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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL CAMPUS DO PANTANAL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO/MESTRADO EM EDUCAÇÃO ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: EDUCAÇÃO SOCIAL
IVANILDE DOS SANTOS MAFRA
O DIREITO À EDUCAÇÃO DA CRIANÇA PEQUENA NA CIDADE DE MANAUS:
NOÇÕES PRESENTES ENTRE AS MÃES DE CLASSES POPULARES
Corumbá, maio de 2014.
IVANILDE DOS SANTOS MAFRA
O DIREITO À EDUCAÇÃO DA CRIANÇA PEQUENA NA CIDADE DE MANAUS:
NOÇÕES PRESENTES ENTRE AS MÃES DE CLASSES POPULARES
Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Educação, Campus do Pantanal, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, como requisito parcial para obtenção do título de mestre em Educação, área de concentração em educação social, sob a orientação da Profª. Dra. Anamaria Santana da Silva.
Corumbá, maio de 2014.
Dados Internacional de Catalogação de Publicação (CIP)
M237v
Mafra,Ivanilde dos Santos
O Direito à Educação da Criança Pequena na Cidade de Manaus:
noções presentes entre as mães de classes populares./ Ivanilde dos
Santos Mafra. – Corumbá : Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
– Campus do Pantanal , 2014.
124f. :il ; 30 cm
Orientadora: Profª. Drª Anamaria Santana da SIlva
Dissertação (Mestrado) Programa de Pós Graduação em Educação -
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – Campus do Pantanal,
2014.
1. Criança. 2. Creches. 3.Mães – trabalhadoras 4.Manaus I.Título
CDU 373.2 (811.3)
Dedico À Maria Conga. Às crianças pequenas da Amazônia e do Pantanal. Ao Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil (MIEIB) Às militantes sociais, docentes e pesquisadoras Vanderlete Pereira da Silva, Elisabeth Mascarello de Andrade e Anamaria Santana da Silva, por todas as sementes que dispuseram em meu caminho afetivo e acadêmico. Ao meu amigo Sérgio Monteiro de Lima, pelos sonhos, lutas e realidades compartilhadas.
AGRADECIMENTOS
Eu quero agradecer a Deus. Mas, não ao deus de religiões ou religiosos
profissionais. Agradeço ao Princípio Sagrado que emana das pessoas que
cooperam com a melhoria da vida coletiva e, por consequência, consigo mesmas.
Agradeço à minha cidade da floresta, Manaus: meu rio, minha terra, meu fogo, meu
ar! Agradeço aos identificados e aos anônimos amazonenses, sul-mato-grossenses
e demais brasileiros que, comungando com as minhas mãos, inspiraram a
realização deste estudo. Assim, listo a seguir seres humanos que estiveram comigo
e que também estão nos caminhos de tantas outras pessoas comprometidas com o
bem de todos/as:
Anamaria da Silva (a orientadora); Regina Aparecida de Souza e Suely
Mello (examinadoras da banca de qualificação e defesa); Hajime NozaKi, Edelir
Garcia, Dimair França, Ana Lúcia Espíndola e Mónica Kassar (docentes do
PPGE/CPAN/UFMS); Cleide de Paula (secretária do PPGE/CPAN/UFMS); Isabel
dos Santos (minha mãe); Raimundo Mafra (meu pai) Roberto, Renato, Ruben, Rui e
Ivone Mafra (meus irmãos); Ana Clara, Julius e Valentina Lima (crianças manauaras
que migraram para Corumbá/MS); Alexandre Oliveira, Debora Mendonça, Fernanda
Serafim, Gladimar Cáceres, Idyanara Machado, Márcia Souza, Maria Inez
Figueiredo, Rafael Françozo, Reinária Carvalho, Vanessa Costa, Vânia Lima
(colegas da turma 2012-2014 do PPGE/CPAN/UFMS); Camilo Assunção e Grupo
Singeleza (amigos de militância da zona leste da cidade de Manaus); Elionora
Ferreira (minha amiga e pedagoga da cidade de Manaus-AM) Eliseu Souza ( meu
amigo e pedagogo da cidade de Parintins-AM). Bernardino Albuquerque (Diretor -
presidente da FVS); Maria Olívia Simão (diretora-presidente da FAPEAM); Márcia
Carvalho Barbosa, Wladmary Fialho, Maria Auxiliadora Queiroz, Valéria Silva,
Oneide Sousa, Miberval Folgosa, Elidiane Cavalcante, Jaqueline Macedo, Joana
Cavalcante, Raphael Pereira (profissionais da Fundação de Vigilância em Saúde) e
Ronney Feitoza (docente da Universidade Federal do Amazonas). Obrigada por me
auxiliarem nas metamorfoses necessárias a cada pequena ou grande etapa do
sonho de realização desta pesquisa. Que a alegria da construção deste
conhecimento seja também compartilhada e expandida entre o caminho de todos.
A centralidade da infância no século XXI constitui-se, assim, por um duplo jogo: por um lado, a visibilidade das crianças e de suas misérias e, por outro, a invisibilidade das condições econômico-sociais que as produzem. Essa operação, que poderia ser compreendida apenas como um mecanismo discursivo das novas liturgias sobre a infância, de fato, expressa um processo perverso de repolitização da concepção de pobreza, na medida em que se introduz uma disjunção entre as condições estruturais que a produzem e suas formas de manifestação.
(Campos, 2010)
RESUMO
Este estudo tem como foco o direito à educação da criança pequena, no contexto da cidade de Manaus-AM. Buscamos conhecer as noções sobre direito da criança de zero a três anos presentes entre as mães trabalhadoras moradoras do bairro Jorge Teixeira. De modo específico, atentamos ao discurso presente entre as mães correlacionado ao déficit de vagas na rede pública de creches. Os pressupostos teórico-metodológicos do estudo referenciaram-se no materialismo histórico-dialético, recorrendo-se a categoria da totalidade. Utilizamos, igualmente, a análise documental e a entrevista semiestruturada. Como resultados das análises, identificamos a baixa oferta de vagas nas unidades de creche recém-construídas (2008-2013) e a focalização no atendimento acima de 4 anos de idade, cindindo a oferta entre creche e pré-escola, primeira etapa da Educação básica no Brasil (LDB 9394/1996). As noções apreendidas entre as mães evidenciam e ratificam a necessidade de oferta de creches para as crianças das classes populares da cidade de Manaus. Termos-chave: criança pequena; creche em Manaus; direito à educação; mães de classes populares.
ABSTRACT
This study focuses directly on the education of small children, taking place in the city of Manaus-AM. We have tried to have a better notion about the laws for children from zero to three years of age, present among working mothers who live in the residential area of Jorge Teixeira. In a specific way, we paid attention to what the mothers had to say about the lack of vacancies in daycare centers of the public system. The theoretical and methodological assumptions of the study referred to historical-dialectical materialism, resorting to the category of totality. We also used document analysis and semi-structured interviews. With the results of the analysis, we identified a low offer of vacancies in the recently built daycare units (2008-2013) as well as focus in the service of over 4 years of age, splitting the offer between daycare and preschool, the first stage of basic education in Brazil (LDB 9394/1996). The results taken from the mothers show and attest to the need for the provision of daycare centers for the children of the working classes of the city of Manaus. Keys Words: small child; daycare in Manaus; the right to education; mothers in working classes.
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
ACP- Ação Civil Pública
AM- Amazonas
BM – Banco Mundial
BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento
CF – Constituição Federal de 1988
CLT – Consolidação das Leis do Trabalho
CME – Conselho Municipal de Educação
CMEI – Centro Municipal de Educação Infantil
CMM- Câmara municipal de Manaus
CNDM - Conselho Nacional dos Direitos da Mulher
COEDI- Coordenação Geral de Educação Infanil
CONANDA - Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente
CPAN - Campus do Pantanal
DNCr – Departamento Nacional da Criança
EC – Emenda Constitucional
ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente
EI – Educação Infantil
FUNDEB – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e
Valorização dos Profissionais da Educação
FUNDEF – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e
Valorização do Magistério
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
IPAI - Instituto da Proteção e Assistência à Infância
LBA – Legião Brasileira de Assistência
LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação
MDS - Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à fome
MEC - Ministério da Educação e da Cultura
MPE- Ministério Público Estadual
MIEIB – Movimento Interfórum de Educação Infantil do Brasil
ONU - Organizações das Nações Unidas
PIM – Polo Industrial de Manaus
PL – Projeto de Lei
PNE – Plano Nacional de Educação
PPGE- Programa de pós-graduação em Educação
PROURBIS - Programa de Desenvolvimento Urbano e Inclusão Socioambiental de
Manaus
SAM - Serviço de Assistência ao Menor
SEMED – Secretaria Municipal de Educação
SESI – Serviço Social da Indústria
TLCE- Termo de Live Consentimento e Esclarecimento
UFAM- Universidade Federal do Amazonas
UFMS - Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
UNCME - União Nacional de Conselhos Municipais de Educação
UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação e a Ciência
UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância
ZFM – Zona Franca de Manaus
LISTA DE QUADROS
QUADRO 1 – Creches na cidade de Manaus: ano de construção, nome do prefeito,
quantidade e legislação nacional......................................................................... 65
QUADRO 2 – População de 0 a 3 anos residente na cidade de Manaus por zona
da cidade, no ano de 2010................................................................................. 66
QUADRO 3 – Rede pública de creches da cidade de Manaus, ano de inauguração,
localização e quantidade de vagas oferecidas (2008-2013)................................... 67
QUADRO 4 – Perfil das mães participantes da pesquisa................................... 72
LISTA DE APÊNDICES
Apêndice A - Termo de consentimento livre e esclarecido para as mães de classes
populares................................................................................................................. 102
Apêndice B – Roteiro de entrevista semiestruturada ............................................ 104
Apêndice C - Quadro-síntese de transcrição das respostas apresentadas pelas
mães sobre o direito à creche................................................................................. 106
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO......................................................................................................
14
CAPÍTULO I – INFÂNCIA E CRIANÇA NO BRASIL ......................................... 1.1 Brasil-Colônia: Mortes, abandonos e sobrevivência das crianças................................................................................................................ 1.2 A transição do Brasil-Colônia para o Brasil-Império......................................
30
31 36
1.3 República: a criança como riqueza da Nação............................................ 1.4 Processo de industrialização: metamorfoses na organização familiar e o papel da mulher ................................................................................................... 1.4.1 O movimento de mulheres e a luta por creche............................................ 1.5 Os processos de redemocratização no Brasil e a Constituição Federal de 1988....................................................................................................................... 1.6 Educação para crianças pequenas: ruptura formal com a concepção de amparo e assistência...........................................................................................
37
42 45
47
52
CAPITULO II – O DIREITO À EDUCAÇÃO DA CRIANÇA PEQUENA: CONFIGURAÇÕES PRESENTES NA CIDADE DE MANAUS-AM.......................
58
2.1 Conselho municipal de Educação: órgão regulador do direito à
educação.................................................................................................................
2.2 A oferta de vagas para a educação da criança pequena em Manaus..............
2.3 A rede pública de creches existente (2008-2013)............................................
2.4. As mães das crianças pequenas da cidade de Manaus ................................ 2.4.1 Onde estão localizadas as mães e as crianças: o bairro .............................
2.4.2 O perfil das mães..........................................................................................
2.4.3 Noções sobre o direito à educação da criança pequena..............................
2.4.3.1 A importância da vaga em creche.............................................................
2.4.3.2 A creche como direito...............................................................................
2.4.3.3. A função da creche...................................................................................
2. 4.3.4 Funcionamento da creche/condições de atendimento.............................
59
63
66
69
69
72
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76
80
81
82
CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................. 88
REFERÊNCIAS .................................................................................................. APÊNDICES........................................................................................................ ANEXOS..............................................................................................................
93 101 111
INTRODUÇÃO
A construção do objeto de estudo: alguns antecedentes
O presente estudo tem como objetivo conhecer a configuração do direito
à educação da criança de zero a três anos, na relação entre os dispositivos legais e
a realidade do atendimento, destacando as noções sobre o direito à creche presente
entre as mães de classes populares.
A opção por submeter o projeto da pesquisa e sua realização ao
Programa de pós-graduação do Pantanal/Universidade Federal do Mato Grosso do
Sul (PPGE/CPAN/UFMS) apresentou-se no conjunto de alguns antecedentes. O
contorno da caminhada e a direção assumida tomaram como trajetória as
correlações entre as questões de estudos concentradas no Programa de pós-
graduação do Pantanal (PPGE/CPAN/UFMS) e a problemática concernente ao
direito à educação na cidade de Manaus-Am.
Nesse sentido, inicialmente, a busca por informações na página eletrônica
do PPGE/CPAN tornou possível relacionar a configuração acadêmica estabelecida
pelo Programa e o objeto deste estudo. A linha de pesquisa “Políticas, práticas
institucionais e exclusão/inclusão social” permitiu delimitar a ampla temática e
delinear o projeto. Desta correlação, sobressaíram-se três focos, previamente,
sustentando a ideia de pesquisa instigada pelo problema. Conforme a ideia que nos
interessava, destacaram-se três objetivos do Programa do CPAN/UFMS:
1. Desenvolver pesquisas com foco direcionado à garantia dos Direitos (Educação, Saúde, Assistência, Trabalho) da população de crianças, adolescentes e suas famílias; 2. Realizar pesquisas sobre a implantação, implementação e avaliação de políticas públicas voltadas à infância e à adolescência; 3. Oferecer subsídios para elaboração de políticas públicas (saberes e
práticas inovadores), principalmente, aquelas voltadas às crianças e aos adolescentes; (PPGE/CPAN, 2013)
1
1 http://ppgecpan.sites.ufms.br/apresentacao
16
Elegemos a perspectiva de que a experiência entre os pesquisadores do
PPGE/CPAN com os estudos relacionados às demandas e sujeitos periféricos na
ordem social estabelecida possibilitaria atender a intenção e a necessidade
investigativa contida em nossa proposição sobre a região norte e mais
especificamente Manaus-AM. Assim, começamos a escrever o projeto com esse
esboço de discussões e pressupostos iniciais. A clareza quanto à concepção inicial
do problema foi possivelmente, o mais difícil para ingressar ao programa de
mestrado stricto sensu. Contudo, a necessidade de sistematizar o horizonte pensado
foi determinante nesse compasso de “organização do olhar” de iniciante
pesquisadora.
Assim, a preocupação e escolha por entender a problemática da criança
pequena no Brasil, no recorte de sua repercussão social, constituiu-se no pano de
fundo para instigar a formulação do problema, desde o projeto até esta efetiva
execução do trabalho.
A construção do problema que trouxemos sobre a criança pequena da
cidade de Manaus compreendeu também a interlocução com o cenário nacional, por
meio da interação, debate e atuação dentro do Movimento Interfóruns de Educação
do Brasil/ Fórum Amazonense de Educação Infantil (MIEIB)2.
Nesse aspecto, a busca por investigar um problema que nos ajudasse na
apropriação do conhecimento sobre o direito da criança no Brasil baseou-se, tanto
pela atuação junto ao MIEIB, quanto pela proximidade na atividade como pedagoga,
em que visualizamos as limitações implicadas quanto ao direito da criança.
Daí que nossas opções acadêmicas pretendiam não uma digressão, mas
em procedimento artesanal poder acentuar, no processo de pesquisa, o ecoar das
múltiplas vozes vindas da trajetória que circunscrevia nossas práticas. O trajeto
brevemente apresentado localiza-se no entendimento da relação sujeito-objeto e a
correlação de forças e interação materializadas para o estudo do direito à educação.
O cenário problematizado por esta pesquisa foi processado como ponte
estabelecida entre o existente e identificado e o que pretendíamos construir em
2 Desde o ano de 2007, com a mobilização para a instalação do Fórum Amazonense de Educação
Infantil, pedagogos de Manaus atuam na interlocução interna sobre a causa do direito da criança pequena na cidade de Manaus. Tal articulação decorre da participação na pauta nacional originada nas discussões e Encontros Nacionais e regionais promovidos pelo Movimento Interfóruns de Educação infantil do Brasil/MIEIB.
17
exercício e compasso de rigorosa aproximação, a fim de deslindar o mais específico
de nosso objeto.
Contextualizando o problema de pesquisa
A ideia de criança e infância pensada na modernidade como período
privilegiado de desenvolvimento humano, ainda está por se consolidar na história
brasileira. Embora os marcos legais tenham se ampliado na garantia dos direitos, o
tratamento dispensado às crianças e suas infâncias aponta para o longo caminho a
ser percorrido ainda, no sentido de assegurar a dignidade a uma parcela da
população bastante negligenciada.
A partir da hegemonia do pensamento europeu, as ideias discutidas sobre
criança e infância referem-se a transformações originadas com o panorama do
advento da modernidade (ARIÉS, 1978). No Brasil, demarcando a gênese de uma
preocupação com a ideia de infância, podemos identificar a presença desse
conceito no conjunto do ideário da concepção de Estado-nação (início do século
XX). A partir das condições materiais daquele contexto político, social e econômico,
foi estabelecido no Brasil um discurso coadunado com forças dominantes. Entre as
leituras ideológicas presentes foram enfatizadas ideias da criança como futuro do
Brasil.
Estudos como de Rizzini (1995) problematizam a atribuição à criança do
papel de grande responsável pela construção do Brasil. Nas análises da autora
destacou-se que “a infância foi eleita pelas elites brasileiras como o principal
substrato a ser moldado em seu projeto de 'construção da nação' (RIZZINI, 1995,
p.19)”. Nessa convivência com forças desenvolvimentistas antagônicas, a história
do atendimento à criança no Brasil, principalmente dos filhos do nascente
proletariado, foi caracterizada pela influência do caráter assistencialista. A
assistência oferecida objetivava principalmente a guarda das crianças abandonadas
que, por motivos sociais e econômicos, perdiam a condição de acolhimento dentro
da esfera familiar (idem).
Nessa perspectiva, no lugar do enfrentamento pelo Estado, das novas
questões sociais sobre a infância, foram privilegiadas ações focais de cunho
assistencialista e filantrópico. Nesse horizonte, o percurso do conceito de infância
18
foi historicamente contextualizado nas instâncias privadas, filantrópicas, jurídicas e
de saúde pública (CAMPOS, 1999).
Assim, resultante do embate dos diferentes olhares sobre a infância é
possível observar um panorama de avanços e recuos próprios do processo
histórico. O contexto das iniciativas e da legislação para a infância correspondeu-se
à instauração do Estado moderno brasileiro. Nesse aspecto, podemos afirmar que
relações entre a infância e os processos políticos no Brasil foram acentuando-se
com o debate sobre o direito das crianças no conjunto das transformações
construídas pela sociedade (FALEIROS, 2005).
Defendendo os espaços do pensamento sobre a infância brasileira
localizamos algumas instâncias propulsoras. Nesse sentido, destacamos três
esferas de construção da condição pública do debate sobre a infância: as práticas
sociais, o ordenamento das políticas sociais e, estrategicamente, a consolidação
acadêmica de conhecimentos pertinentes à área da infância (SILVA, 1999;
KRAMER, 2003).
O direito da criança à educação e o dever do Estado anunciado
legalmente a partir da Constituição de 1988 é destacado, entre outros aspectos, por
Craidy (1998):
A Constituição Brasileira de 1988 inaugurou uma nova fase doutrinária em relação à criança e ao adolescente. Foi a primeira Constituição Brasileira que considerou explicitamente a criança como sujeito de direitos e também foi a primeira Constituição Brasileira que falou em creches e pré-escolas. (1998, p. 71).
A condição determinada pela Constituição Federal de 1988 de pleno
direito para a criança pequena adicionou-se ao estabelecimento de um relevante
documento internacional. Foi assumido um compromisso protagonizado por 192
países destinando prioridade às crianças, sendo ratificado pelo Brasil em 1990. A
Convenção sobre os Direitos da Criança (1989), adotada pela Assembleia Geral das
Organizações das Nações Unidas (ONU) caracterizou-se pela afirmação de um
conjunto de direitos fundamentais, econômicos, sociais e culturais para as crianças
e adolescentes.
O panorama de legislações sobre a criança pequena subsequente à
Constituição de 1988 vai mobilizando os atores sociais para a reivindicação do
19
atendimento à infância em sua totalidade. Contudo, a consolidação normativa no
campo dos direitos da infância no Brasil não tem sido suficiente para que gestores
implementem políticas públicas consoantes às determinações legais.
No cenário quantitativo de creches públicas no Brasil, a realidade é
precária. Na realidade da capital do Amazonas, Manaus, o déficit é gravíssimo;
oficialmente existem apenas cinco creches públicas3, sem que possamos afirmar
que esteja configurada uma rede de atendimento ao direito à educação da criança
de zero a três anos.
Notadamente, as crianças brasileiras excluídas do acesso às creches,
como direito social, foram abandonadas do contemplar mais atento para sua
condição de sujeito de cidadania.
Assim, a sociedade convive com os avanços anunciados na legislação
desde a Constituição Federal, em 1988, seguida pelo Estatuto da Criança e do
Adolescente (1990) e Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996). No
entanto, constatamos sérios problemas nas diversas regiões brasileiras,
principalmente quando direcionamos o olhar para as crianças pequenas
(ROSEMBERG,1999)
É bem verdade que numa visão panorâmica sobre a área social, nos
deparamos com indicadores que revelam distinção em termos de cumprimento e
descumprimento da legislação educacional nas diferentes regiões brasileiras. No
atual censo escolar, por exemplo, a região norte aparece como a mais distanciada
no que diz respeito ao atendimento a demanda de educação infantil, em particular a
população de 0 a 3 anos (BRASIL/MEC/INEP/CENSO ESCOLAR, 2013).
Na visão de Rosemberg (2011), podemos pontuar as gradações das
desigualdades e discriminações quando o tratamento é sobre a criança de zero a
três anos. Assim considera a autora:
Nos últimos anos, minha reflexão acadêmica e prática política têm se voltado principalmente para a creche, instituição para os bebês, segmento social que considero intensamente discriminado no Brasil. (...) considero que, em nossas reflexões acadêmicas e ações políticas, o silenciamento sobre os bebês constitui discriminação. Silenciar sobre as especificidades da creche também significa discriminação, pois, além de acolher bebês, no Brasil, a creche não foi pensada para a “produção” de qualquer ser humano, mas a dos(as) filhos(as) recém libertos(as) de mães escravas. Assim, o primeiro texto sobre creche de que se tem notícia no país foi publicado na
3 Informação publicada na página eletrônica oficial da Prefeitura municipal de Manaus.
20
revista A mãi de família, em 1879, por um médico afeto à roda dos expostos (doutor Vinelli), preocupado com o destino de crianças filhas de mães escravas. A história da creche no Brasil mantém essa marca de origem, bem como a identidade de seus profissionais. (p.17 e 18)
Corroborando a discriminação apontada por Rosemberg, entre os estados
da região norte, o Amazonas demonstra uma situação bastante emblemática. Sua
capital é uma das maiores arrecadadoras de impostos do país4, concentrando
serviços privados semelhantes às demais grandes capitais. Entretanto, quando se
trata de atendimento às demandas da infância, identifica-se uma estagnação nas
políticas públicas para o setor, conflitando com as demais cidades, cujos recursos
não são proporcionais à condição econômica ostentada por Manaus, onde existe
desde 1967, um polo industrial, sustentado pelos incentivos fiscais, denominado
Zona Franca de Manaus (AMAZONAS, 2008).
Acreditamos que investigar as razões pelas quais vivem o silêncio e a
negação de uma história do direito da infância na cidade de Manaus deve nos ajudar
na batalha de significados enunciada por Silva (1999b, p.8):
É precisamente no campo da educação que hoje se trava, talvez uma das batalhas mais decisivas em torno dos significados. Estão em jogo nessa luta, os significados do social, do humano, do político, do econômico, do cultural e, naquilo que nos concerne, do educativo. Nessa luta, a educação é um campo de batalha estratégico. A educação não é apenas um dos significados que estão redefinidos: ela é o campo preferencial de confronto dos diferentes significados. Trava-se aí uma batalha de vida e morte para se decidir quais significados governarão a vida social
Portanto, a realização da presente pesquisa decorreu da convivência com
a causa dos direitos da infância brasileira e a compreensão da necessidade de
desnaturalização da situação de exclusão vigente que coloca as crianças da região
norte num espaço de distanciamento dos direitos constituídos, condição inadmissível
no conjunto da sociedade contemporânea.
Atentamos ao problema enfrentado pela criança da cidade de Manaus, na
tentativa de compreender a configuração de ideias sobre infância e criança presente
4 Conforme a Secretaria Municipal de Finanças, Planejamento e Tecnologia da Informação (SEMEF),
para o ano de 2014, a cidade de Manaus apresentou um orçamento 17% maior que no exercício anterior. O orçamento global da prefeitura para o ano de 2014 é de R$ 4 bilhões, sendo mais de R$ 2,1 bilhões arrecadados do tesouro municipal (recursos próprios). De acordo com os números de arrecadação, o orçamento municipal ainda prevê a transferência de R$ 919 milhões em recursos da União ao município, sendo R$ 252 milhões provindos de convênios com o Governo Federal. Destaca-se nesta atual gestão a implantação do escritório de projetos da Prefeitura, que atua exclusivamente na captação de recursos federais.
21
entre as mães. Nessa perspectiva, o estudo busca apreender as noções sobre o
direito da criança pequena de zero a três anos entre as mães de classes populares.
Em face desse entendimento, corroboramos Khulmann Jr. quando alerta para como
pensarmos a história da infância entre as crianças pobres:
É preciso considerar a infância como uma condição da criança. O conjunto das experiências vividas por elas em diferentes lugares históricos, geográficos e sociais é muito mais do que uma representação dos adultos sobre esta fase da vida. É preciso conhecer as representações de infância e considerar as crianças concretas, localizá-las nas relações sociais, etc., reconhecê-las como produtoras de história. Desse ponto de vista, torna-se difícil afirmar que uma determinada criança teve ou não teve infância. Seria melhor perguntar como é, ou como foi, sua infância. Porque geralmente associa o não ter infância a uma característica das crianças pobres. Mas, com isso, o significado de infância se torna imediatamente abstrato, e essas pessoas, excluídas de direitos básicos, receberão a culpa de não terem sido as crianças que foram, da forma como foi possível, irreversivelmente (KUHLMANN JR, 1998, p. 30-31)
O autor nos alerta para a convivência com olhares sobre a infância que
tendem a reduzir esse período da existência humana a uma categoria abstrata.
Partir de um conceito de ausência da vida de infância entre as classes populares,
excluídas dos direitos básicos, pode resultar num lugar de dupla exclusão. Por um
lado, a falta de acesso público à educação e por outro, a desconsideração da
abrangência da totalidade concreta em que se produz o primeiro momento da
história de vida de tantos homens e mulheres de classes populares.
A experiência problematizadora do debate deste tema nos fóruns sobre
educação e infância permite enfocar que, em última análise, a ideia deste estudo
sintetiza também a necessidade de ampliar a produção científica na área. Estudar
sobre as formas de compreensão social do direito à educação sinaliza a
necessidade de novos caminhos a trilhar. Acreditamos que o desvelamento das
contradições pode conter um possível canal de diálogo com as famílias, capaz de
favorecer a reconstrução do olhar sobre criança e infância, possível colaborador da
situação de exclusão da qual as crianças são historicamente vítimas.
No campo de suas especificidades, este estudo apresenta dois objetivos:
1. Conhecer como está constituída/desconstituída a rede pública de creches na
cidade de Manaus-AM e 2. Identificar noções sobre direito da criança pequena
22
presentes entre as mães trabalhadoras moradoras de um bairro periférico da cidade
de Manaus-AM;
Percurso Metodológico
No âmbito das ciências humanas o processo de investigação
desencadeia um conjunto de especificidades na relação sujeito e objeto. As
especificidades e desafios decorrem da própria complexidade pertinente à
aproximação com o campo de estudo nas ciências sociais. Na condição dialética,
adotada como dimensão do processo, a relação entre sujeito e objeto implica o
reconhecimento do homem como sujeito histórico e social.
Neste estudo, a partir da necessidade de aproximação imposta pelo real,
tomamos como caminho teórico-metodológico a abordagem do materialismo
histórico-dialético (MARX, 2008), referenciando-nos pela categoria da totalidade.
A discussão sobre o direito à educação aqui é tratada como uma
particularidade que possui mediações com a totalidade das relações nas quais a
sociedade convive contemporaneamente. Consideramos relevante nos aproximar
dos dados quer fossem em condição latente ou manifesta na superfície social a fim
de compreendermos, dialeticamente, a totalidade investigada, já que “o fenômeno
indica a essência, e ao mesmo tempo a esconde [...]” (KOSIK, 1995, p.11).
Nosso interesse de decomposição do todo aparente (KOSIK, 1995)
percorreu a perspectiva de uma teoria materialista do conhecimento. Nesta direção
a realidade é um todo dialético na qual a concretização se desloca das partes para o
todo e vice-versa.
As definições do percurso da pesquisa foram sendo tecidas e confirmadas
aos poucos e principalmente circunscritas à interlocução entre as aspirações do
projeto inicial e as condições materiais possíveis. Nessa perspectiva, a correlação
entre as disciplinas do curso de mestrado, a linha de pesquisa 1. Políticas, práticas
institucionais e exclusão/inclusão social e o problema investigado permitiram
contornar mais detidamente o objeto, especialmente no âmbito da disciplina
“Políticas públicas, infância e adolescência”, oferecida pelo PPGE/CPAN/UFMS5.
5 A ementa da disciplina está disponibilizada como anexo J deste estudo.
23
Em face dessas correlações fomos processando as buscas sobre o objeto
de pesquisa na perspectiva da compreensão histórica e dialética. Procuramos
apreender as noções sobre o direito da criança, entre as mães de classes populares,
sem tratá-las como parte de uma população abstrata. As mães (sujeitos) e o
contexto em que viviam emergiram de um todo composto de determinações e
múltiplas relações.
No contato com os obstáculos da prática social do direito, elegemos a
busca de noções sobre direito entre as mães de classes populares imersas no senso
comum. Assim, a opção pelo termo “noções” foi referenciado no conceito de
pseudoconcreticidade de Karel Kosik (1995). Deste modo, neste campo de estudo,
pontuamos a conceituação do autor (idem):
O complexo dos fenômenos que povoam o ambiente cotidiano e a atmosfera comum da vida humana, que, com a sua regularidade, imediatismo e evidência, penetram na consciência dos indivíduos agentes, assumindo um aspecto independente e natural, constitui o mundo da pseudoconcreticidade (KOSIK, 2010, p. 15)
Na abordagem do autor, a pseudoconcreticidade promove “a práxis
utilitária” (idem), um estágio distante da compreensão consciente do real. Assim na
trajetória teórico-metodológica do estudo, buscamos avançar para além da
pseudoconcreticidade a fim de aprofundar as análises e distanciá-las do meramente
“natural” identificado entre as mães.
Para Marx (2009), a postura concernente ao materialismo histórico
dialético, centra-se substancialmente na concepção ontológica de homem, definida
não idealmente (via pensamento), mas materialmente, pela produção de sua
existência. Assim, para o trajeto de encontro, que não tomou os sujeitos da pesquisa
como meros informantes, fomos à busca de dados por meio da entrevista
semiestruturada. Nesse aspecto, prevaleceu o princípio gnosiológico no qual o
sujeito não tem neutralidade mediante o objeto investigado.
Dessa forma, a dimensão tornada central na referência teórico-
metodológica desta pesquisa e a consequente apreensão do objeto deste estudo é
de que não podíamos reduzir o aparente descaso e descumprimento dos direitos da
criança pequena à sua representação fenomênica (KOSIK,1995). Nesse sentido,
não podíamos proceder, por exemplo, pela simples reunião das percepções obtidas
junto às mães das crianças ou pelo mapeamento das políticas sociais vigentes.
24
Consideramos a configuração da sociedade concreta e a inter-relação de fatores
que sustentam que uma realidade de violação do direito à infância chegue a se
dispor como natural (FRIGOTTO, 2003).
A compreensão do todo estruturado remete a busca pelas conexões para
reconstituir a realidade. A pseudoconcreticidade é uma superfície com a qual nos
deparamos:
A maneira como os indivíduos manifestam sua vida reflete exatamente o que eles são. O que eles são coincide, pois, com sua produção, isto é, tanto com o que eles produzem quanto com a maneira como produzem. O que os indivíduos são depende, portanto, das condições materiais da sua produção (MARX; ENGELS, 1998, p.10-1).
Conhecer as manifestações é necessário para a compreensão da
realidade na qual está o sujeito concreto. Entender as expressões e as formas que
emergem enquanto pseudoconcreticidade nos ajuda na busca pelas conexões que
desvelam o agir dos homens na produção de suas vidas.
Nessa dimensão, a estratégia teórica implicou a revisão de literatura e o
levantamento de informações sobre a rede pública de creches na cidade de Manaus.
A estratégia do estudo de campo foi a realização da entrevista semiestruturada com
os sujeitos.
Assim, durante o período de trabalho de campo e busca por informações
que subsidiassem nossa compreensão, visitamos as cinco creches existentes em
Manaus, intencionando verificar se havia lista de espera da demanda por vagas pela
comunidade. Entretanto, apesar de haver a procura, todos os registros ficavam
apenas na oralidade, sem a formalização efetiva da busca das mães pelas vagas
para seus filhos. Compartilhando a definição de problema de pesquisa como
caracteriza Marconi e Lakatos (2008) ressaltamos a relevância da dificuldade,
teórica ou prática, para o qual se deva encontrar uma solução.
Nesse pressuposto tórico-metodológico, a análise não poderia ser linear
ou isolada da dialética que a produziu na totalidade. Sobre a perspectiva da
formulação do conceito de totalidade, assim considerou Lukács (2012):
A categoria de totalidade significa (...), de um lado, que a realidade objetiva é um todo coerente em que cada elemento está, de uma maneira ou de outra, em relação com cada elemento e, de outro lado, que essas relações formam, na própria realidade objetiva, correlações concretas, conjuntos, unidades, ligados entre si de maneiras completamente diversas, mas sempre determinadas (LUKÁCS, 2012, p.240).
25
Deste modo, embora tivéssemos como foco o direito do sujeito criança à
creche, assumimos o entendimento de que a creche é um direito também dos
trabalhadores, pai e mãe da criança (artigo 7°. da Constituição Federal de 1988).
Nesse sentido, o direito à creche foi dimensionado como condição também
relacionada em sua totalidade à cidadania das famílias pobres e trabalhadoras.
No âmbito desse dispositivo legal e com o objetivo de conhecer as noções
de direito a creches, entre as mães de classes populares, interagimos para a
localização e encontro com as mulheres que comporiam a amostra de nosso estudo.
Mediante as orientações contidas no parecer aprovado pelo Comitê de Ética de
Pesquisa, roteiro de entrevista semiestruturada e o Termo de Livre Consentimento e
Esclarecimento (TLCE) 6, buscamos o conhecimento da condição materna e sua
relação com a noção de direitos.
A partir da formulação do instrumento de coleta de dados (o roteiro da
entrevista), delimitamos a pesquisa empírica entre as mães da cidade de Manaus-
AM.7 Com a finalização do instrumento, submetemos sua aprovação a Plataforma
Brasil/Comitê de Ética. Após o roteiro receber parecer favorável, começamos o
trabalho de campo para a escolha das mães que seriam ouvidas.
A seleção da amostra da pesquisa empírica considerou o bairro com
maior população de mães com crianças na faixa etária de zero a três anos.
Conforme dados do censo do IBGE/2010, o local selecionado correspondeu ao
bairro Jorge Teixeira, situado na zona leste da cidade de Manaus.
Na abordagem do público participante da pesquisa solicitamos também
informações de caráter quantitativo. A coleta de tais dados almejou favorecer o foco
e a produção de dados de natureza qualitativa sobre os sujeitos.
Os sujeitos da pesquisa
Partindo da condição de exclusão do direito à creche a seus filhos, os
sujeitos constituintes de nossa pesquisa não foram encontrados por meio das
estatísticas do sistema de ensino. Com o levantamento preliminar sobre o campo,
pudemos visualizar que partiríamos ao encontro de uma realidade em que 100% das
6 Os documentos referidos estão disponíveis como apêndices A e B deste estudo.
7 Foram excluídas mulheres indígenas pela particularidade cultural em que convivem e os limites de
tempo, foco e objetivos definidos para esta dissertação de mestrado.
26
crianças do maior bairro da cidade de Manaus não estavam matriculadas em
creches.
Por isso, a aproximação com as famílias moradoras do bairro foi feita
através do grupo da Associação comunitária que possui representantes nas diversas
ruas e comunidades que compõem o bairro.
Os sujeitos participantes deste trabalho foram selecionados, tendo como
base a amostragem intencional (ALMEIDA & FREIRE, 2000). A escolha das mães a
serem entrevistadas, partiu de três critérios previamente estabelecidos para a
composição do grupo: 1. Ser mãe de criança de zero a três anos; 2. Ser mãe de
classe popular; 3. Ser mãe moradora do bairro com maior população de crianças de
zero a três anos de idade.
Neste conjunto de mulheres que tinham filhos entre zero a três anos, o
procedimento para selecionar as mães, atendeu ao critério aleatório de sorteio.
Como resultado, foram contempladas doze diferentes ruas do bairro e uma mãe em
cada uma delas. Totalizando um grupo com 12 mães para ser entrevistado.
Definidas as ruas, iniciamos o contato para explicarmos a relevância da pesquisa e
buscar ajuda para contar com a participação voluntária das mães.
Com o intuito de permitir a interação com o sujeito previamente
selecionado, travamos sucessivas buscas para a aproximação com os as mães em
diferentes horários em que elas agendavam o contato conosco. Entretanto, às vezes
não podiam nos atender. Outras vezes marcavam para mais tarde que o previsto,
todavia no mesmo dia. Outras agendavam para outra semana.
Nesse sentido, fomos construindo possibilidades de contato com o bairro
em que viviam as possíveis entrevistadas. A este procedimento foram se somando
outros elementos (como horário em que a mãe estava mais ocupada com a criança;
horário em que os filhos de idade maior chegavam da escola e poderiam ajudar no
cuidado com a criança de colo; dia em que faltava água o dia todo e que era
impossível encaminhar a rotina como o previsto) que nos ajudaram a melhor
configurar o local de onde surgiriam as falas e escutas para nossas perguntas.
A realização da entrevista semiestruturada possibilitou às mães a
liberdade necessária para discorrer sobre o tema, demarcado pelo roteiro
previamente preparado pela pesquisadora, evitando a dispersão das questões
formuladas.
27
Por estarmos nos relacionando com a expectativa de escuta das mães de
classes populares atentamos para os relatos em “estado bruto”. Foi necessário
retirar nossas formulações do padrão da “fala escolarizada”, para realmente entrar
em diálogo com o universo implicado pelas mães. Percebemos que considerar o
contexto vocabular das entrevistadas foi imprescindível para avançar quanto ao
conhecimento pretendido, a fim de não inibir a fala de quem está disposto a nos
ajudar a compreender o problema que investigamos.
Lançar as pontes necessárias para dialogar com as mães em busca de
melhor compreender e conseguir pensar a exclusão/inclusão do direito à educação
compõe uma série de sucessivas aproximações e adaptações para o real
estabelecimento de mútua confiança entre as interlocutoras. Assim, tentamos
assegurar condições tanto para o conforto da mãe quanto da criança, algumas ainda
de colo. Realizamos todas as entrevistas nas próprias residências das mulheres
selecionadas. Ficou evidenciado desde os primeiros contatos que se fosse
necessário o deslocamento para longe de suas casas seria inviabilizada a
cooperação das mães em atender nossa solicitação de diálogo.
Ganhar a permissão para estar nas residências permitiu também o
enriquecimento da observação do local de relatos das entrevistadas e o seu entorno.
O contato mais direto com o espaço em que conviviam concretamente mãe e a
criança propiciou a oportunidade de observar as pessoas que circulavam e atuavam
naquele espaço. As interações foram potencializadas não somente pela conversa.
Outros elementos do cenário, que buscávamos compreender a cada entrevista,
potencializavam nossas interações: a troca direta de olhares, o tom e modulações
de voz, a disposição nos poucos cômodos da casa, entre outros.
Buscamos atentar para a reciprocidade entre quem entrevistava e o
sujeito indagado. Como canal de comunicação com as mães, a técnica de entrevista
apontou as vantagens definidas por Ludke e André (1986): “... importante é atingir
informantes que não poderiam ser atingidos por outros meios de investigação como
é o caso de pessoas com pouca instrução formal, para as quais a aplicação de um
questionário escrito seria inviável” (p.34). Assim, o registro do material discursivo
compartilhado pelas mães foi consolidado por meio de gravações em formato digital.
mp3, com prévia anuência das entrevistadas, tendo em vista a transcrição integral.
Após ouvir cada gravação, submetemos os diálogos à transcrição,
momento de retomada mais detida dos registros e os procedimentos iniciais de
28
análise. As transcrições foram realizadas pela própria pesquisadora, oportunidade
para melhor captar e retomar conteúdos subjetivos no áudio narrativo das respostas
obtidas junto às mães.
Sabemos que a busca pela produção de dados primários é uma
mobilização a qual recorremos para aprofundar a compreensão do problema.
Portanto, não nos coube tomá-la como atributo principal ou resposta definitiva e
fechada, tornando-a verdade isolada.
Dessa forma, a apreensão do real buscou conectar a unidade investigada-
o direito da criança pequena - na totalidade concreta. A partir da análise de sua
base material processamos a construção do conhecimento dos fatos e seu conjunto
no contexto estudado. Neste aspecto consideramos: homem, educação, história e
realidade, tendo em vista as implicações destas relações dentro da sociedade
capitalista.
No desenvolvimento da pesquisa, a organização do conjunto de dados
coletados foi exigente momento de abstração. Porque a recomposição da noção do
objeto de conhecimento fica por longo tempo impregnado pela aproximação com o
campo empírico. Tais elementos impuseram desafios e novas exigências ao
pesquisador no tratamento mais adequado quanto às relações implicadas na
totalidade das questões levantadas.
A descrição dos conteúdos precedentes dimensiona sua relevância para a
compreensão do contexto desta pesquisa. De tal modo, buscamos situar o esforço
em captar e compreender as contribuições e dinâmicas das formas e significados
mediados na construção do diálogo com as mães de classes populares.
Na busca documental consideramos as seguintes legislações: Resolução
N.04/CME/1998- regulamentadora da implantação da Educação Infantil na rede
municipal de ensino da cidade de Manaus; Resolução 05/CME/2010 sobre o
Regimento Interno do CME- Manaus; Lei nº. 1.107 de 30 de março de 2007 que
alterou a Lei nº. 377/1996 referente ao funcionamento do CME-Manaus; Resolução
N.10/CME/2010 que estabeleceu normas e orientações para a realização de
matrículas para a Educação Infantil e Ensino Fundamental no Sistema municipal de
Ensino e o Projeto de Lei N° 362/2013 em tramitação na Câmara municipal de
Manaus (CMM) sobre a divulgação da demanda atendida e lista de espera por vaga
nos Centros municipais de Educação Infantil (CMEIS) e creches de Manaus.
29
Para a constituição dos quadros 1 e 3 sobre a rede pública de creches de
Manaus8 acessamos o portal eletrônico da prefeitura municipal de Manaus/secretaria
de educação. Utilizamos ainda o Diário oficial de Manaus (DOM), e o portal
eletrônico do Ministério Público Estadual (MPE-AM) sobre a Ação civil pública
ajuizada pela 28ª Promotoria de Justiça Especializada da Infância e Juventude, com
pedido de liminar para sanar a falta de vagas nas Creches de Manaus.
Assim, depois da recolhida de dados, a análise e interpretação destes
subsidiaram-se pelo aprofundamento dos pressupostos do conjunto da pesquisa.
Buscamos descrever as noções sobre direito da infância, presentes no discurso das
mães, de acordo com as seguintes categorias de análise: importância da vaga em
creche, a creche como direito, função da creche e funcionamento da
creche/condições de atendimento.
A composição dos Capítulos
Este trabalho está organizado em dois capítulos. No Capítulo I,
apresentamos um panorama da história da criança e da infância no Brasil.
Procuramos, num primeiro momento, descrever um pouco da trajetória da presença
da criança no Brasil: Mortes, abandonos e sobrevivência das crianças entre o
período colonial e imperial. Mais adiante, destacamos a repercussão do avanço das
concepções de educação e criança construídas a partir da Primeira República
(1889), tendo como pano de fundo as reconfigurações na base material.
Avançamos para a apresentação das metamorfoses na organização familiar e a
atuação da mulher frente às transformações ocorridas com a instauração do
processo de industrialização no Brasil. Com isso, enfocamos a fundamental
contribuição do Movimento de Mulheres, desde o final dos anos 1970, para a luta por
creches no Brasil.
Tratamos ainda de mostrar as confluências de lutas mobilizadas para a
instauração do Estado democrático de direito cujo marco institucional passou pela
formalização da Assembleia Nacional Constituinte, na qual teve influência o
Movimento Criança e Constituinte, culminando em importantes e inéditas conquistas
legais para a criança pequena brasileira. A Constituição Federal de 1988 e o
8 Utilizados no capítulo 2 deste estudo.
30
desencadeamento dos processos de redemocratização foram marcados por
contribuições advindas da participação popular.
Assim, abordamos, ao final do capítulo, a histórica inserção do direito à
educação da criança pequena, apontando as legislações: Constituição Federal,
1988, Estatuto da Criança e do Adolescente, 1990 e a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional, 1996, que ajudaram a erigir em nosso país um novo sistema
jurídico de proteção aos direitos da criança.
No Capítulo II, tratamos especificamente do acesso à creche: marcos
regulatórios sobre a Educação infantil na cidade de Manaus, com foco nas crianças
de 0 a 3 anos; oferta de vagas e a rede pública de creches existente. Apresentamos
as contribuições das mães de classes populares entrevistadas, localizando seus
perfis, nível de participação social e as noções sobre o direito da criança pequena
dentro das categorias de análise: importância da vaga em creche; função da creche;
funcionamento da creche (condições de atendimento) e a creche como direito
31
CAPÍTULO I - CRIANÇA E INFÂNCIA NO BRASIL
A história social da infância no Brasil tem sido permanentemente reconstituída no interior de “um campo de batalha”. Guerras modificam fronteiras. (FARIAS, 2005).
Este capítulo tem como objetivo destacar um panorama da história da
criança e da infância no Brasil, a fim de compreender a trajetória e a confluência das
lutas que ajudaram a erigir em nosso país o atual sistema jurídico de proteção aos
direitos da criança. Repercutindo o contexto histórico do objeto de estudo, buscamos
situar o avanço contemporâneo das legislações vigentes sobre o direito à educação
da criança pequena.
Assim, partimos da incidência da ideia de criança e infância, inserida no
advento das transformações sócio-históricas da Idade Moderna. Conforme Ariés
(1978), a descoberta e consequente reconhecimento social da infância foram
construídos no conjunto das mudanças de concepções originadas com a
modernidade.
Nesse conjunto histórico consideramos os processos que implicaram o
sujeito criança no decorrer do quadro de formação social brasileira. Nosso esforço
referenciou-se pelo objetivo de nos aproximarmos da configuração da criança
concreta que habitou este país, desde o Brasil-colônia até os nossos dias.
Convergindo sob o marco teórico-metodológico do materialismo histórico
e dialético, constituímos o contorno dos acontecimentos históricos que foram se
conjugando a partir da indagação inicial de como configurar e compreender a
trajetória de ser criança pequena no Brasil.
Este caminho (e não outro percurso disponível ou hegemônico)
compreende a infância como uma construção social e histórica e não somente a
condição física própria de uma etapa biológica da vida humana (FREITAS, 2003).
Pouco a pouco, na perspectiva de quem aguça e aproxima o olhar do
objeto que o instiga, relacionamos aspectos da formação da população infantil
brasileira no contexto do Brasil-Colônia. Prosseguimos na tentativa de caracterizar o
perfil da atenção dispensada à criança pequena no Brasil-império e as
transformações ocorridas com o conjunto político-econômico da proclamação da
independência do Estado brasileiro. Neste cenário, olhamos especialmente a
sociedade no confronto com o abandono de crianças e as consequências da
32
iniciativa consolidada pela Roda dos Expostos (1726-1874), instituída ainda no
período do Brasil- Colônia.
Observamos, no caráter ideológico, a presença retórica de valorização
da criança e a visão republicana sobre o conceito de infância (RIZZINI, 1995). A
repercussão histórica da dicotomia entre a infância das crianças pobres (com foco
na assistência e instrução para a submissão) e das crianças filhas da elite, para as
quais destinavam-se os espaços pedagógicos.
Na inter-relação apresentada entre as condições políticas, sociais e
culturais instauradas com a sociedade moderna são notados os contrastes
históricos. Apresentamos alguns aspectos da moldura em que os conteúdos sobre
infância surgiam conflitando-se entre as ideias de progresso da nação e as práticas
de negligência e/ou abandono das crianças. Nesse sentido, a situação produzida
sobre a ideia de infância e criança incidiu, até hoje, sobre sua cidadania.
1.1 Brasil-Colônia: Mortes, abandonos e sobrevivência das crianças
A perspectiva de olhar a partir dos processos sofridos pelos primeiros
habitantes das terras brasileiras somados aos homens negros, sentenciados ao
sistema escravagista, pode ajudar a repercutir a condição da criança dentro daquele
contexto histórico. Nesse sentido retomamos alguns aspectos da formação
populacional de nosso país, com enfoque sobre a povoação do Brasil-Colônia.
Abrangendo, além de adultos, também crianças. Nesse vislumbrar as características
da existência possibilitada à criança pequena no Brasil encontramos um cenário
drasticamente imposto.
Ramos (2004) narra o viés de tragédia que marcou a chegada das muitas
crianças nas embarcações portuguesas: “...em qualquer condição, eram os ‘miúdos’
quem mais sofriam com o difícil dia-a-dia em alto mar...” (p. 19). Aquelas que seriam
as crianças a compor (caso sobrevivessem) o grupo de nossa primeira população de
crianças brancas da então colônia de Portugal, o Brasil. A tentativa de sobrevida
durante a viagem até o Brasil era o primeiro e grande desafio de existir como criança
naquelas embarcações. Conforme Ramos (idem):
A história do cotidiano infantil a bordo das embarcações portuguesas quinhentistas foi, de fato, uma história de tragédias pessoais e coletivas. A história das crianças, de qualquer idade, nas naus do século XVI só pode
33
ser classificada, portanto, como uma história marítima trágica ou, se preferirem, como uma história trágico-marítima. (2004, p.49)
Nesse contexto, o primeiro olhar lançado para o encontro de
especificidades sobre criança e infância no Brasil cruza-nos com a condição sócio-
histórica de um território que produzia a marca da incerteza quanto à própria
existência material da criança que migrava para a nova colônia.
Assim, a particularidade degradante do modo de fazer nascer essa nova
sociedade destacou-se pela tragédia. Notadamente pela condição em que
submergiam as primeiras crianças que foram transportadas para o Brasil-Colônia
(DEL PRIORE, 2008; CHAMBOULEYRON, 2008; BITTAR; e FERREIRA JR,2013) 9
No cenário da nova colônia, século XVI, a criança não era distinguida em
sua especificidade admitida contemporaneamente. Como tal, os termos de sua
submissão atendia a prioridade da vida do adulto, mais potente na exploração e
conquista do novo território. Assim, é compreensível a instituição de determinados
modos de ver a infância, o que fez prevalecer a hegemonia do adulto influenciando
para o sombreamento da criança na composição populacional da nascente colônia.
Nessa condição histórica de sociedade oficialmente subalterna, a
finalidade da colônia era produzir e sustentar a metrópole (a coroa portuguesa).
Conforme Novais (1979), sobre a fase histórica do colonialismo e a lógica
econômica vigente, aquele conjunto socioeconômico tinha como função e
características:
Escravismo, tráfico negreiro, formas várias de servidão formam, portanto o eixo em torno do qual se estrutura a vida econômica e social do mundo ultramarino. A estrutura agrária fundada no latifúndio se vincula ao escravismo e através dele às linhas gerais do sistema (NOVAIS, 1979, p. 17)
Para o funcionamento e êxito da economia da metrópole, a composição
estrutural desse tipo de organização no novo território traduzia-se como: terra farta
9 Nos estudos referidos a seguir é possível conhecer detalhes das condições de vida das crianças no
Brasil- Colônia: DEL PRIORE, Mary. O papel branco, a infância e os jesuítas na colônia. In: DEL PRIORE, Mary (org.). História da criança no Brasil. São Paulo: Contexto, 2008; CHAMBOULEYRON, Rafael. Jesuítas e as crianças no Brasil quinhentista. In: DEL PRIORE, Mary. História das crianças no Brasil. 6ª Ed. – São Paulo: Contexto, 2008; BITTAR, Marisa; e FERREIRA JR., Amarilio. O estado da arte em história da educação colonial. Anais Histedbr 2006. Disponível em:http://www.histedbr.fae.unicamp.br/ navegando/periodo_jesuitico.html. Acessado em: 16/11/2013.
34
(latifúndio), quantitativo de mão de obra com custo mínimo (seres humanos
escravos) e produto exclusivo (monocultura).
Com as feições desta estrutura econômica, consolidou-se o padrão social
que configurava as desigualdades também no tratamento dado às crianças, tanto as
que migravam e não sobreviviam até chegar neste território, quanto as que de fato
chegavam e constituíram o pioneiro “povo brasileiro”. A experiência vivida pelas
crianças no decorrer de quase três séculos do Brasil- Colônia, em linhas gerais, tem
seu desiderato assim descrito por Del Priore:
O abandono de bebês, a venda de crianças escravas que eram separadas de seus pais, a vida em instituições que no melhor dos casos significavam mera sobrevivência, as violências cotidianas que não excluem os abusos sexuais, as doenças, queimaduras e fraturas que sofriam no trabalho escravo (DEL PRIORE, 2008, p.3)
Assim, o Poder de vida e de morte da Coroa Portuguesa (Estado) que
determinava diretamente o sistema de povoação de sua Colônia (o Brasil),
convergia, obviamente, para uma alta taxa de mortalidade infantil.
Por outro lado, destacava-se a relação disposta entre as crianças nativas
e o dominador, cujo objetivo estava bastante claro: a civilização do pequeno
selvagem. Com esta resolução, em 1549, aportaram na nova colônia, os primeiros
padres da Companhia de Jesus, com a principal missão de divulgação do
catolicismo e a conversão dos indígenas à fé cristã. A “civilização” sobre o pequeno
“selvagem” morador do Brasil tinha foco representativo porque naquela
circunstância:
A infância é percebida como momento oportuno para a catequese porque é também momento de unção, iluminação e revelação. Mais além, é o momento visceral de renúncia, da cultura autóctone das crianças indígenas, uma vez que certas práticas e valores ainda não se tinham sedimentado” (idem, p.15)
No processo colonizador, observamos que a atuação religiosa da
Companhia de Jesus interagiu consolidando o exercício de propriedade da Coroa
Portuguesa. A dedicação religiosa sobre a infância indígena e sua catequização, por
via da submissão, passou a constituir-se dupla fórmula dominadora: atingia, nos dois
planos, o território e os descendentes do habitante nativo. Nessa perspectiva, no
Brasil-Colônia, a direção das ações dominadoras sobre as crianças sustentou-se em
35
concepções e motivações que ainda dispõem-se arraigadas por longo período na
produção da realidade histórica contemporânea.
Historicamente a presença dos Jesuítas surge como determinante para o
estabelecimento da relação entre cristianismo e criança naquela nascente
sociedade. A semeadura catequética católica determinou a propagação da visão de
Cristo (submisso) como modelo de vida. Tal concepção foi intencionalmente
engendrada no Brasil quinhentista pela presença desse binômio colonizador-
catequizador. As ações sobre o infante emergente das condições socioeconômicas
do Brasil-Colônia traduziram-se em olhar a criança como mística e a criança que
imita Jesus. Conforme Del Priore (2008), o cenário e função social “(...) exaltavam o
mito da criança santa que, cheia de candura e meiguice, tocava os corações dos
gentios mais empedernidos para conversão católica” (p. 12).
A característica assumida pela educação na Colônia brasileira
diversificou-se de acordo com o grupo ao qual foi destinada. Aos filhos dos
colonizadores sim, intencionava-se o ensino da leitura, da escrita e das habilidades
de contar. A instrução direcionada aos curumins configurava-se mais como
aculturação do que educação. Todavia, para o grupo das crianças negras, feitas
escravas, nem educação nem a mínima instrução era permitida. Para elas estava
prevista a realização de pequenos trabalhos desde os cinco ou seis anos de idade.
As distinções dirigidas pelo colonizador por meio da educação no Brasil convergiam
com a dominação existente (FARIAS, 2005).
Nos anos 1700, a realidade foi o aumento do número de crianças
abandonadas. Registra-se que na cidade do Rio de Janeiro, as crianças expostas
pelas ruas foram devoradas por animais e vítimas de outras intempéries decorrentes
de sua vulnerabilidade biológica (VENÂNCIO,1999). Frente a essas formas de
mazelas sociais imputadas à infância, relacionadas às ideias de higienização social,
surgiu a Roda dos Expostos10; solução encaminhada para as primeiras crises
sociais identificadas pelas ruas das cidades brasileiras.
Gallindo (2006) descreve que o primeiro movimento de instituição da
Roda dos Expostos no Brasil caracterizou-se pela instalação destas nos hospitais
10
Fisicamente a Roda era uma peça cilíndrica que ficava presa à parede ou muro da edificação onde funcionava a instituição de caridade. A roda girava sobre um eixo central, preservando, o risco de identificação do(a) adulto (a). O termo “exposto”, adjetivo acrescentado à palavra roda refere-se diretamente às crianças. Era o sujeito criança que ficava exposto. Ao adulto que entregava a criança à roda era assegurado o anonimato.
36
religiosos denominados Santas Casas de Misericórdia. Inicialmente foram três, em
Salvador (1726), Rio de Janeiro (1738), Recife (1789); no período imperial foi criada
uma Roda dos Expostos em São Paulo (1825). Depois, outras menores foram
paulatinamente surgindo em outras cidades.
Como solução para regular o abandono e resguardar a sociedade, a Roda
dos Expostos teve vida longa na sociedade brasileira. Conforme dados
apresentados por Moncorvo Filho (1926), até 1817, a Casa dos Expostos recolheu
45 mil crianças aproximadamente. Refletindo sobre este período, o autor afirma que
"o que, todavia, se notava em todas essas creações era a preocupação exclusiva do
espírito religioso e nenhuma orientação scientifica" (MONCORVO FILHO, 1926, p.
115).
Vale ressaltar que encontramos nos estudos de Irma Rizzini uma
referencia à região Amazônica, que é o campo empírico dessa pesquisa. A autora se
referindo ao período entre 1870 e 1880 afirma que:
(...) Não há referência ao abandono de crianças nesta época nos espaços urbanos amazônicos, embora nos orçamentos anuais estivessem previstas verbas para a criação e tratamento de expostos pelas câmaras municipais das cidades e vilas. No entanto, o abandono não deve ter atingido uma dimensão que sobrecarregasse as municipalidades, pois Belém e Manaus não instalaram rodas de Expostos, como ocorreu em várias capitais e cidades do Império, desde o século XVIII. (IRMA RIZZINI, 2011, p.12-13)
Pela observação acima, a presença nos orçamentos anuais de verbas
para tratamento de expostos em Belém e Manaus confirma que mesmo em cidades
distantes da sede administrativa do Brasil, a criação das Rodas dos expostos era
uma alternativa oficial do Estado.
Assim, a historiografia sobre crianças abandonadas é relevante e
bastante rica, todavia, não nos aprofundaremos nesse tema pelas delimitações
próprias de nosso objeto de pesquisa. Entretanto, consideramos fundamental para a
compreensão da história da criança e infância brasileira a observação de outros
estudos sobre a temática11.
11
Segue breve referência sobre estudos identificados em nossa revisão temática e que disponibilizam
dados sobre a questão das crianças abandonadas, tais como: MARCILIO, M. L. e VENÂNCIO, R. P.
"Crianças Abandonadas e Primitivas. Formas da sua Proteção, séculos XVIII e XIX". In Anais do VII
Encontro Nacional de Estudos Populacionais. Belo Horizonte, ABEP/CNPq, vol. I, 1990, pp.321-338;
MESGRAVIS, L. "A assistência à criança desamparada e a Santa Casa de Misericórdia de São
Paulo. A roda dos expostos no século XIX". In Revista de História. São Paulo, FFLCH-USP, vol.103,
nº 2, 1975, pp.401-423. LEITE. "Óbvio e contraditório da roda". In DEL PRIORI (org.). História da
37
1.2 A transição do Brasil-Colônia para o Brasil-Império
Em 1808, com a ajuda e proteção da Inglaterra, aportou no Brasil, a Corte
portuguesa. Na perspectiva da organização ou reorganização dos objetivos políticos
e administrativos na Colônia, essa transição preparou o território brasileiro para
proclamação de sua Independência (NOGUEIRA, 1989).
A presença da Corte Portuguesa propiciou tanto a efervescência social e
cultural quanto alterações econômicas na dinâmica do Brasil-colônia. O rompimento
com a monocultura e a decorrente abertura comercial possibilitou a reunião das
circunstâncias que culminaram, em 1822, com a proclamação da Independência do
Brasil. Após a formalização da independência brasileira vivemos um período fértil em
modificações de cunho econômico.
Em sua obra História Econômica do Brasil, Caio Prado Jr. (1971), com a
expressão “corpos imensos de cabeças pequenas”, designou a situação em que a
permanência do Brasil como colônia de Portugal era caracterizada. Conforme o
autor, tratava-se de uma condição anormal pois
...já não correspondia mais ao equilíbrio mundial de forças econômicas e políticas. Depois daquele passado já remoto do apogeu luso-espanhol, outras potências tinham vindo ocupar no plano internacional: os Países-Baixos, a Inglaterra, a França. No entanto, os domínios ibéricos ainda formavam os maiores impérios coloniais. Corpos imensos de cabeças pequenas... (1971, p.123)
Esta realidade externa influenciou, posteriormente, a própria
insustentabilidade do sistema escravagista no Brasil. O cenário mundial era
radicalmente outro. O estabelecimento pela Inglaterra de mão-de-obra assalariada
em suas fábricas demandava a existência de patrões e operários e, igualmente,
mercados consumidores.
Nos anos de 1824, no Brasil, após a proclamação da Independência
política e a alteração do cenário decorrente do Brasil-Império, tivemos outorgada a
primeira Constituição Federal brasileira.
Criança no Brasil. São Paulo, Contexto, 1991 LONDOÑO, F.T. "A origem do conceito menor". In DEL
PRIORI (org.). op. cit., pp.129-145;
38
Assim, sob as consequências da ordem político-econômica que emergia,
em 28 de setembro de 1871, o Império assegurou às mulheres negras, filhos livres.
A “Lei do Ventre Livre” ensaiou a aproximação da relação de responsabilidade entre
Estado e infância (LIMA e VENÂNCIO, 2008). De acordo com as diferentes
incidências regionais da lei, sabemos que na cidade do Rio de Janeiro houve uma
significativa expansão no número de abandono de crianças negras12.
O conjunto de alterações provocadas no decorrer do período imperial
evidenciou mais a presença da criança pobre que no período anterior. Sobretudo, as
décadas que precederam a proclamação da República confrontaram-se com a
expansão populacional, constituição dos primeiros núcleos urbanos.
As análises deste curto período de transição entre Império e República
dão conta tanto de algumas rupturas formais quanto de muitas continuidades.
Entretanto, de acordo com estudiosos como Ribeiro (2003), na organização urbana,
a pequena burguesia, para se confirmar como classe hegemônica, buscou na escola
os meios para propiciar o “título de doutor” aos seus filhos. E nessa configuração, a
divisão de classes dentro da esfera educacional foi se reproduzindo por meio da
dicotomia entre escola do povo e escola da elite.
A presença de ideias sobre escolarização é representativa desta fase em
que se manifestam as vozes da modernidade. Junto com a necessidade de
construção do Estado-Nação é identificada a presença de
conceitos como “progresso” e “desenvolvimento” (GONDRA, 2007). O discurso
sobre criança também foi conjugado nessa multiplicação de esforços por adentrar a
modernidade. Tal contexto prenunciava a instauração do Brasil República.
1.3 República: a criança como riqueza da nação
No período da passagem do final do Império para a chamada República
Velha ou Primeira República (1989), podemos vislumbrar um conjunto de práticas e
discursos que nos ajudaram a perceber a circulação das ideias sobre criança e
infância. Como por exemplo, a diversificada forma com que os dirigentes do Estado
brasileiro começaram a regular os lugares de educação e instrução na sociedade.
Pontuamos, assim, algumas dessas iniciativas. É desta fase a criação de colônias
12
Ver LIMA, L. e VENÂNCIO, R. O abandono de crianças negras no Rio de Janeiro. In: DEL PRIORE, M. (org.). História da Criança no Brasil. São Paulo: Contexto, 2008.
39
agrícolas, asilos, jardins de infância que encaminhavam as zonas de circulação dos
diferentes grupos sociais, organizando para o objetivo de construção de uma nação
moderna.
Desse modo foi demarcada no período republicano a inicial relação entre
infância e políticas públicas, que como qualquer outra relação existente na
sociedade, não é natural. Processos históricos não se moveram por casualidades ou
dádivas. Direcionando o olhar para o período estabelecido a partir da Primeira
República identificamos o cenário de alterações política, cultural, expansão urbana
e contexto de importantes propostas de mudanças (MERISSE, 1997; SABBAG,
1997; CAMPOS, 1999; KUHLMANN, 2001).
Nessa perspectiva, Kuhlmann Jr. (2001) aponta especificamente para as
propostas e instituições pré-escolares, o ano de 1899 pode ser considerado o marco
dessas formalizações, com a fundação do Instituto de Proteção e Assistência à
Infância (IPAI). Na Companhia de Fiação e Tecidos Corcovado, na cidade do Rio de
Janeiro, foi inaugurada a primeira creche para filhos de operários.
No inicial período republicano o esforço concentrou-se em fundar a
nacionalidade do país: “Bradava-se como ideal salvar o Brasil do atraso, da
ignorância e da barbárie para transformá-lo numa nação ‘culta e civilizada’ (RIZZINI,
1997, p. 27)”. Com predominante base na ideia de progresso, nesse consenso o
conceito de infância foi sendo utilizado. Nesse horizonte, a concepção de infância
teve como eixo a formação e expansão desse entendimento para constituir o Brasil
como Estado-nação.
Os novos rumos transplantados como signos da modernidade foram
conjugados à intenção da elite de construir a nação republicana brasileira. Entre os
vários acontecimentos, para fins de nosso objeto de análise, ressaltamos o
estabelecimento da matriz educativa republicana. A Constituição Brasileira (1934),
marco da Primeira República, estabeleceu um Sistema Nacional de Ensino. Assim,
do ponto de vista oficial, buscava-se resguardar todo o território nacional brasileiro
com o papel reservado à educação, tomado como ícone de vanguarda deste país
que pretendia a ordem e o progresso.
Conforme Saviani (2008), as décadas iniciais do Século XX no Brasil
foram completamente anunciadoras do ideário do republicanismo, caracterizando-se
por uma nação que precisava instruir o povo e educar as elites.
Desde então, no conjunto de condições materiais desse cenário político,
40
social e econômico foi propagado um discurso conveniente para a elite dominante.
De outro modo, tomava força ideológica a associação entre o conceito de infância e
o idílico caráter da criança como “riqueza da nação” (VASCONCELLOS, 2005).
Nas considerações de Rizzini (1997):
A análise da dimensão social de que foi revestida a infância na passagem do regime monárquico para o republicano revela que, há mais de um século, grupos representativos da elite brasileira qualificavam a criança originária dos segmentos pobres da população simultaneamente como problema e solução. Problema porque embrião da viciosidade e da desordem e solução porque, ainda facilmente moldável, prestava-se a que fosse “educada” como elemento útil para a nação. Um elemento servil adaptado à ordem liberal capitalista (RIZZINI, 1997, p.252).
A dupla perspectiva de designar a infância ora como “problema”, ora
como “solução”, parece ter estruturado as primeiras formas de intervenção do
Estado. A dualidade estrutural expunha-se, por um lado, ao pender para o discurso
da potencialidade, e, por outro, ao apontar o perigo representado pela criança pobre.
Ações oficiais durante todo o período permitem a visualização deste quadro no
âmbito das perspectivas assumidas para a educação. Neste sentido, “toda uma
ideologia vai se estruturando no sentido de que a educação deve formar o homem
brasileiro, que seria um elemento de produção, necessário ao progresso da nação"
(ROCHA, 1997, p.46).
Nessa dimensão, observamos em discurso dos anos 1930, a
contundência do pensamento de Gustavo Capanema, responsável pelo ministério da
Saúde e Educação:
O Brasil não poderá progredir na sua indústria, na sua agricultura, no seu comércio, em todas as variadas manifestações de sua vida política e espiritual, se não dispuser de um grande quadro de homens altamente preparados nas técnicas, nas ciências e nas letras. Dá-nos disto cabal demonstração o exemplo de todas as nações modernas, que prosperaram. (CAPANEMA, 1935 apud FÁVERO, 1980, p. 93).
Inicia-se a industrialização e, igualmente, intensifica-se o processo de
urbanização na região sudeste (SPOSATI, 1988). A multiplicação das crianças
pobres tornava-se um desafio para a necessidade de “higienização social” da
nascente sociedade moderna brasileira.
41
A história do atendimento à criança pequena no Brasil, principalmente dos
filhos das camadas mais pobres da população, foi caracterizada pela influência do
caráter assistencialista. Entre médicos, religiosos ou juristas, com a força da
presença das ideias liberais reclamava-se por ações concernentes ao preço do
ingresso do país no pretendido progresso. “Nestes termos, à filantropia atribuiu-se a
tarefa de organizar a assistência dentro das novas exigências sociais, políticas,
econômicas e morais, que nasceram com o início do século XX no Brasil”
(MARCÍLIO, 2003, p. 78).
Assim, no decorrer da nascente história republicana da infância e da
criança no Brasil, o problema da criança, tanto na área educacional quanto na área
da assistência, demonstra o quanto foram disseminadas as concepções de
filantropia e o enfoque da responsabilização da esfera privada (família) frente à
“neutralidade” do Estado (RIZZINI, 1993; FARIAS, 2003).
Em 1927, como sequência dos debates do 1º Congresso Brasileiro de
Proteção à Infância realizado em 1920 que estabeleceu uma agenda de trabalhos
subsequentes, foi criado o primeiro Código de Menores do Brasil: O denominado
Código Mello Mattos. A aprovação do Código configurava a resposta jurídica de um
país que acumulava preocupações e associava proteção à infância com proteção à
sociedade. Segundo Faleiros (1995), esse código incorporou “tanto a visão
higienista de proteção do meio e do indivíduo como a visão jurídica repressiva e
moralista” (p.63).
Outras iniciativas formais concernentes à criança, infância e adolescência,
pertenceram ao período do governo de Getúlio Vargas. Por meio de um
autoritarismo populista e a propagação de sua figura como o “pai dos pobres”,
Vargas foi aproveitando a numerosa demanda e consolidando o serviço social a ser
ofertado pelo Estado.
Vargas articulou o Estado e entes privados para fomentar, no âmbito da
assistência, práticas higienistas e repressivas. A contenção dos menores
identificados como “delinquentes” foi conduzida com a solução do seu
encaminhamento para internatos (FALEIROS, 1995). Reunindo inciativas que se
relacionavam à crescente população infanto-juvenil, foi criado o Departamento
Nacional da Criança (DNCr) em 1940; o Serviço de Assistência ao Menor (SAM),
órgão diretamente subordinado ao Ministério da Justiça e Negócios do Interior e ao
Juizado de Menores, em 1941; a Legião Brasileira de Assistência (LBA), em 1942; a
42
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) de 1943, em que a creche aparece como
direito das mães operárias. Tal conjunto de ações tinha como alvo preferencial as
famílias e a proteção ou o enfrentamento dos dilemas da infância e adolescência
que fossem enquadradas como “desvalidas” e “delinquentes”, interpelação social da
urbanização em franca expansão.
Considerando a relação de proximidade da incidência do Departamento
Nacional da Criança (DNCr) e nosso objeto de estudo, ressaltamos algumas de suas
dimensões e funções. O DNCr foi criado como órgão vinculado ao Ministério da
Educação e Saúde. Conforme os destaques de Rizzini (1995), o Departamento
possuía o objetivo de “criar viva consciência social da necessidade de proteção à
díade materno-infantil [...] desenvolver estudo, organizar estabelecimentos, conceder
subsídio às iniciativas privadas de amparo às mães e filhos e exercer fiscalização”
(RIZZINI, 1995, p. 138).
Conforme Faleiros (1995), após o período do Estado Novo, com a
retomada dos encaminhamentos democráticos, temos o seguinte panorama quanto
ao trabalho desenvolvido pelo DNCr: “inicia-se uma estratégia de preservação da
saúde da criança e de participação da comunidade, e não somente repressiva e
assistencialista”. (1995, p. 72). O autor refere-se à presença da influência do Fundo
das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e da Organização das Nações Unidas
para Agricultura e Alimentação (FAO), condicionando os rumos do discurso e ações
do DNCr.
Assim, após a década de 1960, o Departamento da Criança tentava
estabelecer maior aproximação com as camadas populares por meio da expansão
de centros recreativos comunitários, inspirado na orientação das agências
multilaterais. A busca pelo caráter participativo nas ações encontrava também na
atuação da Igreja Católica e sua intensa presença pastoral os canais para a
pretendida inserção.
Nos chamados anos de chumbo, a partir da década de 1960, a relação
tanto com adultos quanto com as crianças seria de muita tensão e repressão ao
clamor e luta por avanços sociais. No contexto internacional, em 1959, foi aprovada
a Declaração Universal dos Direitos da Criança, mas, no cenário brasileiro, a
confluência de acontecimentos políticos, culminaram com o Golpe militar de 1964 e
nas décadas seguintes, a história brasileira reservava aos atores sociais duras
exigências de reconfiguração da luta.
43
1.4 Processo de industrialização: as metamorfoses na organização familiar e no papel da mulher.
Para considerar a trajetória e constituição do lugar contemporâneo da
criança, tomamos ainda como contexto advindo desde a década de 1930, as
modificações no conjunto familiar. Iniciativas na área social descritas anteriormente
compõem este quadro histórico. Assim, igualmente, aspectos da gênese da
moderna família brasileira relacionam-se aos processos de industrialização. Os
impactos sobre a configuração dos grupos familiares partem de alterações na base
econômica que refletem na esfera privada (famílias) e repercutem no âmbito público.
Nessa perspectiva, observamos que a reordenação dos processos
econômicos, iniciado nos anos de 1930, contribuiu quanto aos primeiros traços de
urbanização dos novos espaços de convivência dos grupos sociais.
No ambiente moderno, caracteristicamente urbano e industrial, em função
da nova ordem produtiva, os conjuntos familiares podiam respirar maior liberdade de
relações do que nos arranjos da tradicional formação familiar anterior. Conforme
Goode (1969) a família conjugal, caracterizada pela escolha de casais a partir dos
vínculos afetivos emergia onde as forças sociais da industrialização e urbanização
foram se manifestando. Na decorrência destas transformações, a introdução da
mulher no mercado de trabalho, radicalizou a necessidade de alteração do modelo
familiar e revelou outras configurações para aqueles grupos sociais.
No processo de industrialização brasileiro, o segmento têxtil pioneiro em
expansão, convergiu para que fosse o primeiro a abrigar mulheres operárias em
significativa quantidade.
O quadro de metamorfose familiar caminhou também com reflexos na
legislação brasileira. Para as relações privadas empreendidas observaremos as
orientações de exercício familiar, dentro da legislação vigente naquele momento
histórico. Os parâmetros oficiais concernentes à família e os determinantes legais
encontravam-se no primeiro Código Civil do Brasil (1916), conhecido como Código
de Beviláqua. Essa legislação fundamentava-se em três eixos: a família, a
propriedade e o contrato. A definição assumida na legislação conceituava a família
como patriarcal e hierarquizada. Ao marido era destinada a chefia da família e da
sociedade conjugal [art. 233, caput]. No artigo 240, destacava-se que a mulher devia
submissão total ao “varão” tendo como função a colaboração na educação e criação
44
dos filhos. A abrangência da responsabilidade e “mandato paterno” estendia-se às
dimensões políticas, econômicas, sociais e também religiosas.
No compasso de contraste ou convergência entre legislação e prática
social, as alterações inscritas no plano jurídico, contempladas posteriormente,
refletiram modificações já praticadas cotidianamente pela sociedade. Contudo, foram
fortemente arraigadas algumas características resguardadas pelo primeiro Código
Civil de 1916, no concernente à condição dos grupos familiares, notadamente:
patriarcal, matrimonializado e hierarquizado.
Somente no início da década de 1960, a partir do Estatuto da Mulher
Casada do ano de 1962 (Lei nº 4.121/1962), foi atribuído à mulher algum poder
oficial na esfera familiar, cercado de restrições. A partilha do denominado “pátrio
poder” foi concedido a ambos os genitores. Na possibilidade de desentendimento
entre o casal, prevaleceria a vontade do homem.
O olhar sobre essas transformações não se refere à fáceis transições ou
rupturas definitivas com modelos anteriores de organização familiar. As decorrências
históricas e reconfigurações familiares foram fortemente influenciadas pela alteração
da base econômica agrária para a industrial. O conjunto de mudanças construídas
pelo processo de industrialização determinou que as exigências produtivas da
fábrica pudessem influenciar o espaço doméstico. Sabemos que a necessidade da
produção confluiu para a entrada da mulher e da criança na esfera pública,
constituindo o emergente mercado de trabalho (VIEIRA, 1986).
De um modo ou de outro, a superação pela mulher da configuração social
de estritamente “dona do lar” fez com que ela pudesse se apropriar de vivências
(mundo público) que antes eram restritas aos homens. Na correlação entre o modelo
de desenvolvimento econômico adotado e a condição da infância brasileira
desencadeava-se outro papel para a esfera pública. O Estado passava também a ter
que partilhar com o novo lugar da mulher o cuidado pelas crianças. As mulheres
para cumprir a carga horária das funções operárias também teriam que ser
deslocadas de seu papel anterior de exclusivamente mães.
O contingente de crianças necessitadas da ação do Estado não mais se
restringia às abandonadas, mas aquelas também pertencentes às mães/famílias
operárias. Por outro lado, na perspectiva das famílias denominadas de classe média
urbana, Nunes (2003) afirma:
45
No Brasil, o caráter efêmero das relações familiares na classe média manifesta-se a partir dos anos 1950, intensificando-se nas três últimas décadas. Na história da família brasileira, contrapõe-se ao modelo dominante da relação patriarcal (em que conviviam outros tipos de relacionamentos familiares-artesãos, pequenos proprietários, trabalhadores livres, escravos, etc.- cada um com suas normas de comportamento) a tendência à universalização das normas hoje dominantes na classe média urbana. Assume-se no interior do grupo social a concepção de que a mulher deve trabalhar. (NUNES, 2003, p.45)
Conforme a análise do autor, as mulheres das famílias de classe média
também adentraram ao mercado de trabalho, tinham seus motivos de consumo e
almejavam aumentar a renda econômica familiar. Não podemos esquecer que foi na
década de 1950 que chegou o fenômeno midiático da televisão ao Brasil.
Multiplicadora de um estilo de vida padronizado condicionou especialmente para as
camadas médias, a gênese da necessidade de exacerbado consumo.
Por outro lado, na década de 1960, a evolução da indústria química foi
determinante para a condição feminina emancipatória nas camadas médias
brasileira. Sarti (2002) destaca a recriação do mundo subjetivo feminino, a partir da
possibilidade de escolha pela procriação ou não. Para esta autora, a condição
feminina obteve expressiva expansão, determinando a reconfiguração de atuação da
mulher no mundo social. Contudo, coexistiram ideias ambivalentes quanto à
emancipação feminina, que se refletem até os dias de hoje, por exemplo, nos
dogmas da igreja católica, de forte influência da família patriarcal, condenando a
utilização da pílula anticoncepcional.
Condicionados pelo recorte de classe econômico-social alguns estudiosos
afirmam que convivem simultaneamente diversos padrões familiares, entre eles o
modelo patriarcal e o modelo conjugal, ocorrendo predominância de um ou de outro,
dependendo da camada social a que pertence o grupo familiar. (MIOTO, 2004;
SARTI, 2002).
De nosso ponto de partida, desde os anos 1930, com foco sobre a relação
entre processos de industrialização e metamorfoses na família brasileira, coexistiram
diversos programas e ideários de construção da nacionalidade brasileira. De
projetos mais reacionários a outros mais modernizantes, a valorização do papel da
educação foi uma unanimidade, ainda que com distintos objetivos, especialmente
conforme o estrato econômico.
Assim, do contexto estabelecido com o processo de industrialização,
46
anteriormente referido, fortaleceu-se o caráter modernizador e conservador do
Estado (DRAIBE, 1985). Nesse cenário, as mulheres inauguraram novos papéis
sociais e pautaram as lutas das décadas seguintes, conforme abordaremos na
próxima seção deste estudo.
1.4.1 O movimento de mulheres e a luta por creche
Como construção social e, portanto, campo de disputas, tensão e conflito,
a causa da creche também apresentou historicamente seus ângulos de
controvérsias. Os modelos familiares hegemônicos no Brasil centralizavam como
natural o papel da mãe cuidadora dos filhos. A mulher era vista como dona
exclusiva da função materna, não apenas biologicamente, mas também
socialmente. Nesse sentido, a composição de passos para uma superação histórica
desses e outros padrões machistas, evidentemente não foi assumida pelos homens,
mas pelas próprias mulheres. Assim, foram as mulheres que estiveram na
vanguarda da luta por melhores condições de vida feminina e, no caso específico
das crianças pequenas, na luta pela expansão das creches no Brasil.
No processo de extensão do papel de mãe às funções de operária, a
mulher trabalhadora e pobre passou a perceber algumas causas sociais inadiáveis.
Nesse horizonte, surgiu em São Paulo, na década de 1970, o Movimento de Luta
por Creches (GOHN,1985).
Nessa relação de novas exigências sociais, estiveram associados à luta
por creches grupos de mulheres das classes populares e grupos de mulheres das
camadas médias. As necessidades prementes das mulheres e as aspirações por
emancipação, com pressupostos feministas, faziam emergir, em São Paulo o
Movimento de Luta por Creches. Nessa perspectiva, nos esclarece Merisse (1997):
O movimento feminista colocava em destaque a questão dos cuidados e responsabilidades para com a infância, exigia modificações nos papéis sociais tradicionais do homem e da mulher, bem como na dinâmica das relações familiares. O movimento de Luta por Creches, sob influência do feminismo, apresentava suas reivindicações aos poderes públicos no contexto de uma luta por direitos sociais e de cidadania, modificando e acrescentando significados à creche, enquanto instituição. Esta começa a aparecer como um equipamento especializado para atender e educar a criança pequena, que deveria ser compreendido como uma alternativa que poderia ser organizada de forma a ser apropriada e saudável para a criança, desejável à mulher e à família. A creche irá, então, aparecer como um serviço que é um direito da criança e da mulher, que oferece a
47
possibilidade de opção por um atendimento complementar ao oferecido pela família, necessário e também desejável (MERISSE,1997, p.48).
Assim, as análises do autor sinalizam para pensar conquistas e
aspirações que situam o entendimento deste contexto: A compreensão acerca da
creche como causa social e, consequente, luta pela expansão do direito e o
acréscimo de significados ao papel da creche, enquanto instituição.
O Movimento Luta por Creches marca a mobilização entre novos atores
sociais: as mulheres (GOHN, 1985; ROSEMBERG, 1984; FARIA, 2003). No
Movimento que dava visibilidade ao déficit de creches, agregou-se o papel da
condição feminina: mulher/mãe. A luta iniciada no final da década de 1970 cooperou
para a aproximação da ideia de creche como direito da mulher, do homem e da
criança13. O acúmulo dessa nova compreensão, na década seguinte, ajudou a
consolidar a luta e culminar pela condição da criança sujeito de direitos.
Em face do panorama social emergente, em 1979, foi substituído o
primeiro Código de Menores, aprovado em 1927. Faleiros (1995) analisando o
Código de Menores (1979) nos chama a atenção para a doutrina da situação
irregular presente naquela legislação. Esta lei determinou que “os menores são
sujeitos de direito quando se encontrarem em estado de patologia social, definida
legalmente [...], fazendo-se da vítima um réu e tornando a questão ainda mais
jurídica e assistencial” (FALEIROS, 1995, p. 81).
Contudo, outras “patologias sociais” pareciam ser identificadas e temidas
por nossos governantes, especialmente durante o período militar. Rosemberg
(1997), analisando o Projeto Casulo, destinado às crianças, afirmou que sua
intencionalidade sustentava-se na ideologia da segurança nacional. De uma forma
ou de outra, os “(....) pobres poderiam ameaçar a integração nacional”
(ROSEMBERG, 1997, p. 148).
Conforme Rosemberg (1997), o Projeto Casulo, criado em 1977,
representava uma ação presente em todo o território nacional. Único programa
nacional de creches consolidou-se como um projeto de massa e transformou-se em
principal programa da Legião Brasileira de Assistência (LBA). Este projeto ofereceu
13
O Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM) dentro do projeto Indicadores de Gênero, acessível no site do CNDM na Internet (www.mj.gov.br/sedh/cndm) disponibiliza um levantamento sobre educação concernente ao tema.
48
apoio às iniciativas comunitárias para implantação ou/e ampliação do atendimento à
criança de zero a seis anos. Seu foco, conforme (CAMPOS et. al. 1995) era a
população de baixa renda, crianças oriundas de famílias que viviam com renda
mensal inferior a um salário mínimo.
O Projeto Casulo representou o atendimento da criança pequena, pelo
Estado, com financiamento na rede privada. Organizado de forma tão abrangente e
estruturada, as entidades de direito privado, de caráter filantrópico ou comunitário
passaram a gozar de uma relação regulada, oficializada por termo de convênio
jurídico com o governo federal.
Decorrente da realidade constituída pelo crescimento da população e,
consequente, quantitativo das crianças, o Estado tentava empreender ações para o
atendimento das crianças pequenas. E quanto às formas de participação social da
mulher/mãe? As lutas foram estabelecidas e correlacionadas às necessidades e
possibilidades identificadas naquele emergente contexto social. Assim, as
mulheres/mães também passaram a ter função social ativa no desencadeamento
dos processos de redemocratização brasileira.
1.5 Os processos de redemocratização no Brasil e a Constituição Federal de 1988
Na década de 1980, a construção do campo da luta política para a
redemocratização estava presente em todos os segmentos sociais. Sobre aquele
contexto asseverou Silveira (1999): “na contramão da história, também
protagonizando-a inscrevem-se os movimentos sociais, que se constituem ‘novos
personagens’ com expectativas políticas e práticas sociais que promovem novos
referenciais” (p.149).
Cabe observar que na década de 1980, a luta mais ampla pela
redemocratização configurada pela “Campanha Diretas Já”, incorporou dinâmicas já
desenvolvidas no interior de vários Movimentos sociais ajudando a compor a
conjuntura de redemocratização no país (GOHN, 1995).
Os avanços democráticos que antecederam a conquista dos direitos
sociais anunciados na Constituição de 1988 foram diretamente ligados às bandeiras
das lutas iniciadas na década de 1970. Na mesma direção do encontro de
49
trajetórias entre redemocratização e a causa da infância no Brasil, o Movimento
Nacional Criança e Constituinte, organizado em 1986, teve significativa relevância.
No processo para a formulação de uma legislação avançada para a área do
atendimento à criança, a composição de uma ampla rede intersetorial de
mobilização e articulação foi assim registrada por Leite Filho e Nunes (2013):
A Comissão Nacional Criança e Constituinte foi criada por portaria do Ministério da Educação (MEC), com representantes dos Ministérios da Educação, da Saúde, da Cultura, do Planejamento, do Trabalho, da Assistência Social e da Justiça e pelas seguintes organizações: OAB, Sociedade Brasileira de Pediatria, Federação Nacional de Jornalistas, Organização Mundial para a Educação Pré-Escolar (OMEP)/Brasil, Fundo das Nações unidas para a Infância(Unicef),Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)/Pastoral da Criança, Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, Frente Nacional da Criança e Movimento Nacional Meninos e Meninas de Rua (LEITE FILHO e NUNES, 2013, p.70).
O debate intersetorial entre os representantes de diferentes segmentos
sociais congregou os interesses da causa do direito da criança. Tal processo
desencadeado no interior da Assembleia Constituinte gerou ampla
representatividade e repercussão do tema infância.
A participação e força transgressora contra o silêncio violentamente
imposto (1964-1984) sustentavam o contingente de mobilizados e mobilizadores de
diferentes causas, tais como saúde, moradia e educação. Após duas décadas de
cassação formal do estado democrático de direitos, a participação popular para
incidir nos rumos da Assembleia Constituinte era o principal grito que possivelmente
ecoava como motriz para a construção da Constituição cidadã, que resultaria de
todo aquele processo.
Assim a Carta magna do país, pós-ditadura militar, convergiu por via da
materialização de determinadas buscas transgressoras contra o rosto opressor da
condição política anterior (CURY, 1998). A vivência democrática civil, política, social,
cultural reprimidas nos anos anteriores ia sendo superada por outras fases do
desenvolvimento das lutas pelo direito à educação, saúde, moradia, lazer e outros.
Na perspectiva determinada pelos limites e objetivos deste estudo,
ressaltaremos os resultados que encaminharam, no marco do processo histórico
vivenciado, a afirmação dos direitos sociais da criança, especialmente para a
educação da criança de zero a seis anos.
50
Vital Didonet (1993), reportando-se àquela conjuntura histórica aborda a
relação desencadeada pelo Movimento Criança e Constituinte, em 1987
O movimento organizado pela defesa dos direitos da criança durante a Constituinte contribuiu enormemente para ampliar a consciência social sobre a importância de todos os direitos da criança, inclusive direito à educação a partir do nascimento. Esse movimento levou a um nível de consciência política muito importante, de sorte que se conseguiu colocar esse nível de ensino como um dispositivo constitucional (DIDONET, 1993,p.17)
Didonet ressalta a relevância da intensiva mobilização, contribuindo para
promover o direito da criança. Com a organização da Comissão Nacional Criança
Constituinte, em 1987, e consequente composição da Frente Parlamentar
Suprapartidária pelos Direitos da Criança, as conquistas foram sendo legalmente
traduzidas nos textos constitucionais que redefiniam, na legislação, a nova posição
da criança brasileira: criança sujeito de direitos e objeto de proteção integral
(BRASIL, 1988).
A inscrição dos direitos da criança pequena passou a ser explicitada em
vários textos constitucionais. A determinação do direito à educação pode ser assim
identificada:
Art.208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: IV-educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco)anos de idade
14(...).(BRASIL, 2006)
No artigo 6°. da Constituição Federal de 1988 foram definidos, entre
outros, como direitos sociais: educação, saúde, alimentação, proteção à
maternidade e à infância. No artigo subsequente, ao determinar os direitos dos
trabalhadores urbanos e rurais, foram contemplados seus filhos e dependentes:
Art. 07- São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: XXV- assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até 5 (cinco) anos de idade em creches e pré-escolas
15
14
Redação atualizada conforme a Emenda Constitucional n.53, de 2006.
15 Redação dada pela Emenda Constitucional n.53, de 2006.
51
A Constituição Federal é o documento balizador do papel inscrito nas
demais legislações dos avanços democráticos para a infância, tais como, por ordem
cronológica, inicialmente o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, 1990) e a
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN,1996).
No início da década de 1990, a partir da repercussão internacional da
importância de proteção à infância, o Brasil passou a ser signatário da Convenção
sobre os Direitos da criança. A grande marca desta Convenção foi o reconhecimento
ao indivíduo (até os 18 anos) de todos os direitos e todas as liberdades inscritas na
Declaração dos direitos humanos do cidadão adulto. A adesão do Brasil ao referido
documento foi convergente ao momento do processo de ruptura com a ditadura
militar no país e a gradativa instauração da democracia formal16.
No decorrer das regulamentações dos textos da CF-1988, com a
aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em 1999, o artigo 54,
tratou da educação infantil: “É dever do Estado assegurar à criança e ao
adolescente: V - atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis
anos de idade ( BRASIL,1990)
Cabe assinalar que foi por meio do ECA que juridicamente se demarcou
um divisor de águas entre as legislações anteriores e os conceitos e pressupostos
do atual Estatuto. Com o ECA, anulou-se a conceituação da categoria “menor”
(Código de Menores, 1979), introduzindo a definição, conceitual e jurídica, de
criança e adolescente.
O ECA representou um avanço como a legislação que, surgindo no
contexto da consolidação das lutas democráticas, instaurou a “Doutrina da Proteção
Integral”. A nova doutrina superou o Código de Menores (1979) cujo caráter restritivo
impunha não a ideia de proteção, mas de julgamento, a um público-alvo
marginalizado. Assim, o ECA estabeleceu-se em contraste frontal com o Código de
1979 que era orientado pela doutrina da “situação irregular”.
Nos termos de execução do Estatuto, entre outras regulamentações, foi
operacionalizada a criação do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do
Adolescente (CONANDA), Lei Federal 8.242, de 12 de outubro de 1991. A nova lei
passou a incidir também nas esferas estaduais e municipais, passando a
16
Tomamos neste texto o conceito de democracia formal determinando-se pela existência de instituições e procedimentos legais que caracterizam o Estado democrático de direito (BORÓN, 1995; 2006).
52
regulamentar a implantação e implementação dos Conselhos de Direitos Estaduais,
Municipais e dos Conselhos Tutelares. Tais instâncias, sem dúvida, passaram a
ajudar na visibilidade tanto do cumprimento quanto da violação dos direitos da
infância, por meio do exercício dos mecanismos de aperfeiçoamento do controle
social democrático, pautado pela sociedade civil.
De acordo com Kramer (1996) foi possível concluir sobre a trajetória da
infância, nos anos 1990:
No Brasil, a infância é hoje tematizada em várias áreas de conhecimento e é motivo de mobilização de diversos segmentos da sociedade civil que, reconhecendo as crianças como cidadãs, lutam para que os direitos sociais afirmados na letra da Constituição de 88 – entre eles o direito à educação – tornem-se fato (Kramer 1996, p. 26).
Nesse sentido, os processos de redemocratização no Brasil e a
Constituição Federal de 1988 balizaram um cenário para as décadas seguintes,
anos 1990 e anos 2000, de evidência da infância e seus direitos. Tal visibilidade
pautou a evolução da área e principalmente agregou novas possibilidades de
efetivação do direito da criança pequena, nos termos do processo de
democratização brasileira.
A legislação e o cenário desencadeados estão diretamente relacionados
ao que determinou a Constituição da República Federativa do Brasil:
art. 227- É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda a forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (Brasil, 1988).
Nesse percurso, a partir de 1988, ganhou ênfase, como bandeira de luta
da sociedade civil, a interligação dos direitos da criança, entre eles o direito à vida,
saúde, educação e assistência, compondo-se completamente vinculados como
indissociavelmente pertinentes à estruturação da vida das crianças brasileiras.
Na observação da correlação de forças da luta pelas conquistas
democráticas, a reflexão deve ser ampliada para além de uma definição ou opção
por um regime de governo. Nesses termos dimensionamos a configuração
democrática conforme a expressão de Bobbio (1992) como possibilidades de:
53
“passagem da democracia na esfera política, isto é, na esfera em que o indivíduo é
considerado como cidadão, para a democracia na esfera social, onde o indivíduo é
considerado na multiplicidade de seu status.” (p.14).
A complexidade das interações sociais e tudo o que a ela está
relacionado nos impõem a necessidade de recorrer tanto no próprio campo de
conhecimento, quanto em outros, às sínteses construídas sob diferentes focos de
compreensão. Inevitavelmente, sempre teremos mais coisas a conhecer do que o
que já é conhecido.
Temos, nestas duas décadas recentes, presenciado evolução sobre o
direito à educação da criança pequena. A investigação deste objeto está permeada
pelos acontecimentos da redemocratização política no país, no marco da instalação
do estado democrático de direito no Brasil.
Assim, este breve panorama detido em nuances do recente processo da
redemocratização brasileira, contextualiza o problema de pesquisa investigado,
justificando-se por ampliar a capacidade de pensar o objeto, provocando as
problematizações necessárias ao processo de conhecimento.
1.6 Educação para crianças pequenas: ruptura formal com a concepção de amparo
e assistência
Para entender as condições de inscrição histórica da educação infantil
como primeira etapa da educação básica em nosso país, torna-se necessário olhar
em várias direções. Daí, na trajetória do conjunto de tensões e contradições que
originaram a condição da criança sujeito de direitos é necessário vislumbrar sua
presença junto aos processos de redemocratização e sua posição e especificidade a
partir da promulgação da Constituição Federal de 1988.
Como assinalamos em momentos anteriores deste trabalho, ficou
demonstrado que, no conjunto histórico sobre criança e infância, até 1988, o
surgimento da instituição creche teve justificativas ligadas às necessidades dos
adultos ou mais especificamente das mães operárias e não das próprias crianças
(CAMPOS, 1999; ROSEMBERG, 1984).
Todavia, na trajetória recente de nosso país, em 1988, dentro do percurso
54
da infância brasileira, a creche, ao lado da pré-escola, foi reconhecida como
instituição educacional. Neste aspecto, a consolidação do direito à educação a partir
de zero ano de idade, demarcou uma nova concepção do atendimento da criança
pequena.
Sobre o contexto enunciado, iniciamos a década de 90, comemorando a
histórica conquista na legislação brasileira quanto à inserção da Educação infantil
como primeira etapa da Educação Básica. Nesta perspectiva, destaca Cury (1998), a
atual Constituição Brasileira foi promulgada rompendo com a concepção de amparo
e assistência, portanto, superação da concepção compensatória:
(...) esta constituição incorporou a si algo que estava presente no movimento da sociedade e que advinha do esclarecimento e da importância que já se atribuía à Educação Infantil. Caso isto não estivesse amadurecido entre liderança e educadores preocupados com a Educação Infantil, no âmbito dos estados membros da federação, provavelmente não seria traduzido na constituição de 88. Ela não incorporou esta necessidade sob o signo do Amparo ou da Assistência, mas sob o signo do Direito, e não mais sob o Amparo do cuidado do Estado, mas sob a figura do Dever de Estado. Foi o que fez a constituição de 88: inaugurou um Direito, impôs ao Estado, um Dever, traduzindo algo que a sociedade havia posto. (CURY, 1998, p.11)
Nas conclusões de Cury (idem) visualizamos, portanto, sintomas da
ruptura quanto ao papel definido anteriormente, pelo Estado, quanto ao dever na
oferta de educação e o concomitante direito da criança pequena. A análise, na
recente década, sobre os direitos da infância brasileira e a busca pela
desnaturalização da situação de exclusão vigente, aponta a necessidade de
algumas reflexões. As limitações para a compreensão da cidadania são muitas,
contudo configurar, desvelar a representatividade e intensidade do processo
histórico, pode permitir ler o jogo da correlação de forças, que pode alterar, no longo
prazo, esse campo de restrição.
O protagonismo da articulação intersetorial do Movimento Criança e
Constituinte (1987-1988) pode ser lido como alicerce do estabelecimento da nova
condição institucional destinada às creches. Conforme Sabbag (1997), esta nova
condição em que está inserida a creche como instituição educacional é uma
conquista ampla e de apropriação coletiva, perpassando a conquista isolada de
apenas direito da mãe ou da família. É, pioneiramente, na história do país, a
afirmação do direito da criança.
A consideração do percurso da constituição do direito da criança
55
converge para a reflexão sobre o papel protagonizado pelos movimentos sociais
(GOHN, 2009). As vozes da exigência do direito foram impulsionadas pelo seu
crescente avanço no campo acadêmico e pela leitura crítica das mulheres da
sociedade brasileira, associada a ações concretas e em direto confronto com a
estigmatização de creche como local de atendimento de crianças pobres.
Nesse horizonte, a educação infantil estabeleceu uma ruptura jurídica e
conceitual, sem precedentes nas legislações anteriores, recebendo um destaque na
nova Lei de Diretrizes e Bases. Foi a primeira vez que a expressão “educação
infantil” apareceu na lei nacional de educação, sendo tratada em uma seção
específica. Assim foi legislada a Educação Infantil na Seção II, do capítulo II (Da
Educação Básica), determinada nos seguintes termos:
Art. 29 A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem com finalidade o desenvolvimento integral da criança até os seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade. Art. 30 A educação infantil será oferecida em: I – creches ou entidades equivalentes, para crianças de até três anos de idade; II – pré – escolas para crianças de quatro a seis anos de idade. Art. 31 Na educação infantil a avaliação far – se – á mediante acompanhamento e registro de seu desenvolvimento, sem o objetivo de promoção, mesmo para o acesso ao ensino fundamental.(BRASIL, 1996)
Foi de fato um avanço na legislação o modo de efetivação da ruptura
política, jurídica e conceitual com a concepção de assistência. Em face da inclusão
da educação da criança pequena como público-alvo da primeira etapa da educação
básica do sistema educacional brasileiro, um conjunto de modificações passou
gradativamente a ser incorporado ao desenvolvimento do direito à educação da
criança de zero a seis anos.
Considerando esse panorama, se há cerca de quarenta anos, as
primeiras iniciativas oficiais tomaram a creche como “mal necessário” (VIEIRA,1986),
com as possibilidades pedagógicas e dívidas político-econômicas e sociais
acumuladas nesta trajetória, a educação infantil passa a ser afirmada como espaço-
tempo educativo para o desenvolvimento da criança e afirmação de seus direitos.
No final da década de 1990, começam a ser formalizados documentos
que consolidaram as primeiras diretrizes para a educação infantil. Em 1999, pela
56
primeira vez, o Conselho Nacional de Educação (CNE) promulgou uma resolução
destinada a instituir Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil17.
Ainda no percurso dos anos 1990, o Ministério da Educação/MEC por
meio da Coordenação Geral de Educação Infantil (COEDI) realizou a publicação de
documentos que explicitaram ações e programas em desenvolvimento, demarcando
oficialmente os avanços do campo da educação infantil e sua concepção da
indissociabilidade do educar e cuidar.
Nos referidos documentos é possível identificar a continuidade e evolução
da área da Educação Infantil. Por ordem cronológica, designamos algumas
publicações: Critérios para um Atendimento em Creches que Respeite os Direitos
Fundamentais das Crianças (1995/2009); o Referencial Curricular Nacional para a
Educação Infantil (1998); Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação
Infantil (2006); Parâmetros Básicos de Infraestrutura Para as Instituições de
Educação Infantil (2006); PROINFANTIL - Programa de Formação Inicial para
Professores em Exercício na Educação Infantil (2005); PROINFANCIA - Programa
Nacional de Reestruturação e Aparelhagem da Rede Escolar Publica de Educação
Infantil (2007) e Indicadores da Qualidade na Educação Infantil no Brasil (2009).
Para o cumprimento do direito na esfera educativa, nos anos 2000, o
campo de lutas para as garantias políticas em relação à definição tanto da
Constituição Federal quanto da LDB 9394/1996, passou ser a estrutura
orçamentária provedora do atendimento às crianças. Nessa perspectiva,
destacamos a Emenda Constitucional nº 53, de 2006, que estabeleceu um novo
modelo de financiamento da Educação Básica, o FUNDEB, no qual creche e pré-
escola foram contempladas.
O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de
Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB) é um fundo contábil, instituído
no âmbito de cada Estado e do Distrito Federal. O FUNDEB substituiu o Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do
MAGISTÉRIO (FUNDEF), instituído no final da década de 1990 e que vigorou entre
17
Uma década depois, em 2009, foi aprovada a nova Resolução do Conselho Nacional de Educação/ Câmara de Educação Básica CNE/CEB nº 5/2009 que instituiu as novas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI) a serem observadas na organização das propostas pedagógicas das instituições de Educação Infantil brasileiras, revogando‐se a Resolução CNE/CEB
nº 01/1999.
57
1997 a 2006. O FUNDEB está em vigor desde janeiro de 2007 e se estenderá até
2020. A Educação Infantil, primeira etapa da educação básica foi contemplada no
orçamento, sem retrocesso em sua condição legal. Conforme a análise de Gaspar
(2010):
Por muito tempo se argumentou sobre a importância do financiamento para dar à creche a relevância social, educacional e política como instituição que garanta o direito da criança de até três anos à educação, destituindo-a do status de assistência. Se a creche tivesse sido excluída do fundo, grande seria o risco de retrocesso na finalidade pedagógica. Ou seja, para cumprir uma das metas estabelecidas pelo Plano de Metas que visa a alcançar nota 6 no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), necessariamente ter-se-ia que começar pela Educação Infantil.(GASPAR, 2010, p.131)
Nessa perspectiva, a abordagem realizada sobre a condição sócio-
histórica da infância e da criança pode ser captada dentro das implicações
socioeconômicas vigentes em distintos momentos da formação social brasileira.
Nesse sentido, estão presentes as reflexões e análises postas frente à relação da
infância e suas ambiguidades, formas e transições históricas.
Assim, buscamos estender o olhar para situações históricas que
evidenciaram a relação criança e infância no Brasil. Percorrendo a bibliografia sob o
foco da necessidade de descobrir respostas, também descobrimos novas questões.
A elaboração e reelaboração do olhar histórico viabilizaram nossa compreensão
sobre gêneses, disputas, recuos, pausas e avanços próprios do movimento leitor-
leitura.
No percurso histórico das iniciativas de atendimento, proteção,
assistência, educação ou cuidado para a população infantil brasileira, localizamos
desde as primeiras iniciativas religiosas de catequese das crianças indígenas até a
criação do Departamento Nacional da Criança (DNC), em 1940, caracterizado como
primeiro órgão de Estado direcionado para acompanhar a situação da infância.
Buscamos delinear a relação entre o processo de industrialização e as
metamorfoses na organização familiar brasileira, a crescente atuação da mulher na
esfera pública. Neste aspecto, focalizamos o Movimento de mulheres e a Luta por
creches.
Observamos iniciativas governamentais instauradas durante a década de
1970 direcionadas à criança pequena, como o Projeto Casulo da Legião Brasileira
58
de Assistência (LBA). Procuramos nos deter nos processos que compuseram e
desencadearam a luta pela redemocratização no Brasil, entre o final da década de
1970 e metade da década de 1980.
Apontamos os avanços nos direitos sociais através das mudanças na
legislação (Constituição Federal, 1988; Estatuto da Criança e do Adolescente, 1990;
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, 1996) e da inauguração em nosso
país de um sistema jurídico de proteção aos direitos relacionados com as
possibilidades de efetiva atenção à infância.
Finalizamos este capítulo abordando especialmente, na educação da
criança de zero a três anos, o novo papel institucional das creches no Brasil, cuja
atual formalização legal rompeu com a concepção de amparo e assistência.
59
CAPÍTULO II- O DIREITO À EDUCAÇÃO DA CRIANÇA PEQUENA: CONFIGURAÇÕES PRESENTES NA CIDADE DE MANAUS-AM
No capitulo anterior, procuramos discutir o processo histórico que
culminou com a ruptura com a concepção de creche como local de cuidado, guarda
e assistência para as crianças pobres, abandonadas ou desvalidas. Vale dizer que
tal concepção nasce com essa instituição social, perdura por séculos e ainda hoje
pode ser percebida nas práticas e nos discursos de muita gente.
Ocorre que, atualmente, é possível afirmar que as crianças brasileiras de
0 a 3 anos têm o direito à educação e ao cuidado que deve ser garantido pelo
Estado e instituições do sistema educacional. Além disso, a forma como esse
atendimento deve ser oferecido é regulamentada por uma série de leis que
estabelecem critérios em relação às condições físicas dos estabelecimentos, à
formação dos profissionais, aos recursos financeiros. Enfim, visam garantir o direito
à qualidade do trabalho na educação infantil sob vários aspectos.
Sendo assim, é preciso conhecer como esse direito tem se efetivado de
fato nas diferentes regiões do Brasil. Portanto, neste capítulo pretendemos
apresentar e discutir alguns aspectos da configuração do direito à educação da
criança pequena na cidade de Manaus-AM.
Essa discussão baseia-se nos resultados obtidos na coleta de dados
realizada através da busca documental e através das entrevistas realizadas com
mães de classes populares da cidade de Manaus-AM. 18
No primeiro momento, contextualizaremos as normatizações definidas
pelo Conselho Municipal de Educação (CME-Manaus) quanto ao direito à educação
da criança pequena e apresentaremos a composição da rede de creches (2008-
2013), explicitando a relação demanda/oferta de vagas com foco na rede pública de
creche.
No segundo momento, apresentaremos os resultados obtidos na coleta
de dados com os sujeitos da pesquisa; apresentaremos o bairro no qual residem as
mães entrevistadas; o perfil das mães e as noções sobre o direito da criança a partir
da percepção das mães.
18
Os procedimentos metodológicos foram descritos na introdução desse trabalho.
60
Concluímos o capítulo, descrevendo e analisando as noções sobre direito
da infância presentes nos discursos das mães de classes populares de acordo com
as seguintes categorias: importância da vaga em creche, função da creche; a
creche como direito e o funcionamento da creche.
2.1 Conselho municipal de Educação: órgão regulador do direito à educação.
Com o objetivo de compreender o papel do Conselho municipal de
Educação (CME-Manaus) e sua relação com a rede pública de creches partimos
para consideração do marco regulatório da EI na cidade de Manaus-AM. Na revisão
das resoluções publicadas sobre Educação Infantil pelo CME, destacamos as
seguintes legislações: Resoluções: N.04/CME/1998- regulamentadora da
implantação da EI na rede municipal de ensino da cidade de Manaus; a Lei nº. 1.107
de 30 de março de 2007 que alterou a Lei nº. 377/1996 referente ao funcionamento
do Conselho Municipal de Educação (CME/Manaus); Resolução 05/CME/2010 que
aprovou o atual Regimento Interno do CME-Manaus19 e a Resolução
N.10/CME/2010 que estabeleceu normas e orientações para a realização de
matrículas para a Educação Infantil e Ensino Fundamental no Sistema municipal de
Ensino.
A partir dos dispositivos democráticos instituídos pela Constituição de 1988,
quando os municípios brasileiros foram elevados à condição de entes federados
autônomos, os Conselhos Municipais de Educação (CME) começaram a se
inscrever no cenário nacional como importante marco dos processos de
consolidação da redemocratização. Assim, destaca-se a importância da criação do
CME para a efetivação do direito à educação na esfera municipal. A interlocução
nacional de suas funções decorre também na rede de atividades entre os entes
federados, pelas diferentes experiências de exercício do direito entre os municípios
brasileiros. Os Conselhos de educação são representados em todas as pautas
nacionais e demais demandas pela União Nacional de Conselhos Municipais de
Educação (UNCME).
A UNCME, entidade representativa dos Conselhos Municipais de Educação, foi criada com os seguintes objetivos· Buscar soluções para os
19
A estrutura organizacional da Secretaria municipal de Educação (SEMED) que destaca O CME-AM como órgão colegiado encontra-se disponível no anexo D deste trabalho.
61
problemas educacionais comuns e diferenciados dos municípios brasileiros; Estimular a cooperação entre os Conselhos; Articular-se com o Ministério da Educação e outros órgãos governamentais e não governamentais públicos e privados; Constituir-se em fórum de discussão e defesa da educação; Contribuir para a ampliação e melhoria da educação básica nacional; Incentivar e orientar a criação e organização de conselhos municipais de educação
20.
Tendo como ponto de partida as funções descritas, percebemos que o
papel estratégico desenvolvido pelo CME pode permitir e consolidar importante
interlocução junto à causa do direito à educação da criança pequena. Nesse sentido,
as funções desempenhadas pelo CME compõe sua caracterização como: órgão
normativo, deliberativo, consultivo e fiscalizador dos sistemas municipais de ensino.
A partir dessa posição, passamos a destacar o papel do CME- Manaus, mais
detidamente no tocante às especificidades da educação infantil.
O Conselho Municipal de Educação de Manaus é constituído por nove
membros titulares e suplentes indicados pelas seguintes entidades: 01
representante do Ensino Público Superior/Universidade Federal do Amazonas
(UFAM); 01 representante da secretaria estadual de educação (SEDUC); 02
representantes da secretaria municipal de educação (SEMED); 01 representante do
Ensino Privado (SINEPE-AM); 01 representante das Associações de Pais, Mestres e
Comunitários (APMC); 01 representante do Sindicato dos Trabalhadores em
Educação do Estado do Amazonas (SINTEAM); 01 representante da União
Municipal dos Estudantes Secundaristas (UMES); 01 representante da Câmara
Municipal de Manaus (CMM).
Silva (2012) abordou o papel do Conselho de educação municipal (CME)
desde sua criação em 1998 e conforme a autora, a Resolução Nº 04/CME/1998, foi
a primeira normatização do Conselho sobre a educação da criança pequena, com
papel definidor da finalidade da educação infantil em Manaus.
Ao considerarmos a referida Resolução, observamos em seu conteúdo
redação consoante ao documento norteador “Subsídios para credenciamento e
funcionamento de instituições de educação infantil” (BRASIL, 1998). O documento
produzido pelo Ministério da educação foi amplamente divulgado em território
nacional e tinha a finalidade de orientar a regulamentação da educação infantil.
20
Portal eletrônico: www.uncme.com.br acessado em 23/11/2013.
62
Tomando como referência o documento supracitado, o CME definiu
critérios quanto à normatização da educação infantil em Manaus. Assim, nos dois
primeiros artigos, a Resolução Nº 04/CME/1998 legislou sobre a da finalidade da
Educação Infantil e onde deveria ser oferecida:
Art. 1º - A Educação Infantil tem como finalidade, o desenvolvimento integral da criança até 06 (seis) anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, em complementação a ação da família e da comunidade. Art. 2° - A Educação Infantil será oferecida em: I - Creches ou Entidades equivalentes, para crianças até 03 (três) anos de idade; II- Pré-Escola, para crianças de 04 (quatro) a 06 (seis) anos de idade.
(RESOLUÇÃO N.04/CME, 1998)
Dando cumprimento ao determinado na Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDB 9394/1996), a cidade de Manaus buscou sua adequação
do ponto de vista normativo quanto à legislação de ensino em vigência. Na LDB
estava assim definido: “Art. 89. As creches e pré-escolas existentes ou que venham
a ser criadas deverão, no prazo de três anos, a contar da publicação desta Lei,
integrar-se ao respectivo sistema de ensino” (BRASIL, 1996).
Decorrente do desencadeamento das ações de implantação da LDB, no
ano de 2002, o MEC apresentou um estudo com o título “Integração das instituições
de educação infantil aos sistemas de ensino: um estudo de caso de cinco municípios
brasileiros que assumiram desafios e realizaram conquistas”, cuja amostra incluía a
cidade de Manaus.
O referido trabalho analisou a transição referente à passagem das
instituições de educação infantil da secretaria de assistência social da esfera
estadual para o município, ocorrida em Manaus em 1999. A consolidação analítica
sobre a situação de Manaus foi assim registrada:
Essa passagem trouxe dificuldades para a Secretaria uma vez que não possuía recursos humanos e financeiros para fazer frente às necessidades demandadas pelo atendimento às crianças de 0 a 6 anos. Destaque-se que o atendimento anterior era precário, sendo realizado em espaços inadequados e, sem uma preocupação com o aspecto pedagógico. Em função dessas dificuldades e tendo em vista a qualidade das ações desenvolvidas, foi priorizado o atendimento à criança de 2 a 6 anos. (MEC, 2002, p.52).
O relato presente na publicação do Ministério reforça a precariedade de
recursos humanos e financeiros para a municipalização do atendimento das crianças
63
de zero a seis anos. O documento aponta a priorização do atendimento a partir dos
dois anos de idade.
Entretanto, a estruturação material para a passagem e aumento da oferta
referente à cidadania das crianças da educação infantil, primeira etapa da educação
básica, decorreu sem que de fato houvesse espaços adequados para o referido
atendimento. Desde aquela transição formal em 1999, constatamos ainda que na
atual rede municipal não há espaços físicos e pedagógicos próprios para o
cumprimento da legislação educacional.
Por exemplo, nas zonas mais pobres da cidade, como a que nos serve de
campo de pesquisa (bairro Jorge Teixeira, existente desde 1989)21, ainda que tenha
a maior população de crianças (IBGE,2010) nunca teve creche em funcionamento,
nem em prédio próprio nem em prédio locado pela prefeitura de Manaus.
Reiterando a condição ainda de implantação da educação infantil de zero
a três (creche), chama atenção uma recente resolução do CME, que expressa em
seu Art. 2°, parágrafo 2°: “É assegurado vaga na escola pública de Educação infantil
ou de Ensino Fundamental mais próxima da residência, a toda criança a partir do dia
em que completar 4 anos de idade” (resolução n° 10/CME/2010).
Por outro lado, nos anos de 1998, o documento “Subsídios para
credenciamento e funcionamento de Instituições de Educação Infantil” (MEC, 1998),
norteador do processo de regulamentação da LDB em território nacional, alertava:
Ao regulamentar a educação infantil (...). Além do perigo de se desrespeitar as realidades, deve-se considerar o risco de se atender somente aos mínimos obrigatórios. É responsabilidade dos conselhos de educação regulamentar aspectos essenciais para atingir o máximo e condições essenciais para se garantir o mínimo. (Subsídios para Credenciamento e Funcionamento de Instituições de Educação Infantil, v.1, 1998, p. 43)
Nesse sentido, observamos que o papel regulador do Conselho Municipal
de Manaus (CME) encontra-se obstruído por um olhar mais normatizador que
fiscalizador quanto ao direito da criança pequena. O Conselho enquanto órgão
normativo, deliberativo, consultivo e fiscalizador dos sistemas municipais de ensino
deveria ser autônomo e não apenas regulamentador das adequações de legislação.
Mas, na precária realidade de Manaus não identificamos nenhuma iniciativa por
21
Na sequência do trabalho apresentaremos a caracterização do campo empírico em que estamos desenvolvendo nossa pesquisa.
64
parte do CME de fiscalização da rede de creches públicas, em conjunto com a
sociedade da qual é representante.
Na tentativa de caracterizar e discutir a relação direito da criança, oferta
de vagas e a rede de creches em Manaus, utilizamos as informações
disponibilizadas pela Secretaria municipal de educação de Manaus sobre as quais
trataremos a seguir.
2.2 A oferta de vagas para a educação da criança pequena em Manaus
Em nosso país, as estatísticas oficiais sobre o direito à educação tem
diversas fontes. Nesse sentido, a tentativa mais atenta de diálogo com o aspecto
quantitativo exige o seu norteamento sob diferentes ângulos.
Rosemberg (2006) esclarece quanto aos objetivos e formas de captação:
No Brasil são três as instituições que coletam/consolidam estatísticas educacionais: o MEC (Ministério da Educação e do Desporto), através do INEP (Instituto Nacional de Estatística e Pesquisas Educacionais) e das Secretarias Estaduais de Educação, que delimita como unidade de coleta principal o estabelecimento de ensino; o IBGE que delimita como unidade de coleta o domicílio. Complementarmente, o Ministério do Trabalho, através da Relações Anuais de Informações Sociais/RAIS, também consolida informações sobre professores(as), trabalhando no mercado formal e delimitando como unidade de coleta as empresas (no caso, os estabelecimentos de ensino). Cada uma dessas instâncias, em decorrência de suas particularidades, dispõe de instrumentos específicos de coleta, define uma população específica e, portanto, apresenta resultados não obrigatoriamente coincidentes. Por exemplo, enquanto as estatísticas do IBGE referem-se a estudantes, as do MEC a matrículas; o número de matrículas e de estudantes pode não coincidir, bem como diverge a composição dos questionários aplicados por cada órgão (p.17).
Considerando o aspecto destacado pela autora, concordamos que muitas
vezes ao referir-se ao mesmo sujeito, dependendo da fonte, tratamento e critério de
consolidação da informação pode-se ter resultados que não coincidam.
Em relação à educação infantil e a consequente institucionalização de seu
atendimento, é possível afirmar que ocorreu o crescimento de trabalhos que
apresentam e discutem os dados estatísticos sobre a área.22
22
Silva (2012) em dissertação de mestrado sobre os marcos regulatórios da educação infantil em Manaus apresentou estatísticas contidas no período entre 1996-2012, concluindo pela focalização da oferta de vagas somente para crianças a partir dos 04 anos de idade, na rede pública municipal, por meio de unidades educacionais denominadas Centros municipais de Educação Infantil (CMEI’s).
65
Nessa dimensão, tentaremos compreender a tradução dessa estatística
no cotidiano dos cidadãos, considerando sua possibilidade de ser um instrumento de
desvelamento para a exigência do direito à educação.
Sabemos que enveredamos por um universo cuja população ainda
encontra-se parcialmente oculta, seja nas estatísticas nacionais, regionais e
especialmente entre os dados locais de Manaus.
Em Manaus, a inauguração da primeira creche pública municipal ocorreu
somente em 2008. Nos anos subsequentes, decorreram-se quatro anos em que,
para um universo de 128.939 crianças de zero a três anos (IBGE, 2010) não foi
construída nenhuma creche. Somente em 2013, foram inauguradas quatro
instituições, com restrito número de vagas em cada unidade.
A Promotoria de Justiça junto ao Juizado da Infância e Juventude Cível há
quatro anos vêm exigindo do Município de Manaus medidas eficazes em relação ao
atendimento da população para a construção de creches e ensino de qualidade,
visando proteger os direitos das crianças e adolescentes.23
Conforme o Ofício n.º 1721/2012 encaminhado pela Prefeitura de
Manaus/SEMED/GS e publicado no portal eletrônico do Ministério Público Estadual
(MPE), em 2012 a Secretaria de Educação Municipal confirmava a existência de
uma única Creche municipal em funcionamento. Tratava-se da Creche Municipal
Professora Eliana Freitas que atendia um total de 208 (duzentas e oito) crianças na
faixa etária de 01 a 03 anos de idade.
A prefeitura informou ainda ao MPE que mantém convênios com três
instituições, quais sejam: Escola Zezé Pio de Souza, atendendo 133 crianças;
Creche Marília Barbosa, atendendo 186 e Creche Infante Tiradentes, com
atendimento de 478 crianças matriculadas na faixa etária de 01 a 05 anos.
Para melhor visualização da situação da rede de creches em Manaus,
apresentamos um quadro com a evolução em três diferentes períodos de gestão.
23
Transcorre uma Ação Civil Pública (ACP) ajuizada pela 28ª Promotoria de Justiça Especializada da Infância e Juventude do Ministério Público do Estado do Amazonas (MP-AM), exigindo que o Município de Manaus cumpra obrigações, com pedido de liminar para sanar a falta de vagas nas Creches de Manaus. A ACP objetiva alcançar atendimento de todas as crianças, bem como melhorias na qualidade de ensino da rede pública de ensino infantil e também pela negligência do Município que destina montante elevado das verbas à manutenção de um programa de bolsas de estudo em instituições de nível superior quando deveria priorizar o ensino infantil e fundamental, conforme determina a legislação.
66
Relacionamos as informações levantadas com a legislação nacional
vigente para destacar que as diretrizes educacionais já apontavam e destacavam a
importância do atendimento para as crianças de 0 a 6 anos.
Quadro 1 - Creches na cidade de Manaus: ano de construção, nome do prefeito, quantidade e legislação nacional
Ano/Período Gestão municipal Quantidade Legislação vigente
2005 a 2008
Prefeito Serafim Correa
01 (uma) creche
Constituição Federal 1988; Lei 8069/1990-ECA; LDB 9394/1996; Lei 10.172/2001-PNE
2009 a 2012 Prefeito Amazonino Mendes
00 (zero) creche
Constituição Federal 1988; Lei 8069/1990-ECA; LDB 9394/1996; Lei 10.172/2001-PNE
2013 Prefeito Arthur Virgílio Neto
04 (quatro) creches
Constituição Federal 1988; Lei 8069/1990-ECA; LDB 9394/1996; Lei 10.172/2001-PNE
Fonte: Dados estatísticos do portal eletrônico da Prefeitura municipal de Manaus
A análise dos dados aponta para uma quase estagnação na expansão da
rede de creches desde o período da transição da área da assistência para a área da
educação evidenciando que o município de Manaus apresenta uma carência de
prédios públicos próprios destinados à educação da criança de zero a três anos.
Convém observar que entre 2001 e 2011 estava em plena vigência o
Plano Nacional de Educação (PNE) que determinava: “Ampliar a oferta de educação
infantil de forma a atender, em cinco anos, a 30% da população de até 3 anos de
idade e 60% da população de 4 e 6 anos (ou 4 e 5 anos) e, até o final da década,
alcançar a meta de 50% das crianças de 0 a 3 anos e 80% das de 4 e 5 anos.”
(PNE, 2001)
Pelos dados apresentados no quadro acima, podemos perceber que o
número de estabelecimentos construídos no período de 2005 a 2013 foi muito
pequeno e que tal fato deve ter produzido um déficit na oferta de vagas no sistema
público para as crianças de zero a três anos.
Vale ressaltar que não existe uma lista de espera oficial da Secretaria
municipal de educação; verificando o pequeno número creches públicas, é possível
inferir que a publicação de uma lista poderia oficializar um gravíssimo déficit de
vagas na cidade de Manaus.
67
Atualmente, encontra-se na Câmara Municipal a tramitação do Projeto de
Lei N° 362/2013 que dispõe sobre a divulgação da demanda atendida e “determina
que toda creche municipal, conveniada ou subvencionada, tenha afixado em lugar
visível a Lista de Espera por Vagas, de modo a tornar esse procedimento mais
transparente e sem possíveis manipulações” (CMM/PL N° 362/2013). 24
Para tentar dar respostas à demanda por vagas, a atual gestão tem
mantido parcerias e convênios para o atendimento da criança pequena.
Ilustrativamente, temos a vigência do Convênio nº. 005/201325 entre a Secretaria
Municipal de Educação - SEMED e a Polícia Militar do Amazonas:
O presente Convênio tem por objetivo o atendimento de 457 (quatrocentos e cinquenta e sete) crianças de 06 (seis) meses a 06 (seis) anos incompletos, na modalidade de Educação Infantil, no quantitativo de 60% de filhos de militares estaduais e 40% da parte da SEMED, com a locação de um imóvel com dimensões suficientes para viabilização do funcionamento da Pré-escola Creche Infante Tiradentes (Diário oficial do município de Manaus, Ano XIV, edição 3293 de 14 de novembro de 2013).
Conforme o descrito nos objetivos do Convênio supracitado, apenas 40%
de crianças da demanda pública municipal serão atendidas. Desse modo, mesmo na
perspectiva de ampliação da oferta de vagas, os Convênios firmados não
asseguram o direito à educação.
2.3 A rede pública de creches (2008-2013)
Para compreender a oferta de vagas em creches, apresentamos o
quantitativo populacional das crianças de zero a três anos, distribuído em cada zona
da cidade de Manaus:
Quadro 2 – População de 0 a 3 anos residente na cidade de Manaus por zona da cidade, no ano de 2010.
ZONA DA CIDADE 0 ANO 1 ANO 2 ANOS 3 ANOS Total por
zona
Zona leste 10.130 9678 9761 9931 39500
24
Destaca-se que foi a Comissão de Direitos Humanos que deu origem ao projeto de lei, denotando que o não atendimento da demanda por educação pode ser caracterizada como violação aos direitos humanos. 25
Extrato integral, obtido por meio do Diário Oficial da Prefeitura de Manaus, constitui-se em anexo deste estudo.
68
Zona sul 6.609 6481 6447 6406 25943
Zona norte 9.791 9035 9028 9066 36920
Zona oeste 6.976 6563 6434 6603 26576
Total por idade 33.506 31757 31670 32006
128.939
Total geral 128.939
Fonte: IBGE/Censo Demográfico 2010.
Os dados demonstram que no final da década de 2010, a capital do
Amazonas contava com mais de 100 mil crianças com menos de três anos de idade.
Comparativamente, somente a população de crianças manauaras representaria a
população total de muitos municípios brasileiros.
Porém, o quantitativo populacional contrasta significativamente com a
oferta de vagas em creches. Fechamos a década, conforme censo do IBGE (2010),
apresentando os seguintes números: para uma população de 135.199 residentes em
Manaus, apenas 4.136 crianças de 0 a 3 anos, estavam em creches.
A insuficiência na oferta de vagas e o impasse por parte do poder público
municipal em sanar o problema reforça e sustenta uma situação em que prevalece a
baixa relação entre o direito anunciado e o direito na vida concreta das crianças.
Em Manaus, somente em 2005, foi iniciada a construção da primeira
creche municipal, dentro dos padrões orientados pelo Ministério de Educação que foi
inaugurada no ano de 2008. 26
Na atual administração municipal começaram a funcionar mais quatro
creches, conforme o quadro abaixo:
Quadro 3 – Rede pública de creches da cidade de Manaus, ano de inauguração, localização e quantidade de vagas oferecidas (2008-2013).
Ano de inauguração
Instituição Localização Quantidade de vagas
Estrutura do prédio
2008
Creche Municipal Eliana de Freitas Moraes
Comunidade Riacho Doce, Bairro Cidade Nova, Zona Norte
Atende 163 crianças entre 01 e 03 anos de idade. (período integral)
10 salas, fraldário, videoteca, refeitório, salas de aula, sala de nutrição, playgrounds cozinha e estacionamento
26
Adicionamos aos documentos deste estudo (anexo H) a íntegra do pronunciamento de um deputado federal amazonense que registrou a construção da primeira creche pública municipal como um marco para a educação da cidade de Manaus.
69
2013
Creche Municipal Manuel Octávio Rodrigues
Jardim Mauá, Zona Leste da cidade.
Atende 70 crianças, com idade entre 01 e 03 anos de idade. (período integral)
05 salas com dormitórios e banheiros, uma área externa com dois playgrounds, sala de enfermagem, refeitórios e um solarium, totalmente acessível e tem banheiros adaptados.
2013 Creche Municipal Maria Ferreira Bernardes
Conjunto Fazendinha, na Cidade Nova, Zona Norte de Manaus,
Atende 65 alunos, na faixa etária de 1 a 3 anos de idade
05 salas, secretaria, banheiro para pessoa com deficiência, sala para enfermagem, sala de professores, cozinha, 03 depósitos (higiene, doméstico e papelaria), lavanderia, jardim, pátio interno e externo, parquinho, playground, minianfiteatro e estacionamento
2013
Creche Magdalena Arce Daou
localizada no bairro Santa Luiza, zona Sul
Atende 168 crianças de 1 a 3 anos de idade (período integral)
10 salas, fraldário, videoteca, salas de aula e cozinha.
2013 Creche Municipal
Professora Virgínia
Marília Mello de
Araújo
Rua das CarapanaúbasComunidade Gilberto Mestrinho – Zona Leste
Atende 111 crianças de 1 a 3 anos de idade (tempo integral)
Oito salas, sendo uma multifuncional, laboratório de informática, cozinha, lavanderia, três depósitos, um parque de diversões, quatro solários, seis banheiros infantis, um banheiro adaptado e dois adultos.
Fonte: www.dataescolabrasil.inep.gov.br (Censo Escolar/INEP/ 2013)
O Quadro 3 nos aponta a baixa quantidade de unidades educacionais
para a criança pequena. Além disso, a localização das creches evidencia a
concentração em apenas cinco bairros, entre os mais de 63 existentes na cidade o
que reflete a organização do atendimento a partir da noção de direito parcial e para
poucos cidadãos.
Concordamos com Hofling (2001) ao afirmar que a legislação de direitos
não se traduz como políticas sociais pelo Estado de modo automático. Sendo assim,
percebemos que apesar do avanço legal sobre o direito à educação infantil e apesar
do avanço da cobertura em termos do território nacional, temos em Manaus uma
realidade onde a lentidão na constituição da rede pública de creches concorreu para
70
a baixa oferta de vagas, configurado mais exclusão do que inclusão das crianças.
(INEP/CENSO ESCOLAR, 2013).
Após a caracterização da situação da oferta e demanda por creches na
cidade Manaus, abordamos no item seguinte como as mães de classes populares
percebem essa questão. Ou seja, quais as noções que as mesmas têm sobre a
temática e como compreendem o direito à educação da criança pequena.
2.4 As mães das crianças pequenas da cidade de Manaus
A amostra para nossa pesquisa, parte da ausência das crianças no
sistema educacional. As crianças do bairro Jorge Teixeira não possuem matrícula
escolar, preenchem somente os números de déficits da educação infantil brasileira.
Nesta secção do trabalho, apresentamos os dados coletados entre as
mães entrevistadas. Tratamos, inicialmente do local/contexto de moradia das mães
e seu perfil. A seguir abordaremos as noções apresentadas pelas mães, localizando-
as nas quatro categorias de análise definidas para o trabalho: a) Importância da
vaga em creche; b) A função da creche; c) As noções sobre creche como direito e
d) O funcionamento da creche/condições de atendimento.
2. 4.1 Onde estão localizadas as mães e as crianças: o bairro
As políticas de ocupação territorial, principalmente durante o governo
militar, constituíram-se em indutoras da migração para a cidade de Manaus. Em
cinco décadas, observados os censos demográficos, a cidade passou de menos de
200 mil habitantes (Censo/1960) para 1.802.525 habitantes (Censo/2010). Este
crescimento populacional está diretamente vinculado ao estabelecimento da Zona
Franca de Manaus (ZFM) 27, implementada em 1967, como área de livre comércio e
de incentivos fiscais. A ZFM no decorrer desses quase cinquenta anos consolidou-
se como propulsora da economia do Amazonas. O processo migratório para a região
27
Zona Franca ou Zona de Livre Comércio é uma zona (local ou região de um estado ou país) onde os produtos ou materiais são considerados isentos de taxas e tarifas de importação, com anuência das autoridades fiscais governamentais. A Zona Franca de Manaus foi constituída pelo Decreto-Lei nº. 288, de 28 de fevereiro de 1967, com o objetivo de estabelecer um polo de desenvolvimento industrial na região Norte do país. Constitucionalmente sua vigência está assegurada até o ano de 2023.
71
concentra a presença de famílias advindas dos estados do Pará, Maranhão, Ceará,
Rio de Janeiro e São Paulo (AMAZONAS, 2010).
Para abrigar todo o intenso crescimento populacional, a área urbana tenta
reordenar sua expansão. Assim, a mais recente divisão territorial formalizada no
município de Manaus ocorreu em 2010, por meio da Lei municipal 1401/2010 em
que ficou definida a expansão e definição da nova quantidade de bairros na zona
urbana da cidade. A nova oficialização territorial28 admitiu existência de sessenta e
três (63) bairros. Este quantitativo não se refere à chamada zona rural, dividida em
área rodoviária e área ribeirinha.
O bairro de Jorge Teixeira que foi selecionado para nossa amostra é um
dos mais populosos da cidade de Manaus; localiza-se na zona leste da cidade, tem
mais de vinte anos de existência; uma população total de 112 mil e 879 habitantes; é
o terceiro maior bairro da periferia em termos de população absoluta. (conforme
dados do IBGE). Ainda segundo o IBGE (2010), possui o maior quantitativo de
crianças na faixa etária de 0 a 3 anos; 12.884 crianças. Portanto, a seleção do local
da pesquisa empírica conduzida no referido bairro obedeceu ao critério de
densidade demográfica.
O bairro foi criado em 1989, inicialmente com distribuição pacífica de lotes
a pessoas sem moradia e algumas ocupações coordenadas por líderes da Igreja
Católica e membros de partidos políticos locais. Nos anos seguintes, houve uma
explosão de ocupações desordenadas, que resultaram na criação de 4 etapas do
bairro: Jorge Teixeira I, II, III e IV. Localizado nas proximidades do Distrito Industrial
de Manaus, o bairro convive com os problemas sociais ocasionados pela ausência
do poder público. O transporte para o bairro é feito por meio de vans, moto táxis e
transporte coletivo. Os terrenos são pequenos e as casas muito próximas
possibilitando que as notícias circulem de forma rápida; assim, a presença da
pesquisadora na comunidade foi logo identificada.
O acesso à comunidade foi feito de carro, porém, o deslocamento nas
ruas foi difícil, pois em período chuvoso algumas ruas ficavam intransitáveis. Assim,
fazíamos várias pausas e perguntas no percurso e descobríamos novas formas de
circular a partir da rua principal.
28
Referimo-nos apenas ao grupo de bairros oficiais identificados pelo IBGE. Todavia, como outras cidades em expansão, Manaus têm grandes comunidades periféricas ainda não oficializadas com a denominação de bairro.
72
Uma das etapas do bairro denominada “Jorge Teixeira etapa III” recebe
atualmente intervenção de um programa da prefeitura municipal de Manaus em
parceria com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), cuja iniciativa foi
provocada pela justificativa do baixíssimo índice de desenvolvimento humano (IDH)
entre a população moradora do bairro.
Conforme o projeto denominado Programa de Desenvolvimento Urbano e
Inclusão Socioambiental de Manaus (PROURBIS) o objetivo é promover, de maneira
sustentável, a melhoria da qualidade de vida da população residente em áreas de
risco e de preservação ambiental. Nesta etapa das obras, foi entregue um conjunto
residencial com 88 apartamentos às famílias que não residiam anteriormente no
bairro Jorge Teixeira.
Tentando compreender a fonte de recursos do empreendimento,
encontramos no portal eletrônico da Prefeitura, as seguintes informações
orçamentárias acerca do Programa:
O Prourbis, um grande projeto que consiste em transformar uma das áreas mais carentes da capital do Amazonas, com o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) baixo, em um bairro modelo para o Brasil, está orçado em R$ 100 milhões, sendo R$ 50 milhões recurso da prefeitura os outros R$ 50 milhões provenientes do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
Assim, a ideia de criação de um “bairro modelo” é argumento para a
execução desta parceria internacional com o foco em obras para edificação de
unidades habitacionais. O projeto global, dividido em duas fases prevê abrigar
famílias que moravam em áreas de risco nas proximidades do igarapé do Mindu29. A
iniciativa de construção de um conjunto habitacional padronizado no bairro Jorge
Teixeira e sua interação com os demais moradores ainda está em vias de repercutir
e não podemos antecipar quais serão as consequências desta expansão
populacional neste que já é o terceiro bairro mais populoso da capital.
29
O Mindu é o mais extenso igarapé de Manaus e atravessa, contemporaneamente, regiões altamente povoadas como a zona leste, sul e centro-oeste. Segundo o estudo “Panorama da Qualidade de Águas Superficiais do Brasil” feito pela Agência Nacional de Águas (ANA), Manaus produz 67 toneladas de esgoto todos os dias. Dados do Ministério das Cidades indicam que apenas 11% desse esgoto é coletado e que somente 38% do que é coletado passa por algum tipo de tratamento. Cruzando os dados, é possível dizer que apenas 4,17% de todo o esgoto de Manaus é tratado. O restante, é jogado in natura em igarapés como o Mindu.
73
2 4.2 O perfil das mães
A preocupação específica que motivou a pesquisa também promoveu o
encontro com a trajetória de lutas cotidianas das mulheres-mães. Portanto,
incluímos em nosso relato, a partir das questões levantadas e dos limites traçados
no desenho do estudo, uma caracterização geral do perfil das mães, na tentativa de
melhor compor a produção dos dados qualitativos para a pesquisa.
O objetivo de conhecer as noções sobre o direito da criança pequena
entre as mães trabalhadoras de bairros periféricos da cidade de Manaus, nos fez
também observar a situação econômica que contribui para a dificuldade material
entre elas, basicamente o desemprego e a precariedade do trabalho (SCHERER,
2005). Nesse sentido, ressaltamos que, apesar de quase todas as mães ouvidas
estarem desempregadas ou tentando atuar no mercado informal, para fins deste
estudo, isso não as descaracterizou como trabalhadoras.
Conforme já nos referimos em momento precedente deste estudo,
trataremos aqui do universo de doze mães moradoras do bairro Jorge Teixeira,
situado na região leste da cidade de Manaus. Estas mães não serão identificadas
com seus nomes reais. Exclusivamente para referência neste trabalho, foram
renomeadas. Desta forma, daremos cumprimento à opção de assegurar o anonimato
das entrevistadas, conforme anteriormente acordado no Termo de Livre
Consentimento e Esclarecimento (TLCE).
Seguiremos, portanto, a traçar a identificação dos sujeitos de nossa
pesquisa a partir de uma sequência nominal atribuída a cada uma das doze mães
entrevistadas, conforme perfil consolidado no quadro a seguir:
Quadro 04 - Perfil das mães participantes da pesquisa
Nomes
Idade
Total de
filhos
Total de
filhos de
zero a três anos
Escolaridade
Renda familiar
As crianças
têm certidão de nascimento
Quem cuida
das crianças em casa
Já
procurou vaga
em creche?
Já teve
filho matriculad
o em creche?
SANDRA 28 02 01 7° ano/ Ensino
Fundamental
1 salário mínimo
Sim A própria mãe
Sim Não
MIRIAM 35 05 01 2°ano/ Ensino Médio
2 salários mínimos
Sim A própria mãe,
quando sai deixa com a
Sim Não
74
filha de 14 anos.
ANA
28
02
01
Ensino médio
1 salário mínimo
Sim
A própria
mãe
Não
Não
MARIA 48 04 01 Ensino médio 1 salário mínimo
Sim A mãe e quando
precisa sair, o pai da
criança toma conta.
Sim Não
REGINA
27
02
01
8°ano
1 salário mínimo
Sim
A própria
mãe
Não
Não
CLAUDIA
35
03
01
8°ano
2
salários mínimos e meio
Não
A mãe cuida
da criança e
quando sai,
o filho de 16
anos cuida.
Sim
Não
MARCIA
20
02
01
Ensino Médio
1 salário mínimo
Sim
A própria mãe. Mas quando ela
está empregada
tem que pagar
alguém pra ficar com
ela.
Sim
Não
VÂNIA
34
02
01
8°ano
2
salários mínimos e meio
Sim
A mãe,
quando
precisa sair
deixa com a
madrinha ou
com a filha
mais velha
de 12 anos.
Sim
Não
ISABEL
34
06
01
5° ano
1 salário mínimo
Sim
A mãe,
quando sai
deixa com a
filha de 9
anos.
Não
Não
CAMILA
19
02
02
9°ano
2
salários mínimos e meio
Sim
A própria mãe cuida com ajuda
de familiares que moram
juntos. Quando sai, deixa com a
avó.
Não
Não
JOANA
28
05
02
8°ano
1 salário mínimo
Sim
São
cuidados pela mãe,
que quando precisa se ausentar,
pede ajuda
Não
Não
75
da avó das crianças, que mora
perto.
PAULA
40
05
01
7°ano
1 salário mínimo
Não
A própria
mãe
Não
Não
Fonte: Coleta de dados da pesquisa empírica
Entre todas as mães ouvidas, o cuidado com a criança pequena é uma
das grandes preocupações. Sobre o assunto, afirmaram dividir alguns cuidados dos
filhos com o pai das crianças. Nos termos por elas utilizados, declararam que os
maridos “quando podem”, ajudam a “reparar30 os filhos. Ficou evidente que as mães,
ao expressarem a restrição/concessão masculina na observação “quando podem”,
compreende o fato de elas serem as principais cuidadoras.
Como todas as mães possuem mais de um filho pequeno, elas cuidam ao
mesmo tempo de duas crianças ainda muito dependentes de atenção diuturna. A
renda média das famílias não ultrapassa o valor de um salário mínimo e meio,
configurando grandes dificuldades para, conforme o discurso materno, a oferta de
“uma vida melhor para a criança”.
Partimos do entendimento de que o direito à educação para as classes
populares pode significar uma fonte de proteção à criança face às contradições
presentes numa sociedade marcadamente desigual e constituída com base na
exploração econômica.
Nesse pressuposto, discutir o direito humano à educação exige o
aprofundamento de sua existência condicionado à sociedade capitalista. Nesta base
econômica, o cenário neoliberal repercute seu lastro em múltiplas dimensões, desde
a face econômica a político-ideológica, desafiando nosso esforço em tomar a
totalidade como fundamento de análise.
Na busca pela vaga para o atual filho da faixa-etária de zero a três anos,
metade do grupo das mães entrevistadas procurou por matrículas junto à SEMED.
Entretanto, todas obtiveram respostas negativas. Quando a pergunta é se já tiveram
30
Reproduzimos aqui a palavra exata com que as mães se referem aos cuidados com as crianças: “Reparar”. A palavra tem o significado de “tomar conta”. O conjunto do ato de reparar a criança amplia-se para ações de olhar, ninar, cuidar, se ocupar com as necessidades da criança pequena. Para o conhecimento de outros termos frequentemente utilizados por amazonenses, indicamos o dicionário de termos locais, denominado “Amazonês: expressões e termos usados no Amazonas” (FREIRE, 2011)
76
outros filhos, em anos anteriores, matriculados em creches, o grupo todo afirma que
não. Assim, conforme dados coletados (quadro 4) somente nesta amostra estão
representadas 40 crianças31 de classes populares que foram excluídas do direito à
creche.
Concluindo o perfil brevemente traçado das mães entrevistadas,
observamos que entre algumas mulheres parecia haver, inicialmente, certa
desconfiança em si mesma, com relação a possibilidade de colaborar com
informações. Daí, nossa atitude junto à entrevistada foi de tentar compartilhar a
relevância daquela contribuição, entre outras, que seriam necessárias para que nos
aproximássemos mais de nosso objeto de conhecimento.
Ao apresentar as respostas obtidas junto às mães, queremos relacioná-
las ao esforço teórico deste estudo: conhecer expressões que tem emergido sobre o
direito da criança pequena no interior das classes populares de Manaus. O que se
pretende realmente é desvelar novas contribuições tendo em vista a totalidade de
onde os dados emergiram.
Nessa perspectiva, no item seguinte, apresentaremos e discutiremos
especificamente o conteúdo das falas das mães.
2.4.3 Noções sobre o direito à educação da criança pequena
As noções sobre o direito à educação da criança pequena têm como fonte
as falas das mães da amostra deste estudo. Assim, as noções aqui apresentadas
emergiram ora entre respostas mais curtas, ora em falas mais prolongadas. As
expressões do pensamento das mães movimentaram-se tanto diretamente, com
foco no assunto indagado, quanto indiretamente na retomada de tema e/ou questões
anteriores.
Em nossas ações como mediadora/conversadora32, buscamos pelos
conteúdos da pesquisa sem a exigência unilateral que a resposta da mãe fosse
31
O total de crianças referido compreende a soma do número de todos os filhos das mães entrevistadas. Todas crianças nascidas após os anos 2000, quando o direito à educação infantil já estava anunciando constitucionalmente desde o ano de 1988.
32 Utilizamos o termo “conversadora” por ser também representativo da forma como percebemos a
evolução do nosso modo de entrevistar. Observamos o avanço da interação com as mães pelo registro da entrevista, entre os conteúdos do primeiro momento e a fase final focada no direito da criança pequena.
77
exata, precisa, “completa” e principalmente fechada. Nesse movimento de perguntas
e respostas, entre os conteúdos expressos foram destacadas as falas que
descreveremos a seguir.
Selecionamos as falas focalizando-as em conteúdos pertinentes ao
desenho da pesquisa. De acordo com os objetivos do estudo, trouxemos as
descrições distribuídas dentro de quatro categorias. Buscamos localizar as
expressões/noções das mães sem dicotomizá-las apenas para atender às
categorias de análise estabelecidas. As falas apresentadas a seguir foram
selecionadas a partir do critério de destaque e relevância quanto às questões
formuladas no conjunto das doze entrevistas. O destaque considerou o objetivo do
trabalho, a aproximação realizada e o conhecimento sobre as noções do direito à
educação da criança de classe popular.
2.4.3.1 A importância da vaga em creche
Tendo como foco identificar elementos determinantes sobre o direito à
educação da criança pequena, no contexto da realidade de atendimento na cidade
de Manaus, destacamos a questão da oferta de vagas. Sobre a relevância ou não
das vagas em creches, Miriam apresentou a seguinte resposta:
Eu acho uma coisa importante... Porque como precisa ter um lugar para que as crianças fiquem. As mães possam ficar... (SIC) Até mesmo um lugar confiável.
Na abrangência dos possíveis significados que a oferta de vagas em
creche pode tomar, para além dos direitos dos pais, hoje se colocam também
significados em torno do direito da criança. Nesse sentido, a fala da mãe ressalta o
poder contar com alguém de confiança, que tem uma formação específica tanto para
cuidar, quanto para ensinar. Miriam demonstrou uma expectativa correspondente ao
conjunto de necessidades e importância relacionadas às funções educativas da
creche.
Ana, respondeu, apontando algumas perguntas e dando ênfase a outros
aspectos relacionados a essa questão:
Com certeza. Porque tem muitas mães que precisam. Tem mãe que não tem marido. Eu tenho o meu esposo ainda que pode me auxiliar e tem mãe que não tem... precisa trabalhar para manter a casa ... Ela se torna o pai e mãe daquela criança... Então para ela manter ela precisa trabalhar... então
78
é muito sofrimento para uma pessoa que não tem.. que precisa mesmo.... Então é muito importante ter uma creche. (...) Eu acho...acho sim. Mas ao mesmo tempo nem sei como te falar...Uma creche é importante para aquela pessoa que tá precisando trabalhar, né? Porque é preciso ela colocar aquela criança ali. Mas no meu caso eu não teria coragem de colocar o meu filho bebezinho assim numa creche. Tá entendendo?
A fala de Ana evidencia um olhar ainda parcial e até descontextualizado
legalmente (CF 1988; LDB 9394/1996)a porque ressalta como finalidade para a
creche ainda a função assistencial. Vê a creche como necessidade apenas das
mães que “não tem marido” e que por isso “precisam trabalhar”. O sentido de
confronto com a naturalização vigente, na fala de Ana a educação da criança ainda
não aparece formulada como pertencente à demanda do direito universal. A
educação infantil não é vista como primeira etapa da educação básica, como
anunciado na legislação brasileira, ocorrendo o distanciamento das crianças da
cidade de Manaus do espaço dos direitos constituídos.
Nesse aspecto a configuração da ideia sobre creche, tomada no contexto
das noções relacionadas pelas mães, são dependentes da maneira concreta como
estas vivem, das condições materiais da sua lida e produção de significados.
Assim, abordando a necessidade deste equipamento social e a obtenção
de informação sobre suas reais finalidades, Regina deu ênfase à importância da
creche:
É importante e muito. Porque vejo o caso de umas amigas minhas que precisam. Porque não tem companheiro como eu tenho, que possa ter uma renda familiar. E elas não... tem que trabalhar e muitas das crianças ficam sozinhas.
Percebe-se que as mães, Ana e Regina, destacadas pelas falas citadas
precedentemente, apesar de considerarem a creche importante, têm dúvidas sobre
buscar ou não este atendimento para o seu filho. É interessante ressaltar que elas
destacam a importância da vaga em creches para as ‘mães que precisam’; elas não
precisariam porque tem marido, uma delas afirma que não teria coragem de colocar
o filho numa creche. Essa é uma visão muito recorrente nas falas sobre essa
instituição que durante séculos foi vista como um local para crianças pobres, órfãs,
abandonadas ou ainda para filhos de mães solteiras. Esse é um estigma que a
creche ainda carrega.
79
O olhar destacado pelas mães demonstrou-se impregnado pela solidez
da associação da figura do marido como provedor das necessidades dos filhos.
Essa forma de olhar apresenta uma noção apartada da necessidade dos próprios
filhos. A possível constatação da ausência do Estado é minimizada e afastada pela
regularidade e imediatismo da função provedora percebida como já atendida pelo
marido e pai, sob a ótica construída naquele conjunto familiar.
Por outro lado, Joana assume a importância da vaga na creche, tanto
para si mesma quanto para outras mães.
Sim. Porque não só no meu caso. Porque eu não trabalho. Mas porque tipo muitas mães por aí que precisam trabalhar... que só são elas...Elas tem filhos e não tem com quem deixar...Se tivesse, pra mim... Pra mim ia ser bom, não é?
Joana considera inicialmente que seria bom para as mulheres que
trabalham fora de casa. Porém, continuando sua fala, admite que seria bom também
para ela. Isabel preferiu destacar em sua resposta a competição pelas vagas em
creches, conjecturando sobre a questão: “... se forem construídas as creches, vão
sobrar vagas? Eu acho que vai faltar é vaga. Eu acho, né?”
Pelo déficit de creches que temos observado na cidade de Manaus,
podemos concordar com a percepção da mãe. Como cogita a entrevistada há uma
tendência de se evidenciar uma maior procura por vagas a partir de uma maior
oferta. É o que poderíamos chamar de demanda reprimida: as pessoas não
procuram porque nem sabem que existe o equipamento ou ainda, sabem que não
existem.
Assim, Joana traz em sua fala um aspecto importante: o processo de
busca por vagas para as crianças. Ela afirma: “Sim. Cheguei a ir. Mas tem uma
regra, não é? Só com quatro ou quando vai fazer quatro...”
Isso evidencia o desconhecimento por parte da população do que deveria
ser oferecido pelas políticas públicas. Ocorre que redes de educação de vários
municípios brasileiros têm priorizado a oferta de vagas para as crianças a partir de
quatro anos; isso cindiu a educação infantil separando a creche e a pré-escola,
restringindo esse direito somente para as crianças maiores, em salas de pré-escolas
e em período parcial (4 horas diárias). De certa forma, foi um recurso para o desvio
de demanda por vagas as quais as famílias e as crianças de 0 a 3 anos de idade
teriam direito.
80
A experiência das mães na procura por matrículas para as crianças nos
ajuda a compreender que na prática, as leis são distorcidas, ainda que isso se
constitua violação de direitos.
Por fim, a fala de Paula reforça a importância da vaga em creche:
Considero. É, eu acho assim... claro que nossa cidade tem que ser vista de
uma forma bela, bonita...Mas existe não só como lá...aquele estádio, centro
da cidade, Ponta Negra33
. Existem bairros que devem ser beneficiados...
Porque você anda por aí você vê uma boa infraestrutura. Quando você
chega no bairro, você também é muita (SIC) condenada por isso, você
mora na zona leste e isso (né?) acho que deveriam olhar mais pelos bairros
que não é só andar no centro....E eu acho que creche é um assunto a ser
tratado com bastante cuidado porque eu acho são crianças envolvidas. E eu
acho também que como a mãe trabalha deveria ser visado mais essa parte.
A voz de Paula aponta para o desvelamento das contradições, denotando
elementos e abertura capazes de favorecer a reconstrução do olhar sobre criança e
infância. A situação de exclusão social expressa pela mãe mostra a condição da
qual são vítimas as crianças de bairros periféricos. A experiência problematizadora
presente na fala de Paula indica que por serem crianças em questão o assunto da
creche deveria ser tratado de fato com seriedade. Tal percepção sinaliza o ponto de
partida desta mãe para outras elaborações que possam produzir as mediações
necessárias para avançar quanto ao respeito ao direito da criança pequena.
No contexto das questões levantadas, todas as mães entrevistadas34,
consideraram a oferta de vagas em creche como uma questão necessária e
relevante.
Mas, será que no contexto das noções sobre creche demonstradas pelas
mães, elas caracterizam o entendimento da creche como um direito? Essa questão
será apresentada no próximo item.
33
Quando a mãe fala em “Ponta Negra” refere-se ao extenso complexo turístico na orla do Rio Negro. Esta área paisagística foi recentemente reformada e ampliada para a frequência de turistas no 1° semestre de 2014. Neste ano Manaus será uma das 12 cidades (única entre os Estados da região norte) a ser subsede da Copa do mundo de futebol.
34 O quadro síntese de transcrição das respostas apresentadas pelas mães sobre o direito à creche
compõe o apêndice C deste trabalho.
81
2.4.3.2 A creche como direito
Regina registrou dessa forma a sua aspiração pelo direito:
Ah, eu acho que como isso é direito nosso, deveria ter não só uma. Mas duas, em cada bairro, que atendesse realmente a população. Porque são muitas crianças por aí... que a mãe infelizmente tem que trabalhar e ficam assim à mercê de qualquer coisa assim. Sou prova viva disso que eu já vi isso acontecer por aqui mesmo.
Essa mãe fala da sua preocupação com as crianças que “ficam à mercê
de qualquer coisa assim”. Ela expressa o reconhecimento da vulnerabilidade e dos
riscos impostos às crianças quando os determinantes econômicos exigem que as
mães escolham entre o trabalho/emprego e a proteção dos filhos.
Vejamos outra afirmativa quanto à questão “Você sabe que a creche é
um direito?” Sandra respondeu nestes termos: “Eu sabia. Ah, por aí, muita gente
fala, né? Só que ...”
O silêncio que se segue expressa a falta de credibilidade na efetivação do
direito.
Essa questão é reforçada por Regina que demonstrou além da resposta,
um posicionamento: “Saber eu sei, mas simplesmente este direito não é nos dado.
É. Não é cumprido o nosso direito”.
Miriam construiu sua resposta desta forma: “... Agora sim, mas antes não,
não é?”
Ana respondeu afirmativamente: “Sim. É um direito”.
Vânia abordou sua resposta recorrendo a uma informação que afirmou ter
visto na rede mundial de computadores (Internet): “Não. Não sabia. Porque eu tava
vendo ontem na internet e vi que era um direito.”
Joana apresentou a seguinte resposta: “Acho. Tanto uma creche como
um colégio”.
Claudia afirmou:
Com certeza! É um direito pra criança e um favor pra mãe. Porque existe muita mãe solteira que precisa recorrer pra creche... procurando em Distrito
35 onde
tenha a vaga em creche
35
A mãe expressa o termo “Distrito” reproduzindo a forma popular como é referido o Polo industrial de Manaus (PIM) que abriga as fábricas da Zona Franca.
82
O entendimento da creche como um direito foi variável entre as respostas
das mães. As respostas acima apresentadas evidenciam que as mulheres
entrevistadas estão ‘aprendendo’ que a creche é um direito, ou seja, é uma
informação recente; que elas não tinham, que estão ‘descobrindo’, que elas ainda
têm dúvidas e incertezas se é realmente um direito.
Isso se explica em parte porque a creche é um equipamento recente na
história da educação brasileira e ainda não é um equipamento que faz parte da
realidade dessas moradoras de um bairro periférico da cidade de Manaus.
Tanto é que as mães entrevistadas afirmaram que sabem que a creche é
um direito e por isso ressaltaram a necessidade da construção de creches. Ou seja,
o direito existe como anúncio, mas ainda precisa ser efetivado. As desigualdades
sociais reprodutoras de conflitos não podem ser “neutralizadas” somente pela
legislação. Ouvir e repercutir as respostas das mães diante da condição concreta em
que convivem com a criança de zero a três nos faz deparar com as desiguais formas
de acesso ao direito à educação.
Se a creche é um direito, qual é a visão que as mães têm a respeito da
função da creche? Através da entrevista, procuramos investigar também, qual a
noção que elas têm sobre essa questão. No próximo item, apresentaremos e
discutiremos as respostas dadas.
2.4.3.3 A função da creche
Tentando constituir mais elementos para compreender a totalidade do que
é percebido pelas mães como direito à creche, indagamos sobre a função desta
instituição. Assim, Maria ao ser perguntada se a creche pode auxiliar na educação
das crianças respondeu a partir de sua experiência profissional afirmando que:
Pode sim. Porque no tempo que eu trabalhava numa creche conveniada... chegava assim ( a mãe da criança foi explicando, sobre como as mães das crianças da referida creche indagavam): “Ô, tia! Em casa ele não quer estudar, como é que ele estuda aqui?” A criança precisa daquele incentivo, senão fica aquele marasmo...Por exemplo, aqui em casa eu quero ensinar, mas aí ele não gosta. Em casa ele não quer estudar. Se fosse na escola, quando tiver outra criança aqui...então ele vai olhar...tem alguém fazendo...Então, eu vou fazer também...Até você , adulto, se tiver sozinho na sua casa você não vai aprender. Mas se houver aquele incentivo da sala
83
de aula, então você vai também... Se houver incentivo você vai estudar, assim é a criança.
Podemos observar que a mãe refere-se à importância da socialização na
educação da criança; ela entende o direito à educação (que ela denominou ensino)
como uma necessidade da criança. Maria percebe a creche como uma instituição
educativa e não somente como um lugar de guarda da criança.
Sobre esta questão, Regina respondeu com ênfase: “Simplesmente na
educação também. Quanto mais cedo se aprende melhor”.
Claudia apresentou uma resposta direta “Eu acho. Porque na minha
ocupação... O que eu não posso dar pra ele... ele pode tá aprendendo na creche...”
A fala da mãe aponta que a frequência à creche pode trazer possibilidades para a
criança de se enturmar, de enfrentar com prazer o desafio de aprender, de construir
o conhecimento e de estar na companhia de outros da sua idade.
Nas entrevistas mencionadas as mães demonstraram reconhecer a
creche como um direito da criança e não somente do adulto que trabalha fora, como
é o discurso predominante no senso comum.
Além disso, as mães se referem à possibilidade de se propiciar um
espaço educativo para as crianças. Assim, é possível afirmar que pelas falas das
mães mencionadas anteriormente, elas estão construindo o saber/ a concepção de
que a função da creche vai além de ser um local onde as crianças podem ser
cuidadas e abrigadas, elas chegam a cogitar de que a creche pode ter uma função
educativa.
Mas, o que elas pensam sobre como deve ser o funcionamento e as
condições de atendimento da creche? Essa é a questão que discutiremos no item a
seguir.
2.4.3.4 Funcionamento da creche/condições de atendimento
Buscando correlacionar a resposta a situação concreta que teve de
compreender sobre o uso do equipamento social objeto deste trabalho, Maria
expressou o conhecimento sobre o funcionamento da creche a partir de sua
experiência profissional:
84
Sei, porque eu trabalhei numa (creche comunitária lá no bairro Antônio
Aleixo). Eu tenho até vontade de voltar a trabalhar. Vontade de trabalhar
fora... É o que eu digo para os meus filhos, mil vezes trabalhar fora do que
em casa... No trabalho você se distrai.
Na mesma dimensão, destacamos a fala da Ana que respondeu: “Sim,
minha mãe lecionava numa delas!”. Chama atenção o discurso da entrevistada que
usou a palavra “lecionava”. O fato de ter uma experiência com a creche, por meio do
trabalho de sua genitora fez com que ela tivesse uma certa noção da creche como
um local de educação.
Entre as doze mães entrevistadas, somente quatro delas sentiram-se
seguras para tentar formular alguma resposta sobre o funcionamento da creche;
entre as questões do roteiro da entrevista, essa indagação foi a mais distante de
suas realidades.
Assim, ficou evidenciado que apontar uma resposta sobre como é o
funcionamento da creche/condições de atendimento representa um desafio para a
maior parte das mães pela invisibilidade material do equipamento junto às suas
realidades. Entretanto, Márcia tentou uma resposta: “Como funciona? A creche...
acho que dura o dia todo (não é?). Cuida de criança.”
Durante a pergunta, na tentativa de aprofundar, indagamos ainda para
Márcia: ‘Mas, cuida que nem você cuida?’ Ao que ela respondeu:
Não. Esse é o meu medo. Sem ter uma câmera pra vigiar... Ver o que acontece. Porque o meu pior medo é da minha filha ficar traumatizada por alguma coisa que fizeram com ela. Porque criança... Criança ela dá trabalho. Ela chora. Ela birra... Porque geralmente até a mãe perde a paciência. Por que outra pessoa não vai perder? Porque meu medo é esse de colocar ela (SIC) numa creche pública.
Para construir uma resposta sobre o “funcionamento da creche” as mães
aproveitavam para desdobrar outras questões que as afligiam. Substituir a
indagação por outro tema também se apresentou como um recurso de resposta.
Vânia respondeu prontamente que não sabia, buscando ajuda em uma
justificativa que consideramos plausível:
Não. Ninguém não sabe. Por aqui, pra você ter uma ideia, né ? (consultando a comadre que estava presente na cozinha) a gente nem ouve falar de creche. Eu fui atrás porque eu vi, minha filha entrou no site
36.
36
O site ao qual a mãe se refere é o portal eletrônico de matriculas pela internet: www.matriculas.am.gov.br
85
Vânia nos explicou que no período de matrícula virtual pediu que sua filha
adolescente verificasse no site, “por curiosidade” (sic) se havia a oferta de vagas. O
funcionamento da Central de matrícula ocorre de modo conjunto entre rede pública
municipal e estadual em uma única plataforma eletrônica. A resposta obtida pela
mãe junto a Central de matrícula não foi satisfatória.
Ainda sobre a questão do “como funciona” uma creche, Isabel, afirmou: “É
tipo um colégio. Eu acho”.
Camila, que também ainda é estudante de uma escola municipal no turno
noturno, fez uma abordagem por comparação: “Acredito que seja como uma escola.
Não. Lá ela não vai escrever como eu escrevo... Lá vai ser outra educação... pelo
fato de ela ser... infantil.” A mãe reforça importante distinção entre escolas para
adultos (na qual ela estuda) e a de educação infantil. A caracterização apresentada
por Camila ressalta-se quanto a compreensão demonstrada sobre os aspectos e
necessidades específicas da criança pequena.
Joana também exercitou algumas associações e comparações para
apresentar uma resposta:
Assim é como tipo um colégio, não é? Mas tem um cantinho onde as crianças dormem tipo com caminhas, com bercinhos...Um espaço deles brincarem, não é? De cozinha...Tipo um refeitoriozinho... Eu vi pela televisão, né? Que aparece...
Assim, a busca por compreender o imaginário das mães sobre o “como é”
o funcionamento da creche, quais as condições desse atendimento demonstrou ser
uma aproximação necessária, todavia, delicada. A questão montrou-se complexa
pela abstração representada. No quadro 4 ( perfil das mães participantes da
pesquisa) confirma-se que nenhuma das mulheres entrevistadas teve algum dos
filhos/filhas matriculados em creche. Ou seja, essas mulheres não tiveram nenhuma
experiência direta com esse equipamento, portanto, não sabem falar com total
segurança nem sobre o funcionamento e nem sobre as condições de atendimento
numa creche.
Essa abordagem e constituição de respostas também pronunciadas no
silêncio das mães apresenta uma convergência com o silêncio das políticas públicas
voltadas às crianças de 0 a 3 anos de idade na cidade de Manaus. A infância como
categoria histórico-social e constituída por determinações materiais inseriu-nos no
86
quadro de tentar compreender a produção histórica das noções das mulheres-mães
implicadas nesta realidade.
Nessa consideração do conjunto dos dados coletados, retomamos o olhar
sobre as noções de creche entre as mães no contexto de exclusão do direito à
educação aos seus filhos. A reprodução da realidade cotidiana, desligada das
condições históricas e sociais que resultam numa rede de creches37 tão pequena,
implicou no atual limitado estágio de percepção do objeto creche.
Assim, o grupo de mães discorreu sobre algumas partes que compõem a
totalidade da baixa oferta de creches em Manaus. Não saber, por exemplo, a função
educativa da creche, conforme a legislação vigente, está relacionada a disjunção
entre o direito anunciado e a oferta concreta desse equipamento social.
Na narrativa das mães, pudemos observar que os elementos pertinentes
ao direito à educação afastam-se do mundo real e configuram-se na esfera da
pseudoconcreticidade. Entretanto, sabemos que ainda que a totalidade não seja
abordada na fala das mães, ela permanece determinando as partes que a
compõem. Nesse caso específico a totalidade dos fatores históricos e sociais que
resultam em baixa oferta da rede de creches e exclusão das crianças incidem na
percepção, pelas mães, do funcionamento da instituição creche.
A efetividade do direito não é dádiva emanada naturalmente. Nesse
aspecto nossa análise das percepções apresentadas pelas mães, nos remete ao
levantamento de algumas questões. Como compreender e proteger o direito à
educação da criança pequena? Quais os aspectos mais prementes desta luta? As
mães podem mesmo ser protetoras dos direitos de seus filhos? Tomando como
referencial o conteúdo da construção histórica abordada no capítulo I do presente
estudo, destacam-se o reconhecimento do direito (sua inscrição legal) como aspecto
relacionado à exigibilidade de seu cumprimento, possível fonte mobilizadora de real
democratização do direito.
A fala das mães sobre creche, mencionadas anteriormente, confirmam
ainda presença e associações das ideias de atendimento das crianças mais pobres
37
Referimo-nos aos dados apresentados no quadro 3 deste estudo.
87
com ênfase em conceitos como carência e marginalização econômica (por exemplo
destinada aos filhas de mães que “não tem marido” )
Assim, a trajetória da afirmação de um direito nas práticas sociais
demonstrou-se complexa. Entretanto, o conhecimento da correlação de forças,
entrecruzando ideias sobre creche, contraditoriamente pode ajudar nas tensões que
contribuam no movimento da educação como direito.
O avanço das concepções sobre educação como direito são desafios
diários para a democratização. A partir das falas obtidas junto às mães, ficou
delineada a necessidade de aprofundamento quanto às noções de creche como
direito da criança. A ausência de cumprimento do dever do Estado em não promover
a oferta impacta as condições materiais nas quais as famílias produzem suas
percepções sobre o real.
O município de Manaus ajuda a promover uma realidade de
distanciamento entre o direito anunciado e as noções práticas sobre o
funcionamento da creche. As mães, em sua maioria, demonstraram noções
abstratas, apartadas de si, na realidade material (verificar quadro 4 ), de descaso do
poder público em que as crianças de várias gerações jamais tiveram acesso a
creche.
Na compreensão de Marx (1998), a possibilidade de alteração das
percepções manifestadas pelas mães coincidirá com a alteração das condições
materiais da sua produção. É a convivência com o equipamento creche que pode
promover a construção de uma concepção mais plena sobre seu uso,
funcionamento, função, importância e necessidade de expansão.
Os fenômenos aparecem entranhados. Tratando sobre a condição de
percepção e produção do sujeito, afirmam Marx & Engels (1998): “O que eles são
coincide, pois, com sua produção, isto é, tanto com o que eles produzem quanto
com a maneira como produzem” (p.10-1). A aproximação com algumas das noções
sobre creches apresentadas neste estudo permite-nos desvelar o horizonte e
aspectos das tramas em o que o direito oculta-se, tentando impor-se o caráter de
essência ao fenômeno em seu desenvolvimento.
A pseudoconcreticidade é uma superfície com a qual nos deparamos.
Dirigir o foco para a compreensão de um todo estruturado possibilita a busca pelas
conexões para reconstituir a realidade e a tentativa de alterá-la. Em oposição ao
88
olhar naturalizado, constitui-se assim um olhar sobre a totalidade em constante e
dinâmica construção social.
De forma diversa a qualquer posição estática, a história não é uma
sucessão linear de fatos em que ficamos aguardando os acontecimentos para
posteriormente narrá-los. A história dos homens e mulheres e, portanto, os
processos de construção de suas concepções demarcam-se em sua atuação
concreta e material, mediada pelo trabalho (idem). As concepções de homens e
mulheres são organizadoras de seu meio e organizam-se em função e em relação
com a base material de suas existências. Direcionar o olhar e apresentar para
discussão alguns aspectos da configuração do direito da criança pequena, trouxe à
tona as vozes de alguns dos sujeitos que estão oficialmente à margem do direito à
educação.
Nesse esforço de compreender as vozes das mães a partir das suas
condições materiais de enfrentamento da vida, as mulheres nos apontaram o
percurso da rica totalidade de determinações do conjunto que naturalizam a
ausência de creches no bairro onde residem. Conhecer as manifestações do
pensamento das mães foi necessário para a aproximação com a realidade na qual
está o sujeito concreto. Entender as expressões e as formas que emergem enquanto
pseudoconcreticidade nos ajuda no caminho das conexões que desvelam o agir dos
homens na produção de suas vidas. Como ultrapassar a pseudoconcreticidade e
expandir a causa da creche como educação e não oferta assistencial opcional para
mães que “não tem marido”?
A falta de direito para uns (as crianças) pode gerar também mais exclusão
para outros/as (mães/pais). Por exemplo, a ausência de creches implica na redução
do espaço material para o exercício do sujeito que além de mãe pode ter outros
papéis como agente ativo na construção social. Asssim, fazer o caminho do
encontro com a noção mais simples sobre creche, ainda que tomada como parte de
um todo caótico, tira do isolamento a percepção. As mães ao serem interpeladas,
neste estudo sobre o direito à creche, emergem de um estado de silêncio para um
espaço de voz. As expressões constituíram importante mobilização do pensamento
e, em consequência, do olhar dessas mulheres sobre a realidade e seus possíveis
encontros com novas percepções sobre seus filhos como sujeito de direitos.
89
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo deste estudo foi conhecer a configuração do direito à educação
da criança pequena, na relação entre os dispositivos legais e a realidade de
atendimento na cidade de Manaus-AM.
Para isso, iniciamos o trabalho apresentando um panorama da história da
criança e da infância no Brasil que desde o período Colonial foi marcada por mortes,
abandono, violência, negligência. Por outro lado, essa mesma história é pontuada
pelas iniciativas estatais e/ou filantrópicas de instituições de atendimento, proteção,
assistência, educação, cuidado, repressão, higienização, normalização e até mesmo
educação para a população infantil brasileira.
A elaboração desse olhar histórico facilitou a nossa compreensão sobre
disputas, recuos, pausas e avanços do movimento em direção à elaboração das
atuais diretrizes da educação infantil brasileira. A inserção do direito à educação da
criança pequena na legislação - Constituição Federal, 1988, Estatuto da Criança e
do Adolescente, 1990 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, 1996-
ajudou a erigir em nosso país um novo sistema jurídico de proteção aos direitos da
criança.
Assim, esse olhar sobre a História e a legislação brasileira referentes à
educação da criança pequena serviu como ponto de partida para compreendermos
especificamente a configuração do direito à educação infantil na cidade de Manaus-
AM: o acesso à creche, a oferta de vagas, a rede pública de creches, os marcos
regulatórios. Ressaltamos, quanto aos dispositivos legais, o papel regulador do
Conselho municipal de educação (CME-Manaus).
As bases teóricas do estudo alicerçaram-se na afirmação da infância
como categoria histórico-social e constituída por determinações materiais. Neste
sentido, as legislações repercutidas no capítulo I representaram alterações de
configurações nas percepções, relações e formas do trabalho, bem como
modificações gerais na sociedade da qual faz parte o direito à educação.
Constatamos que na cidade de Manaus-AM tem sido acentuada a
exclusão em relação ao direito à educação infantil. No olhar sobre a violação do
direito à educação presente neste município, ficou caracterizado que a Prefeitura
90
Municipal tem deixado de respeitar a legislação educacional vigente como parâmetro
para a implantação das políticas públicas em educação infantil.
Os dados estatísticos apresentados e as falas das mães que integram o
capítulo II deste estudo sustentam e ecoam a baixa oferta do direito à educação na
cidade de Manaus.
Nossa inserção no bairro mais populoso e periférico da cidade de Manaus
permitiu contrastar a realidade e a legislação sobre o direito à educação da criança
pequena. Assim, foi possível uma leitura entre os déficits na oferta, o âmbito legal e
as noções e práticas sociais implicadas no direito da criança pequena. A opção por
ouvir as mães resultou nas visões apresentadas ante a materialidade da ausência
de unidades de creches em comunidades periféricas, como o bairro Jorge Teixeira.
Encontramos uma realidade constituída pela desproporcionalidade entre a baixa
quantidade de unidades educacionais e a expressiva população de crianças de zero
a três anos.
Por outro lado, o avanço do entendimento sobre o direito e a necessidade
de luta para sua efetividade, também representam desafios. Assim, delineamos as
aproximações quanto à percepção da necessidade das creches entre as famílias e o
dever do Estado.
Descrevemos as noções sobre o direito da criança correlacionando suas
expressões no conjunto do cenário do déficit de unidades de creches em Manaus. A
rede pública de creches é constituída de apenas cinco creches e nenhuma delas
localiza-se no bairro do Jorge Teixeira, cuja população de zero a três anos é de
12.884 crianças (IBGE/2010).
A descrição e análise dos achados, tanto sob o aspecto da oferta de
vagas quanto da demanda declarada pelas mães, denunciam a conflitante situação
do atendimento em Manaus. A conclusão do estudo confirma o compasso de lento
cumprimento ao direito à educação das crianças de zero a três anos. O quadro
desvelado pela pesquisa reforça a urgente necessidade do compromisso político-
social que precisa ser firmado com as crianças. Notadamente, as crianças
manauaras excluídas do pleno direito social, na prática, estão sendo dispensadas do
olhar para sua condição de sujeito de direitos.
Partindo da configuração da sociedade concreta e a inter-relação de
fatores que a sustentam, discutimos a realidade de violação do direito implicada
também pelo estágio de pseudoconcreticidade/naturalização entre as mães que
91
nunca tiveram os filhos matriculados em creches. Os desvios e retomadas de rotas
do cumprimento de uma legislação também implicam desvelamento e participação
por parte da população sujeito do direito.
Na dinâmica de realização da coleta de dados foi possibilitada também
maior aproximação quanto às lutas cotidianas das mulheres-mães. À rotina dessas
mulheres somavam-se fatores de ordem estrutural, por exemplo, a contínua
suspensão do fornecimento de água que afetava a condição de higiene e
alimentação das crianças. Na rotina das moradoras do bairro Jorge Teixeira não
havia garantia de acesso à agua diariamente. Sob esse olhar, percebemos que
ausência do Estado, viola outros direitos da infância, como o de proteção e nutrição.
Problematizar faces naturalizadas numa sociedade excludente, ainda que
denominada democrática, pode ajudar a situar ideias e práticas que contrastam com
a lei. Localizar o âmbito da materialidade e do discurso ajuda na percepção da
ambivalência do movimento de, para uns a exaltação do direito, para outros, a
mutilação dos direitos básicos constituídos.
Superar falsas retóricas sobre direitos confundidos com interesses
individuais possibilita buscar o caráter universalizante do direito. Uma educação de
qualidade é direito! Compreender isso é fundamental especialmente para o acesso
das camadas populares!
À margem dos direitos sociais, as classes populares deparam-se
cotidianamente com sinuosas situações que implicam sua sobrevivência material.
Para as crianças pobres, a oferta de um sistema educacional, consenso na
sociedade moderna, decorre ainda como parcial. O desvelamento da complexidade
de acesso à educação infantil pode incidir para o espaço da educação como um dos
direitos que pode promover outros direitos sociais.
O acesso à escolarização deve ser foco de luta social em nosso país. A
efetividade da oferta na educação básica ainda é algo abstrato, em muitas cidades
do Brasil. Assim, educação não pode ser comercializada como uma mercadoria ou
reconhecida como privilégio individual para ascensão dos “mais capazes”.
A pesquisa aponta a necessidade de contínua desnaturalização da
situação de exclusão vigente. Para a realização do objetivo do presente estudo, o
esforço coletivo de todas as instâncias e sujeitos reunidos reafirmam que a
construção do conhecimento de relevância social não pode ser reputada como obra
individual. Expandir a educação como oferta pública, gratuita e de qualidade ainda é
92
uma causa de vida e de mortes no Brasil.
A amostra para nossa pesquisa partiu da ausência das crianças no
sistema educacional. As crianças do populoso bairro Jorge Teixeira preenchiam
somente os números de déficits da educação infantil brasileira. Para apresentar e
discutir aqui alguns aspectos da configuração do direito da criança pequena, as
vozes de suas mães foi fundamental.
No esforço da formulação e expressão do pensamento sobre o direito à
educação, as mães de classes populares nos ajudaram muito e, é possível afirmar,
expandiram a causa do direito à educação das crianças pequenas de nossa cidade.
A concretização do direito à creche é também uma construção social. A
emergência de construção de novas noções e/ou concepções sobre o
funcionamento da creche entre as mães entrevistadas aponta e reforça a
necessidade da expansão da rede pública de Manaus. Assim, o efetivo acesso à
creche, como importante construção social, configura-se um campo de disputas,
conflitos e tensões para o poder público local.
A função materna, cuidadora da criança e “dona do lar” foi durante muito
tempo exclusividade das mulheres. Nesse sentido, a composição de passos para
uma superação histórica desses e outros padrões do papel da mulher precisa ser
assumida pelas próprias mulheres.
Evidentemente, essa é uma luta complexa, mas necessária para a
ampliação dos direitos sociais. Nessa luta precisamos atuar em prol da democracia
prática, diária, irrestrita. Possibilitar vivências dos fluxos democráticos para além da
democracia formal.
Nesse aspecto, não se trata de adequar programas existentes, escolas
existentes. Trata-se de instituir política educacional específica que implica desde a
construção de prédios até mobilização de processos que culminem com proposta
educativa própria. Os órgãos e secretarias governamentais que tratam da execução
do direito da criança, o Conselho Tutelar, o Ministério Público precisam divulgar,
atender e cumprir os marcos regulatórios da Constituição Federal (1988), do
Estatuto da Criança e do Adolescente (1990) e da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação (1996).
Podemos exercitar o olhar que vê e porque vê, repara (SARAMAGO,
2008). Evidentemente, esta é uma interpelação do direito humano à educação, à
educabilidade de realização do próprio direito. Educar-se é multiplicar e articular
93
olhares que percebem/entendem sua força e seu saber coletivamente.
Assim, na conclusão de um estudo (possibilitado pela indagação inicial)
sempre teremos mais questões a conhecer do que o que já é conhecido. Portanto,
apontamos alguns temas para possíveis investigações posteriores: Quais as
estratégias utilizadas pelas famílias trabalhadoras para o educar e cuidar das
crianças de 0 a 3 anos em bairros desprovidos de creches? Qual a incidência de
fatores históricos e culturais relacionados à construção social da infância no
Amazonas? Como se repercute nos demais problemas sociais o déficit de creches
no Brasil?
Considerando as limitações e contradições próprias à realidade e ao
pesquisador, o estudo realizado não pretendeu esgotar a questão apontada.
Contudo, comprometemos o máximo de aprofundamento instigado pelo olhar que
desejou e partiu para a tentativa de aproximar-se da realidade a fim de entendê-la.
Considerando a provisoriedade e incompletude do conhecimento,
apontamos ainda para a necessidade de outras sistematizações. A indagação pode
ser direcionada às perspectivas de outros sujeitos implicados ou não pelo déficit da
rede pública de creches da cidade. A investigação e a possibilidade de construir
outras análises podem expandir o ponto enunciado pelo presente estudo e
conquistar as novas vozes que afirmem o direito à educação da criança pequena da
cidade de Manaus-Am.
94
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102
APÊNDICES
103
Apêndice A - Termo de consentimento livre e esclarecido para as mães de classes populares
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Gostaria de contar com sua colaboração respondendo a entrevista, em anexo, e
autorizando a presença da pesquisadora para a realização de entrevista semiestruturada para
a pesquisa de Dissertação de Mestrado, intitulada: Direito das crianças pequenas:
concepções vigentes entre as mães de classes populares da cidade de Manaus-Am.
Você está sendo convidado/as a participar em uma pesquisa como VOLUNTÁRIO (A).
Podendo decidir, portanto, se quer participar ou não. Leia cuidadosamente o que se segue e
pergunte ao responsável pelo estudo qualquer dúvida que você tiver. Este estudo está sendo
conduzido por IVANILDE DOS SANTOS MAFRA, e está sendo realizado no Programa de
Pós – Graduação Mestrado em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul –
Campus do Pantanal, sob a orientação da Profª Drª ANAMARIA SANTANA DA SILVA.
A finalidade deste estudo é conhecer a configuração do direito da criança pequena, na
cidade de Manaus-Am, correlacionando as concepções vigentes entre mães de classes
populares com a materialidade do atendimento para a criança de zero a três anos.
Você será submetido a uma entrevista semi-estruturada, com questões abertas para livre
expressão do entrevistado, nas quais, se você concordar em participar do estudo seu nome e
identidade serão mantidos em sigilo, garantindo o anonimato. A menos que requerido por
lei, somente o pesquisador, a equipe do estudo, o comitê de Ética independente e os
inspetores de agências regulamentadoras do governo (quando necessário) terão acesso as
suas informações do estudo.
Você será informado de qualquer mudança que possa alterar a sua vontade em continuar
participando do estudo e terá garantido o direito de desistir a qualquer momento se assim
desejar, sem qualquer tipo de prejuízo, bem como não será impedido de participar de novos
estudos. A participação na pesquisa não lhe trará riscos de qualquer natureza, também não
lhe acarretará custos, sendo assim não há previsão de ressarcimento ou indenizações
futuras. A pesquisadora se encarregará de chegar até você nos momentos e lugares
104
convenientes para a realização da entrevista.
Ao participar da pesquisa você estará se beneficiando unicamente pela colaboração no
processo de conhecimento e divulgação do andamento das Políticas Públicas no seu
município, ou seja, não lhe será oferecido nenhum benefício pessoal ou profissional devido
à participação no referido estudo.
Os resultados desse estudo retornarão a você na forma de relatório que será
disponibilizado ao final da pesquisa.
Para perguntas ou problemas referentes ao estudo ligue para (92)8134 9638 ou
(92)3654-1531 [Ivanilde dos Santos Mafra] para o esclarecimento de possíveis dúvidas.
Para perguntas sobre seus direitos como participante no estudo ligue para o Comitê de Ética
em Pesquisa com Seres Humanos da UFMS no telefone (67) 3345-7187.
Você ficará com uma das duas vias de igual teor deste termo de consentimento.
Agradeço a colaboração,
Atenciosamente.
_________________________
Ivanilde dos Santos Mafra
Declaro ter conhecimento da finalidade do presente estudo e autorizo o uso das
informações para fins exclusivos do estudo citado.
_____________________________ Data ______/_______/______
Assinatura da Voluntária
105
Apêndice B- Roteiro de Entrevista semiestruturada
ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA
Nome da mãe entrevistada:________________________________________
1.Perfil a) Idade:_____________________
b)Escolaridade: _________________________________________
c) Ocupação profissional:
( ) informal ( ) formal ( ) nenhuma
caso afirmativo, qual?_______________________________________________
d)Frequenta alguma atividade de lazer? ( ) SIM ( )NÃO
Qual?_________________
e)Executa alguma outra atividade fora de casa, além de seu trabalho? ( ) SIM
( )NÃO. Qual?_________________
f)Participa de algum grupo? (religioso, folclórico, esportivo, político, artesanal, teatral ?
etc)
( ) SIM ( )NÃO Qual?_________________
2. Composição familiar (pessoas que moram na mesma casa):
Nome Idade Grau de
parentesco
Trabalha
(formal/informal)
Recebe beneficio
TOTAL DA RENDA
FAMILIAR
106
p. 2 - Continuação do Roteiro de Entrevista semiestruturada
3. Composição e organização familiar com foco na criança de zero a três anos:
a) Quantas crianças de zero a três anos moram na casa? Qual a idade da(s) criança(s)?
b) As crianças tem certidão de nascimento? ( ) SIM ( ) NÃO
Caso a resposta seja negativa, porquê?
_________________________________________________
c)As crianças da família participam de alguma atividade fora de casa ?
( ) SIM ( ) NÃO
Caso afirmativo, qual o nome da Atividade em que a (s) criança(s) participa (m)? Como
funciona?
d)Quem cuida das crianças em casa?
e) Quando você precisa sair sem poder levar seu/sua filho (a), onde e com quem você deixa
a criança?
f) Você já procurou vaga em uma creche ou outra instituição para o seu/sua filho (a) ?
( ) SIM ( )NÃO
Caso a resposta seja uma negativa, por que NÃO?
Caso a resposta seja afirmativa, quantas vezes você procurou e quais foram as respostas?
g)Você sabe como é o atendimento da criança em uma creche?
h)Você considera importante ter vagas em creches para crianças de zero a três anos?
i) Você acredita que a creche pode ajudar na educação de seus filhos?
j) Você sabe que a creche é um DIREITO das crianças?
( ) SIM ( )NÃO
l) Quais outros DIREITOS você acha que a criança pequena tem?
107
Apêndice C- Quadro-síntese de transcrição das respostas apresentadas pelas
mães sobre o direito à creche
ANEXOS
108
Apêndice C- Continuaçãodo Quadro-síntese de transcrição das respostas apresentadas pelas mães sobre o direito à creche (C-1)
109
Apêndice C- Continuação do Quadro-síntese de transcrição das respostas apresentadas pelas mães sobre o direito à creche (C-2)
110
APÊNCIDE C- Continuação do Quadro-síntese de transcrição das respostas apresentadas pelas mães sobre o direito à creche (C-3)
111
APÊNCIDE C- Continuação do Quadro-síntese de transcrição das respostas apresentadas pelas mães sobre o direito à creche (C-4)
112
ANEXOS
113
Anexo A- Folha de rosto com identificação da pesquisa envolvendo seres
Humanos junto ao Comitê Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP)
114
Anexo B- Resolução N.04/CME/1998 que regulamenta a implantação da
Educação infantil na Rede municipal de Ensino de Manaus e dá outras
providências
115
Anexo C- Resolução N.10/CME/2010 que estabelece normas e dá orientações
para a realização de matrículas para a Educação infantil e Ensino Fundamental,
no Sistema Municipal de Ensino
116
Anexo D- Organograma da Secretaria Municipal de Educação de Manaus, com
destaque para a presença do Conselho municipal de educação (CME-Manaus)
117
Anexo E- Projeto de Lei N. 362/2013 da Câmara Municipal de Manaus (CMM)
que dispõe sobre a determinação de divulgação da Lista de Espera nos Centros
Municipais de Educação infantil (CMEIS) e creches públicas.
118
Continuação do Anexo E- Projeto de Lei N. 362/2013 da Câmara Municipal de
Manaus (CMM)
119
Anexo F- Extrato de Termo Aditivo ao Convênio N.005/2013 publicado no Diário
Oficial de Manaus, tendo como partícipes o Município de Manaus e a Polícia
Militar do Amazonas referente ao atendimento de 40% da demanda de um total
de 457 crianças da faixa-etária entre 06 (seis) meses a 06 (seis) anos
incompletos matriculadas na rede de educação municipal.
120
Anexo G- Fl.01 da Ação civil pública (ACP) promovida pelo MPE-AM, com
pedido de liminar para sanar déficit de vagas em creches na cidade de Manaus.
121
Continuação do Anexo G- Fragmento do texto da Ação civil pública (ACP)
promovida pelo MPE-AM, com pedido de liminar para sanar déficit de vagas em
creches na cidade de Manaus.
122
Anexo H- Reprodução do Discurso na Câmara dos Deputados/Brasília-DF,
referindo-se à inauguração, em 2008, da primeira creche da rede municipal de
educação em Manaus-Am.
123
Continuação do Anexo H- Reprodução do Discurso na Câmara dos
Deputados/Brasília-DF referindo-se à inauguração, em 2008, da primeira
creche da rede municipal de educação em Manaus-Am.
124
FÓRUM
AMAZO
NENSEDEEDUCAÇÃO
INFA
NTIL
ANEXO I- Carta de Princípios aprovada na instalação do Fórum Amazonense de Educação Infantil a partir da articulação com o Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil (MIEIB)
Nós, professores, professoras, pais, mães, comunitários, instituições e organizações sociais presentes neste evento e estando insatisfeitos com as políticas públicas para
a infância no Estado do Amazonas, entendemos que a construção da participação popular por meio do FÓRUM AMAZONENSE DE EDUCAÇÃO INFANTIL se faz necessária;
Entendemos que a participação é compromisso com o desenvolvimento da região e, por isso, é possível construir um projeto
coletivo em favor da Educação Infantil.
Neste sentido, o Fórum Amazonense de Educação Infantil – FAMEI tem como princípios básicos:
* Estabelecer uma instância de discussão, mobilização, proposição e divulgação das políticas para a Educação Infantil no Estado do Amazonas; * Ser espaço suprapartidário, aberto ao pluralismo e à diversidade reconhecidamente multicultural da região amazônica, articulado por instituições, órgãos, entidades e pessoas comprometidas com a expansão e melhoria da Educação Infantil no Estado do Amazonas;
* Ser espaço permanente de discussão e atuação democrática, não se restringindo a momentos pontuais;
* Ser instância de socialização de informações, articulação e mobilização de parceiros, visando uma conjunção de esforços para implementar ações no sentido de garantir o direito à Educação Infantil de qualidade socialmente referenciada e subsidiar a atuação das instituições participantes;
* Divulgar para a sociedade a legislação que assegura os direitos fundamentais das crianças de zero a seis anos;
* Lutar para o cumprimento da legislação acerca da infância de zero a seis anos; * Lutar pela implementação de propostas pedagógicas, elaboradas pelo coletivo das
instituições, que contemplem as particularidades do desenvolvimento da criança dessa faixa etária e a indissociabilidade da função educar-cuidar; * Lutar coletiva e permanentemente pela efetivação dos direitos fundamentais das crianças de 0 a 6 anos assegurados por lei (Constituição Federal, Estatuto da Criança e do Adolescente e Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional); * Lutar pela transparência na aplicação dos recursos na educação infantil;
* Lutar pela formação inicial e continuada dos profissionais da educação infantil no sentido da sua inclusão nas políticas nacional, estadual e municipal de formação dos trabalhadores em educação; * Lutar pelo atendimento a demanda por creches e pré-escolas, em ambientes adequados, de acordo com as regulamentações pertinentes de âmbito federal, estadual e municipal.
Aprovada na assembléia de instalação do Fórum Amazonense de Educação Infantil, em 06 de junho de 2007.
125
ANEXO J- Ementas das Disciplinas do Programa de Mestrado em
Educação/Campus do Pantanal/UFMS: 1. Educação e Direitos Humanos e 2.
Políticas Públicas para a Infância e Adolescência.