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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL CAMPUS DO PANTANAL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO/MESTRADO EM EDUCAÇÃO ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: EDUCAÇÃO SOCIAL IVANILDE DOS SANTOS MAFRA O DIREITO À EDUCAÇÃO DA CRIANÇA PEQUENA NA CIDADE DE MANAUS: NOÇÕES PRESENTES ENTRE AS MÃES DE CLASSES POPULARES Corumbá, maio de 2014.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL CAMPUS DO PANTANAL

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO/MESTRADO EM EDUCAÇÃO ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: EDUCAÇÃO SOCIAL

IVANILDE DOS SANTOS MAFRA

O DIREITO À EDUCAÇÃO DA CRIANÇA PEQUENA NA CIDADE DE MANAUS:

NOÇÕES PRESENTES ENTRE AS MÃES DE CLASSES POPULARES

Corumbá, maio de 2014.

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IVANILDE DOS SANTOS MAFRA

O DIREITO À EDUCAÇÃO DA CRIANÇA PEQUENA NA CIDADE DE MANAUS:

NOÇÕES PRESENTES ENTRE AS MÃES DE CLASSES POPULARES

Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Educação, Campus do Pantanal, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, como requisito parcial para obtenção do título de mestre em Educação, área de concentração em educação social, sob a orientação da Profª. Dra. Anamaria Santana da Silva.

Corumbá, maio de 2014.

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Dados Internacional de Catalogação de Publicação (CIP)

M237v

Mafra,Ivanilde dos Santos

O Direito à Educação da Criança Pequena na Cidade de Manaus:

noções presentes entre as mães de classes populares./ Ivanilde dos

Santos Mafra. – Corumbá : Universidade Federal de Mato Grosso do Sul

– Campus do Pantanal , 2014.

124f. :il ; 30 cm

Orientadora: Profª. Drª Anamaria Santana da SIlva

Dissertação (Mestrado) Programa de Pós Graduação em Educação -

Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – Campus do Pantanal,

2014.

1. Criança. 2. Creches. 3.Mães – trabalhadoras 4.Manaus I.Título

CDU 373.2 (811.3)

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Dedico À Maria Conga. Às crianças pequenas da Amazônia e do Pantanal. Ao Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil (MIEIB) Às militantes sociais, docentes e pesquisadoras Vanderlete Pereira da Silva, Elisabeth Mascarello de Andrade e Anamaria Santana da Silva, por todas as sementes que dispuseram em meu caminho afetivo e acadêmico. Ao meu amigo Sérgio Monteiro de Lima, pelos sonhos, lutas e realidades compartilhadas.

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AGRADECIMENTOS

Eu quero agradecer a Deus. Mas, não ao deus de religiões ou religiosos

profissionais. Agradeço ao Princípio Sagrado que emana das pessoas que

cooperam com a melhoria da vida coletiva e, por consequência, consigo mesmas.

Agradeço à minha cidade da floresta, Manaus: meu rio, minha terra, meu fogo, meu

ar! Agradeço aos identificados e aos anônimos amazonenses, sul-mato-grossenses

e demais brasileiros que, comungando com as minhas mãos, inspiraram a

realização deste estudo. Assim, listo a seguir seres humanos que estiveram comigo

e que também estão nos caminhos de tantas outras pessoas comprometidas com o

bem de todos/as:

Anamaria da Silva (a orientadora); Regina Aparecida de Souza e Suely

Mello (examinadoras da banca de qualificação e defesa); Hajime NozaKi, Edelir

Garcia, Dimair França, Ana Lúcia Espíndola e Mónica Kassar (docentes do

PPGE/CPAN/UFMS); Cleide de Paula (secretária do PPGE/CPAN/UFMS); Isabel

dos Santos (minha mãe); Raimundo Mafra (meu pai) Roberto, Renato, Ruben, Rui e

Ivone Mafra (meus irmãos); Ana Clara, Julius e Valentina Lima (crianças manauaras

que migraram para Corumbá/MS); Alexandre Oliveira, Debora Mendonça, Fernanda

Serafim, Gladimar Cáceres, Idyanara Machado, Márcia Souza, Maria Inez

Figueiredo, Rafael Françozo, Reinária Carvalho, Vanessa Costa, Vânia Lima

(colegas da turma 2012-2014 do PPGE/CPAN/UFMS); Camilo Assunção e Grupo

Singeleza (amigos de militância da zona leste da cidade de Manaus); Elionora

Ferreira (minha amiga e pedagoga da cidade de Manaus-AM) Eliseu Souza ( meu

amigo e pedagogo da cidade de Parintins-AM). Bernardino Albuquerque (Diretor -

presidente da FVS); Maria Olívia Simão (diretora-presidente da FAPEAM); Márcia

Carvalho Barbosa, Wladmary Fialho, Maria Auxiliadora Queiroz, Valéria Silva,

Oneide Sousa, Miberval Folgosa, Elidiane Cavalcante, Jaqueline Macedo, Joana

Cavalcante, Raphael Pereira (profissionais da Fundação de Vigilância em Saúde) e

Ronney Feitoza (docente da Universidade Federal do Amazonas). Obrigada por me

auxiliarem nas metamorfoses necessárias a cada pequena ou grande etapa do

sonho de realização desta pesquisa. Que a alegria da construção deste

conhecimento seja também compartilhada e expandida entre o caminho de todos.

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A centralidade da infância no século XXI constitui-se, assim, por um duplo jogo: por um lado, a visibilidade das crianças e de suas misérias e, por outro, a invisibilidade das condições econômico-sociais que as produzem. Essa operação, que poderia ser compreendida apenas como um mecanismo discursivo das novas liturgias sobre a infância, de fato, expressa um processo perverso de repolitização da concepção de pobreza, na medida em que se introduz uma disjunção entre as condições estruturais que a produzem e suas formas de manifestação.

(Campos, 2010)

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RESUMO

Este estudo tem como foco o direito à educação da criança pequena, no contexto da cidade de Manaus-AM. Buscamos conhecer as noções sobre direito da criança de zero a três anos presentes entre as mães trabalhadoras moradoras do bairro Jorge Teixeira. De modo específico, atentamos ao discurso presente entre as mães correlacionado ao déficit de vagas na rede pública de creches. Os pressupostos teórico-metodológicos do estudo referenciaram-se no materialismo histórico-dialético, recorrendo-se a categoria da totalidade. Utilizamos, igualmente, a análise documental e a entrevista semiestruturada. Como resultados das análises, identificamos a baixa oferta de vagas nas unidades de creche recém-construídas (2008-2013) e a focalização no atendimento acima de 4 anos de idade, cindindo a oferta entre creche e pré-escola, primeira etapa da Educação básica no Brasil (LDB 9394/1996). As noções apreendidas entre as mães evidenciam e ratificam a necessidade de oferta de creches para as crianças das classes populares da cidade de Manaus. Termos-chave: criança pequena; creche em Manaus; direito à educação; mães de classes populares.

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ABSTRACT

This study focuses directly on the education of small children, taking place in the city of Manaus-AM. We have tried to have a better notion about the laws for children from zero to three years of age, present among working mothers who live in the residential area of Jorge Teixeira. In a specific way, we paid attention to what the mothers had to say about the lack of vacancies in daycare centers of the public system. The theoretical and methodological assumptions of the study referred to historical-dialectical materialism, resorting to the category of totality. We also used document analysis and semi-structured interviews. With the results of the analysis, we identified a low offer of vacancies in the recently built daycare units (2008-2013) as well as focus in the service of over 4 years of age, splitting the offer between daycare and preschool, the first stage of basic education in Brazil (LDB 9394/1996). The results taken from the mothers show and attest to the need for the provision of daycare centers for the children of the working classes of the city of Manaus. Keys Words: small child; daycare in Manaus; the right to education; mothers in working classes.

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

ACP- Ação Civil Pública

AM- Amazonas

BM – Banco Mundial

BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento

CF – Constituição Federal de 1988

CLT – Consolidação das Leis do Trabalho

CME – Conselho Municipal de Educação

CMEI – Centro Municipal de Educação Infantil

CMM- Câmara municipal de Manaus

CNDM - Conselho Nacional dos Direitos da Mulher

COEDI- Coordenação Geral de Educação Infanil

CONANDA - Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente

CPAN - Campus do Pantanal

DNCr – Departamento Nacional da Criança

EC – Emenda Constitucional

ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente

EI – Educação Infantil

FUNDEB – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e

Valorização dos Profissionais da Educação

FUNDEF – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e

Valorização do Magistério

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais

IPAI - Instituto da Proteção e Assistência à Infância

LBA – Legião Brasileira de Assistência

LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação

MDS - Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à fome

MEC - Ministério da Educação e da Cultura

MPE- Ministério Público Estadual

MIEIB – Movimento Interfórum de Educação Infantil do Brasil

ONU - Organizações das Nações Unidas

PIM – Polo Industrial de Manaus

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PL – Projeto de Lei

PNE – Plano Nacional de Educação

PPGE- Programa de pós-graduação em Educação

PROURBIS - Programa de Desenvolvimento Urbano e Inclusão Socioambiental de

Manaus

SAM - Serviço de Assistência ao Menor

SEMED – Secretaria Municipal de Educação

SESI – Serviço Social da Indústria

TLCE- Termo de Live Consentimento e Esclarecimento

UFAM- Universidade Federal do Amazonas

UFMS - Universidade Federal de Mato Grosso do Sul

UNCME - União Nacional de Conselhos Municipais de Educação

UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação e a Ciência

UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância

ZFM – Zona Franca de Manaus

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LISTA DE QUADROS

QUADRO 1 – Creches na cidade de Manaus: ano de construção, nome do prefeito,

quantidade e legislação nacional......................................................................... 65

QUADRO 2 – População de 0 a 3 anos residente na cidade de Manaus por zona

da cidade, no ano de 2010................................................................................. 66

QUADRO 3 – Rede pública de creches da cidade de Manaus, ano de inauguração,

localização e quantidade de vagas oferecidas (2008-2013)................................... 67

QUADRO 4 – Perfil das mães participantes da pesquisa................................... 72

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LISTA DE APÊNDICES

Apêndice A - Termo de consentimento livre e esclarecido para as mães de classes

populares................................................................................................................. 102

Apêndice B – Roteiro de entrevista semiestruturada ............................................ 104

Apêndice C - Quadro-síntese de transcrição das respostas apresentadas pelas

mães sobre o direito à creche................................................................................. 106

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO......................................................................................................

14

CAPÍTULO I – INFÂNCIA E CRIANÇA NO BRASIL ......................................... 1.1 Brasil-Colônia: Mortes, abandonos e sobrevivência das crianças................................................................................................................ 1.2 A transição do Brasil-Colônia para o Brasil-Império......................................

30

31 36

1.3 República: a criança como riqueza da Nação............................................ 1.4 Processo de industrialização: metamorfoses na organização familiar e o papel da mulher ................................................................................................... 1.4.1 O movimento de mulheres e a luta por creche............................................ 1.5 Os processos de redemocratização no Brasil e a Constituição Federal de 1988....................................................................................................................... 1.6 Educação para crianças pequenas: ruptura formal com a concepção de amparo e assistência...........................................................................................

37

42 45

47

52

CAPITULO II – O DIREITO À EDUCAÇÃO DA CRIANÇA PEQUENA: CONFIGURAÇÕES PRESENTES NA CIDADE DE MANAUS-AM.......................

58

2.1 Conselho municipal de Educação: órgão regulador do direito à

educação.................................................................................................................

2.2 A oferta de vagas para a educação da criança pequena em Manaus..............

2.3 A rede pública de creches existente (2008-2013)............................................

2.4. As mães das crianças pequenas da cidade de Manaus ................................ 2.4.1 Onde estão localizadas as mães e as crianças: o bairro .............................

2.4.2 O perfil das mães..........................................................................................

2.4.3 Noções sobre o direito à educação da criança pequena..............................

2.4.3.1 A importância da vaga em creche.............................................................

2.4.3.2 A creche como direito...............................................................................

2.4.3.3. A função da creche...................................................................................

2. 4.3.4 Funcionamento da creche/condições de atendimento.............................

59

63

66

69

69

72

75

76

80

81

82

CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................. 88

REFERÊNCIAS .................................................................................................. APÊNDICES........................................................................................................ ANEXOS..............................................................................................................

93 101 111

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INTRODUÇÃO

A construção do objeto de estudo: alguns antecedentes

O presente estudo tem como objetivo conhecer a configuração do direito

à educação da criança de zero a três anos, na relação entre os dispositivos legais e

a realidade do atendimento, destacando as noções sobre o direito à creche presente

entre as mães de classes populares.

A opção por submeter o projeto da pesquisa e sua realização ao

Programa de pós-graduação do Pantanal/Universidade Federal do Mato Grosso do

Sul (PPGE/CPAN/UFMS) apresentou-se no conjunto de alguns antecedentes. O

contorno da caminhada e a direção assumida tomaram como trajetória as

correlações entre as questões de estudos concentradas no Programa de pós-

graduação do Pantanal (PPGE/CPAN/UFMS) e a problemática concernente ao

direito à educação na cidade de Manaus-Am.

Nesse sentido, inicialmente, a busca por informações na página eletrônica

do PPGE/CPAN tornou possível relacionar a configuração acadêmica estabelecida

pelo Programa e o objeto deste estudo. A linha de pesquisa “Políticas, práticas

institucionais e exclusão/inclusão social” permitiu delimitar a ampla temática e

delinear o projeto. Desta correlação, sobressaíram-se três focos, previamente,

sustentando a ideia de pesquisa instigada pelo problema. Conforme a ideia que nos

interessava, destacaram-se três objetivos do Programa do CPAN/UFMS:

1. Desenvolver pesquisas com foco direcionado à garantia dos Direitos (Educação, Saúde, Assistência, Trabalho) da população de crianças, adolescentes e suas famílias; 2. Realizar pesquisas sobre a implantação, implementação e avaliação de políticas públicas voltadas à infância e à adolescência; 3. Oferecer subsídios para elaboração de políticas públicas (saberes e

práticas inovadores), principalmente, aquelas voltadas às crianças e aos adolescentes; (PPGE/CPAN, 2013)

1

1 http://ppgecpan.sites.ufms.br/apresentacao

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Elegemos a perspectiva de que a experiência entre os pesquisadores do

PPGE/CPAN com os estudos relacionados às demandas e sujeitos periféricos na

ordem social estabelecida possibilitaria atender a intenção e a necessidade

investigativa contida em nossa proposição sobre a região norte e mais

especificamente Manaus-AM. Assim, começamos a escrever o projeto com esse

esboço de discussões e pressupostos iniciais. A clareza quanto à concepção inicial

do problema foi possivelmente, o mais difícil para ingressar ao programa de

mestrado stricto sensu. Contudo, a necessidade de sistematizar o horizonte pensado

foi determinante nesse compasso de “organização do olhar” de iniciante

pesquisadora.

Assim, a preocupação e escolha por entender a problemática da criança

pequena no Brasil, no recorte de sua repercussão social, constituiu-se no pano de

fundo para instigar a formulação do problema, desde o projeto até esta efetiva

execução do trabalho.

A construção do problema que trouxemos sobre a criança pequena da

cidade de Manaus compreendeu também a interlocução com o cenário nacional, por

meio da interação, debate e atuação dentro do Movimento Interfóruns de Educação

do Brasil/ Fórum Amazonense de Educação Infantil (MIEIB)2.

Nesse aspecto, a busca por investigar um problema que nos ajudasse na

apropriação do conhecimento sobre o direito da criança no Brasil baseou-se, tanto

pela atuação junto ao MIEIB, quanto pela proximidade na atividade como pedagoga,

em que visualizamos as limitações implicadas quanto ao direito da criança.

Daí que nossas opções acadêmicas pretendiam não uma digressão, mas

em procedimento artesanal poder acentuar, no processo de pesquisa, o ecoar das

múltiplas vozes vindas da trajetória que circunscrevia nossas práticas. O trajeto

brevemente apresentado localiza-se no entendimento da relação sujeito-objeto e a

correlação de forças e interação materializadas para o estudo do direito à educação.

O cenário problematizado por esta pesquisa foi processado como ponte

estabelecida entre o existente e identificado e o que pretendíamos construir em

2 Desde o ano de 2007, com a mobilização para a instalação do Fórum Amazonense de Educação

Infantil, pedagogos de Manaus atuam na interlocução interna sobre a causa do direito da criança pequena na cidade de Manaus. Tal articulação decorre da participação na pauta nacional originada nas discussões e Encontros Nacionais e regionais promovidos pelo Movimento Interfóruns de Educação infantil do Brasil/MIEIB.

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exercício e compasso de rigorosa aproximação, a fim de deslindar o mais específico

de nosso objeto.

Contextualizando o problema de pesquisa

A ideia de criança e infância pensada na modernidade como período

privilegiado de desenvolvimento humano, ainda está por se consolidar na história

brasileira. Embora os marcos legais tenham se ampliado na garantia dos direitos, o

tratamento dispensado às crianças e suas infâncias aponta para o longo caminho a

ser percorrido ainda, no sentido de assegurar a dignidade a uma parcela da

população bastante negligenciada.

A partir da hegemonia do pensamento europeu, as ideias discutidas sobre

criança e infância referem-se a transformações originadas com o panorama do

advento da modernidade (ARIÉS, 1978). No Brasil, demarcando a gênese de uma

preocupação com a ideia de infância, podemos identificar a presença desse

conceito no conjunto do ideário da concepção de Estado-nação (início do século

XX). A partir das condições materiais daquele contexto político, social e econômico,

foi estabelecido no Brasil um discurso coadunado com forças dominantes. Entre as

leituras ideológicas presentes foram enfatizadas ideias da criança como futuro do

Brasil.

Estudos como de Rizzini (1995) problematizam a atribuição à criança do

papel de grande responsável pela construção do Brasil. Nas análises da autora

destacou-se que “a infância foi eleita pelas elites brasileiras como o principal

substrato a ser moldado em seu projeto de 'construção da nação' (RIZZINI, 1995,

p.19)”. Nessa convivência com forças desenvolvimentistas antagônicas, a história

do atendimento à criança no Brasil, principalmente dos filhos do nascente

proletariado, foi caracterizada pela influência do caráter assistencialista. A

assistência oferecida objetivava principalmente a guarda das crianças abandonadas

que, por motivos sociais e econômicos, perdiam a condição de acolhimento dentro

da esfera familiar (idem).

Nessa perspectiva, no lugar do enfrentamento pelo Estado, das novas

questões sociais sobre a infância, foram privilegiadas ações focais de cunho

assistencialista e filantrópico. Nesse horizonte, o percurso do conceito de infância

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foi historicamente contextualizado nas instâncias privadas, filantrópicas, jurídicas e

de saúde pública (CAMPOS, 1999).

Assim, resultante do embate dos diferentes olhares sobre a infância é

possível observar um panorama de avanços e recuos próprios do processo

histórico. O contexto das iniciativas e da legislação para a infância correspondeu-se

à instauração do Estado moderno brasileiro. Nesse aspecto, podemos afirmar que

relações entre a infância e os processos políticos no Brasil foram acentuando-se

com o debate sobre o direito das crianças no conjunto das transformações

construídas pela sociedade (FALEIROS, 2005).

Defendendo os espaços do pensamento sobre a infância brasileira

localizamos algumas instâncias propulsoras. Nesse sentido, destacamos três

esferas de construção da condição pública do debate sobre a infância: as práticas

sociais, o ordenamento das políticas sociais e, estrategicamente, a consolidação

acadêmica de conhecimentos pertinentes à área da infância (SILVA, 1999;

KRAMER, 2003).

O direito da criança à educação e o dever do Estado anunciado

legalmente a partir da Constituição de 1988 é destacado, entre outros aspectos, por

Craidy (1998):

A Constituição Brasileira de 1988 inaugurou uma nova fase doutrinária em relação à criança e ao adolescente. Foi a primeira Constituição Brasileira que considerou explicitamente a criança como sujeito de direitos e também foi a primeira Constituição Brasileira que falou em creches e pré-escolas. (1998, p. 71).

A condição determinada pela Constituição Federal de 1988 de pleno

direito para a criança pequena adicionou-se ao estabelecimento de um relevante

documento internacional. Foi assumido um compromisso protagonizado por 192

países destinando prioridade às crianças, sendo ratificado pelo Brasil em 1990. A

Convenção sobre os Direitos da Criança (1989), adotada pela Assembleia Geral das

Organizações das Nações Unidas (ONU) caracterizou-se pela afirmação de um

conjunto de direitos fundamentais, econômicos, sociais e culturais para as crianças

e adolescentes.

O panorama de legislações sobre a criança pequena subsequente à

Constituição de 1988 vai mobilizando os atores sociais para a reivindicação do

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atendimento à infância em sua totalidade. Contudo, a consolidação normativa no

campo dos direitos da infância no Brasil não tem sido suficiente para que gestores

implementem políticas públicas consoantes às determinações legais.

No cenário quantitativo de creches públicas no Brasil, a realidade é

precária. Na realidade da capital do Amazonas, Manaus, o déficit é gravíssimo;

oficialmente existem apenas cinco creches públicas3, sem que possamos afirmar

que esteja configurada uma rede de atendimento ao direito à educação da criança

de zero a três anos.

Notadamente, as crianças brasileiras excluídas do acesso às creches,

como direito social, foram abandonadas do contemplar mais atento para sua

condição de sujeito de cidadania.

Assim, a sociedade convive com os avanços anunciados na legislação

desde a Constituição Federal, em 1988, seguida pelo Estatuto da Criança e do

Adolescente (1990) e Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996). No

entanto, constatamos sérios problemas nas diversas regiões brasileiras,

principalmente quando direcionamos o olhar para as crianças pequenas

(ROSEMBERG,1999)

É bem verdade que numa visão panorâmica sobre a área social, nos

deparamos com indicadores que revelam distinção em termos de cumprimento e

descumprimento da legislação educacional nas diferentes regiões brasileiras. No

atual censo escolar, por exemplo, a região norte aparece como a mais distanciada

no que diz respeito ao atendimento a demanda de educação infantil, em particular a

população de 0 a 3 anos (BRASIL/MEC/INEP/CENSO ESCOLAR, 2013).

Na visão de Rosemberg (2011), podemos pontuar as gradações das

desigualdades e discriminações quando o tratamento é sobre a criança de zero a

três anos. Assim considera a autora:

Nos últimos anos, minha reflexão acadêmica e prática política têm se voltado principalmente para a creche, instituição para os bebês, segmento social que considero intensamente discriminado no Brasil. (...) considero que, em nossas reflexões acadêmicas e ações políticas, o silenciamento sobre os bebês constitui discriminação. Silenciar sobre as especificidades da creche também significa discriminação, pois, além de acolher bebês, no Brasil, a creche não foi pensada para a “produção” de qualquer ser humano, mas a dos(as) filhos(as) recém libertos(as) de mães escravas. Assim, o primeiro texto sobre creche de que se tem notícia no país foi publicado na

3 Informação publicada na página eletrônica oficial da Prefeitura municipal de Manaus.

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revista A mãi de família, em 1879, por um médico afeto à roda dos expostos (doutor Vinelli), preocupado com o destino de crianças filhas de mães escravas. A história da creche no Brasil mantém essa marca de origem, bem como a identidade de seus profissionais. (p.17 e 18)

Corroborando a discriminação apontada por Rosemberg, entre os estados

da região norte, o Amazonas demonstra uma situação bastante emblemática. Sua

capital é uma das maiores arrecadadoras de impostos do país4, concentrando

serviços privados semelhantes às demais grandes capitais. Entretanto, quando se

trata de atendimento às demandas da infância, identifica-se uma estagnação nas

políticas públicas para o setor, conflitando com as demais cidades, cujos recursos

não são proporcionais à condição econômica ostentada por Manaus, onde existe

desde 1967, um polo industrial, sustentado pelos incentivos fiscais, denominado

Zona Franca de Manaus (AMAZONAS, 2008).

Acreditamos que investigar as razões pelas quais vivem o silêncio e a

negação de uma história do direito da infância na cidade de Manaus deve nos ajudar

na batalha de significados enunciada por Silva (1999b, p.8):

É precisamente no campo da educação que hoje se trava, talvez uma das batalhas mais decisivas em torno dos significados. Estão em jogo nessa luta, os significados do social, do humano, do político, do econômico, do cultural e, naquilo que nos concerne, do educativo. Nessa luta, a educação é um campo de batalha estratégico. A educação não é apenas um dos significados que estão redefinidos: ela é o campo preferencial de confronto dos diferentes significados. Trava-se aí uma batalha de vida e morte para se decidir quais significados governarão a vida social

Portanto, a realização da presente pesquisa decorreu da convivência com

a causa dos direitos da infância brasileira e a compreensão da necessidade de

desnaturalização da situação de exclusão vigente que coloca as crianças da região

norte num espaço de distanciamento dos direitos constituídos, condição inadmissível

no conjunto da sociedade contemporânea.

Atentamos ao problema enfrentado pela criança da cidade de Manaus, na

tentativa de compreender a configuração de ideias sobre infância e criança presente

4 Conforme a Secretaria Municipal de Finanças, Planejamento e Tecnologia da Informação (SEMEF),

para o ano de 2014, a cidade de Manaus apresentou um orçamento 17% maior que no exercício anterior. O orçamento global da prefeitura para o ano de 2014 é de R$ 4 bilhões, sendo mais de R$ 2,1 bilhões arrecadados do tesouro municipal (recursos próprios). De acordo com os números de arrecadação, o orçamento municipal ainda prevê a transferência de R$ 919 milhões em recursos da União ao município, sendo R$ 252 milhões provindos de convênios com o Governo Federal. Destaca-se nesta atual gestão a implantação do escritório de projetos da Prefeitura, que atua exclusivamente na captação de recursos federais.

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entre as mães. Nessa perspectiva, o estudo busca apreender as noções sobre o

direito da criança pequena de zero a três anos entre as mães de classes populares.

Em face desse entendimento, corroboramos Khulmann Jr. quando alerta para como

pensarmos a história da infância entre as crianças pobres:

É preciso considerar a infância como uma condição da criança. O conjunto das experiências vividas por elas em diferentes lugares históricos, geográficos e sociais é muito mais do que uma representação dos adultos sobre esta fase da vida. É preciso conhecer as representações de infância e considerar as crianças concretas, localizá-las nas relações sociais, etc., reconhecê-las como produtoras de história. Desse ponto de vista, torna-se difícil afirmar que uma determinada criança teve ou não teve infância. Seria melhor perguntar como é, ou como foi, sua infância. Porque geralmente associa o não ter infância a uma característica das crianças pobres. Mas, com isso, o significado de infância se torna imediatamente abstrato, e essas pessoas, excluídas de direitos básicos, receberão a culpa de não terem sido as crianças que foram, da forma como foi possível, irreversivelmente (KUHLMANN JR, 1998, p. 30-31)

O autor nos alerta para a convivência com olhares sobre a infância que

tendem a reduzir esse período da existência humana a uma categoria abstrata.

Partir de um conceito de ausência da vida de infância entre as classes populares,

excluídas dos direitos básicos, pode resultar num lugar de dupla exclusão. Por um

lado, a falta de acesso público à educação e por outro, a desconsideração da

abrangência da totalidade concreta em que se produz o primeiro momento da

história de vida de tantos homens e mulheres de classes populares.

A experiência problematizadora do debate deste tema nos fóruns sobre

educação e infância permite enfocar que, em última análise, a ideia deste estudo

sintetiza também a necessidade de ampliar a produção científica na área. Estudar

sobre as formas de compreensão social do direito à educação sinaliza a

necessidade de novos caminhos a trilhar. Acreditamos que o desvelamento das

contradições pode conter um possível canal de diálogo com as famílias, capaz de

favorecer a reconstrução do olhar sobre criança e infância, possível colaborador da

situação de exclusão da qual as crianças são historicamente vítimas.

No campo de suas especificidades, este estudo apresenta dois objetivos:

1. Conhecer como está constituída/desconstituída a rede pública de creches na

cidade de Manaus-AM e 2. Identificar noções sobre direito da criança pequena

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presentes entre as mães trabalhadoras moradoras de um bairro periférico da cidade

de Manaus-AM;

Percurso Metodológico

No âmbito das ciências humanas o processo de investigação

desencadeia um conjunto de especificidades na relação sujeito e objeto. As

especificidades e desafios decorrem da própria complexidade pertinente à

aproximação com o campo de estudo nas ciências sociais. Na condição dialética,

adotada como dimensão do processo, a relação entre sujeito e objeto implica o

reconhecimento do homem como sujeito histórico e social.

Neste estudo, a partir da necessidade de aproximação imposta pelo real,

tomamos como caminho teórico-metodológico a abordagem do materialismo

histórico-dialético (MARX, 2008), referenciando-nos pela categoria da totalidade.

A discussão sobre o direito à educação aqui é tratada como uma

particularidade que possui mediações com a totalidade das relações nas quais a

sociedade convive contemporaneamente. Consideramos relevante nos aproximar

dos dados quer fossem em condição latente ou manifesta na superfície social a fim

de compreendermos, dialeticamente, a totalidade investigada, já que “o fenômeno

indica a essência, e ao mesmo tempo a esconde [...]” (KOSIK, 1995, p.11).

Nosso interesse de decomposição do todo aparente (KOSIK, 1995)

percorreu a perspectiva de uma teoria materialista do conhecimento. Nesta direção

a realidade é um todo dialético na qual a concretização se desloca das partes para o

todo e vice-versa.

As definições do percurso da pesquisa foram sendo tecidas e confirmadas

aos poucos e principalmente circunscritas à interlocução entre as aspirações do

projeto inicial e as condições materiais possíveis. Nessa perspectiva, a correlação

entre as disciplinas do curso de mestrado, a linha de pesquisa 1. Políticas, práticas

institucionais e exclusão/inclusão social e o problema investigado permitiram

contornar mais detidamente o objeto, especialmente no âmbito da disciplina

“Políticas públicas, infância e adolescência”, oferecida pelo PPGE/CPAN/UFMS5.

5 A ementa da disciplina está disponibilizada como anexo J deste estudo.

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Em face dessas correlações fomos processando as buscas sobre o objeto

de pesquisa na perspectiva da compreensão histórica e dialética. Procuramos

apreender as noções sobre o direito da criança, entre as mães de classes populares,

sem tratá-las como parte de uma população abstrata. As mães (sujeitos) e o

contexto em que viviam emergiram de um todo composto de determinações e

múltiplas relações.

No contato com os obstáculos da prática social do direito, elegemos a

busca de noções sobre direito entre as mães de classes populares imersas no senso

comum. Assim, a opção pelo termo “noções” foi referenciado no conceito de

pseudoconcreticidade de Karel Kosik (1995). Deste modo, neste campo de estudo,

pontuamos a conceituação do autor (idem):

O complexo dos fenômenos que povoam o ambiente cotidiano e a atmosfera comum da vida humana, que, com a sua regularidade, imediatismo e evidência, penetram na consciência dos indivíduos agentes, assumindo um aspecto independente e natural, constitui o mundo da pseudoconcreticidade (KOSIK, 2010, p. 15)

Na abordagem do autor, a pseudoconcreticidade promove “a práxis

utilitária” (idem), um estágio distante da compreensão consciente do real. Assim na

trajetória teórico-metodológica do estudo, buscamos avançar para além da

pseudoconcreticidade a fim de aprofundar as análises e distanciá-las do meramente

“natural” identificado entre as mães.

Para Marx (2009), a postura concernente ao materialismo histórico

dialético, centra-se substancialmente na concepção ontológica de homem, definida

não idealmente (via pensamento), mas materialmente, pela produção de sua

existência. Assim, para o trajeto de encontro, que não tomou os sujeitos da pesquisa

como meros informantes, fomos à busca de dados por meio da entrevista

semiestruturada. Nesse aspecto, prevaleceu o princípio gnosiológico no qual o

sujeito não tem neutralidade mediante o objeto investigado.

Dessa forma, a dimensão tornada central na referência teórico-

metodológica desta pesquisa e a consequente apreensão do objeto deste estudo é

de que não podíamos reduzir o aparente descaso e descumprimento dos direitos da

criança pequena à sua representação fenomênica (KOSIK,1995). Nesse sentido,

não podíamos proceder, por exemplo, pela simples reunião das percepções obtidas

junto às mães das crianças ou pelo mapeamento das políticas sociais vigentes.

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Consideramos a configuração da sociedade concreta e a inter-relação de fatores

que sustentam que uma realidade de violação do direito à infância chegue a se

dispor como natural (FRIGOTTO, 2003).

A compreensão do todo estruturado remete a busca pelas conexões para

reconstituir a realidade. A pseudoconcreticidade é uma superfície com a qual nos

deparamos:

A maneira como os indivíduos manifestam sua vida reflete exatamente o que eles são. O que eles são coincide, pois, com sua produção, isto é, tanto com o que eles produzem quanto com a maneira como produzem. O que os indivíduos são depende, portanto, das condições materiais da sua produção (MARX; ENGELS, 1998, p.10-1).

Conhecer as manifestações é necessário para a compreensão da

realidade na qual está o sujeito concreto. Entender as expressões e as formas que

emergem enquanto pseudoconcreticidade nos ajuda na busca pelas conexões que

desvelam o agir dos homens na produção de suas vidas.

Nessa dimensão, a estratégia teórica implicou a revisão de literatura e o

levantamento de informações sobre a rede pública de creches na cidade de Manaus.

A estratégia do estudo de campo foi a realização da entrevista semiestruturada com

os sujeitos.

Assim, durante o período de trabalho de campo e busca por informações

que subsidiassem nossa compreensão, visitamos as cinco creches existentes em

Manaus, intencionando verificar se havia lista de espera da demanda por vagas pela

comunidade. Entretanto, apesar de haver a procura, todos os registros ficavam

apenas na oralidade, sem a formalização efetiva da busca das mães pelas vagas

para seus filhos. Compartilhando a definição de problema de pesquisa como

caracteriza Marconi e Lakatos (2008) ressaltamos a relevância da dificuldade,

teórica ou prática, para o qual se deva encontrar uma solução.

Nesse pressuposto tórico-metodológico, a análise não poderia ser linear

ou isolada da dialética que a produziu na totalidade. Sobre a perspectiva da

formulação do conceito de totalidade, assim considerou Lukács (2012):

A categoria de totalidade significa (...), de um lado, que a realidade objetiva é um todo coerente em que cada elemento está, de uma maneira ou de outra, em relação com cada elemento e, de outro lado, que essas relações formam, na própria realidade objetiva, correlações concretas, conjuntos, unidades, ligados entre si de maneiras completamente diversas, mas sempre determinadas (LUKÁCS, 2012, p.240).

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Deste modo, embora tivéssemos como foco o direito do sujeito criança à

creche, assumimos o entendimento de que a creche é um direito também dos

trabalhadores, pai e mãe da criança (artigo 7°. da Constituição Federal de 1988).

Nesse sentido, o direito à creche foi dimensionado como condição também

relacionada em sua totalidade à cidadania das famílias pobres e trabalhadoras.

No âmbito desse dispositivo legal e com o objetivo de conhecer as noções

de direito a creches, entre as mães de classes populares, interagimos para a

localização e encontro com as mulheres que comporiam a amostra de nosso estudo.

Mediante as orientações contidas no parecer aprovado pelo Comitê de Ética de

Pesquisa, roteiro de entrevista semiestruturada e o Termo de Livre Consentimento e

Esclarecimento (TLCE) 6, buscamos o conhecimento da condição materna e sua

relação com a noção de direitos.

A partir da formulação do instrumento de coleta de dados (o roteiro da

entrevista), delimitamos a pesquisa empírica entre as mães da cidade de Manaus-

AM.7 Com a finalização do instrumento, submetemos sua aprovação a Plataforma

Brasil/Comitê de Ética. Após o roteiro receber parecer favorável, começamos o

trabalho de campo para a escolha das mães que seriam ouvidas.

A seleção da amostra da pesquisa empírica considerou o bairro com

maior população de mães com crianças na faixa etária de zero a três anos.

Conforme dados do censo do IBGE/2010, o local selecionado correspondeu ao

bairro Jorge Teixeira, situado na zona leste da cidade de Manaus.

Na abordagem do público participante da pesquisa solicitamos também

informações de caráter quantitativo. A coleta de tais dados almejou favorecer o foco

e a produção de dados de natureza qualitativa sobre os sujeitos.

Os sujeitos da pesquisa

Partindo da condição de exclusão do direito à creche a seus filhos, os

sujeitos constituintes de nossa pesquisa não foram encontrados por meio das

estatísticas do sistema de ensino. Com o levantamento preliminar sobre o campo,

pudemos visualizar que partiríamos ao encontro de uma realidade em que 100% das

6 Os documentos referidos estão disponíveis como apêndices A e B deste estudo.

7 Foram excluídas mulheres indígenas pela particularidade cultural em que convivem e os limites de

tempo, foco e objetivos definidos para esta dissertação de mestrado.

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crianças do maior bairro da cidade de Manaus não estavam matriculadas em

creches.

Por isso, a aproximação com as famílias moradoras do bairro foi feita

através do grupo da Associação comunitária que possui representantes nas diversas

ruas e comunidades que compõem o bairro.

Os sujeitos participantes deste trabalho foram selecionados, tendo como

base a amostragem intencional (ALMEIDA & FREIRE, 2000). A escolha das mães a

serem entrevistadas, partiu de três critérios previamente estabelecidos para a

composição do grupo: 1. Ser mãe de criança de zero a três anos; 2. Ser mãe de

classe popular; 3. Ser mãe moradora do bairro com maior população de crianças de

zero a três anos de idade.

Neste conjunto de mulheres que tinham filhos entre zero a três anos, o

procedimento para selecionar as mães, atendeu ao critério aleatório de sorteio.

Como resultado, foram contempladas doze diferentes ruas do bairro e uma mãe em

cada uma delas. Totalizando um grupo com 12 mães para ser entrevistado.

Definidas as ruas, iniciamos o contato para explicarmos a relevância da pesquisa e

buscar ajuda para contar com a participação voluntária das mães.

Com o intuito de permitir a interação com o sujeito previamente

selecionado, travamos sucessivas buscas para a aproximação com os as mães em

diferentes horários em que elas agendavam o contato conosco. Entretanto, às vezes

não podiam nos atender. Outras vezes marcavam para mais tarde que o previsto,

todavia no mesmo dia. Outras agendavam para outra semana.

Nesse sentido, fomos construindo possibilidades de contato com o bairro

em que viviam as possíveis entrevistadas. A este procedimento foram se somando

outros elementos (como horário em que a mãe estava mais ocupada com a criança;

horário em que os filhos de idade maior chegavam da escola e poderiam ajudar no

cuidado com a criança de colo; dia em que faltava água o dia todo e que era

impossível encaminhar a rotina como o previsto) que nos ajudaram a melhor

configurar o local de onde surgiriam as falas e escutas para nossas perguntas.

A realização da entrevista semiestruturada possibilitou às mães a

liberdade necessária para discorrer sobre o tema, demarcado pelo roteiro

previamente preparado pela pesquisadora, evitando a dispersão das questões

formuladas.

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Por estarmos nos relacionando com a expectativa de escuta das mães de

classes populares atentamos para os relatos em “estado bruto”. Foi necessário

retirar nossas formulações do padrão da “fala escolarizada”, para realmente entrar

em diálogo com o universo implicado pelas mães. Percebemos que considerar o

contexto vocabular das entrevistadas foi imprescindível para avançar quanto ao

conhecimento pretendido, a fim de não inibir a fala de quem está disposto a nos

ajudar a compreender o problema que investigamos.

Lançar as pontes necessárias para dialogar com as mães em busca de

melhor compreender e conseguir pensar a exclusão/inclusão do direito à educação

compõe uma série de sucessivas aproximações e adaptações para o real

estabelecimento de mútua confiança entre as interlocutoras. Assim, tentamos

assegurar condições tanto para o conforto da mãe quanto da criança, algumas ainda

de colo. Realizamos todas as entrevistas nas próprias residências das mulheres

selecionadas. Ficou evidenciado desde os primeiros contatos que se fosse

necessário o deslocamento para longe de suas casas seria inviabilizada a

cooperação das mães em atender nossa solicitação de diálogo.

Ganhar a permissão para estar nas residências permitiu também o

enriquecimento da observação do local de relatos das entrevistadas e o seu entorno.

O contato mais direto com o espaço em que conviviam concretamente mãe e a

criança propiciou a oportunidade de observar as pessoas que circulavam e atuavam

naquele espaço. As interações foram potencializadas não somente pela conversa.

Outros elementos do cenário, que buscávamos compreender a cada entrevista,

potencializavam nossas interações: a troca direta de olhares, o tom e modulações

de voz, a disposição nos poucos cômodos da casa, entre outros.

Buscamos atentar para a reciprocidade entre quem entrevistava e o

sujeito indagado. Como canal de comunicação com as mães, a técnica de entrevista

apontou as vantagens definidas por Ludke e André (1986): “... importante é atingir

informantes que não poderiam ser atingidos por outros meios de investigação como

é o caso de pessoas com pouca instrução formal, para as quais a aplicação de um

questionário escrito seria inviável” (p.34). Assim, o registro do material discursivo

compartilhado pelas mães foi consolidado por meio de gravações em formato digital.

mp3, com prévia anuência das entrevistadas, tendo em vista a transcrição integral.

Após ouvir cada gravação, submetemos os diálogos à transcrição,

momento de retomada mais detida dos registros e os procedimentos iniciais de

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análise. As transcrições foram realizadas pela própria pesquisadora, oportunidade

para melhor captar e retomar conteúdos subjetivos no áudio narrativo das respostas

obtidas junto às mães.

Sabemos que a busca pela produção de dados primários é uma

mobilização a qual recorremos para aprofundar a compreensão do problema.

Portanto, não nos coube tomá-la como atributo principal ou resposta definitiva e

fechada, tornando-a verdade isolada.

Dessa forma, a apreensão do real buscou conectar a unidade investigada-

o direito da criança pequena - na totalidade concreta. A partir da análise de sua

base material processamos a construção do conhecimento dos fatos e seu conjunto

no contexto estudado. Neste aspecto consideramos: homem, educação, história e

realidade, tendo em vista as implicações destas relações dentro da sociedade

capitalista.

No desenvolvimento da pesquisa, a organização do conjunto de dados

coletados foi exigente momento de abstração. Porque a recomposição da noção do

objeto de conhecimento fica por longo tempo impregnado pela aproximação com o

campo empírico. Tais elementos impuseram desafios e novas exigências ao

pesquisador no tratamento mais adequado quanto às relações implicadas na

totalidade das questões levantadas.

A descrição dos conteúdos precedentes dimensiona sua relevância para a

compreensão do contexto desta pesquisa. De tal modo, buscamos situar o esforço

em captar e compreender as contribuições e dinâmicas das formas e significados

mediados na construção do diálogo com as mães de classes populares.

Na busca documental consideramos as seguintes legislações: Resolução

N.04/CME/1998- regulamentadora da implantação da Educação Infantil na rede

municipal de ensino da cidade de Manaus; Resolução 05/CME/2010 sobre o

Regimento Interno do CME- Manaus; Lei nº. 1.107 de 30 de março de 2007 que

alterou a Lei nº. 377/1996 referente ao funcionamento do CME-Manaus; Resolução

N.10/CME/2010 que estabeleceu normas e orientações para a realização de

matrículas para a Educação Infantil e Ensino Fundamental no Sistema municipal de

Ensino e o Projeto de Lei N° 362/2013 em tramitação na Câmara municipal de

Manaus (CMM) sobre a divulgação da demanda atendida e lista de espera por vaga

nos Centros municipais de Educação Infantil (CMEIS) e creches de Manaus.

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Para a constituição dos quadros 1 e 3 sobre a rede pública de creches de

Manaus8 acessamos o portal eletrônico da prefeitura municipal de Manaus/secretaria

de educação. Utilizamos ainda o Diário oficial de Manaus (DOM), e o portal

eletrônico do Ministério Público Estadual (MPE-AM) sobre a Ação civil pública

ajuizada pela 28ª Promotoria de Justiça Especializada da Infância e Juventude, com

pedido de liminar para sanar a falta de vagas nas Creches de Manaus.

Assim, depois da recolhida de dados, a análise e interpretação destes

subsidiaram-se pelo aprofundamento dos pressupostos do conjunto da pesquisa.

Buscamos descrever as noções sobre direito da infância, presentes no discurso das

mães, de acordo com as seguintes categorias de análise: importância da vaga em

creche, a creche como direito, função da creche e funcionamento da

creche/condições de atendimento.

A composição dos Capítulos

Este trabalho está organizado em dois capítulos. No Capítulo I,

apresentamos um panorama da história da criança e da infância no Brasil.

Procuramos, num primeiro momento, descrever um pouco da trajetória da presença

da criança no Brasil: Mortes, abandonos e sobrevivência das crianças entre o

período colonial e imperial. Mais adiante, destacamos a repercussão do avanço das

concepções de educação e criança construídas a partir da Primeira República

(1889), tendo como pano de fundo as reconfigurações na base material.

Avançamos para a apresentação das metamorfoses na organização familiar e a

atuação da mulher frente às transformações ocorridas com a instauração do

processo de industrialização no Brasil. Com isso, enfocamos a fundamental

contribuição do Movimento de Mulheres, desde o final dos anos 1970, para a luta por

creches no Brasil.

Tratamos ainda de mostrar as confluências de lutas mobilizadas para a

instauração do Estado democrático de direito cujo marco institucional passou pela

formalização da Assembleia Nacional Constituinte, na qual teve influência o

Movimento Criança e Constituinte, culminando em importantes e inéditas conquistas

legais para a criança pequena brasileira. A Constituição Federal de 1988 e o

8 Utilizados no capítulo 2 deste estudo.

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desencadeamento dos processos de redemocratização foram marcados por

contribuições advindas da participação popular.

Assim, abordamos, ao final do capítulo, a histórica inserção do direito à

educação da criança pequena, apontando as legislações: Constituição Federal,

1988, Estatuto da Criança e do Adolescente, 1990 e a Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional, 1996, que ajudaram a erigir em nosso país um novo sistema

jurídico de proteção aos direitos da criança.

No Capítulo II, tratamos especificamente do acesso à creche: marcos

regulatórios sobre a Educação infantil na cidade de Manaus, com foco nas crianças

de 0 a 3 anos; oferta de vagas e a rede pública de creches existente. Apresentamos

as contribuições das mães de classes populares entrevistadas, localizando seus

perfis, nível de participação social e as noções sobre o direito da criança pequena

dentro das categorias de análise: importância da vaga em creche; função da creche;

funcionamento da creche (condições de atendimento) e a creche como direito

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CAPÍTULO I - CRIANÇA E INFÂNCIA NO BRASIL

A história social da infância no Brasil tem sido permanentemente reconstituída no interior de “um campo de batalha”. Guerras modificam fronteiras. (FARIAS, 2005).

Este capítulo tem como objetivo destacar um panorama da história da

criança e da infância no Brasil, a fim de compreender a trajetória e a confluência das

lutas que ajudaram a erigir em nosso país o atual sistema jurídico de proteção aos

direitos da criança. Repercutindo o contexto histórico do objeto de estudo, buscamos

situar o avanço contemporâneo das legislações vigentes sobre o direito à educação

da criança pequena.

Assim, partimos da incidência da ideia de criança e infância, inserida no

advento das transformações sócio-históricas da Idade Moderna. Conforme Ariés

(1978), a descoberta e consequente reconhecimento social da infância foram

construídos no conjunto das mudanças de concepções originadas com a

modernidade.

Nesse conjunto histórico consideramos os processos que implicaram o

sujeito criança no decorrer do quadro de formação social brasileira. Nosso esforço

referenciou-se pelo objetivo de nos aproximarmos da configuração da criança

concreta que habitou este país, desde o Brasil-colônia até os nossos dias.

Convergindo sob o marco teórico-metodológico do materialismo histórico

e dialético, constituímos o contorno dos acontecimentos históricos que foram se

conjugando a partir da indagação inicial de como configurar e compreender a

trajetória de ser criança pequena no Brasil.

Este caminho (e não outro percurso disponível ou hegemônico)

compreende a infância como uma construção social e histórica e não somente a

condição física própria de uma etapa biológica da vida humana (FREITAS, 2003).

Pouco a pouco, na perspectiva de quem aguça e aproxima o olhar do

objeto que o instiga, relacionamos aspectos da formação da população infantil

brasileira no contexto do Brasil-Colônia. Prosseguimos na tentativa de caracterizar o

perfil da atenção dispensada à criança pequena no Brasil-império e as

transformações ocorridas com o conjunto político-econômico da proclamação da

independência do Estado brasileiro. Neste cenário, olhamos especialmente a

sociedade no confronto com o abandono de crianças e as consequências da

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iniciativa consolidada pela Roda dos Expostos (1726-1874), instituída ainda no

período do Brasil- Colônia.

Observamos, no caráter ideológico, a presença retórica de valorização

da criança e a visão republicana sobre o conceito de infância (RIZZINI, 1995). A

repercussão histórica da dicotomia entre a infância das crianças pobres (com foco

na assistência e instrução para a submissão) e das crianças filhas da elite, para as

quais destinavam-se os espaços pedagógicos.

Na inter-relação apresentada entre as condições políticas, sociais e

culturais instauradas com a sociedade moderna são notados os contrastes

históricos. Apresentamos alguns aspectos da moldura em que os conteúdos sobre

infância surgiam conflitando-se entre as ideias de progresso da nação e as práticas

de negligência e/ou abandono das crianças. Nesse sentido, a situação produzida

sobre a ideia de infância e criança incidiu, até hoje, sobre sua cidadania.

1.1 Brasil-Colônia: Mortes, abandonos e sobrevivência das crianças

A perspectiva de olhar a partir dos processos sofridos pelos primeiros

habitantes das terras brasileiras somados aos homens negros, sentenciados ao

sistema escravagista, pode ajudar a repercutir a condição da criança dentro daquele

contexto histórico. Nesse sentido retomamos alguns aspectos da formação

populacional de nosso país, com enfoque sobre a povoação do Brasil-Colônia.

Abrangendo, além de adultos, também crianças. Nesse vislumbrar as características

da existência possibilitada à criança pequena no Brasil encontramos um cenário

drasticamente imposto.

Ramos (2004) narra o viés de tragédia que marcou a chegada das muitas

crianças nas embarcações portuguesas: “...em qualquer condição, eram os ‘miúdos’

quem mais sofriam com o difícil dia-a-dia em alto mar...” (p. 19). Aquelas que seriam

as crianças a compor (caso sobrevivessem) o grupo de nossa primeira população de

crianças brancas da então colônia de Portugal, o Brasil. A tentativa de sobrevida

durante a viagem até o Brasil era o primeiro e grande desafio de existir como criança

naquelas embarcações. Conforme Ramos (idem):

A história do cotidiano infantil a bordo das embarcações portuguesas quinhentistas foi, de fato, uma história de tragédias pessoais e coletivas. A história das crianças, de qualquer idade, nas naus do século XVI só pode

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ser classificada, portanto, como uma história marítima trágica ou, se preferirem, como uma história trágico-marítima. (2004, p.49)

Nesse contexto, o primeiro olhar lançado para o encontro de

especificidades sobre criança e infância no Brasil cruza-nos com a condição sócio-

histórica de um território que produzia a marca da incerteza quanto à própria

existência material da criança que migrava para a nova colônia.

Assim, a particularidade degradante do modo de fazer nascer essa nova

sociedade destacou-se pela tragédia. Notadamente pela condição em que

submergiam as primeiras crianças que foram transportadas para o Brasil-Colônia

(DEL PRIORE, 2008; CHAMBOULEYRON, 2008; BITTAR; e FERREIRA JR,2013) 9

No cenário da nova colônia, século XVI, a criança não era distinguida em

sua especificidade admitida contemporaneamente. Como tal, os termos de sua

submissão atendia a prioridade da vida do adulto, mais potente na exploração e

conquista do novo território. Assim, é compreensível a instituição de determinados

modos de ver a infância, o que fez prevalecer a hegemonia do adulto influenciando

para o sombreamento da criança na composição populacional da nascente colônia.

Nessa condição histórica de sociedade oficialmente subalterna, a

finalidade da colônia era produzir e sustentar a metrópole (a coroa portuguesa).

Conforme Novais (1979), sobre a fase histórica do colonialismo e a lógica

econômica vigente, aquele conjunto socioeconômico tinha como função e

características:

Escravismo, tráfico negreiro, formas várias de servidão formam, portanto o eixo em torno do qual se estrutura a vida econômica e social do mundo ultramarino. A estrutura agrária fundada no latifúndio se vincula ao escravismo e através dele às linhas gerais do sistema (NOVAIS, 1979, p. 17)

Para o funcionamento e êxito da economia da metrópole, a composição

estrutural desse tipo de organização no novo território traduzia-se como: terra farta

9 Nos estudos referidos a seguir é possível conhecer detalhes das condições de vida das crianças no

Brasil- Colônia: DEL PRIORE, Mary. O papel branco, a infância e os jesuítas na colônia. In: DEL PRIORE, Mary (org.). História da criança no Brasil. São Paulo: Contexto, 2008; CHAMBOULEYRON, Rafael. Jesuítas e as crianças no Brasil quinhentista. In: DEL PRIORE, Mary. História das crianças no Brasil. 6ª Ed. – São Paulo: Contexto, 2008; BITTAR, Marisa; e FERREIRA JR., Amarilio. O estado da arte em história da educação colonial. Anais Histedbr 2006. Disponível em:http://www.histedbr.fae.unicamp.br/ navegando/periodo_jesuitico.html. Acessado em: 16/11/2013.

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(latifúndio), quantitativo de mão de obra com custo mínimo (seres humanos

escravos) e produto exclusivo (monocultura).

Com as feições desta estrutura econômica, consolidou-se o padrão social

que configurava as desigualdades também no tratamento dado às crianças, tanto as

que migravam e não sobreviviam até chegar neste território, quanto as que de fato

chegavam e constituíram o pioneiro “povo brasileiro”. A experiência vivida pelas

crianças no decorrer de quase três séculos do Brasil- Colônia, em linhas gerais, tem

seu desiderato assim descrito por Del Priore:

O abandono de bebês, a venda de crianças escravas que eram separadas de seus pais, a vida em instituições que no melhor dos casos significavam mera sobrevivência, as violências cotidianas que não excluem os abusos sexuais, as doenças, queimaduras e fraturas que sofriam no trabalho escravo (DEL PRIORE, 2008, p.3)

Assim, o Poder de vida e de morte da Coroa Portuguesa (Estado) que

determinava diretamente o sistema de povoação de sua Colônia (o Brasil),

convergia, obviamente, para uma alta taxa de mortalidade infantil.

Por outro lado, destacava-se a relação disposta entre as crianças nativas

e o dominador, cujo objetivo estava bastante claro: a civilização do pequeno

selvagem. Com esta resolução, em 1549, aportaram na nova colônia, os primeiros

padres da Companhia de Jesus, com a principal missão de divulgação do

catolicismo e a conversão dos indígenas à fé cristã. A “civilização” sobre o pequeno

“selvagem” morador do Brasil tinha foco representativo porque naquela

circunstância:

A infância é percebida como momento oportuno para a catequese porque é também momento de unção, iluminação e revelação. Mais além, é o momento visceral de renúncia, da cultura autóctone das crianças indígenas, uma vez que certas práticas e valores ainda não se tinham sedimentado” (idem, p.15)

No processo colonizador, observamos que a atuação religiosa da

Companhia de Jesus interagiu consolidando o exercício de propriedade da Coroa

Portuguesa. A dedicação religiosa sobre a infância indígena e sua catequização, por

via da submissão, passou a constituir-se dupla fórmula dominadora: atingia, nos dois

planos, o território e os descendentes do habitante nativo. Nessa perspectiva, no

Brasil-Colônia, a direção das ações dominadoras sobre as crianças sustentou-se em

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concepções e motivações que ainda dispõem-se arraigadas por longo período na

produção da realidade histórica contemporânea.

Historicamente a presença dos Jesuítas surge como determinante para o

estabelecimento da relação entre cristianismo e criança naquela nascente

sociedade. A semeadura catequética católica determinou a propagação da visão de

Cristo (submisso) como modelo de vida. Tal concepção foi intencionalmente

engendrada no Brasil quinhentista pela presença desse binômio colonizador-

catequizador. As ações sobre o infante emergente das condições socioeconômicas

do Brasil-Colônia traduziram-se em olhar a criança como mística e a criança que

imita Jesus. Conforme Del Priore (2008), o cenário e função social “(...) exaltavam o

mito da criança santa que, cheia de candura e meiguice, tocava os corações dos

gentios mais empedernidos para conversão católica” (p. 12).

A característica assumida pela educação na Colônia brasileira

diversificou-se de acordo com o grupo ao qual foi destinada. Aos filhos dos

colonizadores sim, intencionava-se o ensino da leitura, da escrita e das habilidades

de contar. A instrução direcionada aos curumins configurava-se mais como

aculturação do que educação. Todavia, para o grupo das crianças negras, feitas

escravas, nem educação nem a mínima instrução era permitida. Para elas estava

prevista a realização de pequenos trabalhos desde os cinco ou seis anos de idade.

As distinções dirigidas pelo colonizador por meio da educação no Brasil convergiam

com a dominação existente (FARIAS, 2005).

Nos anos 1700, a realidade foi o aumento do número de crianças

abandonadas. Registra-se que na cidade do Rio de Janeiro, as crianças expostas

pelas ruas foram devoradas por animais e vítimas de outras intempéries decorrentes

de sua vulnerabilidade biológica (VENÂNCIO,1999). Frente a essas formas de

mazelas sociais imputadas à infância, relacionadas às ideias de higienização social,

surgiu a Roda dos Expostos10; solução encaminhada para as primeiras crises

sociais identificadas pelas ruas das cidades brasileiras.

Gallindo (2006) descreve que o primeiro movimento de instituição da

Roda dos Expostos no Brasil caracterizou-se pela instalação destas nos hospitais

10

Fisicamente a Roda era uma peça cilíndrica que ficava presa à parede ou muro da edificação onde funcionava a instituição de caridade. A roda girava sobre um eixo central, preservando, o risco de identificação do(a) adulto (a). O termo “exposto”, adjetivo acrescentado à palavra roda refere-se diretamente às crianças. Era o sujeito criança que ficava exposto. Ao adulto que entregava a criança à roda era assegurado o anonimato.

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religiosos denominados Santas Casas de Misericórdia. Inicialmente foram três, em

Salvador (1726), Rio de Janeiro (1738), Recife (1789); no período imperial foi criada

uma Roda dos Expostos em São Paulo (1825). Depois, outras menores foram

paulatinamente surgindo em outras cidades.

Como solução para regular o abandono e resguardar a sociedade, a Roda

dos Expostos teve vida longa na sociedade brasileira. Conforme dados

apresentados por Moncorvo Filho (1926), até 1817, a Casa dos Expostos recolheu

45 mil crianças aproximadamente. Refletindo sobre este período, o autor afirma que

"o que, todavia, se notava em todas essas creações era a preocupação exclusiva do

espírito religioso e nenhuma orientação scientifica" (MONCORVO FILHO, 1926, p.

115).

Vale ressaltar que encontramos nos estudos de Irma Rizzini uma

referencia à região Amazônica, que é o campo empírico dessa pesquisa. A autora se

referindo ao período entre 1870 e 1880 afirma que:

(...) Não há referência ao abandono de crianças nesta época nos espaços urbanos amazônicos, embora nos orçamentos anuais estivessem previstas verbas para a criação e tratamento de expostos pelas câmaras municipais das cidades e vilas. No entanto, o abandono não deve ter atingido uma dimensão que sobrecarregasse as municipalidades, pois Belém e Manaus não instalaram rodas de Expostos, como ocorreu em várias capitais e cidades do Império, desde o século XVIII. (IRMA RIZZINI, 2011, p.12-13)

Pela observação acima, a presença nos orçamentos anuais de verbas

para tratamento de expostos em Belém e Manaus confirma que mesmo em cidades

distantes da sede administrativa do Brasil, a criação das Rodas dos expostos era

uma alternativa oficial do Estado.

Assim, a historiografia sobre crianças abandonadas é relevante e

bastante rica, todavia, não nos aprofundaremos nesse tema pelas delimitações

próprias de nosso objeto de pesquisa. Entretanto, consideramos fundamental para a

compreensão da história da criança e infância brasileira a observação de outros

estudos sobre a temática11.

11

Segue breve referência sobre estudos identificados em nossa revisão temática e que disponibilizam

dados sobre a questão das crianças abandonadas, tais como: MARCILIO, M. L. e VENÂNCIO, R. P.

"Crianças Abandonadas e Primitivas. Formas da sua Proteção, séculos XVIII e XIX". In Anais do VII

Encontro Nacional de Estudos Populacionais. Belo Horizonte, ABEP/CNPq, vol. I, 1990, pp.321-338;

MESGRAVIS, L. "A assistência à criança desamparada e a Santa Casa de Misericórdia de São

Paulo. A roda dos expostos no século XIX". In Revista de História. São Paulo, FFLCH-USP, vol.103,

nº 2, 1975, pp.401-423. LEITE. "Óbvio e contraditório da roda". In DEL PRIORI (org.). História da

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1.2 A transição do Brasil-Colônia para o Brasil-Império

Em 1808, com a ajuda e proteção da Inglaterra, aportou no Brasil, a Corte

portuguesa. Na perspectiva da organização ou reorganização dos objetivos políticos

e administrativos na Colônia, essa transição preparou o território brasileiro para

proclamação de sua Independência (NOGUEIRA, 1989).

A presença da Corte Portuguesa propiciou tanto a efervescência social e

cultural quanto alterações econômicas na dinâmica do Brasil-colônia. O rompimento

com a monocultura e a decorrente abertura comercial possibilitou a reunião das

circunstâncias que culminaram, em 1822, com a proclamação da Independência do

Brasil. Após a formalização da independência brasileira vivemos um período fértil em

modificações de cunho econômico.

Em sua obra História Econômica do Brasil, Caio Prado Jr. (1971), com a

expressão “corpos imensos de cabeças pequenas”, designou a situação em que a

permanência do Brasil como colônia de Portugal era caracterizada. Conforme o

autor, tratava-se de uma condição anormal pois

...já não correspondia mais ao equilíbrio mundial de forças econômicas e políticas. Depois daquele passado já remoto do apogeu luso-espanhol, outras potências tinham vindo ocupar no plano internacional: os Países-Baixos, a Inglaterra, a França. No entanto, os domínios ibéricos ainda formavam os maiores impérios coloniais. Corpos imensos de cabeças pequenas... (1971, p.123)

Esta realidade externa influenciou, posteriormente, a própria

insustentabilidade do sistema escravagista no Brasil. O cenário mundial era

radicalmente outro. O estabelecimento pela Inglaterra de mão-de-obra assalariada

em suas fábricas demandava a existência de patrões e operários e, igualmente,

mercados consumidores.

Nos anos de 1824, no Brasil, após a proclamação da Independência

política e a alteração do cenário decorrente do Brasil-Império, tivemos outorgada a

primeira Constituição Federal brasileira.

Criança no Brasil. São Paulo, Contexto, 1991 LONDOÑO, F.T. "A origem do conceito menor". In DEL

PRIORI (org.). op. cit., pp.129-145;

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Assim, sob as consequências da ordem político-econômica que emergia,

em 28 de setembro de 1871, o Império assegurou às mulheres negras, filhos livres.

A “Lei do Ventre Livre” ensaiou a aproximação da relação de responsabilidade entre

Estado e infância (LIMA e VENÂNCIO, 2008). De acordo com as diferentes

incidências regionais da lei, sabemos que na cidade do Rio de Janeiro houve uma

significativa expansão no número de abandono de crianças negras12.

O conjunto de alterações provocadas no decorrer do período imperial

evidenciou mais a presença da criança pobre que no período anterior. Sobretudo, as

décadas que precederam a proclamação da República confrontaram-se com a

expansão populacional, constituição dos primeiros núcleos urbanos.

As análises deste curto período de transição entre Império e República

dão conta tanto de algumas rupturas formais quanto de muitas continuidades.

Entretanto, de acordo com estudiosos como Ribeiro (2003), na organização urbana,

a pequena burguesia, para se confirmar como classe hegemônica, buscou na escola

os meios para propiciar o “título de doutor” aos seus filhos. E nessa configuração, a

divisão de classes dentro da esfera educacional foi se reproduzindo por meio da

dicotomia entre escola do povo e escola da elite.

A presença de ideias sobre escolarização é representativa desta fase em

que se manifestam as vozes da modernidade. Junto com a necessidade de

construção do Estado-Nação é identificada a presença de

conceitos como “progresso” e “desenvolvimento” (GONDRA, 2007). O discurso

sobre criança também foi conjugado nessa multiplicação de esforços por adentrar a

modernidade. Tal contexto prenunciava a instauração do Brasil República.

1.3 República: a criança como riqueza da nação

No período da passagem do final do Império para a chamada República

Velha ou Primeira República (1989), podemos vislumbrar um conjunto de práticas e

discursos que nos ajudaram a perceber a circulação das ideias sobre criança e

infância. Como por exemplo, a diversificada forma com que os dirigentes do Estado

brasileiro começaram a regular os lugares de educação e instrução na sociedade.

Pontuamos, assim, algumas dessas iniciativas. É desta fase a criação de colônias

12

Ver LIMA, L. e VENÂNCIO, R. O abandono de crianças negras no Rio de Janeiro. In: DEL PRIORE, M. (org.). História da Criança no Brasil. São Paulo: Contexto, 2008.

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agrícolas, asilos, jardins de infância que encaminhavam as zonas de circulação dos

diferentes grupos sociais, organizando para o objetivo de construção de uma nação

moderna.

Desse modo foi demarcada no período republicano a inicial relação entre

infância e políticas públicas, que como qualquer outra relação existente na

sociedade, não é natural. Processos históricos não se moveram por casualidades ou

dádivas. Direcionando o olhar para o período estabelecido a partir da Primeira

República identificamos o cenário de alterações política, cultural, expansão urbana

e contexto de importantes propostas de mudanças (MERISSE, 1997; SABBAG,

1997; CAMPOS, 1999; KUHLMANN, 2001).

Nessa perspectiva, Kuhlmann Jr. (2001) aponta especificamente para as

propostas e instituições pré-escolares, o ano de 1899 pode ser considerado o marco

dessas formalizações, com a fundação do Instituto de Proteção e Assistência à

Infância (IPAI). Na Companhia de Fiação e Tecidos Corcovado, na cidade do Rio de

Janeiro, foi inaugurada a primeira creche para filhos de operários.

No inicial período republicano o esforço concentrou-se em fundar a

nacionalidade do país: “Bradava-se como ideal salvar o Brasil do atraso, da

ignorância e da barbárie para transformá-lo numa nação ‘culta e civilizada’ (RIZZINI,

1997, p. 27)”. Com predominante base na ideia de progresso, nesse consenso o

conceito de infância foi sendo utilizado. Nesse horizonte, a concepção de infância

teve como eixo a formação e expansão desse entendimento para constituir o Brasil

como Estado-nação.

Os novos rumos transplantados como signos da modernidade foram

conjugados à intenção da elite de construir a nação republicana brasileira. Entre os

vários acontecimentos, para fins de nosso objeto de análise, ressaltamos o

estabelecimento da matriz educativa republicana. A Constituição Brasileira (1934),

marco da Primeira República, estabeleceu um Sistema Nacional de Ensino. Assim,

do ponto de vista oficial, buscava-se resguardar todo o território nacional brasileiro

com o papel reservado à educação, tomado como ícone de vanguarda deste país

que pretendia a ordem e o progresso.

Conforme Saviani (2008), as décadas iniciais do Século XX no Brasil

foram completamente anunciadoras do ideário do republicanismo, caracterizando-se

por uma nação que precisava instruir o povo e educar as elites.

Desde então, no conjunto de condições materiais desse cenário político,

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social e econômico foi propagado um discurso conveniente para a elite dominante.

De outro modo, tomava força ideológica a associação entre o conceito de infância e

o idílico caráter da criança como “riqueza da nação” (VASCONCELLOS, 2005).

Nas considerações de Rizzini (1997):

A análise da dimensão social de que foi revestida a infância na passagem do regime monárquico para o republicano revela que, há mais de um século, grupos representativos da elite brasileira qualificavam a criança originária dos segmentos pobres da população simultaneamente como problema e solução. Problema porque embrião da viciosidade e da desordem e solução porque, ainda facilmente moldável, prestava-se a que fosse “educada” como elemento útil para a nação. Um elemento servil adaptado à ordem liberal capitalista (RIZZINI, 1997, p.252).

A dupla perspectiva de designar a infância ora como “problema”, ora

como “solução”, parece ter estruturado as primeiras formas de intervenção do

Estado. A dualidade estrutural expunha-se, por um lado, ao pender para o discurso

da potencialidade, e, por outro, ao apontar o perigo representado pela criança pobre.

Ações oficiais durante todo o período permitem a visualização deste quadro no

âmbito das perspectivas assumidas para a educação. Neste sentido, “toda uma

ideologia vai se estruturando no sentido de que a educação deve formar o homem

brasileiro, que seria um elemento de produção, necessário ao progresso da nação"

(ROCHA, 1997, p.46).

Nessa dimensão, observamos em discurso dos anos 1930, a

contundência do pensamento de Gustavo Capanema, responsável pelo ministério da

Saúde e Educação:

O Brasil não poderá progredir na sua indústria, na sua agricultura, no seu comércio, em todas as variadas manifestações de sua vida política e espiritual, se não dispuser de um grande quadro de homens altamente preparados nas técnicas, nas ciências e nas letras. Dá-nos disto cabal demonstração o exemplo de todas as nações modernas, que prosperaram. (CAPANEMA, 1935 apud FÁVERO, 1980, p. 93).

Inicia-se a industrialização e, igualmente, intensifica-se o processo de

urbanização na região sudeste (SPOSATI, 1988). A multiplicação das crianças

pobres tornava-se um desafio para a necessidade de “higienização social” da

nascente sociedade moderna brasileira.

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A história do atendimento à criança pequena no Brasil, principalmente dos

filhos das camadas mais pobres da população, foi caracterizada pela influência do

caráter assistencialista. Entre médicos, religiosos ou juristas, com a força da

presença das ideias liberais reclamava-se por ações concernentes ao preço do

ingresso do país no pretendido progresso. “Nestes termos, à filantropia atribuiu-se a

tarefa de organizar a assistência dentro das novas exigências sociais, políticas,

econômicas e morais, que nasceram com o início do século XX no Brasil”

(MARCÍLIO, 2003, p. 78).

Assim, no decorrer da nascente história republicana da infância e da

criança no Brasil, o problema da criança, tanto na área educacional quanto na área

da assistência, demonstra o quanto foram disseminadas as concepções de

filantropia e o enfoque da responsabilização da esfera privada (família) frente à

“neutralidade” do Estado (RIZZINI, 1993; FARIAS, 2003).

Em 1927, como sequência dos debates do 1º Congresso Brasileiro de

Proteção à Infância realizado em 1920 que estabeleceu uma agenda de trabalhos

subsequentes, foi criado o primeiro Código de Menores do Brasil: O denominado

Código Mello Mattos. A aprovação do Código configurava a resposta jurídica de um

país que acumulava preocupações e associava proteção à infância com proteção à

sociedade. Segundo Faleiros (1995), esse código incorporou “tanto a visão

higienista de proteção do meio e do indivíduo como a visão jurídica repressiva e

moralista” (p.63).

Outras iniciativas formais concernentes à criança, infância e adolescência,

pertenceram ao período do governo de Getúlio Vargas. Por meio de um

autoritarismo populista e a propagação de sua figura como o “pai dos pobres”,

Vargas foi aproveitando a numerosa demanda e consolidando o serviço social a ser

ofertado pelo Estado.

Vargas articulou o Estado e entes privados para fomentar, no âmbito da

assistência, práticas higienistas e repressivas. A contenção dos menores

identificados como “delinquentes” foi conduzida com a solução do seu

encaminhamento para internatos (FALEIROS, 1995). Reunindo inciativas que se

relacionavam à crescente população infanto-juvenil, foi criado o Departamento

Nacional da Criança (DNCr) em 1940; o Serviço de Assistência ao Menor (SAM),

órgão diretamente subordinado ao Ministério da Justiça e Negócios do Interior e ao

Juizado de Menores, em 1941; a Legião Brasileira de Assistência (LBA), em 1942; a

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Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) de 1943, em que a creche aparece como

direito das mães operárias. Tal conjunto de ações tinha como alvo preferencial as

famílias e a proteção ou o enfrentamento dos dilemas da infância e adolescência

que fossem enquadradas como “desvalidas” e “delinquentes”, interpelação social da

urbanização em franca expansão.

Considerando a relação de proximidade da incidência do Departamento

Nacional da Criança (DNCr) e nosso objeto de estudo, ressaltamos algumas de suas

dimensões e funções. O DNCr foi criado como órgão vinculado ao Ministério da

Educação e Saúde. Conforme os destaques de Rizzini (1995), o Departamento

possuía o objetivo de “criar viva consciência social da necessidade de proteção à

díade materno-infantil [...] desenvolver estudo, organizar estabelecimentos, conceder

subsídio às iniciativas privadas de amparo às mães e filhos e exercer fiscalização”

(RIZZINI, 1995, p. 138).

Conforme Faleiros (1995), após o período do Estado Novo, com a

retomada dos encaminhamentos democráticos, temos o seguinte panorama quanto

ao trabalho desenvolvido pelo DNCr: “inicia-se uma estratégia de preservação da

saúde da criança e de participação da comunidade, e não somente repressiva e

assistencialista”. (1995, p. 72). O autor refere-se à presença da influência do Fundo

das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e da Organização das Nações Unidas

para Agricultura e Alimentação (FAO), condicionando os rumos do discurso e ações

do DNCr.

Assim, após a década de 1960, o Departamento da Criança tentava

estabelecer maior aproximação com as camadas populares por meio da expansão

de centros recreativos comunitários, inspirado na orientação das agências

multilaterais. A busca pelo caráter participativo nas ações encontrava também na

atuação da Igreja Católica e sua intensa presença pastoral os canais para a

pretendida inserção.

Nos chamados anos de chumbo, a partir da década de 1960, a relação

tanto com adultos quanto com as crianças seria de muita tensão e repressão ao

clamor e luta por avanços sociais. No contexto internacional, em 1959, foi aprovada

a Declaração Universal dos Direitos da Criança, mas, no cenário brasileiro, a

confluência de acontecimentos políticos, culminaram com o Golpe militar de 1964 e

nas décadas seguintes, a história brasileira reservava aos atores sociais duras

exigências de reconfiguração da luta.

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1.4 Processo de industrialização: as metamorfoses na organização familiar e no papel da mulher.

Para considerar a trajetória e constituição do lugar contemporâneo da

criança, tomamos ainda como contexto advindo desde a década de 1930, as

modificações no conjunto familiar. Iniciativas na área social descritas anteriormente

compõem este quadro histórico. Assim, igualmente, aspectos da gênese da

moderna família brasileira relacionam-se aos processos de industrialização. Os

impactos sobre a configuração dos grupos familiares partem de alterações na base

econômica que refletem na esfera privada (famílias) e repercutem no âmbito público.

Nessa perspectiva, observamos que a reordenação dos processos

econômicos, iniciado nos anos de 1930, contribuiu quanto aos primeiros traços de

urbanização dos novos espaços de convivência dos grupos sociais.

No ambiente moderno, caracteristicamente urbano e industrial, em função

da nova ordem produtiva, os conjuntos familiares podiam respirar maior liberdade de

relações do que nos arranjos da tradicional formação familiar anterior. Conforme

Goode (1969) a família conjugal, caracterizada pela escolha de casais a partir dos

vínculos afetivos emergia onde as forças sociais da industrialização e urbanização

foram se manifestando. Na decorrência destas transformações, a introdução da

mulher no mercado de trabalho, radicalizou a necessidade de alteração do modelo

familiar e revelou outras configurações para aqueles grupos sociais.

No processo de industrialização brasileiro, o segmento têxtil pioneiro em

expansão, convergiu para que fosse o primeiro a abrigar mulheres operárias em

significativa quantidade.

O quadro de metamorfose familiar caminhou também com reflexos na

legislação brasileira. Para as relações privadas empreendidas observaremos as

orientações de exercício familiar, dentro da legislação vigente naquele momento

histórico. Os parâmetros oficiais concernentes à família e os determinantes legais

encontravam-se no primeiro Código Civil do Brasil (1916), conhecido como Código

de Beviláqua. Essa legislação fundamentava-se em três eixos: a família, a

propriedade e o contrato. A definição assumida na legislação conceituava a família

como patriarcal e hierarquizada. Ao marido era destinada a chefia da família e da

sociedade conjugal [art. 233, caput]. No artigo 240, destacava-se que a mulher devia

submissão total ao “varão” tendo como função a colaboração na educação e criação

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dos filhos. A abrangência da responsabilidade e “mandato paterno” estendia-se às

dimensões políticas, econômicas, sociais e também religiosas.

No compasso de contraste ou convergência entre legislação e prática

social, as alterações inscritas no plano jurídico, contempladas posteriormente,

refletiram modificações já praticadas cotidianamente pela sociedade. Contudo, foram

fortemente arraigadas algumas características resguardadas pelo primeiro Código

Civil de 1916, no concernente à condição dos grupos familiares, notadamente:

patriarcal, matrimonializado e hierarquizado.

Somente no início da década de 1960, a partir do Estatuto da Mulher

Casada do ano de 1962 (Lei nº 4.121/1962), foi atribuído à mulher algum poder

oficial na esfera familiar, cercado de restrições. A partilha do denominado “pátrio

poder” foi concedido a ambos os genitores. Na possibilidade de desentendimento

entre o casal, prevaleceria a vontade do homem.

O olhar sobre essas transformações não se refere à fáceis transições ou

rupturas definitivas com modelos anteriores de organização familiar. As decorrências

históricas e reconfigurações familiares foram fortemente influenciadas pela alteração

da base econômica agrária para a industrial. O conjunto de mudanças construídas

pelo processo de industrialização determinou que as exigências produtivas da

fábrica pudessem influenciar o espaço doméstico. Sabemos que a necessidade da

produção confluiu para a entrada da mulher e da criança na esfera pública,

constituindo o emergente mercado de trabalho (VIEIRA, 1986).

De um modo ou de outro, a superação pela mulher da configuração social

de estritamente “dona do lar” fez com que ela pudesse se apropriar de vivências

(mundo público) que antes eram restritas aos homens. Na correlação entre o modelo

de desenvolvimento econômico adotado e a condição da infância brasileira

desencadeava-se outro papel para a esfera pública. O Estado passava também a ter

que partilhar com o novo lugar da mulher o cuidado pelas crianças. As mulheres

para cumprir a carga horária das funções operárias também teriam que ser

deslocadas de seu papel anterior de exclusivamente mães.

O contingente de crianças necessitadas da ação do Estado não mais se

restringia às abandonadas, mas aquelas também pertencentes às mães/famílias

operárias. Por outro lado, na perspectiva das famílias denominadas de classe média

urbana, Nunes (2003) afirma:

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45

No Brasil, o caráter efêmero das relações familiares na classe média manifesta-se a partir dos anos 1950, intensificando-se nas três últimas décadas. Na história da família brasileira, contrapõe-se ao modelo dominante da relação patriarcal (em que conviviam outros tipos de relacionamentos familiares-artesãos, pequenos proprietários, trabalhadores livres, escravos, etc.- cada um com suas normas de comportamento) a tendência à universalização das normas hoje dominantes na classe média urbana. Assume-se no interior do grupo social a concepção de que a mulher deve trabalhar. (NUNES, 2003, p.45)

Conforme a análise do autor, as mulheres das famílias de classe média

também adentraram ao mercado de trabalho, tinham seus motivos de consumo e

almejavam aumentar a renda econômica familiar. Não podemos esquecer que foi na

década de 1950 que chegou o fenômeno midiático da televisão ao Brasil.

Multiplicadora de um estilo de vida padronizado condicionou especialmente para as

camadas médias, a gênese da necessidade de exacerbado consumo.

Por outro lado, na década de 1960, a evolução da indústria química foi

determinante para a condição feminina emancipatória nas camadas médias

brasileira. Sarti (2002) destaca a recriação do mundo subjetivo feminino, a partir da

possibilidade de escolha pela procriação ou não. Para esta autora, a condição

feminina obteve expressiva expansão, determinando a reconfiguração de atuação da

mulher no mundo social. Contudo, coexistiram ideias ambivalentes quanto à

emancipação feminina, que se refletem até os dias de hoje, por exemplo, nos

dogmas da igreja católica, de forte influência da família patriarcal, condenando a

utilização da pílula anticoncepcional.

Condicionados pelo recorte de classe econômico-social alguns estudiosos

afirmam que convivem simultaneamente diversos padrões familiares, entre eles o

modelo patriarcal e o modelo conjugal, ocorrendo predominância de um ou de outro,

dependendo da camada social a que pertence o grupo familiar. (MIOTO, 2004;

SARTI, 2002).

De nosso ponto de partida, desde os anos 1930, com foco sobre a relação

entre processos de industrialização e metamorfoses na família brasileira, coexistiram

diversos programas e ideários de construção da nacionalidade brasileira. De

projetos mais reacionários a outros mais modernizantes, a valorização do papel da

educação foi uma unanimidade, ainda que com distintos objetivos, especialmente

conforme o estrato econômico.

Assim, do contexto estabelecido com o processo de industrialização,

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anteriormente referido, fortaleceu-se o caráter modernizador e conservador do

Estado (DRAIBE, 1985). Nesse cenário, as mulheres inauguraram novos papéis

sociais e pautaram as lutas das décadas seguintes, conforme abordaremos na

próxima seção deste estudo.

1.4.1 O movimento de mulheres e a luta por creche

Como construção social e, portanto, campo de disputas, tensão e conflito,

a causa da creche também apresentou historicamente seus ângulos de

controvérsias. Os modelos familiares hegemônicos no Brasil centralizavam como

natural o papel da mãe cuidadora dos filhos. A mulher era vista como dona

exclusiva da função materna, não apenas biologicamente, mas também

socialmente. Nesse sentido, a composição de passos para uma superação histórica

desses e outros padrões machistas, evidentemente não foi assumida pelos homens,

mas pelas próprias mulheres. Assim, foram as mulheres que estiveram na

vanguarda da luta por melhores condições de vida feminina e, no caso específico

das crianças pequenas, na luta pela expansão das creches no Brasil.

No processo de extensão do papel de mãe às funções de operária, a

mulher trabalhadora e pobre passou a perceber algumas causas sociais inadiáveis.

Nesse horizonte, surgiu em São Paulo, na década de 1970, o Movimento de Luta

por Creches (GOHN,1985).

Nessa relação de novas exigências sociais, estiveram associados à luta

por creches grupos de mulheres das classes populares e grupos de mulheres das

camadas médias. As necessidades prementes das mulheres e as aspirações por

emancipação, com pressupostos feministas, faziam emergir, em São Paulo o

Movimento de Luta por Creches. Nessa perspectiva, nos esclarece Merisse (1997):

O movimento feminista colocava em destaque a questão dos cuidados e responsabilidades para com a infância, exigia modificações nos papéis sociais tradicionais do homem e da mulher, bem como na dinâmica das relações familiares. O movimento de Luta por Creches, sob influência do feminismo, apresentava suas reivindicações aos poderes públicos no contexto de uma luta por direitos sociais e de cidadania, modificando e acrescentando significados à creche, enquanto instituição. Esta começa a aparecer como um equipamento especializado para atender e educar a criança pequena, que deveria ser compreendido como uma alternativa que poderia ser organizada de forma a ser apropriada e saudável para a criança, desejável à mulher e à família. A creche irá, então, aparecer como um serviço que é um direito da criança e da mulher, que oferece a

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possibilidade de opção por um atendimento complementar ao oferecido pela família, necessário e também desejável (MERISSE,1997, p.48).

Assim, as análises do autor sinalizam para pensar conquistas e

aspirações que situam o entendimento deste contexto: A compreensão acerca da

creche como causa social e, consequente, luta pela expansão do direito e o

acréscimo de significados ao papel da creche, enquanto instituição.

O Movimento Luta por Creches marca a mobilização entre novos atores

sociais: as mulheres (GOHN, 1985; ROSEMBERG, 1984; FARIA, 2003). No

Movimento que dava visibilidade ao déficit de creches, agregou-se o papel da

condição feminina: mulher/mãe. A luta iniciada no final da década de 1970 cooperou

para a aproximação da ideia de creche como direito da mulher, do homem e da

criança13. O acúmulo dessa nova compreensão, na década seguinte, ajudou a

consolidar a luta e culminar pela condição da criança sujeito de direitos.

Em face do panorama social emergente, em 1979, foi substituído o

primeiro Código de Menores, aprovado em 1927. Faleiros (1995) analisando o

Código de Menores (1979) nos chama a atenção para a doutrina da situação

irregular presente naquela legislação. Esta lei determinou que “os menores são

sujeitos de direito quando se encontrarem em estado de patologia social, definida

legalmente [...], fazendo-se da vítima um réu e tornando a questão ainda mais

jurídica e assistencial” (FALEIROS, 1995, p. 81).

Contudo, outras “patologias sociais” pareciam ser identificadas e temidas

por nossos governantes, especialmente durante o período militar. Rosemberg

(1997), analisando o Projeto Casulo, destinado às crianças, afirmou que sua

intencionalidade sustentava-se na ideologia da segurança nacional. De uma forma

ou de outra, os “(....) pobres poderiam ameaçar a integração nacional”

(ROSEMBERG, 1997, p. 148).

Conforme Rosemberg (1997), o Projeto Casulo, criado em 1977,

representava uma ação presente em todo o território nacional. Único programa

nacional de creches consolidou-se como um projeto de massa e transformou-se em

principal programa da Legião Brasileira de Assistência (LBA). Este projeto ofereceu

13

O Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM) dentro do projeto Indicadores de Gênero, acessível no site do CNDM na Internet (www.mj.gov.br/sedh/cndm) disponibiliza um levantamento sobre educação concernente ao tema.

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apoio às iniciativas comunitárias para implantação ou/e ampliação do atendimento à

criança de zero a seis anos. Seu foco, conforme (CAMPOS et. al. 1995) era a

população de baixa renda, crianças oriundas de famílias que viviam com renda

mensal inferior a um salário mínimo.

O Projeto Casulo representou o atendimento da criança pequena, pelo

Estado, com financiamento na rede privada. Organizado de forma tão abrangente e

estruturada, as entidades de direito privado, de caráter filantrópico ou comunitário

passaram a gozar de uma relação regulada, oficializada por termo de convênio

jurídico com o governo federal.

Decorrente da realidade constituída pelo crescimento da população e,

consequente, quantitativo das crianças, o Estado tentava empreender ações para o

atendimento das crianças pequenas. E quanto às formas de participação social da

mulher/mãe? As lutas foram estabelecidas e correlacionadas às necessidades e

possibilidades identificadas naquele emergente contexto social. Assim, as

mulheres/mães também passaram a ter função social ativa no desencadeamento

dos processos de redemocratização brasileira.

1.5 Os processos de redemocratização no Brasil e a Constituição Federal de 1988

Na década de 1980, a construção do campo da luta política para a

redemocratização estava presente em todos os segmentos sociais. Sobre aquele

contexto asseverou Silveira (1999): “na contramão da história, também

protagonizando-a inscrevem-se os movimentos sociais, que se constituem ‘novos

personagens’ com expectativas políticas e práticas sociais que promovem novos

referenciais” (p.149).

Cabe observar que na década de 1980, a luta mais ampla pela

redemocratização configurada pela “Campanha Diretas Já”, incorporou dinâmicas já

desenvolvidas no interior de vários Movimentos sociais ajudando a compor a

conjuntura de redemocratização no país (GOHN, 1995).

Os avanços democráticos que antecederam a conquista dos direitos

sociais anunciados na Constituição de 1988 foram diretamente ligados às bandeiras

das lutas iniciadas na década de 1970. Na mesma direção do encontro de

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49

trajetórias entre redemocratização e a causa da infância no Brasil, o Movimento

Nacional Criança e Constituinte, organizado em 1986, teve significativa relevância.

No processo para a formulação de uma legislação avançada para a área do

atendimento à criança, a composição de uma ampla rede intersetorial de

mobilização e articulação foi assim registrada por Leite Filho e Nunes (2013):

A Comissão Nacional Criança e Constituinte foi criada por portaria do Ministério da Educação (MEC), com representantes dos Ministérios da Educação, da Saúde, da Cultura, do Planejamento, do Trabalho, da Assistência Social e da Justiça e pelas seguintes organizações: OAB, Sociedade Brasileira de Pediatria, Federação Nacional de Jornalistas, Organização Mundial para a Educação Pré-Escolar (OMEP)/Brasil, Fundo das Nações unidas para a Infância(Unicef),Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)/Pastoral da Criança, Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, Frente Nacional da Criança e Movimento Nacional Meninos e Meninas de Rua (LEITE FILHO e NUNES, 2013, p.70).

O debate intersetorial entre os representantes de diferentes segmentos

sociais congregou os interesses da causa do direito da criança. Tal processo

desencadeado no interior da Assembleia Constituinte gerou ampla

representatividade e repercussão do tema infância.

A participação e força transgressora contra o silêncio violentamente

imposto (1964-1984) sustentavam o contingente de mobilizados e mobilizadores de

diferentes causas, tais como saúde, moradia e educação. Após duas décadas de

cassação formal do estado democrático de direitos, a participação popular para

incidir nos rumos da Assembleia Constituinte era o principal grito que possivelmente

ecoava como motriz para a construção da Constituição cidadã, que resultaria de

todo aquele processo.

Assim a Carta magna do país, pós-ditadura militar, convergiu por via da

materialização de determinadas buscas transgressoras contra o rosto opressor da

condição política anterior (CURY, 1998). A vivência democrática civil, política, social,

cultural reprimidas nos anos anteriores ia sendo superada por outras fases do

desenvolvimento das lutas pelo direito à educação, saúde, moradia, lazer e outros.

Na perspectiva determinada pelos limites e objetivos deste estudo,

ressaltaremos os resultados que encaminharam, no marco do processo histórico

vivenciado, a afirmação dos direitos sociais da criança, especialmente para a

educação da criança de zero a seis anos.

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Vital Didonet (1993), reportando-se àquela conjuntura histórica aborda a

relação desencadeada pelo Movimento Criança e Constituinte, em 1987

O movimento organizado pela defesa dos direitos da criança durante a Constituinte contribuiu enormemente para ampliar a consciência social sobre a importância de todos os direitos da criança, inclusive direito à educação a partir do nascimento. Esse movimento levou a um nível de consciência política muito importante, de sorte que se conseguiu colocar esse nível de ensino como um dispositivo constitucional (DIDONET, 1993,p.17)

Didonet ressalta a relevância da intensiva mobilização, contribuindo para

promover o direito da criança. Com a organização da Comissão Nacional Criança

Constituinte, em 1987, e consequente composição da Frente Parlamentar

Suprapartidária pelos Direitos da Criança, as conquistas foram sendo legalmente

traduzidas nos textos constitucionais que redefiniam, na legislação, a nova posição

da criança brasileira: criança sujeito de direitos e objeto de proteção integral

(BRASIL, 1988).

A inscrição dos direitos da criança pequena passou a ser explicitada em

vários textos constitucionais. A determinação do direito à educação pode ser assim

identificada:

Art.208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: IV-educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco)anos de idade

14(...).(BRASIL, 2006)

No artigo 6°. da Constituição Federal de 1988 foram definidos, entre

outros, como direitos sociais: educação, saúde, alimentação, proteção à

maternidade e à infância. No artigo subsequente, ao determinar os direitos dos

trabalhadores urbanos e rurais, foram contemplados seus filhos e dependentes:

Art. 07- São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: XXV- assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até 5 (cinco) anos de idade em creches e pré-escolas

15

14

Redação atualizada conforme a Emenda Constitucional n.53, de 2006.

15 Redação dada pela Emenda Constitucional n.53, de 2006.

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A Constituição Federal é o documento balizador do papel inscrito nas

demais legislações dos avanços democráticos para a infância, tais como, por ordem

cronológica, inicialmente o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, 1990) e a

Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN,1996).

No início da década de 1990, a partir da repercussão internacional da

importância de proteção à infância, o Brasil passou a ser signatário da Convenção

sobre os Direitos da criança. A grande marca desta Convenção foi o reconhecimento

ao indivíduo (até os 18 anos) de todos os direitos e todas as liberdades inscritas na

Declaração dos direitos humanos do cidadão adulto. A adesão do Brasil ao referido

documento foi convergente ao momento do processo de ruptura com a ditadura

militar no país e a gradativa instauração da democracia formal16.

No decorrer das regulamentações dos textos da CF-1988, com a

aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em 1999, o artigo 54,

tratou da educação infantil: “É dever do Estado assegurar à criança e ao

adolescente: V - atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis

anos de idade ( BRASIL,1990)

Cabe assinalar que foi por meio do ECA que juridicamente se demarcou

um divisor de águas entre as legislações anteriores e os conceitos e pressupostos

do atual Estatuto. Com o ECA, anulou-se a conceituação da categoria “menor”

(Código de Menores, 1979), introduzindo a definição, conceitual e jurídica, de

criança e adolescente.

O ECA representou um avanço como a legislação que, surgindo no

contexto da consolidação das lutas democráticas, instaurou a “Doutrina da Proteção

Integral”. A nova doutrina superou o Código de Menores (1979) cujo caráter restritivo

impunha não a ideia de proteção, mas de julgamento, a um público-alvo

marginalizado. Assim, o ECA estabeleceu-se em contraste frontal com o Código de

1979 que era orientado pela doutrina da “situação irregular”.

Nos termos de execução do Estatuto, entre outras regulamentações, foi

operacionalizada a criação do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do

Adolescente (CONANDA), Lei Federal 8.242, de 12 de outubro de 1991. A nova lei

passou a incidir também nas esferas estaduais e municipais, passando a

16

Tomamos neste texto o conceito de democracia formal determinando-se pela existência de instituições e procedimentos legais que caracterizam o Estado democrático de direito (BORÓN, 1995; 2006).

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regulamentar a implantação e implementação dos Conselhos de Direitos Estaduais,

Municipais e dos Conselhos Tutelares. Tais instâncias, sem dúvida, passaram a

ajudar na visibilidade tanto do cumprimento quanto da violação dos direitos da

infância, por meio do exercício dos mecanismos de aperfeiçoamento do controle

social democrático, pautado pela sociedade civil.

De acordo com Kramer (1996) foi possível concluir sobre a trajetória da

infância, nos anos 1990:

No Brasil, a infância é hoje tematizada em várias áreas de conhecimento e é motivo de mobilização de diversos segmentos da sociedade civil que, reconhecendo as crianças como cidadãs, lutam para que os direitos sociais afirmados na letra da Constituição de 88 – entre eles o direito à educação – tornem-se fato (Kramer 1996, p. 26).

Nesse sentido, os processos de redemocratização no Brasil e a

Constituição Federal de 1988 balizaram um cenário para as décadas seguintes,

anos 1990 e anos 2000, de evidência da infância e seus direitos. Tal visibilidade

pautou a evolução da área e principalmente agregou novas possibilidades de

efetivação do direito da criança pequena, nos termos do processo de

democratização brasileira.

A legislação e o cenário desencadeados estão diretamente relacionados

ao que determinou a Constituição da República Federativa do Brasil:

art. 227- É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda a forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (Brasil, 1988).

Nesse percurso, a partir de 1988, ganhou ênfase, como bandeira de luta

da sociedade civil, a interligação dos direitos da criança, entre eles o direito à vida,

saúde, educação e assistência, compondo-se completamente vinculados como

indissociavelmente pertinentes à estruturação da vida das crianças brasileiras.

Na observação da correlação de forças da luta pelas conquistas

democráticas, a reflexão deve ser ampliada para além de uma definição ou opção

por um regime de governo. Nesses termos dimensionamos a configuração

democrática conforme a expressão de Bobbio (1992) como possibilidades de:

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“passagem da democracia na esfera política, isto é, na esfera em que o indivíduo é

considerado como cidadão, para a democracia na esfera social, onde o indivíduo é

considerado na multiplicidade de seu status.” (p.14).

A complexidade das interações sociais e tudo o que a ela está

relacionado nos impõem a necessidade de recorrer tanto no próprio campo de

conhecimento, quanto em outros, às sínteses construídas sob diferentes focos de

compreensão. Inevitavelmente, sempre teremos mais coisas a conhecer do que o

que já é conhecido.

Temos, nestas duas décadas recentes, presenciado evolução sobre o

direito à educação da criança pequena. A investigação deste objeto está permeada

pelos acontecimentos da redemocratização política no país, no marco da instalação

do estado democrático de direito no Brasil.

Assim, este breve panorama detido em nuances do recente processo da

redemocratização brasileira, contextualiza o problema de pesquisa investigado,

justificando-se por ampliar a capacidade de pensar o objeto, provocando as

problematizações necessárias ao processo de conhecimento.

1.6 Educação para crianças pequenas: ruptura formal com a concepção de amparo

e assistência

Para entender as condições de inscrição histórica da educação infantil

como primeira etapa da educação básica em nosso país, torna-se necessário olhar

em várias direções. Daí, na trajetória do conjunto de tensões e contradições que

originaram a condição da criança sujeito de direitos é necessário vislumbrar sua

presença junto aos processos de redemocratização e sua posição e especificidade a

partir da promulgação da Constituição Federal de 1988.

Como assinalamos em momentos anteriores deste trabalho, ficou

demonstrado que, no conjunto histórico sobre criança e infância, até 1988, o

surgimento da instituição creche teve justificativas ligadas às necessidades dos

adultos ou mais especificamente das mães operárias e não das próprias crianças

(CAMPOS, 1999; ROSEMBERG, 1984).

Todavia, na trajetória recente de nosso país, em 1988, dentro do percurso

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da infância brasileira, a creche, ao lado da pré-escola, foi reconhecida como

instituição educacional. Neste aspecto, a consolidação do direito à educação a partir

de zero ano de idade, demarcou uma nova concepção do atendimento da criança

pequena.

Sobre o contexto enunciado, iniciamos a década de 90, comemorando a

histórica conquista na legislação brasileira quanto à inserção da Educação infantil

como primeira etapa da Educação Básica. Nesta perspectiva, destaca Cury (1998), a

atual Constituição Brasileira foi promulgada rompendo com a concepção de amparo

e assistência, portanto, superação da concepção compensatória:

(...) esta constituição incorporou a si algo que estava presente no movimento da sociedade e que advinha do esclarecimento e da importância que já se atribuía à Educação Infantil. Caso isto não estivesse amadurecido entre liderança e educadores preocupados com a Educação Infantil, no âmbito dos estados membros da federação, provavelmente não seria traduzido na constituição de 88. Ela não incorporou esta necessidade sob o signo do Amparo ou da Assistência, mas sob o signo do Direito, e não mais sob o Amparo do cuidado do Estado, mas sob a figura do Dever de Estado. Foi o que fez a constituição de 88: inaugurou um Direito, impôs ao Estado, um Dever, traduzindo algo que a sociedade havia posto. (CURY, 1998, p.11)

Nas conclusões de Cury (idem) visualizamos, portanto, sintomas da

ruptura quanto ao papel definido anteriormente, pelo Estado, quanto ao dever na

oferta de educação e o concomitante direito da criança pequena. A análise, na

recente década, sobre os direitos da infância brasileira e a busca pela

desnaturalização da situação de exclusão vigente, aponta a necessidade de

algumas reflexões. As limitações para a compreensão da cidadania são muitas,

contudo configurar, desvelar a representatividade e intensidade do processo

histórico, pode permitir ler o jogo da correlação de forças, que pode alterar, no longo

prazo, esse campo de restrição.

O protagonismo da articulação intersetorial do Movimento Criança e

Constituinte (1987-1988) pode ser lido como alicerce do estabelecimento da nova

condição institucional destinada às creches. Conforme Sabbag (1997), esta nova

condição em que está inserida a creche como instituição educacional é uma

conquista ampla e de apropriação coletiva, perpassando a conquista isolada de

apenas direito da mãe ou da família. É, pioneiramente, na história do país, a

afirmação do direito da criança.

A consideração do percurso da constituição do direito da criança

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converge para a reflexão sobre o papel protagonizado pelos movimentos sociais

(GOHN, 2009). As vozes da exigência do direito foram impulsionadas pelo seu

crescente avanço no campo acadêmico e pela leitura crítica das mulheres da

sociedade brasileira, associada a ações concretas e em direto confronto com a

estigmatização de creche como local de atendimento de crianças pobres.

Nesse horizonte, a educação infantil estabeleceu uma ruptura jurídica e

conceitual, sem precedentes nas legislações anteriores, recebendo um destaque na

nova Lei de Diretrizes e Bases. Foi a primeira vez que a expressão “educação

infantil” apareceu na lei nacional de educação, sendo tratada em uma seção

específica. Assim foi legislada a Educação Infantil na Seção II, do capítulo II (Da

Educação Básica), determinada nos seguintes termos:

Art. 29 A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem com finalidade o desenvolvimento integral da criança até os seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade. Art. 30 A educação infantil será oferecida em: I – creches ou entidades equivalentes, para crianças de até três anos de idade; II – pré – escolas para crianças de quatro a seis anos de idade. Art. 31 Na educação infantil a avaliação far – se – á mediante acompanhamento e registro de seu desenvolvimento, sem o objetivo de promoção, mesmo para o acesso ao ensino fundamental.(BRASIL, 1996)

Foi de fato um avanço na legislação o modo de efetivação da ruptura

política, jurídica e conceitual com a concepção de assistência. Em face da inclusão

da educação da criança pequena como público-alvo da primeira etapa da educação

básica do sistema educacional brasileiro, um conjunto de modificações passou

gradativamente a ser incorporado ao desenvolvimento do direito à educação da

criança de zero a seis anos.

Considerando esse panorama, se há cerca de quarenta anos, as

primeiras iniciativas oficiais tomaram a creche como “mal necessário” (VIEIRA,1986),

com as possibilidades pedagógicas e dívidas político-econômicas e sociais

acumuladas nesta trajetória, a educação infantil passa a ser afirmada como espaço-

tempo educativo para o desenvolvimento da criança e afirmação de seus direitos.

No final da década de 1990, começam a ser formalizados documentos

que consolidaram as primeiras diretrizes para a educação infantil. Em 1999, pela

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primeira vez, o Conselho Nacional de Educação (CNE) promulgou uma resolução

destinada a instituir Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil17.

Ainda no percurso dos anos 1990, o Ministério da Educação/MEC por

meio da Coordenação Geral de Educação Infantil (COEDI) realizou a publicação de

documentos que explicitaram ações e programas em desenvolvimento, demarcando

oficialmente os avanços do campo da educação infantil e sua concepção da

indissociabilidade do educar e cuidar.

Nos referidos documentos é possível identificar a continuidade e evolução

da área da Educação Infantil. Por ordem cronológica, designamos algumas

publicações: Critérios para um Atendimento em Creches que Respeite os Direitos

Fundamentais das Crianças (1995/2009); o Referencial Curricular Nacional para a

Educação Infantil (1998); Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação

Infantil (2006); Parâmetros Básicos de Infraestrutura Para as Instituições de

Educação Infantil (2006); PROINFANTIL - Programa de Formação Inicial para

Professores em Exercício na Educação Infantil (2005); PROINFANCIA - Programa

Nacional de Reestruturação e Aparelhagem da Rede Escolar Publica de Educação

Infantil (2007) e Indicadores da Qualidade na Educação Infantil no Brasil (2009).

Para o cumprimento do direito na esfera educativa, nos anos 2000, o

campo de lutas para as garantias políticas em relação à definição tanto da

Constituição Federal quanto da LDB 9394/1996, passou ser a estrutura

orçamentária provedora do atendimento às crianças. Nessa perspectiva,

destacamos a Emenda Constitucional nº 53, de 2006, que estabeleceu um novo

modelo de financiamento da Educação Básica, o FUNDEB, no qual creche e pré-

escola foram contempladas.

O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de

Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB) é um fundo contábil, instituído

no âmbito de cada Estado e do Distrito Federal. O FUNDEB substituiu o Fundo de

Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do

MAGISTÉRIO (FUNDEF), instituído no final da década de 1990 e que vigorou entre

17

Uma década depois, em 2009, foi aprovada a nova Resolução do Conselho Nacional de Educação/ Câmara de Educação Básica CNE/CEB nº 5/2009 que instituiu as novas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI) a serem observadas na organização das propostas pedagógicas das instituições de Educação Infantil brasileiras, revogando‐se a Resolução CNE/CEB

nº 01/1999.

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1997 a 2006. O FUNDEB está em vigor desde janeiro de 2007 e se estenderá até

2020. A Educação Infantil, primeira etapa da educação básica foi contemplada no

orçamento, sem retrocesso em sua condição legal. Conforme a análise de Gaspar

(2010):

Por muito tempo se argumentou sobre a importância do financiamento para dar à creche a relevância social, educacional e política como instituição que garanta o direito da criança de até três anos à educação, destituindo-a do status de assistência. Se a creche tivesse sido excluída do fundo, grande seria o risco de retrocesso na finalidade pedagógica. Ou seja, para cumprir uma das metas estabelecidas pelo Plano de Metas que visa a alcançar nota 6 no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), necessariamente ter-se-ia que começar pela Educação Infantil.(GASPAR, 2010, p.131)

Nessa perspectiva, a abordagem realizada sobre a condição sócio-

histórica da infância e da criança pode ser captada dentro das implicações

socioeconômicas vigentes em distintos momentos da formação social brasileira.

Nesse sentido, estão presentes as reflexões e análises postas frente à relação da

infância e suas ambiguidades, formas e transições históricas.

Assim, buscamos estender o olhar para situações históricas que

evidenciaram a relação criança e infância no Brasil. Percorrendo a bibliografia sob o

foco da necessidade de descobrir respostas, também descobrimos novas questões.

A elaboração e reelaboração do olhar histórico viabilizaram nossa compreensão

sobre gêneses, disputas, recuos, pausas e avanços próprios do movimento leitor-

leitura.

No percurso histórico das iniciativas de atendimento, proteção,

assistência, educação ou cuidado para a população infantil brasileira, localizamos

desde as primeiras iniciativas religiosas de catequese das crianças indígenas até a

criação do Departamento Nacional da Criança (DNC), em 1940, caracterizado como

primeiro órgão de Estado direcionado para acompanhar a situação da infância.

Buscamos delinear a relação entre o processo de industrialização e as

metamorfoses na organização familiar brasileira, a crescente atuação da mulher na

esfera pública. Neste aspecto, focalizamos o Movimento de mulheres e a Luta por

creches.

Observamos iniciativas governamentais instauradas durante a década de

1970 direcionadas à criança pequena, como o Projeto Casulo da Legião Brasileira

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de Assistência (LBA). Procuramos nos deter nos processos que compuseram e

desencadearam a luta pela redemocratização no Brasil, entre o final da década de

1970 e metade da década de 1980.

Apontamos os avanços nos direitos sociais através das mudanças na

legislação (Constituição Federal, 1988; Estatuto da Criança e do Adolescente, 1990;

Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, 1996) e da inauguração em nosso

país de um sistema jurídico de proteção aos direitos relacionados com as

possibilidades de efetiva atenção à infância.

Finalizamos este capítulo abordando especialmente, na educação da

criança de zero a três anos, o novo papel institucional das creches no Brasil, cuja

atual formalização legal rompeu com a concepção de amparo e assistência.

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CAPÍTULO II- O DIREITO À EDUCAÇÃO DA CRIANÇA PEQUENA: CONFIGURAÇÕES PRESENTES NA CIDADE DE MANAUS-AM

No capitulo anterior, procuramos discutir o processo histórico que

culminou com a ruptura com a concepção de creche como local de cuidado, guarda

e assistência para as crianças pobres, abandonadas ou desvalidas. Vale dizer que

tal concepção nasce com essa instituição social, perdura por séculos e ainda hoje

pode ser percebida nas práticas e nos discursos de muita gente.

Ocorre que, atualmente, é possível afirmar que as crianças brasileiras de

0 a 3 anos têm o direito à educação e ao cuidado que deve ser garantido pelo

Estado e instituições do sistema educacional. Além disso, a forma como esse

atendimento deve ser oferecido é regulamentada por uma série de leis que

estabelecem critérios em relação às condições físicas dos estabelecimentos, à

formação dos profissionais, aos recursos financeiros. Enfim, visam garantir o direito

à qualidade do trabalho na educação infantil sob vários aspectos.

Sendo assim, é preciso conhecer como esse direito tem se efetivado de

fato nas diferentes regiões do Brasil. Portanto, neste capítulo pretendemos

apresentar e discutir alguns aspectos da configuração do direito à educação da

criança pequena na cidade de Manaus-AM.

Essa discussão baseia-se nos resultados obtidos na coleta de dados

realizada através da busca documental e através das entrevistas realizadas com

mães de classes populares da cidade de Manaus-AM. 18

No primeiro momento, contextualizaremos as normatizações definidas

pelo Conselho Municipal de Educação (CME-Manaus) quanto ao direito à educação

da criança pequena e apresentaremos a composição da rede de creches (2008-

2013), explicitando a relação demanda/oferta de vagas com foco na rede pública de

creche.

No segundo momento, apresentaremos os resultados obtidos na coleta

de dados com os sujeitos da pesquisa; apresentaremos o bairro no qual residem as

mães entrevistadas; o perfil das mães e as noções sobre o direito da criança a partir

da percepção das mães.

18

Os procedimentos metodológicos foram descritos na introdução desse trabalho.

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Concluímos o capítulo, descrevendo e analisando as noções sobre direito

da infância presentes nos discursos das mães de classes populares de acordo com

as seguintes categorias: importância da vaga em creche, função da creche; a

creche como direito e o funcionamento da creche.

2.1 Conselho municipal de Educação: órgão regulador do direito à educação.

Com o objetivo de compreender o papel do Conselho municipal de

Educação (CME-Manaus) e sua relação com a rede pública de creches partimos

para consideração do marco regulatório da EI na cidade de Manaus-AM. Na revisão

das resoluções publicadas sobre Educação Infantil pelo CME, destacamos as

seguintes legislações: Resoluções: N.04/CME/1998- regulamentadora da

implantação da EI na rede municipal de ensino da cidade de Manaus; a Lei nº. 1.107

de 30 de março de 2007 que alterou a Lei nº. 377/1996 referente ao funcionamento

do Conselho Municipal de Educação (CME/Manaus); Resolução 05/CME/2010 que

aprovou o atual Regimento Interno do CME-Manaus19 e a Resolução

N.10/CME/2010 que estabeleceu normas e orientações para a realização de

matrículas para a Educação Infantil e Ensino Fundamental no Sistema municipal de

Ensino.

A partir dos dispositivos democráticos instituídos pela Constituição de 1988,

quando os municípios brasileiros foram elevados à condição de entes federados

autônomos, os Conselhos Municipais de Educação (CME) começaram a se

inscrever no cenário nacional como importante marco dos processos de

consolidação da redemocratização. Assim, destaca-se a importância da criação do

CME para a efetivação do direito à educação na esfera municipal. A interlocução

nacional de suas funções decorre também na rede de atividades entre os entes

federados, pelas diferentes experiências de exercício do direito entre os municípios

brasileiros. Os Conselhos de educação são representados em todas as pautas

nacionais e demais demandas pela União Nacional de Conselhos Municipais de

Educação (UNCME).

A UNCME, entidade representativa dos Conselhos Municipais de Educação, foi criada com os seguintes objetivos· Buscar soluções para os

19

A estrutura organizacional da Secretaria municipal de Educação (SEMED) que destaca O CME-AM como órgão colegiado encontra-se disponível no anexo D deste trabalho.

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problemas educacionais comuns e diferenciados dos municípios brasileiros; Estimular a cooperação entre os Conselhos; Articular-se com o Ministério da Educação e outros órgãos governamentais e não governamentais públicos e privados; Constituir-se em fórum de discussão e defesa da educação; Contribuir para a ampliação e melhoria da educação básica nacional; Incentivar e orientar a criação e organização de conselhos municipais de educação

20.

Tendo como ponto de partida as funções descritas, percebemos que o

papel estratégico desenvolvido pelo CME pode permitir e consolidar importante

interlocução junto à causa do direito à educação da criança pequena. Nesse sentido,

as funções desempenhadas pelo CME compõe sua caracterização como: órgão

normativo, deliberativo, consultivo e fiscalizador dos sistemas municipais de ensino.

A partir dessa posição, passamos a destacar o papel do CME- Manaus, mais

detidamente no tocante às especificidades da educação infantil.

O Conselho Municipal de Educação de Manaus é constituído por nove

membros titulares e suplentes indicados pelas seguintes entidades: 01

representante do Ensino Público Superior/Universidade Federal do Amazonas

(UFAM); 01 representante da secretaria estadual de educação (SEDUC); 02

representantes da secretaria municipal de educação (SEMED); 01 representante do

Ensino Privado (SINEPE-AM); 01 representante das Associações de Pais, Mestres e

Comunitários (APMC); 01 representante do Sindicato dos Trabalhadores em

Educação do Estado do Amazonas (SINTEAM); 01 representante da União

Municipal dos Estudantes Secundaristas (UMES); 01 representante da Câmara

Municipal de Manaus (CMM).

Silva (2012) abordou o papel do Conselho de educação municipal (CME)

desde sua criação em 1998 e conforme a autora, a Resolução Nº 04/CME/1998, foi

a primeira normatização do Conselho sobre a educação da criança pequena, com

papel definidor da finalidade da educação infantil em Manaus.

Ao considerarmos a referida Resolução, observamos em seu conteúdo

redação consoante ao documento norteador “Subsídios para credenciamento e

funcionamento de instituições de educação infantil” (BRASIL, 1998). O documento

produzido pelo Ministério da educação foi amplamente divulgado em território

nacional e tinha a finalidade de orientar a regulamentação da educação infantil.

20

Portal eletrônico: www.uncme.com.br acessado em 23/11/2013.

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Tomando como referência o documento supracitado, o CME definiu

critérios quanto à normatização da educação infantil em Manaus. Assim, nos dois

primeiros artigos, a Resolução Nº 04/CME/1998 legislou sobre a da finalidade da

Educação Infantil e onde deveria ser oferecida:

Art. 1º - A Educação Infantil tem como finalidade, o desenvolvimento integral da criança até 06 (seis) anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, em complementação a ação da família e da comunidade. Art. 2° - A Educação Infantil será oferecida em: I - Creches ou Entidades equivalentes, para crianças até 03 (três) anos de idade; II- Pré-Escola, para crianças de 04 (quatro) a 06 (seis) anos de idade.

(RESOLUÇÃO N.04/CME, 1998)

Dando cumprimento ao determinado na Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional (LDB 9394/1996), a cidade de Manaus buscou sua adequação

do ponto de vista normativo quanto à legislação de ensino em vigência. Na LDB

estava assim definido: “Art. 89. As creches e pré-escolas existentes ou que venham

a ser criadas deverão, no prazo de três anos, a contar da publicação desta Lei,

integrar-se ao respectivo sistema de ensino” (BRASIL, 1996).

Decorrente do desencadeamento das ações de implantação da LDB, no

ano de 2002, o MEC apresentou um estudo com o título “Integração das instituições

de educação infantil aos sistemas de ensino: um estudo de caso de cinco municípios

brasileiros que assumiram desafios e realizaram conquistas”, cuja amostra incluía a

cidade de Manaus.

O referido trabalho analisou a transição referente à passagem das

instituições de educação infantil da secretaria de assistência social da esfera

estadual para o município, ocorrida em Manaus em 1999. A consolidação analítica

sobre a situação de Manaus foi assim registrada:

Essa passagem trouxe dificuldades para a Secretaria uma vez que não possuía recursos humanos e financeiros para fazer frente às necessidades demandadas pelo atendimento às crianças de 0 a 6 anos. Destaque-se que o atendimento anterior era precário, sendo realizado em espaços inadequados e, sem uma preocupação com o aspecto pedagógico. Em função dessas dificuldades e tendo em vista a qualidade das ações desenvolvidas, foi priorizado o atendimento à criança de 2 a 6 anos. (MEC, 2002, p.52).

O relato presente na publicação do Ministério reforça a precariedade de

recursos humanos e financeiros para a municipalização do atendimento das crianças

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de zero a seis anos. O documento aponta a priorização do atendimento a partir dos

dois anos de idade.

Entretanto, a estruturação material para a passagem e aumento da oferta

referente à cidadania das crianças da educação infantil, primeira etapa da educação

básica, decorreu sem que de fato houvesse espaços adequados para o referido

atendimento. Desde aquela transição formal em 1999, constatamos ainda que na

atual rede municipal não há espaços físicos e pedagógicos próprios para o

cumprimento da legislação educacional.

Por exemplo, nas zonas mais pobres da cidade, como a que nos serve de

campo de pesquisa (bairro Jorge Teixeira, existente desde 1989)21, ainda que tenha

a maior população de crianças (IBGE,2010) nunca teve creche em funcionamento,

nem em prédio próprio nem em prédio locado pela prefeitura de Manaus.

Reiterando a condição ainda de implantação da educação infantil de zero

a três (creche), chama atenção uma recente resolução do CME, que expressa em

seu Art. 2°, parágrafo 2°: “É assegurado vaga na escola pública de Educação infantil

ou de Ensino Fundamental mais próxima da residência, a toda criança a partir do dia

em que completar 4 anos de idade” (resolução n° 10/CME/2010).

Por outro lado, nos anos de 1998, o documento “Subsídios para

credenciamento e funcionamento de Instituições de Educação Infantil” (MEC, 1998),

norteador do processo de regulamentação da LDB em território nacional, alertava:

Ao regulamentar a educação infantil (...). Além do perigo de se desrespeitar as realidades, deve-se considerar o risco de se atender somente aos mínimos obrigatórios. É responsabilidade dos conselhos de educação regulamentar aspectos essenciais para atingir o máximo e condições essenciais para se garantir o mínimo. (Subsídios para Credenciamento e Funcionamento de Instituições de Educação Infantil, v.1, 1998, p. 43)

Nesse sentido, observamos que o papel regulador do Conselho Municipal

de Manaus (CME) encontra-se obstruído por um olhar mais normatizador que

fiscalizador quanto ao direito da criança pequena. O Conselho enquanto órgão

normativo, deliberativo, consultivo e fiscalizador dos sistemas municipais de ensino

deveria ser autônomo e não apenas regulamentador das adequações de legislação.

Mas, na precária realidade de Manaus não identificamos nenhuma iniciativa por

21

Na sequência do trabalho apresentaremos a caracterização do campo empírico em que estamos desenvolvendo nossa pesquisa.

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parte do CME de fiscalização da rede de creches públicas, em conjunto com a

sociedade da qual é representante.

Na tentativa de caracterizar e discutir a relação direito da criança, oferta

de vagas e a rede de creches em Manaus, utilizamos as informações

disponibilizadas pela Secretaria municipal de educação de Manaus sobre as quais

trataremos a seguir.

2.2 A oferta de vagas para a educação da criança pequena em Manaus

Em nosso país, as estatísticas oficiais sobre o direito à educação tem

diversas fontes. Nesse sentido, a tentativa mais atenta de diálogo com o aspecto

quantitativo exige o seu norteamento sob diferentes ângulos.

Rosemberg (2006) esclarece quanto aos objetivos e formas de captação:

No Brasil são três as instituições que coletam/consolidam estatísticas educacionais: o MEC (Ministério da Educação e do Desporto), através do INEP (Instituto Nacional de Estatística e Pesquisas Educacionais) e das Secretarias Estaduais de Educação, que delimita como unidade de coleta principal o estabelecimento de ensino; o IBGE que delimita como unidade de coleta o domicílio. Complementarmente, o Ministério do Trabalho, através da Relações Anuais de Informações Sociais/RAIS, também consolida informações sobre professores(as), trabalhando no mercado formal e delimitando como unidade de coleta as empresas (no caso, os estabelecimentos de ensino). Cada uma dessas instâncias, em decorrência de suas particularidades, dispõe de instrumentos específicos de coleta, define uma população específica e, portanto, apresenta resultados não obrigatoriamente coincidentes. Por exemplo, enquanto as estatísticas do IBGE referem-se a estudantes, as do MEC a matrículas; o número de matrículas e de estudantes pode não coincidir, bem como diverge a composição dos questionários aplicados por cada órgão (p.17).

Considerando o aspecto destacado pela autora, concordamos que muitas

vezes ao referir-se ao mesmo sujeito, dependendo da fonte, tratamento e critério de

consolidação da informação pode-se ter resultados que não coincidam.

Em relação à educação infantil e a consequente institucionalização de seu

atendimento, é possível afirmar que ocorreu o crescimento de trabalhos que

apresentam e discutem os dados estatísticos sobre a área.22

22

Silva (2012) em dissertação de mestrado sobre os marcos regulatórios da educação infantil em Manaus apresentou estatísticas contidas no período entre 1996-2012, concluindo pela focalização da oferta de vagas somente para crianças a partir dos 04 anos de idade, na rede pública municipal, por meio de unidades educacionais denominadas Centros municipais de Educação Infantil (CMEI’s).

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65

Nessa dimensão, tentaremos compreender a tradução dessa estatística

no cotidiano dos cidadãos, considerando sua possibilidade de ser um instrumento de

desvelamento para a exigência do direito à educação.

Sabemos que enveredamos por um universo cuja população ainda

encontra-se parcialmente oculta, seja nas estatísticas nacionais, regionais e

especialmente entre os dados locais de Manaus.

Em Manaus, a inauguração da primeira creche pública municipal ocorreu

somente em 2008. Nos anos subsequentes, decorreram-se quatro anos em que,

para um universo de 128.939 crianças de zero a três anos (IBGE, 2010) não foi

construída nenhuma creche. Somente em 2013, foram inauguradas quatro

instituições, com restrito número de vagas em cada unidade.

A Promotoria de Justiça junto ao Juizado da Infância e Juventude Cível há

quatro anos vêm exigindo do Município de Manaus medidas eficazes em relação ao

atendimento da população para a construção de creches e ensino de qualidade,

visando proteger os direitos das crianças e adolescentes.23

Conforme o Ofício n.º 1721/2012 encaminhado pela Prefeitura de

Manaus/SEMED/GS e publicado no portal eletrônico do Ministério Público Estadual

(MPE), em 2012 a Secretaria de Educação Municipal confirmava a existência de

uma única Creche municipal em funcionamento. Tratava-se da Creche Municipal

Professora Eliana Freitas que atendia um total de 208 (duzentas e oito) crianças na

faixa etária de 01 a 03 anos de idade.

A prefeitura informou ainda ao MPE que mantém convênios com três

instituições, quais sejam: Escola Zezé Pio de Souza, atendendo 133 crianças;

Creche Marília Barbosa, atendendo 186 e Creche Infante Tiradentes, com

atendimento de 478 crianças matriculadas na faixa etária de 01 a 05 anos.

Para melhor visualização da situação da rede de creches em Manaus,

apresentamos um quadro com a evolução em três diferentes períodos de gestão.

23

Transcorre uma Ação Civil Pública (ACP) ajuizada pela 28ª Promotoria de Justiça Especializada da Infância e Juventude do Ministério Público do Estado do Amazonas (MP-AM), exigindo que o Município de Manaus cumpra obrigações, com pedido de liminar para sanar a falta de vagas nas Creches de Manaus. A ACP objetiva alcançar atendimento de todas as crianças, bem como melhorias na qualidade de ensino da rede pública de ensino infantil e também pela negligência do Município que destina montante elevado das verbas à manutenção de um programa de bolsas de estudo em instituições de nível superior quando deveria priorizar o ensino infantil e fundamental, conforme determina a legislação.

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Relacionamos as informações levantadas com a legislação nacional

vigente para destacar que as diretrizes educacionais já apontavam e destacavam a

importância do atendimento para as crianças de 0 a 6 anos.

Quadro 1 - Creches na cidade de Manaus: ano de construção, nome do prefeito, quantidade e legislação nacional

Ano/Período Gestão municipal Quantidade Legislação vigente

2005 a 2008

Prefeito Serafim Correa

01 (uma) creche

Constituição Federal 1988; Lei 8069/1990-ECA; LDB 9394/1996; Lei 10.172/2001-PNE

2009 a 2012 Prefeito Amazonino Mendes

00 (zero) creche

Constituição Federal 1988; Lei 8069/1990-ECA; LDB 9394/1996; Lei 10.172/2001-PNE

2013 Prefeito Arthur Virgílio Neto

04 (quatro) creches

Constituição Federal 1988; Lei 8069/1990-ECA; LDB 9394/1996; Lei 10.172/2001-PNE

Fonte: Dados estatísticos do portal eletrônico da Prefeitura municipal de Manaus

A análise dos dados aponta para uma quase estagnação na expansão da

rede de creches desde o período da transição da área da assistência para a área da

educação evidenciando que o município de Manaus apresenta uma carência de

prédios públicos próprios destinados à educação da criança de zero a três anos.

Convém observar que entre 2001 e 2011 estava em plena vigência o

Plano Nacional de Educação (PNE) que determinava: “Ampliar a oferta de educação

infantil de forma a atender, em cinco anos, a 30% da população de até 3 anos de

idade e 60% da população de 4 e 6 anos (ou 4 e 5 anos) e, até o final da década,

alcançar a meta de 50% das crianças de 0 a 3 anos e 80% das de 4 e 5 anos.”

(PNE, 2001)

Pelos dados apresentados no quadro acima, podemos perceber que o

número de estabelecimentos construídos no período de 2005 a 2013 foi muito

pequeno e que tal fato deve ter produzido um déficit na oferta de vagas no sistema

público para as crianças de zero a três anos.

Vale ressaltar que não existe uma lista de espera oficial da Secretaria

municipal de educação; verificando o pequeno número creches públicas, é possível

inferir que a publicação de uma lista poderia oficializar um gravíssimo déficit de

vagas na cidade de Manaus.

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Atualmente, encontra-se na Câmara Municipal a tramitação do Projeto de

Lei N° 362/2013 que dispõe sobre a divulgação da demanda atendida e “determina

que toda creche municipal, conveniada ou subvencionada, tenha afixado em lugar

visível a Lista de Espera por Vagas, de modo a tornar esse procedimento mais

transparente e sem possíveis manipulações” (CMM/PL N° 362/2013). 24

Para tentar dar respostas à demanda por vagas, a atual gestão tem

mantido parcerias e convênios para o atendimento da criança pequena.

Ilustrativamente, temos a vigência do Convênio nº. 005/201325 entre a Secretaria

Municipal de Educação - SEMED e a Polícia Militar do Amazonas:

O presente Convênio tem por objetivo o atendimento de 457 (quatrocentos e cinquenta e sete) crianças de 06 (seis) meses a 06 (seis) anos incompletos, na modalidade de Educação Infantil, no quantitativo de 60% de filhos de militares estaduais e 40% da parte da SEMED, com a locação de um imóvel com dimensões suficientes para viabilização do funcionamento da Pré-escola Creche Infante Tiradentes (Diário oficial do município de Manaus, Ano XIV, edição 3293 de 14 de novembro de 2013).

Conforme o descrito nos objetivos do Convênio supracitado, apenas 40%

de crianças da demanda pública municipal serão atendidas. Desse modo, mesmo na

perspectiva de ampliação da oferta de vagas, os Convênios firmados não

asseguram o direito à educação.

2.3 A rede pública de creches (2008-2013)

Para compreender a oferta de vagas em creches, apresentamos o

quantitativo populacional das crianças de zero a três anos, distribuído em cada zona

da cidade de Manaus:

Quadro 2 – População de 0 a 3 anos residente na cidade de Manaus por zona da cidade, no ano de 2010.

ZONA DA CIDADE 0 ANO 1 ANO 2 ANOS 3 ANOS Total por

zona

Zona leste 10.130 9678 9761 9931 39500

24

Destaca-se que foi a Comissão de Direitos Humanos que deu origem ao projeto de lei, denotando que o não atendimento da demanda por educação pode ser caracterizada como violação aos direitos humanos. 25

Extrato integral, obtido por meio do Diário Oficial da Prefeitura de Manaus, constitui-se em anexo deste estudo.

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Zona sul 6.609 6481 6447 6406 25943

Zona norte 9.791 9035 9028 9066 36920

Zona oeste 6.976 6563 6434 6603 26576

Total por idade 33.506 31757 31670 32006

128.939

Total geral 128.939

Fonte: IBGE/Censo Demográfico 2010.

Os dados demonstram que no final da década de 2010, a capital do

Amazonas contava com mais de 100 mil crianças com menos de três anos de idade.

Comparativamente, somente a população de crianças manauaras representaria a

população total de muitos municípios brasileiros.

Porém, o quantitativo populacional contrasta significativamente com a

oferta de vagas em creches. Fechamos a década, conforme censo do IBGE (2010),

apresentando os seguintes números: para uma população de 135.199 residentes em

Manaus, apenas 4.136 crianças de 0 a 3 anos, estavam em creches.

A insuficiência na oferta de vagas e o impasse por parte do poder público

municipal em sanar o problema reforça e sustenta uma situação em que prevalece a

baixa relação entre o direito anunciado e o direito na vida concreta das crianças.

Em Manaus, somente em 2005, foi iniciada a construção da primeira

creche municipal, dentro dos padrões orientados pelo Ministério de Educação que foi

inaugurada no ano de 2008. 26

Na atual administração municipal começaram a funcionar mais quatro

creches, conforme o quadro abaixo:

Quadro 3 – Rede pública de creches da cidade de Manaus, ano de inauguração, localização e quantidade de vagas oferecidas (2008-2013).

Ano de inauguração

Instituição Localização Quantidade de vagas

Estrutura do prédio

2008

Creche Municipal Eliana de Freitas Moraes

Comunidade Riacho Doce, Bairro Cidade Nova, Zona Norte

Atende 163 crianças entre 01 e 03 anos de idade. (período integral)

10 salas, fraldário, videoteca, refeitório, salas de aula, sala de nutrição, playgrounds cozinha e estacionamento

26

Adicionamos aos documentos deste estudo (anexo H) a íntegra do pronunciamento de um deputado federal amazonense que registrou a construção da primeira creche pública municipal como um marco para a educação da cidade de Manaus.

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69

2013

Creche Municipal Manuel Octávio Rodrigues

Jardim Mauá, Zona Leste da cidade.

Atende 70 crianças, com idade entre 01 e 03 anos de idade. (período integral)

05 salas com dormitórios e banheiros, uma área externa com dois playgrounds, sala de enfermagem, refeitórios e um solarium, totalmente acessível e tem banheiros adaptados.

2013 Creche Municipal Maria Ferreira Bernardes

Conjunto Fazendinha, na Cidade Nova, Zona Norte de Manaus,

Atende 65 alunos, na faixa etária de 1 a 3 anos de idade

05 salas, secretaria, banheiro para pessoa com deficiência, sala para enfermagem, sala de professores, cozinha, 03 depósitos (higiene, doméstico e papelaria), lavanderia, jardim, pátio interno e externo, parquinho, playground, minianfiteatro e estacionamento

2013

Creche Magdalena Arce Daou

localizada no bairro Santa Luiza, zona Sul

Atende 168 crianças de 1 a 3 anos de idade (período integral)

10 salas, fraldário, videoteca, salas de aula e cozinha.

2013 Creche Municipal

Professora Virgínia

Marília Mello de

Araújo

Rua das CarapanaúbasComunidade Gilberto Mestrinho – Zona Leste

Atende 111 crianças de 1 a 3 anos de idade (tempo integral)

Oito salas, sendo uma multifuncional, laboratório de informática, cozinha, lavanderia, três depósitos, um parque de diversões, quatro solários, seis banheiros infantis, um banheiro adaptado e dois adultos.

Fonte: www.dataescolabrasil.inep.gov.br (Censo Escolar/INEP/ 2013)

O Quadro 3 nos aponta a baixa quantidade de unidades educacionais

para a criança pequena. Além disso, a localização das creches evidencia a

concentração em apenas cinco bairros, entre os mais de 63 existentes na cidade o

que reflete a organização do atendimento a partir da noção de direito parcial e para

poucos cidadãos.

Concordamos com Hofling (2001) ao afirmar que a legislação de direitos

não se traduz como políticas sociais pelo Estado de modo automático. Sendo assim,

percebemos que apesar do avanço legal sobre o direito à educação infantil e apesar

do avanço da cobertura em termos do território nacional, temos em Manaus uma

realidade onde a lentidão na constituição da rede pública de creches concorreu para

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70

a baixa oferta de vagas, configurado mais exclusão do que inclusão das crianças.

(INEP/CENSO ESCOLAR, 2013).

Após a caracterização da situação da oferta e demanda por creches na

cidade Manaus, abordamos no item seguinte como as mães de classes populares

percebem essa questão. Ou seja, quais as noções que as mesmas têm sobre a

temática e como compreendem o direito à educação da criança pequena.

2.4 As mães das crianças pequenas da cidade de Manaus

A amostra para nossa pesquisa, parte da ausência das crianças no

sistema educacional. As crianças do bairro Jorge Teixeira não possuem matrícula

escolar, preenchem somente os números de déficits da educação infantil brasileira.

Nesta secção do trabalho, apresentamos os dados coletados entre as

mães entrevistadas. Tratamos, inicialmente do local/contexto de moradia das mães

e seu perfil. A seguir abordaremos as noções apresentadas pelas mães, localizando-

as nas quatro categorias de análise definidas para o trabalho: a) Importância da

vaga em creche; b) A função da creche; c) As noções sobre creche como direito e

d) O funcionamento da creche/condições de atendimento.

2. 4.1 Onde estão localizadas as mães e as crianças: o bairro

As políticas de ocupação territorial, principalmente durante o governo

militar, constituíram-se em indutoras da migração para a cidade de Manaus. Em

cinco décadas, observados os censos demográficos, a cidade passou de menos de

200 mil habitantes (Censo/1960) para 1.802.525 habitantes (Censo/2010). Este

crescimento populacional está diretamente vinculado ao estabelecimento da Zona

Franca de Manaus (ZFM) 27, implementada em 1967, como área de livre comércio e

de incentivos fiscais. A ZFM no decorrer desses quase cinquenta anos consolidou-

se como propulsora da economia do Amazonas. O processo migratório para a região

27

Zona Franca ou Zona de Livre Comércio é uma zona (local ou região de um estado ou país) onde os produtos ou materiais são considerados isentos de taxas e tarifas de importação, com anuência das autoridades fiscais governamentais. A Zona Franca de Manaus foi constituída pelo Decreto-Lei nº. 288, de 28 de fevereiro de 1967, com o objetivo de estabelecer um polo de desenvolvimento industrial na região Norte do país. Constitucionalmente sua vigência está assegurada até o ano de 2023.

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71

concentra a presença de famílias advindas dos estados do Pará, Maranhão, Ceará,

Rio de Janeiro e São Paulo (AMAZONAS, 2010).

Para abrigar todo o intenso crescimento populacional, a área urbana tenta

reordenar sua expansão. Assim, a mais recente divisão territorial formalizada no

município de Manaus ocorreu em 2010, por meio da Lei municipal 1401/2010 em

que ficou definida a expansão e definição da nova quantidade de bairros na zona

urbana da cidade. A nova oficialização territorial28 admitiu existência de sessenta e

três (63) bairros. Este quantitativo não se refere à chamada zona rural, dividida em

área rodoviária e área ribeirinha.

O bairro de Jorge Teixeira que foi selecionado para nossa amostra é um

dos mais populosos da cidade de Manaus; localiza-se na zona leste da cidade, tem

mais de vinte anos de existência; uma população total de 112 mil e 879 habitantes; é

o terceiro maior bairro da periferia em termos de população absoluta. (conforme

dados do IBGE). Ainda segundo o IBGE (2010), possui o maior quantitativo de

crianças na faixa etária de 0 a 3 anos; 12.884 crianças. Portanto, a seleção do local

da pesquisa empírica conduzida no referido bairro obedeceu ao critério de

densidade demográfica.

O bairro foi criado em 1989, inicialmente com distribuição pacífica de lotes

a pessoas sem moradia e algumas ocupações coordenadas por líderes da Igreja

Católica e membros de partidos políticos locais. Nos anos seguintes, houve uma

explosão de ocupações desordenadas, que resultaram na criação de 4 etapas do

bairro: Jorge Teixeira I, II, III e IV. Localizado nas proximidades do Distrito Industrial

de Manaus, o bairro convive com os problemas sociais ocasionados pela ausência

do poder público. O transporte para o bairro é feito por meio de vans, moto táxis e

transporte coletivo. Os terrenos são pequenos e as casas muito próximas

possibilitando que as notícias circulem de forma rápida; assim, a presença da

pesquisadora na comunidade foi logo identificada.

O acesso à comunidade foi feito de carro, porém, o deslocamento nas

ruas foi difícil, pois em período chuvoso algumas ruas ficavam intransitáveis. Assim,

fazíamos várias pausas e perguntas no percurso e descobríamos novas formas de

circular a partir da rua principal.

28

Referimo-nos apenas ao grupo de bairros oficiais identificados pelo IBGE. Todavia, como outras cidades em expansão, Manaus têm grandes comunidades periféricas ainda não oficializadas com a denominação de bairro.

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72

Uma das etapas do bairro denominada “Jorge Teixeira etapa III” recebe

atualmente intervenção de um programa da prefeitura municipal de Manaus em

parceria com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), cuja iniciativa foi

provocada pela justificativa do baixíssimo índice de desenvolvimento humano (IDH)

entre a população moradora do bairro.

Conforme o projeto denominado Programa de Desenvolvimento Urbano e

Inclusão Socioambiental de Manaus (PROURBIS) o objetivo é promover, de maneira

sustentável, a melhoria da qualidade de vida da população residente em áreas de

risco e de preservação ambiental. Nesta etapa das obras, foi entregue um conjunto

residencial com 88 apartamentos às famílias que não residiam anteriormente no

bairro Jorge Teixeira.

Tentando compreender a fonte de recursos do empreendimento,

encontramos no portal eletrônico da Prefeitura, as seguintes informações

orçamentárias acerca do Programa:

O Prourbis, um grande projeto que consiste em transformar uma das áreas mais carentes da capital do Amazonas, com o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) baixo, em um bairro modelo para o Brasil, está orçado em R$ 100 milhões, sendo R$ 50 milhões recurso da prefeitura os outros R$ 50 milhões provenientes do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).

Assim, a ideia de criação de um “bairro modelo” é argumento para a

execução desta parceria internacional com o foco em obras para edificação de

unidades habitacionais. O projeto global, dividido em duas fases prevê abrigar

famílias que moravam em áreas de risco nas proximidades do igarapé do Mindu29. A

iniciativa de construção de um conjunto habitacional padronizado no bairro Jorge

Teixeira e sua interação com os demais moradores ainda está em vias de repercutir

e não podemos antecipar quais serão as consequências desta expansão

populacional neste que já é o terceiro bairro mais populoso da capital.

29

O Mindu é o mais extenso igarapé de Manaus e atravessa, contemporaneamente, regiões altamente povoadas como a zona leste, sul e centro-oeste. Segundo o estudo “Panorama da Qualidade de Águas Superficiais do Brasil” feito pela Agência Nacional de Águas (ANA), Manaus produz 67 toneladas de esgoto todos os dias. Dados do Ministério das Cidades indicam que apenas 11% desse esgoto é coletado e que somente 38% do que é coletado passa por algum tipo de tratamento. Cruzando os dados, é possível dizer que apenas 4,17% de todo o esgoto de Manaus é tratado. O restante, é jogado in natura em igarapés como o Mindu.

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73

2 4.2 O perfil das mães

A preocupação específica que motivou a pesquisa também promoveu o

encontro com a trajetória de lutas cotidianas das mulheres-mães. Portanto,

incluímos em nosso relato, a partir das questões levantadas e dos limites traçados

no desenho do estudo, uma caracterização geral do perfil das mães, na tentativa de

melhor compor a produção dos dados qualitativos para a pesquisa.

O objetivo de conhecer as noções sobre o direito da criança pequena

entre as mães trabalhadoras de bairros periféricos da cidade de Manaus, nos fez

também observar a situação econômica que contribui para a dificuldade material

entre elas, basicamente o desemprego e a precariedade do trabalho (SCHERER,

2005). Nesse sentido, ressaltamos que, apesar de quase todas as mães ouvidas

estarem desempregadas ou tentando atuar no mercado informal, para fins deste

estudo, isso não as descaracterizou como trabalhadoras.

Conforme já nos referimos em momento precedente deste estudo,

trataremos aqui do universo de doze mães moradoras do bairro Jorge Teixeira,

situado na região leste da cidade de Manaus. Estas mães não serão identificadas

com seus nomes reais. Exclusivamente para referência neste trabalho, foram

renomeadas. Desta forma, daremos cumprimento à opção de assegurar o anonimato

das entrevistadas, conforme anteriormente acordado no Termo de Livre

Consentimento e Esclarecimento (TLCE).

Seguiremos, portanto, a traçar a identificação dos sujeitos de nossa

pesquisa a partir de uma sequência nominal atribuída a cada uma das doze mães

entrevistadas, conforme perfil consolidado no quadro a seguir:

Quadro 04 - Perfil das mães participantes da pesquisa

Nomes

Idade

Total de

filhos

Total de

filhos de

zero a três anos

Escolaridade

Renda familiar

As crianças

têm certidão de nascimento

Quem cuida

das crianças em casa

procurou vaga

em creche?

Já teve

filho matriculad

o em creche?

SANDRA 28 02 01 7° ano/ Ensino

Fundamental

1 salário mínimo

Sim A própria mãe

Sim Não

MIRIAM 35 05 01 2°ano/ Ensino Médio

2 salários mínimos

Sim A própria mãe,

quando sai deixa com a

Sim Não

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74

filha de 14 anos.

ANA

28

02

01

Ensino médio

1 salário mínimo

Sim

A própria

mãe

Não

Não

MARIA 48 04 01 Ensino médio 1 salário mínimo

Sim A mãe e quando

precisa sair, o pai da

criança toma conta.

Sim Não

REGINA

27

02

01

8°ano

1 salário mínimo

Sim

A própria

mãe

Não

Não

CLAUDIA

35

03

01

8°ano

2

salários mínimos e meio

Não

A mãe cuida

da criança e

quando sai,

o filho de 16

anos cuida.

Sim

Não

MARCIA

20

02

01

Ensino Médio

1 salário mínimo

Sim

A própria mãe. Mas quando ela

está empregada

tem que pagar

alguém pra ficar com

ela.

Sim

Não

VÂNIA

34

02

01

8°ano

2

salários mínimos e meio

Sim

A mãe,

quando

precisa sair

deixa com a

madrinha ou

com a filha

mais velha

de 12 anos.

Sim

Não

ISABEL

34

06

01

5° ano

1 salário mínimo

Sim

A mãe,

quando sai

deixa com a

filha de 9

anos.

Não

Não

CAMILA

19

02

02

9°ano

2

salários mínimos e meio

Sim

A própria mãe cuida com ajuda

de familiares que moram

juntos. Quando sai, deixa com a

avó.

Não

Não

JOANA

28

05

02

8°ano

1 salário mínimo

Sim

São

cuidados pela mãe,

que quando precisa se ausentar,

pede ajuda

Não

Não

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da avó das crianças, que mora

perto.

PAULA

40

05

01

7°ano

1 salário mínimo

Não

A própria

mãe

Não

Não

Fonte: Coleta de dados da pesquisa empírica

Entre todas as mães ouvidas, o cuidado com a criança pequena é uma

das grandes preocupações. Sobre o assunto, afirmaram dividir alguns cuidados dos

filhos com o pai das crianças. Nos termos por elas utilizados, declararam que os

maridos “quando podem”, ajudam a “reparar30 os filhos. Ficou evidente que as mães,

ao expressarem a restrição/concessão masculina na observação “quando podem”,

compreende o fato de elas serem as principais cuidadoras.

Como todas as mães possuem mais de um filho pequeno, elas cuidam ao

mesmo tempo de duas crianças ainda muito dependentes de atenção diuturna. A

renda média das famílias não ultrapassa o valor de um salário mínimo e meio,

configurando grandes dificuldades para, conforme o discurso materno, a oferta de

“uma vida melhor para a criança”.

Partimos do entendimento de que o direito à educação para as classes

populares pode significar uma fonte de proteção à criança face às contradições

presentes numa sociedade marcadamente desigual e constituída com base na

exploração econômica.

Nesse pressuposto, discutir o direito humano à educação exige o

aprofundamento de sua existência condicionado à sociedade capitalista. Nesta base

econômica, o cenário neoliberal repercute seu lastro em múltiplas dimensões, desde

a face econômica a político-ideológica, desafiando nosso esforço em tomar a

totalidade como fundamento de análise.

Na busca pela vaga para o atual filho da faixa-etária de zero a três anos,

metade do grupo das mães entrevistadas procurou por matrículas junto à SEMED.

Entretanto, todas obtiveram respostas negativas. Quando a pergunta é se já tiveram

30

Reproduzimos aqui a palavra exata com que as mães se referem aos cuidados com as crianças: “Reparar”. A palavra tem o significado de “tomar conta”. O conjunto do ato de reparar a criança amplia-se para ações de olhar, ninar, cuidar, se ocupar com as necessidades da criança pequena. Para o conhecimento de outros termos frequentemente utilizados por amazonenses, indicamos o dicionário de termos locais, denominado “Amazonês: expressões e termos usados no Amazonas” (FREIRE, 2011)

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76

outros filhos, em anos anteriores, matriculados em creches, o grupo todo afirma que

não. Assim, conforme dados coletados (quadro 4) somente nesta amostra estão

representadas 40 crianças31 de classes populares que foram excluídas do direito à

creche.

Concluindo o perfil brevemente traçado das mães entrevistadas,

observamos que entre algumas mulheres parecia haver, inicialmente, certa

desconfiança em si mesma, com relação a possibilidade de colaborar com

informações. Daí, nossa atitude junto à entrevistada foi de tentar compartilhar a

relevância daquela contribuição, entre outras, que seriam necessárias para que nos

aproximássemos mais de nosso objeto de conhecimento.

Ao apresentar as respostas obtidas junto às mães, queremos relacioná-

las ao esforço teórico deste estudo: conhecer expressões que tem emergido sobre o

direito da criança pequena no interior das classes populares de Manaus. O que se

pretende realmente é desvelar novas contribuições tendo em vista a totalidade de

onde os dados emergiram.

Nessa perspectiva, no item seguinte, apresentaremos e discutiremos

especificamente o conteúdo das falas das mães.

2.4.3 Noções sobre o direito à educação da criança pequena

As noções sobre o direito à educação da criança pequena têm como fonte

as falas das mães da amostra deste estudo. Assim, as noções aqui apresentadas

emergiram ora entre respostas mais curtas, ora em falas mais prolongadas. As

expressões do pensamento das mães movimentaram-se tanto diretamente, com

foco no assunto indagado, quanto indiretamente na retomada de tema e/ou questões

anteriores.

Em nossas ações como mediadora/conversadora32, buscamos pelos

conteúdos da pesquisa sem a exigência unilateral que a resposta da mãe fosse

31

O total de crianças referido compreende a soma do número de todos os filhos das mães entrevistadas. Todas crianças nascidas após os anos 2000, quando o direito à educação infantil já estava anunciando constitucionalmente desde o ano de 1988.

32 Utilizamos o termo “conversadora” por ser também representativo da forma como percebemos a

evolução do nosso modo de entrevistar. Observamos o avanço da interação com as mães pelo registro da entrevista, entre os conteúdos do primeiro momento e a fase final focada no direito da criança pequena.

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77

exata, precisa, “completa” e principalmente fechada. Nesse movimento de perguntas

e respostas, entre os conteúdos expressos foram destacadas as falas que

descreveremos a seguir.

Selecionamos as falas focalizando-as em conteúdos pertinentes ao

desenho da pesquisa. De acordo com os objetivos do estudo, trouxemos as

descrições distribuídas dentro de quatro categorias. Buscamos localizar as

expressões/noções das mães sem dicotomizá-las apenas para atender às

categorias de análise estabelecidas. As falas apresentadas a seguir foram

selecionadas a partir do critério de destaque e relevância quanto às questões

formuladas no conjunto das doze entrevistas. O destaque considerou o objetivo do

trabalho, a aproximação realizada e o conhecimento sobre as noções do direito à

educação da criança de classe popular.

2.4.3.1 A importância da vaga em creche

Tendo como foco identificar elementos determinantes sobre o direito à

educação da criança pequena, no contexto da realidade de atendimento na cidade

de Manaus, destacamos a questão da oferta de vagas. Sobre a relevância ou não

das vagas em creches, Miriam apresentou a seguinte resposta:

Eu acho uma coisa importante... Porque como precisa ter um lugar para que as crianças fiquem. As mães possam ficar... (SIC) Até mesmo um lugar confiável.

Na abrangência dos possíveis significados que a oferta de vagas em

creche pode tomar, para além dos direitos dos pais, hoje se colocam também

significados em torno do direito da criança. Nesse sentido, a fala da mãe ressalta o

poder contar com alguém de confiança, que tem uma formação específica tanto para

cuidar, quanto para ensinar. Miriam demonstrou uma expectativa correspondente ao

conjunto de necessidades e importância relacionadas às funções educativas da

creche.

Ana, respondeu, apontando algumas perguntas e dando ênfase a outros

aspectos relacionados a essa questão:

Com certeza. Porque tem muitas mães que precisam. Tem mãe que não tem marido. Eu tenho o meu esposo ainda que pode me auxiliar e tem mãe que não tem... precisa trabalhar para manter a casa ... Ela se torna o pai e mãe daquela criança... Então para ela manter ela precisa trabalhar... então

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é muito sofrimento para uma pessoa que não tem.. que precisa mesmo.... Então é muito importante ter uma creche. (...) Eu acho...acho sim. Mas ao mesmo tempo nem sei como te falar...Uma creche é importante para aquela pessoa que tá precisando trabalhar, né? Porque é preciso ela colocar aquela criança ali. Mas no meu caso eu não teria coragem de colocar o meu filho bebezinho assim numa creche. Tá entendendo?

A fala de Ana evidencia um olhar ainda parcial e até descontextualizado

legalmente (CF 1988; LDB 9394/1996)a porque ressalta como finalidade para a

creche ainda a função assistencial. Vê a creche como necessidade apenas das

mães que “não tem marido” e que por isso “precisam trabalhar”. O sentido de

confronto com a naturalização vigente, na fala de Ana a educação da criança ainda

não aparece formulada como pertencente à demanda do direito universal. A

educação infantil não é vista como primeira etapa da educação básica, como

anunciado na legislação brasileira, ocorrendo o distanciamento das crianças da

cidade de Manaus do espaço dos direitos constituídos.

Nesse aspecto a configuração da ideia sobre creche, tomada no contexto

das noções relacionadas pelas mães, são dependentes da maneira concreta como

estas vivem, das condições materiais da sua lida e produção de significados.

Assim, abordando a necessidade deste equipamento social e a obtenção

de informação sobre suas reais finalidades, Regina deu ênfase à importância da

creche:

É importante e muito. Porque vejo o caso de umas amigas minhas que precisam. Porque não tem companheiro como eu tenho, que possa ter uma renda familiar. E elas não... tem que trabalhar e muitas das crianças ficam sozinhas.

Percebe-se que as mães, Ana e Regina, destacadas pelas falas citadas

precedentemente, apesar de considerarem a creche importante, têm dúvidas sobre

buscar ou não este atendimento para o seu filho. É interessante ressaltar que elas

destacam a importância da vaga em creches para as ‘mães que precisam’; elas não

precisariam porque tem marido, uma delas afirma que não teria coragem de colocar

o filho numa creche. Essa é uma visão muito recorrente nas falas sobre essa

instituição que durante séculos foi vista como um local para crianças pobres, órfãs,

abandonadas ou ainda para filhos de mães solteiras. Esse é um estigma que a

creche ainda carrega.

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79

O olhar destacado pelas mães demonstrou-se impregnado pela solidez

da associação da figura do marido como provedor das necessidades dos filhos.

Essa forma de olhar apresenta uma noção apartada da necessidade dos próprios

filhos. A possível constatação da ausência do Estado é minimizada e afastada pela

regularidade e imediatismo da função provedora percebida como já atendida pelo

marido e pai, sob a ótica construída naquele conjunto familiar.

Por outro lado, Joana assume a importância da vaga na creche, tanto

para si mesma quanto para outras mães.

Sim. Porque não só no meu caso. Porque eu não trabalho. Mas porque tipo muitas mães por aí que precisam trabalhar... que só são elas...Elas tem filhos e não tem com quem deixar...Se tivesse, pra mim... Pra mim ia ser bom, não é?

Joana considera inicialmente que seria bom para as mulheres que

trabalham fora de casa. Porém, continuando sua fala, admite que seria bom também

para ela. Isabel preferiu destacar em sua resposta a competição pelas vagas em

creches, conjecturando sobre a questão: “... se forem construídas as creches, vão

sobrar vagas? Eu acho que vai faltar é vaga. Eu acho, né?”

Pelo déficit de creches que temos observado na cidade de Manaus,

podemos concordar com a percepção da mãe. Como cogita a entrevistada há uma

tendência de se evidenciar uma maior procura por vagas a partir de uma maior

oferta. É o que poderíamos chamar de demanda reprimida: as pessoas não

procuram porque nem sabem que existe o equipamento ou ainda, sabem que não

existem.

Assim, Joana traz em sua fala um aspecto importante: o processo de

busca por vagas para as crianças. Ela afirma: “Sim. Cheguei a ir. Mas tem uma

regra, não é? Só com quatro ou quando vai fazer quatro...”

Isso evidencia o desconhecimento por parte da população do que deveria

ser oferecido pelas políticas públicas. Ocorre que redes de educação de vários

municípios brasileiros têm priorizado a oferta de vagas para as crianças a partir de

quatro anos; isso cindiu a educação infantil separando a creche e a pré-escola,

restringindo esse direito somente para as crianças maiores, em salas de pré-escolas

e em período parcial (4 horas diárias). De certa forma, foi um recurso para o desvio

de demanda por vagas as quais as famílias e as crianças de 0 a 3 anos de idade

teriam direito.

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80

A experiência das mães na procura por matrículas para as crianças nos

ajuda a compreender que na prática, as leis são distorcidas, ainda que isso se

constitua violação de direitos.

Por fim, a fala de Paula reforça a importância da vaga em creche:

Considero. É, eu acho assim... claro que nossa cidade tem que ser vista de

uma forma bela, bonita...Mas existe não só como lá...aquele estádio, centro

da cidade, Ponta Negra33

. Existem bairros que devem ser beneficiados...

Porque você anda por aí você vê uma boa infraestrutura. Quando você

chega no bairro, você também é muita (SIC) condenada por isso, você

mora na zona leste e isso (né?) acho que deveriam olhar mais pelos bairros

que não é só andar no centro....E eu acho que creche é um assunto a ser

tratado com bastante cuidado porque eu acho são crianças envolvidas. E eu

acho também que como a mãe trabalha deveria ser visado mais essa parte.

A voz de Paula aponta para o desvelamento das contradições, denotando

elementos e abertura capazes de favorecer a reconstrução do olhar sobre criança e

infância. A situação de exclusão social expressa pela mãe mostra a condição da

qual são vítimas as crianças de bairros periféricos. A experiência problematizadora

presente na fala de Paula indica que por serem crianças em questão o assunto da

creche deveria ser tratado de fato com seriedade. Tal percepção sinaliza o ponto de

partida desta mãe para outras elaborações que possam produzir as mediações

necessárias para avançar quanto ao respeito ao direito da criança pequena.

No contexto das questões levantadas, todas as mães entrevistadas34,

consideraram a oferta de vagas em creche como uma questão necessária e

relevante.

Mas, será que no contexto das noções sobre creche demonstradas pelas

mães, elas caracterizam o entendimento da creche como um direito? Essa questão

será apresentada no próximo item.

33

Quando a mãe fala em “Ponta Negra” refere-se ao extenso complexo turístico na orla do Rio Negro. Esta área paisagística foi recentemente reformada e ampliada para a frequência de turistas no 1° semestre de 2014. Neste ano Manaus será uma das 12 cidades (única entre os Estados da região norte) a ser subsede da Copa do mundo de futebol.

34 O quadro síntese de transcrição das respostas apresentadas pelas mães sobre o direito à creche

compõe o apêndice C deste trabalho.

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2.4.3.2 A creche como direito

Regina registrou dessa forma a sua aspiração pelo direito:

Ah, eu acho que como isso é direito nosso, deveria ter não só uma. Mas duas, em cada bairro, que atendesse realmente a população. Porque são muitas crianças por aí... que a mãe infelizmente tem que trabalhar e ficam assim à mercê de qualquer coisa assim. Sou prova viva disso que eu já vi isso acontecer por aqui mesmo.

Essa mãe fala da sua preocupação com as crianças que “ficam à mercê

de qualquer coisa assim”. Ela expressa o reconhecimento da vulnerabilidade e dos

riscos impostos às crianças quando os determinantes econômicos exigem que as

mães escolham entre o trabalho/emprego e a proteção dos filhos.

Vejamos outra afirmativa quanto à questão “Você sabe que a creche é

um direito?” Sandra respondeu nestes termos: “Eu sabia. Ah, por aí, muita gente

fala, né? Só que ...”

O silêncio que se segue expressa a falta de credibilidade na efetivação do

direito.

Essa questão é reforçada por Regina que demonstrou além da resposta,

um posicionamento: “Saber eu sei, mas simplesmente este direito não é nos dado.

É. Não é cumprido o nosso direito”.

Miriam construiu sua resposta desta forma: “... Agora sim, mas antes não,

não é?”

Ana respondeu afirmativamente: “Sim. É um direito”.

Vânia abordou sua resposta recorrendo a uma informação que afirmou ter

visto na rede mundial de computadores (Internet): “Não. Não sabia. Porque eu tava

vendo ontem na internet e vi que era um direito.”

Joana apresentou a seguinte resposta: “Acho. Tanto uma creche como

um colégio”.

Claudia afirmou:

Com certeza! É um direito pra criança e um favor pra mãe. Porque existe muita mãe solteira que precisa recorrer pra creche... procurando em Distrito

35 onde

tenha a vaga em creche

35

A mãe expressa o termo “Distrito” reproduzindo a forma popular como é referido o Polo industrial de Manaus (PIM) que abriga as fábricas da Zona Franca.

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O entendimento da creche como um direito foi variável entre as respostas

das mães. As respostas acima apresentadas evidenciam que as mulheres

entrevistadas estão ‘aprendendo’ que a creche é um direito, ou seja, é uma

informação recente; que elas não tinham, que estão ‘descobrindo’, que elas ainda

têm dúvidas e incertezas se é realmente um direito.

Isso se explica em parte porque a creche é um equipamento recente na

história da educação brasileira e ainda não é um equipamento que faz parte da

realidade dessas moradoras de um bairro periférico da cidade de Manaus.

Tanto é que as mães entrevistadas afirmaram que sabem que a creche é

um direito e por isso ressaltaram a necessidade da construção de creches. Ou seja,

o direito existe como anúncio, mas ainda precisa ser efetivado. As desigualdades

sociais reprodutoras de conflitos não podem ser “neutralizadas” somente pela

legislação. Ouvir e repercutir as respostas das mães diante da condição concreta em

que convivem com a criança de zero a três nos faz deparar com as desiguais formas

de acesso ao direito à educação.

Se a creche é um direito, qual é a visão que as mães têm a respeito da

função da creche? Através da entrevista, procuramos investigar também, qual a

noção que elas têm sobre essa questão. No próximo item, apresentaremos e

discutiremos as respostas dadas.

2.4.3.3 A função da creche

Tentando constituir mais elementos para compreender a totalidade do que

é percebido pelas mães como direito à creche, indagamos sobre a função desta

instituição. Assim, Maria ao ser perguntada se a creche pode auxiliar na educação

das crianças respondeu a partir de sua experiência profissional afirmando que:

Pode sim. Porque no tempo que eu trabalhava numa creche conveniada... chegava assim ( a mãe da criança foi explicando, sobre como as mães das crianças da referida creche indagavam): “Ô, tia! Em casa ele não quer estudar, como é que ele estuda aqui?” A criança precisa daquele incentivo, senão fica aquele marasmo...Por exemplo, aqui em casa eu quero ensinar, mas aí ele não gosta. Em casa ele não quer estudar. Se fosse na escola, quando tiver outra criança aqui...então ele vai olhar...tem alguém fazendo...Então, eu vou fazer também...Até você , adulto, se tiver sozinho na sua casa você não vai aprender. Mas se houver aquele incentivo da sala

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de aula, então você vai também... Se houver incentivo você vai estudar, assim é a criança.

Podemos observar que a mãe refere-se à importância da socialização na

educação da criança; ela entende o direito à educação (que ela denominou ensino)

como uma necessidade da criança. Maria percebe a creche como uma instituição

educativa e não somente como um lugar de guarda da criança.

Sobre esta questão, Regina respondeu com ênfase: “Simplesmente na

educação também. Quanto mais cedo se aprende melhor”.

Claudia apresentou uma resposta direta “Eu acho. Porque na minha

ocupação... O que eu não posso dar pra ele... ele pode tá aprendendo na creche...”

A fala da mãe aponta que a frequência à creche pode trazer possibilidades para a

criança de se enturmar, de enfrentar com prazer o desafio de aprender, de construir

o conhecimento e de estar na companhia de outros da sua idade.

Nas entrevistas mencionadas as mães demonstraram reconhecer a

creche como um direito da criança e não somente do adulto que trabalha fora, como

é o discurso predominante no senso comum.

Além disso, as mães se referem à possibilidade de se propiciar um

espaço educativo para as crianças. Assim, é possível afirmar que pelas falas das

mães mencionadas anteriormente, elas estão construindo o saber/ a concepção de

que a função da creche vai além de ser um local onde as crianças podem ser

cuidadas e abrigadas, elas chegam a cogitar de que a creche pode ter uma função

educativa.

Mas, o que elas pensam sobre como deve ser o funcionamento e as

condições de atendimento da creche? Essa é a questão que discutiremos no item a

seguir.

2.4.3.4 Funcionamento da creche/condições de atendimento

Buscando correlacionar a resposta a situação concreta que teve de

compreender sobre o uso do equipamento social objeto deste trabalho, Maria

expressou o conhecimento sobre o funcionamento da creche a partir de sua

experiência profissional:

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Sei, porque eu trabalhei numa (creche comunitária lá no bairro Antônio

Aleixo). Eu tenho até vontade de voltar a trabalhar. Vontade de trabalhar

fora... É o que eu digo para os meus filhos, mil vezes trabalhar fora do que

em casa... No trabalho você se distrai.

Na mesma dimensão, destacamos a fala da Ana que respondeu: “Sim,

minha mãe lecionava numa delas!”. Chama atenção o discurso da entrevistada que

usou a palavra “lecionava”. O fato de ter uma experiência com a creche, por meio do

trabalho de sua genitora fez com que ela tivesse uma certa noção da creche como

um local de educação.

Entre as doze mães entrevistadas, somente quatro delas sentiram-se

seguras para tentar formular alguma resposta sobre o funcionamento da creche;

entre as questões do roteiro da entrevista, essa indagação foi a mais distante de

suas realidades.

Assim, ficou evidenciado que apontar uma resposta sobre como é o

funcionamento da creche/condições de atendimento representa um desafio para a

maior parte das mães pela invisibilidade material do equipamento junto às suas

realidades. Entretanto, Márcia tentou uma resposta: “Como funciona? A creche...

acho que dura o dia todo (não é?). Cuida de criança.”

Durante a pergunta, na tentativa de aprofundar, indagamos ainda para

Márcia: ‘Mas, cuida que nem você cuida?’ Ao que ela respondeu:

Não. Esse é o meu medo. Sem ter uma câmera pra vigiar... Ver o que acontece. Porque o meu pior medo é da minha filha ficar traumatizada por alguma coisa que fizeram com ela. Porque criança... Criança ela dá trabalho. Ela chora. Ela birra... Porque geralmente até a mãe perde a paciência. Por que outra pessoa não vai perder? Porque meu medo é esse de colocar ela (SIC) numa creche pública.

Para construir uma resposta sobre o “funcionamento da creche” as mães

aproveitavam para desdobrar outras questões que as afligiam. Substituir a

indagação por outro tema também se apresentou como um recurso de resposta.

Vânia respondeu prontamente que não sabia, buscando ajuda em uma

justificativa que consideramos plausível:

Não. Ninguém não sabe. Por aqui, pra você ter uma ideia, né ? (consultando a comadre que estava presente na cozinha) a gente nem ouve falar de creche. Eu fui atrás porque eu vi, minha filha entrou no site

36.

36

O site ao qual a mãe se refere é o portal eletrônico de matriculas pela internet: www.matriculas.am.gov.br

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Vânia nos explicou que no período de matrícula virtual pediu que sua filha

adolescente verificasse no site, “por curiosidade” (sic) se havia a oferta de vagas. O

funcionamento da Central de matrícula ocorre de modo conjunto entre rede pública

municipal e estadual em uma única plataforma eletrônica. A resposta obtida pela

mãe junto a Central de matrícula não foi satisfatória.

Ainda sobre a questão do “como funciona” uma creche, Isabel, afirmou: “É

tipo um colégio. Eu acho”.

Camila, que também ainda é estudante de uma escola municipal no turno

noturno, fez uma abordagem por comparação: “Acredito que seja como uma escola.

Não. Lá ela não vai escrever como eu escrevo... Lá vai ser outra educação... pelo

fato de ela ser... infantil.” A mãe reforça importante distinção entre escolas para

adultos (na qual ela estuda) e a de educação infantil. A caracterização apresentada

por Camila ressalta-se quanto a compreensão demonstrada sobre os aspectos e

necessidades específicas da criança pequena.

Joana também exercitou algumas associações e comparações para

apresentar uma resposta:

Assim é como tipo um colégio, não é? Mas tem um cantinho onde as crianças dormem tipo com caminhas, com bercinhos...Um espaço deles brincarem, não é? De cozinha...Tipo um refeitoriozinho... Eu vi pela televisão, né? Que aparece...

Assim, a busca por compreender o imaginário das mães sobre o “como é”

o funcionamento da creche, quais as condições desse atendimento demonstrou ser

uma aproximação necessária, todavia, delicada. A questão montrou-se complexa

pela abstração representada. No quadro 4 ( perfil das mães participantes da

pesquisa) confirma-se que nenhuma das mulheres entrevistadas teve algum dos

filhos/filhas matriculados em creche. Ou seja, essas mulheres não tiveram nenhuma

experiência direta com esse equipamento, portanto, não sabem falar com total

segurança nem sobre o funcionamento e nem sobre as condições de atendimento

numa creche.

Essa abordagem e constituição de respostas também pronunciadas no

silêncio das mães apresenta uma convergência com o silêncio das políticas públicas

voltadas às crianças de 0 a 3 anos de idade na cidade de Manaus. A infância como

categoria histórico-social e constituída por determinações materiais inseriu-nos no

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quadro de tentar compreender a produção histórica das noções das mulheres-mães

implicadas nesta realidade.

Nessa consideração do conjunto dos dados coletados, retomamos o olhar

sobre as noções de creche entre as mães no contexto de exclusão do direito à

educação aos seus filhos. A reprodução da realidade cotidiana, desligada das

condições históricas e sociais que resultam numa rede de creches37 tão pequena,

implicou no atual limitado estágio de percepção do objeto creche.

Assim, o grupo de mães discorreu sobre algumas partes que compõem a

totalidade da baixa oferta de creches em Manaus. Não saber, por exemplo, a função

educativa da creche, conforme a legislação vigente, está relacionada a disjunção

entre o direito anunciado e a oferta concreta desse equipamento social.

Na narrativa das mães, pudemos observar que os elementos pertinentes

ao direito à educação afastam-se do mundo real e configuram-se na esfera da

pseudoconcreticidade. Entretanto, sabemos que ainda que a totalidade não seja

abordada na fala das mães, ela permanece determinando as partes que a

compõem. Nesse caso específico a totalidade dos fatores históricos e sociais que

resultam em baixa oferta da rede de creches e exclusão das crianças incidem na

percepção, pelas mães, do funcionamento da instituição creche.

A efetividade do direito não é dádiva emanada naturalmente. Nesse

aspecto nossa análise das percepções apresentadas pelas mães, nos remete ao

levantamento de algumas questões. Como compreender e proteger o direito à

educação da criança pequena? Quais os aspectos mais prementes desta luta? As

mães podem mesmo ser protetoras dos direitos de seus filhos? Tomando como

referencial o conteúdo da construção histórica abordada no capítulo I do presente

estudo, destacam-se o reconhecimento do direito (sua inscrição legal) como aspecto

relacionado à exigibilidade de seu cumprimento, possível fonte mobilizadora de real

democratização do direito.

A fala das mães sobre creche, mencionadas anteriormente, confirmam

ainda presença e associações das ideias de atendimento das crianças mais pobres

37

Referimo-nos aos dados apresentados no quadro 3 deste estudo.

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com ênfase em conceitos como carência e marginalização econômica (por exemplo

destinada aos filhas de mães que “não tem marido” )

Assim, a trajetória da afirmação de um direito nas práticas sociais

demonstrou-se complexa. Entretanto, o conhecimento da correlação de forças,

entrecruzando ideias sobre creche, contraditoriamente pode ajudar nas tensões que

contribuam no movimento da educação como direito.

O avanço das concepções sobre educação como direito são desafios

diários para a democratização. A partir das falas obtidas junto às mães, ficou

delineada a necessidade de aprofundamento quanto às noções de creche como

direito da criança. A ausência de cumprimento do dever do Estado em não promover

a oferta impacta as condições materiais nas quais as famílias produzem suas

percepções sobre o real.

O município de Manaus ajuda a promover uma realidade de

distanciamento entre o direito anunciado e as noções práticas sobre o

funcionamento da creche. As mães, em sua maioria, demonstraram noções

abstratas, apartadas de si, na realidade material (verificar quadro 4 ), de descaso do

poder público em que as crianças de várias gerações jamais tiveram acesso a

creche.

Na compreensão de Marx (1998), a possibilidade de alteração das

percepções manifestadas pelas mães coincidirá com a alteração das condições

materiais da sua produção. É a convivência com o equipamento creche que pode

promover a construção de uma concepção mais plena sobre seu uso,

funcionamento, função, importância e necessidade de expansão.

Os fenômenos aparecem entranhados. Tratando sobre a condição de

percepção e produção do sujeito, afirmam Marx & Engels (1998): “O que eles são

coincide, pois, com sua produção, isto é, tanto com o que eles produzem quanto

com a maneira como produzem” (p.10-1). A aproximação com algumas das noções

sobre creches apresentadas neste estudo permite-nos desvelar o horizonte e

aspectos das tramas em o que o direito oculta-se, tentando impor-se o caráter de

essência ao fenômeno em seu desenvolvimento.

A pseudoconcreticidade é uma superfície com a qual nos deparamos.

Dirigir o foco para a compreensão de um todo estruturado possibilita a busca pelas

conexões para reconstituir a realidade e a tentativa de alterá-la. Em oposição ao

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olhar naturalizado, constitui-se assim um olhar sobre a totalidade em constante e

dinâmica construção social.

De forma diversa a qualquer posição estática, a história não é uma

sucessão linear de fatos em que ficamos aguardando os acontecimentos para

posteriormente narrá-los. A história dos homens e mulheres e, portanto, os

processos de construção de suas concepções demarcam-se em sua atuação

concreta e material, mediada pelo trabalho (idem). As concepções de homens e

mulheres são organizadoras de seu meio e organizam-se em função e em relação

com a base material de suas existências. Direcionar o olhar e apresentar para

discussão alguns aspectos da configuração do direito da criança pequena, trouxe à

tona as vozes de alguns dos sujeitos que estão oficialmente à margem do direito à

educação.

Nesse esforço de compreender as vozes das mães a partir das suas

condições materiais de enfrentamento da vida, as mulheres nos apontaram o

percurso da rica totalidade de determinações do conjunto que naturalizam a

ausência de creches no bairro onde residem. Conhecer as manifestações do

pensamento das mães foi necessário para a aproximação com a realidade na qual

está o sujeito concreto. Entender as expressões e as formas que emergem enquanto

pseudoconcreticidade nos ajuda no caminho das conexões que desvelam o agir dos

homens na produção de suas vidas. Como ultrapassar a pseudoconcreticidade e

expandir a causa da creche como educação e não oferta assistencial opcional para

mães que “não tem marido”?

A falta de direito para uns (as crianças) pode gerar também mais exclusão

para outros/as (mães/pais). Por exemplo, a ausência de creches implica na redução

do espaço material para o exercício do sujeito que além de mãe pode ter outros

papéis como agente ativo na construção social. Asssim, fazer o caminho do

encontro com a noção mais simples sobre creche, ainda que tomada como parte de

um todo caótico, tira do isolamento a percepção. As mães ao serem interpeladas,

neste estudo sobre o direito à creche, emergem de um estado de silêncio para um

espaço de voz. As expressões constituíram importante mobilização do pensamento

e, em consequência, do olhar dessas mulheres sobre a realidade e seus possíveis

encontros com novas percepções sobre seus filhos como sujeito de direitos.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo deste estudo foi conhecer a configuração do direito à educação

da criança pequena, na relação entre os dispositivos legais e a realidade de

atendimento na cidade de Manaus-AM.

Para isso, iniciamos o trabalho apresentando um panorama da história da

criança e da infância no Brasil que desde o período Colonial foi marcada por mortes,

abandono, violência, negligência. Por outro lado, essa mesma história é pontuada

pelas iniciativas estatais e/ou filantrópicas de instituições de atendimento, proteção,

assistência, educação, cuidado, repressão, higienização, normalização e até mesmo

educação para a população infantil brasileira.

A elaboração desse olhar histórico facilitou a nossa compreensão sobre

disputas, recuos, pausas e avanços do movimento em direção à elaboração das

atuais diretrizes da educação infantil brasileira. A inserção do direito à educação da

criança pequena na legislação - Constituição Federal, 1988, Estatuto da Criança e

do Adolescente, 1990 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, 1996-

ajudou a erigir em nosso país um novo sistema jurídico de proteção aos direitos da

criança.

Assim, esse olhar sobre a História e a legislação brasileira referentes à

educação da criança pequena serviu como ponto de partida para compreendermos

especificamente a configuração do direito à educação infantil na cidade de Manaus-

AM: o acesso à creche, a oferta de vagas, a rede pública de creches, os marcos

regulatórios. Ressaltamos, quanto aos dispositivos legais, o papel regulador do

Conselho municipal de educação (CME-Manaus).

As bases teóricas do estudo alicerçaram-se na afirmação da infância

como categoria histórico-social e constituída por determinações materiais. Neste

sentido, as legislações repercutidas no capítulo I representaram alterações de

configurações nas percepções, relações e formas do trabalho, bem como

modificações gerais na sociedade da qual faz parte o direito à educação.

Constatamos que na cidade de Manaus-AM tem sido acentuada a

exclusão em relação ao direito à educação infantil. No olhar sobre a violação do

direito à educação presente neste município, ficou caracterizado que a Prefeitura

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Municipal tem deixado de respeitar a legislação educacional vigente como parâmetro

para a implantação das políticas públicas em educação infantil.

Os dados estatísticos apresentados e as falas das mães que integram o

capítulo II deste estudo sustentam e ecoam a baixa oferta do direito à educação na

cidade de Manaus.

Nossa inserção no bairro mais populoso e periférico da cidade de Manaus

permitiu contrastar a realidade e a legislação sobre o direito à educação da criança

pequena. Assim, foi possível uma leitura entre os déficits na oferta, o âmbito legal e

as noções e práticas sociais implicadas no direito da criança pequena. A opção por

ouvir as mães resultou nas visões apresentadas ante a materialidade da ausência

de unidades de creches em comunidades periféricas, como o bairro Jorge Teixeira.

Encontramos uma realidade constituída pela desproporcionalidade entre a baixa

quantidade de unidades educacionais e a expressiva população de crianças de zero

a três anos.

Por outro lado, o avanço do entendimento sobre o direito e a necessidade

de luta para sua efetividade, também representam desafios. Assim, delineamos as

aproximações quanto à percepção da necessidade das creches entre as famílias e o

dever do Estado.

Descrevemos as noções sobre o direito da criança correlacionando suas

expressões no conjunto do cenário do déficit de unidades de creches em Manaus. A

rede pública de creches é constituída de apenas cinco creches e nenhuma delas

localiza-se no bairro do Jorge Teixeira, cuja população de zero a três anos é de

12.884 crianças (IBGE/2010).

A descrição e análise dos achados, tanto sob o aspecto da oferta de

vagas quanto da demanda declarada pelas mães, denunciam a conflitante situação

do atendimento em Manaus. A conclusão do estudo confirma o compasso de lento

cumprimento ao direito à educação das crianças de zero a três anos. O quadro

desvelado pela pesquisa reforça a urgente necessidade do compromisso político-

social que precisa ser firmado com as crianças. Notadamente, as crianças

manauaras excluídas do pleno direito social, na prática, estão sendo dispensadas do

olhar para sua condição de sujeito de direitos.

Partindo da configuração da sociedade concreta e a inter-relação de

fatores que a sustentam, discutimos a realidade de violação do direito implicada

também pelo estágio de pseudoconcreticidade/naturalização entre as mães que

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nunca tiveram os filhos matriculados em creches. Os desvios e retomadas de rotas

do cumprimento de uma legislação também implicam desvelamento e participação

por parte da população sujeito do direito.

Na dinâmica de realização da coleta de dados foi possibilitada também

maior aproximação quanto às lutas cotidianas das mulheres-mães. À rotina dessas

mulheres somavam-se fatores de ordem estrutural, por exemplo, a contínua

suspensão do fornecimento de água que afetava a condição de higiene e

alimentação das crianças. Na rotina das moradoras do bairro Jorge Teixeira não

havia garantia de acesso à agua diariamente. Sob esse olhar, percebemos que

ausência do Estado, viola outros direitos da infância, como o de proteção e nutrição.

Problematizar faces naturalizadas numa sociedade excludente, ainda que

denominada democrática, pode ajudar a situar ideias e práticas que contrastam com

a lei. Localizar o âmbito da materialidade e do discurso ajuda na percepção da

ambivalência do movimento de, para uns a exaltação do direito, para outros, a

mutilação dos direitos básicos constituídos.

Superar falsas retóricas sobre direitos confundidos com interesses

individuais possibilita buscar o caráter universalizante do direito. Uma educação de

qualidade é direito! Compreender isso é fundamental especialmente para o acesso

das camadas populares!

À margem dos direitos sociais, as classes populares deparam-se

cotidianamente com sinuosas situações que implicam sua sobrevivência material.

Para as crianças pobres, a oferta de um sistema educacional, consenso na

sociedade moderna, decorre ainda como parcial. O desvelamento da complexidade

de acesso à educação infantil pode incidir para o espaço da educação como um dos

direitos que pode promover outros direitos sociais.

O acesso à escolarização deve ser foco de luta social em nosso país. A

efetividade da oferta na educação básica ainda é algo abstrato, em muitas cidades

do Brasil. Assim, educação não pode ser comercializada como uma mercadoria ou

reconhecida como privilégio individual para ascensão dos “mais capazes”.

A pesquisa aponta a necessidade de contínua desnaturalização da

situação de exclusão vigente. Para a realização do objetivo do presente estudo, o

esforço coletivo de todas as instâncias e sujeitos reunidos reafirmam que a

construção do conhecimento de relevância social não pode ser reputada como obra

individual. Expandir a educação como oferta pública, gratuita e de qualidade ainda é

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uma causa de vida e de mortes no Brasil.

A amostra para nossa pesquisa partiu da ausência das crianças no

sistema educacional. As crianças do populoso bairro Jorge Teixeira preenchiam

somente os números de déficits da educação infantil brasileira. Para apresentar e

discutir aqui alguns aspectos da configuração do direito da criança pequena, as

vozes de suas mães foi fundamental.

No esforço da formulação e expressão do pensamento sobre o direito à

educação, as mães de classes populares nos ajudaram muito e, é possível afirmar,

expandiram a causa do direito à educação das crianças pequenas de nossa cidade.

A concretização do direito à creche é também uma construção social. A

emergência de construção de novas noções e/ou concepções sobre o

funcionamento da creche entre as mães entrevistadas aponta e reforça a

necessidade da expansão da rede pública de Manaus. Assim, o efetivo acesso à

creche, como importante construção social, configura-se um campo de disputas,

conflitos e tensões para o poder público local.

A função materna, cuidadora da criança e “dona do lar” foi durante muito

tempo exclusividade das mulheres. Nesse sentido, a composição de passos para

uma superação histórica desses e outros padrões do papel da mulher precisa ser

assumida pelas próprias mulheres.

Evidentemente, essa é uma luta complexa, mas necessária para a

ampliação dos direitos sociais. Nessa luta precisamos atuar em prol da democracia

prática, diária, irrestrita. Possibilitar vivências dos fluxos democráticos para além da

democracia formal.

Nesse aspecto, não se trata de adequar programas existentes, escolas

existentes. Trata-se de instituir política educacional específica que implica desde a

construção de prédios até mobilização de processos que culminem com proposta

educativa própria. Os órgãos e secretarias governamentais que tratam da execução

do direito da criança, o Conselho Tutelar, o Ministério Público precisam divulgar,

atender e cumprir os marcos regulatórios da Constituição Federal (1988), do

Estatuto da Criança e do Adolescente (1990) e da Lei de Diretrizes e Bases da

Educação (1996).

Podemos exercitar o olhar que vê e porque vê, repara (SARAMAGO,

2008). Evidentemente, esta é uma interpelação do direito humano à educação, à

educabilidade de realização do próprio direito. Educar-se é multiplicar e articular

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olhares que percebem/entendem sua força e seu saber coletivamente.

Assim, na conclusão de um estudo (possibilitado pela indagação inicial)

sempre teremos mais questões a conhecer do que o que já é conhecido. Portanto,

apontamos alguns temas para possíveis investigações posteriores: Quais as

estratégias utilizadas pelas famílias trabalhadoras para o educar e cuidar das

crianças de 0 a 3 anos em bairros desprovidos de creches? Qual a incidência de

fatores históricos e culturais relacionados à construção social da infância no

Amazonas? Como se repercute nos demais problemas sociais o déficit de creches

no Brasil?

Considerando as limitações e contradições próprias à realidade e ao

pesquisador, o estudo realizado não pretendeu esgotar a questão apontada.

Contudo, comprometemos o máximo de aprofundamento instigado pelo olhar que

desejou e partiu para a tentativa de aproximar-se da realidade a fim de entendê-la.

Considerando a provisoriedade e incompletude do conhecimento,

apontamos ainda para a necessidade de outras sistematizações. A indagação pode

ser direcionada às perspectivas de outros sujeitos implicados ou não pelo déficit da

rede pública de creches da cidade. A investigação e a possibilidade de construir

outras análises podem expandir o ponto enunciado pelo presente estudo e

conquistar as novas vozes que afirmem o direito à educação da criança pequena da

cidade de Manaus-Am.

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APÊNDICES

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Apêndice A - Termo de consentimento livre e esclarecido para as mães de classes populares

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Gostaria de contar com sua colaboração respondendo a entrevista, em anexo, e

autorizando a presença da pesquisadora para a realização de entrevista semiestruturada para

a pesquisa de Dissertação de Mestrado, intitulada: Direito das crianças pequenas:

concepções vigentes entre as mães de classes populares da cidade de Manaus-Am.

Você está sendo convidado/as a participar em uma pesquisa como VOLUNTÁRIO (A).

Podendo decidir, portanto, se quer participar ou não. Leia cuidadosamente o que se segue e

pergunte ao responsável pelo estudo qualquer dúvida que você tiver. Este estudo está sendo

conduzido por IVANILDE DOS SANTOS MAFRA, e está sendo realizado no Programa de

Pós – Graduação Mestrado em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul –

Campus do Pantanal, sob a orientação da Profª Drª ANAMARIA SANTANA DA SILVA.

A finalidade deste estudo é conhecer a configuração do direito da criança pequena, na

cidade de Manaus-Am, correlacionando as concepções vigentes entre mães de classes

populares com a materialidade do atendimento para a criança de zero a três anos.

Você será submetido a uma entrevista semi-estruturada, com questões abertas para livre

expressão do entrevistado, nas quais, se você concordar em participar do estudo seu nome e

identidade serão mantidos em sigilo, garantindo o anonimato. A menos que requerido por

lei, somente o pesquisador, a equipe do estudo, o comitê de Ética independente e os

inspetores de agências regulamentadoras do governo (quando necessário) terão acesso as

suas informações do estudo.

Você será informado de qualquer mudança que possa alterar a sua vontade em continuar

participando do estudo e terá garantido o direito de desistir a qualquer momento se assim

desejar, sem qualquer tipo de prejuízo, bem como não será impedido de participar de novos

estudos. A participação na pesquisa não lhe trará riscos de qualquer natureza, também não

lhe acarretará custos, sendo assim não há previsão de ressarcimento ou indenizações

futuras. A pesquisadora se encarregará de chegar até você nos momentos e lugares

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convenientes para a realização da entrevista.

Ao participar da pesquisa você estará se beneficiando unicamente pela colaboração no

processo de conhecimento e divulgação do andamento das Políticas Públicas no seu

município, ou seja, não lhe será oferecido nenhum benefício pessoal ou profissional devido

à participação no referido estudo.

Os resultados desse estudo retornarão a você na forma de relatório que será

disponibilizado ao final da pesquisa.

Para perguntas ou problemas referentes ao estudo ligue para (92)8134 9638 ou

(92)3654-1531 [Ivanilde dos Santos Mafra] para o esclarecimento de possíveis dúvidas.

Para perguntas sobre seus direitos como participante no estudo ligue para o Comitê de Ética

em Pesquisa com Seres Humanos da UFMS no telefone (67) 3345-7187.

Você ficará com uma das duas vias de igual teor deste termo de consentimento.

Agradeço a colaboração,

Atenciosamente.

_________________________

Ivanilde dos Santos Mafra

Declaro ter conhecimento da finalidade do presente estudo e autorizo o uso das

informações para fins exclusivos do estudo citado.

_____________________________ Data ______/_______/______

Assinatura da Voluntária

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Apêndice B- Roteiro de Entrevista semiestruturada

ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA

Nome da mãe entrevistada:________________________________________

1.Perfil a) Idade:_____________________

b)Escolaridade: _________________________________________

c) Ocupação profissional:

( ) informal ( ) formal ( ) nenhuma

caso afirmativo, qual?_______________________________________________

d)Frequenta alguma atividade de lazer? ( ) SIM ( )NÃO

Qual?_________________

e)Executa alguma outra atividade fora de casa, além de seu trabalho? ( ) SIM

( )NÃO. Qual?_________________

f)Participa de algum grupo? (religioso, folclórico, esportivo, político, artesanal, teatral ?

etc)

( ) SIM ( )NÃO Qual?_________________

2. Composição familiar (pessoas que moram na mesma casa):

Nome Idade Grau de

parentesco

Trabalha

(formal/informal)

Recebe beneficio

TOTAL DA RENDA

FAMILIAR

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p. 2 - Continuação do Roteiro de Entrevista semiestruturada

3. Composição e organização familiar com foco na criança de zero a três anos:

a) Quantas crianças de zero a três anos moram na casa? Qual a idade da(s) criança(s)?

b) As crianças tem certidão de nascimento? ( ) SIM ( ) NÃO

Caso a resposta seja negativa, porquê?

_________________________________________________

c)As crianças da família participam de alguma atividade fora de casa ?

( ) SIM ( ) NÃO

Caso afirmativo, qual o nome da Atividade em que a (s) criança(s) participa (m)? Como

funciona?

d)Quem cuida das crianças em casa?

e) Quando você precisa sair sem poder levar seu/sua filho (a), onde e com quem você deixa

a criança?

f) Você já procurou vaga em uma creche ou outra instituição para o seu/sua filho (a) ?

( ) SIM ( )NÃO

Caso a resposta seja uma negativa, por que NÃO?

Caso a resposta seja afirmativa, quantas vezes você procurou e quais foram as respostas?

g)Você sabe como é o atendimento da criança em uma creche?

h)Você considera importante ter vagas em creches para crianças de zero a três anos?

i) Você acredita que a creche pode ajudar na educação de seus filhos?

j) Você sabe que a creche é um DIREITO das crianças?

( ) SIM ( )NÃO

l) Quais outros DIREITOS você acha que a criança pequena tem?

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Apêndice C- Quadro-síntese de transcrição das respostas apresentadas pelas

mães sobre o direito à creche

ANEXOS

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Apêndice C- Continuaçãodo Quadro-síntese de transcrição das respostas apresentadas pelas mães sobre o direito à creche (C-1)

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Apêndice C- Continuação do Quadro-síntese de transcrição das respostas apresentadas pelas mães sobre o direito à creche (C-2)

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APÊNCIDE C- Continuação do Quadro-síntese de transcrição das respostas apresentadas pelas mães sobre o direito à creche (C-3)

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APÊNCIDE C- Continuação do Quadro-síntese de transcrição das respostas apresentadas pelas mães sobre o direito à creche (C-4)

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ANEXOS

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Anexo A- Folha de rosto com identificação da pesquisa envolvendo seres

Humanos junto ao Comitê Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP)

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Anexo B- Resolução N.04/CME/1998 que regulamenta a implantação da

Educação infantil na Rede municipal de Ensino de Manaus e dá outras

providências

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Anexo C- Resolução N.10/CME/2010 que estabelece normas e dá orientações

para a realização de matrículas para a Educação infantil e Ensino Fundamental,

no Sistema Municipal de Ensino

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Anexo D- Organograma da Secretaria Municipal de Educação de Manaus, com

destaque para a presença do Conselho municipal de educação (CME-Manaus)

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Anexo E- Projeto de Lei N. 362/2013 da Câmara Municipal de Manaus (CMM)

que dispõe sobre a determinação de divulgação da Lista de Espera nos Centros

Municipais de Educação infantil (CMEIS) e creches públicas.

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Continuação do Anexo E- Projeto de Lei N. 362/2013 da Câmara Municipal de

Manaus (CMM)

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Anexo F- Extrato de Termo Aditivo ao Convênio N.005/2013 publicado no Diário

Oficial de Manaus, tendo como partícipes o Município de Manaus e a Polícia

Militar do Amazonas referente ao atendimento de 40% da demanda de um total

de 457 crianças da faixa-etária entre 06 (seis) meses a 06 (seis) anos

incompletos matriculadas na rede de educação municipal.

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Anexo G- Fl.01 da Ação civil pública (ACP) promovida pelo MPE-AM, com

pedido de liminar para sanar déficit de vagas em creches na cidade de Manaus.

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Continuação do Anexo G- Fragmento do texto da Ação civil pública (ACP)

promovida pelo MPE-AM, com pedido de liminar para sanar déficit de vagas em

creches na cidade de Manaus.

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Anexo H- Reprodução do Discurso na Câmara dos Deputados/Brasília-DF,

referindo-se à inauguração, em 2008, da primeira creche da rede municipal de

educação em Manaus-Am.

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Continuação do Anexo H- Reprodução do Discurso na Câmara dos

Deputados/Brasília-DF referindo-se à inauguração, em 2008, da primeira

creche da rede municipal de educação em Manaus-Am.

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FÓRUM

AMAZO

NENSEDEEDUCAÇÃO

INFA

NTIL

ANEXO I- Carta de Princípios aprovada na instalação do Fórum Amazonense de Educação Infantil a partir da articulação com o Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil (MIEIB)

Nós, professores, professoras, pais, mães, comunitários, instituições e organizações sociais presentes neste evento e estando insatisfeitos com as políticas públicas para

a infância no Estado do Amazonas, entendemos que a construção da participação popular por meio do FÓRUM AMAZONENSE DE EDUCAÇÃO INFANTIL se faz necessária;

Entendemos que a participação é compromisso com o desenvolvimento da região e, por isso, é possível construir um projeto

coletivo em favor da Educação Infantil.

Neste sentido, o Fórum Amazonense de Educação Infantil – FAMEI tem como princípios básicos:

* Estabelecer uma instância de discussão, mobilização, proposição e divulgação das políticas para a Educação Infantil no Estado do Amazonas; * Ser espaço suprapartidário, aberto ao pluralismo e à diversidade reconhecidamente multicultural da região amazônica, articulado por instituições, órgãos, entidades e pessoas comprometidas com a expansão e melhoria da Educação Infantil no Estado do Amazonas;

* Ser espaço permanente de discussão e atuação democrática, não se restringindo a momentos pontuais;

* Ser instância de socialização de informações, articulação e mobilização de parceiros, visando uma conjunção de esforços para implementar ações no sentido de garantir o direito à Educação Infantil de qualidade socialmente referenciada e subsidiar a atuação das instituições participantes;

* Divulgar para a sociedade a legislação que assegura os direitos fundamentais das crianças de zero a seis anos;

* Lutar para o cumprimento da legislação acerca da infância de zero a seis anos; * Lutar pela implementação de propostas pedagógicas, elaboradas pelo coletivo das

instituições, que contemplem as particularidades do desenvolvimento da criança dessa faixa etária e a indissociabilidade da função educar-cuidar; * Lutar coletiva e permanentemente pela efetivação dos direitos fundamentais das crianças de 0 a 6 anos assegurados por lei (Constituição Federal, Estatuto da Criança e do Adolescente e Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional); * Lutar pela transparência na aplicação dos recursos na educação infantil;

* Lutar pela formação inicial e continuada dos profissionais da educação infantil no sentido da sua inclusão nas políticas nacional, estadual e municipal de formação dos trabalhadores em educação; * Lutar pelo atendimento a demanda por creches e pré-escolas, em ambientes adequados, de acordo com as regulamentações pertinentes de âmbito federal, estadual e municipal.

Aprovada na assembléia de instalação do Fórum Amazonense de Educação Infantil, em 06 de junho de 2007.

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ANEXO J- Ementas das Disciplinas do Programa de Mestrado em

Educação/Campus do Pantanal/UFMS: 1. Educação e Direitos Humanos e 2.

Políticas Públicas para a Infância e Adolescência.