilha ou bando, como a pouco esclarecido, é um tipo

autônomo. Caso seja executado outro delito diferente do primeiro citado, os

membros da associação responderão pelos crimes em concurso material. È lógico,

que apenas aqueles associados que participaram plenamente do delito diverso ao

de quadrilha, que responderão em concurso material pelos demais crimes

praticados.8

O crime de quadrilha ou bando é sempre independente daqueles que na societas delinquentium vierem a ser praticados, havendo concurso material entre o crime previsto no artigo 288 e o praticado pelo bando (roubo, homicídio etc.). Por estes últimos, porém só responderão os membros da associação que para eles concorrem. Pode um só agente participar de duas quadrilhas, ocorrendo para ele dois crimes, em concurso. Por outro lado, pode um agente, não pertencendo a quadrilha, responder apenas como co-autor do crime executado por esta, se para ele de alguma forma colaborou.

9

A tipicidade subjetiva, do crime em estudo, se caracteriza pela vontade (o

dolo) de se organizar em quadrilha ou bando, com o objetivo de executar outros

crimes, que podem ser de espécies iguais (homogêneos), ou diferentes

(heterogêneos). É necessário apenas saber da existência dos demais agrupados e

da intenção criminosa da sociedade. Porém, não é preciso o encontro físico de todos

em um mesmo ambiente.

7 PIERANGELI, José Henrique. Op. cit., p. 678.

8 GRECO, Rogério. Curso de direito penal, volume IV: parte especial (arts. 250 a 361 do

CP). Niterói: Impetus, 2006. p. 242. “Assim, resumindo, o agente que pertence a quadrilha ou bando somente poderá ser responsabilizado criminalmente pelos crimes para os quais houver anuído, se tiver tomado conhecimento, previamente, das futuras ações do grupo ao qual faz parte”.

9 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal, volume 3: parte especial, arts. 235 a

361 do CP. 22a ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 176.

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Para a doutrina majoritária, além do dolo, o agente deve atuar com um especial fim de agir, configurado na finalidade de praticar crimes, ou seja, um número indeterminado de infrações penais, o que diferenciará o delito em estudo de uma reunião eventual de pessoas, reconhecida como ato preparatório de algumas infrações penais, a exemplo do que ocorre no crime de furto. Assim, o agente deverá ter a vontade de se associar, bem como consciência de que se associa a um grupo, cuja finalidade será a prática de um número indeterminado de infrações penais, pois, caso contrário, poderá ser alegado o erro de tipo, afastando-se o dolo e, conseqüentemente, a própria infração penal, tendo em vista a ausência de previsão para a modalidade de natureza culposa.

10

Somente existe quadrilha ou bando (que são denominações sinônimas) para

a prática de crimes dolosos. Assim, não é possível existir esse delito com a

finalidade de cometer contravenções penais ou crimes culposos. Além disso, o fato

de existir ou não uma rede hierárquica, entre os membros do grupo, é irrelevante.

Todos respondem igualmente pelo crime, não importando qual a função

desempenhada por cada sujeito.

Caracteriza-se o crime quando a associação concorre para a prática de qualquer espécie de crime. Como bem diz Noronha, porém, “inconciliável com o bando ou quadrilha é o propósito de praticar crimes culposos ou preterdolosos, pois nestes há involuntariedade do evento, sendo inconcebível que alguém se proponha a um resultado que não quer”. Referindo-se a lei exclusivamente a crime, não há ilícito penal na simples associação para a prática de contravenção (RT 395/361) e muito menos de outros atos ilícitos ou imorais.

11

A ação penal do crime estudado é pública incondicionada, ou seja, de

titularidade do Ministério Público. E a pena é de reclusão, cominada de um a três

anos, sendo passível de suspensão condicional do processo (artigo 89 da lei

9.099/1995). Porém pelo parágrafo único do artigo 288 do CP a pena será em dobro,

caso o grupo utilize alguma espécie de arma. Mesmo que somente um membro da

associação esteja portando o artefato, essa causa de aumento de pena atingirá toda

a quadrilha. Mas, logicamente, é necessário que todos da quadrilha estejam cientes

da existência da arma, pois caso contrário, uma pessoa seria apenada com base na

responsabilidade penal objetiva, circunstância não aceita no Brasil.12

10

GRECO, Rogério. Op. cit., p. 238. 11

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal..., p. 172. 12

JESUS, Damásio Evangelista de. Op. cit., p. 428. “Nos termos do parágrafo único do art. 288 do CP, a pena cominada ao tipo simples aplica-se em dobro no caso de quadrilha ou bando

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O parágrafo único do art. 288 do CP determina a aplicação da pena em dobro se a quadrilha ou bando é armado, elevação que é determinada pela maior potencialidade agressiva da associação criminosa e também pelo maior alarme social que produz... Para Hungria, a qualificadora ocorre ainda quando um só dos quadrilheiros esteja armado, bastando “que um só deles traga arma consigo, criando efetivamente uma situação de maior alarme no seio da coletividade. É inegável que ainda uma só arma, em poder de um só bandoleiro, mesmo que se trate de arma branca, pode acarretar maior potencialidade agressiva em cotejo com a que a quadrilha ou bando teria se nenhum de seus membros estivesse armado.

13

Importante destacar, que caso a associação seja com o objetivo de executar

algum crime hediondo, taxados no artigo 1o da lei 8.072/90 será aplicada a pena

disposta no artigo 8o dessa mesma lei. Ou seja, a pena será de três a seis anos de

reclusão, diferente do que diz o artigo 288 do Código Penal. Além disso, caso a

quadrilha ou bando tenha por finalidade cometer um genocídio aplicará a lei

2.889/1956, ou ainda delinqüir contra a segurança nacional, a ordem política e social

valerá a lei 7.170/1983.

Vale ressaltar que, quando os crimes objetivados pela quadrilha ou bando referirem-se a genocídio, incidirá lei especial (art. 2

o, Lei 2.889/1956). Se os crimes referirem-se

à segurança nacional, à ordem política e social, também haverá incidência de lei especial (arts. 16 e 24, da Lei 7.170, de 14 de dezembro de 1983 – Lei de Segurança Nacional).

14

Outra peculiaridade da lei 8.072/90 é o parágrafo único do artigo 8o. Tal

dispositivo diz que aquele participante ou membro da quadrilha, que der informações

às autoridades que permitam a desarticulação da facção criminosa, terá a pena

reduzida de um a dois terços. Essa redução só é possível se houver a real

destruição do grupo. E a diminuição da pena será calculada equivalentemente ao

grau de contribuição do delator. Esse mesmo benefício, chamado de delação

premiada, também está disciplinado na lei 9.034/1995 no artigo 6o. Porém, esse

armado. A razão da causa de aumento de pena é a maior temibilidade e periculosidade dos seus componentes. A arma pode ser própria (aquela concebida para o fim específico de ataque ou defesa, como o revólver) ou imprópria (objetivo concebido para outros fins que não a defesa ou o ataque, mas que podem servir para tanto, dado a sua idoneidade ofensivo, como a faca etc.). Pouco importa se a arma é portada ostensivamente ou não”.

13 PIERANGELI, José Henrique. Op. cit., p. 681.

14 PRADO, Luiz Regis. Op. cit., p. 858.

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benefício não se aplica ao crime de quadrilha ou bando descrito no artigo 288 do

CP.

De acordo com o parágrafo único do art. 8.o da Lei n.

o 8.072/90, “o participante e o

associado que denunciar à autoridade o bando ou quadrilha, possibilitando seu desmantelamento, terá a pena reduzida e um a dois terços”. Trata-se de uma circunstância legal especial, de natureza objetiva e de caráter obrigatório, incidindo somente em relação aos delitos indicados: quadrilha para fins de tráfico de drogas, hediondos, tortura e terrorismo. Não basta a simples denúncia, exigindo-se, para a redução da pena, seu efetivo desmantelamento. Só aproveita ao denunciante. O quantum da redução da pena varia de acordo com a maior ou menor contribuição causal do sujeito no desmantelamento do bando. Autoridades, para efeito da disposição, são o Delegado de Polícia, o Juiz de Direito, o Promotor de Justiça etc. Norma benéfica, tem efeito retroativo, alcançando as hipóteses de crimes cometidos antes da vigência da Lei n.

o 8.072/90, nos termos do parágrafo único do art. 2

o do

CP.15

Continuando o estudo, no próximo capítulo será definido o que é uma

organização criminosa, demonstrando suas características peculiares que

distinguem esse modelo criminoso do crime de quadrilha ou bando.

15

JESUS, Damásio Evangelista de. Op. cit., p. 428.

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3 CRIME ORGANIZADO (LEI 9.034/95)

O artigo 1o da lei 9.034/1995 traz pela primeira vez no ordenamento jurídico

brasileiro a expressão organização criminosa. Porém, nessa lei e em nenhuma outra

existe a definição dessa nova classificação criminosa. Tal falha tenta ser consertada

pelos doutrinadores e pela jurisprudência. Contudo, não existe ainda uma definição

que preencha todas as dúvidas do operador do direito, já que não é nem um pouco

simples conceituar tal instituto. Nesse sentido os doutrinadores argumentam, como

se demonstra abaixo.16

“A Lei 9.034/95 não define, no que faz bem, o que seja uma organização criminosa, afinal não se trata de figura típica. O conceito de organização criminosa deve ficar, assim, por conta da doutrina e da jurisprudência”..

17

O legislador não definiu o significado da expressão "crime organizado" deixando esta tarefa aos juristas e à jurisprudência. A complexidade do assunto talvez tenha levado o legislador a agir assim. O artigo 1º da Lei nº 9.034/95 leva a crer que o conceito de crime organizado estaria relacionado com crime de quadrilha ou bando. O enunciado da lei fez referência tão- somente às ações praticadas por organizações criminosas.

18

O Poder Legislativo quando desenvolveu essa lei, com o objetivo de combater

a criminalidade organizada, descreveu que seriam punidos os atos praticados por

quadrilha e bando, organizações ou associações criminosas de qualquer espécie.

Todavia, somente existe a plena compreensão do significado de quadrilha e bando,

pela razão que esse crime já estava disciplinado no Código Penal. Essa ausência de

16

GOMES, Luiz Flávio; CERVINI, Raúl. Crime organizado: enfoques criminológico, jurídico (Lei 9.034/95) e político criminal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 67. “Uma das mais clamorosas omissões da recentíssima Lei 9.034/95, de 03.05.95, reside em não ter explicitado o conceito autônomo de “crime organizado” ou de “organização criminosa”. Existem inúmeras referências na Lei às “organizações criminosas” (no título principal, na definição do Capítulo I, no art. 2

o “caput”, no art. 2

o, inc. II, etc.), mas o legislador acabou não definindo-as explicitamente, deixando

tal tarefa para o intérprete”. 17

MACIEL, Ademar Ferreira. Observações sobre a lei de repressão ao crime organizado – palestra proferida a convite do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, na sede da Apamagis, São Paulo, em 31/05/1995 Revista Brasileira de Ciências Criminais, ano 3, n.12, out./dez. 1995, p.93.

18 CONCEIÇÃO, Marco Antônio. O crime organizado e propostas para atuação do

Ministério Público. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=1018&p=1> Acesso em: 01 de mar. 2009.

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definição na própria lei 9.034/95 e em todo o ordenamento jurídico nos faz deduzir

que o legislador quis criar um novo instituto criminoso.

Foi a lei 10.217/01 que modificou o artigo 1o da lei 9.034/95, adicionando as

expressões “organizações criminosas” e “associações criminosas”, não existentes na

redação original desse artigo. Essa modificação, por inexistir uma definição

normativa de crime organizado como citado, deu a entender que esse instituto

poderia ser sinônimo de crime de quadrilha ou bando. Porém na prática são

modalidades delitivas distintas entre si, que jamais podem ser confundidas.

Portanto, não se pode considerar que o novo diploma revogou o artigo 288 do

CP, nem que a modalidade de crime de quadrilha ou bando é o mesmo que

organização criminosa. A primeira modalidade é um agrupamento criminoso ou ilícito

(com estruturas simplificadas e mais comum de ser encontrada), já a segunda é uma

associação ilícita organizada (com maior tecnologia, divisão hierárquica e funcional).

Esse entendimento sobre organização criminosa é atingido através de uma

interpretação sistemática de toda a lei 9.034/95.

Destarte, o crime de quadrilha ou bando isoladamente considerado não constituiria o objeto de incidência da Lei 9.034/95, devendo o art. 1

o da Lei ser interpretado

sistematicamente com o art. 2o e com os demais, entendendo que não houve um

mero processo de “etiquetamento” de quadrilha ou bando como organização criminosa, mas sim, uma nova tipologia (novo tipo penal), dando o legislador o conteúdo mínimo (CP, art. 288), restando ao intérprete complementar o conceito, como uma forma de tipo aberto, sendo um crasso equívoco igualar os conceitos, pois o de organização criminosa é mais amplo e sofisticado, e o substrato mínimo da organização tem como fonte a estrutura típica prevista no art.288 do CP e desse mínimo o intérprete não poderia abrir mão, buscando, para além dele um plus, buscando as características criminológicas de uma organização criminosa, como previsão de riqueza, hierarquia, planejamento, utilização de meios sofisticados etc.

19

Essa lei foi criada com o objetivo de ser aplicada apenas ao crime organizado

e aos crimes posteriores ocasionados por essa forma de associação. Pelo fato do

legislador não ter definido separadamente o tipo de organização criminosa, toda a lei

9.034/95 se tornou completamente inoperante. Como não se sabe o que é uma

organização criminosa, fica complicado aplicar a lei citada ao caso concreto.

Na tentativa de salvar o conteúdo da lei 9.034/95, alguns intérpretes

sustentam que uma organização criminosa deve ter as mesmas características de

19

TOURINHO, José Lafaieti Barbosa. Crime de quadrilha ou bando & associações criminosas. 1

a ed. Curitiba: Juruá, 2007. p. 116.

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16

uma quadrilha ou bando somando-se outras peculiares, que a distinguem do tipo

encontrado no artigo 288 do CP. Assim, deve se partir do princípio que uma

associação delinqüente organizada é formada por no mínimo quatro pessoas, com

caráter não eventual e com o fim de praticar crimes dolosos. Essa foi uma maneira

encontrada de se iniciar uma definição, preenchendo parte da lacuna da lei.20

Convém ponderar que a conceituação normativa faz-se possível mediante a aproximação de três critérios: "estrutural (número mínimo de integrantes), finalístico (rol de crimes a ser considerado como de criminalidade organizada) e temporal (permanência e reiteração do vínculo associativo)". Assim sendo, é possível conceituar crime organizado como aquele praticado por, no mínimo, quatro pessoas, permanentemente associadas, que praticam de forma reiterada determinados crimes a serem estipulados pelo legislador, em consonância com a realidade de cada País.

21

Alguns doutrinadores defendem que apesar do conceito de organização

criminosa não ter sido minuciosamente delineado na lei 9.034/95, não se pode

considerar essa situação como inconstitucional. Justamente pelo legislador ter

indicado os requisitos mínimos pertencentes ao crime de quadrilha ou bando,

possibilitou que o juiz tenha uma base para decidir e encontre, a partir desse início,

as características peculiares do instituto.

Admitindo-se, no entanto, que os requisitos típicos do clássico quadrilha ou bando (CP, art. 288) configuram as exigências mínimas da organização criminosa, pode-se admitir a constitucionalidade da norma, impondo-se ao juiz, em cada caso concreto, a descoberta do plus especializante. Essa é a nossa conclusão. Estamos diante de um tipo aberto em sentido estrito, onde a matéria proibida não está totalmente definida. Mas pelo menos há um princípio, razão pela qual a tarefa do juiz será somente complementar, não elementar.

22

20

GOMES, Luiz Flávio; CERVINI, Raúl. Op. cit., p. 71. “Da estrutura conceitual de associação ilícita organizada (levando em conta a visão do legislador) não pode faltar os requisitos básicos do delito de quadrilha ou bando. A essa conclusão se chega em virtude da interpretação necessariamente conjugada dos artigos 1

o e 2

o da Lei 9.034/95. Em outras palavras: a associação

deve ser estável e permanente. Sem estabilidade e permanência nem sequer o delito do art.288 pode se configurar. Quanto ao número de integrantes, sabemos que é no mínimo quatro. Com os meios tecnológicos e informáticos de que dispomos hoje, é evidente que duas ou três pessoas bastam para a criação de uma associação ilícita, organizada ou não. Mas como a lei atrelou o conceito de organização criminosa ao de quadrilha ou bando, a exigência de quatro pessoas é impostergável”.

21 GONÇALEZ, Alline Gonçalves, et al. Crime organizado. Disponível em:

<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5529&p=3> Acesso em: 01 de mar. 2009. 22

GOMES, Luiz Flávio; CERVINI, Raúl. Op. cit., p. 83.

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17

Como características peculiares do crime organizado se pode destacar:

acumulação incessante de patrimônio, divisão hierárquica e funcional das atividades,

utilização da tecnologia em seu benefício, recrutamento de novos membros para o

grupo, vinculação com o poder Estatal, assistencialismo em benefício da

coletividade, repartição geográfica das atividades criminosas, concreta força

intimidadora e destrutiva, expansão de suas atividades pelo território nacional e

internacional.23

A ciência criminológica, de qualquer modo, já conta com incontáveis estudos sobre as organizações criminosas. Dentre tantas outras, são apontadas como suas características marcantes: hierarquia estrutural, planejamento empresarial, claro objetivo de lucros, uso de meios tecnológicos avançados, recrutamento de pessoas, divisão funcional de atividades, conexão estrutural ou funcional com o poder público e/ou com o poder político, oferta de prestações sociais, divisão territorial das atividades, alto poder de intimidação, alta capacitação para a fraude, conexão local, regional, nacional ou internacional com outras organizações etc.

24

Uma organização criminosa, como citado, tem como principal característica a

acumulação de muitas riquezas ilicitamente. O acúmulo pode ser oriundo

diretamente de atividades ilícitas, ou até mesmo de atividades lícitas (porém

iniciadas com capital ilícito). Além disso, outra peculiaridade, como já citado, é a

divisão hierárquica. É muito comum a divisão da chefia e da área de atuação,

especialização das atividades, organização econômica. Enfim, uma empresa com

fins criminais que pode, ou não, estar constituída licitamente perante uma junta

comercial. E assim como empresa comum que visa sempre crescer, uma

organização criminosa também visa expandir suas ações e lucros pelo território

23

VELLOSO, Renato Ribeiro. O crime organizado. Disponível em: <http://www.mp.pe.gov.br/uploads/3IueY4KjLYydnaJfZG6Klw/lDfU0C6edwmqdWTQLmFCag/O_crime_organizado.doc> Acesso em: 01 mar. 2009. “Hodiernamente, o conceito de crime organizado, está mais complexo uma vez que prescinde de diversos elementos, quais sejam, estrutura empresarial como as das grandes empresas, ou seja, possuem planejamento empresarial, hierarquia férrea, poder econômico-financeiro, poder de representação, de mobilidade, fachada legal, demanda de mercado, uso de modernos meios tecnológicos, corrupção e alto poder de intimidação, procurando expandir sua atuação em todo território nacional e além das fronteiras, onde leis penais brasileiras não têm nenhum efeito sobre a contravenção”.

24 GOMES, Luiz Flávio. Crime organizado: que se entende por isso depois da Lei n

o

10.217/01? Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/DOUTRINA/texto.asp?id=2919> Acesso em: 01 mar. 2009.

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18

nacional e internacional, sempre recrutando novos adeptos (muitas vezes com

ensinamentos de tática de guerrilha).

O uso da tecnologia é outro ponto muito destacado na criminalidade

organizada. A informática e as telecomunicações são instrumentos que ultrapassam

as barreiras da distância e do tempo, facilitando a prática de crimes e dificultando as

ações de repressão do Poder Público. Não obstante, esse mesmo Poder Público

que deveria coibir as ações ilícitas, muitas vezes não consegue, por ser nitidamente

mais fraco e ter medo. Ou ainda, protege determinadas organizações criminosas,

pois possuem laços entre si. Essa vinculação chega a ser tão profunda, que o crime

organizado muitas vezes exerce a atividade típica estatal de assistência social, cujo

titular originário deixou de fazer (Estado paralelo).

É preciso analisar a estrutura das organizações criminosas e sua relação com a comunidade. Estes grupos possuem uma estrutura empresarial, possuindo na base soldados que realizam diversas atividades gerenciadas por integrantes de média importância. Ademais, para "(...) ganhar simpatia da comunidade em que atuam e facilitar o recrutamento de seus integrantes, realizam ampla oferta de prestações sociais, aproveitando-se da omissão do aparelho do Estado e criando uma prática de um verdadeiro Estado paralelo.

25

Em contrapartida, existem alguns autores que defendem que o crime

organizado explicitado na lei 9.034/95 é igual ao crime de quadrilha ou bando

existente no CP. Para essa parte da doutrina, o legislador não conceituou,

intencionalmente, organização criminosa porque é sinônimo do crime existente no

artigo 288 do CP. No momento que o legislador citou o crime de quadrilha ou bando,

ele quis dar um conceito objetivo ao novo instituto, já que estabelecer novos

requisitos é algo muito difícil e subjetivo. Fazendo a remissão ao artigo 288 citado,

impediu que se formassem divergências.

Ora, será que as novas regras se referem à figura da quadrilha ou bando, de acordo com o conceito lançado no art.288, do Código Penal, ou de adotou, aqui, a concepção vulgar das expressões? Uma organização criminosa é uma associação composta por mais de três pessoas, formada com o propósito de delinqüir? Na verdade, considerando que a interpretação da legislação penal e processual penal reclama o emprego de institutos de conceituação bem delineada, reportando-se o

25

GONÇALEZ, Alline Gonçalves, et al. Op. cit.

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19

primeiro dispositivo, explicitamente, aos termos quadrilha e bando, complementando a idéia com a expressão crime, e não com o termo contravenção, muito menos com as acepções genéricas de infração e ilícito penal, não se pode eleger outro posicionamento que não seja o de visualizar, aqui, quadrilha, bando ou organização criminosa, exatamente, como aquela associação mencionada no multialudido art. 288.

26

Para essa corrente é inadmissível que a lei 9.034/95 quis criar um novo

modelo de crime. Porque, dessa forma, se estaria lidando com um tipo penal

extremamente aberto, que contraria o princípio da legalidade, essencial ao direito

criminal. Além do que, caso se estivesse criando um novo instituto, o legislador teria

conceituado detalhadamente a nova figura.

“Para além disso, a se entender que a ratio fosse a de criar uma nova modalidade criminosa, com recurso a dados criminológicos ainda não bem definidos, longe de um equacionamento doutrinário, senão unânime, ao menos aproximado, chegar-se-ia à conclusão de que estaríamos diante de um novo tipo penal excessivamente aberto a ponto de colidir com o princípio da legalidade do delito, na sua expressão de taxatividade (lex certa). Não nos parece esta a intenção do legislador”.

27

Assim, por essa visão dogmática, a lei 9.034/95 foi criada com a finalidade,

apenas, de normatizar e apenar os outros crimes executados por organizações

criminosas ou quadrilha e bando (por serem sinônimos). E não para punir a

formação e a existência de uma associação criminosa, propriamente dita. A essa

última situação só cabe a incidência do artigo 288 do CP.

De modo que atualmente não se pode mais negar a aplicação dos institutos previstos na Lei 9.034/95 sempre que se imputar o delito previsto no art. 288 do Código Penal ou qualquer outra forma de associação criminosa prevista na legislação extravagante, em concurso com algum outro crime. Não basta, portanto, que se evidencie a existência de uma quadrilha ou associação criminosa. Exige-se que esta tenha praticado, ao menos, um crime. Tal requisito decorre da dicção não apenas do art. 1

o, mas também dos arts. 6

o e 10, todos da Lei

9.034/95, os dois últimos, prevendo, respectivamente, as hipóteses de causa especial de diminuição de pena e de cumprimento inicial da pena em regime fechado.

28

Mas para solucionar a lacuna legislativa e a divergência doutrina foi proposto

no Congresso Nacional o projeto de lei n o 150/06. Essa nova legislação daria uma

26

SIQUEIRA FILHO, Élio Wanderley de. Repressão ao crime organizado: inovações da Lei 9.034/95. Curitiba: Juruá, 1995. p. 40.

27 TOURINHO, José Lafaieti Barbosa. Op. cit., p. 121.

28 Ibidem. p. 123.

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20

conceituação para organização criminosa, discriminando que é necessário ter três

ou mais pessoas, com divisão hierárquica e funcional, sempre objetivando alguma

forma de vantagem. Além disso, o projeto de lei explicita os crimes típicos de

organizações criminosas, como: tráfico de drogas, lavagem de dinheiro, crimes

contra a administração pública, etc.

Pelo texto aprovado, organização criminosa é a associação de três ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de um ou mais dos crimes previstos na proposta. Entre esses crimes, constam: tráfico de entorpecentes, terrorismo, contrabando de armas de fogo, extorsão mediante seqüestro, crimes contra a administração pública e contra o sistema financeiro nacional, crimes contra empresas de transporte de valores ou cargas, lenocínio e tráfico de mulheres, tráfico internacional de criança ou adolescente, lavagem de dinheiro, tráfico de órgãos do corpo humano, homicídio qualificado e falsificação ou adulteração de produtos para fins terapêuticos, entre outros.

29

Como demonstrado o crime organizado possui uma força imensurável, que

amedronta a sociedade, e colide com os interesses do Estado Democrático de

Direito. Porém, a resolução do problema não deve ser encontrada através de

mecanismos que afrontam a Constituição Federal.

As razões de Estado só são válidas quando não conflitantes com o ordenamento jurídico. O controle do crime organizado deve merecer muita atenção, ninguém duvida, mas a reação estatal não pode ter por base medidas ou instrumentos inconciliáveis com o Estado Constitucional de Direito... Modernamente diríamos: O Direito Penal e a Constituição são as barreiras intransponíveis da Política Criminal.

30

O Brasil ainda é muito inexperiente no combate ao crime organizado. É

fundamental uma normatização inteligente que consiga conter essa forma

sofisticada de criminalidade, que está se difundindo por todos os países. Sendo

assim, é necessária a criação de novos mecanismos, mais eficientes, de

investigação e punição, compatíveis com o elevado grau de complexidade das

atuais organizações criminosas.

29

Revista Consultor Jurídico. Projeto que define crime organizado segue para sanção. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2007-mar-21/projeto_define_crime_organizado_segue_sancao> Acesso em: 01 mar. 2009.

30 GOMES, Luiz Flávio; CERVINI, Raúl. Op. cit., p. 165.

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21

O crime organizado é um fenômeno que expande-se proficuamente pelo mundo inteiro. Embora haja países em que se perceba franco combate à criminalidade organizada, o Brasil ainda se encontra letárgico na feitura de dispositivos legais que visam enfrentar a horda delitiva organizada. A criminalidade tomou proporções alarmantes, e acabar com o crime organizado não é tarefa fácil, precisamos que o legislador tenha braços fortes, com medidas enérgicas, e que o povo comece a derrubar a lei de silêncio, que impede que providências sejam tomadas, exigindo o fim da impunidade e da covardia.

31

No próximo capítulo será analisada detalhadamente a organização criminosa

chamado de Primeiro Comando da Capital. Essa facção apresenta todas as

características descritas no artigo 1o do projeto de lei 150/2006. Sendo, portanto, um

excelente exemplo prático que materializa o que é o crime organizado.

Por meio do Primeiro Comando da Capital, o PCC, o Brasil conseguiu, neste início de século XXI, roubar a cena e virar o mais rico case de análise dos especialistas internacionais que se debruçam sobre o fenômeno da criminalidade organizada especial, ou seja, aquela forma associativa delinqüencial capaz de implantar um sistema paralelo de poder, afrontar o Estado Democrático de Direito, aniquilar direitos e garantias individuais e difundir o medo na população.

32

31

VELLOSO, Renato Ribeiro. Op. cit. 32

MAIEROVITCH, Walter Fanganiello. O Estado prisioneiro do PCC. Disponível em: <http://www.ibgf.org.br/index.php?data[id_secao]=10&data[id_materia]=876> Acesso em: 03 mar. 2009.

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22

4 PRIMEIRO COMANDO DA CAPITAL (PCC)

Uma questão muito nova e de suma importância, são formas de movimentos

ligados ao crime que se iniciaram em um passado recente, e que desenvolveram

uma característica de extrema organização, cujo objetivo não é apenas lucrar com

atividades ilícitas, mas também se tornar uma associação que concorra com o

Estado, e que quer impor suas próprias regras perante a população comum. Um

detalhe peculiar desses grupos é que eles preenchem a lacuna que o Estado deixa,

seja na sociedade em geral, ou mesmo dentro dos presídios. Esses grupos não são

fáceis de serem destituídos, exatamente por serem muito complexos e envolverem

uma grande quantidade de pessoas. E o Estado que deveria agir como forma de

conter o desenvolvimento dessas associações pouco faz, deixando ainda pior a

situação da sociedade.

“Coisa nova. O crime agindo de forma ampla, não se contentando mais apenas em obter dinheiro a qualquer custo, começando a aparecer de forma não convencional, exibindo força, poder, organização”.

33

“Com o crime organizado, as sociedades democráticas do Ocidente freqüentemente agem da mesma forma: nelas, a presença do monstro é tão óbvia que elas nem se dão conta. Continuam a dormir acariciando suavemente o inimigo”.

34

As associações criminais organizadas estão enraizadas na sociedade de

forma ampla. Esses grupos já ocupam várias esferas econômicas, sociais e até

estatais. Toda essa atitude faz com que se questione a autonomia e o poder do

Estado, se ele realmente possui força ativa perante a sociedade e consegue

proporcionar ao cidadão os direitos que lhe são inerentes.

Eckart Werthebach, ex-chefe da contra-espionagem alemã, constata: “ Com seu gigantesco poder financeiro, a criminalidade organizada influencia secretamente toda a nossa vida econômica, a ordem social, a administração pública e a justiça. Em certos casos ela impõe sua lei e seus valores à política. Dessa forma,

33

SOUZA, Percival de. Sindicato do crime: PCC e outros grupos. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006. p. 9.

34 ZIEGLER, Jean. Os senhores do crime: As novas máfias contra a democracia. Rio de

Janeiro: Record, 2003. p. 19.

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23

desaparecem gradualmente a independência da justiça, a credibilidade da ação política e, afinal, a função protetora do Estado de direito. A corrupção torna-se um fenômeno aceito. O resultado é a progressiva institucionalização do crime organizado. Se esta tendência persistir, o Estado logo se tornará incapaz de assegurar os direitos e liberdades cívicas dos cidadãos.

35

Dentro dos movimentos criminais organizados houve desde sempre a

característica de submeter seus membros a normas, que devem ser respeitadas

para continuar vivo. Algo muito lógico, pois em qualquer espécie de sociedade, não

existindo leis gera uma tremenda desordem. A obediência a essas regras é

executada, em razão de haver dirigentes que impõem o cumprimento das mesmas,

com o fim de existir um sistema complexo, e assim, ser uma facção bem sucedida.

Essa necessidade de ter líderes faz com que existam lutas incessantes para ocupar

o lugar de destaque. Todas essas características, as quais já existiam em grupos

criminosos, foram levados para o interior do sistema prisional, o que resultou em

associações que mandam e desmandam em penitenciárias. Ou melhor, as

instituições criminosas apenas ocuparam as lacunas, deixadas pelo Estado, na

sociedade e dentro dos presídios.

“A pretexto de defender presidiários, facção domina o narcotráfico nas cadeias, conquista pontos-de-venda de drogas fora das prisões e fatura milhões de reais”.

36

O ser humano que se torna um detento acaba sofrendo um processo de

desculturação. Nessa circunstância o preso acaba se distanciando por completo da

realidade social, seus princípios e instituições, e perde o interesse, também, de

manter se de acordo com os padrões comuns às sociedades, enfim existe um total

desinteresse de saber o que ocorre no mundo exterior aos presídios. Em

contrapartida o presidiário é submetido a uma transformação nos seus ideais e

costumes de acordo com os padrões típicos da subcultura carcerária, totalmente

contrários às relações humanas cotidianas e comuns numa sociedade, onde se

impera a violência e a pena de morte aos inimigos e traidores. Essa transformação é

chamada de aculturação.

35

Ibidem, p. 23. 36

AITH, Márcio; et al. Especial crime. Veja. São Paulo. Edição 1990 – ano 40 – n 1. Editora abril, 10 de janeiro de 2007. p. 62.

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24

O enorme desenvolvimento dos grupos organizados fez com que o crime se

tornasse uma empresa de grande porte e altamente rentável. E nessa empresa

existem diversas funções, de baixa a alta especialização, cujos membros não são

apenas pessoas faveladas, traficantes, mas também formado por pessoas de

grande poder econômico, desmedida influência na sociedade, além de alto grau de

escolaridade, que dificilmente são descobertas por investigações policiais.

Nos últimos anos, o tráfico começou a explorar vários outros serviços nas favelas, avançando sobre o território do comércio formal. O mito urbano do “barão do tráfico”, o cidadão da classe média alta que comanda o crime confortavelmente instalado em uma cobertura de frente para o mar, nunca teve sua existência comprovada pela polícia. Em compensação, está mais do que evidente que as quadrilhas, atualmente, se comportam como empresas.

37

”Um cartel criminoso é para começar uma organização econômica, financeira, de tipo capitalista, estruturada de acordo com os mesmos parâmetros de maximização do lucro, controle vertical e produtividade que qualquer multinacional industrial, comercial ou bancária legal”.

38

4.1 CARACTERÍSTICAS DO PCC

O PCC é uma facção que se formou em 31 de agosto de 1993 no interior do

presídio “Piranhão” em Taubaté, no estado de São Paulo, cujo significado da sigla é

“Primeiro Comando da Capital”. Nome esse usado como intitulação de um time de

futebol, formado por detentos vindos da capital. Ainda, também, pode ser

reconhecido pelo código 1533, em razão da letra “p” ser a décima quinta letra do

alfabeto e possuir duas letras “c” que são a terceira letra. O seu nascimento está

vinculado ao Comando Vermelho, do Rio de Janeiro, e às Serpentes Negras, de São

Paulo. Esses movimentos mencionados, no passado, não eram nada muito

desenvolvidos e organizados quanto o PCC. Para se ter idéia o “Primeiro Comando

da Capital” que nasceu no já mencionado estado paulista, tomou real força somente

em 2001, a partir desse ano, atingiu vários estados brasileiros e expandiu até outros

37

Ibidem, p. 51 – 52. 38

ZIEGLER, Jean. Op. cit., p. 26.

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25

países como Colômbia, Paraguai, Bolívia, países produtores de cocaína e maconha,

vinculados a nossa pátria pelo narcotráfico.39

Atualmente, o PCC (que segundo reportagem da Revista Isto É, edição 145 de 26/02/01, surgiu a partir da facção Serpentes negras) é a organização criminosa que mais tem gerado conflitos nos presídios, inclusive foi a responsável pela maior rebelião da história do país, no dia 18 de fevereiro de 2001, que sublevou simultaneamente 29 presídios e contou com o apoio de aproximadamente 29 mil detentos. Conforme a Revista Isto É, uma investigação da polícia civil do Estado de São Paulo, descobriu que além de atuar na Penitenciária do Estado, também existia nas unidades de Sorocaba, Iaras, Presidente Bernardes, Mirandópolis e no Complexo Penitenciário Campinas-Hortolândia. Fora de São Paulo, o comando atua na Penitenciária Central do Paraná e nas Penitenciárias de Segurança Máxima de Rondonópolis, no Mato Grosso, e Porto Velho, em Rondônia.

40

Hoje o PCC é a maior facção delinqüente do nosso país e em contínua

expansão. Seu discurso perante a sociedade é que seu fim de criação está

vinculado à melhoria no tratamento dos presidiários, e o grupo só quer esse objetivo.

Porém, sua motivação de existência é gerar lucros e expandir seus mercados e

poderes, utilizando o crime como alavanca.

O Primeiro Comando da Capital (PCC) é a maior organização criminosa em atividade no Brasil. Com 15000 integrantes no estado de São Paulo (5038 deles identificados e catalogados), o grupo se esforça para vender a idéia de que luta pela melhoria das condições de vida nos presídios. Nada mais falso. O principal objetivo do PCC é o mesmo do mais reles ladrão pé-de-chinelo: ganhar dinheiro fácil.

41

Dentro do movimento do PCC todos são reconhecidos como irmãos, porém é

inadmissível algum tipo de traição, pagando com a vida quem a fizer. Existe também

a divisão de função entre os membros, que podem ser definidos como soldados, os

menos gabaritados, ou generais, aqueles que possuem cargos de chefia. Além

disso, o movimento possui um regulamento interno, celebrações para a entrada de

39

SOUZA, Percival de. Op. cit., p. 24. “As raízes do PCC criaram metástase, crescendo e multiplicando-se de São Paulo para outros Estados, como Paraguai, Bolívia, Colômbia, tornando-se internacional”.

40 JORGE, Higor Vinícius Nogueira. O regime disciplinar diferenciado (RDD) na lei n

o

10.792/03 e as facções criminosas. Disponível em: <https://secure.jurid.com.br/new/jengine.exe/cpag?p=jornaldetalhedoutrina&ID=1489.>

Acesso em: 28 de fev. 2009. 41

AITH, Márcio; et al. Op. cit., p. 62.

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26

um novo associado, pagamento de quantias mensais, juramento de ajuda recíproca

entre filiados dentro ou fora do cárcere e até aulas dentro da prisão de como

manejar armas modernas e potentes, e como assaltar carros de valores. Algo muito

impressionante é a aplicação monetária na compra de pessoas em diversas esferas

profissionais, e o custeamento de estudantes de direito para no futuro

recompensarem juridicamente o PCC.

A subdivisão de funções dentro do PCC é muito bem definida e cada um

possui uma terminologia própria pelo papel desempenhado. A divisão dentro da

associação é em líder, cúpula, torre, piloto, sintonia, disciplina, preso batizado, piloto

externo, ajudante de ordens, armeiro, tesoureiro, soldado e recolhe. O líder estipula

todas as atividades estratégicas. A cúpula determina quem venderá tóxicos nas

penitenciárias e favelas, e também projeta ataques e rebeliões. A torre repassa as

determinações da cúpula, e administra os ganhos com o tráfico. O piloto é o líder

dentro de cada presídio, chefiando rebeliões e matando os inimigos presos. Sintonia

é quem faz a comunicação com os outros presídios e transmite as novidades para o

piloto. Disciplina é quem exige o pagamento de dívidas e é o autor de homicídios.

Preso batizado é o recém filiado ao grupo, que passa por uma cerimônia de

conversão. Piloto externo é quem coordena uma zona de drogas fora dos presídios

e é encarregado de fornecer entorpecentes à prisão a ele designado. Ajudante de

ordens separa os telefones e drogas que serão dados aos presos em dias de visita.

Armeiro guarda o poderio bélico para a utilização quando necessário. Tesoureiro faz

as anotações da circulação de dinheiro com o tráfico e empréstimos aos filiados. O

soldado é um ex-preso que ganhas comissões do PCC mediante a ação de delitos

de interesse ao grupo. O recolhe passa pelas zonas de venda de tóxicos, cobrando

o percentual devido à cúpula. Existem ainda os colaboradores da facção como o bin

laden que realiza ações perigosas contra a sociedade e a polícia em troca de

drogas. O advogado que através das suas prerrogativas jurídicas transmite

informações. A visita que leva celulares e drogas para o cárcere. O preso comum

que paga mensalidade para não sofrer represálias. Os agentes penitenciários que

facilitam as ações da facção. E os laranjas que tornam lícito o dinheiro provindo da

criminalidade.42

42

ZIEGLER, Jean. Op. cit., p. 68. “O exercício da violência é consubstancial a todos os cartéis da criminalidade organizada. Ela é exercida por unidades independentes, especialmente

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Marcola arquitetou uma organização criminosa verticalizada, hierarquizada e dotada de rede de comunicação, capilar e ágil, entre o vértice e a base. A organização que lidera tem o desenho da Cosa Nostra siciliana. A cúpula do PCC comanda do interior dos presídios, onde não faltam celulares e facilidades, tudo a evitar o recomendado desconforto que os penitenciaristas europeus acham fundamental para se alcançar a ressocialização. Na base do triângulo ficam os operadores encarregados da obtenção de recursos financeiros e, também, da promoção de ataques direcionados contra as forças da ordem, bens públicos e cidadãos comuns. Logicamente, as fontes financeiras mais pujantes vêm do porcentual fixado pela organização, que incide sobre assaltos a bancos, roubos de cargas, extorsões mediante seqüestro, tráfico de drogas etc.

43

O regulamento interno do PCC, escrito durante a formação da facção, possui

dezesseis artigos. No seu artigo nono existe a seguinte disposição: “O partido não

admite mentiras, traição, inveja, cobiça, calúnia, egoísmo, interesse pessoal, mas

sim: a verdade, a fidelidade, hombridade, solidariedade e o interesse comum ao bem

de todos, porque somos um por todos e todos por um”. Isso demonstra

profundamente a intenção do PCC ser uma instituição criminosa vinculada ao bem

comum da coletividade filiada.

A necessidade de comunicação constante fez os membros do grupo

desenvolverem um palavreado diferenciado, para dificultar a compreensão,

principalmente, de autoridades. Portanto, a utilização de códigos, palavras com

sentido diverso ao gramatical, caracteres secretos são muito comuns. O meio mais

utilizado de correspondência entre filiados é através dos telefones celular pré-pago.

Esses aparelhos entram com muita facilidade nos presídios, e são normalmente

entregues por familiares, advogados, ou até mesmo agentes penitenciários.

“O PCC criou uma nova linguagem, como se fosse um dialeto circunscrito a um grupo cada vez maior de militantes, substituindo a semiótica restrita aos habitantes do cárcere – usar sinais e não a voz – que ainda predomina nas prisões”.

44

A rede de comunicação do PCC continua a operar com eficiência.

equipadas e treinadas com esta finalidade. Tais unidades respondem diretamente aos dirigentes supremos da organização.São variadas as suas tarefas. Elas garantem a segurança física dos diferentes operadores da organização. Em segundo lugar, asseguram a disciplina interna, executando sem piedade os traidores e os simples suspeitos. Finalmente, quando os prepostos nos terrenos da prospecção e do marketing identificam um novo campo de ação, as unidades de segurança são incumbidas da eliminação sistemática dos concorrentes do setor econômico em questão. Uma das principais razões dos lucros não raro astronômicos acumulados pelos cartéis reside no fato de que eles desfrutam de uma posição monopolística no setor em que operam. Monopólio obtido pela violência freqüentemente a mais brutal”.

43 MAIEROVITCH, Walter Fanganiello. O Estado prisioneiro do PCC...

44 SOUZA, Percival de. Op. cit., p. 111.

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O Estado não consegue interromper a comunicação e o envio de mensagens realizadas entre os presos que, na terça-feira 6, iniciaram uma "greve-branca" em solidariedade aos líderes recolhidos em estabelecimentos de segurança máxima e colocados em regime prisional diferenciado.

45

A disseminação do PCC pelo Brasil com rapidez, se deu em razão de

transferências de presos pertencentes ao movimento para penitenciárias de vários

estados do Brasil, que foram executadas como tentativa de enfraquecer o grupo.

Mas o resultado ocorrido não foi o esperado. Os detentos transferidos fizeram mais

aliados nas novas regiões em que estavam, e alianças com ou grupos criminosos.

Por conseqüência se multiplicou o número de membros do PCC, e foram firmados

novos negócios com outros grupos, como o Comando Vermelho, resultando em um

maior poder para a facção. Em relação ao Comando Vermelho existe uma política

de respeitabilidade, em que cariocas filiados a esse grupo, presos em São Paulo são

considerados, e paulistas do PCC presos no Rio de Janeiro possuem o mesmo

tratamento.

“De um epicentro, nasceram satélites, ou anéis, como se diz no próprio PCC, numa mistura explosiva de crimes variados, busca de poder político, alvos a serem alcançados em termos de organização, expansão e conquistas de mercados, além de um braço infiltrado em poderes do Estado”.

46

Como já mencionado, os aliados do PCC devem pagar mensalidades, tanto

os que estão presos, quanto os que estão em liberdade. Além dessa forma de

arrecadação, a venda de drogas, valores recebidos a título de resgate em

seqüestros são outras maneiras de capitalização e com alto rendimento. Todo esse

dinheiro adquirido tem o fim de financiar outras atividades, como roubos, compra de

armamento, o pagamento de ônibus para a visita de familiares no presídio, resgate

de presos e até candidatura de políticos. Pessoas que precisarem de capital para

execução de algum delito podem pegar emprestado, porém, depois do feito deve ser

quitada a dívida com o pagamento de juros e correção monetária. Enfim, uma

45

MAIEROVITCH, Walter Fanganiello. PCC: termina a greve branca dos presos, com o governo achando que não houve indisciplina. Disponível em: <http://www.ibgf.org.br/index.php?data[id_secao]=3&data[id_materia]=909> Acesso em: 03 mar. 2009.

46 SOUZA, Percival de. Op. cit., p. 131.

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verdadeira instituição bancária e com alta lucratividade, que possui até vários

tesoureiros espalhados para que se algum for preso, não comprometa os negócios

por completo.

“O PCC tem 15000 filiados em São Paulo e controla 40% do tráfico de drogas no estado. A polícia já descobriu contas do bando com movimentação superior a 36 milhões de reais”.

47

Motivada pela maior geração de capital e por conseqüência desenvolvimento

de maior poderio, o PCC em seus negócios com drogas oferece grande diversidade

de substâncias entorpecentes, para atrair e agradar a diversos gostos e diferentes

clientelas. Além disso, financiam festas, promovem eventos para ter carisma com a

população da classe baixa, com o fim de chamar a atenção de novos simpatizantes.

Como forma de tornar lícito o dinheiro provindo do crime, o PCC investe

também em atividades lícitas. Já foi constatado que a facção está presente em

atividades econômicas como comércio de combustíveis, lojas automotivas,

transporte em vans e oficinas que desmontam carros. Assim, o lucro originário da

criminalidade é mandando para essas formas de ações financeiras, tornando o

dinheiro sujo em limpo perante as autoridades do Estado.48

A fórmula desse remédio-certeiro é latina: “pecunia olet”. Traduzindo: “o dinheiro tem cheiro”. Portanto, ele pode ser perseguido e apreendido pelas polícias. O remédio serve para atacar a economia movimentada pelo crime organizado. E tem o efeito colateral de identificar autoridades corruptas. Bem aplicado, esse remédio debilita e desfalca o “caixa”, que é o vital das organizações criminosas. Usado pela polícia de São Paulo, o “pecúnia olet” identificou ter o PCC adquirido 44 postos de gasolina na região do ABC.E até o paquidérmico COAF descobriu que o PCC movimentou mais de R$36 milhões pelo sistema bancário, em quase um ano. Seguindo o exemplo das máfias transnacionais, o PCC deu um “salto de qualidade”. Ou melhor, o PCC lava o dinheiro sujo nos bancos e recicla o capital lavado em atividades formalmente lícitas, como a compra dos 44 postos de gasolina no ABC paulista. Pelo que se percebe, o PCC não só assalta os bancos. O PCC deposita e lava dinheiro sujo nos bancos.

49

47

AITH, Márcio; et al. Op. cit., p. 63. 48

Ibidem, p. 64. “Como ocorre com todas as máfias, uma das maiores preocupações do PCC é lavar o dinheiro ganho no crime. Para isso, o grupo financia “laranjas” que atuam em ramos legalizados. A polícia de São Paulo já sabe que o dinheiro do PCC é lavado em cooperativas de perueiros, postos de combustível, desmanches e lojas de carros usados. O montante auferido nessas atividades segue para contas bancárias abertas por parentes dos integrantes da cúpula”.

49 MAIEROVITCH, Walter Fanganiello. Crime organizado: Pcc dá salto de qualidade.

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Indivíduos, sem meios financeiros de pagar a mensalidade, devem laborar

para o PCC. O que vai desde pequenas tarefas domésticas, a assumir culpa por

homicídios, apreensões de armas, drogas, enfim, a autoria de qualquer atividade

irregular.

Uma diferente característica do “Primeiro Comando da Capital” é cometer

atentados bárbaros contra pessoas conhecidas, normalmente que estão tentando

combater o movimento. Dessa forma, presidentes de presídios, juízes de direto,

promotores, delegados, investigadores, agentes penitenciários são alvos

objetivados, com o intuito de ter repercussão na mídia nacional e internacional. Tudo

isso para demonstrar a força da facção, e ter maior reconhecimento.50

Com controle de território e difuso poder de intimidação, o PCC, nos seus 13 anos de vida, foi galgando patamares mais altos e colocando em prática técnicas e métodos mafiosos e terroristas. Nos ataques voltados a desmoralizar o Estado e a causar intranqüilidade social, o PCC promove ações espetaculares. Como não é uma força regular, o PCC agride e recua, igual realizam as organizações voltadas à guerrilha urbana. No seu percurso de sangue, o PCC, como a máfia, produziu vítimas anônimas e cadáveres excelentes (pessoas de destaque, como o juiz-corregedor Machado Dias). Como a máfia fez ao atacar com bombas em Florença, Milão e Roma, o PCC repetiu na capital e no interior de São Paulo. De quebra, elegeu policiais e carcereiros como alvos e os marcou para matar.

51

“Ao contrário do que quer fazer crer o governo estadual, o PCC está mais organizado do que nunca, escolhendo os seus alvos com fria deliberação - os prédios do Ministério Público estadual e da Secretaria da Fazenda acabam de entrar no rol dos pontos atacados à bomba”.

52

Outra forma de impressionar a sociedade e as autoridades é organizar

rebeliões. Nessas circunstâncias os detentos põem fogo em celas, destroem

Disponível em: <http://www.ibgf.org.br/index.php?data[id_secao]=3&data[id_materia]=1060> Acesso em: 03 mar. 2009.

50 SOUZA, Percival de. Op. cit., p. 71. “Vítimas excelentes são sempre buscadas para

aumentar o prestígio de organizações criminosas. Pode ser um preso famoso. Ou uma autoridade. Uma personalidade”.

51 MAIEROVITCH, Walter Fanganiello. PCC: patamar da Al Qaeda e imitação do

mostrado pela Al Jaezira. Disponível em: <http://www.ibgf.org.br/index.php?data[id_secao]=3&data[id_materia]=942> Acesso em: 03 mar. 2009.

52 MAIEROVITCH, Walter Fanganiello. PCC: a política da insegurança. Disponível em:

<http://www.ibgf.org.br/index.php?data[id_secao]=3&data[id_materia]=933> Acesso em: 03 mar. 2009.

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instalações do presídio, matam alguns presos, fazem reféns. Normalmente, essas

ações são motivadas pela reivindicação de algum direito, como o direito de receber

visitas, e para amolecer um regime disciplinar muito rígido.

... o PCC se especializou em promover motins a fim de pressionar o governo e obter regalias para seus líderes. Foi assim que os presos conseguiram, por exemplo, institucionalizar a visita íntima semanal, antes restrita a algumas penitenciárias, e garantir a manutenção do “jumbo” – remessa semanal de alimentos feita pelas famílias, que é a maior porta de entrada de drogas, armas e celulares nos presídios.

53

4.2 A LIDERANÇA

A grande estrutura do PCC tem uma imprescindível necessidade de um

inteligente mentor, pois essa estrutura grandiosa somente cresceria, se

desenvolveria e obteria êxito, através de um sujeito de extrema competência e alto

conhecimento prático e teórico. Características essas narradas encontradas em

Marco Willian Herbas Camacho.

Marco Willian, mais conhecido pelo apelido “Marcola” por na adolescência

ser usuário de cola de sapateiro (Marco mais cola), é um homem de trinta e cinco

anos de idade, que cresceu no bairro do Glicério na capital paulista. Uma pessoa

sem formação superior, mas de extrema perspicácia. Já aos dezoito anos foi preso

por roubo a banco. Longo em seguida, voltou a liberdade e fez um roubo a empresa

Transbank, a qual é transportadora de valores. Nesse delito, “Marcola” se apropriou

de nove milhões de reais e fugiu para o Paraguai, onde morou por um ano. Logo

quando voltou ao Brasil, foi preso em São Paulo, estando nessa situação na

atualidade.

O comércio de tóxicos pelo PCC se iniciou com a entrada de “Marcola” para

a cúpula do movimento em 2001. Demonstrando ser um excelente dirigente, Marcos

também institucionalizou a cobrança de mensalidades, como já citado. A extorsão

que era utilizada no pretérito de forma violenta contra os detentos foi substituída pela

53

AITH, Márcio; et al. Op. cit., p. 62.

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mesada que deve ser paga pelos filiados. Uma forma mais pacífica de gerar riqueza,

não causando a revolta dos pagadores, e ganhando confiança dos encarcerados.

Os momentos de ócio na penitenciária fizeram de “Marcola” um grande leitor

de obras políticas e de guerra. Destacando exemplos, podemos citar literaturas de

autores renomados como Lênin, Trotsky, Marx, Sun Tzu. Essa literatura admirada

por “Marcola” o fez entender melhor o poder, o funcionamento do Estado, e por

conseqüência começou a questionar o sistema em que vivemos. Por ter uma maior

compreensão das peculiaridades políticas e sociais, os demais detentos o admiram

e recebem respostas sobre os problemas que enfrentam no cotidiano carcerário, e

que trazem muita angústia.

Curioso que entre os livros lidos por Marcola citados pelo delegado Ruy Fontes no depoimento da CPI estejam obras de ex-presidiários como Leon Trotsky, que fez nascer na prisão a Teoria da Revolução Permanente: o comunismo não poderia ser sistema de apenas um país... O arsenal literário que teria lido ensinou-o a amar o poder.

54

Esse conhecimento literário faz com que “Marcola” consiga persuadir tanto a

detentos quanto algumas partes da sociedade comum. A estratégia utilizada é

enganar os filiados dizendo que todos têm a sua importância e são ouvidos nas

atitudes tomadas pelo grupo. Além disso, existe a publicação de declarações, de

tempos em tempos, em que o seu conteúdo explicita que a facção objetiva a

proteção da massa carcerária, dos direitos humanos e a existência de um sistema

prisional mais digno. Para se ter uma idéia, o PCC financiou a instituição de uma

organização não governamental, que visava lutar pelos direitos dos detentos e

discutir com a administração pública a melhoria do sistema.

O jogo de cena de Marcola e seus compadres inclui o lançamento periódico de manifestos em que o PCC faz críticas ao sistema penitenciário, reclama de maus-tratos e pede respeito aos “direitos humanos”. Marcola e seus comparsas chegaram a patrocinar a criação de uma ONG batizada de Nova Ordem, chefiada por ex-policiais. Com isso, pretendiam participar do debate sobre a segurança pública em São Paulo. Felizmente, as ligações da tal ONG com os bandidos foram logo descobertas e o plano não decolou.

55

54

SOUZA, Percival de. Op. cit., p. 59. 55

AITH; Márcio; et al. Op. cit., p. 65.

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33

Quem ocupa uma posição privilegiada de liderança dentro do PCC traz ao

indivíduo um gigantesco poder e um sentimento de importância, estando numa

posição de destaque. Algo que atrai muito a todos os seres humanos, e é claro sem

deixar de englobar os delinqüentes. Por conseqüência isso gera atritos contínuos

com outros grupos, ou até mesmo dentro da facção. Homicídios ocorrem

constantemente motivados por briga de poder, ou traições de membros do grupo. E

como característica, as ações de matança são extremamente cruéis, fazendo com

que a vítima sofra o máximo possível.

“Todo homem traz em si as piores paixões, energias destruidoras, ciúme, instinto de poder”.

56

A liderança em grupos prisionais sempre será ocupada por pessoas

extremamente violentas e cruéis. A ideologia que impera os mais fortes sobre os

mais fracos nas classes econômicas, políticas, sociais se materializa também dentro

das penitenciárias, o que resulta em uma diferenciação entre dominantes e

dominados. Somente através da agressividade que um indivíduo conseguirá ser

ouvido, temido e respeitado no mundo da criminalidade. Características essenciais

para atingir o poder. Foram exatamente as atitudes que Marcos Camacho

demonstrou quando tomou o poder do PCC, e que continua demonstrando. Até

porque é a única forma dele perpetuar o comando da associação.

“Sua ascensão se deu em 2001, em meio a uma sanguinária disputa por poder. Marcola afastou os antigos líderes e decretou suas sentenças de morte. Quem se opôs à sua liderança foi eliminado”.

57

“No interior dos cartéis da criminalidade transnacional organizada, a violência constitui o principal fator da promoção. Ela garante a mobilidade social vertical. São as qualidades pessoais do “soldado”, sua inteligência, sua astúcia, seu autocontrole, mas sobretudo sua brutalidade e seu sangue-frio que determinam sua ascensão”.

58

56

ZIEGLER, Jean. Op. cit., p. 25. 57

AITH, Márcio; et al. Op. cit., p. 64. 58

ZIEGLER, Jean. Op. cit., p. 69.

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5 REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO

Em razão das inúmeras rebeliões dentro dos presídios e da existência de

organizações criminosas no interior dos mesmos, que se cogitou implantar o regime

disciplinar diferenciado (RDD) como forma de coibir tais problemas. Tal regime foi

inspirado no sistema penitenciário da Itália. Esse instituto foi inserido no nosso

ordenamento jurídico tanto com a finalidade de acabar com a violência, como já

mencionado, mas principalmente, mostrar para a população que está sendo feito

algo para tentar controlar a criminalidade.

A partir desses pressupostos é possível afirmar que o recrudescimento do controle disciplinar no interior do cárcere surge como iniciativa penal de dimensões complexas que, além de concentrar objetivos de punição, neutralização e incapacitação, responde também aos desejos imanentes de segurança e proteção decorrentes dos medos ambientes. Atualizados os propósitos penais, hoje o que está colocado é a necessária combinação entre os dois fatores: a certeza de uma punição severa e eficaz deve ser complementada pelo propósito de proporcionar algum tipo de confiança capaz de reduzir, mesmo que parcialmente, as angústias coletivas.

59

A idéia de inclusão do RDD em todo o território brasileiro ficou mais forte após

homicídios contra dois magistrados. O primeiro a ser executado foi Antônio José

Machado Dias, juiz corregedor da Vara de Execuções Criminais de Presidente

Prudente/SP, cuja morte foi determinada por Marcos Camacho, principal chefe do

Primeiro Comando da Capital (PCC). O segundo a ser morto foi Alexandre Martins

de Castro Filho, que ocupava a posição de juiz na 5ª Vara de Execuções Penais do

Espírito Santo. 60

59

FREIRE, Christiane Russomano. A violência do sistema penitenciário brasileiro contemporâneo: o caso RDD (regime disciplinar diferenciado). São Paulo: IBCCRIM, 2005. p. 135.

60 SOUZA, Lara Gomides de; SOUZA, Luiz Lopes de Junior; SOUZA Luma Gomides de. Da

inconstitucionalidade do regime disciplinar diferenciado. Disponível em: <http://www.r2learning.com.br/_site/artigos/artigo_default.asp?ID=853> Acesso em: 02 mar. 2009. “Em 2003, foi a vez da Lei nº. 10.792, que vinha a alterar a Lei de Execuções Penais, criando-se o chamado Regime Disciplinar Diferenciado – RDD, tema deste breve ensaio. Neste ponto, percebemos que o legislador pátrio agiu motivado pelas crescentes manifestações das facções criminosas, principalmente nos Estado do Rio de Janeiro e de São Paulo. O ponto alto das revoltas foi a morte de um Juiz Corregedor da Vara de Execuções Penais de Presidente Prudente-SP, Dr. Antônio José Machado Dias. Mais uma vez, escolheu-se o caminho errado para se tentar combater a violência e a criminalidade”.

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“O solo discursivo necessário para brotar a legislação de pânico estava fértil: cultura de emergência fundada nas premissas “impunidade” e “aumento da criminalidade”, e a vinculação desses fatores (impunidade e alta criminalidade) ao “excesso de direitos e garantias” do réu/condenado”.

61

Somando todas essas circunstâncias e com uma enorme influência da mídia,

o projeto de lei n o 5.073/2001, depois de ser aprovado na Câmara dos Deputados e

no Senado Federal, se transformou na Lei n o 10.792/2003 que alterou a Lei de

Execução Penal nos artigos 52, 53, 54, 57, 58 e 60.62

... a aprovação da Lei 10.792/2003 consagra mais uma vez a vitória das políticas penalizadoras que, invariavelmente, produzem um aumento vertiginoso na carga aflitiva já inerente à privação da liberdade. Os anseios governamentais de redução de violência criminal por meio da violência normativa, aliados à forte pressão da opinião pública, refém do pânico criado e veiculado pelos meios de comunicação, não poderiam resultar em nada diferente do que a supressão quase total dos ínfimos direitos garantidos pelo sistema penitenciário nacional aos encarcerados.

63

Agindo de uma forma infeliz, novamente se utilizou um instrumento inoperante

para tentar aniquilar a criminalidade. Todavia, é de conhecimento da coletividade

que o embrião da violência é o desequilíbrio social, cujo remédio não será a edição

de leis mais rígidas.

“Mas, ao invés disso e em atitude reprovável, o governo edita nova lei para dar uma satisfação à população, com o objetivo de resgatar a legitimidade perdida. O legislador pátrio volta a recrudescer a lei de execução penal, alardeando ser esta a resposta necessária e justa à violência que assola nossa sociedade”.

64

61

CARVALHO, Salo de; WUNDERLICH, Alexandre. O Suplício de Tântalo: A Lei n.o

10.792/03 e a Consolidação da Política Criminal do Terror. Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. Boletim IBCCRIM. Ano 11, n

o 134, janeiro/2004, p. 6.

62 MOREIRA, Rômulo de Andrade. Este Monstro Chamado RDD. Revista Síntese de

Direito Penal e Processual Penal, Porto Alegre, v. 5, n. 28, p. 37-40, out./nov. 2004. p. 37. “Recentemente foi promulgada uma lei que alterou o CPP e, de quebra, modificando também a LEP, instituiu entre nós o chamado Regime Disciplinar Diferenciado – RDD. Como outras tantas leis no Brasil, esta também foi ditada no afã de satisfazer a opinião pública e como resposta à violência urbana (ao menos no que concerne à alteração produzida na LEP)”.

63 FREIRE, Christiane Russomano. Op. cit., p. 133.

64 FILIZZOLA, Ricardo Bandle. O regime disciplinar é constitucional? Disponível em:

<http://www2.oabsp.org.br/asp/jornal/materias.asp?edicao=108&pagina=2923&tds=7&sub=0&sub2=0&pgNovo=67> Acesso em: 02 mar. 2009.

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Mesmo assim, após a edição da Lei n o 10.792/2003, presidiários

considerados perigosos, com indícios de serem participantes de grupos criminosos,

começaram a ficar isolados em cela individual pelo tempo de 360 dias, prorrogáveis

por igual período, até o máximo de um sexto da pena a ser aplicada, possuindo o

direito a banho de sol por duas horas diárias, e duas horas semanais para receber

visitas. Porém, existe a proibição de ter acesso à informação por meio de revistas,

jornais, livros, televisão e rádio. Além de tudo, é restringida a comunicação entre o

recluso e seu advogado. Enfim, um instrumento muito penoso para quem for

sujeitado a ele.

“Por estar previsto no art. 53 da LEP e regulado na subseção denominada Das Faltas Disciplinares, o RDD constitui, a princípio, a mais nova e grave modalidade de sanção disciplinar, estando ao lado do isolamento na própria cela (ou em local adequado), da suspensão ou restrição de direitos, da repreensão e da advertência verbal”.

65

Dessa forma, nasce uma nova modalidade de regime de pena denominado de

regime integralmente fechado plus. Uma nova estrutura que redireciona o sistema

prisional para uma forma diferenciada de coordenação dessas instituições.

A introdução do regime disciplinar diferenciado no ordenamento jurídico nacional, conforme salientado anteriormente, significa muito mais do que um mero recrudescimento do controle disciplinar no interior do cárcere. A medida punitiva, além de inaugurar uma modalidade inédita de cumprimento de pena – “o regime integralmente fechado plus” -, redefine a concepção de disciplina no interior do cárcere, rompendo com a sistemática meritocrática, baseada nas punições e recompensas.

66

Na hipótese que ocorrer prorrogação do regime disciplinar diferenciado por

cometimento de uma nova infração, como já mencionado, deve perdurar até o marco

de um sexto da pena imposta ao recluso. Nesse caso o cálculo jamais pode recair

sobre a pena já cumprida, muito menos sobre a pena restante que ainda deve ser

executada pelo condenado.

O encarcerado na forma do RDD ocupará cela individual que não pode ser

escura, já que se tal situação ocorresse seria um tratamento cruel com o preso, fato

65

ARRUDA, Rejane Alves de. Regime Disciplinar Diferenciado: três hipóteses e uma sanção. Revista IOB de Direito Penal e Processual Penal, Porto Alegre, v. 7, n. 42, p. 11-14, fev./mar. 2007. p. 11.

66 FREIRE, Christiane Russomano. Op. cit., p. 154.

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expressamente vedado pela Constituição Federal no seu artigo 5 o, inciso XLVII,

alínea “e”. Além também de desobedecer às determinações dos artigos 40, 41 e 45

da Lei 7.210.

Já no que diz respeito ao direito de visitas, o recluso somente pode receber

duas pessoas, excluindo as crianças. Apesar da redação da norma ser confusa,

dando a entender que é livre o número de visitas feitas por crianças, na prática a

interpretação dada a esse dispositivo é que menores, até 12 anos de idade, não

podem visitar um sujeito submetido ao RDD. Não há dúvidas que o preso possui o

direito de conviver com seus familiares, porém para uma criança pode ser

extremamente traumático visitar um local nem um pouco aconchegante, com alguém

submetido a um regime muito rígido.

Na primeira versão a visita também se limitava a 2 horas. Porém, afora por previsão expressa, sem a menor possibilidade de criança (até 12 anos incompletos). Como a lei não tratou de adolescentes, em tese estaria permitida a visita de pessoas com 12 anos completos em diante. A redação, porém, é confusa, porquanto dá a impressão que criança não entra no rol de duas pessoas, podendo entrar quantas forem, quando na verdade sequer pode entrar, pois o local e a forma dura de regime carcerário podem provocar um péssimo abalo psicológico na mesma (artigo 6

o do ECA).

67

Para finalizar, o direito do custodiado de sair diariamente do cárcere, pelo

período de duas horas para banho de sol, não precisa de fixação de horários,

antecipadamente, para a sua efetivação.

Pela descrição textual do artigo 52 da Lei de Execução Penal o regime

disciplinar diferenciado pode ser aplicado tanto para presos provisórios quanto para

os condenados. Dessa forma, basta que algum encarcerado cometa um

determinado crime doloso, que resulte na subversão da ordem ou disciplina interna,

que o mesmo poderá se submeter ao RDD. Entretanto, apesar da doutrina defender

a possibilidade da aplicação do regime disciplinar diferenciado a presos provisórios,

a jurisprudência já tem um entendimento contrário, sendo possível a sua ocorrência

apenas na fase da execução penal. A jurisprudência abaixo demonstra um caso de

impossibilidade do RDD.

67

GOMES, Luiz Flávio; CUNHA, Rogério Sanches; CERQUEIRA, Thales Tácito Pontes Luz de Pádua. O regime disciplinar diferenciado é constitucional? O legislador, o judiciário e a caixa de pandora. p. 20. Disponível em: <htpp://www.bu.ufsc.br/ConstitRegimeDisciplinarDifer.pdf>. Acesso em: 02 mar. 2009.

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EXECUÇÃO PENAL. HABEAS CORPUS. 1. REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO (RDD). INOCORRÊNCIA DE QUALQUER DAS HIPÓTESES LEGAIS. IMPOSIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. 2. DECISÃO DO JUIZ DAS EXECUÇÕES EM PROCESSO JUDICIAL. NECESSIDADE. 3. FALTA DE MANIFESTAÇÃO DA DEFESA. ILEGALIDADE. OCORRÊNCIA. 4. LIMITE TEMPORAL MÁXIMO DE 1 ANO. IMPOSIÇÃO SEM MOTIVAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. INDIVIDUALIZAÇÃO DA SANÇÃO. NECESSIDADE. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. 5. ORDEM CONCEDIDA. 1. Incabível a inclusão de preso em RDD se inocorrente no caso qualquer das hipóteses legais, previstas no artigo 52 da Lei de Execuções Penais. 2. O Regime Disciplinar Diferenciado é sanção disciplinar que depende de decisão fundamentada do juiz das execuções criminais e determinada no curso do processo de execução penal. 3. A decisão judicial sobre a inclusão do preso em regime disciplinar será precedida de manifestação do Ministério Público e da defesa, o que não foi propiciado no presente caso. 4. Desproporcional a imposição do regime disciplinar diferenciado no seu prazo máximo de duração, de um ano, sem uma individualização da sanção adequadamente motivada (Inteligência do artigo 57 da Lei de Execução Penal). 5. Ordem concedida para determinar a transferência do paciente do regime disciplinar diferenciado, retornando para o Conjunto Penal de Feira de Santana, onde se encontrava. Efeitos estendidos aos demais presos na mesma situação. (HC 89.935/BA, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 06/05/2008, DJe 26/05/2008).

68

Além disso, o parágrafo 1o do mesmo artigo dispõe que tanto presos

brasileiros quanto os estrangeiros estarão sujeitos ao regime disciplinar diferenciado,

caso demonstrem grande perigo para a ordem e segurança do presídio ou para a

sociedade. Essa demonstração de perigo necessita ser baseada em provas

contundentes, pois caso contrário estaria se aplicando o direito penal de autor, e não

o direito penal de fato.

Se o agente está preso, só se pode falar em sanção disciplinar por algo que tenha concretamente praticado dentro do estabelecimento penal. Nem o tempo de duração nem as condições de execução do RDD podem violar a dignidade humana. O RDD, na hipótese que estamos analisando, constitui conseqüência de um comportamento do agente. Funda-se, como se vê, no chamado direito penal do fato.

69

68

JUSTIÇA, Superior Tribunal de. Habeas Corpus no 89.935/BA. Sexta Turma, Relatora

Ministra Maria Thereza de Assis Moura. Julgado em 06/05/2008. Publicado no DJU de 26/05/2008. Disponível em: <http://www.stj.gov.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=RESUMO&livre=impossibilidade+do+RDD&b=ACOR> Acesso em: 23 mar. 2009.

69 GOMES, Luiz Flávio. RDD e Regime de Segurança Máxima. Revista IOB de Direito

Penal e Processual Penal, Porto Alegre, v. 7, n. 42, p. 7-10, fev./mar. 2007. p. 8

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39

Também no parágrafo 2 o do artigo 52 mencionado existe a descrição

normativa, que aqueles indivíduos contra os quais existirem suspeitas de vinculação

com organizações criminosas, quadrilhas, bandos serão submetidos igualmente ao

RDD. Tais suspeitas devem ser reais, e jamais podem gerar dúvidas. Isso tudo, em

razão da gravidade de submeter alguém a esse regime, e também pelo elevado grau

de constrangimento que atinge ao bem jurídico liberdade. Mas caso se aplique esse

parágrafo mesmo existindo profundas dúvidas sobre o envolvimento do sujeito,

ocorrerá a violação do principio da legalidade. Além disso, piorar as situações de

cumprimento de uma pena motivada por suposições ou desconfianças, significa

também infringir o princípio da presunção de inocência.

“O que seriam mesmo fundadas suspeitas? Afinal, a presunção constitucional não é a de não culpabilidade? E o que seria mesmo uma organização criminosa? Como se sabe, não há no Brasil uma lei que traga tal definição, ferindo-se, destarte, o princípio da legalidade, também de índole constitucional”.

70

... o que traduziria a subversão à ordem? Quem pode apresentar alto risco à ordem e à segurança e o que significam tais expressões? O que fazer ou não fazer para que contra si não recaiam fundadas suspeitas de envolvimento ou participação em organizações criminosas. Conceito último, aliás, até hoje não explicitado pela lei nem tampouco pela jurisprudência.

71

O regime disciplinar diferenciado, verdadeiramente, não é apenas um castigo

disciplinar. A função prática desse instituto é dar um tratamento peculiar aos

dirigentes e representantes das sociedades organizadas do crime, cujo fato de estar

aprisionado não interfere, em nada, nem inibe a continuidade de suas ações de

transgressão. Para que o RDD possuísse uma natureza de sanção disciplinar, seria

necessária a existência de uma relação de todas as condutas sujeitas a um

tratamento distinto.

Muito além do que a LEP diz no art. 53, o RDD não consiste apenas em uma sanção de natureza disciplinar (e que, por tal motivo, deve estar atrelada ao cometimento de falta grave), mas, sim, em uma forma realmente diferenciada de cumprimento de pena para presos que são líderes e integrantes de facções criminosas e que, mesmo em regime fechado, não têm sua prática delituosa coibida ou alijada pelas restrições impostas no sistema penitenciário.

72

70

MOREIRA, Rômulo de Andrade. Op. cit., p. 38. 71

ISA, Carlos Roberto. Regime disciplinar diferenciado: o custo ultrapassa o benefício. Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. Boletim IBCCRIM. Ano 11, n. 141, agosto/2004.

72 ARRUDA, Rejane Alves de. Op. cit., p. 13.

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40

Importante destacar também, que qualquer delito na forma tentada também

sujeita os seus autores ao regime disciplinar diferenciado. Esse entendimento é

baseado no artigo 49 da Lei 7.210, que determina que a tentativa seja punida com a

mesma pena aplicada à falta consumada. Porém, como os resultados objetivados

não foram plenamente atingidos, a sanção a ser aplicada deve ser proporcional ao

dano causado.

“... como na tentativa as conseqüências do fato não existem ou não são tão graves quanto na consumação, na fixação da sanção disciplinar será tida em vista essa circunstância para a escolha da natureza ou duração da punição”.

73

O processamento do RDD é descrito nos artigos 54 e 60 da Lei de Execução

Penal. E já no artigo 54 há a determinação que essa penalidade somente poderá ser

imposta pelo juiz competente, mediante despacho fundamentado. Porém, o

magistrado jamais poderá incluir alguém no RDD de ofício, obrigatoriamente ele

dependerá de uma provocação externa. Esse pedido externo deverá ser

fundamentado, e terá a titularidade para o seu exercício o diretor do estabelecimento

prisional, ou outra autoridade administrativa, entre elas o Ministério Público (com

base no artigo 68, inciso II, alínea “a” da mesma lei inicialmente citada). Não

obstante, quando o Ministério Público não for o requerente do regime disciplinar

diferenciado, ele atuará como fiscal da lei.74

b) princípio da judicialização do RDD: para aplicar a sanção disciplinar do RDD, somente o juiz das execuções penais, a requerimento fundamentado do diretor do estabelecimento prisional ou outra autoridade administrativa. Curioso é que a nova lei criou situações inusitadas para o Ministério Público: não previu a possibilidade do Ministério Público por seu órgão de execução penal requerer a aplicação do RDD e sim, tão somente, como custus legis, manifestar-se a respeito e, em seguida, a defesa, para finalmente o juiz da execução decidir em no máximo 15 dias. Portanto, não possibilitou o MP como parte requerer e como custus legis, quando manifesta-se por último, fala antes da defesa. Evidentemente que interpretação extensiva (art. 3

o

do CPP) deve ser feita no artigo 54, parágrafo 1o da LEP (com a nova redação),

possibilitando ao MP (por seu órgão com atribuição na execução penal) requerer a

73

MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução Penal – Comentários à Lei n. 7.210, de 11-7-84. 8ª ed. São Paulo: Atlas, 1989, p.137.

74 FREIRE, Christiane Russomano. Op. cit., p. 124. “A aplicação da sanção depende de

decisão judicial, com direito de manifestação da defesa e do órgão ministerial, mediante provocação da autoridade administrativa, mais especificamente do diretor do estabelecimento prisional”.

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aplicação do RDD, uma vez que a LEP o considera integrante do sistema de execução penal (interpretação sistemática do artigo 68, II, “a” da LEP).

75

A decisão judicial que determinar a inclusão de algum sujeito no RDD deverá

ocorrer no prazo de quinze dias, contados da data do requerimento. Com tudo

deverão ser respeitados os princípios do devido processo penal, contraditório, ampla

defesa da parte (artigo 5 o, incisos LIV, LV da CF). É também importante frisar, que

não é cabível a aplicação do RDD na forma coletiva, pois o juiz nessa situação deve

se pautar no princípio da individualização da pena (artigo 5 o, inciso XLVI da CF).

Pelo artigo 60 da lei de Execução Penal seria possível a aplicação do RDD

preventivo pelo prazo limite de 10 dias. Porém, fazendo uma interpretação

sistemática se baseando também no artigo 54 da referida lei, o RDD preventivo

somente pode se concretizar com anterior autorização do magistrado competente.

75

GOMES, Luiz; CUNHA, Rogério Sanches; CERQUEIRA, Thales Tácito Pontes Luz de Pádua. Op. cit.

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6 INCONSTITUCIONALIDADE DO REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO

O RDD foi criado por uma lei ordinária federal, da mesma forma como foi feita

a Lei de Execução Penal, respeitando, portanto, as condições formais respectivas a

esse conteúdo.

Porém, o artigo 52 da lei 10.792/2003, que foi inserido na Lei de Execução

Penal, é uma norma penal aberta. Isso porque possibilita uma interpretação muito

ampliativa, alcançando inúmeras condutas. O fim dessa norma penal aberta é punir

todo tipo de ato que possa ferir a segurança da sociedade e do próprio presídio.

... a função de garantia individual exercida pelo princípio da legalidade estaria seriamente comprometida se as normas que definem os crimes não dispusessem de clareza denotativa na significação de seus elementos, inteligível por todos os cidadãos. Formular tipos penais ”genéricos ou vazios”, valendo-se de “cláusulas gerais” ou “conceitos indeterminados” ou “ambíguos” equivale teoricamente a nada formular, mas é prática e politicamente muito mais nefasto e perigoso... Com toda a procedência se observa, diante das graves medidas restritivas que se abatem sobre o acusado num processo criminal, que a criação de incriminações vagas e indeterminadas transcende a violação do princípio da legalidade para ofender diversos direitos humanos fundamentais.

76

Em contrapartida, a falta de objetividade na descrição do RDD, principalmente

nos parágrafos 1 o e 2 o do artigo 52 referido, possibilita que o indivíduo seja punido

com base em apenas uma interpretação da lei, dando margens à ocorrência de

arbitrariedades. Isso porque não se enxerga com clareza e pontualidade quais

condutas realmente são proibidas. Enfim, uma afronta ao princípio constitucional da

legalidade penal e da presunção de inocência, no que tange a possibilidade de se

punir um sujeito pelo que hipoteticamente são.

A par das opiniões manifestadas acerca da ineficácia e inconstitucionalidade do instituto, constata-se que a reforma pontual realizada pela Lei n

o 10.792/2003 acabou

por ensejar um desajuste no sistema de aplicação de sanções disciplinares da LEP, comprometendo a certeza e a exatidão que devem permear a imposição de quaisquer medidas que restrinjam direitos fundamentais.

77

76

BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao Direito Penal brasileiro. 3a ed. Rio de Janeiro:

Renavan, 1996. p. 77 e 82. 77

ARRUDA, Rejane Alves de. Op. cit., p. 11.

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43

A Constituição Republicana de 1988 no artigo 5 o, incisos XLVII e XLIX,

determina a vedação de penas cruéis e a necessidade de serem respeitadas a

integridade física e moral dos encarcerados. Além disso, o princípio número 7 da 68ª

Assembléia Geral da ONU também dispõe a necessidade de abolir a pena de

isolamento completo. Nota-se, portanto, que a aplicação do RDD viola muitos

ditames normativos. E a razão de toda essa preocupação em editar leis sobre esse

assunto é a necessidade de preservar a saúde dos presos, que são seres humanos

antes de qualquer coisa. Vários estudos médicos comprovam que o isolamento

completo em uma cela gera enormes males psicológicos e psiquiátricos. E pelo o

que é disposto na Carta Magna e pela ONU, torna, assim, o RDD materialmente

inconstitucional.78

O parecer afirma que o RDD “revela-se uma tentativa de criar um regime de cumprimento de pena mais severo que o permitido pela legislação, de caráter cruel e desumano, violador da Constituição Federal e do sistema internacional de direitos humanos”, pois “o emprego de penas cruéis, desumanas ou degradantes, ou, pior, o emprego de tortura, viola, a um só tempo, o direito individual do preso e o direito difuso de toda a sociedade de ver a atividade estatal empregada em algo que contribua para o bem comum”.

79

Essa questão de manter um indivíduo em uma situação de completo

isolamento necessita de profunda reflexão. É fato inquestionável que o sistema

penitenciário brasileiro é extremamente degradante. Na realidade, esse sistema

fracassado é uma escola que forma pessoas desenganadas, desanimadas,

rebeldes, enfim, criminosos ainda piores. E assim, submeter alguém ao RDD por

períodos longos, dificulta ainda mais uma possível ressocialização. Algo que já é

improvável no regime prisional comum. Além do mais, o modelo de aplicação de

penas cruéis e demoradas está ultrapassado. Já se constatou que esse modelo não

atingia o fim almejado, e hoje o que vem sendo proposto é o modelo despenalizador,

em que a privação de liberdade é o último instrumento a ser utilizado. O remédio

78

DELMANTO, Roberto. Regime Disciplinar Diferenciado ou Pena Cruel? Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. Boletim IBCCRIM. Ano 11, n

o 134, p.5. “Manter alguém em

solitária por 360 ou 720 dias, ou por até um sexto da pena – o que, na hipótese de um homicídio qualificado apenado com pena mínima, poderia chegar a quatro anos – será, certamente, transformá-lo em um verdadeiro animal, um doente mental ou alguém muito pior do que já era. Estudos mostram que, isolado por mais de um ano o preso sofrerá problemas psicológicos e psiquiátricos”.

79 AGOSTINO, Rosanne D’. Constitucionalidade do RDD deve ser definida pelos

tribunais superiores. Disponível em: <http://ultimainstancia.uol.com.br/noticia/31018.shtml> Acesso em: 02 mar. 2009.

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para o direito penal é aplicar, cada vez mais, penas alternativas que são uma forma

de punição e simultaneamente uma forma de ressocialização.

Olvidou-se novamente que o modelo clássico de Justiça Penal, fundado na crença de que a pena privativa de liberdade seria suficiente para, por si só, resolver a questão da violência, vem cedendo espaço para um novo modelo penal, baseado na idéia da prisão como extrema ratio e que só se justificaria para casos de efetiva gravidade. Em todo o mundo, passa-se gradativamente de uma política paleorrepressiva ou de hard control, de cunho eminentemente simbólico (consubstanciada em uma série de leis incriminadoras, muitas das quais eivadas com vícios de inconstitucionalidade, aumentando desmesurada e desproporcionalmente a duração das penas, inviabilizando direitos e garantias fundamentais do homem, tipificando desnecessariamente novas condutas etc.) para uma tendência despenalizadora

80

O regime disciplinar diferenciado é uma forma de esconder a falência do

sistema prisional brasileiro. Esse regime maquia a sua verdadeira natureza que é de

pena cruel, semelhante aos tempos medievais. Buscando justificação na

necessidade de manter a segurança e a disciplina, se permite a segregação

completa de um ser humano, como já mencionado, pelo período de 360 dias,

passível de prorrogação, podendo perdurar até o máximo de um sexto da pena

aplicada. Enfim, uma quantidade de sofrimento imensurável ao indivíduo. O

desgaste corpóreo e mental é almejado pelo sistema como forma de controlar a

massa carcerária.

“A aposta na desestruturação física e psíquica é o ingrediente essencial desta nova forma de gestão, que visa a compensar a incapacidade de controle, por meio da maximização da vulnerabilidade dos sujeitos encarcerados diante de um poder que se agiganta. O isolamento celular prolongado, com os efeitos destrutivos sobre a saúde física e mental dos sujeitos, adquire feição de castigo, reeditando a velha noção de pena como puro e simples exercício de vingança social. Assim, não parece precipitado afirmar que a legalização e a legitimação do regime disciplinar diferenciado nas prisões brasileiras como aposta na aniquilação dos sujeitos como seres humanos equivalem à edição da pena de morte social. Em suma, depara-se tragicamente com a nítida opção política pela eliminação, que de forma deliberada investe na produção de alienados mentais”.

81

Um enorme vício, corriqueiro no Brasil, é interpretar a CF à margem da

legislação ordinária. E esse erro está acontecendo com o regime disciplinar

diferenciado. Sendo que exatamente o contrário deveria ser exercido, ou seja,

80

MOREIRA, Rômulo de Andrade. Op. cit., p. 39. 81

FREIRE, Christiane Russomano. Op. cit., p. 155-156.

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interpretar as leis infraconstitucionais (onde está disciplinado o RDD) com base na

Carta Magna. Essa mudança deveria ser implantada para não causar danos ao

cidadão, e assim não ocorrer prejuízos que, muitas vezes, são irremediáveis.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesta monografia foi constatado, inicialmente, que o crime de quadrilha ou

bando permanece em vigor, sendo aplicado para associações criminosas com

menor estruturação interna e poder. Esse crime possui algumas características

similares a uma organização criminosa. Porém essa última é muito mais complexa e

desenvolvida. Concluindo-se assim, que são modalidades delitivas diferentes, e que

é um enorme erro tratarem as mesmas como sinônimos.

A lei 9.034/95, ao ser criada com o intuito de disciplinar a matéria de crime

organizado e o diferenciar do crime de quadrilha ou bando, teve seu ponto positivo

no quesito de mencionar esse novo instituto, que deveria ser uma nova modalidade

delitiva. Entretanto, o legislador não buscou o aprofundamento na matéria, nem

procurou o auxílio dos estudiosos do assunto, o que acarretou a edição de uma lei

confusa e lacunosa, tornando a mesma ineficaz. Sem dúvida alguma, o maior

problema dessa legislação foi não conceituar organização criminosa, que é o ponto

de partida para compreender tal modalidade delitiva, e assim, desenvolver

mecanismos hábeis de controle criminal.

Além disso, conclui-se que organização criminosa, descrita na lei 9.034/95,

por falta de uma conceituação do instituto não pode ser considerado um crime

específico. E assim, em razão dessa inexistência de definição normativa, toda a lei

9.034/95 não tem nenhuma aplicabilidade jurídica na resolução de casos cotidianos.

O projeto de lei 150/2006, em trâmite no Congresso Nacional, que traz o

conceito de crime organizado, deixa muito transparente as diferenças dessa

modalidade delitiva em relação àquela já existente no artigo 288 do Código Penal.

Uma organização criminosa possui um poder e uma estruturação interna muito

superior ao crime de quadrilha ou bando. É de suma importância a aprovação desse

projeto de lei, já que tal forma criminosa está em franca expansão em todo o

planeta, e no Brasil pouco está sendo feito. E um dos motivos dessa inércia na

repressão é a falta de um diploma legal efetivo e bem estruturado. Caso esse projeto

de lei seja aprovado, o Brasil, verdadeiramente, terá uma legislação específica sobre

a criminalidade organizada, com uma definição completa dessa figura delitiva e a

respectiva sanção.

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O enfoque do PCC foi necessário para materializar em todos

elementos possíveis, o que é verdadeiramente uma organização criminosa. Esse

grupo possui perfeita divisão hierárquica e funcional, buscando infinitas formas de

lucrar e se beneficiar, praticando ilicitudes. Além disso, possui ligação com membros

do poder público, e muitas vezes atua como se fosse o próprio Estado praticando

assistencialismo à população. Não obstante, possui uma rede de filiados espalhados

pelo Brasil, existindo conexão com outras facções nacionais e estrangeiras (como do

Paraguai, da Bolívia e Colômbia). Enfim, o PCC é a mais perfeita fonte de estudo do

crime organizado, existente em nosso país.

Foi constatado também através desse trabalho, que o regime disciplinar

diferenciado é uma forma de enrijecimento penal que agride a dignidade humana. É

a materialização da teoria do direito penal do inimigo, cujo nascimento se deu na

Itália, na década de 80, com o objetivo de aniquilar os movimentos mafiosos. Mas

esse modelo criminal apenas almeja a repressão dos efeitos da criminalidade, é

somente um instrumento simbólico e de índole emergencial. Não se deve encontrar

a solução para os males do sistema carcerário no isolamento completo de um ser

humano estigmatizado O verdadeiro antídoto para o fim da delinqüência é eliminar

todos os males sociais causadores do desvio de conduta do ser humano. Enfim,

atingir a gênese do problema e não apenas os seus sintomas.

É nítido também que o nosso sistema carcerário está falido. Ele não

consegue recuperar nenhum recluso, e em regra, transforma o ser humano em

alguém pior que quando entrou no sistema. O próprio PCC, em suas ações de

rebeldia e violência, demonstra tais circunstâncias. O preso, habitualmente, no

cárcere se filia a facções e recebe treinamento de novas técnicas delituosas. O que

se deve fazer é mudar toda a estrutura prisional, dando condições ao preso de

dignidade e de possibilidade de mudança. E não prejudicar ainda mais o sistema,

com novos instrumentos extremamente rígidos, cruéis e desumanos, que com

certeza gerarão uma catástrofe ainda maior na sociedade, mais difíceis de serem

reparadas. A própria Lei de Execução Penal no seu artigo primeiro projeta que a

finalidade do cumprimento de pena é a reintegração social do recluso somada com o

caráter sancionatório. Supondo que se realize apenas a segunda finalidade, ficará

evidente a ilegalidade e, por conseguinte, a violação da Constituição Federal.

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O verdadeiro Estado Democrático é aquele que consegue aglutinar a

segurança pública sem atingir profundamente as liberdades individuais. Essas

garantias constitucionais devem ser priorizadas frente à segurança coletiva. Caso

não se respeite esse ideal, ou seja, exacerbada segurança e irrisória liberdade, por

conseqüência se estará agredindo o modelo democrático citado.

Dessa forma, para enfraquecer o poder e a estrutura do Primeiro Comando da

Capital deverá atingir a sua fonte de sustento, que é a geração de lucro. Caso essa

facção não tenha dinheiro para expandir seus negócios ilícitos, paulatinamente

perderá seus filiados, não conseguirá recrutar novos membros, acarretando a

completa desestruturação. O uso do regime disciplinar diferenciado demonstra

falsamente um enfraquecimento da organização criminosa. Enquanto os renomados

chefes da facção estão no isolamento celular, novos dirigentes e recrutas estão

sendo formados para trabalhar em prol do crime, e manter a potência econômica e

bélica do grupo.

Com este trabalho fica evidenciado que o Ministério Público junto com o

Poder Judiciário necessitam de instrumentos mais hábeis para controlar o crime

organizado, e o seu poder incalculável. E se conclui que o RDD além de ser

inconstitucional é também um instrumento que só trata momentaneamente a

criminalidade, mas não resolve o problema em sua completude.

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