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Número XXI – Volume I – julho de 2018 eticaefilosofia.ufjf.emnuvens.com.br ISSN: 1414-3917 e-ISSN: 2448-2137 175 O DEUS “CRISTÃO” DE HEGEL; A ESTRUTURA DAS PRELEÇÕES SOBRE FILOSOFIA DA RELIGIÃO E A REAÇÃO A ELAS Humberto Schubert Coelho 1 Se diz, assim, que Deus é um ser vivo, eterno, sumamente bom, de maneira que a vida e a duração contínuas e eternas pertencem a Deus; pois isto é Deus. Aristóteles, Metafisica. (XII, 7, 1072b 29- 31). RESUMO: Não há dúvidas de que o conceito hegeliano de Deus é peculiar e único, justificando interpretações contraditórias a respeito da relação do filósofo com o cristianismo. Para melhor compreendê-lo, é preciso situar o papel do conceito de Deus em relação aos conceitos de religião e ao conceito de cristianismo, que juntos formam o quadro metafísico e historicista de imanência e revelação do Espírito. A negação da ideia de imortalidade da consciência individual, contudo, fez com que a defesa hegeliana de conceitos fortes de Deus e de cristianismo não fosse vista como suficiente para isentá-lo de acusações de ateísmo e panteísmo. Ao final deste trabalho, portanto, apresentaremos uma dessas críticas a respeito da recepção do pensamento hegeliano pela filosofia e teologia cristãs. Palavras-chave: Deus, Espírito, Cristianismo, Panteísmo, Imortalidade. Abstract: There is no doubt that the Hegelian concept of God is a unique one, justifying contradictory interpretations about the philosopher’s relation to Christianity. In order to understand it, one must situate the role of this concept of God in relation with the concepts of religion and Christianity, which together form the metaphysical and historicist structure of immanence and revelation of Spirit. The rejection of the idea of immortality of individual consciousness, however, made him target of charges of atheism and pantheism, despite the fierce Hegelian defense of God and Christianity. Therefore, in the end of this paper I will present one of these criticisms on the reception of Hegelian thought by Christian philosophy and theology. Keywords: God, Spirit, Christianity, Pantheism, Immortality. 11 Professor do programa de pós-graduação em filosofia, departamento de filosofia, UFJF.

O DEUS “CRISTÃO” DE HEGEL; A ESTRUTURA DAS … trabalho tomei a decisão de deliberadamente afastar a obscuridade parte d ... para a conclusão já insinuada na filosofia clássica

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O DEUS CRISTO DE HEGEL; A ESTRUTURA DAS PRELEES SOBRE FILOSOFIA DA RELIGIO E A

REAO A ELAS

Humberto Schubert Coelho1

Se diz, assim, que Deus um ser vivo, eterno, sumamente bom, de maneira que a vida e a durao contnuas e eternas pertencem a Deus; pois isto Deus. Aristteles, Metafisica. (XII, 7, 1072b 29-31).

RESUMO: No h dvidas de que o conceito hegeliano de Deus peculiar e nico, justificando interpretaes contraditrias a respeito da relao do filsofo com o cristianismo. Para melhor compreend-lo, preciso situar o papel do conceito de Deus em relao aos conceitos de religio e ao conceito de cristianismo, que juntos formam o quadro metafsico e historicista de imanncia e revelao do Esprito. A negao da ideia de imortalidade da conscincia individual, contudo, fez com que a defesa hegeliana de conceitos fortes de Deus e de cristianismo no fosse vista como suficiente para isent-lo de acusaes de atesmo e pantesmo. Ao final deste trabalho, portanto, apresentaremos uma dessas crticas a respeito da recepo do pensamento hegeliano pela filosofia e teologia crists. Palavras-chave: Deus, Esprito, Cristianismo, Pantesmo, Imortalidade. Abstract: There is no doubt that the Hegelian concept of God is a unique one, justifying contradictory interpretations about the philosophers relation to Christianity. In order to understand it, one must situate the role of this concept of God in relation with the concepts of religion and Christianity, which together form the metaphysical and historicist structure of immanence and revelation of Spirit. The rejection of the idea of immortality of individual consciousness, however, made him target of charges of atheism and pantheism, despite the fierce Hegelian defense of God and Christianity. Therefore, in the end of this paper I will present one of these criticisms on the reception of Hegelian thought by Christian philosophy and theology. Keywords: God, Spirit, Christianity, Pantheism, Immortality.

11 Professor do programa de ps-graduao em filosofia, departamento de filosofia, UFJF.

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O lugar conceitual de Deus:

Neste trabalho tomei a deciso de deliberadamente afastar parte da obscuridade

da terminologia hegeliana e apresentar com a mxima clareza a ideia de Deus contida nas

Prelees sobre Filosofia da Religio (PFR). O problema de Deus, que se patenteia como

basilar no sistema hegeliano, encontra nas PFR um alto grau de transparncia, permitindo

traduzir em linguagem filosfica a essncia do conjunto simblico da doutrina crist, o

que, ao mesmo tempo, atesta sua excelncia e a capacidade superior da filosofia em

subsumir a seu modo todos os demais elementos do pensamento.

At os dias de hoje, as razes para a defesa filosfica da crena em Deus se

relacionam fundamentalmente com dois problemas: no possvel justificar a relao,

muito menos a causao de propriedades mentais a partir de propriedades materiais, e no

possvel justificar a epistemologia a partir de um ponto de partida externo mente

humana e ao ato de filosofar (PLANTINGA; TOOLEY, 2014).2

O papel da mente e dos atributos aparentemente mentais da realidade concorre

para a concluso j insinuada na filosofia clssica grega de que a realidade ltima deve

ter natureza mental.3 Mas, como j sabido desde o nascimento da filosofia, a busca por

2 Esses argumentos so expostos por Alvin Plantinga segundo uma formatao consentnea com discusses presentes, mas podemos converter a segunda proposio no antigo problema gerado pelo determinismo, que o de no podermos saber se nossas crenas sobre o mundo possuem alguma validade judicativa ou so inteiramente condicionadas, escapando de nosso controle, caso em que no faria mais sentido dizer que estamos engajados em uma investigao verdadeira, ou que nossas divergncias sobre ela possam ter relao com argumentos. Embora ambas as proposies sejam objetveis, nenhuma delas foi invalidada at o momento. A primeira no foi invalidada porque no apenas conceitualmente invivel explicar propriedades mentais usando exclusivamente as propriedades fsico-qumicas e as medies estatsticas usuais na descrio do mundo fsico, mas tambm porque as tentativas correntes e muito sofisticadas de explicao de funes mentais bsicas a partir das neurocincias contm sempre gaps constrangedores. A segunda, talvez mais bem contra-atacada atualmente, resta de p porque mais fcil justificar a correspondncia entre nossas mentes e a realidade fsica se ambas forem propositalmente feitas para essa correspondncia, j que, pela assumida disparidade mente-corpo anterior, necessrio (e difcil) justific-la. Podemos, ento, optar por um realismo garantido por Deus ou um transcendentalismo garantido por Deus, no conseguindo de outro modo justificar nossas crenas sobre o mundo a partir da ideia de que o mundo que determina essas crenas. Por fim, Plantinga tambm levanta um terceiro argumento com respeito noo de funo apropriada. Segundo o naturalismo, jamais poderamos julgar como apropriada/inapropriada qualquer funo. Viver ou morrer, funcionar ou no, seriam juzos da folk psychology estreitamente ligados ao desgnio, no aplicveis ao mundo natural, pois, para este, o que acontece o que deve acontecer, sendo irracional atribuir valorao funcional a qualquer processo (PLANTINGA; TOOLEY, 2014, p. 32). Embora esse terceiro argumento tambm tenha muito a ver com o desenvolvimento do conceito de Deus no idealismo, ele passa mais ao largo do recorte aqui apresentado. 3 claro, o voluntarista se agita pela reflexo de que condicionar Deus lgica ou moralidade significa limit-lo a algo externo a ele, furtando-lhe, assim, a absoluta onipotncia. A nica resposta a esta objeo

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um fundamento absoluto qualificvel como arkh definitiva exige necessariamente que

sua soluo seja incondicionada, livre de pressupostos (). Assim, a histria

da filosofia a histria do descobrimento do pensamento sobre o absoluto, o qual seu

objeto. por isso que se pode dizer que Scrates, por exemplo, descobriu a definio4 de

propsito, elemento que seria elaborado e mais bem conhecido por Plato e,

especialmente, Aristteles. (HEGEL, 1970, VIII, 22). Destarte, Hegel concebe o papel

da filosofia como intimamente ligado a uma viso cientfica de Deus.5

Hegel no tem problemas em admitir, por exemplo, a aleatoriedade no mundo,

desde que essa aleatoriedade no significa ausncia de contingncia e sentido intrnsecos,

mas to somente uma dificuldade em acomodar certos fatos empricos ao esquema de

mundo que uma pessoa ou comunidade montam para si. Se um acidente natural atinge

uma cidade, no se deve cogitar de haver um plano de Deus imbudo de motivao moral

e existencial exata para cada vtima e cada sobrevivente, mas, ao invs disso, a populao

deve antes aceitar racionalmente que acidentes fazem parte da vida e da ordem natural,

direcionando seu esforo moral para a reconstruo da cidade, que a parte que lhe cabe.

Nas palavras de Henrich, belo e admirvel tentar enquadrar cada mnima ao particular

em uma ordem e propsito, mas essa tentativa no encontra sentido alm de nossa

concepo finita do que deveria ser o plano, de modo que mais saudvel investirmos

nosso potencial intelectivo na compreenso da naturalidade dos acidentes e na reao a

a de que verdades lgicas, lei moral, e talvez todas as eide e as leis que regem o ser no so antecedente a Deus, mas so elas mesmas Deus. Isso parece, no entanto, transformar Deus em um conjunto de verdades absolutas. No possvel enxergar como ele possa ser ainda algo como uma pessoa. Como vimos antes, na tradio platnica o ser verdadeiro era concebido segundo um padro de ideias. [...] Eu concedi que Plato fosse incapaz de capturar as formas especficas do ser de infinita subjetividade, e no deveria ser surpresa que ele tinha dificuldade em atribuir uma subjetividade de amplo espectro a Deus, mesmo que ele tenha se dedicado questo no Sofista. Mas qualquer um que reconhea que a mentalidade uma forma irredutvel do ser, e que ela axiologicamente superior ao ser no-mental, no pode evitar interpretar Deus como mente. (HSLE, 2013, 9) 4 Aqui, Bestimmung poderia ter traduo mais literal como determinao, mas a sentena soaria menos clara em portugus. 5 Sobre isso, Peter Hodgson observa em Hegel and Christian Theology: Quando se remove os parnteses da Fenomenologia, fica claro, diz OReagan, que o sujeito ultimo do devir no o ser humano individual ou a sociedade, mas sim Deus, o transcendental significado ou, nos termos de Hegel, nem esprito subjetivo nem esprito subjetivo, e sim esprito absoluto. (HODGSON, 2005, 17)

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eles, pois tais ocorrncias so inessenciais vida do homem, enquanto suas obras

espirituais no (HENRICH, 1967, 173).

Admitindo as ideias de propsito, liberdade e razo como imanentes e

generalizadas, Hegel no chega, contudo, a humanizar o mundo a ponto de ignorar o papel

da contingncia, do determinismo e do acidente, e a conjuno desses princpios em

uma forma orgnica e complexa de acomodao de suas distintas vigncias que torna to

inamistoso o seu pensamento.

Para compreender a ideia de Deus, portanto, temos de retornar s muitas

referncias conceituais espalhadas pela obra hegeliana em suas diferentes tentativas

sistematizadoras, trazendo conscincia a relevncia do conceito, da ideia, da razo, da

unidade, da vida, do absoluto, para citar alguns elementos imprescindveis ao processo

total vislumbrado e construdo pelo autor. Em termos, o que Hegel quer significar com

seu uso peculiar das palavras Deus e Absoluto que devemos nos perguntar em que

sentido podemos seriamente dizer que em Deus somos, nos movemos e temos nosso

ser; ou que Deus tudo, est aqui (HEGEL, 1970, VIII, 13); ou que o pensamento se

descobre como pensamento do pensamento na figura de Deus. A necessidade de comear

pelo inverdico (ser), para chegar verdade (Deus), patente na forma do

desenvolvimento do esprito absoluto. Esse processo s por ns conhecido, se

reconhecemos o mundo criado, a natureza e o esprito finito como inverdicos em

comparao com Deus (HEGEL, 1970, VIII, 83). Logo, o jogo entre ser, essncia e

absoluto mais complexo do que o monismo hegeliano costuma soar nas exposies

reducionistas de seus adversrios. A essncia s se reifica como idntica a si mesmo

porque se v refletida em um outro. Por isso, ao contrrio do ser, a essncia determinada

em contraposio (pela diferena) (HEGEL, 1970, VIII, 142). Substancialidade a

propriedade de subsistir em si mesmo, o que em parte uma iluso, visto que todo

particular em funo de um geral, mas tem validade na medida em que se pode

perseverar no seu ser prprio dentro do movimento da totalidade. Essa subsistncia,

contudo, tem de ser autorreferencial em face do diferente. Da reciprocidade entre duas

substncias decorre a causalidade, que mutua efetividade. Ora, a propriedade de ser

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necessariamente que pode ser vislumbrada como causalidade desdobrada da

autossubsistncia das substncias, e ento, da liberdade.

Esta forma extica de soluo da adequatio rei intelectus traz traos distintivos

do neoplatonismo.6 Por isso toda substncia extrai sua fora do conceito, que a pura

autodeterminao livre (HEGEL, 1970, VIII). Na raiz, como no manifestar de cada

indivduo, est o esprito, no enquanto abstrao ou pura intelectualidade, como ele foi

concebido na Grcia, e sim como esprito vivo e criador, fomentando a especificao de

cada particular no quadro da totalidade (HEGEL, 1970, X, 384).

As Prelees sobre Filosofia da Religio colocam nfase sobre a organicidade

entre ser e saber, Porque a determinao do puro pensar pertence ao determinar da

essncia... (HEGEL, 1970, XVII, 17), tendo em vista que o que dito de Deus dito

sobre a essncia do ser e no sobre conceitos abstratos. J para os neopitagricos e os

neoplatnicos, os quais ainda permaneciam no mundo pago, os deuses do povo no eram

deuses de fantasia, tendo se tornado deuses do pensamento. (HEGEL, 1970, XVI, 40)

Contudo, a filosofia trata o supremo como absoluto e como ideia, a religio trata-o no

apenas como pensado, mas como manifesto. Por isso, a filosofia da religio tem de

assumir que a religio enxerga Deus como manifesto, enxerga o ser de Deus, sem que,

por outro lado, a ela possa ser entendida como superior filosofia, j que esta leva total

conscincia o que aquela to somente representa (EBERT, 1996, 95-96).

Hoje ponto comum que o sistema de Hegel implica em panentesmo.7 A ideia

que ele fazia do pantesmo no admitia um reducionismo das coisas a Deus, ou, como

comumente se diz, uma pantesmo em que o indivduo fosse reduzido a nada, absorvido

no Esprito de forma desumanizante, e isso por duas razes: porque Deus no

simplesmente tudo o que existe, mas aquilo que, em tudo o que existe, faz com que as

6 Lembrando, primeiramente, que o neoplatonismo inclui uma sria absoro da contribuio de Aristteles definio estrutural do ser. Conforme Jens Halfwassen, pensadores como Eusbio de Cesaria, Plotino, Proclo, Jmblico e Flon de Alexandria tm grande importncia nesse comenos, transmitindo a Hegel a convico de que os seres pensantes, finitos ou infinito, possuem em si unidade e inteireza por fora mesmo de sua natureza pensante, enquanto pessoas, e isso torna pensvel a comunho ntima entre dois seres pensantes, e de todos com aquele que infinito. (HALFWASSEN, 2005, 71-82) 7 A ttulo de exemplo: (HODGSON, 2005, 106), (COOPER, 2006, 91; 107-109)

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coisas sejam o que so,8 e porque ele fez da substncia sujeito, no havendo mais sentido

em ver na totalidade espiritual uma desumanizao semelhante que se pode ver em um

pantesmo ou um monismo onde a totalidade no se identifique com o humano ou tome

por ilusria uma parte essencial do humano. O Deus de Hegel no o todo alheio, mas

o todo dos todos, o universal que englobe toda a alteridade e toda a diferena.

(HODGSON, 2005, 264)

Similarmente ao que se observa desde a Fenomenologia do Esprito, a totalidade

hegeliana a unidade imanente dos particulares. A natureza engloba tanto a vida quanto

a morte, e no a vida apesar da morte, mas uma e outra intensificando-se mutuamente em

mesmo grau. O viver marcado pela morte, ao passo que os seres inanimados

desconhecem a morte, so imortais, mas tambm no vivos. Assim, a morte no aparece

na natureza como maldio, e sim como determinante da vida. A natureza tanto d quanto

tira a vida, e o seu aspecto trgico visto com serenidade pelo filsofo, pois ele no espera

a superao do diferente, do negativo, do finito e, portanto, da morte. Parte do ataque a

Schelling tem sua razo de ser na impresso de Hegel de que a filosofia da identidade

daquele no considerava com suficiente gravidade a fora da negatividade (HENRICH,

2003). O Esprito infinito justamente em seu finitizar (HEGEL, 1970, X, 386), na

forma como a multido dos particulares esto intimamente tramados numa tessitura

comum. Por isso, o tom schellinguiano de uma hipostasiao do particular e da diferena

a partir de uma identidade s ela verdadeira soa como fracasso do projeto sistemtico aos

olhos de Hegel. Os resultados desse distanciamento da filosofia de Schelling deixam

entender, para alguns, que o papel de Deus na filosofia de Hegel seria menor, quando, de

fato, todo o projeto hegeliano parece querer elevar a funo de Deus de substncia

concreta, oposta viso que ele entendia como abstrata, de Schelling.

Conceito hegeliano de religio:

8 Com isso, Hegel se afasta do que entende por cristianismo ortodoxo, o qual teria permanecido preservado da crtica de Kant, e abraa uma reestruturao agressiva dos conceitos de Deus, sua relao com o mundo e com o homem (MEIST, 1997, 64-66), mas, ao mesmo tempo, no permite que essa guinada o converta em uma espcie de contestador das verdades seminais contidas no cristianismo.

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A reconstruo da prova ontolgica moderna remonta a Descartes, passando por

Leibniz, at Baumgarten e Bering, terminando no argumento deste ltimo de que 99

tleres reais valem mais do que 100 tleres fictcios, de modo que a concepo de 99

tleres reais incomparavelmente mais valiosa que a de 100 tleres imaginrios

(HENRICH, 1960). Do ponto de vista do velho argumento do grau de realidade, os tleres

reais seriam apenas um pouco mais reais do que os possveis. Mas ao retirarmos um tler

ficamos com um grupo de 100 possveis, de um lado, e 99 reais, de outro, sendo que a

sua realidade lhe d uma pequena vantagem, e a diminuio de um tler retiraria esta

vantagem. Na conscincia de nenhuma pessoa real, contudo, os 100 tleres possveis tero

um valor comparvel ao dos 99 reais (ou 50, 10, um nico tler real), pois a diferena de

realidade entre os tleres possveis e os reais no progressiva ou gradual, mas binria:

existente ou no existente (HENRICH, 1960, 120).

Na crtica de Kant ao argumento ontolgico, contudo, observa-se que no h como

distinguir absolutamente nenhuma diferena de valor entre cem tleres reais e cem tleres

pensados. Isto porque existir ou ser no constitui ato predicativo (HENRICH, 1960, 139)

Adicionalmente, Kant mostra a irreligiosidade dessa tentativa de salvaguardar a

existncia de Deus, j que a prova no eleva, e sim reduz Deus categoria dos existentes,

do mundo. Kant quer ressaltar, sobretudo, que a noo de existente, validada pela

experincia, no cabe a Deus, que puro esprito, e deve ser contemplado pela razo

como ideia.

Hegel considerava os argumentos de Kant uma falha fatal na compreenso da

essncia da religio, uma vez que Kant entendia por religio um conjunto de afirmaes

metafsicas desvinculadas da experincia e, por isso, com mero valor hipottico-

regulativo na orientao da vida moral. Para Hegel, a incapacidade de Kant em perceber

o contedo da religio levou este a uma admisso senso-comum de sua invalidade

objetiva. Hegel, ao contrrio, afirmava que a religio no apenas concreta, envolvendo

todo um leque de experincias da conscincia em relao a Deus, mas a prpria relao

entre Deus e o homem seria totalmente vazia se Deus fosse apenas uma ideia humana,

uma expresso subjetiva (WILLIAMS, 2017, 56-58). Ao invs disso, a fenomenologia da

vida religiosa testifica que o relacionamento do homem com Deus sempre foi um

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relacionamento de mo dupla, onde o homem se sente muitas vezes receptor passivo de

uma manifestao do divino, ao invs de apenas produtor de ideias e intenes religiosas.

Em outras palavras, a estrutura lgica da conscincia no permite que a

subjetividade finita produza uma subjetividade infinita, resultando em que a religio seja

por si s um fato, e um fato imprescindvel na dinmica do esprito, pois atesta de modo

radical a incluso da subjetividade finita na economia de uma subjetividade infinita, ou

seja, que tudo est em Deus.

Trata-se, certamente, de um fato sobre a constituio do esprito, da

impossibilidade de elevao do esprito fragmentado completa reconstituio orgnica

do Todo. Uma vez que a subjetividade evoca em sua constituio, por sua prpria

definio, a finitude e a particularizao na qualidade de uma perspectiva de primeira

pessoa e tambm por seu lastreamento emprico, o horizonte de sentido do ser, infinito,

adquire um carter transcendente, necessariamente e por razo dessa mesma constituio

(DIERKEN, 2005). Ora, a busca da razo por um sentido geral do mundo acaba por se

identificar como reencontro do saber universal que permite ao saber finito a pergunta

sobre sua origem gentica. Ser racional, assim, conter em si implicitamente a

inteligncia absoluta.

Com isso, a potncia da razo em elevar-se ao Todo ela mesma o fato religioso,

de modo que o fato religioso visto na religio, mas produzido pela razo mesma. E

isso o leva a afirmar: Mas, de fato, no existe ser humano to corrompido, to perdido e

to mau, e no devemos nem mesmo considerar algum to desgraado a ponto de nele

no haver absolutamente nada da religio (HEGEL, 1970, XVI, 15).

Hegel no discorda de Kant quanto a haver uma substancial diferena entre

conceito e realidade, mas ele observa que Kant nivela o conceito de Deus como outro

qualquer, ao passo que, para ele, o conceito de Deus de outra natureza modal, pois o

conceito do absoluto, no de um ente representado. Portanto, o conceito de Deus o nico

que tem de envolver necessariamente sua veracidade (WILLIAMS, 2017, 117). De certa

forma, como se o conceito de Deus no pudesse ser submetido s regras que regem

pensamentos contingentes, pois ele o pensamento de que o pensamento encontra

justificao no ser, tendo mais a ver com o problema platnico da pensabilidade do real.

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A filosofia e a religio tm, pois, em comum o contedo, que a verdade do

esprito. A religio como que uma descoberta do esprito acerca de sua origem, uma

descoberta que tambm fala sobre esta origem, o Absoluto. Sendo tomada de conscincia

acerca de si mesmo, a religio racional, e no pode deixar de s-lo em seu feitio mais

puro, mas certamente no racional por ser calculada, derivada de certos princpios a

priori, seno por ser ela mesma uma razo reveladora da verdade. Nas palavras de Hegel:

A religio um produto do esprito de Deus, no uma inveno do homem, mas obra da

ao e anunciao divina nele. A expresso de que Deus rege o mundo como sua razo

no teria sentido se no assumssemos que ele tambm se relaciona com a religio, e que

o esprito divino atua sobre a sua forma e definio (HEGEL, 1970, XVI, 40).

Por esta natureza, a religio conserva os princpios mais elevados da humanidade,

operando na desprestidigitao que o esprito exerce sobre a iluso do mundo, quando

desta consciente. A filosofia apoia-se sobre as mesmas bases, na medida em que seu

fundamento o Lgos universal em si e para si. Seguindo o trabalho dos espinosanos

alemes, Hegel solapa a distncia transcendental entre sujeito e natureza e recupera o

sentido do Lgos, a razo universal da qual o homem herdeiro direto. Por conseguinte,

ver na religio apenas uma superstio, ou segui-la fanaticamente como ordenamento

heternomo patenteiam ambos o desconhecimento de si. s porque o esprito est

alienado, no est de posse de si mesmo na realizao de sua prpria vocao, que ele

pode crer numa religio sem o distanciamento do mundo, ou crer num mundo sem a

conciliao da religio. Por isso, a religio no deve permanecer desacompanhada de sua

conscincia fiscalizadora, a filosofia. O objeto da religio, como da filosofia, a eterna verdade em sua objetividade; Deus, e nada alm de Deus e da explicao de Deus. A filosofia no sabedoria

mundana, e sim conhecimento do no mundano, no o conhecimento da massa

exterior, do ser emprico e da vida, mas o conhecimento daquilo que eterno, do

que Deus e do que flui de Sua natureza. Essa natureza tem de se revelar e se

desenvolver. A filosofia, ento, s se explicita quando explicita junto consigo a

religio, e ao explicitar-se explicita, de todo modo, a religio (HEGEL, 1970,

XVI, 28).

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No entanto, no se deve inferir, por isso, que a viso de Hegel sobre a religio

fosse to ortodoxa quanto algumas passagens possam sugerir ao leitor incauto. O conjunto

da obra evidencia muito claramente uma viso secularizada em bastante conformidade

com a tradio de crtica teolgica de Espinosa, Lessing e Kant, sendo seguramente mais

radical que os dois ltimos. Como observou Karl Barth, h boas razes para um pensador

to grande e que tratou a religio to ostensivamente no tenha se tornado um smbolo,

uma espcie de Toms de Aquino luterano (DE NYS, 2009, 1).

Na Enciclopdia das Cincias Filosficas, por exemplo, ele compara os

entusiastas do vidente de Prevost com incautos que do curso obra do diabo e renegam

a sobriedade da moral de Cristo (HEGEL, 1970, XVII, 34), e todo o texto das PFR

apresenta duras crticas s noes de milagres e supernaturalismos, incluindo-se entre os

elementos criticados a imortalidade da alma e a ressurreio.

Assim, o tom apologtico em favor da religio precisa ser compreendido como

tambm uma defesa da concepo hegeliana de religio, a qual, com razo, quase

indissocivel da filosofia. A preferncia de Hegel por autores cristos controversos, como

Eckhart e Bhme (KOLB, 1992), sugere que ele realmente no se enquadra em definies

tradicionais. No obstante, esses mesmos autores muito comumente sejam apontados

como cristos exemplares, apesar de doutrinariamente controversos, o que tambm sugere

que Hegel no tende para uma forma extremamente heterodoxa de cristianismo.

Religio aquela regio de nossa conscincia onde todos os enigmas so

resolvidos, todas as contradies dos mais profundos pensamentos so

devassadas, todas as dores do sentimento so silenciadas, a regio da eterna

verdade, da eterna serenidade, da eterna paz. Atravs dela o ser humano se faz

humano, ela o pensamento em absoluto, o pensamento concreto... Tudo aquilo

que possui valor e merece o respeito dos homens, aquilo em que buscam sua

felicidade, sua glria e seu orgulho, encontra seu centro de equilbrio na religio,

no pensamento, na conscincia e no sentimento de Deus. Deus , assim, o

princpio e o fim de tudo; da mesma forma como tudo provm deste ponto, tudo

retorna a ele; e por isso que ele o meio que a tudo vivifica, apraz, e espiritualiza

todas as formas, sustentando-as em sua existncia. Na religio, o homem coloca-

se em relao com esse meio no qual todas as suas demais relaes se arranjam,

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e, com isso, ele se eleva ao mais alto grau de conscincia e regio em que, livre

de relaes com o alheio, encontra o puro contentamento, o incondicionado, a

liberdade e o propsito final para si mesmo. (HEGEL, 1970, XVI, 11)

Como resultado, temos um conceito de religio que a purifica do aspecto idlatra

da figura de Jesus e das supersties e traos mitolgicos que a acompanham desde os

sculos quarto e quinto aproximadamente.

Para Hegel, a tarefa de evitar os elementos escatolgicos da imortalidade e da

ressurreio factual de Jesus, a qual no tem outro papel que o de comprovar a

imortalidade, e a consequncia metafsica de um aumento incomensurvel da

individualidade estendida a um plano ontolgico marcado pela eternidade, passava por

uma forte valorizao dos monismos msticos cristos, ao estilo de Eckhart e Angelus

Silesius (OREAGAN, 1992, 118). Eles seriam sua ponte para a conciliao entre o

espinozismo que lhe enchia os olhos do esprito rigorosamente totalizante e o cristianismo

que ele no podia negar como anunciao de seu prprio projeto metafsico.

De qualquer maneira, a grande contribuio de Hegel para a filosofia da religio

inclui, no mnimo, uma profunda extrao e destruio tanto dos traos antropocntricos

quanto das verses abstratas do conceito de Deus, liberando-o para a reflexo filosfica

mais direta e mais franca. Foi, portanto, parte culminante do processo de resgate do

conceito de Deus da exclusividade doutrinal ou dogmtica da teologia crist para o campo

da crtica franca. E isso sem recair numa crtica de tal modo obsessiva que eliminasse

inteiramente a dimenso religiosa substancial e legtima que caracteriza o conceito de

Deus, como ele bem reconheceu, como algo natural e universal na experincia humana.

Basicamente nisso em que consiste ser um filho de Deus: conservar sua

individualidade enquanto filho, e herdar o Universo como sendo originado do Absoluto.

Essa herana, enquanto herana do Esprito, o conhecimento adequado do Universo.

Visto por esse ponto de vista, o carter sui generis de Jesus Cristo pode ser racionalmente

compreendido em sua funo verdadeira no processo universal.

Deus, na primeira expresso menos filosfica dos povos primitivos, tem de ser

puramente um sujeito. Como sujeito individual ele identificado como pessoa, mas uma

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pessoa abstrata, dotada de saber, poder, grandeza e virtudes, mas afastado de nosso ser

como um estrangeiro com o qual jamais tivemos contato. Ele nos estranho enquanto

deus. Para que fosse nosso Deus, e o Deus de todos, de tudo, a conscincia teve de superar

o conceito de estranhamento, bem como as noes menos espirituais de imanncia, em

favor da familiaridade. Por isso Jesus nos revela um Deus Pai, em oposio ao monarca,

supremo juiz ou divindade olmpica sem laos diretos com cada ser individual.

Essa preocupao se estende, entre outros elementos, ao conceito de trindade, o

qual Hegel reconhece no apenas desenvolvimento por etapas da manifestao do mundo

como tambm enquanto etapas da apario do esprito conscincia. Para o entendimento

da teoria da religio de Hegel, como qualquer outro elemento de seu pensamento,

fundamental compreender que o termo Geist tem, j na Fenomenologia do Esprito, duas

conotaes complementares. Por um lado, Geist a mente, e expressa todo o patrimnio

de uma subjetividade ativa, mundificada e engajada no jogo intersubjetivo da estrutura

social. Por outro lado, Geist tambm esprito, em um sentido explicitamente cristo e

correspondente ao terceiro momento da estrutura trinitria de Deus. (SCHLSSER,

2015, 110) De acordo com o conceito filosfico Deus esprito, concreto; e se indagarmos

mais de perto o que seria o esprito, ento o conceito fundamental de esprito seria

aquele desenvolvido em toda a doutrina religiosa. Brevemente poderamos dizer

que esprito o seguinte: se manifestar, ser para o esprito. O esprito para o

esprito, e isso no exteriormente e de modo acidental, mas ele s esprito na

medida em que para o esprito; nisso em que consiste o conceito de esprito.

Ou, para express-lo teologicamente, Deus esprito essencialmente na medida

em que ele em sua comunidade. Foi dito que o mundo, o universo sensvel, tinha

de ter expectadores e tinha de ser para o esprito, - assim Deus com muito mais

fora tem de ser para o esprito (HEGEL, 1970, XVI, 52).

Isolado, o elemento em si de Deus equivale a seu estado antes da criao do

universo (HEGEL, 1970, XVII, 218), e, como no pode ter havido percepo ou intuio

de nada outro antes da criao, seu pensamento uma pura intuio imediata de si, pura

atividade pensante. A atividade que se ope a esta total concretude da verdade infinita

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a da abstrao de finitude. Da ciso entre o abstrato finito e o concreto infinito surge a

esperana de uma reconciliao, reconhecida como o amor. O amor a minha

autoconscincia em um outro ((HEGEL, 1970, XVII, 222), pois os diferentes so unidos

sinteticamente no mtuo reconhecimento de que a completude no pode ser individual.

Deus enquanto puro Pai no ainda verdadeiro (HEGEL, 1970, XVII, 223), pelo que cria

o Filho desde toda a eternidade para a comunho com um outro de si. Aqui, enfim, se

entende a completude da ideia hegeliana como conciliadora entre finito e infinito, e como

expresso maior de uma ipseidade lastreada na diferena. Por isso a verdadeira eticidade,

calcada no amor, a desistncia da personalidade e o alargamento na generalidade,

isto , famlia, amizade [...] Ao agir bem em relao ao outro, passo a observ-lo como

idntico comigo. Na amizade, desisto de minha personalidade abstrata e a recupero em

forma concreta, atravs do amor. (HEGEL, 1970, XVII, 233) Tal o atestado de

superioridade do conceito cristo de Deus: ser capaz de subsumir em si processos

concretos e fundamentais do grande processo da conscincia.

Nem testa-dualista nem pantesta-monista crasso, Hegel ressalta, inclusive, a

impossibilidade de estabelecermos valores seguros e permanentes para as definies

capitais de subjetividade, esprito ou Deus. Deus infinito, eu finito, essas so formas

e expresses falsas, ruins, que no so apropriadas ideia e natureza da questo. O finito

no o existente; de igual maneira, o infinito no fixo: essas determinaes so apenas

momentos do processo. (HEGEL, 1970, XVI, 192)

Apesar dos cuidados de Hegel, contudo, seu conceito de Deus foi logo associado

ao pantesmo crasso, a um tipo de monismo que ignora e apaga as individualidades. Hegel

reage nas PFR negando, no que ele fosse um pantesta dessa lavra, mas que houvesse

qualquer religio capaz de defender sinceramente a destruio da individualidade. Quando Brahma diz: Eu sou o brilho, o luzir nos metais, o Ganges entre os rios,

a vida dos viventes, e assim por diante, o particular suspendido com isso.

Brahma no diz: Eu sou o metal, os rios, as coisas particulares de cada tipo

enquanto tais, como existem imediatamente. O brilho no o prprio metal, mas

a generalidade, a substancialidade que perpassa os particulares, no se trata mais

de um [...] Com isso j no se est expressando aquilo que originalmente

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significa pantesmo, se est falando da essncia destas coisas particulares

(HEGEL, 1970, XVI, 98).

Com isso Hegel faz a defesa de Espinosa junto com a de sua prpria viso da

religio, denunciando a perseguio de Jacobi e outros pensadores luteranos ortodoxos

como m compreenso do pantesmo espinosano. Ao contrrio do materialismo por eles

vislumbrado, e conforme Schelling j havia observado nas Cartas sobre o dogmatismo e

o criticismo, Hegel afirma nas PFR que nada mais divino do que uma filosofia que

permeia tudo com a essncia divina, onde o mal e o erro no existem, e tudo digno de

amor e admirao. Esse elogio parecer ser sincero, apesar de ele prprio no nos

apresentar um quadro filosfico to otimista e luminoso, e apesar do fato de que o prprio

pensamento espinosano fosse mais estoico do que otimista.

Prova cabal de que esse reducionismo monista no corresponde ao intento de

Hegel a insero das noes de reconciliao e reconhecimento, j muito complexas

desde a juventude de Hegel e a fase da Fenomenologia do Esprito. E tambm as anlises

que Hegel faz do animismo e das religies asiticas deixam claro que o pantesmo crasso

um estgio intermedirio da conscincia.

Em sua fase primitiva, como religio natural, a ideia de Deus to somente

projeo ampliada da mente humana, uma exteriorizao das caractersticas mais

elevadas que o homem encontra dentro de si mesmo. Ele intui que essas caractersticas

devem ter correspondncia com o Todo, mas no executa a transio na forma profunda

e completa do pensamento, limitando-se a esboar um simulacro (HEGEL, 1970, XVI,

267-276).

A consequncia desta precariedade reflexiva que o homem vive sua

religiosidade em face do externo, buscando a salvao ou a libertao em algo fora dele,

o que Hegel caracteriza como fase mgica da religio. Nela o homem projeta para objetos,

danas, comidas e rituais bastante sensuais a sua demanda pelo espiritual, a qual

certamente no pode ser assim saciada (HEGEL, 1970, XVI, 301). Em um segundo

momento, que seria o momento metafsico, a conscincia humana percebe a

insuficincia da dimenso material e reconhece que a substncia do mundo deve ser

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independente dela, mas, ento, a abstrai como fantasia ou mundo transcendente

inteiramente desvinculado da realidade vivida.

Com isso, se v surgir uma espcie de pantesmo puramente espiritualista, mas de

um espiritualismo abstrato, esttico, com a consequente negao do mundo fsico ora

entendido como iluso. Tal a religio no apenas dos hindus, mas tambm de muitos

antigos, como alguns pr-socrticos e neoplatnicos. Para essa fase abstrata do esprito

Deus o inteiramente espiritual oposto nossa natureza finita e diversa, sendo, portanto,

oposto ao homem. A bem da verdade, o homem e os demais seres so negaes de Deus,

que precisam ser canceladas em favor dele (HEGEL, 1970, XVI, 340-348). Os indianos

inclusive j esboavam a ideia da encarnao de Deus, na figura de Krishna. Entretanto,

Krishna uma encarnao apenas nominal de Deus, pois no se efetiva como sntese

eficiente entre o homem e o esprito, soando-nos apenas como promessa dessa sntese.9

E o que para a religio hindu significa a comunho com Deus ou o absoluto impessoal ,

para ns, uma submerso e esfumaamento da conscincia no altssimo, e quem se

sustenta nessa abstrao e cancelamento do mundo se chama yogue. (HEGEL, 1970,

XVI, 361)

Parte do esforo despendido na ltima verso das PFR objetiva elucidar a

positividade da religio e a superioridade do cristianismo naquilo que essencialmente

constitui o processo da conscincia ligado ao pensamento religioso. Por isso, para

entender o conceito hegeliano de religio, o que tambm significa entender o conceito

hegeliano de Deus, preciso entender o cristianismo.

9 por afirmaes como esta que Hegel considerado como um pensador eurocntrico ou colonialista, mas, ao menos nesse caso, ele se restringe ao fato de que o conceito por ele criticado (da encarnao de Deus em Krishna) realmente no cumpre o que promete. Podemos, com razo, denunciar essas posies como historicamente condicionadas e enviesadas, mas filosoficamente consequente no nos determos nessa explicao extrnseca e levarmos a srio o contedo do argumento a fim de pensarmos at que ponto ele vlido independentemente do fato de Hegel ser cristo, eurocntrico ou o algo alm disso. No nvel conceitual podemos, por exemplo, perguntar se a metafsica hegeliana est certa e se temos realmente de admitir uma organicidade to total e uma divindade to imanente quanto quer Hegel, ou se o platonismo, ou as religies, no poderiam ter acertado mais ao contrapor mais fortemente o esprito matria. Criticas com esse vis, portanto, comeam por confundir o mtodo e/ou viso histrica com a proposta conceitual que Hegel apresenta para a leitura da religio, a qual, como de costume, extremamente prpria e no pode ser facilmente lida segundo as referncias do senso comum (JAESCHKE, 1997).

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Alguns elementos do processo religioso em sua expresso crist:

A riqueza metafrica da religio deixa claro, para Hegel, que a inteno subjacente

ao discurso religioso intensificar a reconciliao metafsico-teolgica atravs de uma

dialtica forte; para ele: uma dialtica do reconhecimento (SCHLSSER, 2015, 125-

126). A crer em Ulrich Schlsser, inmeros elementos doutrinais e rituais podem

facilmente ser acomodados na compreenso hegeliana segundo a dialtica do

reconhecimento. A apresentao de Jesus como identificado com o Pai, e a expanso de

uma possvel identidade entre Deus e o homem em geral nas asseres de tipo vs sois

deuses, vs sois o sal da Terra, e toda a simbologia sacramental da comunho. A favor

dessa perspectiva contam dois argumentos muito fortes: se o homem realmente no

pudesse incluir o infinito numa dialtica do reconhecimento essas metforas religiosas

no haveriam de ter significado algum, e, em segundo lugar, se a dialtica do

reconhecimento no tivesse fundo metafsico mais amplo a interao entre duas pessoas

poderia ser rebaixada como funo secundria e ainda abstrata da autoconscincia, mas

isso definitivamente no parece ser o caso, pois a Fenomenologia do Esprito tem nesse

momento um de seus processos centrais, e as obras posteriores s intensificam sua

importncia e generalidade.

Quanto reconciliao, que nas obras de juventude equaciona a separao atravs

do amor, o ltimo Hegel sustenta tanto quanto no comeo a excelncia da revelao crist

no processo reconciliador e a atestao de que a reconciliao o encontro entre filosofia

e religio propriamente dito. Na religio crist a necessidade dessa conciliao teve de

se evidenciar mais do que nas outras religies (HEGEL, 1970, XVI, 24). As PFR

apresentam uma evoluo lgico-conceitual da religio do animismo primitivo, passando

pelo pantesmo mstico, o legalismo de um Deus monrquico, a beleza pag que

espiritualiza a matria e a eticidade do paganismo tardio, at sua culminncia no conceito

reconciliatrio do amor cristo e da imagem da unidade das diferenas na divindade de

Jesus e na trindade.

No por ser a nossa religio, como pressupem ataques de vis descolonialista,

mas por razes puramente lgicas e processuais, o cristianismo assumido por Hegel

como sendo a expresso mais plena daquilo em que consiste todo o mrito do esforo

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religioso, assim como o seu prprio sistema expressa em estado superior aquilo que a

filosofia deve ser essencialmente, o que no diminui a grandeza de outros autores que

tangenciaram a verdade, pois que ela sempre a mesma.

a religio por excelncia porque apresenta maior nmero de formas e processos

representativos do todo. Sem contrariar a acomodao das ocorrncias acidentais no

mundo citada acima na observao sobre o acaso Hegel leva a srio a preocupao

religiosa em diagnosticar a presena de Deus nos acontecimentos, bem como nas aes

humanas. Aqui tambm ele destaca a espiritualidade e superioridade filosfica do

cristianismo no que tange s observaes de Jesus de que o verdadeiro culto prtico-

existencial, encontrando suas mximas expresses na ao moral, na adorao em esprito

e verdade de Deus, na f e no amor.

O culto cristo parte de um estado de total diviso, tragicamente constatada como

dolorosa, visto como mau desde seu prprio lar, o ser humano em seu ntimo a negativa

de si mesmo, e o esprito, retrado sobre si mesmo, encontra-se apartado do infinito, do

ser absoluto (HEGEL, 1970, XVI, 25). Mas, ao lado da chaga, a conscincia acaba por

encontrar o blsamo da reconciliao, justamente porque o esprito no se sente to

sinceramente apartado do infinito, vislumbrando sua presena tcita na falta, na

incompletude e na carncia que o homem sente to naturalmente. A razo humana, a

conscincia de seu ser, a razo em absoluto, o divino no homem; e o esprito, na medida

em que esprito de Deus, no um esprito para alm das estrelas, para alm do mundo,

pois que Deus presente, onipresente e como um esprito em todos os espritos. Deus

um deus vivente, atuante e operoso (HEGEL, 1970, XVI, 40).

Ao contrrio de uma viso transcendente que faa de Deus um fantasma infinito,

no relacionado com a totalidade do real, o homem deve se integrar ao fluxo do mundo e

fazer-se perfeito, como perfeito o vosso Pai que est nos Cus (HEGEL, 1970, XVI,

43). A religio completa (o cristianismo) completa porque seu culto o mais imanente

no contesto da religio. O carter representativo fica, assim, reduzido ao mnimo, e a

prxis cltica se mostra como algo espiritual (obra de Deus tambm em sentido

subjetivo) (VINCO, 2015, 246).

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Ao final das contas, cabe perguntar se a teologia da razo no varreu da religio

aquilo que de fato seria essencial para sua dinmica especfica, e se o Deus que to bem

se adequa ao projeto hegeliano no fatalmente distinto ou contraposto ao Deus vivido

pelo homo religiosus.

As reaes de pensadores cristos definio hegeliana de cristianismo:

As acusaes de atesmo e pantesmo que pairavam sobre Hegel j desde a

Fenomenologia do Esprito no amainaram com a publicao pstuma das PFR, e embora

ele talvez no desejasse divulgar o livro possvel supor que com as repetidas

apresentaes da filosofia da religio em suas aulas ele pretendia em parte desfazer o mal

estar causado pelas acusaes de atesmo. Apesar de todo o seu esforo e da posio de

destaque do Cristianismo em um sistema histrico da religio, no entanto, muitos

opositores e insatisfeitos insistiam que esta no se tratava de nada mais que outra

exposio de seu atesmo ou pantesmo crasso (JAESCHKE, 2016, 432; 467), gerando

uma situao ambgua, j que outros grupos tambm viriam a consider-lo um pensador

conservador e religioso ortodoxo (JAESCHKE, 2016, 433).

Nisso os problemas geminados da imortalidade da alma e da ressurreio de Cristo

escoram a crtica contra Hegel. Teria ele sido mais consequente com o sistema do que

com a doutrina crist?10 Se a resposta positiva, ao menos se torna muito menos sria a

acusao de eleger de modo parcial e enviesado o cristianismo como modelo inconteste

da dialtica religiosa.

A questo da imortalidade central para a compreenso hegeliana de Deus, pois

o Deus revelado e manifestado no pode se re-revelar numa outra vida no alm. Ele j

est revelado, e propriamente, como o infinito, geral e concreto que se expressa na

diferena e no contraste entre finitos.

10 Essa exatamente a alegao de Imannuel Hermann Fichte e Christian Weisse, os quais publicaram textos imediatamente aps a morte de Hegel quase como uma declarao de alforria da filosofia e apontando para o retorno ao conceito de um Deus pessoal e suas consequncias (JAESCHKE, 2016, 465). Tambm houve, no entanto, tentativas de defesa ou reformulao do sistema de Hegel para acomodar a ideia de imortalidade. A vasta bibliografia produzida nas dcadas de 1830 a 1860 sobre o assunto mostra a forte repercusso da posio de Hegel contra a ideia de imortalidade da personalidade humana.

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Assim, no se deve imaginar a imortalidade da alma como algo que ingressa

tardiamente na realidade; ela qualidade presente. O Esprito eterno, e, por isso,

j presente; o Esprito em sua liberdade no est no crculo das limitaes. Para

ele, enquanto pensante, puro sapiente, o que se d a generalidade; esta a

eternidade, a qual no consiste em mera durao, como duram as montanhas, mas

sim no saber. (HEGEL, 1970, XVII, 261)

Ora, cada indivduo j desde sempre to divino e to imortal quanto se possa

ser, na medida em que sua essncia a expresso particular do todo. A revelao da

divindade e da imortalidade do homem no , portanto, a sua continuidade enquanto

particular, mas a sua conscientizao de seu ser desde sempre universal e infinito. Para

Hegel, portanto, prolongar a vida finita e particular num mundo dos espritos equivaleria

a retrogradar para o estgio inconsciente do Esprito, negando a manifestao positiva de

Jesus Cristo e a manifestao onipresente e eterna alcanada pela filosofia.

J Imannuel Fichte criticara o Deus de Hegel como uma abstrao incapaz de

prover sentido vida ou fortalecer o homem nos desafios morais e existenciais,

defendendo um retorno e maior valorizao da filosofia de seu pai (FICHTE, 1869, Bd.

I, p. 17-18, 37) e, mais ainda, a filosofia positiva do ltimo Schelling. Deus mesmo

quem nos garante no se tratar de uma mera razo geral abstrata, mero Esprito

Absoluto, e sim de um ser pessoal, sumo bem, amor abundante de graa auxiliadora,

pois ele se revela na vida tico-religiosa do homem (isto , de toda a humanidade e sua

histria) (FICHTE, 1869, Bd. I, p. 281). S na possibilidade de interpretar toda a histria

mundial, natural e humana, como desdobramento da vontade de Deus que enxergamos

a coerncia moral-existencial da ordem do mundo, que de outra maneira continua a poder

ser confundido com um mecanismo de relgio. Este dedo de Deus (FICHTE, 1869, Bd.

II, p. 107) impulsionando o mundo precisa ser perceptvel tanto moral quanto

intelectualmente, na finalidade dos acontecimentos como na perfeio de seus processos.

A isso Fichte acrescenta a absoluta necessidade da imortalidade da alma, sem a

qual o cristianismo da pura abstrao hegeliano abdica, na prtica, da extenso real das

promessas da religio e as expectativas do senso moral humano. No entender do Fichte

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filho, Hegel ignorou com excessiva soberba a naturalidade da religio, sequiosa de vida,

amor, consolo para o sofrimento pessoal, e outros traos que fazem dela um atestado

emprico de demandas individuais, para privilegiar, ao invs disso, somente a parte dela

que falasse do geral e do infinito. Ora, a ligao entre a ideia da imortalidade e a vida

moral pode ao menos Hegel deveria ter includo a possibilidade no ser uma projeo

defeituosa da razo sobre a verdadeira essncia do homem, mas fruto de um senso

divinitatis, o que faria da generalidade dessa crena um indcio emprico da constituio

psquica humana ao invs de uma ideia especulativa. Tal a posio de Lessing na

Educao do gnero humano (LESSING, 1987, 42-44, 58, 60, 72), e Imannuel

Fichte parece resgat-la de preferncia a aceitar as de Kant ou Hegel.

Mas Immanuel Fichte permanece dividido entre Hegel e os dois outros grandes

idealistas, e tambm v o cristianismo como expresso histrica positiva de um Deus que

esprito. Sua divergncia com Hegel em grande parte teolgica, isto , aponta para a

exegese do que o cristianismo quer enfatizar mais do que para algum erro filosfico

fundamental de Hegel.

Foi o cristianismo que pela primeira vez elevou a ideia de imortalidade sua mais

alta dignidade e pureza de contedo; de um lado, porque ele concebe na forma

mais profunda o conceito de esprito pessoal enquanto imagem e semelhana de

Deus e templo do Esprito Santo, fundando, com isso, uma nova era na

histria, a partir da qual o homem no seria mais totalmente suplantado por algo

mais alto, j que este princpio da personalidade evoluiria sempre em formas

culturais futuras, enriquecendo-se; de outro lado, porque o cristianismo traz a

crena na imortalidade para uma conexo inquebrvel com as ideias ticas

supremas. Por isso, esse seria o carter diferenciado da nova etapa histrica

universal e das novas religies (FICHTE, 1869, Bd. II, p. 244).

Concluso:

Como vimos, o projeto das Prelees sobre Filosofia da Religio no apenas

introduz mais seriamente o conceito de religio e seu lugar na dinmica do Absoluto, algo

que foi antecipado de diversas maneiras ao longo da obra pretrita de Hegel; ele tambm

d religio um papel central, um status de quintessncia da cultura em suas tentativas

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de expressar o Esprito. Contudo, ao passo que Hegel compatibiliza de modo mpar

elementos da teologia trinitria e das noes de pessoa divina com a forma processual de

sua filosofia, ele deixa, estranhamente, de fora da equao elementos igualmente capitais

da f e da filosofia crist, como a ideia de imortalidade da alma e o que at certo ponto

uma consequncia e confirmao daquela a ressurreio de Cristo. Tal excluso vem

a sugerir que Hegel deve ter desenvolvido um apreo muito especial por sua prpria

cosmoviso em detrimento do que aprendera no seminrio de Tbingen, ou que ele

interpretou parte do movimento modernizador como uma demanda por abandono dessas

ideias.

Independentemente de quais fossem as motivaes ltimas de Hegel, no entanto,

era de se esperar que seu esforo em preservar o cristianismo e a ideia geral de religio

fosse recebido com desdm justamente pelos grupos que se entendiam como mais ligados

a estas concepes de mundo e de vida. E diversos pensadores (a exemplo de Imannuel

H. Fichte) se sentiram no dever de confrontar as influncias negativas das Prelees sobre

Filosofia da Religio sobre a religiosidade crist.

Essa controvrsia nos ajuda a visualizar que a concepo crist de Deus se associa

sobremaneira noo de um criador de individualidades mais bem plantadas no solo do

ser, e que isso acarreta numa defesa ostensiva da imortalidade do esprito, o que deixa no

ar a pergunta sobre o quo cristo realmente o Deus de Hegel. Por outro lado, como

apenas o status do esprito individual diminudo, cabe tambm concluir que, cristo ou

no, o Esprito Absoluto Deus.

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