Controvérsias na sucessão do conjuge-Mário Delgado

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  • 7/22/2019 Controvrsias na sucesso do conjuge-Mrio Delgado

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    CONTROVRSIAS NA SUCESSO DO CNJUGE E DO CONVIVENTE. UMA

    PROPOSTA DE HARMONIZAO DO SISTEMA.

    Mrio Luiz Delgado RgisAnalista Judicirio da Seo Judiciria da Paraba. Assessor Parlamentar na Cmara dos Deputados, em Braslia.Assessorou o relator geral do projeto de lei que deu origem ao novo Cdigo Civil Brasileiro. Mestrando em DireitoCivil Comparado pela PUC/SP. Membro do IASP- Instituto dos Advogados de So Paulo e do IBDFAM- InstitutoBrasileiro de Direito de Famlia. Autor e co-autor de livros e trabalhos jurdicos.

    Sem esbarrar de frente com os textos, ante a menor dvida possvel, o intrpreteconcilia os dizeres da norma com as exigncias sociais; mostrando sempre opuro interesse de cumprir as disposies escritas, muda-lhes insensivelmente aessncia, s vezes at malgrado seu, isto , sem o desejar; e assim exerce emcerta medida, funo criadora: comunica esprito novo lei...(CarlosMaximiliano)

    estrito dever do intrprete, antes de chegar interpretao ab-rogante (pelaqual num primeiro momento optaramos), tentar qualquer sada para que anorma jurdica tenha um sentido. H um direito existncia que no pode sernegado norma, desde que ela veio luz. (F. Messineo)

    SUMRIO: Introduo. 1. A sucesso do cnjuge. 1.1. O art. 1845 e o novo status sucessrio docnjuge suprstite .1.1.1. Herdeiro necessrio e no herdeiro efetivo. 1.1.2. Crtica nova posio do

    cnjuge. 1.1.3. O problema da deserdao do cnjuge. 1.2. O art. 1.830 e os pressupostos para existnciado direito sucessrio do cnjuge.1.2.1. Cnjuges separados judicialmente ou separados de fato. 1.2.2. Ocasamento putativo.1.2.3. A prova da culpa na separao de fato.1.3. O art. 1.829 e as alteraespromovidas na ordem de vocao hereditria para possibilitar a concorrncia do cnjuge comdescendentes e ascendentes. 1.3.1. Cnjuges casados no regime da comunho universal de bens. 1.3.2Cnjuges casados no regime da separao obrigatria de bens.1.3.3. Cnjuges casados no regime dacomunho parcial quando o falecido no possua bens particulares.1.3.4. Cnjuges casados no regime dacomunho parcial quando o falecido possua bens particulares.1.3.5. Cnjuges casados no regime daparticipao final nos aqestos. 1.3.6. A posio acolhida pela III Jornada de Direito Civil. 1.4. O art.1.832 e a reserva da quarta parte da herana em favor do cnjuge sobrevivente na concorrncia com osdescendentes.1.4.1. Concorrncia com descendentes comuns. Clculo da reserva legal.1.4.2. Concorrnciacom descendentes exclusivos do autor da herana. Inexistncia de reserva legal.1.4.3. A concorrncia nas

    hipteses de filiao hbrida. Trs correntes antagnicas. 1.5. O art. 1.837 e a concorrncia do cnjugesobrevivente com os ascendentes. 2. A sucesso do convivente. 2.1. A diretriz adotada pelo legislador.2.2.O monte mor na sucesso do companheiro.2.3. Concorrncia do companheiro com os descendentes.2.4.Concorrncia do companheiro com outros parentes sucessveis.2.5. Concorrncia do companheiro com ocnjuge sobrevivente.2.6. Crtica disciplina legal e proposta legislativa. 3. Quadro comparativo com asdiversas posies assumidas pela doutrina at a presente data. Concluses.

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    INTRODUO

    O novo Cdigo Civil promoveu importantes inovaes no direito sucessrio, com destaque para a

    modificao da situao do cnjuge sobrevivente, que assumiu lugar de destaque, passando a

    ostentar, inclusive, a qualidade de herdeiro necessrio (art. 1.845).

    Durante o perodo em que vigorou o CC/1916, o cnjuge era herdeiro meramente facultativo, o

    que possibilitava ao de cujus, na ausncia de herdeiros legitimrios ou necessrios (descendentes

    e ascendentes), dispor da totalidade de seus bens a qualquer pessoa.

    A par disso, o novo Cdigo Civil disciplinou os direitos sucessrios na unio estvel,

    assegurando ao companheiro sobrevivo o direito de participar da sucesso do outro quanto aos

    bens adquiridos onerosamente na constncia da relao. Procurou-se, assim, guindar a unioestvel quase ao patamar do casamento civil, com largueza de esprito, mas sem incorrer no

    equvoco da equiparao plena, posio esta que entendemos, com a mxima vnia, inquinada de

    inconstitucional populismo doutrinrio.

    As novas regras referentes sucesso do cnjuge e do companheiro, todavia, abarcam, com toda

    certeza, os pontos mais polmicos e discutidos de toda a disciplina do direito sucessrio. Muito

    embora, a polmica, muitas vezes, seja facilmente solucionvel pela hermenutica tradicional.

    o que procuraremos demonstrar no decorrer deste trabalho, mediante a anlise de alguns desses

    dispositivos, notadamente aqueles mais propensos a controvrsias, a exemplo do inciso I do art.

    1829, a dispor sobre a concorrncia do cnjuge sobrevivente com os descendentes do falecido,

    dependendo do regime de bens do casamento, ou ainda do art. 1.790, a estabelecer tratamento

    aparentemente discriminatrio para sucesso do companheiro.

    Enfatizando o papel do jurista como construtor de um sistema normativo harmnico e

    hierarquizado, em oposio ao descompromisso do legislador1 com a coerncia lgica desse

    1 Cumpre lembrar que o legislador no jurista, razo pela qual a obra legislativa normalmente imperfeita, doponto de vista jurdico. Todo ordenamento jurdico, como obra humana, est eivado de falhas, quer sejamdecorrentes da ausncia de norma jurdica para regular determinado assunto (lacunas), quer sejam decorrentes doexcesso de normas regulando um mesmo caso em situao de conflituosidade . Engish, ao tratar do princpio daunidade do sistema jurdico, defende o recurso interpretao sistemtica para corrigir erros, incorrees oucontradies na ordem jurdica, lembrando que o legislador costumeiramente coloca o mandamento de um texto

    jurdico em coliso com o de outro, hierarquicamente superior, cronologicamente mais antigo ou especial. (Cf.ENGISH, Karl. Introduo ao Pensamento Jurdico . 7 Ed. Lisboa, Calouste Gulbenkian, 1996 p. 313). OsParlamentos nem sempre atendem aos ditames da sabedoria.

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    mesmo sistema, sustentamos competir ao jurista, ou seja quele que vai elaborar os enunciados e

    as proposies jurdicas que nortearo o aplicador da norma, atravs de um processo de criao

    epistemolgico, desemaranhar o cipoal legislativo, solucionando as eventuais antinomias, reais

    ou aparentes, suprindo lacunas e harmonizando o sistema, tendo por parmetros, alm da

    Constituio Federal e da LICC2, os diversos processos interpretativos (gramatical, lgico,

    sistemtico, histrico e teleolgico), que no se excluem, mas se complementam na busca do

    sentido e do alcance da norma3; e os princpios estruturantes ou diretrizes fundamentais do

    Cdigo Civil, consubstanciados nos pilares da socialidade, eticidade e operabilidade.

    Interpretando o Cdigo Civil, com apoio nesses parmetros, defenderemos ser possvel a

    harmonizao do sistema, com o aperfeioamento das disposies legais, independentemente das

    propostas legislativas j apresentadas e sem, to pouco, retirar-lhes o mrito.

    Constitui regra tradicional da interpretao jurdica, como nos ensina Norberto Bobbio, que o

    sistema deve ser obtido com a menor desordem, ou, em outras palavras, que a exigncia do

    sistema no deve acarretar prejuzo ao princpio de autoridade, segundo o qual as normas existem

    pelo nico fato de terem sido estabelecidas4.

    O objetivo deste trabalho, seguindo a linha de Bobbio, o estabelecimento de critrios

    hermenuticos que possibilitem compreender e aprimorar o subsistema jurdico sobre o qual se

    assenta o direito sucessrio do cnjuge e do companheiro sobrevivente, procurando atribuir aos

    textos legais alcance mais lgico e exeqvel, sem necessidade de alteraes de ordem

    legislativa. Mesmo porque as modificaes no mbito de abrangncia das disposies normativas

    2A Lei de Introduo ao Cdigo Civil faculta ao exegeta utilizar da equidade, analogia e dos princpios gerais dedireito para solucionar o caso concreto, sempre observando os fins sociais e as exigncias do bem comum: "Art. 4.

    Quando a lei for omissa, o juiz decidir o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princpios gerais dedireito. Art. 5 - na aplicao da lei, o juiz atender aos fins sociais a que ela se dirige e s exigncias do bemcomum"

    3 Nesse sentido, a doutrina de Hector Villegas: "De esto se desprende que el intrprete pude y deve utilizar todos losmtodos a su alcance: debe examinar la letra de la ley, necesita analizar cul h sido la intencin del legislador, ytiene que adecuar esse pensamiento a la realidad circunsndante, debe coordinar la norma com todo el sistemajurdico, e a como contemplar la realidad econmica que se h querido reglar y la finalidad perseguida ".(VILLEGAS, Hector. Curso de Finanzas, Derecho Financiero y Tributario. 2Ed, Buenos Aires, 1975, p. 167)

    4Teoria do ordenamento jurdico.10 ed. Braslia: Editora UNB,1999, p. 104.

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    no advm apenas das modificaes legislativas, mas tambm dos diversos processos de

    interpretao. O sistema jurdico est sempre em mutao. Muda na mesma proporo em que

    so alterados os valores que regem a sociedade. Quando os valores da sociedade mudam, o

    direito alterado. E essa alterao se opera muitas vezes, no por obra do legislador, mas do

    hermeneuta. Lembra Carlos Maximiliano, cone da hermenutica tradicional, que o intrprete,

    mostrando sempre o puro interesse de cumprir as disposies escritas, muda-lhes

    insensivelmente a essncia, s vezes at malgrado seu, isto , sem o desejar; e assim exerce em

    certa medida, funo criadora: comunica esprito novo lei...5

    O direito atua como um organismo vivo, concebido imagem e semelhana da sociedade que o

    produziu. E esse sistema vivo diuturnamente construdo e reconstrudo por seus exegetas. Uma

    mesma norma jurdica pode ser interpretada de uma forma ou de outra, de acordo com os valores

    vigentes numa dada sociedade.

    S no deve, nem pode, o exegeta se deixar levar pela tentao de esbarrar de frente com a letra

    da lei, ante a menor dvida possvel. Adverte-nos, com razo, Maximiliano que no pode o

    intrprete alimentar a pretenso de melhorar a lei com o desobedecer s suas prescries

    explcitas. Deve ter o intuito de cumprir a regra positiva , e, tanto quanto a letra o permita, faz-

    la consentnea com as exigncias da atualidade. Assim, pondo em funo todos os valores

    jurdico-sociais, embora levado pelo cuidado em tornar exeqvel e eficiente o texto, sutilmente ofaz melhor, por lhe atribuir esprito , ou alcance, mais lgico, adiantado, humano, do que

    primeira vista a letra crua pareceria indicar. 6

    o que tentaremos fazer nos itens seguintes.

    1. A SUCESSO DO CNJUGE

    1.1. O art. 1845 e o novo status sucessrio do cnjuge suprstite

    1.1.1. Herdeiro necessrio e no herdeiro efetivo

    5Hermenutica e aplicao do direito, 3 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1992, p. 278.6 Ob. cit., p. 277.

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    O novo Cdigo Civil modificou a situao do cnjuge sobrevivente, dando-lhe lugar de destaque

    como herdeiro necessrio (art. 1845), sem, no entanto, alterar a ordem de vocao hereditria,

    consoante teremos a oportunidade de comentar logo adiante.

    Os herdeiros necessrios, como se sabe, so todos aqueles que, em regra, no podem serafastados da sucesso (salvo nas hipteses de excluso ou deserdao), aos quais a lei destina

    expressamente a metade da herana (legtima) .

    Lembra com propriedade Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka que a nova legislao no

    se refere ao fato de serem, tais herdeiros, sucessveis efetivos, no que anda bem. Com efeito,

    tanto o excludo por indignidade quanto o deserdado so herdeiros sucessveis que, tendo

    cometido ato atentatrio previsto em lei, vem-se, posteriormente, afastados da sucesso. Mas at

    que sejam afastados, so herdeiros sucessveis e gozam da proteo legal da reserva dos bens que

    comporo a legtima.7

    Ou seja, o s fato de ostentar a qualificao de herdeiro necessrio no implica dizer que ser

    necessariamente chamado sucesso. Assim que os ascendentes do de cujus so herdeiros

    necessrios, porm s sucedero na ausncia de descendentes daquele. O cnjuge, mesmo alado

    a esse novostatus, s ser sucessor efetivo na ausncia de descendentes e ascendentes do autor

    da herana, ou ainda nas hipteses de concorrncia previstas nos incisos I e II do art. 1.829. Isso

    porque o chamamento sucesso segue uma ordem legal pr-estabelecida, a chamada ordem de

    vocao hereditria8, que tem os descendentes na primeira posio, seguindo-se os ascendentes e,

    em terceiro lugar, o cnjuge sobrevivente.

    A posio sucessria do cnjuge como herdeiro necessrio da terceira classe, no entanto,

    controvertida. Para Eduardo de Oliveira Leite, ele passou a ocupar o primeiro lugar na ordem de

    preferncia (Comentrios ao novo cdigo civil, v. XXI, 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, pp.

    7 Concorrncia do convivente e do cnjuge, na sucesso dos descendentes, in Questes controvertidas no novocdigo civil, v.I, coord. DELGADO , Mrio Luiz e ALVES, Jones Figueiredo. So Paulo: Mtodo, 2003.

    8 A ordem de vocao hereditria a ordem de precedncia estabelecida em lei ou em ato de ltima vontade (nascondies que a lei determinar) para o chamamento daqueles que recebero a titularidade sucessria, ou seja atitularidade das relaes jurdicas transmissveis do falecido, nos dizeres de Capelo de Sousa. Em outras palavras ochamamento de todos os possveis herdeiros do de cujus, para a este suceder, seja ab intestato outestamentariamente. As posies ocupadas por cada um dos possveis herdeiros, nessa ordem legal, so denominadasde classes.

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    215/216). Segundo Maria Helena Braceiro Daneluzzi, com as modificaes ocorridas, no

    podemos mais falar em relao preferencial de classes sobre as outras; em razo da concorrncia

    do cnjuge sobrevivente com descendentes e ascendentes , trata-se de sucesso anmala,porque

    se afastaria do tipo comum de sucesso( Aspectos polmicos na sucesso do cnjuge

    sobrevivente.So Paulo: Letras Jurdicas, 2004, p. 190).

    Particularmente entendemos que o cnjuge permanece como herdeiro da terceira classe. Apesar

    de concorrer, nas hipteses em que a lei estabelece (art. 1.829, incs. I e II), com descendentes

    (herdeiros da 1 classe) ou com ascendentes (sucessores de 2 classe), o cnjuge permanece na 3

    classe. Concorre excepcionalmente com herdeiros de 1 e 2 classes, mas sucessor da 3 classe.

    Quando o Cdigo fala que o cnjuge concorre com descendentes ou com ascendentes exatamente porque no o considera integrante daquelas classes. Concurso, no caso, significa o

    chamamento de pessoas com qualificaes jurdicas diversas.

    Ressalte-se, enfim, que essa classificao no meramente terminolgica, mas tem reflexos

    importantes. O art. 1.810 estabelece, por exemplo, que se um dos herdeiros renuncia herana, a

    parte do renunciante acresce dos outros herdeiros da mesma classe ou devolvida aos da classe

    subseqente, sendo o renunciante o nico de sua classe. Assim, concorrendo o cnjuge e um

    filho, e havendo este renunciado herana, a parte do filho acrescer do cnjuge, se este for

    considerado herdeiro da 1 classe, ou ser devolvida aos ascendentes (herdeiros da 2 classe), com

    os quais passar a concorrer o cnjuge, se considerado herdeiro da 3 classe, conforme

    sustentamos.

    1.1.2. Crtica nova posio do cnjuge

    A incluso do cnjuge no rol dos herdeiros necessrios , ressalta, Hironaka, com remisso a Caio

    Mrio da Silva Pereira (Instituies de direito civil, v. VI, p. 17) j h muito tempo era

    reivindicada pela doutrina nacional , e no caso do CC/2002 , decorre, necessariamente, da nova

    ordem de vocao hereditria instituda pelo legislador civil e que traz o cnjuge concorrendo

    tanto na primeira quanto na segunda classe dos chamados a suceder. Assim, conseqncia lgica

    de tal modificao era a proteo da legtima tambm em seu favor, impedindo que a simples

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    feitura de um testamento que dispusesse sobre a totalidade do acervo viesse a prejudic-lo 9.

    Essa opinio, no entanto, no pacfica. H quem conteste esse novo status sucessrio do

    cnjuge, face ao grande nmero de separaes e divrcios, fruto do pragmatismo social e de

    resultados, hodiernamente vigente nas relaes conjugais10. Para Jos de Oliveira Ascenso,

    esse grande reforo da posio sucessria do cnjuge surge paradoxalmente ao mesmo tempo

    que se torna o vnculo conjugal cada vez mais facilmente dissolvel. A posio do cnjuge

    concebida como uma posio mutvel, mesmo precria. Aquele, porm, que teve a sorte de

    ocupar posio de cnjuge na altura da morte, esse que vai ter uma muito privilegiada proteco

    sucessria. Suceder como cnjuge entra na aleatoriedade. Por outras palavras, a lei s se

    preocupa em favorecer o vnculo conjugal depois de ele estar dissolvido. Ironicamente, dizemos

    que a lei tende a conceber o casamento como um instituto mortis causa 11.

    1.1.3. O problema da deserdao do cnjuge

    O art. 1.961 prev a deserdao dos herdeiros necessrios (a includo o cnjuge). Entretanto os

    dois artigos seguintes (1.961 e 1.962) tratam, apenas, das causas de deserdao dos descendentes

    por seus ascendentes e dos ascendentes por seus descendentes, o que significaria dizer, segundo

    alguns , que inexistiria no novo Cdigo dispositivo prevendo as causas de deserdao do cnjuge.

    Para Incio de Carvalho Neto, no sendo possvel a aplicao da analogia em matria restritiva

    de direito, a omisso da lei fica sem qualquer possibilidade de soluo, at porque as hipteses de

    deserdao tratadas na lei no seriam mesmo aplicveis aos cnjuges. Assim, at que se supra tal

    omisso, o cnjuge, embora herdeiro necessrio, no pode ser deserdado12.

    Em resposta a essa crtica, est sendo proposto, inclusive, o acrscimo de mais um dispositivo ao

    Cdigo Civil, com a redao seguinte:

    9 Idem. Vide tb RODRIGUES, Silvio, Direito Civil: direito das sucesses, v. 7. So Paulo: Saraiva,pp. 111/112)10 Nesse sentido vide: DANELUZZI, Maria Helena Marques Braceiro. Aspectos polmicos na sucesso do cnjugesobrevivente.So Paulo: Letras Jurdicas, 2004, p. 189.11Direito Civil Sucesses, 5 ed. Revista Coimbra Editora, pp. 343/344. Ainda do mestre Ascenso a conclusolapidar: S o divrcio parece preocupar o Direito de Famlia, que cada vez mais corresponde definio cnica: o ramo do Direito que estuda os pressupostos necessrios para obter um divrcio.12A sucesso do cnjuge e do companheiro no novo cdigo civil. Disponvel em www.gontijo-familia.adv.br.Acesso em 27/09/2004.

    http://www.gontijo-familia.adv.br/http://www.gontijo-familia.adv.br/
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    Art. 1.963-A. Alm das causas enumeradas no art. 1.814, autorizam a deserdao docnjuge:

    I prtica de ato que importe grave violao dos deveres do casamento, ou quedetermine a perda do poder familiar;

    II recusar-se, injustificadamente, a dar alimentos ao outro cnjuge ou aos filhoscomuns;

    III desamparado do outro cnjuge ou descendente comum com deficincia mentalou grave enfermidade13.

    Entretanto, com o devido respeito aos entendimentos contrrios, e em que pese o mrito da

    proposta, a omisso do legislador no traz prejuzos, sendo que a soluo facilmente encontrada

    dentro do prprio sistema do Cdigo Civil. que as hipteses de deserdao no se restringem

    quelas previstas nos arts. 1.962 e 1.963, mas tambm abrangem todas as causas pelas quais os

    herdeiros podem ser excludos da sucesso. Os arts. 1814/1818, que tratam da excluso, aplicam-

    se, indistintamente, a todos os herdeiros, inclusive ao cnjuge. A incidncia daquelas regras no

    representa aplicao analgica, mas interpretao literal e restrita do art. 1.961.

    Logo, pode o cnjuge, perfeitamente, ser deserdado naquelas hipteses. A alterao legislativa

    apresenta-se, portanto, dispensvel.

    1.2. O art. 1.830 e os pressupostos para existncia do direito sucessrio do cnjuge.

    1.2.1. Cnjuges separados judicialmente ou separados de fato.

    Estabeleceu o legislador, como pressupostos para a participao do cnjuge sobrevivente na

    herana do falecido, que ao tempo da morte , no estivesse separado judicialmente, nem

    13Projeto de Lei n 6.960. Justificativa: Ao regular a deserdao, o novo cdigo, embora anunciando, no art. 1.961,

    que os herdeiros necessrios podem ser deserdados, nos artigos seguintes, indicando as causas que autorizam aprivao da legtima, s menciona a deserdao dos descendentes por seus ascendentes (art. 1.962) e a deserdaodos ascendentes por seus descendentes (art. 1.963). E o cnjuge, que , tambm, herdeiro necessrio? Sem dvida foium esquecimento, e esta omisso tem de ser preenchida, para resolver o problema. Em muitas legislaes, numatendncia que universal, a posio sucessria do cnjuge foi privilegiada, mas prev-se, igualmente, a possibilidadede ele ser deserdado, com as respectivas causas (BGB, art. 2.335; Cdigo Civil suo, art. 477; Cdigo Civil peruano,art. 746; Cdigo Civil espanhol, art. 855; Cdigo Civil portugus, art. 2.166).

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    separado de fato h mais de 2 (dois) anos, salvo prova, neste caso, de que essa convivncia se

    tornara impossvel sem culpa do sobrevivente (art. 1.830).

    O direito sucessrio do cnjuge sobrevivente, quer concorrendo com os herdeiros da primeira ou

    segunda classes, quer como herdeiro de terceira classe, s vai existir se ainda subsistir asociedade conjugal e no estiverem os cnjuges separados de fato h mais de dois anos quando

    da abertura da sucesso. O art. 1.611 do CC/1916 retirava do cnjuge a legitimao para suceder,

    se, ao tempo da morte do outro, estava dissolvida a sociedade conjugal. O novo Cdigo Civil,

    alm dessa causa, inova ao prever o no chamamento do cnjuge separado de fato h mais de

    dois anos.

    Recorda Eduardo de Oliveira Leite que em 1916 a dissoluo da sociedade conjugal ocorria pelo

    desquite e aps o advento da Lei 6.515 (Lei do Divrcio), pelo divrcio. Assim, pelo sistema

    antigo, se antes de formalizar-se a coisa julgada no processo, qualquer dos cnjuges viesse a

    morrer, subsistia ao outro potencial direito hereditrio. Separados de fato e esta era a questo

    crucial no regime anterior mantinha-se o direito sucessrio recproco entre os cnjuges, j que

    era imprescindvel o trnsito em julgado da deciso quanto dissoluo do casamento. A nova

    redao dada antiga problemtica, ganha em preciso e em justia, evitando a manuteno (no

    mundo jurdico) de solues h muito resolvidas, no mundo ftico14.

    Nos casos de separao judicial ou de divrcio, o direito sucessrio do cnjuge s estar afastado

    depois de homologada a separao judicial consensual ou passada em julgado a sentena de

    separao litigiosa ou de divrcio direto15, que s produz efeitos ex nunc.

    Morrendo o cnjuge no curso da ao de divrcio direto, de converso de separao em divrcio

    ou de separao judicial, extingue-se o processo, pois no tem sentido insistir-se na sentena dedesconstituio de um vnculo j desfeito pelo acontecimento natural, quanto mais que a lei no

    14A nova ordem de vocao hereditria e a sucesso dos cnjuges , in Questes controvertidas no novo cdigocivil, v.I, coord. DELGADO , Mrio Luiz e ALVES, Jones Figueiredo. So Paulo: Mtodo, 2003.15 Nesse sentido Maria Helena Braceiro Daneluzzi: A separao, quando judicial, s pode ser reconhecida, paraefeitos sucessrios, com a homologao judicial do mtuo consentimento, se de separao consensual se tratar, oucom o transito em julgado da sentena que decrete a dissoluo da sociedade conjugal. (...)(Ob. cit., p. 196)

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    irroga quela sentena eficcia retrooperante16. Assim, morrendo um dos cnjuges nessa

    situao , o estado civil do outro no ser de separado judicialmente ou divorciado, mas de vivo.

    Por outro lado, se no curso de uma ao de divrcio direto, j julgada, ainda que no transitadaem julgado a sentena, porm j havendo decorrido mais de dois anos de separao fato,

    resolvem os cnjuges se reconciliar, o restabelecimento dos direitos sucessrios depende de

    averbao do ato de restabelecimento da sociedade conjugal no Registro Civil. Do contrrio, a

    hiptese ser de reconciliao ftica, ocorrida em momento anterior morte, hiptese em que,

    segundo entendemos, junto com Maria Helena Braceiro Daneluzzi, estaro os ex-cnjuges

    vivendo em unio estvel e, em caso de morte de um deles, o outro herdar nas condies

    previstas no artigo 1.790 do Cdigo, quer dizer, como convivente, e no como cnjuge

    sobrevivente17.

    1.2.2. O casamento putativo

    Em se tratando de casamento putativo, aplica-se o disposto no art. 1561 do Cdigo Civil 18.

    Ou seja, ao cnjuge de boa f sero assegurados todos os direitos sucessrios, desde que a

    sentena de invalidade venha a ser proferida ou a transitar em julgado em data posterior

    abertura da sucesso. O que pode gerar situaes esdrxulas, como a hiptese em que o de cujus

    vem a falecer deixando dois cnjuges, o verdadeiro e o putativo, ambos legitimados a suced-lo.

    A diviso da herana, para a maioria dos autores, deve ser feita em partes iguais, ou seja o

    quinho do cnjuge ser repartido em duas partes19.

    16 CAHALI, Yussef Said. Divrcio e separao, 5 ed. So Paulo: RT, p. 532.17 Ob. cit., p. 197.18 Art. 1.561. Embora anulvel ou mesmo nulo, se contrado de boa-f por ambos os cnjuges, o casamento, emrelao a estes como aos filhos, produz todos os efeitos at o dia da sentena anulatria. 1 Se um dos cnjugesestava de boa-f ao celebrar o casamento, os seus efeitos civis s a ele e aos filhos aproveitaro. 2 Se ambos oscnjuges estavam de m-f ao celebrar o casamento, os seus efeitos civis s aos filhos aproveitaro.

    19 Cf. CAHALI, Yussef Said. O Casamento Putativo, 2 ed So Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1979, p.139 .SILVEIRA, Alpio. O Casamento Putativo no Direito Brasileiro. So Paulo: Edio Universitria de Direito, 1972,

    p. 140; e MIRANDA, Pontes de - Tratado, Tomo 8, n.827, p.24.

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    O cnjuge de m-f, entretanto, no suceder o de boa-f, uma vez que os efeitos civis da

    putatividade no lhe aproveitaro (CC, art. 1.561, 2), ainda que a sentena de invalidade s

    venha a ser proferida em data posterior morte do autor da herana.

    Mas se o casamento for declarado nulo ou anulado antes da abertura da sucesso, ou seja se o

    matrimnio for declarado putativo em vida dos consortes, extinto ser o direito sucessrio, e o

    cnjuge sobrevivente, embora de boa-f, no suceder ao culpado, desaparecendo o direito

    hereditrio que havia entre eles.

    1.2.3. A prova da culpa na separao de fato.

    Mesmo nos casos de separao de fato h mais de dois anos, o cnjuge sobrevivente poder serchamado sucesso, provando que no teve culpa na separao. A ausncia de culpa do

    sobrevivente, a que se refere a parte final do art. 1.830, pressupe a existncia de culpa do

    falecido, relacionada ao grave descumprimento de dever conjugal.

    Essa disposio vem sendo criticada por alguns autores, ao temor de que a discusso sobre a

    ausncia de culpa do sobrevivente pela separao de fato venha a paralisar o inventrio por muito

    tempo. Esse argumento, no entanto, foi rechaado ainda durante tramitao legislativa do projeto

    de Cdigo Civil, pelo relator parcial da matria, acolhendo parecer do ento Deputado TancredoNeves, vazado nos termos seguintes:

    Prope-se seja excludo o art. 1.877 a expresso nem separados de fato h mais de cinco

    anos, salvo prova, nesse caso, de que esta convivncia se tornara impossvel sem culpa do

    sobrevivo.

    O argumento apresentado o de que o caso envolve situao de fato difcil de ser provada.

    E mais: a hiptese confere situao jurdica que induz a quebra do vnculo conjugal.

    Ainda na vigncia do Cdigo Civil, com a indissolubilidade, o argumento no procede,

    porque a excluso da sucesso no afeta a questo relacionada com o vnculo matrimonial.

    Estabelecendo-se no Cdigo um pressuposto para a sucesso do cnjuge: no estar

    desquitado. O Projeto acrescenta outro: no estar separado de fato h mais de cinco anos.

    Isto porque a separao de fato por esse perodo revela que o cnjuge no participa da

    vida do outro, no o ajuda na formao do patrimnio e, por isso, no faz jus herana.

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    Quanto a ser ou no difcil a prova, questo de somenos importncia, porque, se h casos

    em que ela se torna difcil, noutros assim no . E mesmo, nem sempre a sucesso tem por

    fundamento situao pacfica e bem definida, sendo necessrio, s vezes, investig-l a, por

    via judicial , par a que se conhea a relao de par entesco al egada. Obstculo de tal

    natu reza no justif ica a supresso pretendi da20.

    Outro argumento contrrio ao dispositivo o de que a indagao da culpa exigiria um debatepost

    mortem sobre intimidades conjugais que os esposos no ventilaram em vida. Entretanto, muitos

    outros pleitos obrigam a esquadrinhar intimidades odiosas, como o caso da excluso do

    herdeiro indigno, da nulidade do casamento, do adultrio al matre, sem que nunca se tenha dito

    que tais fatos no poderiam, por questes ticas, serem submetidos ao Poder Judicirio.

    claro que essa no legitimao21 do cnjuge separado de fato, por importar questo de alta

    indagao, no poder ser decidida nos prprios autos do inventrio. Caso qualquer dos herdeiros

    legitimamente interessados22 no afastamento do cnjuge contraponha-se habilitao do

    suprstite, imputando-lhe o fato de estar separado de fato h mais de dois anos, deve o Juiz

    remeter a questo s vias ordinrias, abrindo-se ao cnjuge a oportunidade de comprovar, quer

    que no estava separado, quer que o lapso temporal de separao inferior a dois anos, quer que

    no dera causa separao. Nessa ltima hiptese, parece-nos razovel sustentar a

    impossibilidade do cnjuge sobrevivente invocar a culpa23 do de cujus, salvo se tal fato tiver sido

    20Emenda n 1.019 Proposta pelo Departamento Jurdico da PUC in Brasil, Congresso. Cmara dos Deputados.Comisso especial do Cdigo Civil (Projeto de lei n 634, de 1975) Livro 5: do direito das sucesses. Braslia,Cmara dos Deputados, Coordenao de Publicaes, 1978. Relator: Deputado Celso Barros.

    21 No se trata de excluso, pois o cnjuge separado de fato h mais de dois anos herdeiro no . No temlegitimidade para suceder, podendo adquiri-la, ou no, a depender da prova da culpa pela separao.

    22 semelhana do que ocorre na ao de excluso de herdeiro indigno (interpretao sistemtica), apenas aqueleslegitimamente interessados na excluso do cnjuge, ou seja, aqueles que herdaro ou tero acrescidos os seusquinhes na hiptese de afastamento daquele, so partes legtimas para postular a declarao de no legitimao dosuprstite. Excepcionalmente deve ser admitido pedido de afastamento formulado pelo Ministrio Pblico, sempreque o cnjuge estiver concorrendo com filhos menores do autor da herana, face ao interesse evidente de incapazes(CPC, art. 82). Aos herdeiros basta a prova da situao ftica da separao e do lapso de tempo decorrido. Nessesentido o art. 1.830 expresso. Caber ao cnjuge sobrevivente, por sua vez, provar a culpa do falecido. Do contrrioseria deixar a sorte decidir: quem morresse primeiro seria o presuntivo culpado , de quem se exigiria, atravs dossucessores, a prova da inocncia.23 O vocbulo foi empregado em sentido lato, de culpa stricto sensu ou dolo. Inclui qualquer ato ou omisso, queimporte grave violao dos deveres do casamento e torne insuportvel a vida em comum, a exemplo de todas ashipteses previstas no art.1.573 e seus incisos. Mas se a convivncia se tornara impossvel em razo de o falecidono mais nutrir amor ao cnjuge, no cabe alegao de culpa.

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    alegado e provado em data anterior abertura da sucesso24.

    caso, por exemplo, em que um dos cnjuges prope contra o outro ao de separao judicial

    com fundamento no adultrio deste. E ainda, obtm medida cautelar de separao de corpos,

    determinando o afastamento compulsrio do suposto adltero do lar conjugal e, no curso desseprocesso, passados mais de dois anos do cumprimento da medida cautelar de separao de

    corpos, o cnjuge a quem foi imputado o adultrio vem a falecer25.

    Caso as provas do adultrio j tenham sido produzidas e contraditadas pelo ru, ainda que a ao

    de separao judicial no possa prosseguir, face ao falecimento daquele, devendo ser extinta, as

    provas ali colhidas, quando ainda vivo o autor da herana, podero ser tomadas por emprstimo e

    utilizadas em outro processo, onde se discuta a manuteno ou no do direito sucessrio do

    cnjuge inocente.

    Ainda que no houvesse sido proferida sentena na ao de separao, decidindo sobre a

    existncia ou no do adultrio, se o feito j estava instrudo, essa instruo pode e deve ser

    aproveitada na ao em que se vai discutir a no legitimao do herdeiro separado de fato . Com

    base nessas provas que o Juiz vai decidir sobre a veracidade ou no do motivo que ensejou a

    separao , podendo, inclusive, decidir pela culpa do cnjuge que, injustamente, teria imputado

    ao outro um adultrio inexistente, impondo o afastamento compulsrio do lar conjugal.

    Competiria, portanto, ao cnjuge que pretenderia alegar inocncia, nos casos de separao de

    fato, haver proposto, quando ainda vivo o suposto culpado, qualquer medida judicial apta a

    comprovar a causa da impossibilidade da continuidade da vida em comum26.

    24 Admitir-se o contrrio, equivaleria instituio de um divrcio litigioso post mortem , sem que o ru tenhadireito de defesa.25 Questo ministrada em sala de aula pelo Professor Francisco Jos Cahali no curso de mestrado da PUC-SP.26 Entretanto, se o casal promoveu separao de corpos consensual, pois poca estavam impedidos de promover aseparao consensual pela pendncia do perodo de provao, e passados mais de dois anos daquela medida sem quetenham promovido a dissoluo judicial do vnculo, quando um dos dois vem a falecer, o sobrevivente no poderalegar que a separao se deu sem culpa sua. A ausncia de culpa do sobrevivente, a que se refere a parte final doart. 1.830, pressupe a existncia de culpa do falecido, relacionada ao grave descumprimento de dever conjugal. Ofato de ambos haverem promovido a separao consensual impede seja resgatada a discusso a respeito. Demaisdisto, no exemplo citado, ambos os cnjuges teriam, em ltima anlise, descumprido o dever de coabitao. Logo,ambos seriam culpados. (Nota extrada a partir de questo ministrada em sala de aula pelo Professor Francisco JosCahali no curso de mestrado da PUC-SP).

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    Nas hipteses em que a separao de fato decorreu de fato penal tpico (leso corporal, sevcias

    graves, injria, etc) a condenao criminal tambm produziria o mesmo efeito comprobatrio da

    culpa do autor da herana. E ainda que no proferida a sentena, as provas ali produzidas e

    contraditadas podero ser aproveitadas.

    O mesmo se diga da sentena que julgar procedente ao de reparao civil proposta por um

    cnjuge contra outro.

    Nos casos de abandono do lar conjugal, estando o cnjuge em local incerto e no sabido, a

    comunicao do desaparecimento autoridade policial tambm serviria como meio de prova.

    O que no se pode admitir que essa questo da culpa s venha a ser alegada depois de aberta a

    sucesso, quando o de cujus j no teria mais oportunidade de defesa.

    Em concluso, podemos afirmar que a soluo hermenutica suficiente para espancar a maioria

    das controvrsias que envolvem a aplicao prtica do art. 1.830, independentemente de sua

    eventual alterao legislativa 27, visando suprimir do dispositivo a sua parte final referente

    culpa.

    Para Rolf Madaleno, deveria ser excludo o direito sucessrio do cnjuge sobrevivente com a

    mera separao de fato, independentemente do lapso temporal:

    Corpos e espritos separados no podem gerar comunicao patrimonial fundada

    apenas no registro meramente cartorial do casamento. Mola-mestra da comunicao

    dos bens a convivncia conjugal, sendo que a simples separao de fato desativa o

    regime patrimonial. Portanto, no faz sentido que o novo Cdigo Civil reclame aindadois longos anos de fatual separao (art. 1.830 do novo Cdigo Civil), para s

    depois deste lapso de tempo afastar da sucesso o cnjuge sobrevivente. Ora, se no

    sobreviveu o casamento no plano ftico, no h nexo em estend-lo por dois anos no

    plano jurdico, apenas porque no foi tomada a iniciativa da separao judicial ou do

    27 No Projeto 6.960 no existe proposta de alterao do art. 1.830.

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    divrcio.Suprimida a vida em comum, este o marco da incomunicabilidade dos bens

    e da excluso da vocao hereditria do cnjuge que ficou vivo to somente no

    plano formal. (MADALENO, Rolf. O novo direito sucessrio brasileiro. Disponvel

    em www.gontijo-familia.adv.br. Acesso em 27/09/2004).

    Todavia, essa proposta, conquanto juridicamente defensvel, talvez no represente o melhor e

    mais eficaz caminho para se alcanar o valor justia. Basta se ver as inmeras situaes de

    abandono do lar conjugal, em que o cnjuge abandonado (normalmente a mulher) estaria

    injustamente afastado da sucesso. Da porque sustentamos a manuteno da redao atual do art.

    1.830, a permitir ao Judicirio a correo de eventuais injustias que resultariam do afastamento

    do cnjuge da sucesso pela mera separao de fato.

    1.3. O art. 1.829 e as alteraes promovidas na ordem de vocao hereditria para

    possibilitar a concorrncia do cnjuge com descendentes e ascendentes.

    A interpretao do art. 1.829 vem se revelando um dos temas mais controversos de toda a

    disciplina do Direito das Sucesses. O referido dispositivo inova substancialmente o direito

    anterior, alterando a ordem de vocao hereditria em benefcio do cnjuge sobrevivente, que

    mesmo ocupando a terceira classe dos sucessveis, passa a concorrer, simultnea e

    alternativamente, na primeira e segunda classes, com os descendentes e ascendentes do de cujus,

    respectivamente28.

    A concorrncia com os descendentes vai depender do regime de bens do casamento. Nesse ponto

    cabe-nos fazer uma correo preambular. Grande parte da doutrina vem sustentando que o novo

    cdigo civil teria vinculado, necessariamente, o direito sucessrio do cnjuge sobrevivente ao

    regime matrimonial de bens pactuado 29. No verdade. O regime de bens s influi no direito de

    28No havendo descendentes ou ascendentes, o cnjuge sobrevivente herdar a totalidade da herana, poucoimportando o regime de bens, ocupando neste caso e sozinho a terceira classe dos sucessveis. o que estabeleceo art. 1.838 do CC/2002. O dispositivo deve ser interpretado em consonncia com o disposto no art. 1.830. Em outras

    palavras, o cnjuge suprstite herdar sozinho, se no estava separado judicialmente ou separado de fato h mais dedois anos quando da abertura da sucesso.

    29 Nesse sentido, vide Maria Helena Braceiro Daneluzzi, ob. cit., p. 61 e segs.

    http://www.gontijo-familia.adv.br/http://www.gontijo-familia.adv.br/
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    concorrncia do cnjuge com os descendentes e nada mais. Os demais direitos sucessrios do

    cnjuge no possuem qualquer vinculao com regime de bens. Na concorrncia com os

    ascendentes, por exemplo, pouco importa o regime. O direito real de habitao ser conferido ao

    cnjuge sobrevivente independentemente do regime de bens (art. 1.831).

    Nos termos do inciso I do art. 1829, no haver concorrncia com os descendentes sempre que o

    cnjuge sobrevivente estivesse casado com o falecido no regime da comunho universal de bens,

    ou no da separao obrigatria (art. 1.641); ou se, casado no regime da comunho parcial, o autor

    da herana no houver deixado bens particulares. Ou seja, a regra a concorrncia, optando o

    dispositivo por enumerar as excees. Em suma, o cnjuge sobrevivente s vai concorrer com os

    descendentes: quando estavam casados no regime da separao convencional; quando casados no

    regime da comunho parcial e o falecido possua bens particulares; quando casados no regime da

    participao final dos aqestos. Passemos, agora, anlise pontual de cada uma dessas hipteses.

    1.3.1. Cnjuges casados no regime da comunho universal de bens.

    A primeira exceo regra geral de concorrncia entre cnjuge e descendentes afasta aqueles

    casados no regime da comunho universal de bens, por razes bvias. Como bem posto pelo

    Professor Miguel Reale, coordenador e supervisor da comisso que se incumbiu da elaborao do

    anteprojeto de cdigo civil, o objetivo da regra de concorrncia foi a proteo do cnjuge

    desprovido de meao.30

    1.3.2 Cnjuges casados no regime da separao obrigatria de bens.

    A segunda exceo regra geral de concorrncia entre cnjuge e descendentes abarca os casadosno regime da separao obrigatria de bens.

    30REALE, Miguel. O projeto do novo cdigo civil: situao aps aprovao pelo Senado Federal. 2. ed. So Paulo:Saraiva, 1999.

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    Nesse sentido o dispositivo expresso, ou seja inexiste o direito de concorrncia do cnjuge com

    os descendentes quando o regime de bens for o da separao obrigatria, prevista no art 1.641 31

    do Cdigo Civil. A contrariu sensu haver o direito de concorrncia quando o casamento estiver

    submetido ao regime da separao convencional de bens.

    No se confundem os dois regimes de separao. O convencional aquele eleito pelos cnjuges

    atravs de pacto antenupcial e encontra-se previsto e disciplinado nos arts. 1.687 e seguintes do

    Cdigo Civil. O regime da separao obrigatria aquele imposto por lei para as pessoas que

    contrarem o matrimnio com inobservncia das causas suspensivas da celebrao do casamento;

    forem maiores de sessenta anos; ou que dependerem, para casar, de suprimento judicial (art.

    1.641). Essa separao total e permanente, atingindo inclusive os bens adquiridos na constncia

    do casamento, que no se comunicam, no tendo mais contemporaneidade o disposto na Smula377 do STF, que reconhecia comunicarem-se, no regime de separao legal de bens, os

    adquiridos durante a unio. E exatamente por no se admitir qualquer tipo de comunicao

    patrimonial por vontade dos cnjuges , que se afasta o direito de concorrncia com os

    descendentes, a fim de se evitar qualquer burla imposio legal32. a nica exceo ao

    princpio de que, inexistindo meao, haveria concorrncia.

    A imposio do regime da separao obrigatria implica em exceo ao princpio da liberdadedos pactos antenupciais, perdendo os noivos a liberdade de escolha do regime de bens que

    comandar as suas relaes patrimoniais na vigncia do matrimnio. Ainda que venham a

    escolher regime diverso, nula ser tal conveno, por fora disposto no art. 1.655 do Cdigo

    Civil33.

    Em suma, somente estar assegurada a concorrncia do cnjuge com os descendentes quando o

    regime for o da separao convencional de bens.

    Afirmao que merece ser rechaada a de que, ao atribuir direito sucessrio ao cnjuge casado

    31 O inciso I do art. 1.829 refere-se ao art. 1.640, pargrafo nico, quando a remisso correta seria ao art. 1.641. Oequvoco est sendo sanado via projeto de lei.(Cf. Projeto de Lei 6.960/2002).32 Pelo mesmo motivo que o art. 977 veda a que os cnjuges casados sob tal regime possam constituir sociedadeentre si ou com terceiros.33Art. 1.655. nula a conveno ou clusula dela que contravenha disposio absoluta de lei.

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    sob o regime da separao convencional de bens, teria o legislador invadido a autonomia privada

    e abalado um dos pilares do regime de separao, por permitir a comunicao post mortem do

    patrimnio. Ora, o cnjuge, mesmo casado sob tal regime , na vigncia do Cdigo anterior, j

    herdava a totalidade da herana, bastando que no houvessem descendentes ou ascendentes. Essa

    regra foi mantida34. A novidade foi apenas a possibilidade de concorrncia do cnjuge com os

    descendentes e ascendentes. No se trata de comunicao de patrimnio, no se podendo

    confundir regime de bens com direito sucessrio. Com a morte extinguiu-se o regime e o que est

    em discusso o direito do cnjuge a uma pequena parte da herana, que, como veremos , pode

    ser bastante reduzida, bastando que o de cujus tivesse vrios filhos e houvesse disposto em

    testamento toda a metade disponvel35.

    1.3.3. Cnjuges casados no regime da comunho parcial quando o falecido no possua bens

    particulares.

    A terceira exceo regra geral de concorrncia entre cnjuge e descendentes abrange os

    casados no regime da comunho parcial de bens, quando o falecido no possua bens

    particulares. Ou seja todo o patrimnio do de cujus foi adquirido na constncia do casamento. Epor haver direito do sobrevivente meao dos aqestos, os quais se confundem, no caso, com a

    integralidade da herana, no haveria razo para se assegurar qualquer quinho ao cnjuge em

    detrimento dos descendentes. No havendo bens particulares, caber ao cnjuge, na concorrncia

    com os descendentes, to-somente, a meao a que faria jus, em decorrncia do regime (CC, art.

    1.659, I).

    1.3.4. Cnjuges casados no regime da comunho parcial quando o falecido possua bensparticulares.

    34 de se indagar quantos foram os cnjuges, casados no regime da separao convencional de bens, que, navigncia do Cdigo anterior, foram afastados da sucesso por testamento ?35 Em tal situao, a oposio ao direito sucessrio de um cnjuge por outro parece-nos que se contrape prpriamantena do vnculo conjugal. Se um dos cnjuges acha que o outro no deveria herdar parcela alguma de seu

    patrimnio, mostra-se incoerente que mantenham-se casados, entendendo-se o casamento como comunho plena devida.

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    A contrariu sensu, haver o direito de concorrncia se estavam casados no regime da comunho

    parcial e o falecido possua bens particulares, vale dizer, bens no integrantes do patrimnio

    comum, formado a partir do casamento. Nessa ltima hiptese, o cnjuge s concorrer com os

    descendentes no que tange aos bens particulares. O quinho hereditrio correspondente meao

    ser repartido exclusivamente entre os descendentes. Essa foi a mens legis , ou seja, em se

    tratando de regime da comunho parcial de bens, o cnjuge somente ser sucessor nos bens

    particulares . A meao do de cujus, no far parte do acervo hereditrio do cnjuge suprstite,

    somente dos descendentes.

    Tal posio, entretanto, no pacfica. Vrios autores sustentam que a participao se dar sobre

    todo o acervo. O argumento central dessa ltima corrente o princpio da indivisibilidade da

    herana. Nesse sentido as lies de Maria Helena Diniz:

    Para tanto, o consorte sobrevivo, por fora do art. 1.829, I, s poder ser casadosob o regime de separao convencional de bens ou de comunho parcial, emborasua participao incida sobre todo o acervo hereditrio e no somente nos bensparticulares do de cujus.

    Entretanto, a combinao dos diversos processos de interpretao recomenda a prevalncia do

    processo teleolgico sobre o sistemtico, para cujo alcance sero tomadas em considerao as

    circunstncias que rodearam a elaborao do texto , as justificativas do anteprojeto e do projeto

    de lei, e os valores que o dispositivo almejou resguardar, levando-se sempre em conta os pilares

    da socialidade, eticidade e operabilidade. A partir da, podemos elencar as seguintes razes ou

    justificativas que respaldam o nosso entendimento no sentido de que a concorrncia do cnjuge

    restringe-se aos bens particulares:

    a) Se a ratio essendi da proteo sucessria do cnjuge foi exatamente privilegiar aqueles

    desprovidos de meao, a concorrncia sobre todo o acervo iria de encontro prpria mens legis.

    O intrprete que assim procede despreza a vontade do legislador, a qual, independentemente da

    eterna polmica entre mens legis e mens legislatoris, sempre constituir critrio vlido para se

    penetrar no sentido e alcance de qualquer norma jurdica. Por outro lado, ao privilegiar quem j

    era detentor de meao, em detrimento das geraes futuras do autor da herana, representadas

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    pelos seus descendentes, deixa-se de atender ao princpio da socialidade.

    b) Assegurar a concorrncia sobre a totalidade da herana de acordo com a existncia ou no de

    bens particulares pode dar ensejo a fraudes , como na hiptese em que o cnjuge moribundorecebe doao de um determinado bem (art. 1659, I) feita por suposto amigo, na verdade amante

    de sua esposa , com o nico objetivo de assegurar a concorrncia daquela sobre os bens

    integrantes da meao do marido. Admitir tal possibilidade implicaria em violao ao princpio

    da eticidade.

    c) A interpretao de que a existncia de qualquer bem particular assegura o direito de

    concorrncia ao acervo total retira do dispositivo qualquer sentido prtico. Afinal de contas, que

    pessoa conhecemos no possuiria sequer um nico bem particular, ainda que sejam aqueles de

    uso pessoal (art. 1.659, V). Partindo do pressuposto que no se poderia condicionar a natureza

    jurdica de bens particulares ao valor dos mesmos, podemos concluir que os trapos usados pelo

    mendigo so bens particulares tanto quanto o vestido Chanel de rica senhora. Sendo assim, o

    dispositivo constituiria letra morta, pois os casados sob o regime da comunho parcial

    concorreriam com os descendentes em qualquer situao. Ora, tal interpretao tambm vulnera o

    princpio da operabilidade.

    d) O princpio da unidade da herana no pode ser visto como dogma, nem o seu rompimento

    pelo disposto na parte final do inciso I do art. 1.829 implica em qualquer prejuzo ao sistema.

    Trata-se (o inc. I) de exceo ao princpio da unidade, semelhana do que existe em diversos

    outros ordenamentos jurdicos, a exemplo do argentino. Afirma Eduardo Zannoni que, quando o

    cnjuge suprstite concorre com os descendentes, rompe-se o princpio da unidade da herana e,

    como prev o artigo 3.576, no ter parte alguma na diviso dos bens gananciais, quecorresponde ao cnjuge falecido (...)E exemplifica: Se distinguen dos masas de bienes: los

    propios del causante (B.P), (art. 1.271), a cuya adquisicin concurren por cabeza el cnyuge

    suprstite (Cs) y los hijos legtimos A, B y D (art. 3.570). Sobre los bienes gananciales (B.G.), al

    cnyuge suprstite se le liquida la mitad en las operaciones de liquidacin de la sociedad

    conyugal disuelta (art. 1.315) y la outra mitad integra el acervo sucesorio al cual concurren solo

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    los hijos legtimos, quedando excluido el cnyuge suprstite (art. 3.576) (Manual de derecho de

    las sucesiones, cit., p. 471)36.

    1.3.5. Cnjuges casados no regime da participao final nos aqestos.

    O regime da participao final nos aqestos, diz Rol Madaleno, na realidade, um contrato

    patrimonial em estado latente e que cria vida com a separao judicial, para transformar o

    primitivo regime da total separao de bens, num regime de comunicao dos aqestos, o

    equivalente a uma comunho limitada de bens desencadeada pela separao judicial dos

    cnjuges37.

    Mesmo havendo o legislador se esquivado de mencionar se haveria ou no a concorrncia quandoo regime fosse o da participao final nos aqestos, por tratar-se de regime hbrido (separao

    durante, e comunho parcial aps a dissoluo do casamento), entendemos que a ele aplicar-se-o

    as mesmas regras da comunho parcial no tocante concorrncia do cnjuge com os

    descendentes.

    Ou seja, havendo bens particulares, haver a concorrncia. Mesmo porque o legislador, no inc. I

    do art. 1.829, apenas mencionou as hipteses em que no haveria a concorrncia. Logo, no

    regime da participao final nos aqestos, no est excluda a concorrncia do cnjuge com osdescendentes do autor da herana. Alis, esse o esprito do dispositivo, como bem ressaltou o

    ento Dep. Celso Barros, sub-relator do Direito das Sucesses, quando da primeira votao do

    projeto de Cdigo Civil na Cmara dos Deputados, in verbis: Excludos os regimes apontados

    no texto do artigo em que no se d a concorrncia, s resta, propriamente, um regime em que

    possvel o regime da participao final dos aqestos. No regime da comunho parcial s

    concorre o cnjuge suprstite se o autor da herana houver deixado bens particulares.

    1.3.6. Posio acolhida pela III Jornada de Direito Civil

    Em respaldo posio aqui defendida, registre-se o seguinte enunciado de nossa autoria,

    aprovado durante a III Jornada de Direito Civil, promovida pelo Conselho da Justia Federal, no

    36ApudDANELUZZI, Maria Helena , ob. cit., p. 178.37 Artigo citado.

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    perodo de 01 a 03 de Dezembro de 2004:

    O art. 1.829, inciso I, s assegura ao cnjuge sobrevivente o direito de concorrncia com os

    descendentes do autor da herana quando casados no regime da separao convencional debens ou, se casados nos regimes da comunho parcial ou participao final nos aqestos, o

    falecido possusse bens particulares, hipteses em que a concorrncia restringe-se a tais bens,

    devendo os bens comuns (meao) ser partilhados exclusivamente entre os descendentes.

    1.4. O art. 1.832 e a reserva da quarta parte da herana em favor do cnjuge sobrevivente

    na concorrncia com os descendentes.

    1.4.1. Concorrncia com descendentes comuns. Clculo da reserva legal.

    Conforme expusemos no item anterior, o cnjuge sobrevivente vai concorrer com os

    descendentes, dependendo do regime de bens do casamento. Pois bem, nessa hiptese, e se os

    descendentes forem comuns, ou seja, descendentes do falecido e do sobrevivente,

    simultaneamente, a quota do cnjuge suprstite no poder ser inferior quarta parte da herana.Assim, se o falecido deixou at trs filhos, o sobrevivente e cada um dos filhos receber 25% da

    herana. Mas se o de cujus possuir quatro filhos ou mais, o cnjuge sobrevivente receber

    quinho maior, uma vez que o Cdigo lhe assegurou um quarto da herana, cabendo aos

    descendentes o restante.

    Importante registrar que essa reserva de refere-se herana possvel do cnjuge e no

    totalidade da herana. Ou seja, a reserva deve ser feita apenas sobre os bens particulares,

    excluindo-se a meao (interpretao sistmica). No existe reserva da quarta parte no tocanteaos bens comuns.

    1.4.2. Concorrncia com descendentes exclusivos do autor da herana. Inexistncia de

    reserva legal.

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    Se os descendentes no forem comuns, como no caso em que o falecido tinha filhos de casamento

    anterior, o cnjuge sobrevivente no far jus quarta parte da herana. Caber-lhe-, to somente,

    o mesmo quinho que couber a cada um dos filhos.

    1.4.3. A concorrncia nas hipteses de filiao hbrida. Trs correntes antagnicas.

    Expressiva parcela da doutrina tem entendido que no assistir ao cnjuge o direito ao benefcio

    se existirem, concomitantemente, descendentes comuns e unilaterais. O Cdigo s assegura ao

    cnjuge o direito quota mnima quando for ascendente de todos os herdeiros descendentes do

    falecido. Nesse sentido, Guilherme Calmon Nogueira da Gama , Incio de Carvalho Neto, Maria

    Helena Diniz, Rolf Madaleno , Sebastio Amorim & Euclides de Oliveira e Zeno Veloso. Essa

    seria a primeira corrente, qual nos filiamos.

    Outros autores sustentam que, nessas hipteses de filiao hbrida, todos os descendentes

    deveriam ser tratados como comuns, para fins de reserva da quarta parte da herana para o

    cnjuge. (cf. Giselda Maria F. N. Hironaka, Comentrios ao Cdigo Civil, So Paulo: Saraiva,

    2003, vol. 20, p. 226). No mesmo sentido as opinies de Francisco Jos Cahali e Silvio Venosa.

    Destaca-se, ainda, uma terceira corrente, entendendo que a questo se resolveria atravs de uma

    proporo matemtica, capitaneada, entre outros, por Eduardo de Oliveira Leite e Flvio

    Monteiro de Barros.

    A matria foi debatida durante a III Jornada de Direito Civil promovida pelo CEJ-CJF, no se

    havendo alcanado posio consensual.

    Das trs alternativas expostas, a nica que atende mens legis , a nosso pensar, aquela que

    somente assegura a reserva da quarta parte quando todos os descendentes forem comuns, pois:

    a) Essa foi a inteno do legislador. Beneficiar o cnjuge, mas sem prejudicar tanto os filhos. Se

    todos os filhos so comuns, a reserva da quarta parte, ainda que implique em eventual diminuio

    do quinho dos filhos, no lhes trar maiores prejuzos, uma vez que o montante a maior

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    destinado ao cnjuge futuramente reverter aos filhos. Em princpio os filhos comuns terminaro

    herdando parte dos bens que ficaram reservados ao cnjuge sobrevivente.

    b) A regra da proporcionalidade no atende ao princpio da operabilidade e viola o princpio da

    isonomia. Efetuar o clculo dessa proporo afigura-se de difcil execuo. Alm do mais,

    sempre ocasionar desigualao entre os quinhes dos filhos comuns e dos filhos unilaterais, o

    que implicar em violao norma constitucional que assegura a igualdade de todos os filhos.

    1.5. O art. 1.837 e a concorrncia do cnjuge sobrevivente com os ascendentes.

    Na concorrncia do cnjuge com os ascendentes, inexiste direito quota mnima de 25%. A regra

    de concorrncia com os ascendentes est posta no art. 1.837.

    2. A SUCESSO DO CONVIVENTE

    2.1. A diretriz adotada pelo legislador

    O art. 1.790 regula a sucesso decorrente da unio estvel e constitui, certamente, um dos pontos

    mais criticados do novo Cdigo, ao estabelecer regra distinta e aparentemente discriminatria

    para a sucesso legtima entre os companheiros, quando comparada com a sucesso entre os

    cnjuges.

    A orientao adotada pelo legislador procurou ser coerente com o estabelecido no 3 do art.

    226 da Carta Magna , que assegura a proteo do Estado unio estvel, mas sem equipar-la ao

    casamento, tanto que determina que a lei facilitar a sua converso em casamento, e no se

    converte o que j igual.

    Segundo consta do relatrio final ao projeto de Cdigo Civil, as diretrizes imprimidas

    elaborao do Projeto, fiis nesse ponto s regras constitucionais e legais vigorantes, aconselham

    ou, melhor dizendo, impem um tratamento diversificado, no plano sucessrio, das figuras do

    cnjuge suprstite e do companheiro sobrevivo, notadamente se ocorrer qualquer superposio ou

    confuso de direitos sucesso aberta. Impossibilitado que seja um tratamento igualitrio,

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    inclusive por descaracterizar tanto a unio estvel enquanto instituio-meio quanto o

    casamento enquanto instituio-fim na conformidade do preceito constitucional. A natureza

    tutelar da unio estvel constitui, na verdade, uma parcial correo da desigualdade reconhecida

    no plano social e familiar, desde que atentemos ser o casamento mais estvel do que a

    estabilidade da convivncia duradoura. Nulidades, anulabilidades, separao, divrcio, figuras

    indissoluvelmente ligadas ao enlace matrimonial, desaparecem, ou transparecem por analogia, ou

    se reduzem numericamente, quando transpostas para o relacionamento estvel. (Dep. Ricardo

    Fiuza).

    Merece aplausos a diretriz adotada. O novo Cdigo, destaca o Prof. Eduardo de Oliveira Leite,

    em manifesto esforo, procura guindar a unio estvel ao patamar do casamento civil (art. 226,

    1.o); ao menos nos seus dois grandes efeitos patrimoniais, isto , no que diz respeito a alimentos

    e no direito sucessrio. E o faz com largueza de esprito no art. 1.790. Sem incidir, porm, em

    excessos que s uma doutrina dominada por excessiva ideologia populista justificaria.

    (Comentrios ao Novo Cdigo Civil, vol. XXI, Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 53).

    O mesmo autor lembra que o Cdigo Civil Argentino e o Uruguaio no tratam da matria e que

    na sistemtica do direito francs, os componentes de um casal fora do casamento no herdam

    um do outro porque entre partenaires da unio livre, no existe nenhum lao de parentesco. E

    citando Bernet-Gravereaux, pontifica: O casal fora do casamento no cria, em direito, uma

    famlia, pois no h aliana entre seus membros. Em conseqncia, salvo disposies

    testamentrias ou doaes, eles no herdaro um do outro porque a lei ignora sua unio no direito

    das sucesses. Da resulta que, no caso de um dos conviventes morrer sem deixar filhos ou

    parentes prximos, a sucesso ser devolvida eventualmente a um colateral, sem que aquela que

    foi a companheira de sempre possa reclamar a menor parte (Christiane Bernet-Gravereaux.

    Lunion libre Le couple hors marriage, p. 81) (ob. cit., p. 47).

    2.2. O monte mor na sucesso do companheiro

    A teor do art. 1.790, a herana que pode caber ao companheiro sobrevivente limitada, to-

    somente, aos bens adquiridos onerosamente na vigncia da unio estvel e, ainda assim, sob

    determinadas condies.

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    Os bens adquiridos onerosamente na constncia da unio estvel, presumindo-se que os

    conviventes no hajam celebrado qualquer pacto patrimonial, sero bens comuns, submetidos

    regra da comunicabilidade. Logo, o acervo hereditrio do companheiro s poder ser composto

    por bens comuns e comunicveis, jamais por bens particulares.

    Bem adquirido onerosamente com recursos provenientes da venda de um bem particular no

    poder integrar o acervo hereditrio do companheiro sobrevivente. a concluso a que se chega

    com o recurso interpretao sistemtica. Isso porque o art. 1.659, ao tratar do regime da

    comunho parcial de bens, aplicvel unio estvel na ausncia de pacto, estabelece

    expressamente que excluem-se da comunho os bens que cada cnjuge possuir ao casar, e os

    que lhe sobrevierem, na constncia do casamento, por doao ou sucesso, e os sub-rogados emseu lugar (inc. I).Logo, um bem adquirido onerosamente com o produto da venda de outro bem

    recebido, exempli gratia, por herana, face incomunicabilidade legal, no poder integrar a

    herana destinada ao companheiro sobrevivente, limitada que est aos bens comuns.

    2.3. Concorrncia do companheiro com os descendentes

    Diz o inc. I do art. 1.790 que, se o convivente concorrer com filhos comuns, dever receber a

    mesma poro hereditria que caberia a cada um de seus filhos. Divide-se a herana em partes

    iguais, incluindo o convivente sobrevivente.

    Apesar de referir-se apenas a filhos comuns, o inciso I do art. 1.790 deve se aplicar igualmente

    s hipteses de concorrncia do companheiro sobrevivente com descendentes comuns,

    convocados por direito prprio. Com base numa interpretao extensiva e sistemtica, possvel

    expandir a norma do art. 1.790, I, de forma a, sem retirar seu carter cogente, torn-la compatvelcom o inciso II do mesmo artigo, que se refere a descendentes comuns. Na interpretao

    extensiva diz Paulo Nader, o intrprete constata que o legislador utilizou-se com impropriedade

    dos termos, dizendo menos do que queria afirmar. Ocorrendo tal hiptese, o intrprete alargar o

    campo de incidncia da norma, em relao aos seus termos. O exemplo anterior til ainda: se o

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    legislador, desejando referir-se a descendente, emprega o vocbulo filho38. O recurso

    interpretao finalstica tambm nos autoriza a concluir ter havido equvoco do legislador no

    emprego da palavra filhos, quando a teleologia da norma tem o ntido escopo de regular a

    concorrncia do companheiro com os descendentes. Tanto assim, que no inciso II foi

    corretamente empregada a palavra descendentes39.

    Nesse sentido, o enunciado de autoria de Francisco J. Cahali, aprovado durante a III Jornada de

    Direito Civil, promovida pelo Conselho da Justia Federal, no perodo de 01 a 03 de Dezembro

    de 2004: Aplica-se o inciso I do art. 1.790 tambm na hiptese de concorrncia do companheiro

    sobrevivente com outros descendentes comuns e no apenas na concorrncia com filhos

    comuns.

    Se o convivente suprstite concorrer com descendentes s do autor da herana, tocar-lhe- a

    metade do que couber a cada um deles (inc. II). Por outro lado, se houver descendentes comuns e

    descendentes unilaterais do de cujus, deve-se dividir igualmente os quinhes hereditrios,

    incluindo o companheiro ou companheira, desaparecendo, pois, o direito dos descendentes

    unilaterais de receberem o dobro do que caberia ao companheiro sobrevivo. Essa a concluso

    que se deflui da combinao dos incs. I e II do art. 1.790. As razes que embasam a nossa

    posio so as mesmas utilizadas quando sustentamos o tratamento igualitrio entre filhos e

    cnjuge, na hiptese de filiao hbrida. Da mesma forma que s foi assegurado ao cnjuge

    sobrevivente a reserva da quarta parte da herana quando todos os descendentes com os quais

    concorresse fossem comuns, o privilgio assegurado aos descendentes do companheiro falecido

    de receberem o dobro do quinho que couber ao companheiro sobrevivente s assegurado

    quando inexistirem descendentes comuns, sob pena de se infringir o princpio constitucional da

    igualdade. Partilham a nossa opinio Francisco Jos Cahali, Guilherme Calmon Nogueira da

    Gama, Silvio de Salvo Venosa, Rolf Madaleno e Caio Mrio da Silva Pereira. Em sentidocontrrio, entendendo que se aplicaria o disposto no inciso II do art. 1.790: Zeno Veloso,

    Euclides Oliveira & Sebastio Amorim.

    38 NADER, Paulo. Introduo ao Estudo do Direito. 21 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 261.39 At mesmo o recurso interpretao gramatical levaria mesma concluso, como pontifica Carlos Maximiliano:A posio dos textos esclarece o hermeneuta: se o objeto idntico, parece natural que as palavras, emboradiversas, tenham significado semelhante .(Ob. cit., p. 110)

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    2.4. Concorrncia do companheiro com outros parentes sucessveis

    Se o companheiro sobrevivo concorrer com outros parentes sucessveis (colaterais at o quarto

    grau) tocar-lhe- um tero da herana (inc. III). E na ausncia de qualquer parente sucessvel, o

    convivente ter direito totalidade da herana (inc. IV). Leia-se, aqui, a totalidade possvel, ouseja, a totalidade dos bens adquiridos onerosamente na constncia da relao estvel.Inexistindo

    bens comuns, mas apenas bens particulares, aplica-se, na ausncia de outros parentes sucessveis,

    o disposto no art. 1.844 40.

    2.5. Concorrncia do companheiro com o cnjuge sobrevivente

    O legislador procurou, ainda, afastar a possibilidade de concorrncia do companheiro com o

    cnjuge. A caracterizao da unio estvel pressupe que os conviventes sejam solteiros ou

    vivos, ou quando casados, j estejam separados judicialmente ou de fato (art. 1.723). E o art.

    1.830 exclui o direito sucessrio do cnjuge sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, estava

    separado judicialmente ou separado de fato h mais de dois anos. Assim, a princpio, o direito

    sucessrio do companheiro excluiria o do cnjuge.

    O problema que o Cdigo no fixou prazo para configurao da unio estvel e pode ocorrer

    que algum, separado de fato h menos de dois anos, j estivesse vivendo em unio estvel

    quando de sua morte. E nesse caso, o direito sucessrio do cnjuge ainda no estaria afastado.

    Realmente, tendo se iniciado uma unio estvel durante o perodo de separao de fato inferior a

    dois anos, haveria uma aparente antinomia entre o art. 1830 e o art. 1790, inciso IV, que, na

    ausncia de descendentes, ascendentes ou outros parentes sucessveis, lembrando que cnjuge

    no parente, destina ao companheiro sobrevivente a totalidade da herana, no que se refere aos

    bens adquiridos onerosamente na vigncia da convivncia.

    Na soluo dessa antinomia, deve-se concluir pela prevalncia, no caso, do disposto no inciso IV

    do art. 1.790, tido como norma especial em relao ao art. 1830, assegurando-se, assim, ao

    companheiro, a totalidade da herana no tocante a esses bens, e excluindo, em conseqncia,

    40 Em sentido contrrio, entendendo que a norma do art. 1.844 no se aplicaria hiptese: Caio Mrio da SilvaPereira, Eduardo de Oliveira Leite, Guilherme Calmon Nogueira da Gama, Maria Helena Diniz, Rolf Madaleno eSilvio Venosa.

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    quanto aos mesmos, qualquer direito sucessrio do cnjuge.

    Em suma, deve a participao do companheiro ficar restrita aos bens adquiridos durante a unio

    estvel (patrimnio comum), enquanto o direito sucessrio do cnjuge, s alcanar os bens

    anteriores, adquiridos antes da data reconhecida judicialmente como de incio da unio estvel.

    Essa nos parece ser a nica forma de compatibilizar as disposies dos arts. 1.790, 1.829 e 1.830

    do novo Cdigo.

    certo que a questo ser necessariamente solucionada pela jurisprudncia. Entretanto,

    repugnaria moral assegurar ao cnjuge direito sucessrio sobre um bem adquirido pelo esforo

    comum da companheira.

    2.6. Crtica disciplina legal e proposta legislativa

    Alguns autores, a exemplo do Prof. Zeno Veloso, vem o art. 1.790 como um retrocesso na

    sucesso entre companheiros, se comparado com a legislao at ento em vigor Leis

    8.971/1994 e 9.278/1996. Essa corrente de pensamento, bem mais liberal do que o prprio

    constituinte de 1988, est sugerindo, via projeto de lei, a modificao do dispositivo.

    A nova redao proposta no Projeto de Lei 6.960/2002 a seguinte:

    Art. 1.790.O companheiro participar da sucesso do outro na forma seguinte:

    I em concorrncia com descendentes, ter direito a uma quota equivalente metadedo que couber a cada um destes, salvo se tiver havido comunho de bens durante aunio estvel e o autor da herana no houver deixado bens particulares, ou se ocasamento dos companheiros se tivesse ocorrido, observada a situao existente nocomeo da convivncia, fosse pelo regime da separao obrigatria (art. 1.641);

    II em concorrncia com ascendentes, ter direito a uma quota equivalente metadedo que couber a cada um destes;

    III em falta de descendentes e ascendentes, ter direito totalidade da herana.Pargrafo nico. Ao companheiro sobrevivente, enquanto no constituir nova unioou casamento, ser assegurado, sem prejuzo da participao que lhe caiba naherana, o direito real de habitao relativamente ao imvel destinado residnciada famlia, desde que seja o nico daquela natureza a inventariar.

    A alterao legislativa procura ampliar os direitos sucessrios do companheiro, sem, no entanto,

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    assegurar a equipotncia com os direitos sucessrios assegurados ao cnjuge. Melhora a posio

    sucessria do convivente sobrevivente, sem infringir o mandamento constitucional.

    3. Quadro comparativo com as diversas posies assumidas pela doutrina at a presente

    data.

    A falta de consenso entre os autores no que diz respeito correta leitura do Cdigo Civil na

    matria sucessria pode ser constatada pelo seguinte quadro comparativo elaborado

    por Francisco Jos Cahali

    com a colaborao de Eduardo Avian e Elisa Messias Paolucci :

    Quadro comparativo das posies a respeito do direito sucessriodecorrente do Casamento e da unio estvel no novo Cdigo Civil

    AUTORESConcorrncia com

    Filiao Hbrida

    Concorrnciacom o Poder

    Pblico

    Direito Real deHabitao

    Companheirocomo herdeiro

    necessrio

    Concorrncia comnetos comuns

    No regime daComunho Parcial, o

    cnjuge herda:

    Filiao Hbrida -Cnjuge

    Caio Mario da SilvaPereira

    Aplica-se o art. 1790,I, do NCC

    No. Sim.Herda por cabea

    (art. 1790, I, do NCC).Sem rese rva de 1/4

    Eduardo de Oliveira

    LeiteNo. No.

    Somente bens

    particulares

    Francisco JosCahali

    Aplica-se o art. 1790,I, do NCC.

    Sim. No. No.Herda por cabea

    (art. 1790, I, do NCC).Bens particulares e

    comunsCom rese rva de 1/4

    Giselda MariaFernandes Hironaka

    Sim. Sim.Somente bens

    particularesCom rese rva de 1/4

    Guilherme CalmonNogueira da Gama

    Aplica-se o art. 1790,I, do NCC.

    No. Sim. No.Aplica-se o art. 1790,

    I, do NCC.Bens particulares e

    comunsSem rese rva de 1/4

    Inacio de CarvalhoNeto & rika H. Fugie

    Aplica-se o art. 1790,I, do NCC.

    Sim. No.Bens particulares e

    comunsSem rese rva de 1/4

    Maria Helena Diniz No. Sim.Bens particulares e

    comunsSem rese rva de 1/4

    Mario RobertoCarvalho de Faria

    Outro (art. 1790, III,do NCC).

    No.Aplica-se a re gra doart. 1790, III, do NCC.

    Bens particulares ecomuns

    Sem rese rva de 1/4

    Rolf MadalenoAplica-se o art. 1790,

    I, do NCC.No. Sim. No.

    Aplica-se o art. 1790,I, do NCC.

    Somente bensparticulares

    Sem rese rva de 1/4

    Sebastio Amorim& Euclides deOliveira

    Aplica-se o art. 1790,II, do NCC.

    Sim. Sim. No. Aplica-se o art. 1790,I, do NCC.

    Somente bensparticulares

    Sem rese rva de 1/4

    Slvio de SalvoVenosa

    Aplica-se o art. 1790,I, do NCC.

    No. Sim. No. Com reserva de 1/4

    Zeno VelosoAplica-se o art. 1790,

    II, do NCC.Sim. No. No.

    Somente bensparticulares

    Sem rese rva de 1/4

    CasamentoUnio Estve l

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    CONCLUSES

    A partir das singelas consideraes acima expostas, podemos concluir que toda a problemtica

    que ora envolve a sucesso do cnjuge e do convivente pode ser solucionada pela jurisprudncia,

    com o norteamento a ser dado pela doutrina, que a cada momento visualiza a sociedade de umngulo, alterando constantemente a interpretao dos valores do sistema, sem que,

    obrigatoriamente, tenhamos que modificar a letra da lei. Muito embora, repita-se, algumas

    alteraes legislativas serviriam ao aprimoramento do texto, mudando, em alguns casos, a

    orientao originalmente imprimida pelo legislador, com o objetivo, ora de assegurar uma maior

    participao do companheiro, ora de restringir alguns dos direitos conferidos ao cnjuge.

    Mantida a redao atual do Cdigo Civil, as controvrsias poderiam ser facilmente dirimidas, se

    adotado o entendimento aqui proposto, qual seja, em resumo:

    a) Quanto ao art. 1829, I: considerar como princpio norteador do direito sucessrio

    concorrencial do cnjuge o de que s existir direito de concorrncia com os descendentes

    quanto aos bens particulares do de cujus, a partir da premissa de que, onde h meao, no deve

    haver concorrncia.

    b) Quanto ao art. 1.830: considerar que a alegao da culpa pela separao de fato deve estar

    embasada em prova produzida em vida do de cujus, e sobre a qual teve ele, em tese, a

    oportunidade de se manifestar. Considerar, ainda, que o dispositivo tem em mira evitar injustias,

    as quais certamente ocorreriam se se admitisse o total afastamento do cnjuge da sucesso, pela

    mera separao de fato, sem qualquer exceo.

    c) Quanto ao art. 1.832: considerar que, na concorrncia com os descendentes, s existir o

    direito do cnjuge reserva da quarta parte da herana quando todos os descendentes forem

    comuns e que, nas hipteses de filiao hbrida, o quinho do cnjuge e dos filhos, quanto aos

    bens particulares do de cujus, deve ser rigorosamente igual.

    d) Quanto ao art. 1.790: em primeiro lugar urge separar os argumentos de ordem axiolgica,

    relativos justia do dispositivo, daqueles referentes sua aplicao prtica. No que tange

    justia ou injustia da norma, deve-se lembrar ter sido opo do legislador o tratamento dspare

    da sucesso do companheiro, sem que tal disparidade venha a representar discriminao, mas o

  • 7/22/2019 Controvrsias na sucesso do conjuge-Mrio Delgado

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    pleno atendimento ao mandamento constitucional que, em momento algum, equiparou a unio

    estvel ao casamento. Quanto aplicao prtica do dispositivo, deve-se considerar que o inciso I

    refere-se a descendentes, no obstante o emprego da palavra filhos e que o inciso II s

    garantir aos descendentes quinho correspondente ao dobro do que for atribudo companheira,

    quando forem todos descendentes exclusivos do de cujus. Ou seja, havendo descendentes comuns

    e unilaterais, aplica-se a regra do inciso I, assegurando companheira quinho igual ao daqueles.

    Adotando-se o entendimento supra, pensamos que desapareceria grande parte da celeuma que

    hoje vem ocupando tantas pginas da nossa melhor doutrina.

    Em suma, perfeitamente possvel harmonizar o sistema, espancar as controvrsias e possibilitar

    a melhor aplicao da lei sem necessidade de se alterar o Cdigo Civil.

    Os cdigos no so meros mausolus onde jazem inertes frases h muito escritas e que

    ansiosamente aguardam a ao do legislador para que, finalmente, possam se adequar nova

    realidade da sociedade. Muito pelo contrrio, as normas jurdicas so to mutantes quanto a

    realidade social na qual esto inseridas, e com esta so cotidianamente alteradas. Diariamente

    as normas variam no atravs dos tipos com que so impressas, mas pelos princpios e valores

    que as do vida e sentido para sua existncia. O direito, portanto, um instituto vivo e que vibra

    na mesma freqncia da sociedade da qual participa, e as normas podem ser modificveis sem

    qualquer alterao em sua redao, mas apenas na alterao valores que as ordenam e do

    sentido41.

    41ABAD, Raphael Madeira.A soluo para as antinomias reais entre regras atravs da interpretao sistemticada norma jurdica. Artigo publicado no site: www.estudostributarios.cjb.net. Disponvel emhttp://geocities.yahoo.com.br/get_es/get_es/artigos/int_sist.htm. Acesso em 19/11/2004.

    http://www.estudostributarios.cjb.net/http://geocities.yahoo.com.br/get_es/get_es/artigos/int_sist.htmhttp://geocities.yahoo.com.br/get_es/get_es/artigos/int_sist.htmhttp://www.estudostributarios.cjb.net/