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1 O DIREITO DE LAJE COMO INSTRUMENTO DE EFETIVAÇÃO À MORADIA DIGNA RESUMO: Em um contexto de efetivação do direito à moradia digna e consequente concretização de direitos fundamentais, o legislador criou o instituto do direito de laje, que consiste na cessão da parte superior ou inferior a construção-base. Trata-se de um direito para viabilizar a regularização fundiária das favelas brasileiras, de modo que cada imóvel possua tributação própria e matrícula individualizada, no Cartório de Registro de Imóveis. Assim sendo, partindo de uma pesquisa teórica e análise legislativa, o presente ensaio busca verificar de qual forma se dará a efetivação do instituto e se, de fato, este é eficaz para a regularização fundiária dos aglomerados. PALAVRAS-CHAVE: Moradia Digna. Direito de Laje. Regularização Fundiária. SUMÁRIO: 1 Introdução; 2 O Direito De Laje; 2.1 Minúcias Do Direito De Laje; 2.1.1 Construção-Base Regular; 2.1.2. Tributação; 2.1.3. Registro Imobiliário; 3 O Direito de Laje como Instrumento de Regularização Fundiária; 4 Aspectos Críticos do Direito de Laje; 5 Conclusão. 1 INTRODUÇÃO Conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no Brasil há cerca de 11,4 milhões de pessoas vivendo em moradias irregulares. Diante desse cenário, o Poder Público tem buscado formas de superar o problema, colocando tais pessoas em situação regular e, consequentemente, promover a inclusão social e reafirmação de direitos fundamentais. 1 O direito à moradia é colocado no art. 6º do caput da Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988 (CRFB/88), como um direito social e também no art. 23, IV, como dever comum da União, Estados, Municípios e Distrito Federal, a promoção de programas para melhoria das condições habitacionais, de saneamento básico e construção de moradias. Isso significa que todos têm direito à residência não importando a sua forma, podendo ser casa, apartamento, barracão, etc. para que nela possa habitar dignamente 2 . 1 BRASIL, IBGE, CENSO 2010. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/2012-agencia-de- noticias/noticias/15700-dados-do-censo-2010-mostram-11-4-milhoes-de-pessoas-vivendo-em-favelas.html. Acesso em: 14 mai. 2018. 2 FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 7ª Ed. Salvador: JusPodivm, 2015, p. 614.

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1

O DIREITO DE LAJE COMO INSTRUMENTO DE EFETIVAÇÃO À MORADIA

DIGNA

RESUMO: Em um contexto de efetivação do direito à moradia digna e consequente

concretização de direitos fundamentais, o legislador criou o instituto do direito de laje, que

consiste na cessão da parte superior ou inferior a construção-base. Trata-se de um direito para

viabilizar a regularização fundiária das favelas brasileiras, de modo que cada imóvel possua

tributação própria e matrícula individualizada, no Cartório de Registro de Imóveis. Assim

sendo, partindo de uma pesquisa teórica e análise legislativa, o presente ensaio busca verificar

de qual forma se dará a efetivação do instituto e se, de fato, este é eficaz para a regularização

fundiária dos aglomerados.

PALAVRAS-CHAVE: Moradia Digna. Direito de Laje. Regularização Fundiária.

SUMÁRIO: 1 Introdução; 2 O Direito De Laje; 2.1 Minúcias Do

Direito De Laje; 2.1.1 Construção-Base Regular; 2.1.2. Tributação;

2.1.3. Registro Imobiliário; 3 O Direito de Laje como Instrumento de

Regularização Fundiária; 4 Aspectos Críticos do Direito de Laje; 5

Conclusão.

1 INTRODUÇÃO

Conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no Brasil há

cerca de 11,4 milhões de pessoas vivendo em moradias irregulares. Diante desse cenário, o

Poder Público tem buscado formas de superar o problema, colocando tais pessoas em situação

regular e, consequentemente, promover a inclusão social e reafirmação de direitos

fundamentais.1

O direito à moradia é colocado no art. 6º do caput da Constituição da República

Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988 (CRFB/88), como um direito social e também no

art. 23, IV, como dever comum da União, Estados, Municípios e Distrito Federal, a promoção

de programas para melhoria das condições habitacionais, de saneamento básico e construção

de moradias. Isso significa que todos têm direito à residência – não importando a sua forma,

podendo ser casa, apartamento, barracão, etc. – para que nela possa habitar dignamente2.

1 BRASIL, IBGE, CENSO 2010. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/2012-agencia-de-

noticias/noticias/15700-dados-do-censo-2010-mostram-11-4-milhoes-de-pessoas-vivendo-em-favelas.html.

Acesso em: 14 mai. 2018. 2 FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 7ª Ed. Salvador: JusPodivm, 2015, p.

614.

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2

Cumpre ressaltar que esse direto não deve ser confundido com o direito à casa própria, mas

sim, como uma proteção de abrigo do indivíduo e sua família.

Nesse diapasão, objeto da Medida Provisória nº 759/16, a posteriori, disciplinado,

efetivamente, pela Lei nº 13.465/17; o direito de laje foi introduzido ao rol do art. 1.225 do

Código Civil de 2002 (CC/02), como direito real, com o escopo de ser instrumento eficiente

para a regularização fundiária das favelas.

O direito de laje consiste em um direito real no qual o titular da propriedade solo –

lajeado – cede o espaço superior ou inferior a sua construção-base para que outra pessoa –

lajeário – possa construir3. Dessa forma, essa nova construção é uma edificação autônoma e,

consequentemente, necessita de individualização no momento da cobrança de tributos, bem

como matrícula própria no Cartório de Registro de Imóveis (CRI).

Não obstante, questiona-se de que forma se dará a efetivação de tal instituto, na medida

em que a legislação não previu sobre formas facilitadoras de sua utilização, para além do

procedimento de Regularização Fundiária Urbana de Interesse Social (Reurb-S). Isso é, pessoas

hipossuficientes que se encaixarem no direito de laje, e necessitarem do instituto para

regularização de sua moradia, se o imóvel não se encontrar em esfera de Reurb-S, terão

impasses para a sua efetivação.

Desse modo, o presente ensaio tem por objetivo analisar os contornos e limites do direito

real de laje e sua efetividade na regularização fundiária das favelas, como forma de inserção

social e efetivo exercício do direito social à moradia digna.

Nessa perspectiva, sustenta-se como pressuposto que, tendo em vista a onerosidade em

torno das despesas cartorárias, bem como as demais custas no ente municipal para a

regularização da laje, os imóveis irregulares assim permanecerão, caso não estejam abarcados

pela Reurb-S.

O marco teórico da presente pesquisa é a ideia de Fiuza e Couto4, segundo os quais, não

havendo alteração na legislação e na postura dos entes públicos, no sentido de apresentar

mecanismos facilitadores para a regularização das construções e registro no Cartório de

Registro de Imóveis, o instituto será ineficaz.

Desse modo, o trabalho partirá, no primeiro capítulo, de uma explicação e análise dos

contornos do direito de laje, objeto do presente ensaio. Posteriormente, discute-se sobre o

3 FARIAS, Cristiano Chaves de; EL DEBS, Martha; DIAS, Wagner Inácio. DIREITO DE LAJE: Do Puxadinho

à Digna Morada. Salvador: Ed. JusPodivm, 2018, p. 23. 4 FIUZA, César Augusto de Castro; COUTO, Marcelo de Rezende Campos Marinho. Ensaio Sobre o Direito

Real de Laje como Previsto na Lei 13.465/2017. In: Civilística. Disponível em: <http://civilistica.com/wp-

content/uploads/2017/12/Fiuza-e-Couto-civilistica.com-a.6.n.2.2017.pdf>. Acesso em: 15 jan. 2018, p. 19.

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direito de laje como instrumento de regularização fundiária. Por fim, no último capítulo,

levantam-se as críticas em torno do instituto.

2 O DIREITO DE LAJE

A realidade das ocupações irregulares é que, em um mesmo lote, são constituídas várias

moradias, “puxadinhos”, que, em virtude do custo e da complexidade, vão ficando impossíveis

de serem regularizados e registrados, gerando insegurança aos seus possuidores. Impasses

também são encontrados no momento de venda e partilha de tais imóveis. Nessa ótica, “em

clara sintonia com a necessidade social demonstrada, o legislador regulamentou o direito de

laje de maneira autônoma e independente em relação a superfície.” 5 Surge, então, uma nova

espécie de direito real, tendo em vista a realidade das favelas brasileiras. Nesse aspecto, a laje

pode ser conceituada como:

A nova lâmina de propriedade criada através da cessão onerosa ou gratuita, da superfície superior ou inferior de uma construção (seja ela sobre o solo ou já em laje)

por parte do proprietário (ou lajeário) da mesma, para que o titular do novo direito

possa manter unidade autônoma da edificação original.6

Ou seja, em uma mesma superfície coexistirão unidades imobiliárias autônomas e com

titularidades distintas, as quais possuirão encargos tributários próprios7e matrículas próprias no

Registro de Imóveis8. Na visão de Marchi9, o direito de laje refere-se a uma grande inovação

legislativa no campo civilista brasileiro10 que permite a “propriedade separada do solo

(=subsolo) e da superfície (=inferior, construção-base e superior)”11.

Trata-se do direito de individualizar e dar autonomia ao imóvel que se encontra em

sobrelevação (imóvel sobre a construção original/construção-base), infrapartição (imóvel

abaixo da construção original/construção-base), ou até mesmo a sobrelaje (laje acima da laje).

Não obstante, na redação original da Medida Provisória, só era possível a constituição da laje

5 FARIAS, Cristiano Chaves de; EL DEBS, Martha; DIAS, Wagner Inácio. DIREITO DE LAJE: Do Puxadinho

à Digna Morada. Salvador: Ed. JusPodivm, 2018, p. 39. 6 Ibidem, p. 22. 7 Art. 1.510-A, §2º, do Código Civil de 2002. 8 Art. 1.510-A, §3º, do Código Civil de 2002. 9 MARCHI, Eduardo C. Silveira. Direito de Laje: da admissão ampla da propriedade superficiária no Brasil. São

Paulo: YK, 2018, p. 11. 10 No direito romano, as construções realizadas sobre um solo o acompanhavam, isto é, pertenciam ao proprietário

do solo e não ao construtor. Sendo assim, a ideia de uma propriedade desvinculada do edifício era inconcebível

(MARCHI, 2018, p. 49-51). Nesse mesmo viés, “C. Beviláqua, influenciado especialmente pela doutrina alemã

do séc. XIX, entendia, porém, inadmissível a concepção da propriedade superficiária.” (MARCHI, 2018. p. 55). 11 Eduardo C. Silveira. Direito de Laje: da admissão ampla da propriedade superficiária no Brasil. São Paulo: YK,

2018, p. 26.

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acima da construção-base; todavia, a Lei possibilitou a sua constituição também para abaixo da

linha da propriedade original12.

Nota-se, portanto, que o termo “laje,” aqui, pode ser questionado. De que forma caberia

uma laje abaixo da construção-base? Apesar de não ter sido o termo mais técnico adotado pelo

legislador, foi o melhor, em virtude da força popular já adquirida13.

No entendimento de Marchi14, a expressão adequada é propriedade superficiária, não

obstante, o termo “laje” permeneceu, tendo em vista a praxe negocial nas favelas.

Questiona-se também se o direito de laje, trata, afinal, de um direito real sobre coisa

alheia ou sobre coisa própria. Para autores – como Pablo Stolze15 – que defende ser direito real

sobre coisa alheia, a laje trata-se “de um direito real de superfície, como uma espécie de

superfície em segundo grau”16. Sendo direito real sobre coisa alheia, a averbação da laje deveria

ocorrer na matrícula da construção-base. Outrossim, a necessidade de autorização expressa, do

proprietário da construção-base, para a constituição de uma sobrelaje, reforça seu caráter de

direito sobre coisa alheia17.

Por outro lado, quem entende ser direito real sobre coisa própria argumenta que a laje

possui natureza autônoma e independente, tanto que exige matrícula individualizada; e, ao

lajeário são concedidos os direitos de usar, fruir e dispor livremente. Ademais, é válido

mencionar que o direito de laje é perpétuo (ao contrário do direito de superfície que é

temporário), o que reforça sua autonomia18.

Se admitíssemos ser direito real sobre coisa alheia, não seria possível ao lajeário a

utilização de ações petitórias para defesa de sua laje19. Pode-se afirmar que o direito de laje é

direito real sobre coisa própria20, ou seja, há uma unidade de poder, está tudo concentrado nas

mãos do seu titular.

12 FARIAS, Cristiano Chaves de; EL DEBS, Martha; DIAS, Wagner Inácio. DIREITO DE LAJE: Do Puxadinho

à Digna Morada. Salvador: Ed. JusPodivm, 2018, p. 38. 13 OLIVEIRA, Carlos Eduardo Elias de. O que é o direito real de laje à luz da lei nº 13.465/2017? (parte 1)

Disponível em: https://www.conjur.com.br/2017-set-18/direito-civil-atual-direito-real-laje-luz-lei-134652017-

parte. Acesso em: 17 out. 2018, p. 03. 14 MARCHI, Eduardo C. Silveira. Direito de Laje: da admissão ampla da propriedade superficiária no Brasil. São

Paulo: YK, 2018, p. 11. 15 STOLZE, Pablo. Direito real de laje: primeiras impressões. 16 FARIAS, Cristiano Chaves de; EL DEBS, Martha; DIAS, Wagner Inácio. DIREITO DE LAJE: Do Puxadinho

à Digna Morada. Salvador: Ed. JusPodivm, 2018, p. 51. 17 Ibidem, p. 52. 18 Ibidem, p. 55-56. 19 Ibidem, p. 48. 20 “Como se sabe, a grande partição dos direitos reais é aquela que se dá entre o direito real sobre coisa alheia

(ius in re aliena) e o direito real sobre coisa própria (ius in re propria). A colocação do direito de laje numa

ou noutra categoria é prenhe de efeitos práticos. Se se afirmar que o direito de laje constitui direito real sobre

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Não há uma divisão de poder, como ocorre nos direitos reais sobre coisa alheia de

fruição, garantia ou aquisição. Não há dois titulares; o titular do imóvel-base não guarda vínculo jurídico real com o titular da laje superior ou inferior. O que há

entre eles são direitos e deveres, na medida em que existem áreas comuns, tal qual

ocorre nos direitos de vizinhança.21

Cumpre salientar opinião de corrente minoritária sustentando que, na verdade, o direito

de laje não seria um novo direito real, mas sim um direito de superfície, visto que “o que

caracteriza o direito de superfície e distingue o seu tipo dos demais direitos reais é a

possibilidade de constituir um direito tendo por objeto a construção ou plantação,

separadamente do direito de propriedade sobre o solo.”22. Argumenta ainda que o direito de laje

nada mais é do que o direito de superfície, já regulamentado desde 2001, não sendo necessária

a sua inclusão no rol de direitos reais do Código Civil. Ademais, coloca que a terminologia é

extremamente atécnica e não faz sentido utilizá-la nem criar tal modalidade de direito, visto

que já existia, no ordenamento, a previsão do direito de superfície. Nesse mesmo sentido, o

professor Marcelo Milagres coloca que:

Entre nós, o direito de superfície pode ser pensado como relevante instrumento

econômico de fomento de diversos empreendimentos, como instrumento de política

urbanística e, agora, como instrumento de regularização fundiária urbana – Reurb – aplicável, prioritariamente, a núcleos informais ocupados por população de baixa

renda (Reurb-S).23

Não obstante, a visão de que o direito de laje, remete, na verdade, ao direito de superfície

não se demonstra a mais correta, visto que “não leva em consideração a autonomia e a extensão

do novo direito real criado.” 24 Ademais, afirma que a superfície é temporária, ao contrário do

direito de laje, que é perene e não se extingue com o decurso do prazo ou advento de termo.

Assim, “não se deve reconhecer a laje como uma espécie de superfície, mas como um novo

coisa alheia, fica, por exemplo, afastado o direito de sequela. O titular da laje teria apenas acesso aos

interditos.” (KÜMPEL e BORGARELLI, 2017, p. 04). 21 KÜMPEL, Vitor Frederico e BORGARELLI, Bruno de Ávila. Algumas reflexões sobre o Direito Real de

Laje – Parte I. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/Registralhas/98,MI265141,61044-Algumas+reflexoes+sobre+o+Direito+Real+de+Laje+Parte+I. Acesso em: 19 abr. 2019, p. 04 22 ALBUQUERQUE JR., Roberto Paulino. O Direito de Laje não é um novo direito real, mas um direito de

superfície. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2017-jan-02/direito-laje-nao-direito-real-direito-

superficie. Acesso em: 02 fev. 2018, p. 01. 23 MILAGRES, Marcelo. Direito Real de Laje? Disponível em:

https://www.professormarcelomilagres.com/single-post/2017/05/11/Direito-real-de-laje. Acesso em: 20 mai.

2018, p. 01. 24 FIUZA, César Augusto de Castro; COUTO, Marcelo de Rezende Campos Marinho. Ensaio Sobre o Direito

Real de Laje como Previsto na Lei 13.465/2017. In: Civilística. Disponível em: http://civilistica.com/wp-

content/uploads/2017/12/Fiuza-e-Couto-civilistica.com-a.6.n.2.2017.pdf. Acesso em: 15 jan. 2018, p. 03.

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direito real, especial, com características próprias.” 25 Por fim, ressalta-se que o direito real de

laje é muito mais amplo que o direito real de superfície, uma vez que este abrange,

preferencialmente, o espaço aéreo, enquanto aquele admite tanto espaço aéreo quanto subsolo.26

Diante de tais discussões apresentadas em torno do direito de laje, Marchi27 aponta

possíveis relevantes aplicações prático-jurídicas do direito de laje, as quais são: a) regularização

fundiária das favelas; b) desafetação apenas da superfície de área pertencente ao Estado; c)

desapropriação, por interesse social, de áreas pertencentes a particulares; d) construção de

edifícios que não se enquadram nas regras legais do condomínio edilício; e) construção de

estacionamentos subterrâneos, etc.

A verdade é que é inegável que o reconhecimento do direito de laje no rol de direitos

reais, “viabiliza a regularização de milhares de edificações por todo o país, dando aos

envolvidos, segurança jurídica e estabilizando o direito sucessório, contribuindo, desta forma,

para a pacificação social.”28

2.1 MINÚCIAS DO DIREITO DE LAJE

2.1.1 Construção-base regular

O direito de laje só poderá ser instituído se a construção-base estiver regular, isso é,

possuir carta de Habite-se da prefeitura e Certidão Negativa de Débitos (CND), e se encontrar

averbada na matrícula do Cartório de Registro de Imóveis, pois este não pode abrir uma

matrícula de um imóvel que não possa ser habitado legalmente; ou instituir o direito de laje

sobre imóvel que, na matrícula, se apresente como um lote vago.29

2.1.2 Tributação

25 FARIAS, Cristiano Chaves de; EL DEBS, Martha; DIAS, Wagner Inácio. DIREITO DE LAJE: Do

Puxadinho à Digna Morada. Salvador: Ed. JusPodivm, 2018, p. 25. 26 LOUREIRO apud FARIAS, Cristiano Chaves de; EL DEBS, Martha; DIAS, Wagner Inácio. DIREITO DE

LAJE: Do Puxadinho à Digna Morada. Salvador: Ed. JusPodivm, 2018, p. 183. 27 MARCHI, Eduardo C. Silveira. Direito de Laje: da admissão ampla da propriedade superficiária no Brasil. São

Paulo: YK, 2018, p. 15-19. 28 FARIAS, Cristiano Chaves de; EL DEBS, Martha; DIAS, Wagner Inácio. DIREITO DE LAJE: Do Puxadinho

à Digna Morada. Salvador: Ed. JusPodivm, 2018, p. 24. 29 FIUZA, César Augusto de Castro; COUTO, Marcelo de Rezende Campos Marinho. Ensaio Sobre o Direito

Real de Laje como Previsto na Lei 13.465/2017. In: Civilística. Disponível em: http://civilistica.com/wp-

content/uploads/2017/12/Fiuza-e-Couto-civilistica.com-a.6.n.2.2017.pdf. Acesso em: 15 jan. 2018, p. 14.

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Conforme o art. 1.510-A, 2§º do CC/02, “o titular do direito real de laje responderá pelos

encargos e tributos que incidirem sobre a sua unidade.” 30 Ou seja, o exercício do direito de laje

atribui encargos tributários proporcionais às dimensões da laje, independentes dos conferidos à

construção-base. Nesse diapasão, pode ocorrer “uma revisão de cálculo de tributo de diversas

cobranças de impostos territoriais, em relação àquelas lajes já construídas, cujas cobranças

fiscais eram impostas exclusivamente ao proprietário.” 31. Dessa forma, pode o proprietário

requerer uma revisão de cálculos, objetivando transferir, de maneira proporcional, ao lajeário,

as despesas tributárias que lhe correspondem.

A cada imóvel será atribuído contribuições tributárias próprias, não se alterando na área

tributada do lajeado (terreno + construção-base).

Neste sentido, entende-se que esteja vedado aos municípios valerem-se de eventual

progressividade no imposto sobre a propriedade territorial urbana (IPTU) para

majorar a alíquota do mesmo, sob a justificativa de que a laje realiza incremento de

valor na construção-base. 32

A edificação da laje não deve ser compreendida como uma melhoria da construção-base.

Por isso, afirma-se que a autonomia tributária deve ser compreendida de maneira absoluta, sob

pena de bis in idem (tributação de ambas construções)33. Isso é, ao lajeário só podem ser

cobrados tributos que recaem tão somente sobre a sua construção, assim como ao lajeado apenas

serão cobrados os tributos referentes à sua construção-base.

2.1.3 Registro Imobiliário

O direito real de laje poderá ser constituído por meio de contrato, negócio jurídico inter

vivos, usucapião, sentença judicial ou até mesmo por testamento (negócio jurídico causa

mortis).34 E, independentemente de qual dessas formas tenha sido constituída a laje, ela deverá

ser levada a registro público imobiliário.

Cumpre salientar que, em observância ao princípio da continuidade, não poderá ser

lançado qualquer ato sem que haja existência de seu registro anterior. Sendo assim, só será

30 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm. Acesso em: 12 fev. 2018. 31 FARIAS, Cristiano Chaves de; EL DEBS, Martha; DIAS, Wagner Inácio. DIREITO DE LAJE: Do Puxadinho

à Digna Morada. Salvador: Ed. JusPodivm, 2018, p. 47. 32 FARIAS, Cristiano Chaves de; EL DEBS, Martha; DIAS, Wagner Inácio. DIREITO DE LAJE: Do Puxadinho

à Digna Morada. Salvador: Ed. JusPodivm, 2018, p. 71. 33 Ibidem, p. 71. 34 Ibidem, p. 194.

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possível a constituição da laje se, na matrícula do imóvel, constar a averbação da construção-

base.35 Deve-se ressalvar que é o registro da laje que criará o direito real de propriedade.36

A Lei instituidora do direito de laje (13.465/17) acrescentou o §9º no art. 176 da Lei de

Registros Públicos (Lei 6.015/73), dispondo que:

Art. 176

[...]

§ 9o A instituição do direito real de laje ocorrerá por meio da abertura de uma

matrícula própria no registro de imóveis e por meio da averbação desse fato na

matrícula da construção-base e nas matrículas de lajes anteriores, com remissão

recíproca. 37

Tal dispositivo salienta três princípios registrais que merecem destaque: especialidade,

continuidade e unitariedade matricial.38 Conforme o princípio da especialidade, cada imóvel

objeto de registro deve ser devidamente individualizado.39 Ou seja, para cada imóvel haverá

uma matrícula. Consoante o princípio da continuidade, “os registros devem ser perfeitamente

encadeados, de forma que não haja vazios ou interrupções na corrente registrária.” 40 Isso

significa que não se pode pular qualquer etapa registral. Isso posto, é necessária a existência do

registro da construção-base para, posteriormente, abrir matrícula para a laje. Por fim, de acordo

com o princípio da unitariedade matricial, “cada imóvel será objeto de uma matrícula e cada

matrícula descreverá apenas um imóvel.”41 Em virtude desse princípio em consonância com o

da especialidade, que a construção-base deverá constar em uma matrícula e a(s) laje(s) em

outra(s).

Outrossim, o dispositivo supracitado deve ser interpretado em conjunto com o art.

1.510-A, §3º do CC/02, segundo o qual, “Os titulares da laje, unidade imobiliária autônoma

constituída em matrícula própria, poderão dela usar, gozar e dispor.” 42

35 FIUZA, César Augusto de Castro; COUTO, Marcelo de Rezende Campos Marinho. Ensaio Sobre o Direito

Real de Laje como Previsto na Lei 13.465/2017. In: Civilística. Disponível em: http://civilistica.com/wp-

content/uploads/2017/12/Fiuza-e-Couto-civilistica.com-a.6.n.2.2017.pdf. Acesso em: 15 jan. 2018, p. 14. 36 LOUREIRO apud FARIAS, Cristiano Chaves de; EL DEBS, Martha; DIAS, Wagner Inácio. DIREITO DE

LAJE: Do Puxadinho à Digna Morada. Salvador: Ed. JusPodivm, 2018, p. 196. 37 BRASIL. Lei nº 6.015, de 31 de Dezembro de 1973. Dispõe sobre os registros públicos, e dá outras

providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6015compilada.htm. Acesso em: 29 abr.

2019. 38 FARIAS, Cristiano Chaves de; EL DEBS, Martha; DIAS, Wagner Inácio. DIREITO DE LAJE: Do Puxadinho

à Digna Morada. Salvador: Ed. JusPodivm, 2018, p. 203. 39 LOUREIRO, Luiz Guilherme. Registros Públicos: teoria e prática. 4ª Ed. rev., atual e ampl. Rio de Janeiro:

Forense; São Paulo: Método, 2013, p. 312 40 Ibidem, p. 314. 41 FARIAS, Cristiano Chaves de; EL DEBS, Martha; DIAS, Wagner Inácio. DIREITO DE LAJE: Do

Puxadinho à Digna Morada. Salvador: Ed. JusPodivm, 2018, p. 206. 42 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm. Acesso em: 12 fev. 2018.

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A concessão de matrícula própria para a laje é um respeito – como visto alhures – ao

princípio da unicidade matricial, mas, muito mais que atribuir um fólio para a laje, concede-se

independência e autonomia para aqueles que, durante muito tempo, sequer tinham registros.

“Mais do que uma simbologia, o registro do então fato social da laje como unidade autônoma,

legaliza o gueto e converte o ‘outsider’ em membro da sociedade formal”.43

3 O DIREITO DE LAJE COMO INSTRUMENTO DE REGULARIZAÇÃO

FUNDIÁRIA

Na década de 70, o sociólogo Boaventura de Sousa Santos realizou uma pesquisa de

campo na favela do Jacarezinho, no Rio de Janeiro. No entanto, como na época vigorava a

ditadura militar no Brasil, o nome fictício designado à comunidade foi “Pasárgada”. A tese

tinha como finalidade demonstrar que havia direito para além do estado. “Em Pasárgada,

Boaventura foi capaz de verificar a existência de várias instituições extra-oficiais de resolução

de conflitos que solucionavam disputas à margem do poder estatal.” 44

Como a população local não possuía título legítimo de suas propriedades45, em situações

conflituosas, recorrer às instituições estatais, para a solução do conflito, não era uma alternativa.

“O estado não era bem visto, pois era um inimigo potencial, que reprimia os pobres e não

buscava a pacificação no interior da favela.” 46 Sendo assim, havia a existência de um direito

interno e informal, administrado pela associação de moradores, aplicável para prevenir conflitos

na comunidade oriundos da luta pela habitação47

Tais populações buscavam formas alterativas de solução de conflitos, pois não podiam

ser amparadas pelas instituições estatais. Foi justamente sob o argumento de um contexto de

43 ROSENVALD, Nelson. O direito real de laje como nova manifestação de propriedade. Disponível em:

https://www.nelsonrosenvald.info/single-post/2017/09/14/O-direito-real-de-laje-como-nova-

manifesta%C3%A7%C3%A3o-de-propriedade. Acesso em: 02 jan. 2018, p. 01. 44 MARMELSTEIN, PREFÁCIO, In: FARIAS, Cristiano Chaves de; EL DEBS, Martha; DIAS, Wagner Inácio.

DIREITO DE LAJE: Do Puxadinho à Digna Morada. Salvador: Ed. JusPodivm, 2018, p. 12. 45 Importante repisar que “as populações de baixa renda não alcançam o acesso de terras urbanas legalizadas,

devido ao alto custo deste solo, decorrente de uma regulamentação elitista.” (SMOLKA apud ARRUDA, 2017, p.

01). 46 MARMELSTEIN, PREFÁCIO, In: FARIAS, Cristiano Chaves de; EL DEBS, Martha; DIAS, Wagner Inácio.

DIREITO DE LAJE: Do Puxadinho à Digna Morada. Salvador: Ed. JusPodivm, 2018, p. 12. 47 “A análise da ordem jurídica de Pasárgada circunscreve-se, no que interessa para este estudo, aos recursos

internos que são mobilizados para prevenir e resolver conflitos decorrentes da propriedade ou posse da terra e dos

direitos sobre construções (casas e barracos) que nesta se implantam.” (BOAVENTURA, de Souza Santos. Notas

sobre a história jurídico-social de Pasárgada. SOUSA JR., José Geraldo (org.). Introdução Crítica ao Direito.

(Série o direito achado na rua; V. 1). 4ª Ed. Brasília: Universidade de Brasília, 1993.)

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proteção jurídica e inserção social que surgiu o direito de laje. Mas, desde antes do seu

surgimento, o Estado já vinha buscando mecanismos para regularização fundiária.

Em 2009 foi criada a Lei nº 11.977, que instituiu o Programa Minha Casa, Minha Vida

e objetivou a regularização fundiária de assentamentos localizados em áreas urbanas. Em seu

art. 46 trazia o conceito de regularização fundiária:

Conjunto de medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais que visam à

regularização de assentamentos irregulares e à titulação de seus ocupantes, de modo

a garantir o direito social à moradia, o pleno desenvolvimento das funções sociais da

propriedade urbana e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. 48

Asseguradamente, apesar de vários artigos da referida Lei já se encontrarem revogados,

ela foi um marco fundamental para os assentamentos brasileiros. Não obstante, somente em

2016, através da Medida Provisória nº 759, posteriormente convertida na Lei nº 13.465/17; a

Regularização Fundiária Urbana (Reurb) foi diretamente objetivada, visto que trouxe um

instrumento de política urbana, com normas e procedimentos, visando retirar a informalidade

de determinados núcleos urbanos.

Trata-se, portanto, de uma ferramenta de intervenção pública que tem por objetivo

legalizar núcleos urbanos informais, desenvolvendo a qualidade de vida dos ocupantes, bem

como conferindo segurança jurídica a estes.49

A regularização fundiária refere-se a um “conjunto de medidas e jurídicas, urbanísticas,

ambientais e sociais com a finalidade de incorporar os núcleos urbanos informais ao

ordenamento territorial urbano e à titulação de seus ocupantes.” 50

Por medidas jurídicas, compreende-se àquelas utilizadas para a solução dos problemas

dominiais, referentes às situações nas quais o ocupante não possui o justo título e,

consequentemente, não possui segurança jurídica. Já as medidas urbanísticas referem-se às

soluções para uma infraestrutura adequada (água, esgoto, energia, calçamento, etc). As medidas

48 BRASIL. Lei nº 11.977 de 7 de Julho de 2009. Dispõe sobre o Programa Minha Casa, Minha Vida – PMCMV

e a regularização fundiária de assentamentos localizados em áreas urbanas; altera o Decreto-Lei no 3.365, de 21 de junho de 1941, as Leis nos 4.380, de 21 de agosto de 1964, 6.015, de 31 de dezembro de 1973, 8.036, de 11 de

maio de 1990, e 10.257, de 10 de julho de 2001, e a Medida Provisória no 2.197-43, de 24 de agosto de 2001; e dá

outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l11977.htm.

Acesso em: 17 mai. 2018. 49 NASCIMENTO, PREFÁCIO, In: CUNHA, Michely Freire Fonseca. Manual de Regularização Fundiária

Urbana – REURB. Salvador: JusPodivm, 2019, p. 10. 50 MOURA, Joacsã Araújo. CARTILHA - REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA URBANA – ASPECTOS

PRÁTICOS DA LEI 13.465/2017. Disponível em: https://www.sinoreg-

es.org.br/__Documentos/Upload_Conteudo/arquivos/CARTILHA_REGULARIZACAO_FUNDIARIA_URBA

NA_2017.pdf. Acesso em: 14 mar. 2019, p. 01.

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ambientais, por sua vez, buscam reparar os problemas dos assentamentos realizados em

desacordo com as normas ambientais. 51 Por fim, as medidas sociais dizem respeito “às soluções

dadas à população beneficiária da Reurb, especialmente nas ocupações por famílias de baixa

renda, (mas não excluindo as demais populações), de forma a propiciar o exercício digno do

direito à moradia e à cidadania, proporcionando qualidade de vida.” 52

Relevante repisar as espécies de Reurb’s trazidas pela Lei 13.465/17, que podem ser

Regularização Fundiária Urbana de Interesse Social (Reurb-S) ou Regularização Fundiária

Urbana de Interesse Específico (Reurb-E). Conforme o art. 13, I, da Lei supracitada, aquela se

refere à “regularização fundiária aplicável aos núcleos urbanos informais ocupados

predominantemente por população de baixa renda, assim declarados em ato do Poder Executivo

municipal.”53 Essa, por sua vez, consoante o art. 13, II, diz respeito a “regularização fundiária

aplicável aos núcleos urbanos informais ocupados por população não qualificada na hipótese

de que trata o inciso I deste artigo.”54. Importante ressalvar que a a Reurb-E será realizada para

a regularização fundiária de núcleos urbanos informais constituídos por unidades imobiliárias

não residenciais, segundo art. 5º, §6º, Decreto nº 9.310/18. 55

A Lei 13.465/17 também trouxe a regularização fundiária inominada, a qual é “aplicável

aos núcleos urbanos informais consolidados em data anterior à Lei do Parcelamento do Solo

Urbano - Lei 6.766/1979, de 19 de dezembro 1979” 56 Mister acentuar que, em alguns casos, o

processo de regularização flexibiliza princípios registrais brasileiros, tais como, continuidade,

51 Ibidem, p. 01. 52 Ibidem, p. 01. 53 BRASIL. Lei nº 13.465, de 11 De Julho de 2017. Dispõe sobre a regularização fundiária rural e urbana, sobre

a liquidação de créditos concedidos aos assentados da reforma agrária e sobre a regularização fundiária no âmbito

da Amazônia Legal; institui mecanismos para aprimorar a eficiência dos procedimentos de alienação de imóveis

da União; altera as Leis n os 8.629, de 25 de fevereiro de 1993 , 13.001, de 20 de junho de 2014 , 11.952, de 25 de

junho de 2009, 13.340, de 28 de setembro de 2016, 8.666, de 21 de junho de 1993, 6.015, de 31 de dezembro de

1973, 12.512, de 14 de outubro de 2011 ,10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), 13.105, de 16 de março

de 2015 (Código de Processo Civil), 11.977, de 7 de julho de 2009, 9.514, de 20 de novembro de 1997, 11.124,

de 16 de junho de 2005, 6.766, de 19 de dezembro de 1979, 10.257, de 10 de julho de 2001, 12.651, de 25 de maio

de 2012, 13.240, de 30 de dezembro de 2015, 9.636, de 15 de maio de 1998, 8.036, de 11 de maio de 1990, 13.139,

de 26 de junho de 2015, 11.483, de 31 de maio de 2007, e a 12.712, de 30 de agosto de 2012, a Medida Provisória

nº 2.220, de 4 de setembro de 2001, e os Decretos-Leis n º 2.398, de 21 de dezembro de 1987, 1.876, de 15 de

julho de 1981, 9.760, de 5 de setembro de 1946, e 3.365, de 21 de junho de 1941; revoga dispositivos da Lei

Complementar nº 76, de 6 de julho de 1993, e da Lei nº 13.347, de 10 de outubro de 2016; e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13465.htm. Acesso em: Acesso

em: 17 mai. 2018. 54 Ibidem. 55 CUNHA, Michely Freire Fonseca. Manual de Regularização Fundiária Urbana – REURB. Salvador:

JusPodivm, 2019, p. 30. 56 MOURA, Joacsã Araújo. CARTILHA - REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA URBANA – ASPECTOS

PRÁTICOS DA LEI 13.465/2017. Disponível em: https://www.sinoreg-

es.org.br/__Documentos/Upload_Conteudo/arquivos/CARTILHA_REGULARIZACAO_FUNDIARIA_URBA

NA_2017.pdf. Acesso em: 14 mar. 2019, p. 02.

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especialidade, entre outros, a fim de que se alcance a função social da propriedade, conforme

previsão constitucional. 57

Nesse prisma, muito se fala sobre a relevância social do reconhecimento do direito de

laje, visto que é um instrumento a ser utilizado para regularização fundiária de diversos imóveis,

principalmente aqueles localizados em aglomerados. Não há dúvidas de que há “absoluta e

suprema relevância social, por interessar à vida de milhões de brasileiras e brasileiros

infelizmente menos favorecidos.” 58

Então, qual a lógica da nova lei, qual a lógica da nova regularização fundiária urbana

no Brasil? É a compreensão de que o mais importante é titular as pessoas, dar a elas o

direito de propriedade. Tornar essas pessoas proprietárias dos imóveis que habitam,

ainda que não se consiga dar a elas as outras condições também necessárias para a

moradia (os suportes materiais, urbanísticos, creditícios, de infraestrutura, etc...).59

O direito de laje, ao ser regularizado, além de buscar a regularização fundiária, visa

integrar as pessoas à sociedade e reafirmar direitos fundamentais, tanto que, na exposição de

motivos da Medida Provisória 759/2016, salienta-se sobre a efetivação do direito à moradia,

constitucionalmente previsto.

Demais disso, o crescimento muitas vezes desordenado dos grandes centros urbanos

e a explosão demográfica brasileira em curto espaço de tempo vem causando diversos

problemas estruturais que, por falta de regramento jurídico específico sobre

determinados temas, ou mesmo por desconformidade entre as normas existentes e a

realidade fática dos tempos hodiernos, não apenas impedem a concretização do direito

social à moradia, como ainda produzem efeitos reflexos negativos em matéria de ordenamento territorial, mobilidade, meio ambiente e até mesmo saúde pública. 60

O direito de laje é um instrumento que veio para promover a inclusão social e realizar a

dignidade perdida de muitos brasileiros. Buscar efetivar o direito à moradia digna é o seu

57 NASCIMENTO, PREFÁCIO, In: CUNHA, Michely Freire Fonseca. Manual de Regularização Fundiária

Urbana – REURB. Salvador: JusPodivm, 2019, p. 09. 58 MARCHI, Eduardo C. Silveira. Direito de Laje: da admissão ampla da propriedade superficiária no Brasil.

São Paulo: YK, 2018, p. 113. 59 MAURO apud PAULO, Samantha Mordente de. Os desafios do direito de laje frente a efetividade do direito

à moradia digna e ao sistema registral imobiliário. Disponível em:

https://www.corimg.org/app/webroot/files/editor/files/38-Os%20desafios%20do%20direito%20de%20laje%20frente%20a%20efetividade%20do%20direito%20a%20mor

adia%20digna%20e%20ao%20sistema%20registral%20imobili%C3%A1rio.pdf. Acesso em: 15 fev. 2019, p. 06.

60 BRASIL. Medida Provisória nº 759, de 22 de Dezembro de 2016. Dispõe sobre a regularização fundiária rural

e urbana, sobre a liquidação de créditos concedidos aos assentados da reforma agrária e sobre a regularização

fundiária no âmbito da Amazônia Legal, institui mecanismos para aprimorar a eficiência dos procedimentos de

alienação de imóveis da União, e dá outras providências. Disponível em:

https://www2.camara.leg.br/legin/fed/medpro/2016/medidaprovisoria-759-22-dezembro-2016-784124-

exposicaodemotivos-151740-pe.html. Acesso em: 26 mar. 2019.

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objetivo. 61. Pode-se colocar a laje como um direito fundamental constitucional, ao passo que o

direito de propriedade foi consagrado na CRFB/88, como tanto.

Cuida-se, pois, de um direito fundamental de envergadura constitucional, ligado, a

toda evidência, ao mínimo existencial e ao exercício de uma vida digna. Aliás, não se

pode deixar de reconhecer que a fundamentalidade do direito de propriedade decorre

muito mais de uma perspectiva existencial do que patrimonial. 62

Todavia, conforme ressaltam os autores, o direito de laje trata, portanto, de um direito

fundamental implícito, à medida em que é um direito “por conferir amplitude e abrangência à

proteção dedicada à propriedade.”63 Mister salientar que o fundamento do direito de laje

também pode ser extraído da dignidade da pessoa humana e do direito à moradia.

Ademais, estaria, portanto, o direito de laje, vinculado também à vedação do retrocesso

social, visto ser uma norma de notório caráter de integração social, referente ao direito

fundamental à moradia.64

4 ASPECTOS CRÍTICOS DO DIREITO DE LAJE

Apresentados os pontos relevantes sobre o direito de laje e regularização fundiária,

adentrar-se-á agora na crítica de como o direito de laje não é um instrumento eficaz para a

regularização fundiária dos aglomerados.

De modo geral, há um excesso de otimismo por parte dos autores que escrevem sobre o

tema. Não obstante, diversos obstáculos são enfrentados ao exercitar a prática do direito de laje.

Marchi afirma ser a laje a novidade mais importante na seara do direito das coisas, no

direito civil brasileiro.65 Consoante o autor, o instituto do direito de laje é uma ferramenta

adequada para a regularização fundiária das favelas brasileiras, visto que é uma tentativa de

garantir às pessoas hipossuficientes, em especial àquelas residentes em aglomerados, a

propriedade formal de suas moradias. 66

61 FARIAS, Cristiano Chaves de; EL DEBS, Martha; DIAS, Wagner Inácio. DIREITO DE LAJE: Do Puxadinho

à Digna Morada. Salvador: Ed. JusPodivm, 2018, p. 09. 62 Ibidem, p. 61. 63 Ibidem, p. 64. 64 Ibidem, p. 64. 65 MARCHI, Eduardo C. Silveira. Direito de Laje: da admissão ampla da propriedade superficiária no Brasil. São

Paulo: YK, 2018, p. 117. 66 Ibidem, p. 08.

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Para outros autores, o instituto “viabiliza a regularização de milhares de edificações por

todo o país, dando aos envolvidos segurança jurídica e estabilizando o direito sucessório,

contribuindo, desta forma, para a pacificação social.” 67

O direito de laje reforça a segurança jurídica, visto que concede a propriedade ao

lajeário, atendendo, portanto, a necessidade social de diversos cidadãos e ensejando a

regularização fundiária urbana.68 Nessa mesma acepção, Rosenvald destaca que o direito de

laje é um instrumento de acesso à vida digna para muitos brasileiros.69

Entretanto, seria muito utópico acreditar que o instituto, por si só, promoveria tantos

benefícios: regularização fundiária, concessão do título de propriedade, individualização da

matrícula, integração social, etc. Há falhas existentes na previsão do instituto para que o torne

eficaz.

A Lei 13.165/2017 que é fruto de esforço para a regularização fundiária urbana e

rural, tem como objetivo também a estimulação da economia, visto que, ao regularizar

imóveis e se conferir a propriedade, o acesso ao crédito é facilitado.70

Na verdade, esse movimento legislativo compreende um aspecto infelizmente

tornado comum na vida jurídica brasileira. O propósito regulador-fundiário é usado

como um toque de Midas, apto a transformar qualquer iniciativa em fonte de

angelicais virtudes. É com base nessa ideia que se assiste a uma "enxurrada" de

outras movimentações legislativas, algumas tão confusas quanto o direito real de

laje, como a instituição do condomínio de lotes (art. 1.358-A do CCB/02) e a alteração do art. 10 do Estatuto da Cidade.71

O legislador, em um arranjo singular, acredita ter solucionado o problema de

regularização habitacional das favelas brasileiras, entretanto, trouxe uma modalidade de

direito real que não é suficiente e eficaz para resolver a questão. “Raramente far-se-á registro

imobiliário desse direito, mormente porque imóveis desse jaez situam-se em comunidades

irregulares, com vasta pressão populacional e sérios problemas de segurança que longe estão

67 FARIAS, Cristiano Chaves de; EL DEBS, Martha; DIAS, Wagner Inácio. DIREITO DE LAJE: Do Puxadinho

à Digna Morada. Salvador: Ed. JusPodivm, 2018, p. 24. 68 PAULO, Samantha Mordente de. Os desafios do direito de laje frente a efetividade do direito à moradia

digna e ao sistema registral imobiliário. Disponível em:

https://www.corimg.org/app/webroot/files/editor/files/38-

Os%20desafios%20do%20direito%20de%20laje%20frente%20a%20efetividade%20do%20direito%20a%20mor

adia%20digna%20e%20ao%20sistema%20registral%20imobili%C3%A1rio.pdf. Acesso em: 15 fev. 2019, p. 06. 69 ROSENVALD, Nelson. O direito real de laje como nova manifestação de propriedade. Disponível em:

https://www.nelsonrosenvald.info/single-post/2017/09/14/O-direito-real-de-laje-como-nova-

manifesta%C3%A7%C3%A3o-de-propriedade. Acesso em: 02 jan. 2018, p. 02. 70 KÜMPEL, Vitor Frederico e BORGARELLI, Bruno de Ávila. Algumas reflexões sobre o Direito Real de

Laje – Parte I. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/Registralhas/98,MI265141,61044-

Algumas+reflexoes+sobre+o+Direito+Real+de+Laje+Parte+I. Acesso em: 19 abr. 2019, p. 01. 71 Ibidem, p. 01.

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de regularização registral.” 72 Para Venosa, o legislador se dá por satisfeito com essa criação

ao invés de tentar, de fato, solucionar a questão habitacional de milhares de comunidades

existentes no país. 73

Importante destaque é de que os poderes municipais deverão se atentar para a

segurança das construções ao aprová-las, visto que, em países subdesenvolvidos, as notícias

de desmoronamentos são mais frequentes. “Certamente o legislador espera que nessas

situações haja engenheiro responsável e que faça os devidos cálculos estruturais... O

legislador certamente vive em outra nação.” 74

Percebe-se, dessa forma, que o direito de laje não é um instituto tão solucionador dos

problemas quanto se espera. Nessa perspectiva, questiona-se se o direito de laje será, de fato,

instrumento eficaz para a regularização fundiária. Conforme já levantado, para que seja

constituído o direito de laje, a construção-base deverá encontrar-se regularizada no ente

municipal, bem como no Cartório de Registro de Imóveis. No entanto, tais regularidades são

custosas e apresentam-se como um impasse no momento de sua efetivação.

Na exposição de motivos da Medida Provisória nº 759/2016, ressalta-se que “trata-se de

um mecanismo eficiente para a regularização fundiária das favelas”, não obstante, o direito de

laje não trouxe normas práticas que colaborem com a sua utilização para além do procedimento

de Regularização Fundiária de Interesse Social (Reurb-S).75

Fora da esfera da regularização fundiária de interesse social, os trâmites para

regularizar uma construção junto ao ente municipal, para obter a certidão de quitação

previdenciária relativa à obra realizada e para averbar essa edificação no Registro de

Imóveis é bastante complexo, demorado e custoso. O resultado disso é a ausência de

averbação de construção na grande maioria das matrículas.76

Indubitavelmente, toda essa burocracia e custo apresentam um entrave para a

regularização fundiária das favelas, motivo pelo qual “não havendo mudança na legislação e na

postura dos entes públicos, no sentido de facilitar a regularização das construções perante o

72 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito real de laje (criado pela lei 13.465 de 2017). Disponível em:

https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI267743,91041-

Direito+real+de+laje+criado+pela+lei+13465+de+2017. Acesso em: 02 mar. 2019, p. 01. 73 Ibidem, p. 01. 74 Ibidem, p. 02. 75 FIUZA, César Augusto de Castro; COUTO, Marcelo de Rezende Campos Marinho. Ensaio Sobre o Direito

Real de Laje como Previsto na Lei 13.465/2017. In: Civilística. Disponível em: http://civilistica.com/wp-

content/uploads/2017/12/Fiuza-e-Couto-civilistica.com-a.6.n.2.2017.pdf. Acesso em: 15 jan. 2018, p. 15. 76 Ibidem, p. 16.

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Registro de Imóveis, dificilmente o direito de laje assumirá papel relevante na redução das

situações de informalidade.” 77

Isto posto, pode-se afirmar que a atecnia do legislador, bem como a ausência de juristas

da seara notarial e registral no momento da construção da norma, resultam em institutos assim

como o direito de laje, que apesar de bem intencionado, dificilmente trará na prática os

resultados que dele se esperava.

5 CONCLUSÃO

O direito à moradia é consagrado no art. 6º, caput, da CRFB/88, como um direito social

e, a partir de uma leitura concomitante com o princípio da dignidade da pessoa humana, tem-se

que, essa moradia não deve ser assegurada de qualquer modo, mas sim, com meios adequados

para que o indivíduo possa, dignamente, habitar nela com os seus familiares.

No entanto, sabe-se que, infelizmente, o déficit de moradia é uma realidade que assola

muitos brasileiros. Consoante dados do IBGE censo 2010, há cerca de 11,4 milhões de pessoas

vivendo em moradias irregulares.

Assim sendo, percebe-se que, em que pese o direito à moradia ser uma garantia

constitucional, grande parte da população não possui acesso equitativo a esse direito. Como

consequência, tem-se o surgimento das favelas, que são, na verdade, um amontoado de casas,

puxadinhos, barracões, nos quais cada família tenta se encaixar, de alguma forma.

Nesse contexto de conceder dignidade, diminuir a deficiência de direitos para com tais

indivíduos, promover a segurança jurídica ao possibilitar a titularização dos proprietários das

lajes, e, consequentemente, promover integração social, o legislador criou o instituto do direito

de laje, que consiste na individualização – tanto tributária quanto no Cartório de Registro de

Imóveis – do imóvel que se encontra acima ou abaixo da construção-base ou seja, é a

possibilidade de cessão da laje.

Trata-se de um instituto que visa regularizar a situação das favelas brasileiras, nas quais,

em um mesmo lote, são construídas várias unidades de moradia. A proposta do instituto é que

cada imóvel tenha tributação e matrícula própria, o que concederá a cada proprietário o seu

devido título, não existindo, dessa forma, dificuldades para posterior venda e partilha de tais

77 Ibidem, p. 19.

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imóveis. Válido ressaltar também que com o devido título de propriedade, o acesso ao crédito

é facilitado.

Porém, e conforme já foi exposto no decorrer deste ensaio, ainda com a criação do

direito de laje, é muito difícil regularizar os imóveis existente nesses amontoados, visto que é

um processo custoso, e, ao se falar em aglomerados, sabe-se que a realidade é de famílias

hipossuficientes que não têm condições de arcar com as custas para esse processo. Isso é, a

forma pela qual o instituto está posto hoje, dificilmente atingirá o seu objetivo regularizador,

social e integrador. Por esse motivo, entende-se que a efetivação do instituto está mitigada, não

contribuindo, portanto, de forma eficaz, para a regularização fundiária dos aglomerados. Dessa

forma, constata-se que a hipótese inicial do presente ensaio foi confirmada.

Assim sendo, acredita-se que, para se ter uma real efetividade do instituto, deverá

ocorrer uma alteração legislativa, no sentido de promover isenção ou redução nas custas do

processo, sem depender de Reurb-S – visto que esta depende de iniciativa do órgão municipal

–, para que, assim, cada indivíduo, na medida de seu interesse e condições, possa regularizar a

sua moradia.

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agosto de 1964, 6.015, de 31 de dezembro de 1973, 8.036, de 11 de maio de 1990, e 10.257,

de 10 de julho de 2001, e a Medida Provisória no 2.197-43, de 24 de agosto de 2001; e dá

outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-

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rural e urbana, sobre a liquidação de créditos concedidos aos assentados da reforma agrária e

sobre a regularização fundiária no âmbito da Amazônia Legal; institui mecanismos para

aprimorar a eficiência dos procedimentos de alienação de imóveis da União; altera as Leis

n os 8.629, de 25 de fevereiro de 1993 , 13.001, de 20 de junho de 2014 , 11.952, de 25 de

junho de 2009, 13.340, de 28 de setembro de 2016, 8.666, de 21 de junho de 1993, 6.015, de

31 de dezembro de 1973, 12.512, de 14 de outubro de 2011 ,10.406, de 10 de janeiro de 2002

(Código Civil), 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), 11.977, de 7 de

julho de 2009, 9.514, de 20 de novembro de 1997, 11.124, de 16 de junho de 2005, 6.766, de

19 de dezembro de 1979, 10.257, de 10 de julho de 2001, 12.651, de 25 de maio de 2012,

13.240, de 30 de dezembro de 2015, 9.636, de 15 de maio de 1998, 8.036, de 11 de maio de

1990, 13.139, de 26 de junho de 2015, 11.483, de 31 de maio de 2007, e a 12.712, de 30 de

agosto de 2012, a Medida Provisória nº 2.220, de 4 de setembro de 2001, e os Decretos-Leis

n º 2.398, de 21 de dezembro de 1987, 1.876, de 15 de julho de 1981, 9.760, de 5 de setembro

de 1946, e 3.365, de 21 de junho de 1941; revoga dispositivos da Lei Complementar nº 76, de

6 de julho de 1993, e da Lei nº 13.347, de 10 de outubro de 2016; e dá outras providências.

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regularização fundiária rural e urbana, sobre a liquidação de créditos concedidos aos

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