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O CURSO DE PEDAGOGIA EM FOCO: fragilidades constantes e urgências da formação 1 Alda Junqueira Marin 2 Introdução A produção de trabalhos, debates e questões sobre o curso de Pedagogia não é tema de agora. Na verdade vem desde a década de 1940, conforme nos relata Bontempi Jr. (2011) ao focalizá-lo desde a criação do curso na Universidade de São Paulo. Ao longo desses mais de setenta anos de existência, sempre foi um curso que gerou polêmicas, passou por algumas mudanças e continua sendo foco de debate. E, de fato, precisa estar, pois se trata da base educacional do país, da formação de professores para a educação das nossas crianças. É da maior relevância a retomada do debate a considerar pelas nossas pesquisas, e de tantos colegas, que vêm sendo feitas e da vivência que temos tido com dois tipos de ex-alunos: os de cursos de Pedagogia ao lado de vivência social com outros indivíduos que trabalham nas mais diferentes funções e ocupações sem dominar conhecimentos básicos, inclusive os mais necessários para o desempenho de funções simples, indivíduos que são egressos de escolas de ensino fundamental, ex-alunos desses profissionais citados. Neste texto, como já está desde o primeiro parágrafo, são apresentados alguns antecedentes sobre tais debates e embates a partir de algumas de nossas pesquisas para depois passar a apresentar alguns conceitos para análises e decorrências que serão feitas no último item a partir da realidade atual. Dados antecedentes Há exatamente dez anos atrás, em um evento que tem o mesmo nome deste o XII Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino o ENDIPE, que se realizou em 1 Texto apresentado na Sessão Especial Impactos das Diretrizes Curriculares Nacionais (2006) sobre os Cursos de Pedagogia, a partir de pesquisas, no XVII ENDIPE Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino, realizado em Fortaleza, no período de 11 a 14 de novembro de 2014. A Sessão, coordenada pelo Prof. Dr. Jacques Terrien (UECE), contou com a presença dos também convidados Profa. Dra. Selma Garrido Pimenta (FEUSP) e o Prof. Dr. Luiz Dourado (CNE). 2 O texto é de minha autoria, porém resulta de discussões do Grupo de Pesquisa “Docência em suas múltiplas dimensões” do PEPG Educação: História,Política,Sociedade da PUCSP, trabalhos de pesquisas, de reflexões em bancas e algumas situações públicas de debate. Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade EdUECE - Livro 4 01141

O CURSO DE PEDAGOGIA EM FOCO: fragilidades constantes e .... IMPACTOS DAS DIRETRIZES... · 1 Texto apresentado na Sessão Especial Impactos das Diretrizes Curriculares Nacionais (2006)

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O CURSO DE PEDAGOGIA EM FOCO: fragilidades constantes e urgências da

formação1

Alda Junqueira Marin2

Introdução

A produção de trabalhos, debates e questões sobre o curso de Pedagogia não é tema de

agora. Na verdade vem desde a década de 1940, conforme nos relata Bontempi Jr.

(2011) ao focalizá-lo desde a criação do curso na Universidade de São Paulo.

Ao longo desses mais de setenta anos de existência, sempre foi um curso que gerou

polêmicas, passou por algumas mudanças e continua sendo foco de debate. E, de fato,

precisa estar, pois se trata da base educacional do país, da formação de professores para

a educação das nossas crianças. É da maior relevância a retomada do debate a

considerar pelas nossas pesquisas, e de tantos colegas, que vêm sendo feitas e da

vivência que temos tido com dois tipos de ex-alunos: os de cursos de Pedagogia ao lado

de vivência social com outros indivíduos que trabalham nas mais diferentes funções e

ocupações sem dominar conhecimentos básicos, inclusive os mais necessários para o

desempenho de funções simples, indivíduos que são egressos de escolas de ensino

fundamental, ex-alunos desses profissionais citados.

Neste texto, como já está desde o primeiro parágrafo, são apresentados alguns

antecedentes sobre tais debates e embates a partir de algumas de nossas pesquisas para

depois passar a apresentar alguns conceitos para análises e decorrências que serão feitas

no último item a partir da realidade atual.

Dados antecedentes

Há exatamente dez anos atrás, em um evento que tem o mesmo nome deste – o XII

Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino – o ENDIPE, que se realizou em

1 Texto apresentado na Sessão Especial Impactos das Diretrizes Curriculares Nacionais (2006) sobre os

Cursos de Pedagogia, a partir de pesquisas, no XVII ENDIPE – Encontro Nacional de Didática e

Práticas de Ensino, realizado em Fortaleza, no período de 11 a 14 de novembro de 2014. A Sessão,

coordenada pelo Prof. Dr. Jacques Terrien (UECE), contou com a presença dos também convidados

Profa. Dra. Selma Garrido Pimenta (FEUSP) e o Prof. Dr. Luiz Dourado (CNE).

2 O texto é de minha autoria, porém resulta de discussões do Grupo de Pesquisa “Docência em suas

múltiplas dimensões” do PEPG Educação: História,Política,Sociedade da PUCSP, trabalhos de pesquisas,

de reflexões em bancas e algumas situações públicas de debate.

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EdUECE - Livro 401141

Curitiba, apresentamos um trabalho resultante dos estudos e debates que fazíamos, em

diversas circunstâncias, sobre a formação e atuação dos professores que se destinavam a

ou trabalhavam nas séries iniciais do ensino fundamental (MARIN, GIOVANNI E

GUARNIERI, 2004). Foi um texto organizado a partir de estudos bibliográficos que, de

modo amplo, traçou alguns contornos da produção sobre o tema que nos havia sido

solicitado a desenvolver para esse evento, qual seja, o eixo que abrangesse “Práticas

sociais e saberes”. Nesse texto retomamos estudos que se referiam à década de 1950

chegando até a década de 1980, colocando maior centralidade de análise nesta última,

pois nos pareceu ser uma época de alterações que decorriam das anteriores. Foi

possível, assim, a partir de pesquisas, mapear os problemas e as práticas bem sucedidas,

estas bem menos expressivas. Foi obtido um quadro contextual e com muitos aspectos

relativos a todo tipo de problemas revelados pelos professores já atuantes e alunos de

cursos de formação, desde os mais simples, mas da maior relevância, como o do

desconhecimento da escola e alunos reais, até outros mais complexos como o fato de

não ter domínio dos conteúdos básicos a serem ensinados. Estávamos, então, nesse

período analisado, com alunado maciçamente em cursos de formação de professores no

âmbito do ensino médio no Brasil e alguns poucos em cursos de Pedagogia, com todas

as alterações organizativas decorrentes de novas ações políticas na área incluindo o

período de governo militar (BRASIL,1969, 1971). Na sequência, apontamos as duas

últimas décadas (1980 e 1990) como um período de avanços devido ao número de

matrículas embora detectando, como questão central, o fato de que as crianças da escola

da “geração 80” devem ter vivenciado anos nas escolas desse período submetidas aos

problemas apontados, pois certamente foram alunos daqueles professores em formação

(que tinham muitas dificuldades) situação à qual se acrescente o fato de terem sido

submetidos, também, aos novos padrões de escolarização sob a implantação do Ciclo

Básico de Alfabetização, sem reprovação entre a primeira e segunda série; mas elas

chegaram às salas de aula dos cursos de formação de professores, a esta altura já em

cursos de Pedagogia com a expansão destes pelo país todo.

Em 2006, novo estudo sobre a mesma temática nos levou a outra constatação: a

precariedade da formação de professores para as séries iniciais 35 anos depois do início

da formalização desses novos modelos para essa formação, ou seja, desde o início da

década de 1970, confirmando o que havíamos apontado parcialmente, relatado no item

anterior (MARIN e GIOVANNI, 2006). Novamente recorrendo a um número

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significativo de pesquisas realizadas sobre a formação dos professores em várias regiões

do país, foi possível elaborar nova síntese como contextualização ao novo texto

incluindo todos os debates relativos a novas modalidades de formação de professores

surgidas com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996 (BRASIL, 1996). Foi um

período bastante tumultuado e percebemos que o debate girava em torno das propostas e

que não detectávamos dados de realidade sobre os cursos, sobretudo sobre o curso

Normal Superior, um dos focos centrais de debate. Nesse texto de 2006, relatamos a

pesquisa orientada pela problematização sobre como estavam sendo certificados os

alunos e quais as condições que exibiam para o exercício da docência. Verificou-se a

precariedade de conhecimentos básicos necessários para o exercício da profissão,

sobretudo os relativos à leitura e escrita. Eram alunas que haviam passado, no mínimo,

cerca de quatorze anos pelas escolas, não aprenderam tais saberes de modo profundo

antes, no ensino de 1º e 2º graus (hoje fundamental e médio) e nem no ensino superior,

de onde estavam prestes a sair para assumir suas salas de aula. Ou seja, com esse estudo

nos pareceu haver um acirramento dos problemas das pesquisas anteriores. Do mesmo

material coletado junto às alunas foi possível extrair outros tipos de dados, não

verificados anteriormente, agora focalizando especificamente a área de expressão escrita

(MARIN e GIOVANNI, 2007). Não vem ao caso realizar a retomada de todo o estudo,

mas destacar o problema central: como tem ocorrido a formação de novos

alfabetizadores, como estão sendo preparados para a tarefa de alfabetizar ? Verificou-se

a precariedade de tal formação para as tarefas a que deveriam se dedicar, pois foram

detectadas: alta incidência de palavras erradas, com erros de acentuação, pontuação e

concordância; precária condição de leitura e interpretação das instruções para coleta das

informações; utilização incorreta de vários conceitos que envolvem a análise da

produção escrita dos alunos presente em uma das questões, entre outros pontos. A mais

recente publicação complementa esses dados demonstrando, no mesmo período a

fragilidade de conhecimentos sobre outros componentes curriculares a serem ensinados

nessas séries iniciais tais como Matemática, Ciências, História, Educação Física, além

de aspectos da organização da escola como participação em Conselho de Escola

(MARIN e GIOVANNI, 2013). Certamente não é pouca coisa.

Esses estudos antecedentes revelam a manutenção de problemas sérios de formação de

professores para as séries iniciais. A justificativa, ao longo das décadas, foi a de que os

professores deveriam ser formados em nível superior para suprir deficiências que o

Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade

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ensino médio não conseguia enfrentar. Passou-se ao ensino superior, com os cursos de

ensino médio quase totalmente extintos, e verificou-se que o Curso Normal Superior

não seria o adequado e, sim, a universidade, especificamente o curso de Pedagogia,

lócus privilegiado para tanto. E aqui estamos.

No próximo item são apresentados alguns conceitos de base para que possam ser

realizadas as análises posteriores sobre a situação atual, a partir das Diretrizes para o

Curso de Pedagogia (BRASIL,2006).

Alguns conceitos e as fases do curso

A situação delineada anteriormente exige que nos detenhamos a compreender um pouco

mais profundamente o que ocorreu nessas décadas.Não vou retomar aqui todo o

percurso cumprido pelas ações políticas internacionais e nacionais sobre a formação de

professores e necessidades das escolas básicas, pois há extensa bibliografia sobre o tema

desenvolvido por muitos colegas.Mas elas estão subjacentes ao que aqui se apresenta,

pois vou introduzir na discussão a questão central da relação entre ações políticas

educacionais e formação humana, sobretudo as Diretrizes e suas decorrências nos

ambientes de formação de professores, a partir de alguns conceitos da teoria crítica

especialmente os conceitos de Marcuse (1967).

A leitura de um trabalho de tese recente (FERNANDES, 2014) me serviu de ajuda para

pensar o que vou aqui apontar. Marcuse (1967) analisa os conceitos de pensamento

unidimensional, fechamento do universo da locução e fechamento do universo político

que nos auxiliam na interpretação do que ocorre com as prescrições oficiais, como é o

caso da interpretação feita com as Diretrizes e sua intervenção sobre o pensamento dos

que estão sujeitos a elas, ou a quaisquer outras medidas. Neste texto estamos falando

das pessoas que estão nas universidades e instituições isoladas de ensino superior e suas

decisões sobre o curso de Pedagogia. O autor, partícipe do grupo que elaborou a teoria

crítica da sociedade, se refere de modo geral à presença e uso de siglas, que não é o

nosso caso, porém, considero que as reflexões do autor atendem, são adequadas à

redução linguística e de significado que ocorrem quando simplesmente dizemos “são as

diretrizes”, ou “isso é das diretrizes”. Esse uso não permite que se tenha o conjunto dos

significados presentes nas regulamentações e suas histórias, por isso me referi,

inicialmente, às modificações dos cursos de Pedagogia desde a década de 1960 a ser

retomado em seguida.

Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade

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Ao discorrer sobre essas transformações da linguagem, Marcuse (1967) aponta o efeito

de ajuda que a redução traz para esconder os conteúdos eventualmente indesejáveis. Ao

falar “são as diretrizes” repetidamente, supõe-se que todos saibam de que se trata,

porque estão sendo propostas, quais suas decorrências não para o ambiente imediato ( o

que certamente acarreta e todos logo se dão conta), mas para a formação dos alunos a

elas sujeitas, a curto e longo prazo. Desse modo não há reflexão sobre o significado de

tudo o que elas contêm e todas as funções que podem desempenhar. Essa caracterização

é denominada, por Marcuse (1967), de pensamento e comportamento unidimensionais,

ou seja, aceita-se o seu conteúdo com a simplicidade que ele porta e tudo o que

extrapola essa simplicidade e redução é rejeitado ou re-explicado com as próprias

palavras do conteúdo. Não há outras mediações, não há reflexões, não há dupla

dimensão de pensamento, não há busca de explicações, dos que a lêem, que demonstrem

as origens de tal ou qual medida política, a não ser aquela explicitada. Com isto torna-se

dominante no pensamento e nas ações que delas decorrem, no interior das instituições a

elas submissa. Outros reais ou possíveis significados deixam de ser focalizados e

ganham ainda mais força com a sanção dos intelectuais ampliando o esvaziamento da

reflexão. Os enunciados se tornam slogans, clichês em face da aderência entre idéias e

ações, uma forma de pensamento representativo da racionalidade tecnológica própria da

sociedade industrial: está pronto, já foi produzido, temos o produto, aceitemos. Essa

forma de manifestação oficial ocasiona, de fato, a aceitação, pois ocorre o fechamento

da locução, isto é, ocorre o uso de uma linguagem interpretada como prescritiva que

acaba por elidir a condição de cognição e de avaliação cognitiva com consequência para

inexistência de posições e atitudes políticas, aceitando-se uma interpretação única

(MARCUSE, 1967).

Diante de tais conceitos é possível retomar as questões que envolveram as mudanças do

curso de Pedagogia ao longo das décadas. Dos anos iniciais , no final da década de 1930

até 1969, o curso de Pedagogia formava o pedagogo sem explicitar habilitações, mas

com legislação especificando destinação profissional para formar pedagogicamente os

futuros professores que estivessem nos cursos Normais. Eventualmente poderiam

assumir outras funções, mas nunca se definiu como curso para formar professores

primários. Em 1969 o curso passou por sua primeira grande mudança, qual seja, a

inserção de habilitações. Diversos estudos já foram realizados sobre o percurso histórico

do curso entre os quais podem ser citados os de Brzezinski (1996) e Silva (1999), mas

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convêm retomar aqui por seu significado interpretado à luz dos conceitos anteriormente

expostos. A Resuolução 2/69 que instaurou diretrizes para essas mudanças propôs a

criação, no curso, de habilitações de Orientação Educacional, Supervisão Escolar para o

exercício nas escolas de 1º e 2º graus (nomenclatura esta que só iria ser aprovada em

1971), Ensino das disciplinas e atividades práticas dos cursos normais (formação que já

vinha sendo considerada específica do curso) que posteriormente passou a ser

denominada de Magistério das Matérias Pedagógicas para o ensino de 2º grau com a

criação das Habilitações Específicas para o Magistério no ensino de 2º grau por força de

Lei 5692/71 e Administração Escolar para exercício nas escolas de 1º e 2º graus.

A justificativa básica foi a de que com a expansão da escolaridade e a criação extensiva

de redes escolares havia necessidade urgente da criação de oportunidades de formação

de profissionais que pudessem exercer tais funções. A proposta e sua justificativa foram

aceitas sem contestação, ou seja, não se interpôs argumento contrário. É possível dizer

que houve completo fechamento de locução, pois os reais significados, o de atender a

um mercado de trabalho em potencial nunca foi verbalizado; se houve reflexão sobre

outros caminhos para tais formações e o que isso ocasionaria nas instituições

formadoras e na formação dos alunos, foram muito pequenos, pois o que se viu foi a

imediata expansão de tais cursos com essas habilitações. E assim caminhamos por

longos anos acompanhando a diminuição gradativa da habilitação de Orientação

Educacional e permanecendo as demais, com uma preocupação a mais: a concorrência

das inúmeras instituições privadas que foram criadas exatamente para atender esse

mercado.

Ao longo dessas décadas os temas relativos à educação infantil e educação especial para

deficientes foram penetrando nas Habilitações Específicas para o Magistério e nos

cursos de Pedagogia, muitas vezes como obrigatórias e às vezes como eletivas. Desde a

promulgação da Lei 9394/1996 com as Diretrizes e Bases para a Educação Nacional

(BRASIL, 1996) essas questões relativas à formação dos professores para as séries

iniciais, educação infantil e educação especial para alunos portadores de deficiências

ganhou outras conotações e novas demandas aparecem ao curso inclusive em

decorrência das ações políticas internacionais, pois foram inseridas normas para a

educação especial e também a exigência de formação superior para os professores das

séries iniciais e da educação infantil. Reforçou-se o que já vinha sendo feito, mantendo-

se as várias ambiguidades (BUENO e MARIN, 2011; ABUD et al., 2012).

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A partir de 2005 inicia-se o processo final de organização das Diretrizes para o curso de

Pedagogia como decorrência de todo esse cenário aqui apenas esboçado e de outras

tentativas, pois já há uma farta bibliografia sobre tais temas. Em 2006 foram aprovadas

e instituídas as Diretrizes Curriculares para o curso de graduação em Pedagogia,

licenciatura (BRASIL, 2006). Destaco, aqui, o artigo 9º onde estão dispostas

destinações profissionais do curso:

Art. 9º Os cursos a serem criados em instituições de ensino

superior com ou sem autonomia universitária e que visem à

licenciatura para docência em Educação Infantil e nos anos

iniciais do ensino fundamental, nos cursos de ensino médio

na modalidade Normal, de Educação Profissional na área de

serviços e apoio escolar e em outras áreas nas quais sejam

previstos conhecimentos pedagógicos, deverão ser

estruturados com base nesta resolução (BRASIL, 2006).

O artigo seguinte determina a extinção das habilitações vigentes, anteriormente

explicitadas.

No cotejo entre o existente anteriormente e o proposto há, aparentemente, poucas

alterações quanto à destinação profissional quando são examinadas as que são

explicitadas no artigo 9º. Verifica-se que há oficialização do que já estava sendo

desenvolvido em que são mantidas as várias modalidades de formação: para as séries

iniciais, para a educação infantil e para o ensino médio. Entretanto foi acrescentada a

genérica Educação Profissional na área de serviços (que não sabemos explicitamente de

que se trata) e outras áreas, oportunizando amplíssima abrangência, não vislumbradas

por quem toma as decisões.

Analisando-se esse artigo verifica-se a possibilidade de encontrarmos, aqui, os mesmos

princípios da grande mudança feita em 1969, abrindo várias possibilidades de formação

em um único curso. Não se trata, aqui, de fazer julgamentos sobre as intenções de quem

as fez, mas de questionar o modo de fazê-las e compreender as interpretações

efetivadas. Em 1969 não houve a indicação de que um curso fizesse sua organização

criando todas as habilitações simultaneamente, interpretação que foi imediatamente

realizada pelas instituições. O modo de expor, em 1969, foi o mesmo modo de

exposição agora, com este ainda mais largo em seu espectro. Esse modo de expor,

alternativas com um final prescritivo, com uma linguagem que unifica os destinos

profissionais pelo conectivo e, leva à interpretação de um significado de simultaneidade

Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade

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sedimentado pela história do curso que operou com tal característica durante décadas

sem qualquer enfrentamento, sem sequer experimentar operar com apenas uma das

modalidades expostas como possíveis. Desde então, estamos convivendo com uma

interpretação unidimensional, que convence pela aparência de conexão, sem questionar

a medida, com o universo da locução fechado, aceitando que “é assim”, “veja como está

escrito”. As várias possibilidades, assim agregadas, passam despercebidas quanto a

outras interpretações, como a de que cada curso se organize e forneça formação em

apenas uma das possibilidades aventadas. Além dessa interpretação, há que se pensar

que vivemos em uma sociedade autoritária, na qual a socialização primária (da família)

e a secundária (da escola e outras instituições) levam à constituição de uma disposição

de obediência entranhada nos habitus da maioria (BOURDIEU, 1994) , sobretudo das

autoridades, termo qualificador das instâncias de governo de onde emanam as

regulamentações.

E assim chegamos aos anos de 2013/2014. No próximo item estão alguns dados da

realidade atual no que tange à formação de alunos egressos de Pedagogia com tais

composições curriculares variadas.

Exemplos da realidade atual

Neste item estão dois grupos de dados a partir de pesquisas tanto em situação de

orientação quanto em análises de trabalhos em bancas. No primeiro estão dados de

pesquisas que trazem os cursos propriamente ditos analisados segundo perspectivas

teóricas diversas, mas com o foco na busca de compreensão do que vem ocorrendo no

estado de São Paulo. No segundo grupo estão dados de pesquisa cujos estudantes foram

para dentro de salas de aula de escolas também do estado de São Paulo.

Dados de pesquisas sobre os cursos

O estudo de Oliveira (2013) problematizou as condições apresentadas por futuros

professores, sobretudo focalizando os conhecimentos universitários considerados

necessários para o desempenho da função docente. Seu campo empírico foi um curso de

Pedagogia de instituição pública da grande São Paulo, obtendo suas informações junto a

alunos concluintes de 4º ano de acordo com o critério de não terem formação específica

para o magistério anterior ao curso que terminavam. Após a caracterização da turma de

cinquenta alunos verificou-se que a composição da turma era de alunado jovem,

Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade

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majoritariamente feminino e proveniente de escolas públicas regulares. A opção dos

alunos pelo curso ocorreu, predominantemente, em função do mercado de trabalho e por

pressões sociais mais do que pelo desejo de serem professores, apesar de gostarem da

profissão docente e de crianças. Foram entrevistadas e participaram de uma sessão com

instrumento contendo situações simuladas do cotidiano escolar a serem analisadas e

acompanhadas de manifestação por meio de respostas a quatro questões. Destaco aqui

alguns dados relativos à percepção sobre: a formação recebida, expectativas e

dificuldades antecipadas para o início da profissão, os conhecimentos básicos para o

exercício da profissão e aspectos de organização do trabalho pedagógico. Não se trata

do total de dados encontrados no trabalho, mas apenas alguns para exemplificar o que

vem ocorrendo nos cursos, sobretudo aqueles que possuem relação com os dados

anteriores citados reiterando-os.

A autora aponta que, entre as manifestações das alunas, há diferenças de grau em

aspectos centrais da docência. Assim é que, o preparo em relação aos componentes

curriculares a serem ensinados que foram apresentados às alunas, houve constante

referência a defasagens de domínio no que tange à escola fundamental, sobretudo em

Língua Portuguesa, mas nos demais dizem ter maior preparo, mas as alunas apontam a

necessidade de estudar os conteúdos, a necessidade de preparar muito as aulas. Também

quanto ao conhecimento didático em geral os dados analisados apontaram que nenhuma

delas tem condição total de preparo, revelam insegurança. Consideram que atuar em

Educação Infantil ocasiona menos medo. Quanto ao currículo que exige múltiplos

conhecimentos do professor, como o da escola fundamental I e da educação infantil, há

manifestações de dificuldade de seleção de parcelas desses conteúdos para cada série;

quando se sentem mais preparadas relatam a condição de buscar informação nos

Parâmetros Curriculares Nacionais para as séries iniciais ou no Referencial Curricular

Nacional para Educação Infantil. Manifestam o medo de alfabetizar, de atuar com o

aluno real, embora tivessem boa inserção na realidade escolar com os projetos do curso

de Pedagogia em parcerias com a rede escolar. Esperavam um curso calcado na prática

o que foi atendido parcialmente; não esperavam estudar História, Sociologia e Filosofia,

mas hoje sabem que diferentes fatores que interferem na vida da escola e dos alunos,

mas identifico que não sabem como usá-los. Selecionei um dos depoimentos

exemplificadores de tal afirmação: “Eu vi muita coisa triste na escola [...]Vejo crianças

lá que tem família com um problema, não tem pai, não tem mãe, não tem dinheiro

Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade

EdUECE - Livro 401149

suficiente, é muita criança na casa. A escola vai fazer o que pra essa criança? A escola

não vai fazer nada...”(OLIVEIRA, 2013, p. 132).

Ao identificar especificamente as dificuldades didáticas de professores iniciantes,

Gomes (2014) também detectou algumas manifestações que reiteram dados de outras

décadas e as de Oliveira (2013). São dificuldades relatadas: o controle das crianças do

primeiro ano, enfrentar a indisciplina; insegurança por não saber como se portar em sala

de aula; como trabalhar com alunos que têm dificuldade de aprendizagem; idealizações

em relação à prática e a frustração em relação à realidade; a sensação de que ninguém

termina o curso preparado, que vai aprendendo com o tempo; enfim o desabafo de que o

trabalho docente era um “mundo desconhecido”.

Dados de pesquisa de sala de aula e de escolas

O mesmo trabalho de Gomes (2014) apresenta resultados de observação e análise de

atuação de professora em sala de aula de 1º ano em escola de rede oficial. A partir das

cenas que a autora apresenta é possível, ao leitor, visualizar o desempenho da professora

seguindo-se a análise sobre as fragilidades da formação. Foram relatados:

desconhecimento sobre a necessidade de realizar diagnóstico no início do ano para

identificar as condições cognitivas das crianças; propor tarefas que não tinham

sustentação, pois dependiam da leitura e da escrita que as crianças não dominavam; não

conseguia ter sequência nas atividades e sua explanação; como manejar a sala; controlar

o tempo. São elementos básicos para qualquer professor conseguir executar sua função.

Os problemas ocorrem não só nas séries iniciais, mas também na educação infantil.

Almeida (2014) realizou um estudo sobre a avaliação de crianças na educação infantil

com a preocupação de detectar relações com aspectos formativos. O estudo foi

desenvolvido em duas escolas analisando documentação relativa a tais avaliações. Há

pequenas diferenças de procedimento entre as duas escolas, mas muita proximidade no

caráter básico dessas atividades: a instrumentalidade. A autora apontou, como resultado

das análises, o que podemos considerar como sérias defasagens na formação das

professoras no que tange a uma atuação realmente formativa, ou seja, uma atuação que

permita a experiência, que leve centralmente ao desenvolvimento da imaginação e da

reflexão.Verificou-se entre outros aspectos: a presença de exercícios de controle sobre

as crianças; a ausência de experiências lúdicas como as brincadeiras ou a experiência

artística; ênfase excessiva em treinos específicos e vazios de significados.Tais

Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade

EdUECE - Livro 401150

resultados ocorreram em função de atividades avaliativas padronizadas, estereotipadas

como figuras para colorir e verificar, por exemplo, autonomia com o significado de

apropriação , pelas crianças, das rotinas escolares, aspectos predeterminados de

desenvolvimento, com caráter meramente instrumental, sem a preocupação com os

processos formativos e necessidades da infância, ênfases em comportamento sociais

como obediência e simpatia. Atente-se que esse tipo de atuação é o que se detecta, mas

os alunos acham que “na educação infantil é mais fácil”.

Que formação é essa recebida e que consequências ela tem para as crianças? Que

formações essas crianças estão recebendo em ambos os espaços dessa educação tão

básica?

Duas observações são necessárias a partir desses dados da atualidade. A primeira delas

diz respeito a um ponto que já tenho debatido com colegas e que diz respeito à

realização e divulgação das pesquisas. Temos um estereótipo ao falar do papel das

pesquisas e sua inocuidade para os formuladores de ações políticas de âmbito macro que

aparentemente não connsidera os resultados das pesquisas. Há que se divergir disso,

pois utilizam, sim, de dados para aquilo que lhes interessa a cada momento e não

interessa a outros sujeitos, como os pesquisadores, ou, de fato, à educação de qualidade

para a população toda. Assim, não é possível pensar que todo o aparato desenvolvido

para produção dos referenciais para educação infantil, das diretrizes para cursos

superiores, dos parâmetros para educação básica, sejam inócuos, pois estão em vigência,

e, aparentemente, apenas aparentemente, sendo cumpridos, mas não está em vigência

tudo o que é necessário para que boa parte se cumpra, como acabamos de ver alguns

exemplos. Mas quero chamar a atenção, aqui, sobre o papel que têm as pesquisas para o

dia a dia das nossas instituições, em todas as escolas, para cada um de nós e quanto elas

norteiam as nossas ações quando temos que assumir as nossas funções de docência em

todos os níveis. Não é de agora que se mapeiam pesquisas e se acumulam saberes sobre

problemas de formação de professores. Mas há setenta anos os problemas são os

mesmos, ou com poucas variações, e no fundo com a lamentável noção de que os cursos

e os formadores ainda não estão sendo capazes de formar adequadamente professores

que possam educar bem nossas crianças. Penso que os conceitos de

unidimensionalidade, fechamento da locução e fechamento político apresentados

anteriormente são adequados neste caso. Não tem havido reflexões e tomadas de

posição individuais ou grupais para pensar sobre os dados de pesquisa e estabelecer

Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade

EdUECE - Livro 401151

relações com nossas realidades, seja para refutá-los ou aceitá-los. Neste caso não há

prescrição, como exposto anteriormente, mas o que assistimos ou lemos não se conecta

com a nossa dimensão individual. Esses conceitos nos fazem ter atenção para a

condição, que se apresenta nos indivíduos, de ausência de reflexão, da condição de não

estabelecer a relação entre o geral – que está problemático e denunciado, mas é exposto

por outros, é externo – e o particular, que é nosso, e sobre o qual não temos atuação

política de rever, de questionar.

A segunda observação se refere ao fato de que é comum a atribuição de causas de

problemas às Diretrizes como parte das macropolíticas educacionais. Vivemos, nas

nossas instituições, processos já apontados anteriormente de unidimensionalidade em

relação à compreensão das prescrições oficiais. Entretanto penso que precisamos passar

à reflexão e focalizar, na sequência, também as micropolíticas, aquelas que se

desenvolvem no dia a dia das nossas instituições, em todas as escolas, para cada um de

nós e norteiam as nossas ações quando temos que assumir as nossas funções de

docência em todos os níveis. Todas as ações precisam estar devidamente ao abrigo da

noção política que elas possuem. E somos nós que temos que refletir e decidir. Temos

que enfrentar a possibilidade de termos essa autonomia, pensar constatemente: que

formação? Para que estou trabalhando?

Decorrências

Como primeira decorrência, penso que há que se acabar com toda essa fragmentação e

assumir a condição de definir cursos com destinação profissional única, com densidade

e tempo longo. Um administrador para se dedicar a esse tipo de afazeres da

administração estuda durante quatro anos, mas para atuar na gestão escolar bastam

alguns semestres dos “fundamentos da educação” e uma ou duas disciplinas sobre

“gestão escolar”num curso de quatro anos. Um médico pediatra para cuidar de nossas

crianças alguns dias no ano faz um curso com duração de seis anos sendo cinco de

formação e um de residência, para se especializar e adquirir experiência na área. Mas

um professor de Educação Infantil, que fica a cada ano inteiro com muitas crianças,

cursa, quando muito, duas disciplinas sobre o foco específico ao lado de tantas outras

especializações e disciplinas genéricas que nem sempre suprem uma formação efetiva

para tal função. Penso que devemos ter um curso específico para formar professores

Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade

EdUECE - Livro 401152

para a educação infantil e outro para séries iniciais do ensino fundamental, ou para

qualquer outra opção de formação que se queira, mas única.

Além disso, os cursos precisam definir, em seus projetos, eixos norteadores para que as

disciplinas colaborem com as demais na apreensão do objeto de formação dos alunos e

sua atuação futura. Isso traz implicações de toda ordem, mas se não enfrentadas

continuaremos a ter “semestres” de fundamentos em que as disciplinas perdem as

especificidades de seus objetos, um não lugar para a formação didática adequada como

intermediária entre a formação científica e as áreas das práticas, uma prática que é

fictícia em muitos lugares, professores que nos finais de curso ou nas escolas vão

continuar se referindo às suas dificuldades, crianças que sairão das escolas sem estarem

alfabetizadas ou (con)formadas, e não formadas.

Referências

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Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade

EdUECE - Livro 401154

1

SESSÃO ESPECIAL: Impactos das Diretrizes Curriculares Nacionais

(2006) sobre os cursos de pedagogia

Convidada:

Selma Garrido Pimenta – Prof. Titular Sênior – Faculdade de Educação – USP e

pesquisadora do GEPEFE/FEUSP – [email protected]

Título da apresentação:

A formação de professores para a Educação Infantil e para os anos

iniciais do Ensino Fundamental: análise do currículo dos cursos de Pedagogia de instituições públicas e privadas do

Estado de São Paulo

Introdução

O tema proposto para essa sessão se justifica na necessidade de se discutir a

formação dos professores no Brasil, sobretudo, para a Educação Infantil e para os anos

iniciais do Ensino Fundamental, visando a formular propostas formativas que levem à

melhoria da condição educacional da maioria das crianças, jovens e adultos que se

encontram nas escolas públicas de educação básica.

Essa apresentação, portanto, tem como tema central o Curso de Pedagogia

organizado a partir das Diretrizes Curriculares Nacionais, instituídas pela Resolução

CNE/CP nº 1/2006 (BRASIL, 2006). E como referência a pesquisa intitulada “A

formação de professores para a Educação Infantil e para os anos iniciais do Ensino

Fundamental: análise do currículo dos cursos de Pedagogia de instituições públicas e

privadas do Estado de São Paulo”, coordenada pelos Profs. Dra. Selma Garrido

Pimenta e Dr. José Cerchi Fusari. A pesquisa foi realizada entre os anos de 2012 e 2013

por pesquisadores vinculados a diferentes instituições de ensino do país, integrantes do

Grupo de Estudos e Pesquisas sobre a Formação de Educador (GEPEFE/FE-USP)1,

1 A pesquisa foi coordenada por José Cerchi Fusari & Selma Garrido Pimenta – USP/GEPEFE e teve na

coordenação executiva dos profs. Cristina Cinto Araujo Pedroso (FFCLRP/USP) e Umberto de Andrade

Pinto (UNIFESP/Guarulhos). E contou com a colaboração dos seguintes pesquisadores: Idevaldo da Silva

Bodião(UFCE); Isaneide Domingues (Secretaria Municipal de Educação - São Paulo) Karina de Melo

Conte , Lenilda Rego Albuquerque Rego(UFAc); Ligia Paula Couto (UEPG); Maria Marina Dias

Cavalcanti (UECE); Marineide de Oliveira Gomes (UNIFESP/Guarulhos); Naldeli Fontes (UMC); Noeli

Prestes Padilha Rivas (FFCLRP/USP); Simone Rodrigues Batista (Centro Universitário Monte Serrat –

Unimonte – Santos); Valéria Cordeiro Fernandes Belletati (IFSP); Vanda Moreira Machado Lima

(UNESP/Presidente Prudente); e Yoshie Ussami Ferrari Leite UNESP/Presidente Prudente).

Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade

EdUECE - Livro 401155

2

junto ao Programa e Pós Graduação em Educação da Faculdade de Educação da USP, e

contou com apoio CNPq2.

A pesquisa teve como questão central a formação inicial de professores para

atuar na Educação Infantil e nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental. O estudo teve

por objetivo analisar os currículos dos cursos de Pedagogia oferecidos por instituições

públicas e privadas do Estado de São Paulo, visando a identificar como esses estão

sendo organizados e qual o tratamento dado aos conhecimentos relacionados à formação

do professor para atuar na Educação Infantil e nos Anos Iniciais do Ensino

Fundamental. Partiu de resultados de pesquisas que indicam fragilidades dos cursos de

licenciatura em Pedagogia, organizados em função das Diretrizes Curriculares

Nacionais (DCNs), instituídas pela Resolução CNE/CP nº 1/2006 (BRASIL, 2006).

O Estado de São Paulo contava em 2012 na época da coleta de dados com 253

cursos de Pedagogia em atividade3, identificados no sistema e-MEC. Porém, na página

das instituições uma parte delas não havia disponibilizado suas matrizes curriculares. A

tentativa de contato por e-mail, resultou em pouco retorno. Assim, trabalhamos com um

universo de 144 matrizes curriculares de cursos de Pedagogia oferecidos por instituições

públicas e privadas do Estado de São Paulo. Dessas, 137 disponibilizaram a relação de

disciplinas e as respectivas cargas horárias; as outras 07 disponibilizaram somente a

relação das disciplinas. Para análise das matrizes curriculares foi elaborado um

instrumento de coleta de dados constituído de duas partes, uma com os dados gerais da

instituição e do curso e a outra com as categorias que elaboramos para análise das

matrizes curriculares.

Os dados indicam a insuficiência ou mesmo a inadequação dos atuais cursos de

Pedagogia brasileiros em relação à formação de professores polivalentes4. A formação

desses professores deve abranger diferentes saberes, dos quais se destacam: o domínio

2 Edital nº 7/2011. 3 Para obter a relação de cursos no sistema e-MEC, selecionamos, a partir da opção “Busca Avançada”, a

situação “Em atividade”. Nessa primeira consulta obtivemos uma relação com 283 cursos. Percebemos

que alguns desses cursos não estavam sendo oferecidos. Consultamos a página das instituições e

excluímos 30 cursos que não estavam sendo oferecidos. 4 Optamos por manter a denominação de polivalente ao professor dos anos iniciais do Ensino

Fundamental que marca a atuação desse profissional desde as origens da então Escola Normal de Ensino

Médio, que tinha por finalidade formar o professor para ensinar as disciplinas (matérias) básicas: língua

portuguesa (alfabetização), história, geografia, ciências e matemática. Essa denominação não mais

aparece na legislação brasileira referente à matéria, inclusive nas DCN dos Cursos de Pedagogia.

Entretanto, permanece a finalidade de formar professores para ensinar as disciplinas básicas dos anos

iniciais do Ensino Fundamental.

Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade

EdUECE - Livro 401156

3

das diversas áreas do conhecimento que compõem a base comum do currículo nacional

dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental e da Educação Infantil, os meios e as

possibilidades de ensiná-los, assim como a identificação de quem são os sujeitos

(crianças, jovens e adultos) que aprendem e se desenvolvem nesses ambientes

educacionais e escolares, sobretudo em escolas públicas que, na atualidade, traduzem

em seus cotidianos questões que envolvem e afligem a sociedade brasileira,

marcadamente desigual, multifacetada e diversa (Pimenta et al., 2014). A análise dos

dados da pesquisa evidencia que a formação dos pedagogos no Estado de São Paulo, em

sua grande maioria se mostra frágil, superficial, generalizante, sem foco na formação de

professores, fragmentada e dispersiva. O que confirma pesquisas anteriores (Gatti &

Barreto, 2009; Libâneo, 2010; Pinto, 2011; Leite &Lima, 2010).

A seguir serão discutidos os principais problemas dos cursos de Pedagogia,

organizados conforme as DCNs (BRASIL, 2006), em relação à formação do professor

para Educação Infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental. Apesar de ter focado

inicialmente a análise sobre a formação de professores para atuar nos Anos Iniciais e na

Educação Infantil, os dados permitiram que se analisasse também a formação de

pedagogos para atuar nas escolas, para além da sala de aula, como pedagogo escolar,

conforme expressão de Pinto (2002)5, também previsto nas DCNCP.

Condições de oferecimento dos cursos de Pedagogia

Em relação às condições de oferta verificou-se que do universo de 144 cursos

125 (86,8%) são ofertados por instituições privadas e apenas 19 (13,2%) por públicas.

Desses, 08 são ofertados por instituições estaduais, 02 por federais e 09 por municipais.

Tabela 1: Distribuição das IES segundo sua Natureza Administrativa

Natureza No de IES % de IES

Privada 125 86,80

Pública Municipal

Pública Estadual

Pública Federal

9

8

2

6,25

5,56

1,39

Total 144 100,00

Fonte: Elaboração própria.

5 Pinto (2002) denomina de pedagogo escolar os profissionais do ensino que atuam fora da sala de aula

nas funções de coordenação pedagógica, orientação educacional, direção e vice-direção.

Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade

EdUECE - Livro 401157

4

Tabela 2. Distribuição das IES segundo sua Organização Acadêmica

Tipo No de IES % de IES

Universidade 26 18,06

Centro Universitário 19 13,19

Faculdade 99 68,75

Total 144 100,00

Fonte: Elaboração própria.

Quanto ao tipo de instituição, identificou-se que 99 cursos (69%) pertencem a

Centros Universitários, 19 (13%) a Faculdades e 26 (18%) a Universidades.

Os dados dessas Tabelas mostram que a expressiva maioria dos cursos de

Pedagogia no Estado de São Paulo são ofertados por instituições privadas, que somam

125 (86,80%), e por Faculdades e Centros Universitários (118 = 82%) nas quais a

pesquisa não é exigida pela legislação.

A tabela 3, a seguir, apresenta a relação das instituições conforme a natureza

administrativa e o tempo de integralização dos cursos em semestres.

Tabela 3: Distribuição das IES segundo o Tempo de Integralização dos cursos por

Natureza Administrativa.

Tempo de

Integralização

em Semestres

Natureza

administrativa

Pública

Federal

Pública

Estadual

Pública

Municipal

Privada

Total

IES % IES

No.

IES

% No.

IES

% No.

IES

% No.

IES

%

06 47 32,6 --- --- 01 2,3 03 6,3 44 91,4

07 28 19,4 --- --- --- --- 01 3,5 27 96,4

08 67 46,5 --- --- 07 8,9 05 7,4 55 82,0

09 1 0,7 01 1,4 --- --- --- --- --- ---

10 1 0,7 01 1,4 --- --- --- --- --- ---

Total 144 100,00 02 1,3 8 5,5 09 6,2 125 86,8

Fonte: elaboração própria.

A Tabela 3 evidencia que do total de cursos oferecidos em apenas 06 semestres,

mínimo exigido pela legislação em vigor, a maioria de cursos (44) são de instituições

privadas. Somados aos 27 cursos que são oferecidos em 07 semestres por instituições da

mesma natureza, conclui-se que as instituições privadas em sua maioria (71) oferecem

seus cursos de pedagogia nos tempos mínimos exigidos pela legislação, total esse

superior das que oferecem seus cursos em 08 semestres (55). Ressalte-se que não foi

Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade

EdUECE - Livro 401158

5

encontrada nenhuma instituição privada que ofereça curso em tempo superior a esses

mínimos.

Por outro lado, observa-se que nos 14 cursos restantes, oferecidos por

instituições públicas, o tempo de integralização em sua maioria é superior a 08

semestres (12 instituições com 08 semestres; e 02 com 09 e 10 semestres).

Esses dados confirmam o estudo de Gatti e Barreto (2009), que teve por amostra

71 cursos presenciais de Pedagogia do país, e de Libâneo (2011), que teve por amostra

25 cursos de Pedagogia do Estado de Goiás. A formação do Pedagogo no país (e em

São Paulo com 144 instituições analisadas) ocorre, predominantemente, em instituições

privadas, e em sua maioria Faculdades e Centros Universitários, com duração menor do

que 4 anos (ou 8 semestres).

Na mesma direção o estudo realizado por Leite e Lima (2010) que analisou

1.424 cursos de Pedagogia no Brasil, conclui que a região Sudeste é a região que mais

oferece cursos dessa natureza no país, com oferta concentrada no Estado de São Paulo,

sendo que, em 2008, 90% desses cursos eram oferecidos por instituições privadas

(Faculdades, em sua maioria) e apenas 10% por instituições públicas (Universidades).

Matriz curricular dos cursos de Pedagogia: o que os dados indicam

A análise dos 144 cursos possibilitou verificar o agigantamento das matrizes

curriculares e a diversidade de disciplinas oferecidas pelos cursos investigados, muitas

delas sem qualquer aderência com a docência nos anos iniciais da educação básica,

refletindo o amplo, disperso e impreciso perfil do egresso definido pelas Diretrizes

Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia (BRASIL, 2006).

O quadro a seguir mostra a síntese dos dados obtidos com a pesquisa.

Quadro 1: Distribuição percentual da Carga Horária e do Número de

Disciplinas, em cada uma das Categorias, em relação aos totais gerais do

conjunto dos cursos.

Categorias

Quanto à

carga

horária

(Total geral:

404.850 h)

Quanto ao nº

de disciplinas

(Total geral:

7.245

disciplinas)

1. Conhecimentos relativos aos fundamentos

teóricos da educação 16,39% 15,57%

2. Conhecimentos relativos aos sistemas

educacionais 5,64% 5,34%

3. Conhecimentos relativos à formação 38,08% 36,89%

Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade

EdUECE - Livro 401159

6

profissional docente

3.1 Conhecimentos relativos às áreas

disciplinares sem especificação do nível

de ensino

23,73% 23,40%

3.2 Conhecimentos relativos à Educação

Infantil 4,62% 4,43%

3.2.1 Áreas disciplinares /Linguagens

na Educação Infantil 2,41% 2,36%

3.2.2 Outros conhecimentos da

Educação Infantil 2,22% 2,07%

3.3 Conhecimentos relativos aos anos

iniciais do ensino fundamental 1,66% 1,68%

3.3.1 Áreas disciplinares no Ensino

Fundamental 1,21% 1,24%

3.3.2 Outros conhecimentos do Ensino

fundamental 0,45% 0,44%

3.4 Conhecimentos relativos à educação

infantil e ensino fundamental 1,44% 1,20%

3.5 Conhecimentos relativos à Didática 6,63% 6,18%

4. Conhecimentos relativos à Gestão

Educacional 6,73% 6,35%

4.1 Relativos à escola 6,38% 6,03%

4.2 Relativos aos espaços não escolares 0,35% 0,32%

5. Conhecimentos relativos ao estágio

supervisionado e às práticas de ensino 4,64% 4,89%

5.1 Sem especificação do nível de ensino 3,13% 3,52%

5.2 Com especificação do nível de ensino 1,51% 1,37%

5.2.1 Conhecimentos relativos ao

estágio e às práticas de ensino na

Educação Infantil

0,56% 0,44%

5.2.2 Conhecimentos relativos ao

estágio e às práticas de ensino no

Ensino Fundamental

0,58% 0,51%

5.2.3 Conhecimentos relativos ao

estágio na Gestão Educacional 0,37% 0,41%

6. Conhecimentos sobre ações de pesquisa e

Trabalho de Conclusão de

Curso/Monografia

6,78% 7,47%

7. Conhecimentos relativos às modalidades

de ensino, às diferenças, à diversidade e às

minorias linguísticas e culturais

8,10% 8,52%

8. Conhecimentos integradores 2,60% 2,32%

9. Outros conhecimentos 11,04% 12,66%

Total 100,00% 100,00%

Fonte: Elaboração própria.

Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade

EdUECE - Livro 401160

7

No presente texto, considerando os limites de espaço, destacaremos alguns

aspectos da análise das matrizes curriculares6 e, a seguir, apresentaremos uma

problematização dos principais temas que envolvem os cursos de pedagogia conforme

as atuais DCNs, e com vistas a oferecer subsídios a sua reformulação; necessária e

urgente em nosso ponto de vista.

Examinando-se o Quadro 1 acima, percebe-se que a categoria 3: Conhecimentos

relativos à formação profissional docente representa o maior percentual – em torno de

38% das cargas horárias dos cursos - entre as categorias descritas. Ela contempla os

conteúdos curriculares (Língua Portuguesa, Matemática, História, Geografia, Ciências,

Artes, Educação Física, Alfabetização, Movimento, Linguagem oral e escrita, Natureza

e Sociedade, por exemplo) e suas respectivas metodologias de ensino, assim como os

demais conteúdos que contribuem diretamente com a prática docente dos anos iniciais

da escolarização. Ainda assim, percebe-se que dos 38% desses conhecimentos

profissionais, a maioria, 23,77% (carga horária) e 23,42 % (número de disciplinas), não

especifica se a carga horária e as disciplinas se referem à formação para os anos iniciais

ou para a Educação Infantil.

O segundo maior percentual refere-se à categoria 1: Conhecimentos relativos

aos fundamentos teóricos da educação – 16,41%. Embora esse percentual possa

parecer expressivo, entende-se que ainda não é suficiente para garantir a formação

básica do professor na área de educação – área extremamente complexa, que exige uma

multirreferencialidade em diferentes campos científicos7.

O terceiro maior percentual (11,05%) refere-se à categoria 9: Outros

Conhecimentos. Chama atenção o fato de esse terceiro maior percentual ser constituído

por disciplinas que não se enquadraram em nenhuma das oito categorias anteriores. São

exemplos de disciplinas da Categoria 9: Educação e Direito; Antropologia teológica;

Mídias em Educação; Introdução à Crítica do Conhecimento; Cosmovisão Bíblico

Cristã; Antropologia Cristã; Fundamentos do Cristianismo; Movimentos Sociais;

6 A análise completa das Matrizes Curriculares encontra-se disponível em Pimenta, Selma Garrido [et al.]

A formação de professores para a Educação Infantil e para os anos iniciais do Ensino Fundamental:

análise do currículo dos cursos de Pedagogia de instituições públicas e privadas do Estado de São Paulo.

Relatório Técnico - CNPq (Pesquisa Coletiva - Educação) - Universidade de São Paulo, Faculdade de

Educação. São Paulo: [s.n], 2014. 46 f.. 7 Essa percepção poderá ficar mais clara com estudos posteriores sobre os conteúdos das disciplinas dessa

Categoria, verificando-se seus nexos com a formação de professores e com a problemática da educação

escolar e não escolar.

Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade

EdUECE - Livro 401161

8

Interpretação Bíblica da História; Ciência e Religião; Ética Cristã e Profissional;

Religiosidade e Competência Profissional; Metodologia da Alfabetização pela Bíblia;

Empreendedorismo, Sustentabilidade e Educação Ambiental; Relações interpessoais e

grupais; Imagens da ética na educação; Noções de epidemiologia e saúde pública;

Escola, Comunidade e Movimentos Sociais; Aprendizagem e Direitos Humanos; Jogos

On Line; Dinâmica Psicossocial em Educação; Educação, Trabalho e Cidadania;

Novas Tecnologias da Educação: mediação tecnológica; Mídias e Trabalho Docente;

Psicopedagogia; Fonética e Fonologia; Direito Educacional; Ecopedagogia; Educação

para Valores, entre outras. Pode-se afirmar que a diversidade de disciplinas não aponta

para um aspecto favorável das matrizes, mas, sim, alinha-se mais à dispersão na

formação do pedagogo.

As categorias 2: Conhecimentos relativos aos sistemas de ensino e 4:

Conhecimentos relativos à Gestão Educacional apresentam carga horária e número de

disciplinas pouco representativas, tal como mostra a Tabela 4. Esses dados são

preocupantes, pois o campo de conhecimento relacionado a essas categorias, ao tratar da

organização dos sistemas de ensino e das políticas curriculares, podem contribuir com a

formação do professor na perspectiva crítica. Especificamente em relação à categoria 4

cabe destacar que pelos dados encontrados a formação do gestor, tanto para os contextos

escolares como para os não-escolares se encontra bastante comprometida nos cursos

investigados.

A categoria 5: Conhecimentos relativos ao estágio supervisionado e às práticas

de ensino contempla as disciplinas relacionadas ao estágio supervisionado e às práticas

de ensino. Com essa categoria buscou-se identificar nas matrizes curriculares dos cursos

a existência de espaços efetivos de orientação e supervisão de estágio e das práticas de

ensino. É salutar expressar a complexidade da investigação sobre esse campo, pois as

matrizes apresentam disciplinas relacionadas aos estágios curriculares, mas apresentam

também o próprio estágio curricular obrigatório em meio às demais disciplinas. Assim,

nessa pesquisa selecionou-se para a categoria 5, apenas as disciplinas que

explicitamente se relacionavam à supervisão e orientação de estágio ou das práticas de

ensino, não considerando, portanto, o estágio obrigatório realizado pelos alunos. Foi

possível identificar que, aproximadamente, metade das instituições investigadas não

dedica nenhuma disciplina para supervisão e acompanhamento dos estágios.

Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade

EdUECE - Livro 401162

9

A categoria 6: Conhecimentos sobre ações de pesquisa e Trabalho de

Conclusão de Curso/Monografia representa apenas 6,78% da carga horária total e 7,41

do total de disciplinas. A variedade de nomenclatura de disciplinas dessa categoria

aponta para uma preocupação maior dos cursos com os conhecimentos relacionados à

organização metodológica do trabalho científico do que com a formação do professor

para a pesquisa.

A categoria 7: Conhecimentos relativos às modalidades de ensino, às

diferenças, à diversidade e às minorias linguísticas e culturais embora com uma

representação maior que as categorias 2, 4 e 6 ela agrega disciplinas que tratam das

diferentes modalidades de ensino e ainda das diferenças, diversidade e minorias

linguísticas e culturais. Portanto, apresenta poucas disciplinas e pouca carga referentes a

cada um desses campos, insuficientes para garantir a formação do professor para atuar

nas diferentes modalidades e com as diferentes especificidades.

A categoria 8: Conhecimentos integradores definida com o objetivo de

identificar nos cursos perspectivas de organização curricular mais integradora e ou

interdisciplinar. O índice encontrado foi muito baixo o que mostra a prevalência nos

cursos investigados da perspectiva disciplinar fragmentada.

Embora as categorias definidas para esta pesquisa tenham sido ampliadas em

relação às consideradas no estudo realizado por Gatti e Barreto (2009) constata-se que

as 9 categorias aqui utilizadas e suas subcategorias ainda parecem insuficientes para

acolher a variedade de disciplinas encontradas. Nesse sentido, cada uma dessas

categorias não representa um bloco orgânico de conteúdos curriculares. Podemos

exemplificar com a Categoria 2: Conhecimentos relativos aos sistemas educacionais

que contempla disciplinas como Currículos e Programas ou Estrutura e Organização

da Educação Brasileira e mesmo disciplinas como Economia da Educação.

Outro aspecto relacionado à diversidade das disciplinas remete às diferentes

áreas de formação e de atuação profissional previstas nas DCNs dos Cursos de

Pedagogia. São exemplos dessas áreas: Educação Infantil, Gestão Educacional,

Educação Especial, Educação Inclusiva, minorias linguísticas e culturais, Educação no

Campo, Educação de Jovens e Adultos, Educação Indígena, Educação Ambiental e

educação em espaços não escolares.

Constatou-se, também, que algumas IESs, na tentativa de suprir a formação

anteriormente realizada pelas antigas habilitações, oferecem um núcleo de disciplinas

voltadas às áreas da Supervisão Escolar, da Administração Escolar, da Orientação

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Educacional e da Educação Especial. Além disso, as IESs também buscam atender às

legislações e políticas específicas e complementares às próprias DCNs para a formação

do pedagogo, são exemplos desse aspecto as disciplinas de Libras e Relações Étnico-

raciais.

Percebe-se ainda que as IESs oferecem disciplinas nas áreas de Matemática, de

Língua Portuguesa e de Informática Instrumental possivelmente com o intuito de suprir

defasagens da escolarização básica dos alunos ingressantes nos cursos de Pedagogia.

Esses aspectos ilustram a difusão e dispersão na formação do pedagogo o que

acaba por inviabilizar uma sólida formação de professor polivalente para os anos

iniciais do Ensino Fundamental e da Educação Infantil.

Essa forte evidência nos parece dramática; porque contradiz fortemente as

DCNs; porque fragiliza o estatuto de profissionalidade dos docentes que de um modo ou

de outro se inserem nas escolas; porque, e, sobretudo, porque formados com essas

fragilidades, dificilmente estarão em condições de propor processos de ensinar e de

aprender, capazes de resultar em qualidade formativa emancipatória para todas as

crianças desses níveis de escolaridade.

Cursos de Pedagogia: fragilidades, limites e proposições

Preocupados com esse cenário, trazemos alguns aportes teóricos e resultantes de

estudos e pesquisas sobre a formação de professores.

1. Professor polivalente e enfoque interdisciplinar

Os dados da pesquisa mostram que prevalece nos cursos um enfoque disciplinar

fragmentado o que leva a fragmentar e fragilizar a formação do pedagogo docente para

atuar nos anos iniciais do ensino fundamental e na Educação Infantil. Esse professor

permanece como um Professor Polivalente, assim configurado desde as suas origens.

No entanto, a questão da formação do professor polivalente, desapareceu dos cursos de

Pedagogia, das discussões, das pesquisas e das legislações. Por que? Será uma questão

irrelevante? Faz sentido falar em polivalência nos dias atuais? Os professores que atuam

na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental I estão atuando como

polivalentes?

Parece-nos necessário colocar essa questão no contexto de grades curriculares

fragmentadas em disciplinas. E aí caberia que indagar os avanços na área de currículo

apontam para a interdisciplinaridade. Um curso de Pedagogia interdisciplinar poderia

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superar a fragmentação presente na formação dos pedagogos docentes com vistas a se

inserir profissionalmente como Professor Polivalente?

Nas matrizes curriculares examinadas encontramos o índice aproximado de 2%

de disciplinas que expressam alguma organização curricular mais integradora ou

interdisciplinar, por meio de projetos integradores e/ou atividades em que os estudantes

pudessem introduzir as aprendizagens construídas nas diferentes disciplinas. A

propósito observamos,

A não previsão de uma organização curricular com tais características nos

cursos de Pedagogia pode deslocar para a responsabilidade dos estudantes

uma ação inerente à formação do professor polivalente, qual seja, a

integração entre áreas de conhecimento, oriunda de diferentes saberes

(Pimenta et al., 2014, p. 21).

2. Sobre a diversidade de disciplinas ou ausência de foco

Os cursos apresentam um grande leque com inúmeras e diversificadas

disciplinas. Possivelmente para preparar (formar?) o pedagogo com vistas a se inserir

em possíveis e diversas áreas de atuação profissional e de campos diversos do

conhecimento. O que pode ser indicativo de uma tentativa de suprir a formação

anteriormente realizada pelas antigas habilitações. E também de atender às legislações e

políticas específicas e complementares às próprias Diretrizes Curriculares Nacionais

para a Formação do Pedagogo e a outras demandas sociais para a sua atuação.

Caberia indagar: e se o pedagogo for formado para ser pedagogo escolar (onde

se inclui a docência nos anos referidos) e à medida em que vier a se inserir

profissionalmente em alguma especificidade do campo social da educação como por

exemplo - Educação Especial, de Educação Inclusiva, de minorias linguísticas e

culturais, de Educação no Campo, de Educação de Jovens e Adultos, de Educação

Indígena, de Educação Ambiental, de Tecnologias da Informação e Comunicação – ele

pudesse voltar às instituições formadoras para se aprofundar na área de atuação na qual

se inseriu? Ou mesmo se nas Faculdades de Educação (que, por natureza, não se

resumem a oferecer apenas o curso de Pedagogia), os estudantes pudessem cursar

percursos formativos que se comunicam e se diversificam conforme as demandas

sociais, regionais, expressas nos projetos político pedagógicos das instituições

formadoras?

O que se constatou é que em algumas instituições são oferecidas uma ou duas

disciplinas para atender ao que as DCNCP definem para atender às minorias,

diversidades, etc.. Tal configuração curricular contribui para uma formação generalista,

Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade

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difusa e superficial, pois apenas a oferta de uma ou duas disciplinas não é suficiente

para garantir a formação com o aprofundamento necessário.

A diversidade de disciplina também pode indicar uma tentativa da instituição de

ensino de formar tanto o professor para a educação infantil e para os anos iniciais do

ensino fundamental, como o gestor educacional para atuar em espaços escolares e não

escolares. Entretanto, a ênfase recai na formação do professor de séries iniciais uma vez

que os conhecimentos relativos à formação profissional docente, relativos às áreas

disciplinares correspondem a 38% das disciplinas, maior índice no conjunto da carga

horária das matrizes. Ainda assim, entendemos que esse índice de 38% (Categoria 3:

Conhecimentos relativos à formação profissional docente), bem abaixo da metade da carga

horária, é insuficiente para o tratamento direto ou indireto dos conhecimentos escolares

para a formação que alunos dos anos iniciais têm direito a ter. É insuficiente lembrando

a complexidade de que se reveste o ensinar crianças,

[...] seja do ponto de vista do domínio dos conteúdos e metodologias

específicas (História, Geografia, Matemática, Artes etc.), seja dos

conhecimentos necessários para que o professor compreenda como ocorre o

processo ensino-aprendizagem nas diferentes fases de desenvolvimento

infantil (Pimenta et al., 2014, p. 20).

3. Pedagogo Docente ou Pedagogo generalista

Formar o docente e o pedagogo é o que está definido para os cursos de

Pedagogia. No entanto, considerando a complexidade e amplitude envolvidas nessas

profissões, o que se evidencia nos dados da pesquisa é que essa formação é

generalizante e superficial, não se formando (bem) nem o pedagogo nem o docente.

Ainda que tenha sido identificado o predomínio de disciplinas relacionadas ao

conhecimento específico de formação do docente, percebe-se que disputam lugar, no

âmbito do currículo, com disciplinas de outros blocos de conhecimentos que,

supostamente, formariam o pedagogo generalista, ou seja, o docente e o pedagogo. Ou,

conforme Libâneo, 1998, o pedagogo stricto sensu8.

O estudo de Leite e Lima (2010) coloca em evidência essa contradição

identitária dos cursos de pedagogia: – formar pedagogo x formar docente. Afirmam que

desde sua criação no país em 1939, as legislações foram sendo alteradas, com forte

8 Libâneo qualifica desta forma o profissional pedagogo para diferenciá-lo do profissional docente, uma

vez que entende que todo professor poderia considerar-se pedagogo lato sensu. Para o autor “importa

formalizar uma distinção entre trabalho pedagógico (atuação profissional em um amplo leque de práticas

educativas) e trabalho docente (forma peculiar que o trabalho pedagógico assume em sala de aula) [...]

(Libâneo 1998, p.31).

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presença da marca da docência, porém apresentando ainda grandes dificuldades na

definição de sua identidade, o que se expressa, atualmente, na diversidade das

finalidades de formação conforme as Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de

graduação em Pedagogia, licenciatura, o que compromete, sobremaneira, a qualidade da

formação, dificultando projetos pedagógicos emancipatórios e compromissados com a

responsabilidade de tornar a escola parceira na democratização social, econômica e

cultural do país.

4. Sobre formar o professor para os anos iniciais e ou para a Educação

Infantil

Os dados mostram uma tendência nos cursos pesquisados de focar na formação

docente dos alunos, a área de Educação Infantil, área que tem conquistado espaço

curricular, uma vez que ela é relativamente nova no ensino superior. O que sugere certo

comprometimento dos cursos com a formação em nível superior do profissional que irá

atuar com as crianças pequenas, nas creches e pré-escolas, superando a proposta

formativa dos cursos de Magistério em Nível Médio e de Normal Superior. No entanto,

é importante considerar o alerta de Gatti e Barreto, (2009, p.28):

Seguindo a tradição dos cursos de Magistério de nível médio, os atuais

cursos de Pedagogia costumam preparar concomitantemente o professor para

atuar na educação infantil e no ensino fundamental. A suspeita é que,

entendida, como em tempos passados, mais como uma complementação da

formação dos professores dos primeiros anos do ensino fundamental, a

formação oferecida não esteja contemplando as especificidades da educação

das crianças na pré-escola e nas creches.

5. E a Didática na formação de pedagogos e docentes?

No que se refere à Didática, disciplina que tem por finalidade colaborar na

formação dos professores com o estudo dos processos de ensinar e aprender que ocorre

entre os sujeitos professor e aluno, qual lugar ocupa nos cursos de Pedagogia

analisados? Nota-se que ela comparece em apenas 6,63% da carga horária dos cursos.

Se entendemos que, enquanto área da pedagogia,

[...] a Didática tem no ensino seu objeto de investigação> Considerá-

lo uma prática educacional em situações historicamente situadas

significa examiná-lo nos contextos sociais nos quais se efetiva – nas

aulas e demais situações de ensino das diferentes áreas do

conhecimento, nas escolas, nos sistemas de ensino, nas culturas, nas

sociedades - estabelecendo-se os nexos entre eles. As novas

possibilidades da didática estão emergindo das investigações sobre o

ensino como prática social viva (Pimenta, 2010, p. 17),

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caberia indagar os problemas decorrentes dessa quase ausência da disciplina

didática nos cursos de Pedagogia que se propõem formar professores.

A Didática tem um papel central nos cursos de Pedagogia, pois, conforme

Libâneo (1994, p. 25): “ [ela] é o principal ramo de estudos da Pedagogia... [que]

investiga os fundamentos, condições e modos de realização da instrução e do ensino”.

Mas, de acordo com os dados, tanto em relação ao total de disciplinas ofertadas nas

matrizes curriculares como em relação à carga horária, esta disciplina representa apenas

6% do curso. Esse dado, “pode decorrer das disputas, no campo do currículo, hoje

tensionadas pelas áreas emergentes e que possivelmente mostram maior relação com as

demandas do mercado e com o amplo campo de atuação profissional do pedagogo,

impossibilitado pelas DCNs” (Pimenta et al., 2014, p. 30). O que contribui para

fragmentar e fragilizar a formação do pedagogo no que se refere ao domínio do campo

específico de sua formação profissional de professor.

6. Sobre formar pedagogos para participar da gestão

Estarão os cursos de Pedagogia do Estado de São Paulo formando seus

pedagogos para participar da organização e gestão de sistemas e instituições de ensino;

em ambientes escolares e não escolares?

Essa intenção, definida nas DCNs, se expressou nas matrizes curriculares

analisadas da seguinte forma: “O percentual da carga horária ligado às disciplinas dessa

categoria quanto ao total da carga horária dos cursos foi da ordem de 6,73%, assim

distribuídas: 6,37% para conhecimentos sobre a escola e somente 0,36% para

disciplinas relacionadas à área de gestão em espaços não escolares” (PIMENTA et al.,

2014, p. 28). Essas disciplinas se configuram como as menos oferecidas, embora

tenham se apresentado em todas as matrizes analisadas.

Ou seja, essa formação está praticamente ausente dos cursos analisados; ou, se

existe, está fragilizada.

7. Sobre a heterogeneidade das nomenclaturas das disciplinas ofertadas

Como entendê-la? O que dizem?

Uma hipótese possível é a de que reflete uma variedade de concepções por vezes

apoiadas em orientações normativas anteriores como, por exemplo, as IESs que dividem

a formação dos gestores nas disciplinas: Direção Escolar, Coordenação Pedagógica,

Supervisão Escolar, Orientação Escolar, caracterizando uma fragmentação entre as

diferentes atribuições de cada gestor, mas com a tendência a tocar na especificidade de

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cada função. Assim, algumas IESs estariam mantendo as disciplinas das antigas

habilitações do curso de Pedagogia, ainda de acordo com o Parecer 252 de 1969,

apoiadas, no entanto, nas atuais diretrizes de 2006.

Os dados indicam o que já vínhamos apontando, da impossibilidade dos cursos

de Pedagogia, definidos nas DCNs de 2006, de formar o pedagogo stricto sensu,

conforme denominação de Libâneo (1998), em cursos de licenciatura de Pedagogia.

8. Sobre os Estágios Supervisionados - 300 ou 400 horas? – uma quase

ausência, uma desobediência legal, e uma forma que ignora a realidade para a qual

forma pedagogos?

Embora a carga horária mínima de estágio tenha se apresentado nas matrizes

analisadas de acordo com o que dispõem as DCNs (300 horas) para os cursos de

Pedagogia, 50% dos cursos analisados não apresentam nenhuma disciplina cuja

denominação remetesse à supervisão e orientação de estágio ou das práticas de

ensino. Dentre os que apresentavam disciplinas relativas ao estágio, apenas 27% dos

144 especificaram se a disciplina se referia ao estágio na educação infantil, ensino

fundamental ou na gestão, sendo que a oferta, neste percentual de IESs, se apresentou

de forma equilibrada, sem priorizar nenhum dessas dimensões da formação profissional.

O fato de metade das IESs não apresentarem disciplinas relativas a estágio e de

menos de 30% delas especificarem seu foco, se configura como indício de baixa

preocupação em atender efetivamente ao disposto no Parecer CNE nº 27 (BRASIL,

2001) no que concerne ao estágio atender as diferentes dimensões de atuação

profissional do pedagogo, por exemplo, como docente ou gestor. Esses dados podem

indicar também que o estágio é proposto no curso independentemente das disciplinas,

ou seja, não se garante a necessária articulação entre estágio e as demais disciplinas.

Destacamos, ainda, que a Resolução CNE/CP nº 02/2002 (BRASIL, 2002)

estipula 400 (quatrocentas) horas de prática como componente curricular para todas as

licenciaturas (incluída a de Pedagogia) vivenciadas ao longo do curso; e 400

(quatrocentas) horas de estágio curricular supervisionado a partir do início da segunda

metade do curso. Essas diretrizes não são seguidas pelos cursos de Licenciatura em

Pedagogia.

Em que pese um possível avanço em se definir o início do estágio

supervisionado a partir da segunda metade do curso, o que pode aproximar os

licenciandos da realidade das escolas e das suas práticas educativas, pedagógicas e

docentes, e não mais ao final do curso como até então, essa Resolução acaba por

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dicotomizar e confundir estágio e prática, gerando graves equívocos na formação

docente resultando em empobrecimento das práticas na escola.

Embora não tenhamos destacado nesse estudo os cursos noturnos, é importante a

colaboração de Leite e Lima (2010), que analisaram 1424 cursos de Pedagogia no Brasil

cruzando o período noturno e o estágio. As autoras constataram que a maioria dos

cursos de Pedagogia é oferecida no período noturno, o que pode comprometer a

realização do estágio nas séries iniciais do ensino fundamental e na educação infantil,

conforme apontam Gatti e Barreto (2009, p. 68):

Os cursos noturnos, de modo geral, tendem a ter um funcionamento mais

precário do que os diurnos, particularmente no que diz respeito às atividades

ligadas às práticas docentes requeridas pela formação específica para o

magistério, o que sugere que a formação dos estudantes de licenciatura,

realizada no período noturno, tende a ocorrer em condições de qualidade

menos satisfatórias que a dos demais licenciandos.

Estudiosos já apontavam possibilidade de superação da dicotomia entre estágio

e práticas, à medida em que,

[...] compreende-se o estágio e a prática numa visão de unidade, na qual

ambos constituam-se numa dimensão investigativa, ou seja, a investigação

fundamenta-se como instrumento para assegurar a aproximação à realidade e

à possibilidade da reflexão na escola [a partir das ferramentas teóricas do

curso], além de desenvolver nos alunos, futuros professores, a ideia da

pesquisa como princípio formativo da docência, e contribuindo no processo

de construção de sua identidade docente. (Pimenta et al., 2014, p. 30).

Nesse sentido, considera-se “a pesquisa no estágio, como método de formação

dos estagiários futuros professores, se traduz pela mobilização de pesquisas que

permitam a ampliação e análise dos contextos onde os estágios se realizam” assim

como, possibilita aos “estagiários desenvolverem postura e habilidades de pesquisador a

partir das situações de estágio, elaborando projetos que lhes permitam ao mesmo tempo

compreender e problematizar as situações que observam” (Pimenta & Lima,

2005/2006). A pesquisa no estágio e o estágio como pesquisa possibilitam a formação

do professor crítico reflexivo e pesquisador, o grande desafio das propostas curriculares

dos cursos de formação de professores.

Para tanto, o estágio deve constituir-se em eixo articulador de todo o currículo,

partindo da realidade existente nas escolas. Desta forma, deveria iniciar-se no princípio

do curso tomando “a realidade das escolas como objeto de pesquisa do conjunto das

disciplinas, voltar à realidade propondo formas e caminhos para superação dos

problemas evidenciados que impedem uma educação escolar emancipatória com

qualidade para todos” (Pimenta et al., 2014, p. 30).

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Considerações Finais

As matrizes curriculares dos cursos de Pedagogia refletem os mesmos problemas

identificados nas DCNs, ou seja, a indefinição do campo pedagógico, a dispersão do

objeto da pedagogia e a redução da pedagogia à docência. Consequentemente, esses

cursos, em sua maioria, não estão dando conta de formar, nem o Pedagogo e, tampouco,

o professor para os anos iniciais da Educação Básica e para a Educação Infantil.

O estudo permitiu conhecer um universo significativo de cursos de Pedagogia

oferecidos por instituições públicas e privadas do Estado de São Paulo. Entretanto, é

importante reconhecer os limites dessa pesquisa de não ter tido acesso, na etapa

realizada, ao Projeto Político Pedagógico dos Cursos e aos programas e ementas das

disciplinas. Os resultados encontrados apontam para a relevância de se prosseguir com a

investigação visando analisar o que é proposto e como se efetivam as práticas

formativas na trajetória dos cursos.

Com os dados obtidos, será possível estabelecer outros cruzamentos,

considerando as mesmas categorias que orientaram esse estudo, como por exemplo:

análise em separado dos cursos oferecidos na modalidade EaD; análise dos cursos

oferecidos no período noturno, e outras. Sobre o período noturno é importante

considerar o estudo de Leite e Lima (2010) que analisou 1.424 cursos de Pedagogia no Brasil.

Por fim, os resultados desse estudo contribuem com o debate e as pesquisas em

torno da formação dos professores da educação infantil e anos iniciais do Ensino

Fundamental, assim como com as políticas públicas nessa área; em especial, com os

Conselhos Nacional (CNE) e Estaduais de Educação (CEEs), na revisão das Diretrizes

Curriculares Nacionais dos Cursos de Pedagogia.

Os resultados desse estudo fazem emergir pelo menos as seguintes

possibilidades de investigação:

- Analisar o que é proposto pelas ementas e programas das disciplinas quanto

aos objetivos, aos conteúdos, às práticas formativas e ao referencial teórico.

- Aprofundar a análise de alguns Projetos Pedagógicos de Cursos – por meio de

estudos de caso - que pelas matrizes curriculares mostraram algum avanço na

perspectiva de uma formação interdisciplinar e mais comprometida com a docência na

perspectiva do professor polivalente, tema pouco estudado.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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