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O DESENVOLVIMENTO DAS FUNÇÕES … · 2016-08-15 · apresentados nesse texto foram orientados por pressupostos da Psicologia Histórico-Cultural. A teoria abordada nesse trabalho

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O DESENVOLVIMENTO DAS FUNÇÕES PSICOLÓGICAS SUPERIORES NO

DEFICIENTE INTELECTUAL: ALGUMAS REFLEXÕES E

ENCAMINHAMENTOS

Jodmar Bravo Wieczorek

Tânia dos Santos Alvarez da Silva

Resumo

Este artigo relata um trabalho realizado com o corpo docente da Escola de

Educação Básica Jesus Menino, em Ubiratã-PR , por meio de Curso de

Extensão no qual discutiu-se o desenvolvimento de funções mentais superiores

em alunos com deficiência intelectual. Objetivou-se, por essa iniciativa,

oportunizar aos professores da referida escola, estudos sobre o

desenvolvimento das funções psicológicas superiores e das possibilidades de

desenvolvimento de alunos com deficiência intelectual, a fim de favorecer

reflexões em relação à prática docente voltada ao deficiente intelectual. Os

estudos foram pautados em postulados da psicologia histórico-cultural. No

decorrer do projeto de intervenção pedagógica foram criadas situações de

reflexão, junto aos professores, a partir da projeção de filmes e documentários

afetos ao tema. Em ação complementar, aos estudos teóricos, foram

selecionadas e sistematizadas, atividades pedagógicas diversas. Parte das

atividades são de autoria da primeira autora deste texto. As demais atividades

foram cuidadosamente selecionadas e indicadas, como materiais didáticos

capazes de favorecer o desenvolvimento de funções mentais superiores em

aprendizes com défict intelectual. São elas: um software educacional livre

(Jclic), jogos teatrais baseados nas obras de Olga Reverbell e, atividades

elaboradas por Maristela Rossato, da UNB. Como resultado da intervenção

realizada observou-se sensibilização e envolvimento dos professores cursistas

com aspectos afetos à educação de alunos com deficiência intelectual.

Palavras–chaves: deficiência intelectual funções psicológicas superiores,

mediação pedagógica, abordagem histórico-cultural.

INTRODUÇÃO

Este texto apresenta um estudo sobre as relações entre

desenvolvimento das funções psicológicas superiores e a mediação

pedagógica visando a aprendizagem no contexto da Educação Especial,

especificamente na Escola de Educação Básica Jesus Menino, no município de

Ubiratã.

Entende-se que o trabalho pedagógico, principalmente em relação à educação

especial, somente cumprirá seu papel quando comprometer-se efetivamente

com o desenvolvimento das funções psíquicas superiores. Assume-se nesse

texto a convicção de que atividades pedagógicas adequadamente

sistematizadas contribuem para que os educadores, no contexto escolar,

realizem um trabalho capaz de promover o desenvolvimento de funções

mentais em seus alunos com e sem deficiência. Os estudos e reflexões

apresentados nesse texto foram orientados por pressupostos da Psicologia

Histórico-Cultural.

A teoria abordada nesse trabalho defende que as aprendizagens

possibilitadas pelo grupo social, especialmente aquelas vivenciadas por meio

da escolarização resultam, via de regra, no desenvolvimento das funções

psicológicas superiores. Por isso, organizou-se um caderno pedagógico que

contemplasse o desenvolvimento dessas funções utilizando atividades por

meios das quais o professor possa cumprir seu papel de constante mediador,

garantindo assim a aprendizagem do aluno.

O desenvolvimento do projeto oportunizou aos docentes da Escola

Básica Jesus Menino na Modalidade de Educação Especial, no município de

Ubiratã-PR, acesso a estudos que possibilitaram reflexões em relação a sua

prática educativa, desafiando-os a novos encaminhamentos metodológicos.

Foram sistematizadas mediações potencialmente capazes de promover o

desenvolvimento das funções psicológicas superiores no aluno com deficiência

intelectual, ancoradas em orientações de autores da abordagem histórico-

cultural. Também houve sugestões de atividades pedagógicas com o objetivo

de desafiar o aluno com deficiência intelectual a alcançar padrões mais

sofisticados de manifestação das funções psicológicas superiores.

Para isso elegeu-se, neste trabalho, a organização e proposição de atividades

pedagógicas com vistas ao desenvolvimento das funções de memória e

atenção.

Os autores da abordagem histórico-cultural advertem que o

desenvolvimento humano em condições de deficiência, pode ser potencializado

pela própria deficiência do indivíduo, de tal forma que esse busque a

superação de limites, em um movimento permanente de compensação. Mas

para que isso ocorra, a mediação por parte do educador é de fundamental

importância, a partir da introdução de novos e diferentes caminhos e a

utilização de diversificadas estratégias capazes de favorecer a aprendizagem.

A APRENDIZAGEM SEGUNDO A PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL

De acordo com a teoria Histórico-cultural, os processos psicológicos

superiores têm origem na vida social, ou seja, na participação do sujeito em

atividades compartilhadas com outros. Essa teoria se propõe a analisar o

desenvolvimento dos processos psicológicos superiores, a partir da

internalização de práticas sociais específicas. Sendo assim, cabe afirmarmos

que, de acordo com essa perspectiva teórica, o desenvolvimento do aprendiz

ocorre, por meio da aprendizagem, a partir de um processo culturalmente

organizado, que acontece principalmente no contexto escolar.

Por essa perspectiva teórica, a aprendizagem ocorre em um processo

contínuo e a educação pode ser caracterizada por avanços qualitativos para

um nível superior de desenvolvimento.

É importante salientar que essa abordagem prioriza a importância das

relações sociais e da cultura, que favorecerão a aprendizagem, que por sua

vez, proporcionará o desenvolvimento intelectual. Sobre as relações entre

aprendizagem e desenvolvimento Oliveira (1992, p. 33) afirma: “A

aprendizagem desperta processos internos de desenvolvimento que somente

podem ocorrer quando o indivíduo interage com outras pessoas”.

De acordo com Vygotsky (1988) a escola é um espaço privilegiado de

acesso ao conhecimento, às formas culturais de perceber e estruturar a

realidade. Dessa forma o processo de escolarização é essencial, pois por meio

dos saberes resultantes do trabalho educativo os homens aprendem a pensar,

avaliar, sentir, compreender e explicar o mundo.

As aprendizagens possibilitadas pelo grupo social, especialmente

aquelas vivenciadas por meio da escolarização resultam no desenvolvimento

das funções psicológicas superiores. Por isso, no trabalho desenvolvido foram

propostas atividades que contemplassem possibilidades de desenvolvimento

especificamente das funções de memória e atenção, destacando atividades

onde o professor aja como constante mediador.

Caso o professor, que atua com alunos com deficiência intelectual, não

tenha clareza quanto à importância da mediação e do acesso a conteúdos

desafiadores, como condição para a promoção do desenvolvimento de seus

alunos, há uma tendência de empobrecimento do currículo no trabalho com

esses aprendizes. Assim a aprendizagem e consequentemente, o

desenvolvimento das funções psicológicas superiores desses sujeitos tende a

permanecer perversamente comprometido.

Esse trabalho teve como intuito fornecer elementos que favorecessem

uma atuação pedagógica capaz de promover o desenvolvimento das funções

psicológicas superiores em alunos com deficiência intelectual. Para tal proposta

nos pautamos no entendimento de que a tomada de consciência sobre os

limites decorrentes da deficiência pode desencadear no aprendiz um

movimento de busca de superação de limites, favorecendo assim, o emprego

de mecanismos de compensação. Tal conceito é apresentado por Vygotsky na

clássica obra Fundamentos da Defectologia.

É por meio da atividade de mediação pedagógica desenvolvida pelo

professor, que se concretizará a aprendizagem, muitas vezes potencializada

pela compensação. Esse movimento de aprendizagem mediado é o que

permitirá desenvolver as funções psicológicas superiores.

A MEDIAÇÃO PEDAGÓGICA PARA O DESENVOLVIMENTO DAS FUNÇÕES

PSICOLÓGICAS SUPERIORES

Os processos psicológicos não são ‘funções’ ou ‘faculdades’

indissociáveis, mas sim sistemas funcionais complexos

baseados no trabalho coordenado de um grupo de zonas

cerebrais, cada uma das quais dá a sua contribuição particular

para a construção do processo psicológico complexo. (LURIA,

1981, p.197)

Partindo do pressuposto de que o homem possui natureza social,

Vigotski apresentou uma teoria de desenvolvimento da inteligência, na qual

afirma que o conhecimento é sempre o resultado de mediações. Dessa forma,

é por meio da atividade de mediação humana, e de forma privilegiada pela

medição pedagógica desenvolvida pelo professor, que acontecerá a

aprendizagem. Essa ação mediadora do professor permitirá ao aluno deflagrar

processos de compensação, desenvolvendo assim as funções psicológicas

superiores.

Como já afirmado, o postulado teórico assumido nesse estudo explica

que os processos psicológicos superiores tem origem na vida social, ou seja,

na participação do sujeito em atividades compartilhadas com outros. Essa

teoria se propõe a analisar o desenvolvimento dos processos psicológicos

superiores a partir da internalização de práticas sociais específicas. Sendo

assim, cabe afirmarmos que o desenvolvimento do sujeito ocorre por meio da

aprendizagem, a partir de um processo culturalmente organizado que acontece

de forma potencializada no contexto escolar.

Dentro dessa perspectiva, o professor tem papel fundamental, pois cabe

a ele favorecer, pela transmissão cultural, o desenvolvimento das capacidades

do aluno como um todo, nos mais variados campos por meio da mediação

pedagógica. Em outras palavras, o trabalho educativo deve ter como princípio

orientar e estimular processos internos de desenvolvimento do aluno, por meio

da mediação. Durante a prática educativa, o professor tem um papel decisivo

na apropriação do conhecimento pelo aluno e isso se dá de acordo com a

qualidade das interações.

O desenvolvimento das funções psicológicas superiores recebe

influências das condições de vida, ligadas diretamente à educação, ao

ambiente em que vive o indivíduo e principalmente à mediação proporcionada

pelos adultos. O desenvolvimento que os processos psíquicos alcançam

depende não somente da educação, mas das condições de vida do indivíduo.

O fato de todo o processo de ensino-aprendizagem escolar ser mediado

pelo professor deve garantir que, os alunos se apropriem do conhecimento

elaborado, sistematizado, clássico. Nesse sentido Saviani (2000, p. 19)

adverte: “[...] não se trata, pois de qualquer tipo de saber. Portanto, a escola diz

respeito ao conhecimento elaborado e não ao conhecimento espontâneo; ao

saber sistematizado e não ao saber fragmentado; à cultura erudita e não à

cultura popular.”

FUNÇÕES PSICOLÓGICAS SUPERIORES

Vigotski (2007, p.58) afirma que “Todas as funções superiores originam-

se das relações reais entre indivíduos humanos”. Dessa forma, é fundamental

que o educador conheça como se constituem as funções psicológicas

superiores, na criança. Vigotski quando trata da organização dessas funções

enfatiza a importância das interações humanas para a internalização da

cultura.

Se incluirmos essa história das funções psicológicas

superiores como um fator de desenvolvimento psicológico,

certamente chegaremos a uma nova concepção sobre o

próprio processo de desenvolvimento. [...] A história do

desenvolvimento das funções psicológicas superiores seria

impossível sem um estudo de sua pré-história, de suas raízes

biológicas e de seu arranjo orgânico. As raízes do

desenvolvimento de duas formas fundamentais, culturais, de

comportamento, surge durante a infância: o uso de

instrumentos e a fala humana. Isso, por si só, coloca a infância

no centro da pré-história do desenvolvimento cultural.

(VIGOTSKI, 2007, p.42).

O desenvolvimento das funções psicológicas superiores, na perspectiva

da teoria Histórico-Cultural, é consequência da atividade prática dos indivíduos.

Nessa perspectiva, trabalho e a linguagem funcionam como instrumentos

mediadores, que além de básicos tornam-se essenciais em relação à

elaboração da consciência no ser humano.

O intuito das obras de Vygotsky dentro da dimensão histórico-cultural, é

o estudo dos processos de transformação do desenvolvimento humano,

principalmente das funções psicológicas superiores.

Baseando-se nesse estudo foram relacionadas atividades de aprendizagem,

que visam o desenvolvimento das funções psicológicas. Vygotsky apud

Barroco (2007, p.228) ressalta que:

[...] educar indivíduos com deficiências e/ou com

necessidades educacionais especiais implica em levá-los às

formas de compensações adequadas, ao encontro de vias

colaterais de desenvolvimento, posto que ‘a educação não só

influi em uns ou outros processos de desenvolvimento, senão

que reestrutura as funções do comportamento em toda sua

amplitude’. Os processos compensatórios devem encaminhar

ao desenvolvimento das funções psicológicas superiores de tal

modo que os indivíduos possam ter maior compreensão de si

mesmos e da sociedade que eles mesmos ajudam a formar.

A escola é um ambiente propício para o desenvolvimento e

aprimoramento da atenção e memória do aluno, que deve encontrar na figura

do professor um mediador competente. Por meio de atividades,

conscientemente selecionadas e sistematizadas, o professor contribuirá para

o desenvolvimento e aperfeiçoamento de funções psicológicas superiores em

seus alunos.

Memória

Luria (1991, p.39) entende memória como “registro, conservação e a

reprodução dos vestígios da experiência anterior”. São os registros de nossa

memória que nos dão condições para reunir informações e agir de acordo com

sinais de experiências passadas.

Segundo Vigotski (2007) a memória desenvolve-se juntamente com a

percepção, que durante a infância, em sua fase inicial, torna-se uma das

funções psicológicas centrais, pois em torno dela são formadas as demais

funções. O autor ainda afirma que, durante a infância, a memória é intensa,

porém durante o processo de desenvolvimento do homem ela pode sofrer

enfraquecimento pelo fato do tecido neurocerebral não se desenvolver ao longo

da vida do ser humano, como ocorreu até então.

[...] a memória,em fases bem iniciais da infância, é uma das

funções psicológicas centrais., em torno da qual se constroem

todas as outras funções.[...] o ato de pensar na criança muito

pequena é, em muitos aspectos, determinado pela sua

memória e, certamente não é igual à mesma ação em crianças

maiores. Para as crianças muito pequenas, pensar significa

lembrar, em nenhuma outra fase, depois dessa muito inicial da

infância, podemos ver a conexão entre as duas funções

psicológicas. ( VIGOTSKI, 2007, p. 47-48)

Atenção

A mediação pedagógica intencionalmente planejada tem a propriedade

de promover no aluno o desenvolvimento, não somente da atenção, mas de

todas as funções psicológicas superiores dos indivíduos. A atenção, de modo

particular evolui de uma manifestação involuntária para uma conduta orientada,

no plano externo e interno, pela linguagem.

Segundo LURIA (1991, p. 30),

[...] a atenção involuntária da criança dos primeiros meses de

vida tem caráter de um simples reflexo orientado de estímulos

fortes ou novos, de acompanhamento desses estímulos com o

olhar, de “reflexos de concentração” nestes. Só mais tarde [...]

as formas de atenção se manifestam antes de tudo no

surgimento de formas estáveis de subordinação do

comportamento de instruções verbais do adulto que regulam a

atenção.

Por volta dos seis meses de idade o bebê manifesta grande interesse

por objetos que estão ao seu redor, buscando manipulá-los e fixando sua

atenção em um deles. Nessa idade, a atenção é muito instável, porém, a partir

do momento que a criança começa a andar e a desenvolver sua fala, aparecem

os primeiros sinais da atenção voluntária e seletiva. Dessa forma, torna-se

primordial a interação com o adulto para o desenvolvimento de uma forma cada

vez mais sofisticada de atenção. Com os comandos proferidos pelo adulto,

como mediador, a criança passa a direcionar sua atenção, desenvolvendo

assim novas estruturas que atenderão às exigências de novos desafios. Essa

forma mais sofisticada de funcionamento intelectual na criança, resultante da

mediação intencional do adulto, permitirá a transposição de novos desafios em

situações distintas. É por meio da fala que a criança torna-se capaz de

controlar sua atenção. A esse respeito Vigotski afirma:

[...], o campo de atenção da criança engloba não uma, mas a

totalidade das séries de campos perceptivos potenciais que

formam estruturas dinâmicas e sucessivas ao longo do tempo.

A transição da estrutura simultânea do campo visual para a

estrutura sucessiva do campo dinâmico da atenção é

conseguida através da reconstrução de atividades isoladas

que constituem parte das operações requeridas. Quando isso

ocorre, podemos dizer que o campo da atenção deslocou-se

do campo perceptivo e desdobrou-se ao longo do tempo, como

um componente de séries dinâmicas de atividades

psicológicas (VIGOTSKI, 2007, p.28)

A atenção desempenha papel fundamental em toda a atividade do

indivíduo, principalmente em relação ao desenvolvimento escolar. Sua

ausência ou insuficiência faz com que o conteúdo acadêmico estudado seja

incompreendido. Por isso é sempre necessário que a atenção do aluno esteja

voltada ao conteúdo, que o professor como mediador do processo de ensino-

aprendizagem esteja ensinando, não somente para as atividades

desenvolvidas.

Ao contrário do que se pode pensar, o silêncio, ou a ausência de

indisciplina, não é garantia de que a atenção do aluno esteja voltada à aula, ou

melhor, ao objeto de estudo. É importante que o trabalho do professor em sala

de aula deixe os alunos à vontade para que questionem e se contraponham ao

que está sendo estudado. É necessário que se desenvolvam atividades

dinâmicas e variadas, pois do contrário, os alunos podem se sentir

desmotivados e cansados, o que poderá interferir de forma negativa no nível de

atenção.

Por meio da mediação do professor, desde o início da escolarização, os

alunos devem aprender a sempre desenvolver um trabalho organizado, nas

diferentes atividades ou conteúdo estudado. O professor, por meio de sua

atuação, deve ter o cuidado de despertar nos alunos o pensamento reflexivo a

respeito de questões que vão surgindo. É de fundamental importância que o

mediador utilize explicações claras e concretas, levando o aluno a uma melhor

compreensão da significação dos conteúdos estudados e a uma maior atenção,

pois, quando o aluno entende o que está sendo explicado, sua atenção tende a

ser melhor, sobretudo, quando os alunos são desafiados com o uso de novos e

coerentes encaminhamentos metodológicos.

Discutiu-se com o grupo o acesso à atividades pedagógicas que

possibilitaram a reorganização do processo de formação de ações mentais.

Para que haja a apropriação dos conceitos, das noções, do conhecimento,

formando assim na criança operações mentais adequadas para que ocorra a

manifestação de funções psicológicas superiores.

Dialogando com professores sobre as funções mentais e as

possibilidades de aprendizagem do deficiente intelectual.

Durante o curso para implementação do projeto de Intervenção

Pedagógica foram realizados oito encontros, totalizando uma carga-horária de

32 horas.

Inicialmente realizou-se uma dinâmica de grupo intitulada “café-

especial”. Na dinâmica, os professores experimentaram, ainda que de forma

simulada, a condição de deficientes. Eles ficaram sob a condição de cegos, ou

paralisados cerebrais (paraplégicos e hemiplégicos), surdos e deficientes

intelectuais. Deveriam se alimentar durante o café sob essas condições:

impossibilitados de se movimentarem, de se expressarem por meio da fala, de

visualizar o ambiente, de pegarem os alimentos ou até mesmo de serem

compreendidos pelos demais presentes.

Observou-se que os professores, ao se colocarem na mesma condição

de seus alunos, passando pelas dificuldades diárias que eles enfrentam,

principalmente durante a alimentação e a comunicação, sentiram a

necessidade de mudarem sua postura. Uma das principais dificuldades que

relataram foi em relação à comunicação. A ocasião possibilitou discutir com o

grupo o uso da comunicação alternativa de baixa tecnologia, como pranchas de

comunicação alternativa e a combinação de sinais para as atividades de vida

diária.

No segundo encontro, o trabalho foi desenvolvido a partir da projeção

do filme “ Gabi, uma história verdadeira”. O filme narra a vida de Gabriela

Brimmer nascida com paralisia cerebral, conseguindo movimentar somente

seu pé esquerdo. Ela começou a usar esses movimentos para se comunicar, e

por meio da mediação feita por sua babá, conseguiu não somente sua

independência, mas também se tornar uma reconhecida escritora e poetisa.

O filme suscitou a realização do seminário intitulado: “ A mediação humana no

processo de ensino-aprendizagem”. Nele analisou-se a necessidade de

utilização de pranchas de comunicação alternativa para os alunos com paralisia

cerebral, da Escola Jesus Menino. Nas discussões com o grupo de professores

ficou claro que o papel fundamental do professor é favorecer o

desenvolvimento das capacidades do aluno de forma integral, nos mais

variados campos, pela mediação pedagógica. O trabalho educativo deve ter

como princípio orientar e estimular processos internos de desenvolvimento do

aluno. O professor tem um papel decisivo na apropriação do conhecimento

pelo aluno e isso se dá de acordo com a qualidade das interações.

No terceiro encontro, com a finalidade de que os professores

conhecessem melhor como ocorre a aprendizagem, segundo a psicologia

histórico-cultural, principalmente em relação ao desenvolvimento das funções

psicológicas superiores, foi realizada a análise da Produção Didática: “A

Mediação pedagógica para o desenvolvimento das Funções Psicológicas

Superiores”.

O encontro culminou com a projeção do documentário “Genie, a menina

selvagem”, seguido do seminário: “O desenvolvimento das funções

psicológicas superiores no homem resultante, sobretudo, das aprendizagens

possibilitadas pelo grupo social.” Durante as discussões, os professores

abordaram a qualidade das interações sociais dentro do ambiente escolar para

o desenvolvimento das funções psicológicas superiores.

No quarto encontro, após a projeção do filme “O enigma de Kaspar

Hauser”, foi realizado um seminário com o título: “As consequências da

privação da interação humana e as possibilidades de superação de

dificuldades no desenvolvimento”.

No filme, Kaspar Hauser, um jovem que passou grande parte de sua

vida em cativeiro e desconhecia toda a existência exterior, foi repentinamente

posto em liberdade em convívio com o mundo civilizado. Na trama, pessoas

simples da comunidade se organizam para ajudá-lo, pois ele não conseguia

falar ou andar.

As discussões do seminário giraram em torno da necessidade da

promoção de situações que favoreçam o desenvolvimento das funções

psicológicas superiores no deficiente intelectual por meio da mediação

pedagógica.

No quinto encontro foi realizada a projeção do filme: “O milagre de Anne

Sullivan” que relata a trajetória de Helen Keller, uma menina que, após uma

grave doença infantil, ficou surdocega. A professora Anne Sullivan acompanha

a educação da menina, ensinando-lhe a língua de sinais tátil .

Após a projeção do filme seguiu-se o seminário sobre “O papel da

linguagem na constituição das funções psicológicas superiores”. Os

professores reconheceram a importância de promover o desenvolvimento da

linguagem, de tal modo que os alunos possam desenvolver suas funções

psicológicas superiores.

Para isso foram abordadas as mais diferentes formas de comunicação,

principalmente as propostas de comunicação alternativa de baixa tecnologia. A

adoção desses recursos cumpre a função de proporcionar, à pessoa com

deficiência, maior independência, qualidade de vida e inclusão social. Isso

porque, tais recursos proporcionam a ampliação das possibilidades de

comunicação, bem como favorece o aprendizado, as atividades do trabalho e

integração com a família, amigos e sociedade.

O tema do sexto encontro foi a memória. Para que pudessem ser

analisados os jogos primeiramente foi realizada uma exposição sobre o

software Jclic e seu uso como importante recurso pedagógico disponibilizado

nas escolas paranaenses. Os professores tiveram a oportunidade de manusear

os jogos do software Jclic e manusearem os diferentes jogos pedagógicos.

A atenção foi o foco das discussões do sétimo encontro. As atividades

apresentadas como recurso para o desenvolvimento da atenção foram:

atividades organizadas por Maristela Rossato, jogos teatrais e atividades de

expressão elaborados por Olga Reverbel e, jogos do site Jclic de domínio

público. Os professores tiveram a oportunidade de manusear os jogos, bem

como sugerir outras atividades e jogos para o desenvolvimento da atenção.

No oitavo e último encontro realizado com os professores da escola

Jesus Menino, oportunamente, foi projetado o filme “O oitavo dia”. Em seguida

foi realizado um seminário com o tema “Síndrome de Down: acessibilidade no

atendimento ao deficiente intelectual”. Nesse encontro foram analisadas

sugestões de como atender o deficiente intelectual encontradas na obra “Mude

seu falar que eu mudo meu ouvir”, produzida pela Associação Carpe Diem de

São Paulo. As dicas oferecidas pelo livro cumprem o propósito de favorecer

alguns aspectos da vida do deficiente intelectual como compreensão,

comunicação, memória, ritmo, tempo convencionado, uso do dinheiro, lazer,

experiência escolar, trabalho, namoro e família. Esse estudo resultou em

uma nova postura dos professores da Escola Jesus Menino em relação à

comunicação com seus alunos, principalmente em relação ao vocabulário e o

tempo de comunicação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Finalizamos esse projeto convictos de que, os estudos desenvolvidos

junto ao corpo docente da Escola de Educação Básica Jesus Menino na

Modalidade Especial, sobre o desenvolvimento das funções psicológicas

superiores em alunos com deficiência intelectual produziram frutos preciosos.

Os estudos possibilitaram reflexões entre os professores, em relação à prática

educativa.

Ao longo dos encontros, os professores que atuam na área da Educação

Especial reafirmaram a necessidade de maior fundamentação teórica para

nortear o trabalho educativo. A psicologia histórico-cultural foi apontada como

um referencial teórico capaz de fornecer caminhos para a condução

pedagógica do grupo.

É importante destacar que, de acordo com o Projeto Político

Pedagógico da escola de Educação Básica Jesus Menino na Modalidade

Especial, todo o trabalho pedagógico está estruturado nos princípios da Teoria

Histórico-Cultural de Vygotsky. Por tal postulado teórico, a natureza humana

em sua gênese, pressupõe uma natureza social da aprendizagem. Ou seja, os

teóricos da escola de Vygotsky defendem que é por meio das interações

sociais que todos os indivíduos desenvolvem suas funções psicológicas

superiores. Esse entendimento aponta novas perspectivas na área da

educação de pessoas com deficiência.

Os professores cursistas discutiram sobre a necessidade de uma maior oferta

de cursos de capacitação, que possam trabalhar os mesmos conteúdos que

ora trabalha-se nos chamados cursos adicionais. Isso porque, os cursos de

graduação, bem como os cursos de pós-graduação não ofereceram subsídios

teóricos e práticos para o trabalho com as particularidades do aluno com

deficiência intelectual, principalmente em relação ao desenvolvimento das

funções psicológicas superiores.

Durante a implementação do projeto, deixamos claro aos professores

que os exemplos apresentados serviam ao propósito de ajudá-los a refletir

sobre recursos pedagógicos disponíveis e viáveis para o trabalho com

diferentes alunos.

Foram criadas situações de reflexão por meio da exposição da teoria

Histórico-cultural, principalmente das idéias de Vygotsky, incitando-os a

reconhecerem que as funções psicológicas superiores de seus alunos

respondem, em certo sentido, ao seu trabalho pedagógico.

Finalmente, o projeto culminou com a socialização do acesso às

atividades pedagógicas relatadas na Produção Didática e compartilhadas pelos

professores do Grupo de Trabalho em Rede (GTR). Enfim, o projeto

favoreceu, de forma indireta, a reorganização do processo de formação de

ações mentais dos alunos com deficiência intelectual, por meio da formação de

seus professores. Espera-se que, como desdobramento desse trabalho, ocorra

a apropriação do conhecimento e de conceitos complexos em alunos com

deficiência intelectual da escola alvo desse estudo. Enfim, espera-se que os

alunos com deficiência intelectual desenvolvam cada vez mais, suas funções

psicológicas superiores.

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