32
1 O DIREITO APLICÁVEL NA SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS ORIUNDAS DO CONTRATO DE COMPRA E VENDA INTERNACIONAL DE NATUREZA MERCANTIL NO ÂMBITO DO MERCOSUL 1 Kádia Colet Barro 2 RESUMO O artigo consiste na análise do direito aplicável na ocorrência de conflito oriundo de contratos de compra e venda de natureza mercantil no âmbito do Mercosul, analisando-se, através dos elementos de conexão legislação interna e legislação dos outros Estados que integram o Mercosul, bem como demais normas internacionais qual a norma e o foro aplicável na busca da solução de tal conflito, ou seja, se busca a melhor forma de solucionar a eventual divergência, sob a ótica do ordenamento jurídico brasileiro. Palavras-chave: Contrato internacional de compra e venda mercantil, direito aplicável, Mercosul. 1 Texto parcial da monografia O direito aplicável na solução de controvérsias oriundas do contrato de compra e venda internacional de natureza mercantil no âmbito do mercosul , desenvolvida pela autora junto à Universidade de Passo Fundo, no curso de graduação, sob a orientação do Ms. José Carlos Carles de Souza. 2 Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade de Passo Fundo.

O DIREITO APLICÁVEL NA SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS ORIUNDAS DO CONTRATO DE ... · 1 1 o direito aplicÁvel na soluÇÃo de controvÉrsias oriundas do contrato de compra e venda internacional

Embed Size (px)

Citation preview

1

1

O DIREITO APLICÁVEL NA SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS

ORIUNDAS DO CONTRATO DE COMPRA E VENDA

INTERNACIONAL DE NATUREZA MERCANTIL NO ÂMBITO DO

MERCOSUL1

Kádia Colet Barro2

RESUMO

O artigo consiste na análise do direito aplicável na ocorrência de conflito oriundo de

contratos de compra e venda de natureza mercantil no âmbito do Mercosul, analisando-se,

através dos elementos de conexão – legislação interna e legislação dos outros Estados que

integram o Mercosul, bem como demais normas internacionais – qual a norma e o foro

aplicável na busca da solução de tal conflito, ou seja, se busca a melhor forma de solucionar

a eventual divergência, sob a ótica do ordenamento jurídico brasileiro.

Palavras-chave: Contrato internacional de compra e venda mercantil, direito

aplicável, Mercosul.

1 Texto parcial da monografia O direito aplicável na solução de controvérsias oriundas do contrato de

compra e venda internacional de natureza mercantil no âmbito do mercosul, desenvolvida pela autora junto à

Universidade de Passo Fundo, no curso de graduação, sob a orientação do Ms. José Carlos Carles de Souza. 2 Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade de Passo Fundo.

2

2

ABSTRACT

The article consists in analyzing the applicable law in case of conflicts

originated from international commercial sale contracts in the ambit of Mercosul, being

analyzed, through the connection elements – Brazilian law and the law of the other States

that integrate the Mercosul, as well as other international rules – which one is the applicable

law and the applicable jurisdiction to solve the respective conflict, in other words, the best

way to solve the eventual divergence of applicable law, under the Brazilian legislation.

Keywords: applicable law, international commercial sale contract, Mercosul.

INTRODUÇÃO

O artigo faz uma abordagem quanto o direito aplicável no caso da ocorrência de

conflito oriundo de contratos de compra e venda internacionais de natureza mercantil no

âmbito do Mercosul, mais precisamente no que toca ao foro competente e à norma

aplicável, observando-se, é claro, os elementos de conexão para dirimir eventual

controvérsia entre as partes contratantes.

Para melhor entender, busca definir qual o foro e, por conseguinte, a norma de qual

Estado dos contratantes e ou norma internacional – tratados, acordos, convenções,

protocolos – será aplicada no caso concreto, na busca da melhor forma de solução do

referido conflito. Destarte, a referida solução tem como base o ordenamento jurídico

brasileiro, embora faça menção ao direito comparado, principalmente, às normas dos

demais Estados-parte do Mercosul.

A escolha do assunto justifica-se diante da inegável evolução da atividade negocial

no mercado internacional, conseqüentemente, no mercado entre Estados-parte do Mercosul,

caracterizando-se o surgimento de uma nova ordem econômica.

Em razão disso, cresce de forma avassaladora o número de exportações e

importações naquele espaço – Mercosul. Por via de conseqüência, cresce na mesma

proporção o número de contratos de compra e venda, principalmente os de natureza

3

3

mercantil, os quais são os instrumentos, por excelência, do comércio que circunda os

Estados-parte do Mercosul.

Dessa forma, tendo em vista ser elemento ínsito de todo o contrato internacional, a

possibilidade de aplicação de mais de um ordenamento jurídico, o Direito, como forma de

regular tais atividades, não poderia ficar alheio a essa nova forma de contrato de compra e

venda mercantil, muito menos deixar os contratantes inseguros quanto ao desfecho de uma

possível lide. Deve o Direito buscar a melhor solução na eventualidade da ocorrência de

alguma divergência entre as partes para que essas tenham um risco menor ao celebrarem

seu contrato, contribuindo, destarte, para o crescimento e a integração do Mercado Comum

do Sul.

1 O PROCESSO DE INTEGRAÇÃO DO MERCOSUL E SUA

INTERGOVERNABILIDADE

Segundo Bittencourt (1996, p. 133), durante os anos de 1953 a 1973, o mundo

econômico contemplou o desenvolvimento de apenas um bloco regional, que foi a

Comunidade Econômica Européia. O mesmo autor ainda afirma que inúmeras tentativas de

integração fizeram outros blocos regionais, inclusive na América Latina, até que em

meados dos anos 70 “os rumos da balança comercial tiveram nova fase, com maior

mobilidade do capital e, o surgimento de um mercado industrializado que mais tarde viria a

ser chamado de „Tigres Asiáticos‟”. Assim, tal queda de fronteiras econômicas na escala

mundial serviu para tornar mais estreita as relações entre os países do chamado Cone Sul.

Dessa sorte, em 26 de março de 1991 foi assinado o Tratado de Assunção, criando,

naquele momento, o Mercado Comum do Sul – MERCOSUL – reunindo os países do Cone

Sul: Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, com o intuito de permitir a livre circulação de

bens, serviços e fatores produtivos, objetivando sempre o processo de integração

econômica, cultural, jurídica e política de tais Estados.

4

4

Uma das principais características do Mercosul foi a transitoriedade, ou seja,

tivemos uma fase provisória ou transitória, que teve início no Tratado de Assunção, e que

culminou com a assinatura do Protocolo de Ouro Preto – fase definitiva”.

No que pertine ao período de transição, ou melhor, “o lapso temporal entre o evento

da vigência daquele instrumento – Tratado de Assunção – (29 de novembro de 1991) e a

data definida, já no seu artigo 1o, para o estabelecimento de um Mercado Comum (31 de

dezembro de 1994)” (VENTURA, 1996, p.43-45), foi estabelecida uma estrutura orgânica

composta por órgãos de administração e execução – Conselho do Mercado Comum (CMC)

e o Grupo do Mercado Comum (GMC) – dotados de natureza jurídica intergovernamental3,

com poder decisório.

Já em 17 de dezembro de 1994, o Protocolo de Ouro Preto4 criou a estrutura

institucional do Mercosul com propósito de definitiva, dotando-se de personalidade jurídica

internacional. Segundo a professora Deisy de Freitas Lima Ventura, “ele manteve ou criou

alguns fóruns intergovernamentais, onde estão representados os interesses de cada Estado

Parte, cujas decisões, em geral, dependem da posterior ratificação pelas ordens nacionais.”

(1996, p. 56). Daí o caráter intergovernamental do Mercosul e não supranacional.

Registre-se, como exemplo da ausência do caráter supranacional do Mercosul, o

artigo 40 do Protocolo de Ouro Preto que dispõe “uma vez aprovada a norma, os Estados-

Partes adotarão as medidas necessárias para a sua incorporação ao ordenamento jurídico

nacional e comunicarão as mesmas à Secretaria Administrativa do MERCOSUL”.

Assim, como dito, tem-se que o Mercosul, como pessoa jurídica de direito

internacional, é uma entidade intergovernamental e não supranacional, ou melhor, “inexiste

assim, uma auto-aplicabilidade de normas. Estas, em geral, devem ser primeiramente objeto

de consenso nos órgãos do MERCOSUL e a seguir internadas nos ordenamentos jurídicos”

(BATISTI, 2001, p. 532).

3 Entende-se ser de natureza jurídica intergovernamental porque o Mercosul não possui caráter supranacional,

ou seja, em geral, as normas ou decisões que dele emanarem ficam sujeitas a ratificação pelo ordenamento

jurídico interno de cada Estado-parte. (LORENTZ, 2001, p. 96) 4 Aprovado pelo Congresso Nacional em 15 de dezembro de 1995, Dec.-Lei n

o 188 e Decreto executivo

publicado no Diário Oficial no 241 de 18 de dezembro de 1995.

5

5

Como exemplo da intergovernabilidade do Mercosul, além do já narrado, é a

aplicação do Protocolo de Las Leñas, o qual prevê a cooperação e assistência jurisdicional

em matéria civil, comercial, trabalhista. Maria do Carmo Puccini Caminha dispõe acerca

desse protocolo de forma mais detalhada. Para ela:

O PL prevê que as sentenças transitadas em julgado, prolatadas pelo juiz

de um país, poderão ser seus efeitos diretamente aplicados em outro

Estado-parte do Mercosul, sem o procedimento da homologação de

sentença estrangeira a que estão submetidas todas as demais,

provenientes de países de fora da área. Prevê igualmente a cooperação

mediante o fornecimento de informações sobre o direito vigente. (2003, p.

49).

Tal protocolo foi ratificado por todos os Estados-parte do Mercosul e, segundo

Caminha (2003, p. 50), em decorrência do princípio lex posterior derogat legi priori,

estaria garantida a uniformização do sistema e a conseqüente aplicação da norma

internacional. No entanto, a mesma autora continua explicando que a homologação de

sentenças estrangeiras e cartas rogatórias no Brasil é matéria constitucional5, ao contrário

dos outros Estados-parte, que possuem regulamento infraconstitucional para tal matéria.

Assim, Caminha (2003, p. 52) afirma que mesmo sendo uma norma mercosulina

ratificada, ou seja, devidamente internalizada no sistema brasileiro, para o Supremo

Tribunal Federal, o Protocolo de Las Leñas não teve o condão de afastar o disposto na

norma constitucional (art, 102, I, “h”).

SENTENÇA ESTRANGEIRA; PROTOCOLO DE LAS LEÑAS:

HOMOLOGAÇÃO MEDIANTE CARTA ROGATÓRIA. O Protocolo de

Las Leñas (Protocolo de Cooperação e Assistência Jurisdicional em

Matéria Civil, Comercial, Trabalhista, Administrativa entre os países do

Mercosul) não afetou a exigência de que qualquer sentença estrangeira – à

qual é de equiparar-se à decisão interlocutória concessiva de medida

cautelar – para tornar-se exequível no Brasil, há de ser previamente

5 Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

I – processar e julgar, originariamente:

h) a homologação das sentenças estrangeiras e a concessão de exequatur às cartas rogatórias, que podem ser

conferidas pelo regimento interno a seu Presidente;

6

6

submetida à homologação do STF, o que obsta a admissão de seu

reconhecimento incidente, no foro brasileiro, pelo juízo a que se requeira

a execução. (03.10.1997 – CR 7.618 – República Argentina (AgRg) – rel.

Min. Sepúlveda Pertence) (grifo nosso).

Isso posto, nota-se que mesmo as normas emanadas do Mercosul devidamente

integradas nos sistemas nacionais podem não ser aplicadas pelos Tribunais, demonstrando

novamente o caráter integovernamental do Mercosul, e não supranacional, como no caso da

Comunidade Européia.

De outra banda, fora elaborada há pouco tempo – 31 de março de 2004 – a

Resolução no 04/04 do Grupo de Mercado Comum, a qual cria o grupo ad hoc sanitário e

fitossanitário, onde seu artigo 6o dispõe que a referida norma“ [...] não necessita ser

incorporada ao ordenamento jurídico dos Estados Partes[...]”, para que possa ser

efetivamente aplicada por seus respectivos tribunais.

Ou seja, como se pode perceber ao ler seu texto, a aplicação da referida norma no

ordenamento interno dos Estados-parte independeria de ser internalizada, indo de encontro

aos preceitos acima aludidos. Infelizmente, não se tem ainda nenhuma decisão dos tribunais

pátrios acerca de sua aplicação.

De qualquer forma, vê-se que dependendo da importância da norma, nesse caso

uma regra de caráter fitossanitário, a mesma poderá ser aplicada independentemente de ser

incorporada ao ordenamento jurídico dos Estados Partes.

Contudo, é de extrema importância para o processo de integração, bem como para

que o Mercosul aspire futuramente ser um órgão supranacional e, por conseguinte, suas

normas de direito comunitário, que os Estados parte trabalhem no sentido ajustarem suas

normas internas às normas que de lá – Mercosul – emanarem.

2 ELEMENTOS DE CONEXÃO

Conforme dispõe Nádia de Araújo “o estudo do Direito dos Contratos Internacionais

integra a parte especial do Direito Internacional Privado, quando se analisam as regras de

7

7

conexão – direito aplicável – que regem as relações obrigacionais internacionais.” (2000, p.

17).

Mais precisamente, no prefácio à primeira edição da obra de João Grandino Rodas,

Contratos Internacionais, Jacob Dolinger (2002, p. 10) menciona que quando se analisam

regras de conexão para relações obrigacionais internacionais, entretanto comerciais, estar-

se-á diante de um direito autônomo denominado, atualmente, como Direito Internacional

Econômico.

Inobstante às denominações acima aludidas, cabe referir que tais estudos – Direito

Internacional Privado ou, como queiram, Direito Internacional Econômico – têm por objeto

“o conflito de leis no espaço” (AMORIM, 2000, p. 6), o qual pode ser dirimido através dos

citados elementos de conexão, ou seja, há a definição de qual direito irá reger o contrato em

discussão, quais sejam: aquele que as partes estipularam, aquele determinado pelo

ordenamento interno do Estado de uma delas ou, ainda, aquele estabelecido por normas

internacionais, como tratados, convenções e protocolos.

No que concerne a este estudo, o qual tem por fim a solução de conflitos oriundos

de contratos de compra e venda mercantis no âmbito do Mercosul, a que se fazer uma

análise distinta dos elementos de conexão atentos à lei aplicável, bem como ao foro

aplicável em caso de eventuais conflitos.

Quanto a tal distinção, é necessário tecer alguns comentários referente ao direito

comparado, como no caso do sistema da common law, mais precisamente o Direito Inglês.

Conforme José Inácio Gonzaga Franceschini (2002, p. 66–67), lá não há distinção entre lei

aplicável e foro aplicável, tendo em vista a aplicação do sistema de interpretação da proper

law, onde se as partes contratantes escolheram um determinado foro para dirimir eventuais

conflitos decorrentes de um contrato, poder-se-á presumir que assim o fazendo, “fora a

intenção das partes eleger a lex fori como lei vigente da avença.” 6

Vale referir, que a

proper law, além de ser uma forma que as Cortes inglesas encontraram de aplicar a livre

vontade das partes à essência da relação contratual, permite que o juízo presuma o que

6 Conforme dispõe Nádia de Araújo (2000, p. 24), trata-se do sistema unilateral para a solução do conflito de

leis em contratos internacionais

8

8

essas desejavam no momento da celebração do contrato, e aplique a lei que achar mais

conveniente a isso.

No entanto, segundo Franceschini (2002, p. 67), perante os sistemas de influência

latina, dentre os quais, os Estados componentes do Mercosul – Argentina, Brasil, Paraguai

e Uruguai – impõe-se a distinção entre as competências legislativas e judiciárias, haja vista

que tais sistemas não permitem a simples presunção do que as partes contratantes

pretendiam no momento que firmaram o contrato, ou seja, se as partes escolherem o foro

brasileiro para dirimir um possível conflito oriundo de seu contrato, não quer dizer que terá

de ser aplicada a lei brasileira, mas sim a lei do país que as normas de Direito Internacional

Privado brasileiro determinarem.7

Conforme refere Franceschini “no Direito Internacional Privado brasileiro vigente,

há ainda certa confusão entre lei aplicável e foro, notadamente face a uma quase irresistível

tendência em favor da aplicação da lei do foro aos contratos internacionais [...]”(2002, p.

67). Veja-se que, os próprios tribunais e juízes brasileiros, freqüentemente não fazem

distinção entre norma e foro aplicável, conforme preconiza Nádia de Araújo:

Em outro acórdão, posiciona-se o TARS8 da mesma forma, em prol da

competência da justiça brasileira como acima, utilizando a noção do

contrario sensu, pois seria imperativa a competência da justiça brasileira

se as obrigações foram pactuadas no Brasil. Este acórdão também é

equivocado, a nosso ver, pois faz confusão entre lei aplicável e jurisdição.

Poderia perfeitamente ser aplicável a lei brasileira em outro juízo, assim

como poderia ser aplicável uma lei estrangeira em ação intentada no

Brasil. (in RODAS, 2002, p. 228).

Por óbvio que, se os tribunais brasileiros adotassem tal entendimento, foro aplicável

igual à norma aplicável, estar-se-ia diante da aplicação do sistema de interpretação da

proper law of contract utilizado pelos países da common law, mais precisamente a

Inglaterra.

7 Para Araújo (2000, p. 22) Trata-se do sistema multilateral de solução do conflito de leis.

8 Sigla que corresponde ao Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul, que não mais existe.

9

9

2.1 Norma aplicável

Segundo Baptista (1994, p. 29), nos países da civil law, mais precisamente nos

Estados componentes do Mercosul, dois critérios de conexão são deduzidos para determinar

a norma que irá reger àquele contrato, no que se refere às obrigações: o lugar de celebração

– lex loci celebrationis ou lex loci contractus9 - ou o lugar de execução do contrato – lex

loci executionis ou lex loci solutionis.10

O Direito brasileiro determina a aplicação da lei do país onde as obrigações se

constituírem consoante o disposto no artigo 9o, caput, da Lei de Introdução do Código Civil

– LICC - (Decreto - Lei no 4.657 de 04 de setembro de 1942).

É de todo oportuno mencionar o que afirma Garcia Júnior (2000a, p. 18), para ele

os Estados-parte do Mercosul não possuem um entendimento uniforme quanto à norma

aplicável, eis que conforme prevê o Código Civil Argentino, em seus artigos 1.205 a 1.209,

o Código Civil Uruguaio, em seu artigo 2.399 e o Código Civil Paraguaio, em seu artigo

297, aplicar-se-á, para a solução de eventual conflito, a lei do lugar de execução do

contrato, ou seja, lex loci executionis.

Daí é que surge a problemática para a solução de conflitos oriundos de contratos

internacionais no âmbito do Mercosul, in casu, dos contratos de compra e venda de

natureza mercantil, uma vez que tais Estados adotam entendimentos contrários com relação

a norma aplicável. Todavia, o presente estudo tem por finalidade a análise da solução do

aludido conflito, tendo em vista o ordenamento pátrio, ou seja, o brasileiro.

Desse modo, voltando-se à Lei de Introdução do Código Civil, mais precisamente

ao parágrafo segundo do artigo 9o, o mesmo preconiza que “a obrigação resultante do

9 A doutrina da lei do lugar de celebração do contrato foi difundida pela escola francesa, os quais afirmavam

que nenhuma lei seria mais adequada na regulação de uma obrigação jurídica do que aquela vigente no lugar

onde ela se constituiu. (GARCIA JÚNIOR, 2000a, p. 23). 10

Consoante aos ensinamentos de Nádia de Araújo (2000, p. 152–153) a teoria de ser aplicável a lei do lugar

do execução do contrato, lex loci executionis, foi difundida, principalmente, pelo jurista Frederich Carl von

Savigny.

10

10

contrato reputa-se constituída no lugar em que residir o proponente.”, ou seja, do lugar de

onde partiu a oferta.

A que se dizer, quanto à definição de proponente e, por conseguinte, sua residência,

“que as questões relativas às regras qualificadoras são sempre regidas pela lei local, ou seja,

será utilizada a definição do direito brasileiro para determinar o proponente” (ARAÚJO,

2002, p. 207). Os tribunais brasileiros têm decidido dessa forma, como no caso de uma

decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que se referia a um contrato de resseguro

entre empresa seguradora estrangeira e resseguradora brasileira. Consoante à legislação

brasileira, nesses contratos o proponente é o segurado, portanto reputam-se celebrados na

sede do proponente, atento ao artigo 9o, § 2

o da LICC e ao artigo 435 do Código Civil.

11

Conforme leciona Nádia de Araújo (2002, p. 202), os tribunais pátrios têm referido

indubitavelmente o artigo 9o da Lei de Introdução quando há necessidade de determinar a

norma aplicável, mesmo que, em virtude disso, seja necessário a aplicação de legislação

estrangeira, “pois esta é a regra de conexão por excelência da lei brasileira”. A mesma

autora explica:

Por fim, veja-se o caso do STF Banco do Brasil v. Champalimaud (RE

93.131/MG, RTJ 101/1.149). Sobre um negócio jurídico acordado em

Portugal, mas a ser executado no Brasil, já que a ré era uma sociedade

aqui estabelecida, decidiu o juiz de 1a instância ser aplicável a lei

portuguesa, por força do disposto no art. 9o da LICC. Na apelação, o

Tribunal de Justiça de Minas Gerais também concordou com a

interpretação da 1a instância e disse ser a lei portuguesa aplicável porque

as obrigações haviam sido constituídas em Portugal. Aqui, pelo relatório

feito no acórdão do STF, transparece que a discussão em Minas Gerais

teria incluído a questão da autonomia da vontade, pois há uma citação a

Amílcar de Castro, e sua posição contrária à liberdade das partes em

escolher a lei. Dizia o relatório que o local de assinatura do contrato

financeiro em Londres não fora considerado como relevante para o

deslinde da questão, já que as demais obrigações constituíram-se em

Portugal. Isso porque, em sua apelação, pretendiam os apelantes a

aplicação da lei inglesa, o que foi descartado pelo autor, pois a discussão

cingiu-se às obrigações assumidas em Portugal, e não ao contrato de

financiamento, que poderia ser regido pela lei inglesa. Assim, os contratos

em litígio teriam sido dois: o celebrado entre o Banco Sotto Mayor e a

ECIL, e aquele entre a ECIL e o autor da ação, Champalimaud. A seguir,

11

Agravo de Instrumento 1.737/95, Reg. 15.06.1996, p. 1.281 – 1.284, unânime, Des. Martinho Campos, j.

19.12.1995.

11

11

mencionou-se novamente no relatório a autonomia da vontade como

proibida pela nossa lei, de acordo com os ensinamentos de Amílcar de

Castro. Confirmada pela apelação a decisão de 1o grau, chegou ao STF em

grau de recurso extraordinário. Em seu voto no RE, o Ministro Moreira

Alves voltou aos argumentos do acórdão apelado e entendeu aplicável o

direito português, por força do art. 9o

da Lei de Introdução. [...]

(ARAÚJO, 2002, p. 201–202).

Outro tópico do estudo dos contratos internacionais é, no que envolve a norma

aplicável, segundo Diniz (1993, p. 475), o fracionamento do contrato, ou como é

largamente conhecido, um dépeçage12

. “Este é um mecanismo pelo qual um contrato ou

uma instituição é dividida em diferentes partes, que serão, cada uma delas, submetidas a

leis diversas.” (ARAÚJO, 2002, p. 207).

Maria Helena Diniz (1993, p.475) cita como exemplo um contrato de transferência

de propriedade de um bem imóvel em que a capacidade dos contratantes submete-se à sua

lei pessoal; a forma, à lei de celebração do contrato e a transferência do domínio, à lei da

situação do imóvel. Isso é dépeçage ou fracionamento.

Os tribunais brasileiros cuidaram do tema por diversas vezes. Araújo (2002, p. 208)

afirma que o Tribunal de Alçada do Rio de Janeiro utilizou o dépeçage ou fracionamento

ao determinar duas leis regentes à mesma situação: para os fatos ocorridos no país

estrangeiro que diziam respeito à substância do contrato, a lei estrangeira, e para as

questões de execução do contrato, a do local em que fora celebrado, isto é, a lei brasileira.13

Contudo, não se pode olvidar que, como reconhece Araújo (2002, p. 207–212),

quando o contrato tiver se constituído no exterior e, por conseqüência, a lei aplicável for a

estrangeira, que esta legislação estrangeira não fira princípios como dos bons costumes e da

ordem pública, conforme procedeu o Supremo Tribunal Federal no caso narrado abaixo.

SENTENÇA ESTRANGEIRA. DIVÓRCIO. IRREGULARIDADE DA

REVELIA DECRETADA PELO JUÍZO ESTRANGEIRO.

Matéria de direito e de ordem pública, o que torna ocioso discutir eventual

intempestividade da contestação apresentada ao pedido de homologação.

Inadmissibilidade de proceder-se a citação da ré – residente no Brasil –

12

Teoria que aponta a necessidade de se utilizar diferentes ordenamentos jurídicos para diferentes elementos

de um contrato. 13

Apelação Cível 50059/86, Reg. 3151, Cód. 86.001.500.59, 4a Câmara, unânime, Juiz Miguel Pacha, j.

09.09.1986.

12

12

por meio outro que não a carta rogatória, segundo resulta das normas

jurídicas em vigor no nosso país. Precedentes do Supremo Tribunal

Federal. Indeferimento do pedido de homologação da sentença

estrangeira, comunicando-se, ao órgão disciplinar competente, os fatos

relacionados ao procedimento de citação. Votação unânime, indeferida”

(DJ 09.11.1990, p. 12.755, Ementa, vol. 1600-02, p. 208, rel. Célio Borja,

Tribunal Pleno)

Portanto, verifica-se que consoante ao artigo 9o da Lei de Introdução do Código

Civil deve-se aplicar, na solução de eventual conflito oriundo de contrato internacional,

neste caso contrato de compra e venda mercantil, a norma do lugar de celebração desse, ou

seja a lex loci celebrationis ou lex loci contractus.

2.2 Foro aplicável

Cabe discorrer agora em relação ao foro aplicável, sempre lembrando que esta

análise é feita sob a égide do direito interno brasileiro. Assim, a matéria relativa à

competência internacional, mais precisamente ao que se aplica a este trabalho, está disposta

nos artigos 88 e 89, inciso I do Código de Processo Civil.

É importante frisar que “os arts. 88-90 [do Código de Processo Civil] só se referem

à competência da autoridade judiciária do Brasil. Não afastou alguma competência da

autoridade judiciária estrangeira que coincida com a autoridade judiciária brasileira [...]”

(NARDI, 2002, p. 131).

Conforme continua Marcelo de Nardi (2002, p. 132), comprova a referida proposta

doutrinária – possibilidade de competência da autoridade estrangeira – o fato de haver

homologação de sentença estrangeira consagrada pelo já citado artigo 102, inciso I, alínea h

da Constituição Federal brasileira. “Afirma-se monopolista14

a jurisdição brasileira, mas

admite, após soberano exame de determinados requisitos, a eficácia de decisões tomadas

por outras jurisdições”. Nas palavras do mesmo autor:

14

Com relação ao entendimento monopolista da competência brasileira se tem o exemplo do artigo 90 do

CPC, o qual não reconhece a litispendência entre ação intentada no exterior e perante o tribunal brasileiro.

13

13

Em resumo, o sistema jurídico desenvolvido no Brasil fixa monopólio

jurisdicional absoluto para si, admitindo a existência, em determinadas

hipóteses delimitadas na lei (arts. 88 e 89, do CPC), de meios de solução

de controvérsias patrocinados por entes internacionais de igual estrutura

soberana, cujos efeitos podem ser experimentados internamente mediante

ato de soberania do próprio Estado brasileiro. (2002, p. 134).

É pertinente ainda dizer, segundo Nardi (2002, p. 134), que o artigo 89 do CPC

elenca casos de competência exclusiva, já o artigo 88 do CPC disciplina casos de

competência concorrente, admitindo a dirimência de eventual litígio por autoridade

estrangeira, sendo que os efeitos decorrentes de tal decisão poderão ser internalizados sem

violação da soberania nacional.

3 NORMAS INTERNACIONAIS

3.1 O protocolo de Buenos Aires

No que pertine ao estudo que esse trabalho se propõe, mister se fazer,

primeiramente, uma análise detalhada do Protocolo de Buenos Aires, norma mercosulina

que dispõe acerca da jurisdição internacional em matéria contratual15

, ou seja, do foro

aplicável.

Desse modo, o referido protocolo foi concluído em 05 de agosto de 1994, aprovado

pelo Congresso Nacional brasileiro por meio do Decreto Legislativo nº 129, de 05 de

outubro de 1995 e promulgado executivamente pelo Presidente da República mediante o

Decreto nº 2.095, de 17 de dezembro de 1996.

15

No direito comparado, existe a Convenção de Bruxelas de 1968, ratificada pelos Estados que compõem a

Comunidade Européia, a qual permite que as partes escolham livremente o foro aplicável ao seu contrato, em

caso de haver controvérsia entre os contratantes. (ARAÚJO, 2000, p. 134).

14

14

Conforme comenta Armando Alvares Garcia Júnior, (2004, p. 15) o citado

protocolo, muito embora pouco conhecido, existe e está plenamente vigente para os

Estados-partes do Mercosul, ou seja, Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai.

Tal protocolo, “norma de direito internacional público, regula a jurisdição

contenciosa internacional relativa aos contratos internacionais de natureza civil ou

comercial celebrados entre particulares, pessoas físicas ou jurídicas” (GARCIA JÚNIOR,

2004, p. 15), isto é, define qual a jurisdição aplicável na solução de enventual conflito

oriundo de um contrato internacional, in casu, do contrato de compra e venda de natureza

mercantil.

Segundo Armando Alvares Garcia Júnior (2004, p. 16), os negócios empresariais

internacionais de natureza privada celebrados entre partes contratantes sediadas em Estados

integrantes do Tratado de Assunção submetem-se a essa norma jurídica excluindo-se, por

conseguinte, as respectivas normas nacionais dos Países-membros. Daí a fundamental

importância desse protocolo nas relações comerciais no âmbito do Mercoul, bem como a

solução a que este trabalho se propõe.

Importa ressaltar que, para Araújo (2000, p. 82), o referido protocolo não possui

aplicação somente se ambas as partes contratantes possuírem domicílio16

ou sede social em

um dos Estados-parte do Mercosul – artigo 1º - mas sim se pelo menos uma delas lá tiver

seu domicílio. Para tanto, é necessário que as partes estipulem, antecipadamente e

expressamente, tal cláusula de eleição de foro no contrato cuja discussão se baseia.

No entanto, a referida norma não tem aplicação em todos os contratos

internacionais, excluindo-se explicitamente de seu âmbito de aplicação os contratos

16

A noção de domicílio é estabelecida pelo artigo 9º do Protocolo de Buenos Aires, o qual define:

Art. 9º. Para os fins do artigo 7º, alínea “b”, considerar-se-á domicílio do demandado:

a) quando se tratar de pessoas físicas:

1. sua residência habitual;

2. subsidiariamente, o centro principal de seus negócios;

3. na ausência destas circunstâncias, o lugar onde se encontrar a simples residência.

b) quando se tratar de pessoa jurídica, a sede principal da administração.

2. Se a pessoa jurídica tiver sucursais, estabelecimentos, agências ou qualquer outra espécie de representação,

será considerada domiciliada no lugar onde funcionem, sujeita à jurisdição das autoridades locais, no que

concerne às operações que ali pratique. Esta qualificação não obsta o direito do autor de interpor a ação junto

ao tribunal da sede principal da administração.

15

15

elencados no artigo 2o17

. Veja-se que, que dentre tais contratos, foi excluído de sua

aplicação os contratos de venda ao consumidor. Daí um dos motivos de não se tratar dessa

espécie de contrato neste trabalho.

O Protocolo de Buenos Aires também traz uma inovação no momento em que

permite que as partes escolham por si só a jurisdição aplicável em caso de possível conflito,

ou seja, o princípio da autonomia da vontade quanto ao foro aplicável no caso dos contratos

internacionais – compra e venda – fora positivado. Ademais, a norma traz a possibilidade

das partes fazerem tal estipulação, além do momento da celebração do contrato, durante a

sua vigência ou uma vez suscitado o litígio.

A positivação do princípio da autonomia nesse caso específico, escolha da

jurisdição aplicável ao contrato, conforme dispõe Garcia Júnior (2004, p. 97) é uma

inovação, na medida em que nenhum dos Estados-parte do Mercosul possui tal assertiva

expressa na sua respectiva legislação interna. A permissão ou não de tal liberdade às partes

ficava a cargo dos tribunais, sem haver um entendimento uniforme quanto a isso.

Caso as partes não façam a eleição da jurisdição que irá reger aquela

contratação internacional, ou não haja acordo amigável quanto a isso, o protocolo

determina que seja aplicada a jurisdição subsidiária, ou seja, o autor do eventual litígio

poderá optar pelo juízo do lugar de cumprimento do contrato, do domicílio do demandado,

ou de seu domicílio ou sede social, desde que demonstre ter cumprido a prestação a que se

obrigara.

Nota-se que as regras quanto à eleição de jurisdição aplicável são, de certa forma,

diferentes das normas apontadas pelos artigos 88 e 89 do Código de Processo Civil que se

referem à competência internacional.

17

Art. 2. O âmbito de aplicação do presente Protocolo exclui:

1. as relações jurídicas entre os falidos e seus credores e demais procedimentos análogos, especialmente as.

concordatas;

2. a matéria tratada em acordos no âmbito do direito de família e das sucessões;

3. os contratos de seguridade social:

4. os contratos administrativos;

5. os contratos de trabalho;

6. os contratos de venda ao consumidor;

7. os contratos de transportes;

8. os contratos de seguro;

9. os direitos reais.

16

16

O mesmo ocorre, segundo Garcia Júnior (2000a, p. 18), no que se refere à legislação

dos outros Estados-parte do Mercosul – Argentina, Paraguai e Uruguai – eis que tais

Estados possuem comandos diferenciados, comparado ao Protocolo de Buenos Aires,

quanto à jurisdição aplicável em caso de lides que envolvam partes de Estados distintos.

Destaca-se também, de acordo com Araújo (2000, p. 265), que o Protocolo de

Buenos Aires já vem sendo aplicado pelo Supremo Tribunal Federal, como em 1999,

quando o STF devolveu uma carta rogatória, n. 8837, ao Paraguai pelo fundamento de que

havia a existência, no contrato em discussão, de uma cláusula de eleição de foro brasileiro

que impedia, ao ver do ministro julgador, a citação da parte domiciliada no Brasil, que aqui

deveria ser acionada, fazendo menção expressa da aplicação, naquele caso, do Protocolo de

Buenos Aires.

3.2 Demais normas internacionais

Mesmo que já tenha se trazido, no decorrer deste trabalho, outras fontes externas

importantes para o deslinde do presente estudo, como no caso do Protocolo de Buenos

Aires, faz-se mister referir ainda acerca dos demais tratados, acordos e convenções

referente ao assunto.

Inicialmente, cabe fazer menção à Convenção Interamericana do México sobre o

direito aplicável aos contratos internacionais18

. De acordo com Araújo (2001, p. 46), tal

convenção foi assinada por todos os países membros do Mercosul, sem que no entanto os

mesmos tenham-na ratificado. Os únicos países que a ratificaram até agora, foram o

México e a Venezuela.

Essa Convenção, segundo Souza Júnior (2002, p. 443), traz avanços importantes na

solução de controvérsias originadas de contratos internacionais, uma vez que permite, em

seu artigo 7o, que as partes elejam, expressa ou tacitamente, o direito aplicável ao contrato.

18

A Convenção Interamericana do México fora baseada na Convenção de Roma de 1980 sobre a Lei

Aplicável às Obrigações Contratuais, ratificada por todas as nações pertencentes à Comunidade Européia.

(ARAÚJO, 2000, p.134)

Também necessário referir que as Convenções de Haia, a partir de 1955, e de Viena de 1980, da qual países

como Argentina e Uruguai são signatários, eis que essas muito contribuíram na construção da Convenção

Interamericana do México, uma vez que permitem a autonomia da vontade das partes na escolha da lei

aplicável. (ARAÚJO, 2000, p. 124–133).

17

17

Em caso da ausência de eleição do direito aplicável, o artigo 9o determina que o

contrato será regido pelo direito do Estado com o qual o mesmo possua vínculos mais

estreitos, levando-se em conta os princípios gerais do direito comercial internacional

aceitos por organismos internacionais, ou seja, estar-se-ia diante da aplicação do princípio

da proper law. (SOUZA JÚNIOR, 2002, p. 443).

Além disso, “o artigo 10 da Convenção autoriza, quando pertinente, a aplicação de

normas, costumes e princípios do direito comercial internacional, em outras palavras,

permite a aplicação dos princípios que compõem a lex mercatoria”. (SOUZA JÚNIOR,

2002, p. 443).

Conforme menciona Nádia de Araújo “a Convenção do México teve repercussão no

Brasil através de sua influência nos artigos relativos aos contratos internacionais do Projeto

de lei no 4.095/95

19” (2000, p. 187), o qual, foi retirado do Congresso Nacional pelo Poder

Executivo.

É oportuno mencionar que, nos demais Estados-parte do Mercosul – Argentina,

Paraguai e Uruguai – em virtude de serem signatários do Tratado de Montevidéu de 194020

,

não permitem às partes contratantes a liberdade de escolha da norma aplicável ao seu

contrato. Conforme dispõe Nádia de Araújo (2000, p. 153), o Brasil participou do

Congresso em que houve a celebração daquele tratado, no entanto, não o assinou em

virtude de conter dispositivos contrários a sua legislação internacional.

Em derradeiro, também é necessário referir a Convenção interamericana sobre

normas gerais de direito internacional privado21

, a qual foi ratificada por todos os países

componentes do Mercosul e disciplina a forma de aplicação da norma estrangeira, mais

precisamente nos seus artigos do 1o ao 6

o.

Dessa forma, Taquela (2000, p. 740) explica que a referida Convenção

Interamericana do México, se ratificada por todos os Estados do Mercosul, seria, de certa

19

O referido projeto é de autoria da comissão formada pelos professores Jacob Dolinger, João Grandino

Rodas, Rubens Limongi França e Inocêncio Mártires Coelho. 20

Trata-se de um Tratado assinado no Segundo Congresso Sul-americano de Direito Internacional Privado de

Montevidéu. O Brasil participou do Congresso, entretanto não assinou o referido tratado em virtude do

mesmo estabelecer como lei aplicável a do lugar de execução do contrato, lex loci executionis. O Tratado de

Montevidéu está ainda vigente nos Estados da Argentina, Paraguai e Uruguai. (ARAÚJO, 2000, p. 153) 21

Convenção sobre direito internacional privado, realizada em 1979 na cidade de Montevidéu – Uruguai,

promulgada pelo Decreto n. 1979 de 09 de agosto de 1996.

18

18

forma, a solução dos problemas quanto à escolha da norma aplicável, posto que a

autonomia da vontade estaria positivada, ao contrário da situação jurídica atual. Com

relação à autonomia da vontade – norma aplicável - no Brasil, será vista mais adiante.

Cabe ainda referir o Código de Bustamante, ou melhor a Convenção de Direito

Internacional Privado de 192822

, a qual trata, dentre outras matérias, sobre os contratos

internacionais e, conseqüentemente, às regras de competência internacional em matéria

civil e comercial. Todavia, para Araújo (2000, p.160), tal convenção deixou aos Estados a

liberdade de interpretação do código segundo suas próprias normas internas.

Com relação à competência internacional, o Código de Bustamante, em seu artigo

318 permite aos contratantes a escolha do foro aplicável, em caso da ocorrência de eventual

conflito, “desde que haja elemento de fixação de competência relacionado à nacionalidade

ou ao domicílio de uma das partes .” (NARDI, 2002, p. 136).

Já no que se refere à norma aplicável, o Código não contemplou a autonomia da

vontade, apenas discorrendo, no seu artigo 186, ser aplicável aos contratos, primeiramente,

a lei comum às partes, e, na sua ausência, a lei do lugar onde o contrato foi celebrado, no

mesmo entendimento que o artigo 9º da Lei de Introdução. (ARAÚJO, 2000, p. 160–161).

Percebe-se, destarte, que no âmbito do Mercosul não há um ordenamento uniforme

quanto à questão da norma aplicável aos contratos internacionais, havendo apenas, no

âmbito do foro aplicável, o Protocolo de Buenos Aires quanto à jurisdição internacional.

4 A AUTONOMIA DA VONTADE NO DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO

Nádia de Araújo (2002, p. 199) leciona que não há muita jurisprudência com relação

ao princípio da autonomia da vontade relativa à norma aplicável, ao contrário do foro

aplicável, que a seguir ver-se-á.

Desde já, traz-se a opinião de Maria Helena Diniz, (1994, p. 251) a qual afirma

taxativamente não haver autonomia da vontade para escolha da norma aplicável no direito

brasileiro. Cabe analisar-se o porquê dessa afirmação. Para tanto, deve-se lembrar

22

Os demais Estados componentes do Mercosul não são signatários dessa Convenção.

19

19

novamente do artigo 9o da LICC, o qual restou omisso quanto às partes poderem optar pela

norma aplicável ao seu contrato. Além disso, cabe fazer a análise se tal norma possui

caráter imperativo ou não.

Segundo João Grandino Rodas (2002, p. 51), são imperativas as normas que

possuem “continentes de critérios que necessariamente serão utilizados na apreciação

jurídica do ato”. Ele continua dizendo que “sendo uma lei imperativa, subordinará todos os

atos dependentes de sua aplicação. Os conflitos de leis imperativas são resolvidos pelas

regras de Direito Internacional Privado e não pela vontade das partes contratantes.” Isto é,

somente às normas facultativas23

é válida a autonomia da vontade.

Entende-se destarte, que no momento em que o artigo 9o omite-se com relação ao

assunto – autonomia da vontade – as partes não poderão dispor de tal faculdade – escolha

da norma aplicável – visto a imperatividade da norma. Rubem Belandro assim define uma

norma imperativa:

Não são todas as leis que possuem um caráter de imperatividade estendida

às relações multiconectadas, pois, se assim fosse, a utilização do direito

estrangeiro pelas normas de conflito nunca ocorreria. O que distingue o

uso das primeiras das normas imperativas é que estas atendem aos ditames

de uma civilização comum, enquanto as segundas procuram preservar a

coerência do ordenamento jurídico interno. (BELANDRO apud

ARAÚJO, 2002, p. 209).

A que se dizer ainda, de acordo com Nádia de Araújo (2001, p. 43–44), a despeito

da alegação de alguns juristas, como Haroldo Valadão, o qual entende ser a autonomia da

vontade um direito subjetivo conferido à pessoa independente do que dispõe o direito

positivo, que o ordenamento jurídico brasileiro, por ser positivista, segundo o qual os

direitos subjetivos somente decorrem de previsão legal, o artigo 9o não inclina a uma

interpretação permissiva da autonomia, pois não há disposição expressa de tal liberdade.

Aliás, como bem observa Wilson Batalha, “face a Lei de Introdução do Código

Civil não pode pairar dúvida: inaceitável é a autonomia da vontade para a indicação da lei

23

Segundo Rodas (2002, p. 51), “são facultativas as normas que permitem aos particulares escolher entre

dois, ou mais critérios de apreciação de seus atos.”

20

20

aplicável. [...] não nos parece merecer dúvida que o art. 9o da Lei de Introdução se reveste

de caráter imperativo”. (apud FRANCESCHINI, 2002, p. 73).

Veja-se, que apesar da Convenção Interamericana do México permitir que as partes

escolham a norma aplicável ao seu contrato, conforme já referido, tal Convenção ainda não

possui aplicação no Brasil e em nenhum dos outros Estados-parte do Mercosul, uma vez

que nenhum deles ainda a ratificou. De mais a mais, a própria Convenção interamericana

sobre normas gerais de direito internacional privado de Montevidéu, ratificada pelos quatro

países membros do Mercosul, nada refere com relação à autonomia da vontade relativa à

escolha da norma aplicável.

Dessa forma, segundo Araújo (2002, p. 199), os tribunais brasileiros não têm

permitido às partes estipularem a eleição de norma aplicável, aplicando o disposto no artigo

9o da LICC como regra de conexão por excelência da legislação brasileira.

Para a mesma autora (ARAÚJO, 2000, p. 73), em referência aos demais Estados

componentes do Mercosul, percebe-se que, em virtude do Tratado de Montevidéu, esses

também não contemplam o princípio da autonomia da vontade referente à escolha da norma

aplicável, ou melhor, não possuem tal direito subjetivo positivado em seus ordenamentos

internos.24

Assim, mais detalhadamente, no caso da Argentina, Nádia de Araújo (2000, p. 74–

81) dispõe que a doutrina entende ser possível às partes a eleição da norma aplicável ao seu

contrato, entretanto os tribunais têm rechaçado o referido entendimento. Já o Uruguai , após

a sua participação na Conferência de Haia de 1985, tem se posicionado em favor da

autonomia, mas, até o momento, não possui nenhuma decisão concreta a respeito. Por

último, o Paraguai, que também possui divergência na doutrina com relação à possibilidade

de tal autonomia, mas a exemplo do Uruguai, não possui nenhuma decisão de seus tribunais

com relação ao assunto.

24

No direito comparado, mais precisamente nos países da common law (ARAÚJO, 2000, p. 61) é permitido a

aplicação da autonomia da vontade na escolha da lei aplicável. No caso do direito inglês á utilizado o

princípio da proper law, já referido. No direito americano, tal direito subjetivo é permito tendo em vista o

Restatement First of Conflict of Laws, espécie de código americano com normas de direito internacional

privado. Segundo Jacob Dolinger (2001, p. 80), trata-se na verdade, de um reordenamento dos princípios

decorrentes de uma longa experiência jurisprudencial e doutrinária em função dos conflitos do direito dos

diferentes Estados americandos. Não tem força de lei, mas tem mais peso do que uma obra doutrinária.

21

21

Com relação ao foro aplicável, segundo Araújo (2002, p. 213), existe a mesma

discussão acerca do artigo 88 do Código de Processo Civil, relativa a ser essa norma de

caráter imperativo ou facultativo. No entanto, as decisões dos tribunais brasileiros têm tido,

na sua maioria, o entendimento de que a cláusula de eleição de foro é permitida.

Serve como exemplo o despacho do Min. Celso de Mello, quando estava

na presidência do STF, ao decidir a Carta Rogatória 7.311, em que

esclareceu o entendimento do Tribunal a respeito de competência

concorrente no direito brasileiro. Disse o Ministro que a norma inscrita no

art. 88 do CPC, por definir as hipóteses de competência concorrente,

representava uma faculdade do autor utilizar-se do foro brasileiro ou do

foro estrangeiro, desde que seja uma das hipóteses do citado artigo.

(GRANZIERA, 2002, p. 221).

Todavia, “o problema surge quando há uma cláusula de eleição de foro estrangeiro e

é competente a justiça brasileira, por força das disposições do artigo 88 do CPC”

(ARAÚJO, 2002, p. 213). Ou seja, se a ação for proposta no Brasil e a parte demandada

propuser exceção de incompetência, por força de cláusula de eleição de foro, o julgamento

poderá ter desfecho imprevisível. Araújo (2002, p. 222) ainda afirma que o Tribunal do Rio

de Janeiro, especificadamente, já tratou da matéria inúmeras vezes, sendo que suas decisões

são, predominantemente, a favor da eleição de foro pelos contratantes.

No primeiro caso, uma exceção de incompetência, o Tribunal entendeu

que se as partes haviam elegido validamente o foro estrangeiro, somente

naquele local poderia o litígio ser iniciado. A ré alegara, por meio de uma

exceção de incompetência, que teria ocorrido declinatória fori por causa

da cláusula que elegia o foro alemão para dirimir as controvérsias

contratuais, a final julgada procedente, pelo que o feito foi extinto.

Inconformada, a agravante entendia que por ser o Brasil o local de

cumprimento da obrigação deveria o foro ser também o brasileiro, na

forma do art. 88 do CPC. Todavia o Tribunal julgou diversamente, pois no

seu entender considerou válida a cláusula de eleição de foro, em razão da

natureza do direito em questão, e na Súmula 33525

do STF julgou extinto

o feito.26

(ARAÚJO, 2002, p. 223).

25

Súmula 335: “É válida a cláusula de eleição de foro para os processos oriundos do contrato.” 26

Revista de Direito do TJRJ 9/190, Ementário 71/99, n. 10, 18.10.1990, Apelação Cível 4903, 1989, Reg.

25.09.1990, unânime, Des. Darcy Lizardo de Lima, j. 07.08.1990.

22

22

Já os Tribunais de Justiça de São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul “ao contrário

do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, mostram-se, na sua maioria, opostos à cláusula

quando ela implicar incompetência da Justiça brasileira, entendendo que a exegese do art.

88 do CPC importa julgar competente a justiça nacional.” (ARAÚJO, 2002, p. 225).

[...] O Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu que sendo contrato

celebrado no Brasil – por aqui residir o proponente –, e hipótese de

competência concorrente, na qual seria possível a atuação paralela da

justiça estrangeira, teve por inaceitável, embora considerasse válida a

cláusula de eleição que afastasse a jurisdição nacional, cuja autoridade

não estava impedida de apreciar a matéria. No corpo do acórdão acima se

esclarece que não ficou demonstrado ter a parte autora aderido às

condições gerais da venda, onde o foro estava previsto, sendo esse mais

um caso em que por ser contrato impresso, e portanto de adesão, a

cláusula de eleição de foro é inválida.27

(ARAÚJO, 2002, p. 226).

De qualquer forma, Barbosa Moreira já examinara tal questão, em lição que

reconhece a validade de cláusula de eleição de foro em contratos internacionais no Brasil.

Ocorrendo qualquer das hipóteses do art.88, de acordo com a

jurisprudência do Supremo Tribunal Federal – ao menos como vem sendo

entendida – a sentença estrangeira apenas será homologável se as partes

tiverem acordado em eleger o foro do outro Estado, ou se, ali proposta

ação, o réu se houver submetido à respectiva jurisdição, apresentando

defesa perante o juiz estrangeiro. Em tal perspectiva, não se afigura

inteiramente apropriada a expressão „competência concorrente‟ no que

tange à Justiça estrangeira: no fundo, para o Brasil, a brasileira é que seria

a única competente em princípio, ao passo que alguma outra unicamente

pode vir a tornar-se competente, em virtude de ato da parte, anterior ao

processo ou praticado nele. [...] (MOREIRA apud NARDI, 2002, p. 133).

No caso dos contratos de compra e venda, que envolvam partes domiciliadas em

algum dos Estados-parte28

do Mercosul, entende-se que essas podem estipular livremente a

cláusula de eleição de foro, tendo em vista o Protocolo de Buenos Aires. Veja-se que,

conforme já mencionado, o próprio Supremo Tribunal Federal devolveu uma carta

rogatória, n. 8837, ao Paraguai pelo fundamento de que havia a existência, no contrato em

27

Vide ainda RT 632/82. 28

Tais Estados permitem a escolha do foro aplicável pelos contratantes atento ao disposto em seus Códigos

de Processo Civil. (ARAÚJO, 2002, p. 226)

23

23

discussão, de uma cláusula de eleição de foro brasileiro, a qual seria permitida nos termos

do Protocolo de Buenos Aires. Além do mais, o próprio Código de Bustamante permite que

as partes estipulem o foro aplicável no caso da ocorrência de um eventual conflito, desde

que atendam as condições lá impostas, já referidas neste capítulo.

5 DIREITO APLICÁVEL

Conforme relata Ventura, “os anos de 1990 trazem consigo uma experiência inédita

de integração econômica e sub-regional para a Argentina, o Brasil, o Paraguai e o Uruguai.

Membros do Mercado Comum do Sul, MERCOSUL [no entanto] vivem um momento de

grandes incertezas quanto ao futuro, especialmente no que se refere às questões

institucionais e jurídica.” (1996, p. 13).

Veja-se que, conforme mencionado, o Mercosul possui personalidade jurídica

internacional, podendo, dentre outros poderes, celebrar tratados com outros Estados,

conforme já aconteceu.

Ocorre que, segundo Kerber (2001, p. 80), não há no Mercosul a presença de um

direito comunitário, por via de conseqüência, não possui caráter supranacional, como

acontece na Comunidade Européia, sendo que suas decisões, protocolos, acordos, dentre

outros, somente terão efeito, em geral se internalizados pelos países que o compõem, ou

seja, não terão aplicação direta no ordenamento interno daqueles.

Além disso, Caminha (2003, p. 49) afirma que mesmo que as normas emanadas do

Mercosul sejam devidamente integradas no ordenamento interno dos Estados-parte, muitas

vezes não são aplicadas pelos tribunais, em virtude de contrariarem norma interna, como no

caso da posição brasileira em relação ao Protocolo de Las Leñas, já mencionada.

Isso acontece, porque, relativo ao Brasil, não há uma disposição constitucional

expressa quanto à hierarquia entre norma interna e tratado, apenas é abordado o assunto de

forma tangente, em seu artigo 102, inciso III. Entretanto, o artigo 4o da Constituição

Federal dispõe que o Brasil deverá buscar a integração dos povos da América Latina,

visando a formação de uma comunidade latino-americana de nações. (VENTURA, 1996, p.

66).

24

24

Desse modo, o grande problema que enfrentam as pessoas físicas e jurídicas

ao realizar negócios, ou melhor, ao celebrar contratos de compra e venda mercantis no

âmbito do Mercosul, posto que não há uma uniformização de regras, é o risco a que se

submetem por não saberem como irão proceder os tribunais em caso de um eventual

conflito entre as partes contratantes.

Dito isso, o que se percebe, desde logo, é que o problema principal refere-se

à norma e ao foro aplicável no caso da ocorrência do citado conflito. Quanto à norma

aplicável, limita-se, no âmbito dos países que compõem o Mercosul, em determinar se é a

da celebração, lex loci celebrationis ou a lei de execução do contrato, lex loci executionis.

O Brasil, por não ser signatário do Tratado de Montevidéu de 1940, é o único

Estado dentre os demais – Argentina, Paraguai e Uruguai –, que possui entendimento

diverso, isto é, atento ao disposto no artigo 9o da Lei de Introdução do Código Civil,

determina ser aplicável a lei do lugar de celebração do contrato, permitindo-se, dependendo

do caso, o dépeçage do contrato.

Destarte, segundo Nádia de Araújo (2002, p. 202–204), mesmo que em virtude

disso tenha que ser aplicada a lei estrangeira, assim o será. É claro que, desde que tal lei

não fira os bons costumes e a ordem pública do Estado brasileiro.

Contudo, a lei estrangeira vem sendo aplicada, em alguns casos, mesmo quando

contrariar dispositivo legal interno, conforme o exemplo trazido pela mesma autora,

(ARAÚJO, 2002, p. 205–206) referente à decisão do então presidente do Supremo Tribunal

Federal quanto a Carta Rogatória 9.897, julgada em fevereiro de 2002, cujo pedido era de

citação de cidadão domiciliado no Brasil por força de ação movida nos Estados Unidos da

América, em que procedia a cobrança de dívida de jogo. Mesmo que a legislação brasileira

impedisse a cobrança por dívidas de jogo, a decisão na referida Carta Rogatória no 9.897

modificou a jurisprudência até então predominante e deferiu o pedido de exequatur para

que a citação fosse realizada.

No longo voto, em que discorre sobre o papel do país perante as demais nações,

bem como se tal decisão infringia a ordem pública do país, o presidente daquela Corte

assim se pronunciou em um dos trechos de sua decisão.

25

25

É o caso de indagar-se, à luz dos valores em questão: o que é capaz de

colocar em xeque a respeitabilidade nacional: a homologação de uma

sentença estrangeira, embora resultante de prática ilícita no Brasil, mas

admitida no país requerente, ou o endosso, pelo próprio Estado, pelo

Judiciário, de procedimento revelador de torpeza, no que o brasileiro

viajou ao país-irmão e lá praticou o ato que a ordem jurídica local tem

como válido, deixando de honrar a obrigação assumida? A resposta é

desenganadamente no sentido de ter-se a rejeição da sentença estrangeira

como mais comprometedora, emprestando-se ao território nacional a

pecha de refúgio daqueles que venham a se tornar detentores de dívidas

contraídas legalmente, segundo a legislação do país para o qual viajarem.

[...] A origem do débito mostrou-se como sendo a participação em jogos

de azar, mas isso ocorreu nos moldes da legislação regedora da espécie.

No país em que mantida a relação jurídica, o jogo afigura-se como

diversão pública propalada e legalmente permitida. Ora, norma de direito

internacional, situada no mesmo patamar do artigo regedor da eficácia das

sentenças estrangeiras, revela que “para qualificar e reger as obrigações

aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem” – cabeça do art. 9o da

Lei de Introdução do Código Civil. (apud ARAÚJO, 2002, p. 206).

Outro ponto importante foi definir se as partes podem livremente fazer a escolha da

norma aplicável ao seu contrato – autonomia da vontade - o que, consoante aos

ensinamentos de Nádia de Araújo e João Grandino Rodas (2002), restou demonstrado não

ser permitido pelo direito brasileiro, por ser o comando do artigo 9o da LICC de natureza

imperativa.

Nos demais Estados-parte do Mercosul, apesar da doutrina ser favorável à aplicação

da autonomia da vontade nos contratos internacionais, não existem ainda decisões concretas

de seus tribunais, deixando às partes contratantes certa insegurança quanto a isso.

A solução do problema, para Araújo (2001, p. 46) seria a ratificação, por todos os

Estados-parte do Mercosul, da Convenção Interamericana do México. Assim, o princípio da

autonomia da vontade nos contratos internacionais estaria positivado. Entretanto, em

virtude do sistema jurídico brasileiro somente permitir a aplicação da norma internacional

após a aprovação do Congresso Nacional, tal convenção ainda não pode ser aplicada pelos

tribunais brasileiros, o mesmo ocorrendo com os demais Estados, Argentina, Paraguai e

Uruguai.

Já com relação ao foro para a solução de eventual controvérsia, entende-se ser

aplicável o Protocolo de Buenos Aires, primeiramente, por ser norma posterior ao artigo 88

26

26

do Código de Processo Civil brasileiro – lei posterior derroga a anterior – em segundo

lugar, por ser norma mais específica – trata da competência internacional referente a

contratos mercantis – e, finalmente, por ser norma internacional ratificada pelo Brasil, o

qual deve, através de seus tribunais, honrar a respeitabilidade nacional. Veja-se o que diz

Mazzuoli a respeito da aplicação da norma internacional, após ser aprovada pelo Congresso

Nacional:

O decreto executivo, assinado pelo Presidente da República, é ainda

referendado pelo Ministro das Relações Exteriores, e acompanhado de

cópia do texto do ato. A partir de então, tem o tratado plena vigência da

ordem interna, devendo, por isso, ser obedecido tanto pelos particulares

como pelos juízes e tribunais nacionais. (2002, p. 40)

Dessa feita, se aplicável o Protocolo de Buenos Aires, as partes podem livremente

escolher o foro que atuará na sua demanda, e em caso de não haver escolha, aplicar-se-á

subsidiariamente as disposições contidas no artigo 7o daquele.

Veja-se a importância da aplicação desse protocolo na conclusão deste estudo, eis

que podendo as partes escolher o foro para a solução de eventual conflito oriundo de seu

contrato, estarão, mesmo que indiretamente, escolhendo a norma aplicável a esse – lei da

celebração ou da execução. Desse modo, não haveria como não tratar de tais temas

conjuntamente – norma aplicável versus foro aplicável.

Ademais, como já mencionado, a norma estrangeira somente será aplicada se não

for contrária a ordem pública e aos bons costumes, por conta disso, afirma Araújo (2002,

p.209), que após a utilização da regra de conexão pelo juiz do foro – lei da celebração ou da

execução do contrato –“pode ocorrer que a lei indicada seja contrária a ordem pública,

quando então a lei do foro prevalecerá.”

Por conta disso, justifica-se a importância dos Estados, que fazem parte do

Mercosul, aplicarem as normas internacionais por eles ratificadas, e mais importante ainda,

quando essas forem provenientes de tal organismo internacional (Mercosul). Tal atitude

traria maior segurança às partes, ao celebrarem seus contratos, por conseguinte, ajudaria na

expansão do Mercado Comum do Sul, tão importante para o crescimento das nações do dito

Cone Sul. Em prol desse entendimento, atenta-se ao que foi dito, recentemente, no II

27

27

Seminário dos Grupos de Estudos e Pesquisas da Comissão Especial de Integração do

Mercosul da Ordem dos Advogados do Brasil:

As interpretações judiciais no âmbito do Mercosul são de grande

relevância para o processo de integração. Os operadores do direito, em

geral, devem ter extrema cautela e prudência para não tentar frustrar o

compromisso internacional firmado pelo seu respectivo Estado. Seu

trabalho, na interpretação dos textos, em conjunto com os magistrados,

transforma a norma abstrata em direito vivo. A habilidade dos advogados

na condução das lides levadas aos tribunais, como representantes dos

interesses das partes, é que vai delinear o direito posto em juízo. Todos,

porém, devem estar conscientes de que a vigência interna de um tratado

não pode estar em contradição com a externa. A eventual adoção de forma

diversa gera responsabilidade ao Estado infrator. Já ensinava, com

magistral propriedade de sempre, Pontes de Miranda: „(...) o juiz que

preferisse a lei estatal em contradição ao direito internacional, violaria o

direito internacional, e o estatal, que o mandou aplicar de preferência.‟

(CAMINHA, 2003, p. 56).

Por fim, não se pode olvidar que no direito comparado, a faculdade das

partes de escolher o foro e a norma aplicável ao contrato internacional encontrou guarida

nas principais convenções internacionais – quanto ao foro Convenção de Bruxelas e quanto

à norma, Convenções de Haia, a partir de 1955, Convenção de Viena e Convenção de

Roma – e legislações internas de diversos países, especialmente os localizados no

continente Europeu.

Assim sendo, entende-se ser aplicável, tendo em vista o ordenamento jurídico

brasileiro, aos contratos de compra e venda mercantis no âmbito do Mercosul, com relação

ao foro competente, o Protocolo de Buenos Aires, cujo comando permite às partes a escolha

do juízo que irá reger a solução de suas possíveis controvérsias. Desse modo, depois de

definido tal juízo, e se esse for o brasileiro, aplicar-se-á a lei do lugar de celebração do

contrato, conforme determina o artigo 9o da Lei de Introdução do Código Civil, não

podendo as partes dispor acerca disso, ou seja, sendo vedado o princípio da autonomia da

vontade neste caso.

28

28

CONCLUSÃO

Em face do exposto, percebe-se a grande importância de se ter um sistema

harmonizado de normas para se chegar à melhor forma de solução de eventuais

controvérsias oriundas, principalmente, de contratos de compra e venda internacionais de

natureza mercantil no âmbito do Mercosul.

Diante do crescente aumento das negociações internacionais, as quais alavancam o

crescimento econômico do Brasil e, o que se percebe, tendem a melhorar a qualidade de

vida de sua população, o Mercosul, sem sombra de dúvidas, é um dos grandes responsáveis

por tal fenômeno. No entanto, muito se discute quanto ao futuro do Mercosul, sendo que

vários doutrinadores dizem estar o mesmo chegando ao fim diante da dificuldade da efetiva

integração política, econômica e jurídica dos Estados que o integram.

Por certo que, se o Mercosul deixasse de existir, nos tempos atuais, provocaria uma

grande crise nos Estados-parte, principalmente no Brasil, que possui boa parte de suas

exportações para o mercado Argentino. Assim, não há como se falar término, mas sim na

sua evolução, e para que isso ocorra, deve-se buscar, além da integração aduaneira, a

harmonização das regras no que tange o direito aplicável – foro e norma - na solução de

controvérsias, eis que as partes não podem celebrar seus contratos tranqüilamente diante de

tal insegurança jurídica.

Quanto à referida harmonização de regras, seria de extrema importância a

ratificação, pelos Estados-parte do Mercosul, da Convenção Interamericana do México, a

qual permitiria às partes a livre escolha da norma aplicável diante de uma eventual lide,

diminuindo a insegurança jurídica das mesmas e contribuindo para o aumento ainda maior

das exportações, por conseguinte, dos contratos de compra e venda entre pessoas residentes

e ou domiciliadas naquele espaço integrado.

Contudo, não basta apenas a ratificação da dita convenção, é preciso que os

Estados-parte a apliquem efetivamente, bem como as normas internacionais emanadas do

Mercosul, como no caso do Protocolo de Buenos Aires, o qual harmoniza o sistema quanto

ao foro competente, principalmente no que se refere aos contratos de compra e venda

internacionais.

29

29

Se os Estados-parte do Mercosul assim procederem, ou seja, na busca da

harmonização de suas normas e efetivamente aplicando os tratados, acordos, convenções e

protocolos internacionais que ratificarem, ele estará se aproximando do modelo europeu, ou

seja, do bem sucedido modelo de integração utilizado pela Comunidade Européia e neste

trabalho utilizado à titulo de direito comparado.

Todavia, deve-se ter em mente também, que o Mercosul, comparado com o citado

modelo europeu, é um bloco de integração recente, que possui apenas treze anos de

existência, onde, do outro lado, a Comunidade Européia possui mais de quarenta anos de

integração, havendo, destarte, muito caminho que percorrer no seu processo evolutivo e o

Direito, como regulamentador, muito tem a contribuir quanto a isso.

Dessa forma, sugere-se como solução, aos eventuais conflitos oriundos dos

contratos de compra e venda no âmbito do Mercosul, sob a ótica do ordenamento jurídico

brasileiro, quanto ao foro competente, a aplicação do Protocolo de Buenos Aires, cujo

comando legal permite às partes sua livre escolha. Após definir o foro, se esse for o

brasileiro, aplicar-se-á a norma do lugar de celebração do contrato, consoante ao disposto

no artigo 9º da Lei de Introdução do Código Civil brasileiro, sem ser facultado aos

contratantes sua livre escolha, ou seja, não há a aplicação do princípio da autonomia da

vontade na definição da norma aplicável.

Enfim, este artigo, prescindindo da ilusão de esgotar o tema, fez uma análise

multidisciplinar do assunto, tendo como objetivo principal, a busca da melhor forma de

solução do conflito com o intuito de diminuir os riscos que as partes se submetem ao

realizar a referida atividade negocial, colaborando, destarte, no crescimento do processo de

integração do Mercosul.

REFERÊNCIAS

AMORIM, Edgar Carlos de. Direito Internacional Privado. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense,

2000.

ARAUJO, Nadia de. Contratos internacionais: autonomia da vontade, mercosul e

convenções internacionais. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.

30

30

______. O Direito subjetivo e a teoria da autonomia da vontade no Direito Internacional

Privado. In: CASELLA, Paulo Borba (Coord.). Contratos internacionais e direito

econômico no Mercosul após o término do período de transição. São Paulo: LTr, 2001. p.

31-47.

______. Contratos internacionais e a jurisprudência brasileira: lei aplicável, ordem pública

e cláusula de eleição de foro. In RODAS, João Grandino (Coord.). Contratos

internacionais. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 195-229.

ARGENTINA. Código Civil. Disponível em: <http://www3.usal.es/~derepriv/refccarg/

ccargent/codciv.htm >. Acesso em: 28 jul. 2004.

______. Constituição. Disponível em: <www.georgetown.edu/pdba/ Constitutions/

Argentina/argen94.html>. Acesso em: 15 ago. 2004.

BAPTISTA, Luiz Olavo. Dos contratos internacionais: uma visão teórica e prática.São

Paulo: Saraiva, 1994.

BATISTI, Leonir. Direito do consumidor para o Mercosul: enfoque jurídico e econômico

dos blocos de integração. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2001.

BRASIL. Código Civil. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.

______. Código de Processo Civil. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

______. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 2. ed. Porto

Alegre: Verbo Jurídico, 2004.

______. Superior Tribunal de Justiça. Súmula no 335. In: Código de processo civil e

legislação processual em vigor. 31.ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 185.

CAMINHA, Maria do Carmo Puccini. Os juízes do Mercosul e a exterritoliaridade dos atos

jurisdicionais. Revista de Direito Constitucional e internacional, n. 45, ano 11, p. 34–56,

out./dez. 2003. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003

CONVENÇÃO DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO DE 1928. SEITENFUS,

Ricardo (Org.). Legislação internacional. Barueri: Manole, 2004, p. 1836

CONVENÇÃO INTERAMERICANA SOBRE NORMAS GERAIS DE DIREITO

INTERNACIONAL PRIVADO realizada em Montevidéu em 1979. SEITENFUS, Ricardo

(Org.). Legislação internacional. Barueri: Manole, 2004, p. 1884.

DINIZ, Maria Helena. Tratado Teórico e Prático dos Contratos.São Paulo: Saraiva, 1993.

31

31

______. Lei de introdução ao código civil brasileiro interpretada. São Paulo: Saraiva,

1994.

DOLINGER, Jacob. Direito Internacional Privado: parte geral. 6.ed. Rio de Janeiro:

Renovar, 2001.

FRANCESCHINI, José Inácio Gonzaga. A lei e o foro de eleição em tema de contratos

internacionais. In RODAS, João Grandino (Coord.). Contratos internacionais. 3 ed. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 66-121.

GARCIA JÚNIOR, Armando Álvares. A lei aplicável aos contratos internacionais.São

Paulo: Aduaneiras, 2000a.

______. Jurisdição Internacional em matéria contratual no Mercosul. São Paulo:

Aduaneiras, 2004.

KERBER, Gilberto. Mercosul e a supranacionalidade. São Paulo: LTr, 2001.

LORENTZ, Adriane Cláudia Melo. Supranacionalidade no Mercosul. Curitiba: Juruá,

2001.

MAZZUOLI, Valério de Oliveira. O poder legislativo e os tratados internacionais: o treaty-

making power na Constituição brasileira de 1988. Revista de Direito Constitucional e

Internacional. n. 38, ano 10, p, 9-45, jan./mar. 2002. São Paulo: Revista dos Tribunais.

NARDI, Marcelo de. Eleição de foro em contratos internacionais: uma visão brasileira. In

RODAS, João Grandino (Coord.). Contratos internacionais. 3 ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2002. p. 122-194.

PARAGUAI. Codigo Civil. Assunción: Elisa, 2004.

______. Constituição. Disponível em:

<www.georgetown.edu/pdba/Constitutions/Paraguay/ para1967.html> Acesso em: 15 ago.

2004.

PROTOCOLO DE BUENOS AIRES de 05 de agosto de 1994. Disponível em:

<http://www.camara.gov.br/mercosul/Protocolos/BUENOS_AIRES.htm>. Acesso em: 15

ago. 2004.

PROTOCOLO DE OURO PRETO de 12 de dezembro de 1994. Disponível em:

<http://www.mercosul.gov.br/textos/default.asp?Key=17>. Acesso em: 15 ago. 2004.

32

32

RESOLUÇÃO NO 04/04 DO GRUPO DO MERCADO COMUM de 31 de março de 2004.

Disponível em: http://www.mercosur.org.uy/paginabienvenidaportugues.htm. Acesso em:

25 mar. 2005.

RODAS, João Grandino (Coord). Contratos internacionais. 3 ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2002.

______. Elementos de conexão do Direito Internacional Privado Brasileiro relativamente às

obrigações contratuais. In RODAS, João Grandino (Coord.). Contratos internacionais. 3

ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 19-65.

SOUZA JR., Lauro da Gama e. Os princípios do Unidroit relativos aos contratos

comerciais internacionais e sua aplicação nos países do Mercosul. In RODAS, João

Grandino (Coord.). Contratos internacionais. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

p. 427-464.

URUGUAI. Código Civil. Disponível em: <www.parlamento.gub.uy/htmlstat/pl/codigos/

codigocivil/1995/cod_civil.>. Acesso em: 28 jul. 2004.

______. Constituição. Disponível em: <www.constitution.org/cons/uruguay.htm>. Acesso

em: 15 ago. 2004.

VENTURA, Deisy de Freitas Lima. A ordem jurídica do MERCOSUL. Porto Alegre:

Livraria do Advogado, 1996.

TRATADO DE ASSUNÇÃO de 26 de março de 1991. SEITENFUS, Ricardo (Org.).

Legislação internacional. Barueri: Manole, 2004, p. 1292.