20
O Direito à Diversidade Cultural Religiosa... Santos, Silva & Oliveira Revista Diálogos set. / out. 2018 N.º 20 494 O DIREITO A DIVERSIDADE CULTURAL RELIGIOSA DESDE A EDUCAÇÃO INFANTIL Bruna Caroline dos Santos Tarcia Regina Silva Emanoel Magno A. de Oliveira d.o.i. 10.13115/2236-1499v2n20p494 RESUMO O presente artigo tem como objetivo geral analisar as práticas culturais religiosas numa escola de Educação Infantil no município de Lajedo- PE, nas turmas de educação infantil com crianças entre três e quatro anos. Nesse contexto, temos como objetivos específicos: identificar as práticas culturais religiosas no âmbito escolar, compreender a concepção de diversidade religiosa adotada pela escola e refletir se a proposta adotada pela escola promove uma prática de diversidade religiosa em consonância com a Educação em/para os Direitos Humanos. A pesquisa caracteriza-se como qualitativa de cunho exploratório, desenvolvida a partir de um estudo de caso através da observação. Após observações das práticas pedagógicas desenvolvidas na escola, salientamos que na escola a concepção de diversidade religiosa é desconsiderada, pois identificamos que ao contrário de propiciar um ambiente de construção de conhecimentos, valores e respeito, através da valorização das culturas e da diversidade religiosa presente, as práticas se direcionam para a imposição de uma doutrina, ou seja, os princípios, conceitos, e vivências de determinada religião são impostas e assumem a centralidade do currículo escolar. Dessa maneira, elas contribuem e perpetuam os efeitos da colonialidade. Palavras-chave: Diversidade religiosa; Educação Infantil; Interculturalidade. ABSTRACT

O DIREITO A DIVERSIDADE CULTURAL RELIGIOSA DESDE A ... · diversidade religiosa numa escola pública de Educação Infantil do munícipio de Lajedo-PE. Foi um estudo de caso na referida

  • Upload
    others

  • View
    16

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: O DIREITO A DIVERSIDADE CULTURAL RELIGIOSA DESDE A ... · diversidade religiosa numa escola pública de Educação Infantil do munícipio de Lajedo-PE. Foi um estudo de caso na referida

O Direito à Diversidade Cultural Religiosa... – Santos, Silva & Oliveira

Revista Diálogos – set. / out. – 2018 – N.º 20 494

O DIREITO A DIVERSIDADE CULTURAL RELIGIOSA DESDE

A EDUCAÇÃO INFANTIL

Bruna Caroline dos Santos

Tarcia Regina Silva

Emanoel Magno A. de Oliveira

d.o.i. 10.13115/2236-1499v2n20p494

RESUMO

O presente artigo tem como objetivo geral analisar as práticas culturais

religiosas numa escola de Educação Infantil no município de Lajedo-

PE, nas turmas de educação infantil com crianças entre três e quatro

anos. Nesse contexto, temos como objetivos específicos: identificar as

práticas culturais religiosas no âmbito escolar, compreender a

concepção de diversidade religiosa adotada pela escola e refletir se a

proposta adotada pela escola promove uma prática de diversidade

religiosa em consonância com a Educação em/para os Direitos

Humanos. A pesquisa caracteriza-se como qualitativa de cunho

exploratório, desenvolvida a partir de um estudo de caso através da

observação. Após observações das práticas pedagógicas desenvolvidas

na escola, salientamos que na escola a concepção de diversidade

religiosa é desconsiderada, pois identificamos que ao contrário de

propiciar um ambiente de construção de conhecimentos, valores e

respeito, através da valorização das culturas e da diversidade religiosa

presente, as práticas se direcionam para a imposição de uma doutrina,

ou seja, os princípios, conceitos, e vivências de determinada religião

são impostas e assumem a centralidade do currículo escolar. Dessa

maneira, elas contribuem e perpetuam os efeitos da colonialidade.

Palavras-chave: Diversidade religiosa; Educação Infantil;

Interculturalidade.

ABSTRACT

Page 2: O DIREITO A DIVERSIDADE CULTURAL RELIGIOSA DESDE A ... · diversidade religiosa numa escola pública de Educação Infantil do munícipio de Lajedo-PE. Foi um estudo de caso na referida

O Direito à Diversidade Cultural Religiosa... – Santos, Silva & Oliveira

Revista Diálogos – set. / out. – 2018 – N.º 20 495

The objective of this article is to analyze religious cultural practices in a

kindergarten school in the municipality of Lajedo-PE, in the children's

education classes with children between three and four years old. In this

context, we have as specific objectives: to identify the religious cultural

practices in the school context, to understand the conception of

religious diversity adopted by the school and to reflect if the proposal

adopted by the school promotes a practice of religious diversity in

consonance with the Education in / Humans. The research is

characterized as qualitative of an exploratory nature, developed from a

case study through observation. After observing the pedagogical

practices developed in the school, we emphasize that in the school the

conception of religious diversity is disregarded, because we identify

that, as opposed to providing an environment for building knowledge,

values and respect through the appreciation of cultures and present

religious diversity, practices are directed towards the imposition of a

doctrine, that is, the principles, concepts, and experiences of a particular

religion are imposed and assume the centrality of the school curriculum.

In this way, they contribute to and perpetuate the effects of coloniality.

Keywords: Religious diversity; Child education; Interculturality.

1 INTRODUÇÃO

A nossa colonização resultou em um conjunto de elementos que

gerou profundas desigualdades sociais, culturais, econômicas, étnicas,

raciais, entre outras que permanecem pulsantes até os dias atuais, pois a

colonização “[...] só concebe o sistema do mundo moderno do ponto de

vista de seu próprio imaginário, mas não do ponto de vista do

imaginário conflitivo que surge com e da diferença colonial”

(MIGNOLO, 2005, p. 34).

De acordo com Quijano (2005), a colonização influenciou a

produção de um novo padrão mundial, produzindo também uma nova

Page 3: O DIREITO A DIVERSIDADE CULTURAL RELIGIOSA DESDE A ... · diversidade religiosa numa escola pública de Educação Infantil do munícipio de Lajedo-PE. Foi um estudo de caso na referida

O Direito à Diversidade Cultural Religiosa... – Santos, Silva & Oliveira

Revista Diálogos – set. / out. – 2018 – N.º 20 496

intersubjetividade. Para tal feito, a Europa atuou controlando todas as

formas de regulação da nossa subjetividade, da cultura e de maneira

mais incisiva do conhecimento, reprimindo a forma de produção do

conhecimento dos colonizados, suas referências para a produção de

sentidos, seu universo simbólico e suas formas de expressão e

objetivação da subjetividade. E, ainda, obrigando os colonizados a

aprenderem parcialmente sua cultura para utilizá-la nas esferas material,

tecnológica e subjetiva, principalmente religiosa. Neste contexto,

podemos afirmar que o europeu transformou os “não europeus” em “os

outros”.

Dessa maneira, consideramos que embora o processo de

colonização tenha acabado, a colonialidade permanece. De acordo com

Mignolo (2005), a colonialidade representa o outro lado da

Modernidade, o lado não revelado, o lado escuro. Para Catherine Walsh

(2009b), a colonialidade é a forma pela qual uns se sentem superiores a

outros. Logo, esse projeto se materializa a partir de quatro eixos: a

colonialidade do poder (QUIJANO, 2005), a colonialidade do saber, a

colonialidade do ser e a colonialidade cosmogônica da mãe natureza e

da vida mesma. A colonialidade do poder está relacionada com a

questão da raça como um elemento de “classificação e controle social e

o desenvolvimento do capitalismo mundial (moderno, colonial

eurocêntrico) que se iniciou como parte da constituição histórica da

América” (QUIJANO, 2005, p. 20).

De acordo com Walsh (2009b), a colonialidade do saber refere-

se ao posicionamento do eurocentrismo como ordem exclusiva da

razão, conhecimento e pensamento. Nesse contexto, todo e qualquer

outra forma epistêmica e outros conhecimentos que não incorporem

essa matriz são desqualificados. A colonialidade do ser é vivenciada

através da inferiorização, subalternização e desumanização de alguns

grupos humanos. Nessa direção, inserem-se a população negra e a

indígena. O último eixo, o da colonialidade cosmogônica da mãe

natureza e da vida, se insere na antítese natureza/sociedade,

desconsiderando “o mágico-espiritual-social, a relação milenar entre os

mundos biofísicos, humanos e espirituais – incluindo dos ancestrais,

espíritos, deuses e orixás” (WALSH, 2009b, p. 10). Essa dimensão da

Page 4: O DIREITO A DIVERSIDADE CULTURAL RELIGIOSA DESDE A ... · diversidade religiosa numa escola pública de Educação Infantil do munícipio de Lajedo-PE. Foi um estudo de caso na referida

O Direito à Diversidade Cultural Religiosa... – Santos, Silva & Oliveira

Revista Diálogos – set. / out. – 2018 – N.º 20 497

colonialidade ao repudiar estas relações anulou a base de vida dos

povos ancestrais, tanto indígenas, como africanos. Nessa tessitura, a

colonialidade tem um sentido mais amplo para esses povos, pois, de

acordo com Walsh (2009b), a negação das suas formas de vivências

induz à representação deles socialmente como povo “não civilizado,

não moderno, menos humano” (WALSH, 2009b, p. 11).

Partindo dos pressupostos da colonialidade reconhecemos que o

espaço escolar, em pleno século XXI, ainda vivencia práticas fundadas

na homogeneização, na padronização, ou seja, busca-se difundir uma

cultura comum e de base eurocêntrica, no sentido de inviabilizar e

silenciar os mais diversos valores, saberes e crenças. Nesse contexto,

destacamos a necessidade de que a escola adote uma prática que

valorize a diversidade e a diferença no intuito de efetivar uma escola

para todos/as.

Desse modo, neste artigo reconhecemos a escola pública como

laica, que ao tratar da questão religiosa necessita enaltecer as diversas

religiões, no sentido de interpretar suas singularidades e no contexto

geral, as suas pluralidades. Assim, os estudantes não aprenderão apenas

sobre religiões, mas também com as religiões. O conhecimento sobre as

diferentes tradições religiosas possibilita uma análise e reflexão entre

os/as alunos/as, provocando os mesmos a discutirem e se interessarem

pessoalmente a conhecer cada ideologia. Apesar de recente

determinação do Supremo Tribunal Federal (2017) quanto à questão em

voga, salientamos que no espaço escolar convivem estudantes de

diferentes religiões, inclusive famílias ateias, agnósticas, bem como, de

religiões africanas. Assim, o espaço escolar, território de vivência e

convivência com as diferenças precisa assumir na sua centralidade o

respeito e celebração das mesmas.

Diante de tantas tentativas de homogeneização, naturalização e

inviabilização/invisibilização das diferenças, é de relevância a

implantação dentro de instituições educacionais a construção de

currículos e práticas que considerem as perspectivas das diferentes

culturas e religiões desde os primeiros momentos da criança na escola,

ou seja, desde a Educação Infantil. Nesse cenário, a problemática desse

estudo está instituída na análise da ação pedagógica da vivência da

Page 5: O DIREITO A DIVERSIDADE CULTURAL RELIGIOSA DESDE A ... · diversidade religiosa numa escola pública de Educação Infantil do munícipio de Lajedo-PE. Foi um estudo de caso na referida

O Direito à Diversidade Cultural Religiosa... – Santos, Silva & Oliveira

Revista Diálogos – set. / out. – 2018 – N.º 20 498

diversidade religiosa numa escola pública de Educação Infantil do

munícipio de Lajedo-PE. Foi um estudo de caso na referida escola que

tem um quadro composto por vinte e seis docentes e trezentos e onze

discentes. A coleta de dados foi realizada através da observação.

Logo, o nosso objetivo geral foi analisar as práticas culturais

religiosas numa escola de Educação Infantil no munícipio de Lajedo-

PE, a partir das perspectivas da Educação em/para os Direitos

Humanos. Nesse contexto, tínhamos como objetivos específicos:

identificar as práticas culturais religiosas no âmbito escolar;

compreender a concepção de diversidade religiosa adotada pela escola;

e, refletir se a proposta adotada pela escola promove uma prática de

diversidade religiosa em consonância com a Educação em/para os

Direitos Humanos. O estudo dos fenômenos religiosos pode trazer

importantes contribuições para educação e, assim, para a

cidadania. Ao promover junto aos estudantes o estudo

científico dos elementos religiosos, enquanto

conhecimento cultural podemos oferecer um antídoto aos

sectarismos e contribuir para o desenvolvimento da

autonomia e do pensamento crítico, independente das

opções religiosas pessoais (WILLAIME, 2005 apud

FLEURI, 2013, p.70).

A proposta da Educação em/para os Direitos Humanos está

fincada no favorecimento dos processos de democratização, articulação

dos direitos fundamentais de cada pessoa e grupo sociocultural,

reconhecendo os direitos à diversidade e a diferença. O professor, nesse

contexto, desempenha o papel de facilitador, incitando seus alunos

sempre a reflexão, a colocar questões e buscar sempre esclarecê-las.

Dessa maneira, trabalho pedagógico pauta-se nos princípios do

reconhecimento do outro como outro e na reciprocidade, na busca de

educar para o enfrentamento de todas as formas de preconceitos,

discriminações e conflitos religiosos.

Page 6: O DIREITO A DIVERSIDADE CULTURAL RELIGIOSA DESDE A ... · diversidade religiosa numa escola pública de Educação Infantil do munícipio de Lajedo-PE. Foi um estudo de caso na referida

O Direito à Diversidade Cultural Religiosa... – Santos, Silva & Oliveira

Revista Diálogos – set. / out. – 2018 – N.º 20 499

2 A EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS E O DIREITO A

DIVERSIDADE CULTURAL RELIGIOSA NO ESPAÇO

ESCOLAR

A Educação em/para os Direitos Humanos está atrelada as

formas de combate às violações de direitos humanos que tem como

fundamento o reconhecimento do outro, a valorização da dignidade

humana e os princípios democráticos. A formação de educadores para

trabalhar a partir dessa perspectiva é o primeiro passo para sua

implementação proporcionando a sensibilização e conscientização dos

mesmos sobre a importância do respeito ao ser humano, ferramenta

fundamental para a efetivação da cidadania e da democracia no

território escolar.

A dignidade humana está diretamente associada a inúmeros

valores, os quais significam e tem um expressivo poder de estabelecer

relações harmoniosas diante de quaisquer possíveis conflitos.

Caracteriza-se pelo respeito primordial ao próximo, pelo

reconhecimento e aceitação às diferentes formas de religiosidades,

tradições e/ou movimento religiosos, ou até mesmo os que não seguem

e não tem nenhuma forma de expressividade religiosa. Nesse sentido,

Steil (1993, p. 26) ressalta que “na atualidade, a multiplicidade de

expressões, movimentos e instituições religiosas reclamam por um

reconhecimento e questionam paradigmas centrados em uma única

religião, sistema, ideologia ou tradição”. Mas, para que tal realidade se

efetive é necessário reconhecer o “Outro” como ser legítimo. Lamentavelmente, representações sociais equivocadas do

Outro ainda impulsionam o surgimento do preconceito e

discriminação, grandes responsáveis pelos conflitos

religiosos. Por isso há carência de movimentos de e para

o dialogo entre diferentes religiões e grupos religiosos,

visando à construção do respeito à diversidade cultural

religiosa através do diálogo inter-religioso e intercultural

(FLEURI, 2013, p.32).

Muitas vezes a forma de ver o “Outro” se enquadra na

perspectiva etnocêntrica, pois, incluímos em nosso círculo social apenas

as pessoas as quais tem referenciais culturais e sociais semelhantes aos

Page 7: O DIREITO A DIVERSIDADE CULTURAL RELIGIOSA DESDE A ... · diversidade religiosa numa escola pública de Educação Infantil do munícipio de Lajedo-PE. Foi um estudo de caso na referida

O Direito à Diversidade Cultural Religiosa... – Santos, Silva & Oliveira

Revista Diálogos – set. / out. – 2018 – N.º 20 500

nossos, isto implica dizer que criamos estereótipos sobre as relações

entre “nós” e os “outros”, onde percebemos o “Outro” como um ser a

tolerar, exótico e/ou proveniente de todo o mal (DUSCHATZKY;

SKILIAR, 2011). De acordo com Laraia (2001, p.67) a “nossa herança

cultural, [...] sempre nos condicionou a reagir depreciativamente em

relação ao comportamento daqueles que agem fora dos padrões aceitos

pela maioria da comunidade”.

Diante disso, o preconceito e a discriminação são obstáculos e

empecilhos para que aconteça o exercício do diálogo, esses bloqueiam a

fluência da construção do respeito à diversidade cultural religiosa,

resultando assim, nos conflitos e desavenças. Busca-se a compreensão

de que cada religião em si tem uma importância para o reconhecimento

do Outro e também pelos processos de crescimento e afirmação das

identidades, possibilitando um aprofundamento da ampliação dos

horizontes de cada individuo. Através do diálogo há possibilidades de

libertação do pensamento doutrinador, abrindo-se caminho à

socialização dos saberes, colocando-se em questão situações, limites,

posturas e decisões. Segundo Freire (1987, p. 81) “não há ignorantes

absolutos, nem sábios absolutos: há homens que em comunhão buscam

saber mais”. Seguindo esta linha de pensamento, o conhecimento se dá

através da busca, da conversação e da dialética, evidenciando a

necessidade das premissas apontadas.

Entretanto, nas instituições escolares e sociais ainda

presenciamos o movimento de inviabilização e invisibilização

relacionados à diversidade cultural religiosa. Assim, como

educadores/as comprometidos com a valorização das diferenças e com o

diálogo intercultural precisamos tecer uma maior atenção e

compromisso contra as práticas e relações de conflitos existenciais de

poder e de manutenção de privilégios que se organizam a partir de uma

ótica que tenta normalizar o Outro e fazer com que se inibam as

diferenças presentes na sala de aula.

Uma educação voltada para a promoção dos Direitos Humanos

se centra no diálogo como metodologia primordial possibilitando a

construção de novas aprendizagens e saberes. Sabemos que sempre

haverá em todos os contextos o confronto de ideologias, pois as

Page 8: O DIREITO A DIVERSIDADE CULTURAL RELIGIOSA DESDE A ... · diversidade religiosa numa escola pública de Educação Infantil do munícipio de Lajedo-PE. Foi um estudo de caso na referida

O Direito à Diversidade Cultural Religiosa... – Santos, Silva & Oliveira

Revista Diálogos – set. / out. – 2018 – N.º 20 501

divergências estarão presentes em toda parte. Entretanto, o diálogo

precisa ser a ferramenta utilizada para nos amparar. De acordo com a

Declaração para Eliminação de Todas as Formas de Intolerância e

Discriminação com Base em Religião ou Convicção (ONU, 1981), no

seu Artigo 3: A discriminação entre os seres humanos por motivos de

religião ou de convicções constitui uma ofensa à

dignidade humana e uma negação dos princípios da Carta

das Nações Unidas, e deve ser condenada como uma

violação dos direitos humanos e das liberdades

fundamentais proclamados na Declaração Universal de

Direitos Humanos e enunciados detalhadamente nos

Pactos internacionais de direitos humanos, e como um

obstáculo para as relações amistosas e pacíficas entre as

nações.

Toda e qualquer forma de desrespeito, discriminação e exclusão,

baseadas na religião caracteriza-se como uma calúnia aos princípios da

dignidade humana, considerado como violação dos direitos humanos e

das liberdades fundamentais ao exercício da cidadania. Nesse sentido, a

escola pode possibilitar a construção de conhecimentos e saberes sobre

a diversidade cultural religiosa, oportunizando que os estudantes

reflitam sobre as diversas práticas e experiências que os cercam, sobre

as vivências mais próximas no processo de afirmação e interação com

as diferenças culturas, compreendendo que cada sujeito possui uma

visão diante dos desafios do dia a dia.

O ambiente escolar precisa assumir o compromisso de acolher e

reconhecer os movimentos religiosos em sua diferença e diversidade,

isto implica dizer que se devem rever as intenções com as quais se

impõe as relações de conhecimento e os modos de difusão dos mesmos.

Faz-se necessário utilizar de métodos pedagógicos que incluem a

complexidade das culturas e das relações humanas que se dão dentro e

fora da escola. Não compete à escolar homogeneizar as culturas e a

religiosidade, mas possibilitar a liberdade de expressão por meio da

igualdade de acesso ao conhecimento cultural, tradições/grupos

Page 9: O DIREITO A DIVERSIDADE CULTURAL RELIGIOSA DESDE A ... · diversidade religiosa numa escola pública de Educação Infantil do munícipio de Lajedo-PE. Foi um estudo de caso na referida

O Direito à Diversidade Cultural Religiosa... – Santos, Silva & Oliveira

Revista Diálogos – set. / out. – 2018 – N.º 20 502

religiosos e não religiosos dentro da perspectiva de Educação em/para

os Direitos Humanos.

No momento em que estamos vivendo, nos encontramos com

grande dificuldade para a efetivação da cultura em/para os Direitos

Humanos, no que se refere à escala global e local. Nessa intrigante

contextura, reforçamos a necessidade de que na escola se estabeleçam

novas posturas, concepções e práticas para se conviver e celebrar as

diferenças, pois “nenhuma criança que possui a marca da diferença pede

tolerância, não há nada a tolerar. Há que tornar a diferença uma

positividade, uma afirmação” (ABRAMOWICZ, 2011, p. 37). As

diferenças necessitam ser mostradas como próprias do Outro. Para Vera

Maria Candau (2010) é preciso articular igualdade e diferença,

estabelecendo uma relação de construção de uma visão dialética, entre

igualdade e diferença, superando as desigualdades e reconhecendo as

diferenças. Na realidade, a igualdade não está oposta à diferença e

sim à desigualdade. Diferença não se opõe à igualdade e

sim à padronização, à produção em série, a tudo o

“mesmo”, a “mesmice”. O que estamos querendo

trabalhar é, ao mesmo tempo, negara padronização e

também lutar contra todas as formas de desigualdade

presentes na sociedade. Nem padronização, nem

desigualdade. E sim lutar pela igualdade e pelo

reconhecimento das diferenças (CANDAU, 2010, p.209).

Neste sentido, busca-se a igualdade, esta que está de acordo com

a promoção dos Direitos Humanos, bem como, que as diferenças sejam

reconhecidas como elementos constituintes da igualdade, o que nos leva

a lutar contra os processos de exclusão, desigualdades, preconceitos, e

toda forma de discriminação existente. É reconhecendo e valorizando as

diferenças, que se alcança a igualdade, negando assim, a imposição que

a colonialidade nos impõe.

Dentro da perspectiva pedagógica, o nosso olhar de educador/a

deve atentar para as relações que produzem discriminação, preconceito,

segregação e violência, pois a escola, um importante e significativo

espaço de socialização, tem o papel fundamental, de construir práticas

Page 10: O DIREITO A DIVERSIDADE CULTURAL RELIGIOSA DESDE A ... · diversidade religiosa numa escola pública de Educação Infantil do munícipio de Lajedo-PE. Foi um estudo de caso na referida

O Direito à Diversidade Cultural Religiosa... – Santos, Silva & Oliveira

Revista Diálogos – set. / out. – 2018 – N.º 20 503

que incluam e considerem as diferenças culturais no seu cerne. Nesse

sentido, reconhecemos a importância de práticas interculturais que se

referem à inter-relação entre diferentes grupos culturais e a

compreensão de padrões culturais e suas transformações. A perspectiva intercultural que defendo quer promover

uma educação para o reconhecimento do “outro”, para o

diálogo entre os diferentes grupos sociais e culturais. Uma

educação para a negociação cultural, que enfrenta os

conflitos provocados pela assimetria de poder entre os

diferentes grupos socioculturais nas nossas sociedades e é

capaz de favorecer a construção de um projeto comum,

pelo qual as diferenças sejam dialeticamente integradas. A

perspectiva intercultural está orientada à construção de

uma sociedade democrática, plural, humana, que articule

políticas de igualdade com políticas de identidade

(CANDAU, 2008, p.52).

Assim, defendemos a interculturalidade como possibilidade de

interação entre as culturas, reconhecendo o “Outro” como sujeito de

uma cultura, sem rótulos e/ou estereótipos, favorecendo uma educação

que promova uma relação e comunicação entre as culturas e a

construção coletiva de conhecimentos em consonância com os Direitos

Humanos. Assim, a interculturalidade que almejamos é “em última

instância, um sonho, mas um sonho que se sonha na insônia da práxis”

(WALSH, 2009a, p. 28).

3 POR UMA EDUCAÇÃO QUE RECONHEÇA O OUTRO Vários estudos explicitaram a presença do religioso nas mais

diferentes culturas, isso significa que, os humanos desde sempre

buscaram respostas para a vida e, mais especificamente, para a morte.

Foram em busca dessas respostas que se desenvolveram as variadas

linguagens, símbolos, ritos, mitos e valores. As religiões em si fazem

parte da tradição humana, presente em quase a maioria das culturas e

povos. O modo com o qual as pessoas comungam dos valores religiosos

constitui assim, diferentes interpretações e significações, o que

caracteriza as diferentes identidades e vivências pessoais e sociais.

Page 11: O DIREITO A DIVERSIDADE CULTURAL RELIGIOSA DESDE A ... · diversidade religiosa numa escola pública de Educação Infantil do munícipio de Lajedo-PE. Foi um estudo de caso na referida

O Direito à Diversidade Cultural Religiosa... – Santos, Silva & Oliveira

Revista Diálogos – set. / out. – 2018 – N.º 20 504

O conhecimento religioso provém dos resultados do processo

cultural da humanidade. Diante disso, faz-se necessário entender a

relevância que a dinâmica da religião estabelece no cotidiano das

pessoas definindo comportamentos e posicionamentos dos mesmos no

mundo. Nesse cenário, a questão que se pontua inicialmente é: a escola

tem favorecido que as crianças expressem essa multiplicidade de

comportamentos e posicionamentos religiosos que elas trazem consigo

ou caminham no sentido da colonialidade cosmogônica? Vejamos o que

os dados coletados nos mostram.

Ao observamos a Turma 3- Pré I presenciamos a seguinte

situação: as crianças ficavam organizadas lado a lado em um

semicírculo, mais precisamente bem próximas umas das outras, onde a

professora iniciava a aula com uma oração de agradecimento

juntamente com os alunos: “Obrigada Papai do céu pela minha vida,

abençoa a minha família, escola e minhas tias”. No momento posterior,

o da cantiga, a professora junto com os alunos entoa as músicas de

“Pecado, pecadinho e pecadão” (Filhos de Davi) e “O sabão” (Turma

do Cristãozinho):

Pecado, pecadinho e pecadão

Pecado, pecadinho, pecadão, isso não!

Pecado, pecadinho, pecadão, isso não!

Pecado, pecadinho, pecadinho, pecadão

Isso não entra no meu coração.

Amor, amorzinho, amorzão, isso sim!

Amor, amorzinho, amorzão, isso sim!

Amor, amorzinho, amorzinho, amorzão

Isso sim entra no meu coração.

O sabão

O sabão

Lava o meu rostinho, lava meus pezinhos, lava minhas

mãos

Mas Jesus pra me deixar limpinho quer lavar meu

coração.

Page 12: O DIREITO A DIVERSIDADE CULTURAL RELIGIOSA DESDE A ... · diversidade religiosa numa escola pública de Educação Infantil do munícipio de Lajedo-PE. Foi um estudo de caso na referida

O Direito à Diversidade Cultural Religiosa... – Santos, Silva & Oliveira

Revista Diálogos – set. / out. – 2018 – N.º 20 505

Quando o mal faz uma manchinha

eu sei muito bem, quem pode me limpar:

É Jesus, eu não escondo nada,

tudo ele pode apagar!

Os alunos acompanham o ritmo da professora e empolgados

cantam juntamente com ela. As canções são cantadas de forma

mecanizada, sem interação. De acordo com Godoi (2011) essas práticas

são muitas vezes formas de louvor, desconsiderando o meio cultural e

social das crianças, que não têm a mesma religião. Segundo Fleuri

(2013, p. 27): “as diferentes vivências, percepções e elaborações

religiosas integram o substrato cultural dos povos, constituindo-se em

uma rica fonte de conhecimentos a instigar, desafiar e subsidiar o

cotidiano das gerações”.

Entretanto, a prática observada não reflete essa realidade, pois a

professora utiliza esse tempo para professar uma prática doutrinadora,

de caráter confessional. De acordo com as Diretrizes Curriculares

Nacionais para a Educação infantil (2009) as propostas pedagógicas das

creches e pré-escolas devem comprometer-se com o “rompimento de

relações de dominação etária, socioeconômica, étnico-racial, de gênero,

regional, linguística e religiosa que ainda marcam nossa sociedade” (p.

02). Dessa forma, reconhecem a premência da interculturalidade no

espaço escolar.

E é nisso que consiste a educação intercultural. Sujeitos,

pessoas de culturas diferentes, que atribuem significados

diferenciados às suas ações, ao interagirem colocam em

questão não só o sentido de sua ação ou de seu discurso,

mas colocam em cheque todo o seu referencial cultural,

que lhe permite dar sentidos a cada uma de suas ações,

escolhas, palavras, sentimentos (FLEURI, 2013, p.67).

Para Fleuri (2013) a educação intercultural consiste na junção e

no encontro de diferentes culturas, cada ser em si traz em si diversas

simbologias as quais os norteiam, assim como suas ações, relações e

vivências, expressando toda e qualquer referência cultural carregada

Page 13: O DIREITO A DIVERSIDADE CULTURAL RELIGIOSA DESDE A ... · diversidade religiosa numa escola pública de Educação Infantil do munícipio de Lajedo-PE. Foi um estudo de caso na referida

O Direito à Diversidade Cultural Religiosa... – Santos, Silva & Oliveira

Revista Diálogos – set. / out. – 2018 – N.º 20 506

consigo. A perspectiva intercultural da educação nos leva a uma

reflexão de que trabalhar a diversidade religiosa no âmbito escolar se

caracteriza por abranger diferentes grupos socioculturais que integram e

formam uma sociedade pluralista. Dentro desse entendimento, a

educação deve estar centrada nos valores e nos princípios éticos e a

proposta pedagógica deve estar voltada plenamente para a função

sociopolítica e pedagógica.

Para a promoção de uma prática pedagógica que esteja

comprometida com a liberdade religiosa e os direitos humanos, é

necessário o despertar para o exercício da sensibilidade contra qualquer

forma de preconceito ou discriminação religiosa. Para que o respeito

predomine é necessário dialogar com as diferentes expressões religiosas

e não religiosas de cada estudante, favorecendo a ampliação dos

conhecimentos bem como, reconhecendo a diversidade religiosa como

patrimônio cultural da humanidade. A prática apresentada corrobora

para o fortalecimento da colonialidade cosmogônica negando a

expressão cultural de cada estudante, bem como, reforçando aspectos da

cultura unicamente cristã.

Observamos também o momento da contação de histórias. Para

Kaercher (2011), a proposta de levar a Literatura Infantil para a escola,

deve estar pautada nas significações, ou seja, nas vivências e nas

relações socioculturais, considerando suas interpretações, diante da

inserção dos educandos em padrões culturais próprios.

Portanto, qualquer ação pedagógica que envolva a

Literatura infantil está lidando com a Cultura Infantil: o

que a criança vê e como ela interpreta só faz sentido

dentro de um determinado repertório de significações

possíveis, constituídas dentro de uma determinada cultura

(familiar, escolar, religiosa, nacional, etária etc.). Logo,

ao propormos atividades de contação de histórias para as

crianças, necessariamente, estaremos lidando com as

possibilidades concretas de interpretação e criação que

cada criança desenvolve, a partir da cultura em que está

inserida (KAERCHER, 2011 p.137).

Page 14: O DIREITO A DIVERSIDADE CULTURAL RELIGIOSA DESDE A ... · diversidade religiosa numa escola pública de Educação Infantil do munícipio de Lajedo-PE. Foi um estudo de caso na referida

O Direito à Diversidade Cultural Religiosa... – Santos, Silva & Oliveira

Revista Diálogos – set. / out. – 2018 – N.º 20 507

Os casos apresentados abaixo desprestigiam as premissas de

uma educação intercultural, pela qual seria possibilitado entender e

interagir com os diferentes contextos e conhecer as singularidades e

valores de cada tradição religiosa. A interculturalidade ao se fazer

presente na formação do individuo, desde a infância, possibilita o

diálogo e o enriquecimento mútuo, assim a heterogeneidade

caracterizará as relações interpessoais desde cedo, realçando as

diferenças existentes, e promovendo o respeito, e a superação de

relações conflituosas. Quando as crianças são educadas desconhecendo

essas premissas estão vulneráveis a não saber lidar com situações de

violências simbólicas, discriminações, preconceitos e violações da

dignidade humana, podendo até mesmo provocar tais situações.

Nessas circunstâncias, na Turma 1- Pré I “C” presenciamos o

acolhimento da professora com uma contação de história sobre Adão e

Eva e o surgimento do pecado, onde a mesma ilustrava os personagens

da história no quadro de giz e os alunos ficam organizados em pequenos

grupos. Além de usar o quadro como recurso didático, ela utiliza

também pincel e tinta para interagir com os alunos durante a contação,

onde relacionava o pecado à sujeira e chamava os alunos para fazer a

representação. Ela enfatizava que ao pecarmos ficamos com o coração

sujo, impuro. Assim, solicitou para um aluno pintar no coração que

estava desenhado numa folha de ofício colada quadro negro o coração

com a tinta preta, associando o pecado às impurezas.

Na Turma 2- Pré I “D”, observamos que a professora acolheu os

estudantes também com uma contação de história sobre “A arca de

Noé”. Os alunos organizados em um círculo ouvem atentamente a

leitura do livro composto de ilustrações e versos. O momento posterior

se inicia com o DVD musical “Tempo de ser criança” retratando a

mesma história interpretada por Cristina Mel (48’ 26’’). Na Turma 3-

Pré I “E”, após a oração do “Pai Nosso” a professora dá continuidade a

acolhida também com a contação da mesma história. Para tal, ela

utilizou um avental de feltro. Ela utiliza do diálogo e da interação com

os alunos para passar a mensagem da história. Os mesmos ficam atentos

e concentrados aos movimentos que a professora faz com os

personagens nas mãos com o auxílio do avental, contextualizando com

Page 15: O DIREITO A DIVERSIDADE CULTURAL RELIGIOSA DESDE A ... · diversidade religiosa numa escola pública de Educação Infantil do munícipio de Lajedo-PE. Foi um estudo de caso na referida

O Direito à Diversidade Cultural Religiosa... – Santos, Silva & Oliveira

Revista Diálogos – set. / out. – 2018 – N.º 20 508

as vivências dos alunos, enfatizando as relações existentes entre eles,

sobre fazer o bem e amar ao próximo, enfocando o autor principal da

história (Noé) como referência de bons comportamentos e de um

homem cristão.

Na Turma 4- Pré II “C”, a contação da mesma história se repete.

A professora conta a história sem muita interação, onde eles acabam

ficando dispersos e consequentemente não participam. Logo em

seguida, ela passa um filme dos “Smilinguidos” (2011) com 36’ 48”.

Esse personagem evangélico surgiu na década de 80, através de um

grupo de jovens que queriam propagar a mensagem de Deus, de uma

forma criativa, onde fizeram a escolha do nome chamando-o de

“Smilingüido”, pois “representa a fragilidade do homem. Os autores do

referido personagem afirmam que ele nos lembra de que o homem sem

Deus nada pode fazer. O filme apresentado tratava da temática da

preservação da natureza, da importância do trabalho coletivo, da

amizade, do respeito ao próximo, com ênfase nos princípios cristãos.

As práticas pedagógicas apresentadas evidenciam que as

professoras não as organizam mediadas pelo encontro, diálogo,

descoberta e pelo reconhecimento de que a vivência intercultural pode

corroborar para novas possibilidades de ser, estar, viver e conviver na

sociedade, ou seja, as atividades propostas fortalecem os alunos a seguir

uma determinada prática religiosa. A partir de uma perspectiva

intercultural teríamos a possibilidade da troca mútua de saberes e a

interação sobre as diferenças culturais religiosas existentes,

fortalecendo assim, as relações entre pessoas de culturas e significados

diferentes. Pois, a “liberdade de consciência e de experiência religiosa,

constitui um fator fundamental para preservar a dignidade da pessoa

humana e da paz mundial” (FLEURI, 2013, p.69).

Nessa tessitura, o espaço escolar deve reconhecer a diversidade

religiosa ali existente, buscando resgate de todas as identidades

culturais e fortalecimento dos princípios que nos leva a dignidade e o

respeito nos conflitos, como o reconhecimento do Outro e o direito a

liberdade de pensamento. As professoras assumem um diálogo

confessional através da contação de histórias não possibilitando que os

estudantes expressem as suas vivências e valores trazidos a partir das

Page 16: O DIREITO A DIVERSIDADE CULTURAL RELIGIOSA DESDE A ... · diversidade religiosa numa escola pública de Educação Infantil do munícipio de Lajedo-PE. Foi um estudo de caso na referida

O Direito à Diversidade Cultural Religiosa... – Santos, Silva & Oliveira

Revista Diálogos – set. / out. – 2018 – N.º 20 509

suas relações socioculturais. Contudo, numa perspectiva intercultural as

professoras assumiram o papel de mediadoras, fomentando nas crianças

o desejo de saber mais sobre a cultura do Outro, pois é através da

possibilidade de nos aproximarmos que “os estudantes são encorajados

a se interessarem pessoalmente pelas ideias e concepções de diferentes

tradições religiosas, a desenvolver a reflexão sobre suas contribuições e

a justificar suas opiniões” (FLEURI, 2013, p 71), desde a Educação

Infantil. Entretanto, nesse cenário observado, alguns educandos podem

ficar recuados e intimidados, pois o espaço escolar não o acolhe de

maneira a reconhecer e identificar as suas identidades culturais, ou seja,

a escola não estabelece condições para a inclusão de práticas

promotoras de uma equidade religiosa, desconhecendo que o Ensino

Religioso: [...] visa a proporcionar o conhecimento dos elementos

básicos que compõem o fenômeno religioso a partir das

experiências religiosas percebidas no contexto dos

educandos, buscando disponibilizar esclarecimentos sobre

o direito à diferença, valorizando a diversidade cultural

religiosa presente na sociedade, no constante propósito de

promoção dos direitos humanos (FONAPER, 2009 apud

FLEURI, 2013, p 75).

As práticas vivenciadas na escola observada priorizam apenas

uma religião, ou seja, o ensino confessional está presente em todo o

contexto escolar, enaltecendo uma única prática religiosa. Em

conformidade com o Fórum Nacional Permanente de Ensino Religioso

(FONAPER, 2009) o ensino religioso, deve partir primordialmente, das

experiências dos alunos, tomando como referência o contexto

sociocultural de cada um ali inserido na sala de aula, partindo disso, a

prática docente pode ser fundamentada pelos valores da diversidade

cultural religiosa, possibilitando o direito à afirmação das diferenças e

promovendo uma Educação em/para os Direitos Humanos. Mas, o que

presenciamos é uma realidade onde as diferenças são negadas e por

vezes discriminadas. Assim, caminhando em discrepância com a

proposta intercultural.

Diante dessas considerações, a interculturalidade nos convida a

reinventar a escola (CANDAU, 2012) a partir de novos olhares, práticas

Page 17: O DIREITO A DIVERSIDADE CULTURAL RELIGIOSA DESDE A ... · diversidade religiosa numa escola pública de Educação Infantil do munícipio de Lajedo-PE. Foi um estudo de caso na referida

O Direito à Diversidade Cultural Religiosa... – Santos, Silva & Oliveira

Revista Diálogos – set. / out. – 2018 – N.º 20 510

pedagógicas, estratégias de vivências que podem considerar os saberes

ancestrais [...], “como conhecimento que têm contemporaneidade para

criticamente ler o mundo, e para compreender, (re)aprender e atuar no

presente” (WALSH, 2009a, p. 25). A interculturalidade nos convidada

para um projeto decolonial (WALSH, 2009a), ou melhor, para um

projeto que questiona e busca o enfrentamento da matriz colonial do

poder em todas as suas formas: colonialidade do poder (QUIJANO,

2005), do saber, do ser e da cosmogônica da mãe natureza e da vida

humana.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Durante a realização da pesquisa identificamos que a escola

utiliza práticas culturais religiosas voltadas para o proselitismo. Logo, a

diversidade cultural religiosa é desconsiderada. Por meio das

observações, identificamos que ao contrário de propiciar um ambiente

de construção de conhecimentos, valores e respeito, através da

valorização das culturas os estudantes e da diversidade religiosa

presente, as práticas se direcionam para a prescrição de uma doutrina,

ou seja, os princípios, conceitos, e vivências de determinada religião

são impostas e assumem a centralidade do currículo escolar. Dessa

maneira, afirmamos que as práticas observadas não estão em

consonância com uma Educação em/para os Direitos Humanos.

Frente a esse cenário destacamos a importância da temática da

Educação em Direitos Humanos nos cursos de formação inicial e

continuada de educadores. Nesse sentido, defendemos o mesmo

argumento de Dias e Porto (2010) que reconhecem a importância da

inserção nesses cursos dos conteúdos pertinentes à construção do ser,

do saber e do fazer do docente, bem como, com conteúdos

comprometidos também com a ruptura desse modelo de sociedade

colonial e educação excludente, por intermédio dos quais muitos grupos

sociais e culturais foram historicamente segregados da produção e

apropriação dos bens materiais e culturais.

Assim, pactuamos com a perspectiva apresentada por Candau

(2005; 2011; 2012) e por Walsh (2009) defendendo que nossas práticas

comprometidas com a Educação em/para os Direitos Humanos

Page 18: O DIREITO A DIVERSIDADE CULTURAL RELIGIOSA DESDE A ... · diversidade religiosa numa escola pública de Educação Infantil do munícipio de Lajedo-PE. Foi um estudo de caso na referida

O Direito à Diversidade Cultural Religiosa... – Santos, Silva & Oliveira

Revista Diálogos – set. / out. – 2018 – N.º 20 511

precisam assumir como ponto nodal a questão da interculturalidade,

pois ela busca legitimar e estimar cada um dos/as estudantes presentes

na escola, trabalhando na construção e vivência de metodologias que

visem ao rompimento do silenciamento, ocultação, invisibilidade e

inferiorização de determinados grupos sociais, a partir de práticas

críticas e questionadoras dos princípios colonizadores existentes.

Práticas essas que não se estruturam apenas pela valorização das

características da diversidade, mas na reflexão de como as diferenças

foram e são usadas para perpetuar as desigualdades e na luta para que

essas desigualdades não se perenizem como tal.

Referências

ABRAMOWICZ, Anete. A pluralidade de ser judeu. In: GOMES,

Nilma Lino; SILVA, Petronilha B. Gonçalves (Org.). Experiências

étnico-culturais para a formação de professores. 3. ed. Belo

Horizonte: Autêntica, 2011. p. 27-38.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica.

Diretrizes curriculares nacionais para a educação infantil /

Secretaria de Educação Básica. – Brasília: MEC, SEB, 2009.

CANDAU, Vera Maria. Didática crítica intercultural: aproximações.

Petrópolis: Rio de Janeiro: Vozes, 2012.

______. Sociedade multicultural e educação: tensões e desafios.

In:______ (Org.). Cultura(s) e educação: entre o crítico e o pós-

crítico. Rio de Janeiro: DP&A, 2005, p. 13-37.

______. Direitos humanos, diversidade cultural e educação: a

tensão entre igualdade e diferença. In: FERREIRA, L. de F. G.;

ZENAIDE, M. de N. T.; DIAS, A. A. (orgs.). Direitos humanos na

educação superior. Subsídios para a educação em direitos humanos

na pedagogia. João Pessoa: Editora da UFPB, 2010.

Page 19: O DIREITO A DIVERSIDADE CULTURAL RELIGIOSA DESDE A ... · diversidade religiosa numa escola pública de Educação Infantil do munícipio de Lajedo-PE. Foi um estudo de caso na referida

O Direito à Diversidade Cultural Religiosa... – Santos, Silva & Oliveira

Revista Diálogos – set. / out. – 2018 – N.º 20 512

______.Direitos humanos, educação e interculturalidade: as tensões

entre igualdade e diferença. Pontifícia Universidade Católica do Rio

de Janeiro, Departamento de Educação. Revista Brasileira de Educação.

2008.

DIAS, Adelaide Alves; PORTO, Rita de Cássia Cavalcanti. A

pedagogia e a educação em direitos humanos: subsídios para a inserção

da temática da educação em direitos humanos nos cursos de pedagogia.

FERREIRA, Lúcia de Fátima Guerra; ZENAIDE, Maria de Nazaré

Tavares; DIAS, Adelaide Alves (Orgs.). Direitos humanos na

educação superior: subsídios para a educação em direitos humanos na

pedagogia. João Pessoa: Editora da UFPB, 2010. p. 29-70.

DUSCHATZKY, Silvia; SKILIAR, Carlos. O nome dos outros:

narrando a alteridade. In: LARROSA, Jorge; SKILIAR, Carlos.

Habitantes de Babel: políticas e poéticas da diferença. 2. ed. Belo

Horizonte: Autêntica Editora, 2011, p.119-162.

FLEURI, R. M. Diversidade religiosa e direitos humanos: conhecer,

respeitar e conviver. [Et al] (orgs). Blumenau: Edifurb, 2013.

FONAPER. Fórum Nacional Permanente de Ensino Religioso.

Parâmetros Curriculares Nacionais - Ensino Religioso. 9. ed. São

Paulo: Mundo Mirim, 2009.

FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e

Terra, 1987.

GODOI, Luis. R. A importância da música na educação infantil,

Londrina, Universidade estadual de Londrina, 2011.

KAERCHER, Gládis E. P. da Silva. Literatura infantil e educação

infantil: Um grande encontro. Cultura Acadêmica, 2011.

Page 20: O DIREITO A DIVERSIDADE CULTURAL RELIGIOSA DESDE A ... · diversidade religiosa numa escola pública de Educação Infantil do munícipio de Lajedo-PE. Foi um estudo de caso na referida

O Direito à Diversidade Cultural Religiosa... – Santos, Silva & Oliveira

Revista Diálogos – set. / out. – 2018 – N.º 20 513

LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. Rio

de Janeiro: Jorge Zahar, 14ª Ed., 2001.

MIGNOLO, Walter. A colonialidade de cabo a rabo: o hemisfério

ocidental no horizonte conceitual da modernidade. In: LANDER,

Edgardo. A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais –

perspectivas latino-americanas. Buenos Aires: CLACSO, 2005.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). Declaração para

eliminação de todas as formas de intolerância e discriminação com

base em religião ou convicção. Assembleia Geral das Nações Unidas,

Resolução 36/55, 25 nov. 1981.

QUIJANO, Aníbal. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América

Latina. In: LANDER, Edgardo (Org.). A colonialidade do saber:

eurocentrismo e ciências sociais. Buenos Aires: Conselho Latino-

americano de Ciências Sociais – CLACSO, 2005.

STEIL, C. A. O diálogo inter-religioso numa perspectiva antropológica.

In: TEIXEIRA, F. (org.). Diálogo de pássaros: nos caminhos do

diálogo inter-religioso. São Paulo: Paulinas, p. 23-33. (Coleção

Caminhos de Diálogo), 1993.

WALSH, Catherine. Interculturalidade crítica e pedagogia decolonial:

in-surgir, re-existir e re-viver. In: CANDAU, Vera Maria (Org.).

Educação Intercultural na América Latina: entre concepções,

tensões e propostas. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2009a. p. 12-42.

______. Interculturalidade e (des) colonialidade: perspectivas críticas e

políticas. In: CONGRESSO ARIC, 12., 2009, Florianópolis. Anais...

Florianópolis: ARIC 2009b.