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995 DIREITO DE LAJE: O DIREITO NA VIDA E A VIDA NO DIREITO “RIGHT OF FLAGSTONE” Claudia Franco Correa RESUMO O presente trabalho destina demonstrar o estudo direcionado para o denominado “direito de laje” na Favela de Rio das Pedras, no Rio de Janeiro. Tal “direito” é aceito na comunidade, e se atualiza quando um morador primitivo vende à outra pessoa o “direito” de construir moradia sobre a laje de sua casa. Esse “direito” é admitido entre as partes, mesmo quando o “contrato” ocorre em situações especiais, como a do futuro morador primitivo do terreno de superfície, vender sua “laje”, sem ter construído sua casa ou sequer sem a “laje” estar pronta. Nesses casos, o vendedor usa o valor da venda de sua “laje”, para construir sua casa. Por sua vez, o morador de uma “laje”, pode vender a que fica na cobertura de sua moradia. Em Rio das Pedras, existem prédios de até 10 andares, com 20 unidades de diferentes donos. A ausência de reconhecimento jurídico-estatal dessa forma de ocupação domiciliar e de políticas públicas destinadas à aquisição de casa própria pelas camadas pobres, oferece motivação para a demanda por moradia, nem sempre sem envolver conflitos. Essa circunstância abre espaço para formas particulares de administração desses conflitos na própria comunidade. Embora a moradia seja direito social inscrito no art. 6º da Constituição Federal de 1988, a busca pelo “direito de morar” dá lugar ao “direito de laje”, categoria local que encerra objeto de meu estudo. A comunidade investigada conta com população aproximada de 80 mil habitantes e com cerca de 25.000 residências, grande número delas sobre “lajes”. PALAVRAS-CHAVES: DIREITO; LAJE; MORADIA ABSTRACT The present work destines to demonstrate the study directed for the called one “right of flagstone” in the Slum quarter of “Rio das Pedras”, in Rio de Janeiro. Such “right” is accepted in the community, and if it brings up to date when a primitive inhabitant sells to another person “ his rights” to construct housing on flagstone of its house. This “right” is admitted between the parts, even when the “contract” occurs in situations special, as of the primitive living future of the surface land, sells its “flagstone”, without having constructed his house or at least without the “flagstone” to be ready. In these cases, the salesman uses the value of the sell of his “flagstone”, to construct his house. For its time, the inhabitant of a “flagstone”, can sell the one that is in the covering of its Trabalho publicado nos Anais do XVII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em Brasília – DF nos dias 20, 21 e 22 de novembro de 2008.

DIREITO DE LAJE: O DIREITO NA VIDA E A VIDA NO DIREITO ... · direito de moradia foi inserido no elenco dos direitos sociais, ... Habitado por ex-soldados que participaram da Guerra

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DIREITO DE LAJE: O DIREITO NA VIDA E A VIDA NO DIREITO

“RIGHT OF FLAGSTONE”

Claudia Franco Correa

RESUMO

O presente trabalho destina demonstrar o estudo direcionado para o denominado “direito de laje” na Favela de Rio das Pedras, no Rio de Janeiro. Tal “direito” é aceito na comunidade, e se atualiza quando um morador primitivo vende à outra pessoa o “direito” de construir moradia sobre a laje de sua casa. Esse “direito” é admitido entre as partes, mesmo quando o “contrato” ocorre em situações especiais, como a do futuro morador primitivo do terreno de superfície, vender sua “laje”, sem ter construído sua casa ou sequer sem a “laje” estar pronta. Nesses casos, o vendedor usa o valor da venda de sua “laje”, para construir sua casa. Por sua vez, o morador de uma “laje”, pode vender a que fica na cobertura de sua moradia. Em Rio das Pedras, existem prédios de até 10 andares, com 20 unidades de diferentes donos. A ausência de reconhecimento jurídico-estatal dessa forma de ocupação domiciliar e de políticas públicas destinadas à aquisição de casa própria pelas camadas pobres, oferece motivação para a demanda por moradia, nem sempre sem envolver conflitos. Essa circunstância abre espaço para formas particulares de administração desses conflitos na própria comunidade. Embora a moradia seja direito social inscrito no art. 6º da Constituição Federal de 1988, a busca pelo “direito de morar” dá lugar ao “direito de laje”, categoria local que encerra objeto de meu estudo. A comunidade investigada conta com população aproximada de 80 mil habitantes e com cerca de 25.000 residências, grande número delas sobre “lajes”. PALAVRAS-CHAVES: DIREITO; LAJE; MORADIA

ABSTRACT

The present work destines to demonstrate the study directed for the called one “right of flagstone” in the Slum quarter of “Rio das Pedras”, in Rio de Janeiro. Such “right” is accepted in the community, and if it brings up to date when a primitive inhabitant sells to another person “ his rights” to construct housing on flagstone of its house. This “right” is admitted between the parts, even when the “contract” occurs in situations special, as of the primitive living future of the surface land, sells its “flagstone”, without having constructed his house or at least without the “flagstone” to be ready. In these cases, the salesman uses the value of the sell of his “flagstone”, to construct his house. For its time, the inhabitant of a “flagstone”, can sell the one that is in the covering of its

Trabalho publicado nos Anais do XVII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em Brasília – DF nos dias 20, 21 e 22 de novembro de 2008.

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housing. In “Rio das Pedras”, exists building of up to 10 floors, with 20 units of different owners. The absence of legal-state of this form of occupation domiciliary recognition and public politics destined to the acquisition of proper house for the poor people, offers motivation for the demand for housing, nor always without involving conflicts. This circumstance opens space for particular forms of administration of these conflicts in the proper community. Although the housing is right social enrolled in art. 6º of the Brazilian Federal Constitution of 1988, the search for the “right to live” of the place to the “flagstone right”, local category that locks up object of my study. The community investigated account with approach population of 80 a thousand inhabitants and with about 25.000 residences, great number of them on “flagstone”.

KEYWORDS: KEY WORDS: THE LAW, FLAGSTONE, HOUSING

I - O DIREITO A MORADIA COMO CATEGORIA CONSTITUCIONAL.

Embora a moradia seja direito social positivado no art. 6º da Constituição Federal de 1988, a busca pelo “direito de morar” dá lugar a inúmeras situações merecedoras de uma análise cientifica mais depurada.

Iniciando pelo próprio contexto normativo constitucional, pode-se observar que o direito de moradia foi inserido no elenco dos direitos sociais, como direito constitucional por força da emenda constitucional número 26, de 14 de fevereiro de 2000[1], que alterou a redação do art. 6º da Constituição Federal, que passou a ter a seguinte texto:

São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.[2]

A respectiva emenda amplia o rol dos direitos sociais na estrutura jurídica constitucional, ampliando, consequentemente, o vértice dos direitos e garantias fundamentais na normativa legal. O discurso jurídico, na esfera constitucional, tem como prática indicar que tais direitos seriam direitos fundamentais de segunda geração. Seriam direitos introduzidos no direito constitucional, em distintas formas de Estado Social, de modo especial, no século XX. Surge, desta forma, ao lado dos direitos culturais, econômicos e os direitos coletivos.

Dentro da esfera do discurso constitucional, destaco a posição de alguns autores renomados no cenário jurídico brasileiro que estruturam suas idéias a respeito dos direitos sociais, como por exemplo, Paulo Bonavides, quando interliga os direitos sociais a uma aplicação imediata, no mesmo compasso que os direitos da liberdade. Para o autor, os direitos sociais fazem nascer a concepção da importância de garantias

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institucionais[3], como forma de valorizar os direitos da liberdade, ou seja, seriam critérios objetivos de valores viabilizadores dos direitos da liberdade.[4]

Dentro dessa ordem de valores, essa categoria de direitos expressam valores objetivados na Constituição, abrangendo direitos prestacionais, também chamados de positivos, quanto os defensivos, denominados de negativos. Os direitos negativos estariam condicionados a uma não-intervenção na liberdade pessoal e nos bens fundamentais resguardados na Constituição, enquanto os prestacionais (positivos) comportam uma atitude concreta por parte do Estado instrumentalizando o acesso a direitos, também, garantidos na Constituição[5].

Aplicando tal pensamento no direito à moradia, como direito negativo, seria compreensível obstacularizar uma penhora, em execução de dívida, quando o imóvel fosse considerado bem de família, e positivo quando o Estado executa políticas públicas no sentido de assegurar o acesso à moradia aos seus cidadãos.

Ao falar em direitos prestacionais, cabe explicitar o pensamento do renomado constitucionalista Português J.J. Gomes Canotilho, que muito tem influenciado o pensamento de constitucionalistas brasileiros. Para o jurista os direitos a prestação significam, em sentido estrito, direito do particular a obter algo através do Estado (saúde, educação, segurança social). Pontuando que, se o particular tiver meios financeiros suficientes, ele poderá obter a satisfação das suas próprias “pretensões prestacionais” através do comércio privado[6], ou seja, os direitos sociais estariam condicionados, enquanto alcance, a uma gama de pessoas não dotadas de meios financeiros capazes de realizar as pretensões de conteúdo mínimo existencial, tanto que o autor acredita que os direitos sociais pressuporia “um tratamento preferencial para as pessoas que, em virtude de condições econômicas, físicas e sociais, não podem desfrutar destes direitos”. [7]

Acredita, ainda, CANOTILHO que os direitos sociais teriam o sentido de apontar para um dimensão da democracia econômica e social, seria a tendência de igualar todos os cidadãos no que é pertinente às prestações sociais, assegurando uma igual dignidade social em todos os aspectos, não se reduzindo apenas a questões previdenciárias e de assistência social, abrangeria, também, um conjunto de tarefas conformadoras que além de garantirem a dignidade social contribuiriam com uma igualdade real entre os cidadãos. [8]

Ao que parece é a formulação de categorias fundamentais de existência, em sede constitucional, para garantir, do ponto de vista normativo, condições mínimas materiais aqueles que, por condições diversas (ou por faltas delas) não estão possibilitados de produzirem, por si, tais elementos materiais, mínimos.

Em resumo, são direitos que necessitam, ativamente, da atuação do Estado para implementá-los, quer dizer, para executá-los concretamente, pois a mera estruturação normativa não induz a qualquer solução, e no caso do direito de moradia, a complexidade e a dificuldade de execução surge, de modo particular, com grandes percalços.

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Tais percalços são facilmente observados no espaço urbano, através da ocupação irregular , especificamente, em áreas ocupadas por população de baixa renda, o que aqui denominamos de “favelas”.

II - A OCUPAÇÃO IRREGULAR DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO

O problema ocupacional é antigo no Brasil, de modo especial, no Rio de Janeiro. Já na primeira década republicana encontramos dados que comprovam uma inequívoca e desastrosa falta de política pública capaz de administrar problemas sociais que estavam surgindo à época e que trariam, como uma das conseqüências mais sérias, a ocupação desordenada e sem estrutura cidadã.

Como o Rio de Janeiro, à época, era a capital econômica, política e cultural do país, todos os olhos estavam voltados para ele. As mudanças percebidas durante os últimos anos do Império e que culminaram na abolição da escravidão e na proclamação da República trouxeram, por óbvio, significativas mudanças no cenário da cidade. Talvez o Rio de janeiro seja o que mais tenha sofrido tais transformações[9].

A transformação de natureza demográfica foi a que mais se ressaltou, pois houve uma alteração da população em números significativos de habitantes, sem falar da composição étnica e a estrutura ocupacional. É sabido que com o fim da escravidão cresceu o número de desempregados e subempregados, pela quantitativa mão de obra lançada no mercado sem condições de absorvê-la. Um grande êxodo ocorre proveniente da região cafeeira do estado do Rio, associado ao processo de aumento da presença estrangeira, de modo especial, os portugueses[10]. Na primeira década da República a população quase dobrou. A cidade teve que absorver quase 200 mil novos habitantes na virada do século.

CRESCIMENTO ANUAL DA POPULAÇÃO DO RIO DE JANEIRO, 1872-1906

Período Crescimento anual (%)

1872 - 1880 - 3,84

1880 - 1890 - 4,54

1890 - 1900 - 3,23

1900 - 1906 - 2,91

Fonte: Anuário Estatístico do Brasil (1908-1912), v. I, p. XVIII. Citado por CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados, 2002, p.17

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Os problemas habitacionais são intensificados quantitativamente e qualitativamente. Grande parte das camadas populares, em conseqüência, vivia em condições bastante precárias. A “absoluta falta” de casas, já tinha sido objeto de observação , em 1892, pela Sociedade União dos Proprietários e Arrendatários de Prédios, atribuindo à imigração a responsabilidade do problema. [11]

A população menos favorecida, vítima principal do crescimento urbano desordenado, aglomerava-se em moradias populares no próprio centro, muitas delas habitações coletivas, nos subúrbios, vales, várzeas, mangues, escarpas de montanhas e morros. As primeiras áreas favelizadas já tinham se formado, nas últimas décadas do século XIX, nos morros do centro da cidade, sobretudo nos morros de Santo Antônio, Castelo e Providência. [12]

Importante informação traz Glória Kok a respeito:

No morro da Providência, situado na Gamboa, atrás da estação Central da Estrada de Ferro D. Pedro II (que, depois da proclamação da República, passaria a se chamar Estrada de Ferro Central do Brasil), cresceria aquela que muitos consideram a primeira favela do Rio de Janeiro: o morro da Favela, hoje conhecido apenas como morro da Providência. Habitado por ex-soldados que participaram da Guerra de Canudos, no sertão da Bahia, o morro ganhou este nome, segundo se acredita, em alusão ao alto da Favela, localidade existente na zona do conflito e assim chamada pelos moradores por causa de uma planta, o angico-vermelho-do-campo, conhecido na região também como favela, por dar uma vagem ou fava[13].

A formação de favelas foi, prima facie, uma solução imediata para a questão habitacional no Rio de Janeiro, e o que deveria ou poderia ser uma forma provisória passou com o tempo a ser uma forma de habitação completamente socializada no universo da cidade. Sem esquecer de mencionar que as moradias coletivas, denominadas de cortiços, também eram modalidades de residências para pessoas de baixa renda. Tal forma de ocupação foi alvo de perseguições estatais por serem consideradas foco de desordem social e de saúde. No inicio da república, a demolição de diversos cortiços, trouxe grande rebuliço na cidade, agravando a situação de precariedade habitacional.[14]

Já na década de 1920 o processo de favelização dá claros sinais da presença da pobreza na cidade, especialmente em áreas urbanas da zona sul e da zona norte, segundo Maria Lais Pereira da Silva, “isto foi favorecido tanto pela maior visibilidade físico-espacial das favelas como pela drástica redução de outras formas de moradia pobre, como os cortiços”.

Pensamento endossado por Rafael Soares Gonçalves, em seu trabalho A construção jurídica das favelas do Rio de Janeiro: das origens ao Código de obras de 1937:

A população favelada cresceu enormemente durante os anos de 1920, desencadeando um aumento generalizado das ocupações de terrenos, o que multiplicou as remoções em

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cumprimento a ordens judiciais de reintegração de posse. Apesar da violência das remoções os morros voltavam a ser ocupados. O rotariano Mattos Pimenta, representante dos interesses do emergente setor imobiliário, organizou uma campanha contra as favelas no final dos anos de 1920, dando ênfase à questão da estética e propondo a construção de casas populares, para que os habitantes das favelas pudessem ter acesso à propriedade privada. Estas medidas permitiriam impulsionar o setor de construção civil, assim como possibilitariam a remoção das favelas situadas nas áreas mais valorizadas da cidade[15].

A remoção das favelas sem qualquer plano de ocupação regular ou viabilização de política de aquisição de residências populares, só reforçou a movimentação das pessoas em outras favelas.

A partir daí nos deparamos com um elenco considerável de instrumentos públicos que visavam regularizar ou regulamentar a questão da moradia popular no Brasil, como por exemplo, a lei do inquilinato de 1942, as carteiras prediais dos Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs) na era Vargas, a Fundação da Casa Popular em 1946, como inúmeros instrumentos Municipais e Estaduais que objetivavam a instrumentalidade de planos de habitação.

Não podemos esquecer que com a destruição dos cortiços do cenário da cidade, os “Morros” se tornam alvo de alguns ataques, inclusive com aparato normativo que buscavam sua extinção. Tais ataques eram direcionados pelo poder público como de agentes privados por força da especulação imobiliária. Vale lembrar o conhecido caso do morro de São Carlos, na década de 30, quando Armênio Gonçalves, dito proprietário do morro, efetivou inúmeras investidas jurídicas ou por própria força, na tentativa de “recuperação” da área, não obtendo sucesso desejado.

Na proximidade do Estado Novo, surge o Decreto 6000 de 01 de julho de 1937, verdadeiro Código de Obras, onde pela primeira vez aparece no texto de uma lei o termo “favela”, além de oferecer uma definição legal para o referido termo empregado. A lei tem intuito claro: Todos os esforços devem ser direcionados para a extinção dessa modalidade de moradia.

Artigo 349: A formação de favelas (grifo nosso), isto é, de conglomerados de dois ou mais casebres regularmente dispostos ou em desordem, construídos com materiais improvisados e em desacordo com as disposições desde Decreto, não será absolutamente permitida.

§ 1° - Nas favelas existentes é absolutamente proibido levantar ou construir novos casebres, executar qualquer obra nos que existem ou fazer qualquer construção.

§ 2° – A prefeitura providenciará (...) por todos os meios ao seu alcance para impedir a formação de novas favelas ou para a ampliação e a execução de qualquer obra nas existentes, mandando proceder sumariamente à demolição dos novos casebres, daqueles em que for realizada qualquer obra e de qualquer construção que seja feita nas favelas. (grifo nosso)

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§ 3° - Verificada pelas Delegacias Fiscais ou pela Diretoria de Engenharia, a infração ao presente artigo, deverá o fato ser levado com urgência ao conhecimento da Diretoria de Engenharia que, depois de obtida a necessária autorização do Secretário Geral de Viação e Obras Públicas, mandará proceder à demolição sumária, independentemente de intimação e apenas mediante aviso prévio dado com 24 horas de antecedência.

§ 5° - Tratando-se de favela formada ou construída em terreno de propriedade particular, será o respectivo proprietário passível (...) da aplicação da multa correspondente à execução de obra sem licença e com desrespeito ao zoneamento. (grifo nosso)

§ 7° - Quando a prefeitura verificar que existe exploração de favela pela cobrança de aluguel de casebres ou pelo arrendamento ou aluguel do solo, as multas serão aplicadas em dobro . (grifo nosso)

§ 8° - A construção ou armação de casebres destinados à habitação, nos terrenos, pateos ou quintais dos prédios, fica sujeita às disposições deste artigo.

§ 9° - A Prefeitura providenciará como estabelece o Titulo IV do Capítulo deste Decreto para a extinção das favelas e a formação, para substituí-las, de núcleos de habitação de tipo mínimo.

A lei, desta forma, vai consolidar o parâmetro marginal das favelas, e por não dizer, contribuirá para legitimação da ausência do poder público na atuação de políticas públicas voltadas para esses espaços populares de moradia, consolidando a auto-organização dessas categorias de habitação pela ausência de investimentos públicos. Nesse aspecto, o Decreto 6000, ao reconhecer juridicamente as favelas impõe o tom de sua natureza; a sua ilegalidade. Assim, nos leva a concluir que o direito teve um papel central na consolidação da favela, como elemento ao mesmo tempo marginal e estrutural do espaço urbano carioca[16].

Não sabemos o que é pior: ser a favela uma lacuna jurídica ou ter uma categoria jurídica de ilegalidade. Seria a favela um problema ou uma solução?

O fato é que nas últimas pesquisas realizadas pelo Instituto Pereira Passos a cidade do Rio de Janeiro possui 160 Bairros[17]. 135 possuem favelas. No ano de 2005, 750 favelas foram cadastradas, tendo a seguinte distribuição por área:

a) Centro – 63

b) Zona Sul – 52

c) Zona norte – 312

d) Barra e Jacarepaguá – 150

e) Zona oeste - 173

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Das 750 favelas:

356 (47,47%) tiveram crescimento de área;

351 (46,80%) não alteraram suas áreas;

43 (5,73%) tiveram suas áreas reduzidas.

Dessas 43 favelas, cujas áreas se reduziram de 1999 para 2004, 25, ou seja, pouco mais da metade, foram beneficiadas por programas de urbanização da Prefeitura, tais como Favela-bairro, Bairrinho e Urbanização de Grandes Favelas.

As três Regiões Administrativas com maior área de favelas são:

1) Jacarepaguá

2) Bangu

3) Pavuna

As três Regiões Administrativas com maior crescimento de área:

1) Guaratiba

2) Barra da Tijuca

3) Santa Cruz

Os 10 bairros da Cidade do Rio de Janeiro com maior variação percentual de área de favela, ordenado pela variação% - entre 1999 e 2004.

Bairro Área m² Variação

1999 2004 Absoluta (m²) %

Guaratiba 1.311.824,6 1.610.075,3 298.250,7 22,7

Acari 480.114,5 553.341,5 73.227,1 15,3

Recreio dos Bandeirantes 466.819,5 522.082,3 55.262,8 11,8

Freguesia de Jacarepaguá 240.475,2 268.586,8 28.111,6 11,7

Galeão 371.220,0 412.083,5 40.863,5 11,

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Água Santa 47.665,1 52.626,6 4.961,5 10,4

Inhaúma 126.766,6 139.081,3 12.314,7 9,7

Del Castilho 71.286,6 78.167,9 6.881,2 9,7

Curicica 198.186,3 217.298,7 19.112,5 9,6

Santíssimo 425.903,0 462.734,5 36.831,6 8,7

Fonte: IPP/DIG - SABREN e Cartografia Digital

Os resultados apurados, através dos dados apresentados dizem respeito exclusivamente à expansão horizontal das favelas. Não foram abordados outros tipos de variação que certamente tornariam os resultados bem diferenciados: crescimento vertical (construção de novos andares) e o adensamento do lote (construção de novas edificações num mesmo lote já ocupado), ou seja, em termos de pesquisa ainda não temos dados efetivos do comportamento das favelas tomando por base o crescimento vertical. E esse ponto é extremamente importante. A busca pelo “direito de morar” dá lugar a inúmeras situações, situações essas que se assentam à margem das estruturas estatais, formando verdadeiras categorias locais.

III – DIREITO DE LAJE E A UTILIZAÇÃO DE TRABALHO DE CAMPO PARA A EXPLICITAÇÃO DE TAL CATEGORIA LOCAL.

Meu trabalho de campo vem sendo realizado na favela de Rios das Pedras, localizada entre os bairros de Jacarepaguá e da Barra da Tijuca, na cidade do Rio de Janeiro, e ocupa uma área aproximada de 530.381,0 m², com uma população estimada acima de 80 mil moradores[18]. Na atualidade essa favela inspirou o autor da novela "Duas Caras", exibida recentemente, em horário nobre da TV Globo, ficção agraciada com audiência de cerca de 40 milhões de brasileiros, segundo informa o autor da novela[19].

A pesquisa destina-se à elaboração de minha tese de doutorado em direito na Universidade Gama Filho, sob orientação da Dra. Maria Stella de Amorim e envolve abordagens que privilegiam o método antropológico e problemáticas de conteúdo sócio-jurídico.

A favela teve início no final dos anos sessenta e veio a fixar-se às margens do Rio das Pedras, aonde se instalou a primeira rua, denominada Rua Velha. Em entrevista concedida por um dos moradores mais antigos, foi possível perceber que a gênese da favela se deu lentamente, com poucas ocupações, como demonstra o relato a seguir:

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.. Naquela área quase não tinha casa, eram poucas, bem poucas, com luz fraca, distribuída por “bicos” de gambiarras presas em postes de varas de bambus, se ouvia grilo e a roupa era lavada no rio. Aos poucos foram chegando outras pessoas, durante muito tempo só tinha meia dúzia de gente morando. Ninguém queria morar aqui. Quando chovia, a lama subia no joelho. Hoje, nada lembra o início. Antes eu via a Barra da Tijuca da minha casa, hoje não enxergo nem a árvore do vizinho. Não sei mais o nome das pessoas é um entra e sai danado, gente de todo lugar. Antes eu sabia o nome de todo mundo, de cada um e da família toda.

Estes e outros relatos demonstram que entre os anos 60 e a atualidade, ocorreu um crescimento vertiginoso da favela, hoje considerada uma das maiores da cidade e também ganhou fama de ser a mais pacífica e bem organizada da região metropolitana do Rio de Janeiro.

O que mais populariza Rio das Pedras é o fato de nesta favela não ter prosperado o tráfico de drogas. Nela também não existe um esquema de segurança visível, com guardas de armas em punho, por exemplo. Ao percorrer suas vielas e ruas, nunca encontrei qualquer pessoa armada circulando ostensivamente. O controle político interno da comunidade conseguiu administrar o território com mão de ferro, através de um rigoroso controle sobre toda área, não só impedindo a invasão de grupos de outras favelas, bem como mantendo pacífica e segura a circulação dos moradores no espaço público da favela. (Burgos, 2004).

A construção de um ambiente de paz interna nos bairros da favela colabora sensivelmente para sua aceitação. Rio das Pedras se torna escolha preferencial de segmentos menos favorecidos da população que querem manter a família e criar os filhos em locais seguros. Tudo isso contribui para incrementar o crescimento da favela Rio das Pedras. Minha principal guia e informante de dados na favela veio das favelas do Vidigal e da Rocinha. Cansada de ter que negociar com traficantes para manter seu trabalho e seu direito de ir e vir (ela era gerente de um pequeno supermercado), impedida que era por incursões policiais e tiroteios nas favelas que antes morou, disse-me que tinha decidido “- .... morar em um lugar tranqüilo, onde pudesse criar os filhos com mais paz e sossego”.

Facilmente percebida é a grande presença de nordestinos em Rio das Pedras, a ponto de formarem um grupo com identidade própria, inclusive com amplo espaço residencial delimitado, exclusivo para cearenses, paraibanos e naturais de outros estados nordestinos, o que já foi registrado por Marcelo Burgos e outros autores da coletânea que organizou sobre Rio das Pedras (Burgos, 2004). Quase semanalmente chega a Rio das Pedras um ônibus levando e trazendo nordestinos. Segundo voz corrente na favela, mais da metade dos moradores (60% da população) é composta de nordestinos, em sua maioria, vindos da Paraíba e do Ceará.[20]

Em resumo, estas são algumas feições do campo que venho pesquisando lançando mão do método de observação, com a finalidade de investigar o “direito de laje” na comunidade de Rio das Pedras. O fato desta favela - analogamente a outras do Rio de Janeiro - ter arquitetado o formato de suas habitações em modalidade vertical, dentro de áreas sem infra-estrutura urbana e sem o uso das técnicas empregadas nas

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construções oficiais dos edifícios em zonas privilegiadas da metrópole, despertam interesse neste estudo. Destaque especial é concedido pela pesquisa a aspectos que podem contribuir para o acesso à moradia própria, um direito cidadão que, até então, não está plenamente ao alcance dos habitantes das favelas.

A limitação do direito à moradia, por sua vez, passa a restringir o acesso pleno a outros direitos da cidadania, como o direito de ir e vir, ou seja, de entrar e de sair de sua moradia e de circular em segurança pelo bairro; como o direito de levar seus conflitos aos tribunais (acesso à justiça e ao direito); como o acesso ao direito à educação e à saúde, entre outros direitos inerentes ao cidadão (Carvalho, 2002).

Uma das indagações que contamina a pesquisa é até que ponto a ausência histórica de políticas voltadas para a habitação de segmentos pouco favorecidos economicamente, associada a uma restrição cotidiana e indisponível de acesso às garantias, à direitos fundamentais e à direitos humanos, interferiram no enquistamento compacto do espaço urbano favelizado e o leva a assumir feição vertical. Rio das Pedras, por exemplo, possui quantidade apreciável de imóveis residenciais e comerciais sobrepostos, oferecendo uma visibilidade urbanística própria de uma urbe com suas particularidades, dentro da região metropolitana do Rio de Janeiro.

Além da visão particular da urbe, habitus próprios representados nas relações entre os moradores da comunidade (Bourdieu, 1990) e modus organizandi com que gerem relações e os conflitos internos, parecem indicar que, especialmente em Rio das Pedras, os moradores buscam um espaço público próprio aonde não se sentem excluídos, mas são parte dele, sonho que, se não é realizado em outras favelas, torna Rio das Pedras um exemplar do imaginário social da população dos favelados em geral.

Uma notável constatação é que os moradores de Rio das Pedras não reivindicam direitos – aliás, pobre brasileiro não reivindica nada[21], acostumou-se a submeter-se ao nada que lhe é oferecido – e, geralmente os discursos tidos como competentes, constantemente divulgados pela imprensa, denunciam a ausência do Estado no espaço público da favelas e nelas reclamam sua presença. Será que é isso que os favelados querem? Ou querem viver sem interferência alguma do Estado? Se nada reivindicam, será que querem mostrar que sobrevivem apesar do Estado? Será que ousam se auto-incluir no espaço social que constroem – a favela – como motivação para superar a falta de garantias e de proteção que o Estado nunca lhes concedeu? ______________________________________________________________________________________________________________

Independente destas e de outras respostas que possam ser obtidas pela pesquisa, as indagações envolvem situações reguladas, ou não, pelo ordenamento jurídico brasileiro, o que permite situar a pesquisa em um vértice aonde se encontram as realidades cotidianas da vida social e o campo do direito brasileiro. ,utras ssam aqui ser obtidas, ial que constroem moradores buscam um espaço pram a assumir feiço direito de ir e vir

IV – O DIREITO NA VIDA E A VIDA NO DIREITO.

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Além de advogada sou professora de Direito Civil, com alguns anos de experiência no magistério de IES do Rio de Janeiro. Tenho afinidade especial com assuntos relativos a direitos reais (direito das coisas), onde, dentre tantas questões pertinentes ao estudo jurídico da relação de apropriação de bens pela pessoa, costumo perceber formas de apropriação que ora a lei desconsidera - ou melhor, que a lei sequer menciona, tornando-se verdadeiras categorias de direitos não postos pelo ordenamento legal – e ora admite, quase implicitamente, no direito de propriedade tido como a mais singular forma de apropriação jurídica existente no complexo jurídico vigente em nosso país. Torna-se assim o direito de propriedade um direito que vem sofrendo mitigações, tendo seu campo minado no universo das formas de apropriação por variadas maneiras de se apropriar de bens.

Desse modo, o direito de propriedade posto, não se revela suficiente para abrigar as realidades que permitem a apropriação de tudo o que é possível se apropriar, ou de ser apropriado pelos homens. Como exemplos da limitação desse direito frente às muitas possibilidades de apropriação, menciono duas situações. A primeira se apóia na força jurisprudencial e normativa que o contrato de promessa de compra e venda vem recebendo. Quando o vendedor nega manifestar a sua vontade em celebrar o contrato definitivo de compra e venda, possibilita ao comprador ajuizar ação compulsória contra o vendedor. Nesse caso, o imóvel é adjudicado ao patrimônio do comprador, gerando, desta forma, uma verdadeira obrigação de concluir a transação prometida entre as partes. Se esta obrigação for descumprida, o Estado, através, da sentença judicial, compulsoriamente adere o imóvel ao nome do comprador. Esta forma é amparada tanto pela lei, como pela jurisprudência[22].

A segunda situação é ilustrada com o caso de uma transação não amparada pela lei, nem mesmo pela jurisprudência, tal como ocorre com o “direito de laje”, categoria envolvida na comercialização de espaço para moradia, que está acima da superfície, como meio indispensável à sobrevivência da população, de seus familiares e da participação na comunidade local.

Em uma das ocasiões em que ministrava aula sobre direitos reais, mencionei o "direito de laje" , tema que sempre motiva os alunos a discutirem-no, por lhes parecer um direito que está fora do Direito, mas dentro da vida. Com desenvoltura ímpar uma aluna me descreveu com detalhes, como a venda das lajes ocorria na favela de Rio das Pedras. Tratava-se de uma líder comunitária da favela, que decidira matricular-se na Faculdade de Direito. Começamos a trocar informações sobre a compra e venda de lajes e, um certo dia, recebo dela um convite para visitar a favela de Rio das Pedras, o que aceitei. Dessa visita resultou meu interesse em pesquisar a compra e venda de residências, sobretudo, as que envolviam o "direito de laje", categoria assim classificada nas representações da população local sobre as negociações das lajes de residências para novas moradias. Dispus-me então a compreender, a explicar e efetivamente a explorar a visão dos habitantes da comunidade sobre a moradia, particularmente sobre o “direito de laje".

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Minha intimidade com o trabalho de campo teve início quando realizava minha dissertação de mestrado, cujo tema versou sobre a desigualdade de tratamento social e, sobretudo jurídico, entre pessoas que mantinham relações homoafetivas e pessoas que mantinham relações heteroafetivas[23].

Tive que enfrentar o desafio de me aproximar das realidades da vida, compreendê-las e explicá-las em meus trabalhos, depois de praticar com absoluta freqüência e continuidade, atividades jurídicas, que detém estilos e tradição muito distintos das adotadas nas ciências humanas. Concedi preferência pelo uso do método de observação participante e do trabalho de campo, originários da Antropologia, por me parecerem procedimentos que mais me aproximavam das realidades que pretendia investigar. No meu caso houve uma laboriosa investida na perspectiva antropológica e meu interesse decorreu da possibilidade de dominar intelectualmente uma visão que me permitisse lidar com as especifidades do Direito, em grande parte baseadas em verdades reveladas, assumidas a priori e em abstrações normativas, como ocorreu em minha formação jurídica, e uma ciência que me permitisse ver a realidade tal que se passava nas relações estabelecidas entre as pessoas[24]. Mais do que isso, interessou-me conhecer a maneira como as pessoas representavam as relações que experimentavam nos cenários cotidianos de que participavam[25], muitos deles envolvendo conflitos.

Perceber a legitimação do saber em outras disciplinas sobre a realidade social, distintas do direito, levou-me a privilegiar a visão do jurisdicionado, do cidadão brasileiro. Com o trabalho de campo pude perceber que a realidade social é partilhada pelos atores e que estes fazem representações dela que estão ao alcance do observador. Já na formação jurídica aprende-se que quem fala são os intérpretes autorizados: "doutrinadores" que expõem suas idéias em manuais, cujas interpretações são deduzidas de proposições abstratas, e "magistrados", que para sentenciar sobre casos relatados nos autos, têm o poder de decidir livremente, conforme o seu próprio convencimento[26]

Obviamente, que qualquer “operador do direito”, que se disponha a olhar para as realidades sociais, antes de ver a lei, sempre enfrentará dificuldades na realização de pesquisas empíricas, pois elas são sui generis – como diria Durkheim – e, para o jurista, quase nunca partem de fatos, mas de postulados que os interpretam: princípios, doutrinas e leis, de que são deduzidas as "verdades jurídicas". O universo jurídico, apesar de ser constituído por um saber local (Geertz, 2006), no Brasil, tende a funcionar mais como um instrumento de regulamentação social apartado da realidade, onde ocorrem os conflitos. Nesse sentido, eles não são conhecidos, mas tipificados como delitos previstos em leis. Essa pode ser uma das causas de insucessos na administração dos conflitos pelos tribunais, o que seria sua função precípua e indispensável nas sociedades contemporâneas. Entretanto, o afastamento muitas vezes existente entre os tribunais, o direito e a sociedade, pode obstaculizar a da administração dos conflitos pelos tribunais, levando-os a devolvê-los para a sociedade[27]. Pode também levar o campo do direito a não abrigar conflitos que estão na realidade das sociedades e que merecem atenção especial[28].

Como ressalta Kant de Lima (Kant de Lima, 2008, p. 14):

A experiência antropológica ensina que o Direito é parte do controle social, que reprime mas pedagogicamente produz uma ordem social definida, embora freqüentemente desarmônica e conflituosa.

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Retomando a questão de minha inserção no universo da favela de Rio das Pedras, introduzida que fui por uma aluna moradora da referida favela, fui acompanhando seus passos firmemente amparados pela liderança local. Comecei a observar aspectos importantes e particulares da estrutura sócio-espacial, em especial a organização de moradias verticais lá instaladas, os conflitos daí resultantes, o modo como são localmente administrados, suas configurações não-estatais e como tal administração é reconhecida ou legitimada entre os moradores da favela.

Os conflitos decorrentes de acesso à moradia, por exemplo, são muitos e variados em Rio das Pedras. Aparecem com versões voltadas para o direito de construir moradias. Igualmente versões conflituosas são referidas à invasão ou ocupação de espaços considerados pelos moradores como "públicos", ou seja de uso da comunidade. Outras vezes tais espaços ocupados geram conflitos por serem considerados "privados", ou seja, de ocupantes que não puderam ainda construir suas casas, mas detém a "posse" do terreno, ainda sem uso. Além disso, estão presentes outros conflitos de vizinhança sobre construções que prejudiquem a ventilação e a luminosidade, em locais públicos ou privados. Desde logo, devo registrar que as regras de construção são locais, e, não guardam analogia com as normatizadas pela municipalidade, nem com os saberes consagrados na engenharia ou na arquitetura voltados para construção de habitações em áreas oficialmente urbanizadas, nas quais se paga o imposto territorial urbano ( IPTU).

Posicionando uma lente sobre o "direito de laje", foco principal do meu trabalho, ele envolve aspectos contratuais que merecem apreço. Seja pela compra da laje já existente, seja pela aquisição do espaço aéreo ( ainda sem a laje), que possibilitará uma construção futura. Isso quer dizer que em Rio das Pedras existe um mercado imobiliário especificamente voltado para conceder acesso à moradia (direito social cidadão legislado, como já foi dito) para segmentos menos favorecidos economicamente, mas nem sempre restrito a este segmento da população metropolitana do Rio de Janeiro.

O aviltamento salarial que nos últimos tempos vem sendo imposto aos brasileiros, não apenas afeta os mais pobres. Tem repercussões sobre parcela da classe média baixa e média, que nem consegue comprar imóvel, nem alugar moradia em áreas urbanizadas da cidade, onde sempre habitaram antes. Para essa parcela da classe média, a moradia em favelas é também uma opção. Em Rio das Pedras, por exemplo, existem moradores que dispõem de conforto em suas residências. Possuem fogões de modelos avançados, TV a cabo, ar condicionado, forno de micro-ondas, filhos matriculados em escolas particulares, pessoas matriculadas em cursos superiores. Enfim, estilo de vida e habitus de consumo próprios de classe média urbana.

As moradias verticais, construídas sobre lajes, trazem, dentre tantas questões, uma consciência de moradia específica, principalmente, do ponto de vista mercadológico. Após percorrer o espaço da urbe local e de conversar com moradores, percebi diferenças entre moradores que habitam sobre lajes e moradores da superfície, configurando estilos de vida e de comportamentos que expressam modos de ser e de viver distintos. É como se a hierarquia de espaços interferisse na posição social do morador na comunidade. Há também bairros considerados "melhores" e "piores", o que confere distinção social entre os moradores.

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A título de ilustração menciono a entrevista com uma moradora da Rua Velha. Ela reside em Rio das Pedras há mais de 30 anos. Seu primitivo barraco de madeira, virou um "castelo", pois hoje ela diz que não vende o espaço de sua edificação, por menos de R$100.000,00. Trata-se de um prédio edificado em aproximadamente 60 m², com alguns andares, onde estão quitinetes e um pequeno apartamento usado como moradia da "proprietária". O valor das benfeitorias realizadas na construção, lhe permite, segundo sua avaliação, "alugar bem" as quitinetes, inclusive porque a Rua Velha é um ponto considerado privilegiado, localizado no Centro de Rio das Pedras. Ainda segundo seu depoimento, a locação das quitinetes lhe rendem mensalmente R$ 2.400,00.

O crescimento vertical se socializou dentro do contexto da própria favela apoiado no “direito de laje”. Tal “direito” é aceito na comunidade, e se atualiza de diversas formas. A mais comum se dá quando um morador primitivo vende à outra pessoa o “direito” de construir moradia sobre a laje de sua casa. Esse “direito” é admitido entre as partes, mesmo quando o “contrato” ocorre em situações especiais, como a do futuro morador primitivo do terreno de superfície, vender sua “laje”, sem ter construído sua casa, ou seja, sem a “laje” estar feita.

Outra conseqüência que decorre do "direito de laje" seria a pluralidade de construções de unidades autônomas, edificadas sobre a laje do morador primitivo, como as quitinetes, que podem ser vendidas ou alugadas, como ocorre no caso da moradora mencionada no relato acima. Essa realidade imobiliária tem grande avanço na ocupação do espaço urbano nas favelas do Rio de Janeiro, manifestando-se, inclusive como uma forma de especulação e significativa circulação de capital nas comunidades. Em Rio das Pedras encontramos prédios de até 10 andares, com mais de 20 unidades, de diferentes “donos”.

No contexto legal brasileiro, em termos ortodoxos, não existe respaldo para essa forma de habitação e o "direito de laje" seria uma “esdruxularia jurídica”. Há, entretanto quem defenda a possibilidade de aplicação do direito de superfície ao “direito de laje”, por ser aquele um direito real sobre coisa alheia, podendo ser visto como um desdobramento do direito de propriedade, segundo o disposto no artigo 1369 do Código Civil Brasileiro e na Lei n. 10.257/01 (arts. 21 a 24). Porém, essa interpretação se caracteriza pelo afastamento do princípio jurídico que prega que "tudo que se edifica ou planta, adere ao solo" (usualmente citado como "omne quod solo inaedificatur, vel implantur solo cedit"), noção basilar do instituto do Direito Civil, conhecido como "acessão"[29].

O direito de superfície não seria aplicável ao "direito de laje", pois o respectivo "direito", só pode ser abrigado no âmbito do sistema legal brasileiro, quando há o direito de propriedade, o que não ocorre nos casos de compra e venda de “lajes”. Ainda mais que, na grande maioria das vezes, ou a construção sobre a laje foi edificada em terreno invadido e é objeto de posse, ou foi construída amparada em ato de concessão ou de autorização de uso celebrada pelo poder público, como acontece em de Rio das Pedras. Nesse caso, a edificação estaria construída sobre terras que são patrimônio do município, ou seja, seria edificada sobre um bem público.

No contexto do direito de superfície algumas legislações estrangeiras desenvolveram o direito de sobreelevação, como por exemplo, na Suíça, Itália e Portugal. Tal instituto prevê o direito de construir sobre edifício alheio, apresentando hibridismo entre a superfície e a propriedade horizontal[30]. A constituição desta modalidade de direito

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está condicionada às regras da superfície e às limitações da propriedade horizontal. Uma vez edificando no prédio, a situação desemboca por completo na propriedade horizontal. Por isso, que encontramos, nos países que possuem a sobreelevação, a possibilidade do construtor vender o prédio, com reserva do espaço aéreo, pela intenção de construir a posteriori. O que também não seria aplicável ao caso, pelas mesmas razões explicitadas anteriormente, quanto a inexistência do direito de propriedade formal.

Uma feição simbólica bastante distinta da econômica e da jurídica, não pode ser esquecida. Em Rio das Pedras, crescer, ganhar altura, permite dar visibilidade à existência simbólica da favela no panorama da metrópole, como expressão da comunidade sobre sua real existência. É como se ela estivesse dizendo: "- Estou aqui!"

Outra peculiaridade encontrada em Rio das Pedras é que a administração das demandas resultantes de tipos de moradia é feita pela Associação de Moradores, onde ocorre o registro de seus nomes, endereços e das "propriedades" que possuem. Na medida em que as aquisições imobiliárias são registradas, constituem “propriedades” de seus "donos". No modelo estatal, quando o registro oficial da escritura de compra e venda é levado ao Registro Geral de Imóveis (RGI), configura a aquisição do direito de propriedade e sua conseqüente transferência. De maneira análoga, em Rio das Pedras existe uma espécie de "cartório" que faz o registro dos contratos de compra e venda de terrenos de superfície e de lajes. [31]

Essa modalidade de registro de aquisição de propriedade é completamente legitimada na comunidade. Certa vez perguntei a um morador, que estava ansioso para registrar a aquisição de uma laje na Associação de Moradores, por que ele estava tão inquieto para ser atendido. A resposta foi rápida e concludente: “- Só é dono quem registra”.

As funções da Associação de Moradores de Rio das Pedras não se limitam apenas a reconhecer as "aquisições" de terrenos e de lajes, mas ela também assume papel judicializador nos conflitos que decorrem dessas aquisições. Segundo disse um funcionário da Associação de Moradores, ela aspira cada vez mais participar ativamente na mediação de conflitos, seja de moradia ou de outra natureza.

Minha pesquisa poderá contribuir para trazer à tona as questões envolvidas no "direito de laje", que apresentam novidades inusitadas a serem contempladas pelos juristas, meus colegas, e, quiçá possamos encontrar uma solução reconhecida legalmente para esse "direito" no ordenamento jurídico brasileiro. A sensação que tenho é de que não posso visar resultado favorável para esta intenção, apenas com meus conhecimentos jurídicos, porque eles correm o risco de ficar além dos limites do direito posto na atualidade brasileira. Decidi então lançar mão da Antropologia, que com seus métodos e com os avanços que tem acrescentado ao Direito, me conceda a graça de contribuir para a difusão lúcida emprestada de Clifford Geertz (2006), para despertar a sensibilidade jurídica daqueles que aceitem o desafio de permitir que todos os brasileiros possam ter o reconhecimento legal de suas moradias legítimas

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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[1] 12 anos após a promulgação da Constituição de 1988.

[2] Redação anterior a emenda n. 26/2000: “São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.

[3] O termo garantia constitucional aqui empregado, estrutura-se, basicamente, na concepção de Carl Schmitt, que ensejaria, segundo o autor, em dois lados: primeiro que a garantia tenha natureza constitucional, e segundo que tenha objeto específico, a saber, uma “instituição”.

[4] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 18ª edição. São Paulo. Malheiros Editores. 2006. P. 564-568.

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[5] SARLET, Ingo Wolfgang. Mínimo Existencial e Direito Privado: Apontamentos sobre algumas dimensões da possível eficácia dos Direitos Fundamentais Sociais no âmbito das Relações Jurídico-privada. Texto da Obra: A Constitucionalização do Direito. Organizadores: NETO, Cláudia Pereira de Souza e SARMENTO, Daniel. Rio de Janeiro. Editora Lumen Júris. 2007. P. 321- 354.

[6] CANOTILHO, Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª edição. Coimbra. Livraria Almedina. 2003. P. 408.

[7] CANOTILHO, Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª edição. Coimbra. Livraria Almedina. 2003. P. 348.

[8] CANOTILHO, Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª edição. Coimbra. Livraria Almedina. 2003. P. 349.

[9] CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi. São Paulo: Companhia das Letras. 1987. P. 16.

[10] CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi. São Paulo: Companhia das Letras. 1987. P. 16.

[11] CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi. São Paulo: Companhia das Letras. 1987. P. 18.

[12] KOK, Glória.Rio de Janeiro na época da Av. Central / Glória Kok. — São Paulo: Bei Comunicação, 2005. P. 28.

[13] [13] KOK, Glória.Rio de Janeiro na época da Av. Central / Glória Kok. — São Paulo: Bei Comunicação, 2005. P. 28.

[14] As medidas de caráter higienista e por não dizer segregador, reduziram consistentemente os cortiços no Rio de Janeiro.

[15] GONÇALVES, Rafael Soares. A construção jurídica das favelas do Rio de Janeiro: das origens ao Código de obras de 1937. Os Urbanistas: Revista de Antropologia Urbana. Ano 4, vol. 4, n. 5, fevereiro de 2007.

[16] GONÇALVES, Rafael Soares. A construção jurídica das favelas do Rio de Janeiro: das origens ao Código de obras de 1937. Os Urbanistas: Revista de Antropologia Urbana. Ano 4, vol. 4, n. 5, fevereiro de 2007.

[17] Todos os dados utilizados foram retirados da Coleção de estudo da cidade. Armazém de dados. Instituto Pereira Passos. 2006.

[18] O referido dado não é oficial, posto que o censo de 2000 confirma que, em Rio das Pedras, a população concentrava, à época, em torno de 39.862 moradores, contudo, através de uma fonte informal, a pessoa que administra o serviço conhecido no local como “gato net”, há cerca de 30 mil pontos de transmissão, considerando apenas os seus

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"clientes". Se cada habitação possuir em média 03 moradores, contabilizaria cerca de 90 mil moradores, desconsiderando os que não são usuários da à cabo, o que elevaria ainda mais a quantidade da população local.

[19] Entrevista do autor, Aguinaldo Silva, concedida à Maria Gabriela, no canal GNT, em 29/04/08.

[20] Informação colhida em arquivo de pesquisa realizada pelo Departamento de Sociologia e Política da PUC-Rio, em maio de 2000. Consulta realizada em setembro de 2007.

[21] Na atualidade, por exemplo, os únicos pobres que reivindicam são os "Sem Terra", que são mal vistos e denunciados como autores de práticas marginais ao Estado de Direito positivado no Brasil. O movimento deles apresenta zona fronteiriça com a questão da moradia, a diferença é que os "Sem Terra" fazem ocupação territorial ambulante de terras de propriedade alheia. Já os favelados não fazem nenhum movimento e, de fato, vão ocupando lentamente terras alheias e nelas se fixam. Estes são beneficiados ocasionalmente com leis, decretos ou regularização de suas moradias, ou seja, eventualmente vêem legitimada suas ocupações, enquanto os "Sem Terra" são visto e tratados como delinqüentes.

[22] Art. 1.418 do Código Civil Brasileiro – "O promitente comprador, titular de direito real, pode exigir do promitente vendedor, ou de terceiros, a quem os direitos deste forem cedidos e, se houver recusa, requerer ao juiz a adjudicação do imóvel".

[23] Realizei meu mestrado no PPGD-UGF, sob orientação do Professor Roberto Kant de Lima. Minha dissertação, O reconhecimento jurídico do afeto: a união de pares homoafetivos, foi apresentada ao PPGD-UGF/RJ em 2003.

[24] Lupetti (2007) faz valioso relato de sua experiência de usar método antropológico em estudos jurídicos.

[25] Alba Zaluar (1980) organizou coletânea que reúne excelentes textos sobre as vantagens da observação e da comparação em antropologia.

[26] Sobre as representações dos juízes acerca do princípio do livre convencimento motivado, ver Teixeira Mendes (2008).

[27] AMORIM ( 2006)

[28] Sobre conflitos não administrados pelo Direito e por tribunais ver Santos ( 1988)

[29] Segundo Ricardo Pereira Lira ( LIRA, R. C. P. . O Direito de Superfície e o Novo Código Civil. Revista Forense, v. 364, p. 267, 2003). "Acessão é a união física entre duas coisas, de matérias indissolúveis, um conjunto em que uma das partes, embora, possa ser reconhecível, não guarda autonomia, sendo subordinada, dependente do todo".

[30] ASCENSÃO, José Oliveira. Direitos Reais. 5ª edição. Coimbra Editora. 2000. P. 526.

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[31] Em 13 de agosto de 2006 houve um incêndio na Favela Rio das Pedras, consumindo cerca 500 moradias, alastrando-se por cerca de 3.500 m². Muitas vítimas desse acidente perderam todos os seus pertences, inclusive o imóvel. Porém, os atingidos podiam provar a perda do imóvel com o registro feito na Associação de Moradores sobre a transação de compra e venda realizada antes do incêndio.