4
O Currículo e o Ensino em Escolas Médicas da Europa The Curriculum and the Educational Methodology used by European Medical Schools Ernesto Lima Gonçalves 1 C.E.D.E.M. - F.M.U.S.P. Unitermos: Currículo Médico. Ensino. Escolas Médicas Européias. Keywords: Medical Curriculum. Medical Education. Europeian Medical Schools. 1 - Professor Titular FMUSP Membro do Centro de Desenvolvimento de Educação Médica da FMUSP. RESUMO O autor apresenta informações sobre a estrutura e a metodologia educacional adotadas por 24 escolas médicas européias, em comparação com as escolas brasileiras. Analisa, então, o processo de seleção para o ingresso na escola, a duração dos ciclos básico e clínico, a metodologia e o local de ensino adotado numa e noutra etapa do ensino médico. Introdução Em oportunidade anterior (4) tivemos ocasião de examinar comparativamente os currículos das escolas médicas brasileiras e os de algumas instituições eu- ropéias, da Alemanha, Áustria, Reino Unido e Dina- marca. Agora, a disponibilidade de informações relati- vas a escolas médicas de outros países da Europa - Bélgica, Itália, França e Irlanda - permite-nos voltar ao assunto. Trata-se de 24 instituições das mais renomadas, cu- jas propostas educacionais merecem respeito, ao tem- po em que despertam oportunidades para reflexão, no momento em que tanta coisa se discute no que se re- fere aos ensino médico no Brasil. As informações re- lativas às instituições européias referidas foram pu- blicadas recentemente pela Sociedade Portuguesa de Educação Médica. A intenção aqui não é apenas ampliar a análise dos currículos, além da que foi feita antes (4) , mas também examinar outros elementos condicionantes do ensino médico em qualquer instituição, entre os quais a es- trutura administrativa da Faculdade e a presença de currículos não médicos na instituição. Em relação ao primeiro tópico, 9 das escolas examinadas não in- cluem em sua hierarquia a figura do Diretor, sendo as tarefas respectivas atribuídas a algum tipo de colegia- do, com vantagens e desvantagens fáceis de imaginar. De outra parte, 14 das 24 escolas apresentam currícu- los não médicos em sua estrutura, predominando a Odontologia (presente em 10 escolas), a Enfermagem (em 5 escolas), a Farmácia e cursos paramédicos, co- mo Fisioterapia (em 4 escolas). Em relação ao currículo e a elementos relativos ao processo educacional que se desenvolve nas institui- ções analisadas, vale a pena considerar alguns aspec- tos, entre os quais, o processo de seleção dos alunos para o ingresso, a definição de objetivos educacionais, a organização do currículo, a existência de disciplinas optativas, a estrutura do ensino, incluindo a duração dos ciclos básico e clínico e o local de sua realização, e a metodologia adotada tanto num quanto noutro. Em relação à seleção dos alunos para o ingresso no curso médico, três formas foram identificadas: exa- me de entrada em nível nacional, exame de entrada na própria faculdade, classificação obtida no curso se- cundário. A distribuição das escolas pelas três possi- bilidades referidas foi a seguinte. Exame nacional de ingresso 8 (36%) Exame na própria faculdade 6 (23%) Desempenho no curso secundário : 17 (77%) Observa-se que existem escolas em que mais de um fator é considerado por ocasião do ingresso do aluno; assim, em 8 das 24 escolas são considerados o desempenho no curso secundário e o resultado do exame nacional de seleção e em 4 são levados em conta o exame na própria escola e o desempenho no curso secundário. É fácil verificar a importância atri- buída a este último elemento de avaliação, como já se

O Currículo e o Ensino Em Escolas Médicas Da Europa

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Curriculo e o Ensino em escolas Médicas

Citation preview

  • O Currculo e o Ensino em Escolas Mdicas da EuropaThe Curriculum and the Educational Methodology used by European Medical Schools

    Ernesto Lima Gonalves1

    C.E.D.E.M. - F.M.U.S.P.

    Unitermos: Currculo Mdico. Ensino. Escolas Mdicas Europias.Keywords: Medical Curriculum. Medical Education. Europeian Medical Schools.

    1 - Professor Titular FMUSPMembro do Centro de Desenvolvimento de Educao Mdica da FMUSP.

    RESUMOO autor apresenta informaes sobre a estruturae a metodologia educacional adotadas por 24escolas mdicas europias, em comparao comas escolas brasileiras. Analisa, ento, o processo

    de seleo para o ingresso na escola, a duraodos ciclos bsico e clnico, a metodologia e o localde ensino adotado numa e noutra etapa do ensinomdico.

    Introduo

    Em oportunidade anterior(4) tivemos ocasio deexaminar comparativamente os currculos das escolasmdicas brasileiras e os de algumas instituies eu-ropias, da Alemanha, ustria, Reino Unido e Dina-marca. Agora, a disponibilidade de informaes relati-vas a escolas mdicas de outros pases da Europa -Blgica, Itlia, Frana e Irlanda - permite-nos voltar aoassunto.

    Trata-se de 24 instituies das mais renomadas, cu-jas propostas educacionais merecem respeito, ao tem-po em que despertam oportunidades para reflexo, nomomento em que tanta coisa se discute no que se re-fere aos ensino mdico no Brasil. As informaes re-lativas s instituies europias referidas foram pu-blicadas recentemente pela Sociedade Portuguesa deEducao Mdica.

    A inteno aqui no apenas ampliar a anlise doscurrculos, alm da que foi feita antes(4), mas tambmexaminar outros elementos condicionantes do ensinomdico em qualquer instituio, entre os quais a es-trutura administrativa da Faculdade e a presena decurrculos no mdicos na instituio. Em relao aoprimeiro tpico, 9 das escolas examinadas no in-cluem em sua hierarquia a figura do Diretor, sendo astarefas respectivas atribudas a algum tipo de colegia-do, com vantagens e desvantagens fceis de imaginar.De outra parte, 14 das 24 escolas apresentam currcu-los no mdicos em sua estrutura, predominando a

    Odontologia (presente em 10 escolas), a Enfermagem(em 5 escolas), a Farmcia e cursos paramdicos, co-mo Fisioterapia (em 4 escolas).

    Em relao ao currculo e a elementos relativos aoprocesso educacional que se desenvolve nas institui-es analisadas, vale a pena considerar alguns aspec-tos, entre os quais, o processo de seleo dos alunospara o ingresso, a definio de objetivos educacionais,a organizao do currculo, a existncia de disciplinasoptativas, a estrutura do ensino, incluindo a duraodos ciclos bsico e clnico e o local de sua realizao,e a metodologia adotada tanto num quanto noutro.

    Em relao seleo dos alunos para o ingressono curso mdico, trs formas foram identificadas: exa-me de entrada em nvel nacional, exame de entrada naprpria faculdade, classificao obtida no curso se-cundrio. A distribuio das escolas pelas trs possi-bilidades referidas foi a seguinte.

    Exame nacional de ingresso 8 (36%) Exame na prpria faculdade 6 (23%) Desempenho no curso secundrio : 17 (77%)Observa-se que existem escolas em que mais de

    um fator considerado por ocasio do ingresso doaluno; assim, em 8 das 24 escolas so considerados odesempenho no curso secundrio e o resultado doexame nacional de seleo e em 4 so levados emconta o exame na prpria escola e o desempenho nocurso secundrio. fcil verificar a importncia atri-buda a este ltimo elemento de avaliao, como j se

  • deduzia de sua presena em 77% dos modelos de se-leo para o ingresso nas 24 escolas europias. Trsescolas mdicas (uma da Frana, uma da Inglaterra euma da Itlia) utilizam apenas o exame de seleo rea-lizado na prpria escola. Seis escolas (cinco da Ingla-terra e uma da Blgica) consideram apenas o desem-

    penho no curso secundrio.Em relao definio de objetivos educacionais,

    no quadro l figuram aqueles relativos ao ensino bsi-co, ao clnico e ao ps-graduado. Trata-se de elemen-to de fundamental importncia no processo de ensinomdico em qualquer latitude e qualquer longitude(1).

    Alguns aspectos merecem ser comentados; assim,observa-se que nmero aprecivel de escolas mdicas- entre 30 e 40% - no dispem de objetivos definidospara o ensino'nos diferentes nveis do aprendizado. Aabordagem do doente, ainda no ciclo bsico, ocorreem apenas 37,5% das 24 escolas consideradas. O en-sino ps-graduado, sem identificao precisa, masprovavelmente representado por programas de ps-graduao senso estrito, so pouco utilizados paraatualizao, mas em mais da metade das escolas des-tina-se ao ensino das especialidades.

    Quanto organizao do currculo, os dadosdisponveis permitem distinguir trs modelos, a saber:o ensino vertical, o ensino integrado e o ensino porblocos. As informaes oferecidas pelas prprias insti-tuies caracterizam o modelo vertical em 21 escolas(87% do total), o ensino integrado em 6 e o ensino porblocos em 5 instituies. patente a franca dominan-

    cia do ensino vertical; a esse respeito, vale esclarecerque as trs escolas que no o adotam situam-se no Rei-no Unido. De outro lado, nesse pas situam-se quatrodas cinco escolas que referem a preferncia pelo ensi-no por blocos, sendo a quinta localizada na Irlanda.

    Importa muito tambm considerar a presena dedisciplinas optativas na estrutura curricular oferecidapelas 24 escolas mdicas europias analisadas. Osnmeros indicam a presena de disciplinas optativasno ensino bsico em 8 escolas, enquanto que 11 refe-rem a possibilidade de escolhas opcionais no ensinoclnico; quatro instituies referem liberdade curricularem sua estrutura de ensino.

    Elementos relativos durao dos ciclos bsico eclnico, bem como ao local de seu desenvolvimentofiguram no quadro 2.

    Observa-se de incio uma grande diferena na du-rao dos ciclos bsico e clnico, com repercusso

  • para o conjunto do curso mdico; na Inglaterra, aimensa maioria das escolas tem currculo com 5 anosde durao, enquanto que no continente predominamos currculos com 6 e 7 anos. Quanto ao local de re-alizao dos cursos, de se salientar que a alternativade desenvolvimento dos ciclos bsico e clnico nomesmo local muito pouco freqente, estando pre-

    sente apenas em cerca de 20% das escolas. Mais doque isso, a freqncia com que os ciclos do cursomdico, principalmente o ciclo clnico, so desen-volvidos em locais separados apreciavelmente eleva-da, chegando a quase 2/3 no caso dos hospitais.

    Quanto metodologia de ensino utilizada, os da-dos figuram no quadro 3.

    possvel observar que o ensino bsico forte-mente baseado em modelo demonstrativo - experi-mental, ao passo que o ciclo clnico essencialmentevoltado para a prtica, em modelos de verdadeiroaprendizado em servio. Chama a ateno o baixonmero de instituies que utilizam o modelo tutorialque esteve em voga h algum tempo, principalmenteem escolas da Inglaterra; ainda assim, de se ver quedas 5 escolas que referem o emprego do modelo tu-

    rorial, 4 localizam-se na Inglaterra e uma situa-se na Ir-landa.

    Qualquer que seja a metodologia utilizada, o fatormais importante para o sucesso do modelo utilizado o padro de integrao entre o professor e o aluno aolongo do processo educacional. Na Faculdade de Me-dicina da Universidade de S. Paulo, a apreciao feitapelos alunos a respeito das disciplinas curriculares detodas as sries do curso mdico, identificou estreita

  • correlao estatstica entre a auto-avaliao dos alunose o desempenho do professor(3).

    Apenas a ttulo de informao capaz de permitir al-guma comparao com as escolas mdicas brasileiras,podem ser utilizados os elementos relativos pesquisarealizada em 1991 pela Comisso Interinstitucional deAvaliao do Ensino Mdico (CINAEM) entre as 76 es-colas que tinham graduado mdicos naquele ano(2). Asrespostas oferecidas pelas prprias instituies reve-lam que 86% delas referem a definio prvia de ob-jetivos educacionais em suas disciplinas curriculares.Quanto organizao do currculo, 93% referem umaestruturao por disciplinas, embora 20% refiram aexistncia de unidades integradas em sua estruturacurricular. Em relao presena de matrias ouunidades optativas, 41% das escolas responderam afir-mativamente questo formulada.

    Aspecto extremamente significativo do processo deensino-aprendizagem representado pela avaliao deseu desempenho. Tratando-se de um processo interati-vo, de que participam o professor e o aluno, funda-mental a participao discente na avaliao do mode-lo6^. A pesquisa da CINAEM identificou que em 61%das escolas mdicas brasileiras os alunos participam daavaliao do processo de ensino desenvolvidoC2).

    Esclarecimento complementar: As escolas eu-ropias examinadas foram: Faculty of Medicine (Uni-versity College of Dublin-Irlanda), St. Bartholomew'sHospital Medical College (University of London-Inglaterra), Charing Cross and Westminster MedicalSchool (University of London-Inglaterra), MedicalSchool (University College London-Inglaterra), Facultyof Medicine (University of Manchester-Inglaterra), Fa-culty of Medicine and Dentistry (University of Birmin-gham-Inglaterra), Facult de Medcine (UniversitCatholique de Louvain-Blgica), Facult de Medcine(Universit de Mons Hainaut-Blgica), Facult deMedcine (Universit de Lige-Blgica), Facolt diMedicina e Chirurgia (Universit di Bologna-Itlia), Fa-colt di Medicina e Chirurgia (Universit di Ancona-Itlia), Facult de Medcine (Universit Louis Pasteur-Strasbourg I-Frana), Facult de Medcine (Universitde Rennes I-Franca), Medical Scholl (University of Not-tingham-Inglaterra), Clinical School (University ofCambridge-Inglaterra), Leeds Medical School (Univer-sity of Leeds-Inglaterra), Edinburgh Medical School(University of Edinburgh-Inglaterra), Medical School(Bristol University-Inglaterra), Oxford Medical School(University of Oxford-Inglaterra), Faculdade de Glas-gow (Universidade de Glasgow-Inglaterra), Medical

    Faculty (University of Arhus-Dinamarca), Faculty ofMedicine and Dentristy (University of Dundee-Irlan-da), Faculty of Medicine (University of Limburg-Dina-marca), Faculty of Medicine (University of Liverpool-Inglaterra).

    SUMMARY: Structure and Educational Methodo-logy used by European Medical Schools.

    The author presents some informations aboutstructure and educational methodology used byEuropeian medical schools. So he analyses selec-tion process for entrance and duration, method-ology and development place in basic and clinicalcycles of each course.

    Referncias Bibliogrficas1. LIMA-GONALVES, E. - "Definio de objetivos

    educacionais e de instrumentos de avaliao noensino mdico". Rev. Bras. Educ. Mdica,11:12-18, 1987.

    2. LIMA-GONALVES, E - "Perfil da escola mdicabrasileira em 1991". Rev. Hosp. Clin. Fac. Med.S. Paulo, 47:200-208, 1992.

    3. LIMA-GONALVES, E. - "Desempenho do aluno degraduao da FMUSP e a avaliao das disciplinascurriculares: em busca de correlaes". Rev.Hosp. Clin. Fac. Med. S. Paulo, 48:19-203, 1993.

    4. LIMA-GONALVES, E. - "O currculo: instrumento aservio do ensino mdico". Pediatra (SoPaulo). 17:5-9, 1995.

    5. MARCONDES, E. e LIMA-GONALVES, E. - "Pro-grama de avaliao curricular da Faculdade deMedicina da USP". Rev. Hosp. Clin. Fac. Med.S. Paulo. 46:243-249, 1991.

    6. MARCONDES, E.; FUJIMURA, I.; MASCARETTI,L.A.S.; & VANZOLINI, M.E. - "Opinio dos res-ponsveis pelas disciplinas de graduao mdi-ca da FMUSP sobre o "Programa de AvaliaoCurricular". Rev. Hosp. Clin. Fac. Med. S. Paulo.50:129-132, 1995.

    Recebido para Publicao: 24/08/95Aceito para Publicao: 31/08/95

    Endereo para CorrespondnciaProf. Ernesto Lima GonalvesCEDEM - FMUSPAv. Dr. Arnaldo, 455CEP 01246-903 - So Paulo - SP