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O CURRÍCULO, A CULTURA E A ESCOLA: REFLEXÕES PARA UMA PROPOSTA DE ENSINO DE CIÊNCIAS COM ENXERTOS CTS Daniele da Silva Maia Gouveia (Docente da Secretaria Municipal de Educação da cidade do Rio de Janeiro,Bolsista do projeto do Observatório de Educação - OBEDUC 2012) Luciana Maria de Jesus Baptista Gomes (Docente da Secretaria Municipal de Educação da cidade do Rio de Janeiro) Alcina Maria Testa Braz da Silva (IFRJ, Docente e pesquisadora do Programa de Pós Graduação em Ensino de Ciências, Coordenadora do Núcleo RJ do projeto do Observatório de Educação - OBEDUC 2012) RESUMO O processo educacional baseado nas orientações curriculares tem sido realizado de maneira fragmentada e monocultural, reconhecendo o conhecimento como simples fonte de benefícios econômicos e legitimando a estrutura social vigente, gerando tensões dentro e fora do ambiente escolar. O objetivo deste artigo é discutir as questões inerentes ao currículo e apresentar os resultados de uma aula com uso de enxertos CTS sobre fontes de energia realizada com alunos do 9º ano do ensino fundamental. Esta aula teve como diferencial a abordagem do conteúdo fazendo uma interface com as questões culturais, sociais e ambientais que estão relacionadas com o uso de determinadas fontes de energia. Para realizar tal estudo contamos com a aplicação de dois questionários para coleta de dados e da análise categorial temática de conteúdo como instrumental analítico. Palavras-chave: cidadania, cultura, currículo, fontes de energia. INTRODUÇÃO O professor, no exercício da sua profissão, é regido por uma infinidade de documentos oficiais que expõem propostas de aula, projetos e lhes direcionam caminhos a serem seguidos. Ao mesmo tempo, sendo o currículo escolar um reflexo da historicidade do seu tempo e sendo impossível pensar em neutralidade e imparcialidade nas construções humanas, podemos concluir que existem interesses por detrás das leis impostas e das outras formas de se conduzir a escola. A base para a construção do currículo bem como de toda a educação é a cultura. A cultura, muitas vezes percebida como um agente externo a educação, uma variável sem grau de importância, na verdade deve ser vista “como algo fundamental, constitutivo, que determina a forma, o caráter e a vida no interior desse movimento” (MOREIRA e CANDAU, 2003, p.159). Ainda assim não se pode ignorar a influência de outras “forças” como capitalismo, classes dominantes, relações de produção, entre outros. A questão é quais suportes a escola pode fornecer ao aluno já que “diariamente grande quantidade de informações veiculadas pelos meios de comunicação se refere a fatos cujo completo entendimento depende do domínio de conhecimentos científicos” (BRASIL, 1529

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O CURRÍCULO, A CULTURA E A ESCOLA: REFLEXÕES PARA UMA PROPOSTA DE ENSINO DE CIÊNCIAS COM ENXERTOS CTS

Daniele da Silva Maia Gouveia (Docente da Secretaria Municipal de Educação da cidade do Rio de Janeiro,Bolsista do projeto do Observatório de Educação - OBEDUC 2012)

Luciana Maria de Jesus Baptista Gomes (Docente da Secretaria Municipal de Educação da cidade do Rio de Janeiro)

Alcina Maria Testa Braz da Silva (IFRJ, Docente e pesquisadora do Programa de Pós Graduação em Ensino de Ciências, Coordenadora do Núcleo RJ do projeto do Observatório

de Educação - OBEDUC 2012)

RESUMO

O processo educacional baseado nas orientações curriculares tem sido realizado de maneira fragmentada e monocultural, reconhecendo o conhecimento como simples fonte de benefícios econômicos e legitimando a estrutura social vigente, gerando tensões dentro e fora do ambiente escolar. O objetivo deste artigo é discutir as questões inerentes ao currículo e apresentar os resultados de uma aula com uso de enxertos CTS sobre fontes de energia realizada com alunos do 9º ano do ensino fundamental. Esta aula teve como diferencial a abordagem do conteúdo fazendo uma interface com as questões culturais, sociais e ambientais que estão relacionadas com o uso de determinadas fontes de energia. Para realizar tal estudo contamos com a aplicação de dois questionários para coleta de dados e da análise categorial temática de conteúdo como instrumental analítico.

Palavras-chave: cidadania, cultura, currículo, fontes de energia.

INTRODUÇÃO

O professor, no exercício da sua profissão, é regido por uma infinidade de

documentos oficiais que expõem propostas de aula, projetos e lhes direcionam caminhos a

serem seguidos. Ao mesmo tempo, sendo o currículo escolar um reflexo da historicidade do

seu tempo e sendo impossível pensar em neutralidade e imparcialidade nas construções

humanas, podemos concluir que existem interesses por detrás das leis impostas e das outras

formas de se conduzir a escola.

A base para a construção do currículo bem como de toda a educação é a cultura. A

cultura, muitas vezes percebida como um agente externo a educação, uma variável sem grau

de importância, na verdade deve ser vista “como algo fundamental, constitutivo, que

determina a forma, o caráter e a vida no interior desse movimento” (MOREIRA e CANDAU,

2003, p.159). Ainda assim não se pode ignorar a influência de outras “forças” como

capitalismo, classes dominantes, relações de produção, entre outros.

A questão é quais suportes a escola pode fornecer ao aluno já que “diariamente

grande quantidade de informações veiculadas pelos meios de comunicação se refere a fatos

cujo completo entendimento depende do domínio de conhecimentos científicos” (BRASIL,

1529

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2008, p.33), sendo então necessário dominar o conhecimento para compreender os debates

contemporâneos e, mais do que conhecer, deles participar.

Sem o conhecimento não há como o aluno desenvolver a criticidade, porque este fica

sem argumento e sem capacidade de criar juízo quando necessário e até mesmo exigida a

tomada de atitude. O conhecimento é libertário e a escola, que é responsável pela educação,

como apregoada no 1º parágrafo do artigo 1º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional, a LDB (BRASIL, 1996) não pode se omitir, pois é um lócus privilegiado para

“instrumentalizar os indivíduos sobre os conhecimentos científicos básicos” (KRASILCHIK

E MARANDINO, 2007, p.31).

E, o que o currículo, sob a égide dos parâmetros oficiais, recomenda atualmente?

Paulatinamente, no pensar pedagógico, a cidadania se transformou em um tema a se trazer

para dentro da escola de forma mais incisiva, como um eixo educativo. Reportando-se a

Macedo (2008), os documentos “foram criando cadeias de equivalência que preencheram o

significante “cidadania” com fragmentos ligados à Nação, ao conhecimento socialmente

elaborado e ao mercado” (p.111).

A formação do cidadão que possa lidar e opinar com os avanços científicos e

tecnológicos teve um impacto direto no currículo do ensino de Ciências que passou a dar

ênfase às questões sociais e ambientais já que “os alunos não serão adequadamente formados

se não correlacionarem as disciplinas escolares com a atividade científica e tecnológica e os

problemas sociais contemporâneos” (KRASILCHIK, 2000, p.90).

Currículos e diretrizes de um lado e a ação docente do outro, o objetivo é confluir as

propostas dos documentos norteadores oficiais e a atitude do professor em sala de aula,

através da discussão sobre que tipo de formação que se pretende promover e quais são os

interesses por trás do processo educacional estipulado.

O objetivo deste estudo é apresentar os resultados de um estudo realizado com

alunos do 9º anos do Ensino Fundamental onde o foco foi gerar conhecimentos que

contribuam para a formação dosalunos por meio de enxertos CTS. O tema escolhido foi

fontes de energia por ser um tema muito atual e muitas vezes reforçar a ideia de que as fontes

renováveis de energia não apresentam nenhum prejuízo ambiental, sem que se discutam as

implicações sociaise culturais. É importante que os alunos conheçam os pontos negativos da

adoção de determinadas fontes e também que interesses existem por trás do incentivo a

implantação destas.

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QUADRO TEÓRICO

Atualmente, numa análise primeira dos PCN’s, percebe-se que a tarefa principal da

educação é capacitar o aluno-cidadão (BRASIL, 1996), corroborando para o desenvolvimento

do seu pensamento complexo e sistêmico, que o leve a pensar e agir criticamente nas

situações do seu cotidiano. Para que esta formação aconteça faz-se necessário que o indivíduo

tenha acesso a uma ampla gama de conhecimentos dentre eles os científicos sem descartar as

implicações sociais e ambientais que todo o desenvolvimento científico e tecnológico tem

gerado.

Na intenção de atingir esta finalidade temos a figura do professor que, frente às

transformações do mundo e a necessidade de entendê-lo e de intervir de maneira a contribuir

para a formação intelectual de seus alunos, precisa repensar de maneira crítica sua prática

profissional. Na concepção de Contreras (2002), a profissionalidade docente significa “não só

descrever o desempenho do trabalho de ensinar, mas também expressar valores e pretensões

que se deseja alcançar e desenvolver nessa profissão” (p. 74).

De acordo com Nascimento, Fernandes e Mendonça (2010) para que haja o

desenvolvimento de valores pessoais, éticos, sociais e profissionais que façam a diferença na

formação de seus alunos “o professor de ciências deveria submergir-se em um processo

constante de aprendizagem; apropriar-se de conhecimentos relevantes científicos, cultural e

socialmente e posicionar-se criticamente para poder responder efetivamente às demandas do

contexto de atuação” (p.15).

Consequentemente o professor deve buscar capacitações, entendimentos, novas

estratégias de ações pedagógicas e de avaliações para auxiliar e mediar a apreensão dos

conceitos pelos alunos, tornando-se um mediador no processo de ensino-aprendizagem.

Abandonando assim a cômoda imagem de detentor do conhecimento ou de “autoridade que

não corre o risco de ser questionado ou que se permita ouvir diferentes opiniões”

(KRASILCHIK, 2000, p.88), e passando a adotar ele mesmo um viés mais cidadão,

interferindo com a intencionalidade de que o aluno reflita mais sobre a realidade que o cerca.

No entanto o simples reconhecimento dessas questões não é suficiente. Além de sua

capacitação profissional, o professor na sua prática deve realizar atividades que abordem

assuntos de cunho científico não deixando de contemplar os aspectos históricos, sociais,

políticos e culturais pertinentes. Dessa forma ele tem que modificar a sua prática em sala de

aula.

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A “obrigação” de formar o aluno-cidadão não deve estar pautada exclusivamente no

ofício do professor, existe uma documentação oficial que legitima sua atuação. Mas, como

LOPES (2002) afirma, há uma finalidade que perpassa os PCN e que se camufla com outras

finalidades mais nítidas de percepção – o atrelamento da educação escolar com o mundo

produtivo, permanecendo a ideia de que a “educação deve se vincular ao mundo produtivo e

formar para a inserção social eficiente nesse mundo, sem questionamento do projeto de

construção desse mesmo mundo” (p.394).

Ao assumir a responsabilidade de preparar o indivíduo para a vida e qualificar para

cidadania os Parâmetros Curriculares Nacionais incluem assuntos de ordem social, política e

econômica. Essa iniciativa tem o objetivo de atender a demanda gerada pelo processo de

globalização que exclui do mercado de trabalho os jovens sem o devido acesso a informação.

Segundo Lopes (2004, p.115) existe uma “tendência de tratar a educação não como

formação cultural, mas como atividade econômica a ser submetida aos interesses de

mercado”; desta maneira o conhecimento só importa quando gera vantagens e benefícios

econômicos desprezando-se solenemente os saberes ligados às culturas e crenças populares.

Segundo Jenny Ozga (2000), existe uma tendência mundial de formulação de leis de políticas

públicas, incluindo as políticas educacionais, atendendo aos novos interesses coorporativos o

que a autora chama de “economização da educação” (p. 111).

A escola deve criar oportunidades de envolver professor e alunos na construção

conjunta do conhecimento, pois a apropriação do conhecimento científico auxilia o aluno a

tornar-se uma pessoa que exercite plenamente sua cidadania (SANTOS, 2005, p.143). Este

conhecimento deve ser ainda contextualizado, tendo ligação forte com o seu dia-a-dia de

modo a tirar o aluno da situação de espectador passivo.

Esta contextualização é muito incentivada pelos PCN’s, levando em consideração

que os alunos devem ser preparados para vida. No entanto para Lopes (2002), apesar de os

PCN’s serem divulgados como uma proposta inovadora na educação ainda os “falta um

sentido mais político ao conceito de cotidiano”. Da maneira como os PCN’s se apresentam,

incentivando o desenvolvimento de competências que atendam as demandas do mercado de

trabalho, o que se percebe são hibridações de um discurso há anos legitimado e que mantêm

os interesses das minorias privilegiadas, sem que a população se dê conta.

Outra questão que deve ser respeitada é a diversidade cultural e como os avanços da

ciência e tecnologia se refletem de modos diversosnas diferentes culturas. Da maneira

monocultural como os conhecimentos vêm sendo disseminados baseados nos parâmetros

curriculares, que apresentam uma visão a partir das classes mais favorecidas, é negada

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aexpressão da diversidade de culturas e o direito de se desenvolver uma visão crítica a partir

de todos os aspectos socioculturais relativos aos assuntos tratados. Com isso apesar do

belíssimo discurso apresentado, os PCN’s ainda estão longe de formar para a cidadania.

De acordo com Moreira e Candau (2003) a educação escolar

Seleciona saberes, valores, práticas e outros referentes que considera adequado ao seu desenvolvimento (...) termina por veicular uma visão homogênea e padronizada dos conteúdos e dos sujeitos presentes no processo educacional (p. 23).

Ao selecionar conteúdos e assumir opiniões de acordo com interesse das classes

privilegiadas se legitima o discurso oficial onde se criam novos sentidos para velhos conceitos

(LOPES, 2004). Muitos alunos, principalmente os das grandes cidades, incorporam esses

discursos não levando em consideração os outros aspectos, principalmente os culturais que

não são levados em conta nas tomadas de decisão.

Ao se sobrepor determinadas culturas e classes sobre outras se silencia as menos

favorecidas, essa prática tem gerado diversas tensões dentro e fora do ambiente escolar. Esta

exclusão se torna evidente no indivíduo quando este atua na sociedade, por meio da alienação

ou de uma rejeição natural ao sistema.

O paradoxo se instaura: como desenvolver uma pessoa crítica se ela está nos moldes

de uma educação submetida ao mundo produtivo? A proposta curricular oficial visa,

consequentemente, a uma homogeneização, desconsiderando a diversidade cultural dos

alunos. Para Moreira e Candau (2003)

A escola sempre teve dificuldade em lidar com a pluralidade e a diferença. Tende a silenciá-las e neutralizá-las. Sente-se mais confortável com a homogeneização e a padronização. No entanto, abrir espaços para a diversidade, a diferença e para o cruzamento de culturas constitui o grande desafio que está chamada a enfrentar. (p.161)

As diferentes culturas estão diretamente relacionadas aos diferentes pontos de vista

em relação a determinado assunto. A escola é uma instituição que possui como uma das

finalidades “transmitir cultura, oferecer às novas gerações o que de mais significativo

culturalmente produziu a humanidade” (MOREIRA e CANDAU, 2003, p.23). Sendo assim é

necessário que além de apresentar as diferentes construções humanas abra-se um espaço para

que se discuta, por exemplo, como as fontes de energia adotadas por determinados países está

relacionada não só com as características e condições locais, mas também com a cultura de

seu povo.

Com o currículo de Ciências voltado para a formação do cidadão ciente dos impactos

da ciência e tecnologia na sociedade existe também a preocupação “de que se percam de vista

os objetivos maiores do ensino de Ciências, que deve incluir a aquisição do conhecimento

científico por uma população que compreenda e valorize a Ciência como empreendimento

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social” (KRASILCHIK, 2000, p.90). Faz-se necessário então que o professor desperte em

seus alunos o interesse pelos processos e fundamentos científicos-tecnológicos, não só pelos

impactos sociais e ambientais destes.

Para aliar a formação científico-tecnológica do aluno a sua formação cidadã pode-se

utilizar os enxertos CTS. Pinheiro define enxertos CTS como a “introdução de temas CTS nas

disciplinas de ciências, abrindo discussões e questionamentos do que seja ciência e

tecnologia” (PINHEIRO, SILVEIRA e BAZZO, 2007, p. 76).

Um dos benefícios do uso dos enxertos CTS é a desmitificação de uma imagem que

há muito tempo tentou-se implantar quanto à neutralidade da Ciência. Para Santos (2007, p.

478) “pela natureza do conhecimento científico, não se pode pensar no ensino de seus

conteúdos de forma neutra, sem que se contextualize o seu caráter social, nem há como

discutir a função social do conhecimento científico sem uma compreensão do seu conteúdo”.

Ao contemplar os aspectos sociais, políticos e culturais relacionados à Ciência e

Tecnologia o conteúdo escolar ganha significado na vida do aluno, fazendo com ele participe,

troque idéias e ressignifique os seus conceitos, deixando de ser um mero receptor e

acumulador de conceitos fragmentados.

Ainda que a aula proposta pelo professor mostre versatilidade e flexibilidade para

usar recursos educativos diferenciados – apresentações em PowerPoint, debates, análise de

mapa e de pesquisa – que são formas diferentes de tratar o assunto Energia, a postura do

professor deve extrapolar e remar na contramão, deixando de ser um executor de tarefas

pedagógicas, tornando-o mais interessante e possibilitando a troca de conhecimento em sala

de aula.

De posse de um novo olhar para o currículo e para os PCN’s cabe então ao professor

decidir que tipo de educação escolar deve propiciar ao seu aluno, já que o currículo, tão

estruturado nas leis e diretrizes, reconhecidamente não tem conseguido atingir seus próprios

objetivos. Decidir entre formar um sujeito autônomo, crítico e criativo para que possa tomar

suas decisões e perceber os jogos de interesses que atuam na sociedade ou somente para

submetê-lo ao mundo produtivo (LOPES, 2004).

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

A pesquisa se deu por meio de uma abordagem qualitativa de natureza interpretativa

com observação participante. Foi realizada por uma das professoras/pesquisadoras em sala de

aula com 32 alunos do 9º ano do Ensino fundamental de uma escola estadual do Rio de

Janeiro.

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Foram realizadas atividades que despertaram o interesse dos alunos para o tema

fontes de energia, os conceitos que envolvem o tema, bem como apresentada a matriz

energética brasileira.Dessa maneira além de adquirir conhecimento sobre o assunto os alunos

puderam desenvolver uma discussão crítica em sala de aula, expondo suas opiniões sobre o

tema.

Os dados para análise foram coletados através de questionários e atividades

realizadas pelos alunos, além de seus posicionamentos nas discussões em sala de aula (plano

de aula fig. 1).Como instrumento de análise dos dados obtidos foi escolhida a análise

categorial temática, uma das técnicas de análise de conteúdo propostas por BARDIN (2002).

A escolha se fundamenta na intenção de se perceber o conteúdo que são manifestos pelos

pesquisados através de suas respostas.

O estudo foi dividido em de pré-diagnóstico, desenvolvimento de atividades e

diagnóstico.

Fig. 1 – Plano de aula

PLANO DE AULA

Tempo estimado: três tempos de cinquenta minutos Disciplina e turma: Ciências do 9º ano do Ensino Fundamental Tema da aula: Fontes de energia Objetivos de aprendizagem do aluno - Identificar as fontes de energia não-renováveis e as renováveis; - Analisar os conceitos científicos presentes em cada fonte de energia e seus impactos no ambiente; - Discutir a distribuição dessas fontes no Brasil; - Debater o papel social e ético de cada uma das fontes de energia no contexto político e econômico contemporâneo. Objetivos de aprendizagem profissional: - Identificar as concepções prévias dos alunos sobre as fontes de energia; - Adequar a linguagem específica à faixa etária dos alunos; - Construir uma relação dialógica para a apropriação do tema. Recursos didáticos: - Computador e projetor de imagens (Data Show) - Folhas de atividades. Processo de aprendizagem (duração): 1- Antes de iniciar o assunto será realizada uma pré-análise através de um questionário para coletar as opiniões iniciais dos alunos sobre o tema da aula (15 minutos); 2- Apresentação do tema abordado e dos objetivos da aula aos alunos (10 minutos) por meio de explanação oral e PowerPoint, usando os slides 1 a 5; 3- Explanação sobre o tema com uso da apresentação em PowerPoint – slides 6 ao 17 e por meio do Data Show (35 minutos); 4- Os alunos construirão um acróstico com a palavra energia (10 minutos); 5- Os alunos realizarão uma atividade oral para discutir a matriz energética brasileira com a visualização do slide 18. (10 minutos); 6- Apresentação dos impactos causados pelas hidrelétricas, por meio dos slides 19 e 20 (15 minutos); 7- Revisão de alguns conceitos de energia com a explanação e exibição do slide 21 (10 minutos); 8- Espaço aberto para manifestação da postura do aluno quanto ao tema e esclarecimento de possíveis dúvidas (10 minutos). 9- Os alunos responderão a um questionário diagnóstico onde se levará em conta a construção das respostas e o conhecimento exposto, com a intenção de perceber o progresso do aluno (20 minutos). 1535

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ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

1- Pré-diagnóstico:

Um questionário contendo três questões semi-estruturadas (fig. 2) foi aplicado aos

alunos com o objetivo de verificar quais são os conhecimentos prévios dos alunos sobre

fontes de energia, em especial sobre as três fontes mais utilizadas no Brasil: hidrelétrica,

biomassa e petróleo.

Fig. 2- Questionário pré-diagnóstico

São informações importantes, pois o conhecimento prévio do aluno é um

conhecimento adquirido durante sua experiência de vida e que deve ser valorizado e

compartilhado em práticas de diálogo em sala-de-aula. O uso de enxertos CTS são um

incentivo a esta prática por despertarem o interesse e a participação dos alunos.

A partir das respostas dadas pôde-se observar que os alunos possuíam muita

dificuldade em expressar sua opinião sobre fontes de energia, tendo pouco conhecimento

sobre o assunto.Os alunos foram denominados nesta pesquisa pela letra P, da palavra

participante, seguida por um número arábico. O aluno, denominado P2, colocou que fontes de

energia “são algumas coisas para criar energia” e o outro, P5, respondeu que “são coisas

que fornecem energia para si e para outros seres”.

Ao opinarem sobre as três fontes mais utilizadas apenas dois alunosapontaram

prejuízos ocasionados pelas hidrelétricas: um deles foi o aluno P8 que respondeu “é

prejudicial porque deixa de existir coisas e árvores para fazer essa fonte”. No entanto a

maioria só destaca os pontos positivos tendo inclusive o aluno P11 respondido “acho uma das

melhores idéias de energia, pois usam uma coisa natural para gerar eletricidade”.

Quantoàs fontes petróleo e biomassa os alunos demonstraram opiniões diversas. Na

verdade, poucos sabiam o que era biomassa, muitos não opinaram e outros colocaram

respostas que não tinha nenhuma coerência com essa fonte de energia.

Em relação aos impactos causados pelas três fontes, a maioria dos alunos opinou que

a fonte que causa maior impacto é o petróleo e a que causa menor impacto é a de biomassa.

As respostas que chamaram mais atenção foram a do aluno P18 que respondeu “a biomassa

causa mais impacto e o petróleo na minha opinião é de menor impacto” o que evidencia

1- Em sua opinião, o que são fontes de energia? 2- As fontes de energia mais utilizadas no Brasil são hidrelétricas, biomassa e petróleo. Qual a sua

opinião sobre cada uma delas. a) Hidrelétricas: b) Petróleo: c) Biomassa:

3- Em sua opinião, qual causa maior impacto no meio ambiente? Qual causa menor?

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pouco conhecimento no assunto. Já o aluno P8, o mesmo que destacou os prejuízos das

hidrelétricas, respondeu que a hidrelétrica causa maior impacto e a de biomassa causa menor.

2- Desenvolvimento de atividades

Nessa fase os alunos realizaram atividades diferenciadas efetivando o processo de

assimilação do assunto. A atividade consistiu na construção de acrósticos com a palavra

ENERGIA (fig. 3). Dessa maneira os alunos puderam refletir sobre o tema e expor quais

expressões e conceitos que estão relacionados com ele. O objetivo foi perceber quais eram as

expressões que os alunos mais relacionavam ao tema energia.

Fig. 3–Alguns acrósticos feitos pelos alunos

Nos acrósticos produzidos as palavras que mais apareceram além das próprias fontes

foram:“renovável”, “natureza”, “natural”, “ecologia”, “alternativa” e “escassez”. A partir

destas palavras pôde-se perceber que os alunos ainda relacionam as fontes de energia somente

com a questão ambiental e, majoritariamente, com uma visão positiva das fontes.

3- Diagnóstico

A fim de verificar se houve um avanço quanto ao conhecimento e opiniões relativas

ao tema fontes de energia foi aplicado um segundo questionário (Fig. 4).

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Fig. 4 - Questionário diagnóstico

Ao analisar as respostas pôde-se perceber que os alunos demonstraram terem

adquirido uma postura mais crítica e consciente sobre o tema. Ao serem questionados sobre

qual o critério que tem sido levado em consideração na implantação de uma fonte de energia a

maioria dos alunos responderam que são o econômico e a disponibilidade de uso.Já quando

perguntados se fossem eles governantes qual seria o critério que eles utilizariam, a maioria

respondeu que seriam o cultural, o social e o ambiental.

Ao serem perguntados em relação aos critérios que estão sendo levados em conta na

implementação das hidrelétricas, a maioria respondeu que são o econômico e a

disponibilidade de recurso, e os que estão sendo desprezados são o social e o cultural.

É preciso que os alunos percebam que cada decisão que eles tomam em suas vidas

possuem um impacto na coletividade, pois “solidariedade, compromisso social e respeito

mútuo são alguns valores que devem ser cultivados e estar acima dos valores econômicos tão

prestigiados em uma sociedade capitalista” (SANTOS e MORTIMER, 2002, p.5). O respeito

às crenças e culturas são valores que devem ser incentivados e discutidos em sala-de aula.

Quando perguntados quanto à constatação que fizeram todos os alunos foram contra

os critérios dos governantes, pois acreditam que os aspectos sociais e culturais também não

podem ser desprezados, tendo grande peso na hora das decisões:

A vida das pessoas do local, trabalho de alguns vem da li, a pesca... eu não

concordo.(Aluno P7)

Acho que deveriam se preocupar mais com as pessoas e suas culturas. (Aluno P16)

Eu não concordo, acho que deveriam pensar na sociedade e no que eles

pensam(Aluno P21).

1-Na hora de decidir sobre a implantação de determinada fonte de energia qual você acha que é o critério utilizado pelos governantes? ( ) econômico ( ) cultural ( ) social ( ) ambiental ( ) disponibilidade do recurso 2-E se você fosse um governante qual seria o seu critério na hora de de decidir sobre a implantação de determinada fonte de energia? ( ) econômico ( ) cultural ( ) social ( ) ambiental ( ) disponibilidade do recurso 3-Na implementação de hidrelétricas quais critérios estão sendo levados em conta e quais estão sendo desprezados? Você concorda com estas decisões?

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A opinião do último aluno vai ao encontro de Pinheiro (2007, p. 73) que afirma que

“para que essas discussões e participações públicas possam se tornar efetivas, é necessário

que os cidadãos exijam seus direitos de vez e voz. Deve haver uma igualdade, permitindo a

participação direta de todos, e não somente de especialistas ou autoridades públicas”.

De acordo com Pinheiro (2007) somos todos atores sociais. Alguns são diretamente

lesados com a implantação de determinadas tecnologias, e nada podem fazer para evitar seu

impacto. Outros são consumidores de tais tecnologias e podem protestar pela sua

regulamentação e seu uso. E há ainda aqueles mais conscientes que avaliam os riscos de tais

tecnologias e consideram seu uso contrário as suas próprias ideologias se engajando em

entidades que lutam contra tais tecnologias. Todos estes são na verdade capazes de analisar e

tomar suas próprias decisões e para isso conhecimento é fundamental, para que possam

observar um mesmo assunto de diferentes ângulos.

A mudança de postura notada nos alunos com a aquisição de novos e fortes

argumentos com relação a implantação das hidrelétricas só pôde ser efetivada à medida que

eles tiveram um conhecimento mais amplosobre o tema. Ao ter acesso aos aspectos

tecnológicos, sociais e ambientais que estão relacionados com o tema fontes de energia o

aluno pôde transcender as visões limitadas que possuíam inicialmente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Parece claro que os conteúdos científico-tecnológicos sendo apresentados de maneira

isolada não contribuem em nada com a formação educacional do indivíduo, seja ele de

qualquer idade. Sendo assim, o professor de Ciências deve realizar sua prática profissional de

modo a abordar assuntos de cunho científico-tecnológicos, sem descartar as implicações

sociais e ambientais que todo o desenvolvimento científico e tecnológico tem gerado. Com

isso faz-se necessário que o professor utilize dos enxertos CTS na sua prática educacional

Ainda assim, somente transmitir o conhecimento científico sem uma perspectiva

crítica de currículo não é o suficiente. É importante se perceber o currículo como política

social (LOPES, 2002) e os discursos embutidos por trás dos parâmetros. Ao realizar a prática

pedagógica sem se dar conta desta realidade o professor acaba por contribuir para a

legitimação das diferenças e perpetuação da estrutura social vigente.

O educador deve ter autonomia para realizar a sua prática, não desprezando os

parâmetros curriculares, mas o encarando de maneira crítica e o concebendo como mais uma

proposta curricular dentre outras que norteiam o cenário educacional. O caminho que precisa

ser trilhado envolve a valorização do currículo como espaço de pluralidades de saberes,

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Page 12: O CURRÍCULO, A CULTURA E A ESCOLA: …€¦ · Para Moreira e Candau (2003) A escola sempre teve dificuldade em lidar com a pluralidade e a diferença. Tende a silenciá-las e neutralizá-las

valores e outras racionalidades, para além da racionalidade técnica (LOPES, 2004), não

esquecendo a importância de se incentivar o respeito as diferenças culturais e sociais dos

indivíduos.

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