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O DIREITO TRIBUTÁRIO ENTRE A FORMA E O CONTEÚDO Coordenação: PAULO DE BARROS CARVALHO Organização: PRISCILA DE SOUZA

O DIREITO TRIBUTÁRIO ENTRE A FORMA E O … - TSJ/TSJ - Seminário 7... · MARIA ÂNGELA LOPES PAULINO PADILHA ... Aliomar Baleeiro9 e Ricardo Lobo Torres10, ... Rocha Barros Sandoval

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O DIREITO TRIBUTÁRIO ENTREA FORMA E O CONTEÚDO

Coordenação: PAULO DE BARROS CARVALHO

Organização: PRISCILA DE SOUZA

CIP - BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE

SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ.

D476 O DIREITO TRIBUTÁRIO: Entre a forma e o conteúdo / Moreira, André Mendes [et al.]. – São Paulo : Noeses, 2014.

1170 p.

1. Direito Tributário. 2. Processo administrativo tributário.3. Tributação. 4. Presunção. 5. Regra-matriz de incidência tributária.6. Sanção tributária. I. Paulo de Barros Carvalho (Coordenador). II. Priscila de Souza (Organizadora).

CDU - 336.2

Dezembro de 2014

Todos os direitos reservados

Editora Noeses Ltda.

Tel/fax: 55 11 3666 6055www.editoranoeses.com.br

Copyright © 2014 By Editora NoesesProdução/arte/diagramação: Denise A. DearoCapa: Marcos DuarteRevisão: Priscila de SouzaCoordenação: Alessandra Arruda

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A RESPONSABILIDADE POR INFRAÇÕES DO ART. 136 DO CTN E A GRADUAÇÃO

DAS SANÇÕES

MARIA ÂNGELA LOPES PAULINO PADILHA

Mestre e Doutoranda em Direito Tributário pela PUC-SP, Professora do Curso de Especialização em

Direito Tributário do IBET/SP e Advogada.

1. A responsabilidade por infrações prevista no artigo 136 do Código Tributário Nacional

Como regra geral, para a responsabilização por infrações tributárias é irrelevante a intencionalidade do agente ou respon-sável na prática da conduta ilícita, bem como os efeitos danosos dela decorrentes, consoante preconiza o art. 136 do Código Tri-butário Nacional, in verbis:

Art. 136. Salvo disposição de lei em contrário, a responsabi-lidade por infrações da legislação tributária independe da intenção do agente ou do responsável e da efetividade, natu-reza e extensão dos efeitos do ato.

A hermenêutica do art. 136 traz a necessidade de escla-recer qual a amplitude semântica atribuída ao termo “inten-ção”, cuja definição poderá implicar conclusões díspares: de

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um lado, a interpretação pela responsabilidade objetiva, de outro, pela responsabilidade por infrações tributárias sub-jetiva.

Em linhas gerais, a responsabilidade objetiva indepen-de da culpa ou do dolo, sendo imputada quando comprovada a presença de três requisitos: a) conduta; b) resultado/dano; e c) nexo de causalidade entre conduta e resultado/dano. Enquanto que, na responsabilidade subjetiva, o elemento volitivo consiste em critério classificatório, de modo que se configurará, subjetivamente, a responsabilidade quando verificados os seguintes pressupostos: a) conduta; b) resul-tado/dano; c) nexo de causalidade entre conduta e resultado/dano; e d) dolo (intenção de praticar o fato contrário à lei e de produzir o resultado) ou culpa (negligência, imprudência ou imperícia).

Parte da doutrina entende que a expressão “indepen-de da intenção do agente ou do responsável” está a significar que a imputação da responsabilidade por infrações tributá-rias independe da vontade consciente de praticar a conduta (dolo), porém não afasta a culpa, de tal sorte que, se com-provado que o responsável ou agente não realizou atos ne-gligentes, imprudentes ou imperitos a influir no descumpri-mento da obrigação tributária, a infração restaria descarac-terizada e, por conseguinte, não haveria que se falar em responsabilidade.

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Acompanham este entendimento os saudosos Ruy Barbo-sa Nogueira1 e Fábio Fanucchi2, Luciano Amaro3, Alberto Xavier4

1. “[...] o que o art. 136, em combinação com o item III do art. 112, deixa claro é que para a matéria de autoria, imputabilidade ou punibilidade, somente é exigida a intenção ou dolo para os casos de infrações fiscais mais graves e para os quais o texto de lei tenha exigido esse requisito. Para os demais, isto é, não dolosas, é necessário e suficiente um dos três graus de culpa. De tudo isso decorre o princípio fundamental e universal, segundo o qual, se não houver dolo nem culpa, não existe infração da legislação tributária.” (NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de Direito Tributário. 14ª edição. São Paulo: Ed. Saraiva, 1995, p. 106/107)

2. “A impressão que eu tenho com o art. 136, do Código Tributário Nacional, é de que ele consagra a possibilidade de infrações tributárias por culpa. A intenção aí referida seria aquela vontade livre, consciente, dirigida no sentido do ilícito, portanto, seria a definição de dolo” (FANUCCHI, Fábio. Curso de Especialização em Direito Tributário – Aulas e Debates. In: ATALIBA, Geraldo; CARVALHO, Paulo de Barros – Coords. VI Curso de Especialização em Direito Tributário – Notas taquigráficas das aulas e debates. v. II. São Paulo, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 1975. São Paulo: Resenha Tributária, 1978, p. 728)

3. “[...] o dispositivo não diz que a responsabilidade por infrações independa de culpa. Ele diz que independe da intenção. Ora, intenção aqui significa vontade: eu quero lesar o Fisco. Eu quero ludibriar a arrecadação do tributo. Isto é intenção” (AMARO, Luciano. Infrações Tributárias. Artigo na Revista de Direito Tributário n. 67); ainda, “o preceito questionado diz, em verdade, que a responsabilidade não depende da intenção, o que torna (em princípio) irrelevante a presença de dolo (vontade consciente de adotar uma conduta ilícita), mas não afasta a discussão de culpa (em sentido estrito). Se ficar evidenciado que o indivíduo não quis descumprir a lei, e o eventual descumprimento se deveu a razões que escaparam a seu controle, a infração ficará descaracterizada, não cabendo, pois, falar-se em responsabilidade” (AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 13ª edição – São Paulo: Saraiva, p. 444-445)

4. “A primeira conclusão é, portanto, de que o art. 136, ao invés do que certas posições preconizaram, não consagra a responsabilidade objetiva, mas se trata ainda da expressão da responsabilidade subjetiva, embora o legislador tenha declarado a irrelevância do dolo.” (XAVIER, Alberto. Curso de Especialização em Direito Tributário – Aulas e Debates. In: ATALIBA, Geraldo; CARVALHO, Paulo de Barros – Coords. VI Curso de Especialização em Direito Tributário – Notas taquigráficas das aulas e debates. v. II. São Paulo, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 1975. São Paulo: Resenha Tributária, 1978, p. 730)

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e Hugo de Brito Machado5, segundo os quais a responsabilidade por infrações, como regra geral, pressupõe a culpa e, nos moldes do art. 136, somente a intenção consistente na vontade cons-ciente de lesionar o Fisco e de burlar a arrecadação e fiscaliza-ção tributárias, ou seja, a conduta dolosa não é, salvo disposição de lei em contrário, elemento do tipo tributário e, portanto, pressuposto para a imputabilidade.

Em corrente doutrinária divergente, à qual nos filiamos, temos Sacha Calmon Navarro, Ives Gandra da Silva Martins6, Paulo de Barros Carvalho7, Ângela Maria da Motta Pacheco8,

5. “O art. 136 do CTN não estabelece a responsabilidade objetiva em matéria de penalidades tributárias, mas a responsabilidade por culpa presumida. A diferença é simples. Na responsabilidade objetiva não se pode questionar a respeito da intenção do agente. Já na responsabilidade por culpa presumida tem-se que a responsabilidade independe da intenção apenas no sentido de que não há necessidade de se demonstrar a presença de dolo ou culpa, mas o interessado pode excluir a responsabilidade fazendo prova de que, além de não ter a intenção de infringir a norma, teve a intenção de obedecer a ela, o que não lhe foi possível fazer por causas superiores à sua vontade” (MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 26ª edição – São Paulo: Malheiros, 2005, p. 170).

6. Cf. MARTINS, Ives Gandra da Silva. Da Sanção Tributária. 2ª edição. São Paulo: Saraiva, 1998.

7. “Nota-se aqui (art. 136) uma declaração de princípio em favor da responsabilidade objetiva. Mas, como sua formulação não está em termos absolutos, a possibilidade de dispor em sentido contrário oferta espaço para que a autoridade legislativa construa as chamadas infrações subjetivas” (CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 22ª edição – São Paulo: Saraiva, 2010, p. 628)

8. “Entende-se que o simples descumprimento da obrigação principal ‘de dar’ ou da obrigação acessória ‘de fazer’ é suficiente para determinar a responsabilidade do contribuinte. Independentemente da sua intenção: pagar ou não pagar, escriturar ou não o livro fiscal. O fato objetivo – não pagamento – tipifica a infração. É a responsabilidade objetiva.” (PACHECO, Angela Maria da Motta. Sanções Tributárias e Sanções Penais Tributárias. São Paulo: Max Limonad, p. 236)

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Aliomar Baleeiro9 e Ricardo Lobo Torres10, para os quais o enunciado do art. 136, disciplinador que é das relações inter-subjetivas firmadas no âmbito do Direito Tributário, prescreve, como regra geral, que tanto a culpa como o dolo são prescindí-veis para a responsabilidade. Estende-se a interpretação do termo “intenção” a todo e qualquer aspecto da vontade, abar-cando, além do dolo, também a culpa manifestada pelas moda-lidades “imprudência”, “negligência” e “imperícia” e exigindo apenas o nexo de causalidade entre a conduta e o resultado, sem qualquer valoração subjetiva.

2. Fundamentos em favor da teoria da responsabilidade por infrações objetiva, estatuída como regra geral no art. 136 do CTN

A responsabilidade objetiva surgiu a partir da ideia do “homem social”, ou seja, aquele que tem responsabilidade na medida em que vive em sociedade, permitindo o ressarcimento da “vítima” por meio da adoção da teoria do risco. Alvino de Lima aponta os alicerces desta teoria:

[...] a teoria do risco, embora partindo do fato em si mesmo, para fixar a responsabilidade, tem raízes profundas nos mais elevados princípios de justiça e equidade. Ante a complexidade da vida moderna, que trouxe a multiplici-dade dos acidentes que se tornaram anônimos, na feliz expres-são de Josserand, a vítima passou a sentir uma insegurança

9. “a infração fiscal é formal. O legislador, além de não indagar da intenção do agente, salvo disposição de lei, também não se detém diante da natureza e extensão dos efeitos” (BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 1990, p. 493).

10. “Aderiu o CTN, em princípio, à teoria da objetividade da infração fiscal. Não importa, para a punição do agente, o elemento subjetivo do ilícito, isto é, se houve dolo ou culpa na prática de ato. Desimportante também que se constate o prejuízo da Fazenda Pública” (TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 5ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1998, p. 228).

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absoluta ante a impossibilidade de provar a culpa, em virtu-de de múltiplos fatores [...]11.

No campo do Direito Tributário, a aplicação da respon-sabilidade objetiva, excluindo o papel da vontade sob qualquer ótica, permite a socialização de eventual dano ao Erário de forma mais eficiente. Sua instituição se justifica em função da própria finalidade da arrecadação dos tributos, mormente a repartição pelos cidadãos dos custos do Estado. A imputação subjetiva não se mostraria suficiente ao atendimento dos an-seios do interesse público, revelando-se a de caráter objetivo a mais satisfatória diante da incerteza do Estado em receber os valores, tendo em conta a heterogeneidade da região material das condutas intersubjetivas, cuja massificação gradual é ine-rente ao período contemporâneo e servindo, ainda, a objetivi-dade como um instrumento de garantia da eficácia da norma primária tributária.

Outro ponto a ser analisado concerne à “culpabilidade”, compreendida pela dicotomia dolo e culpa e pressuposto de imputabilidade na esfera do Direito Penal, pois sem culpabili-dade, embora praticada a conduta ilícita e danosa, tem-se como inadmissível a irrogação de penas (nulla poena sine culpa). Não se pode perder de vista que a essência da culpabilidade, para fins de subjetivação da responsabilidade penal, está atrelada à pessoa humana e à sua consciência na prática da conduta.

Em contrapartida, essa ideia central de “culpabilidade”, ínsita à esfera criminal, faz-se inapropriada quando os comandos jurídicos se dirigem às pessoas jurídicas, cuja atuação é osten-siva e efetiva, principalmente, no campo dos tributos, figurando como verdadeiro sujeito passivo da relação jurídico-tributária. Com esse mesmo entendimento, conclui Aldo de Paula Júnior12,

11. LIMA, Alvino. Culpa e Risco. 2ª Ed. Revista e Atualizada pelo Prof. Ovídio Rocha Barros Sandoval. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 194-199.

12. JÚNIOR, Aldo de Paula. Responsabilidade por infrações tributárias. Dissertação de Mestrado da PUC/SP, 2007, p. 176.

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em excelente pesquisa científica sobre o tema: “a ideia de ‘culpabilidade’ do Direito Penal (liberal-individualista) não é suficiente para a realidade fáctica-jurídica das infrações ad-ministrativas”.

O Professor Sacha Calmon, em parecer publicado na Re-vista Dialética de Direito Tributário acerca do assunto, expõe as razões que vêm a corroborar o seu posicionamento no senti-do de que a infração fiscal, genericamente, materializa-se pelo simples descumprimento dos deveres tributários, não cabendo indagar se o sujeito passivo deixou de emitir uma fatura ou de pagar o tributo por dolo ou por culpa, sob pena de arruinar o próprio sistema de fiscalização e arrecadação dos tributos, es-truturado em prol do interesse público. O Professor quer, assim, demonstrar que o Direito Tributário Sancionador, em linhas gerais, é incompatível com a ideia de culpabilidade na forma como originalmente aplicada às penalidades penais, dada a essência da culpabilidade estar atrelada à consciência humana, o que, por certo, não condiz com a aplicação das normas tribu-tárias, cujos comandos se destinam, em grande parte, às pessoas jurídicas. Dada a qualidade argumentativa do seu raciocínio, suas razões merecem ser aqui relacionadas sinteticamente.

Segundo o ilustre jurista, “em princípio, a intenção do agente (melhor seria dizer do sujeito passivo) é irrelevante na tipificação do ilícito fiscal. E deve ser assim”, pelos seguin-tes motivos:

(i) o ilícito fiscal não se ramifica em doloso e culposo, “tam-pouco se valorizam, dentro do tipo, o erro de direito e o erro de fato”;

(ii) “se fosse permitido alegar a ignorância da lei fiscal, (...), estaria seriamente embaraçada a ação do Estado contra os sonegadores de tributos, e aberto o ‘periculum in mora’. Seria um pretexto elástico a favorecer certos ‘experts’ antes que um imperativo de justiça em favor de supostos homens de ‘bona fide’”;

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(iii)’“se o ilícito fiscal se baseasse exclusivamente na responsa-bilidade subjetiva, impossível seria transferir a multa a terceiros (sub-rogração passiva das penalidades). A punição não deveria, nesse caso, passar da pessoa do infrator, o que, em muitos casos, seria um verdadeiro absurdo”; e

(iv) “seria impossível apenar administrativamente as pessoas jurídicas, porquanto essas não possuem vontade, senão que são representadas por seus órgãos”13.

Complementando os fatores elucidados acima, mencione-mos aqui as preciosas colocações de Paulo de Barros Carvalho sobre o assunto:

A verdade é que todas as infrações que se consubstanciam no não recolhimento de um imposto de um tributo são todas elas objetivas. A administração não quer saber, na aplicação da lei, se o contribuinte não pode pagar, se não teve condições, se gastou no Jóquei Clube, ou se gastou em remédios, não quer saber! E há uma dose de razão nisso, porque realmen-te é um campo difícil de certificar. Quais seriam as razões que levariam o contribuinte a não cumprir sua obrigação na data aprazada? A verificação desse fato, eu diria até que é impossível. É impossível saber se ele agiu com culpa, ou não agiu com culpa14.

Ante as considerações delineadas podemos afirmar que são vários os fatores a influírem na atribuição da responsabili-dade por infrações objetiva, a título de regra geral, a partir de uma presunção juris et jure de culpabilidade, autorizando-se

13. COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Multas Fiscais. O art. 136 do CTN, a Responsabilidade Objetiva e suas Atenuações no Sistema de Direito Tributário Pátrio. Artigo publicado na Revista Dialética de Direito Tributário – RDDT n. 138, p. 123/131.

14. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Especialização em Direito Tributário (Aulas e Debates). In: ATALIBA, Geraldo; CARVALHO, Paulo de Barros (Coords). VI Curso de Especialização em Direito Tributário – Notas taquigráficas das aulas e debates. v. II. São Paulo, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 1975. São Paulo: Resenha Tributária, 1978, p. 732.

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atribuição de responsabilidade diante do simples ilícito objeti-vamente constatado.

3. A objetividade na constituição da infração e temperamentos na cominação da sanção.

Não obstante o art. 136 do CTN tenha consagrado a res-ponsabilidade objetiva por infrações tributárias, tal regramen-to poderá sofrer abrandamentos mediante recursos supletivos de interpretação da legislação tributária, até porque quando se fala em punição está se tratando da atuação concreta do poder sancionatório do Estado. Deveras, prescrever, no plano geral e abstrato, a responsabilidade objetiva por infrações, não impede, no nível individual e concreto, de levar em conta pe-culiaridades e circunstâncias do dado empírico, conferindo efetividade a outras normas jurídicas, especialmente aquelas de maior hierarquia.

A responsabilidade, por força do art. 136 do CTN, é obje-tiva na fase de constatação da infração, isto é, na tarefa de veri-ficar se a conduta transgressora de um dever tributário restou, materialmente, tipificada, subsumindo-se o evento ilícito ao fato infracional descrito na hipótese da norma primária sancionató-ria. Observada a legalidade e tipicidade na constituição do ilíci-to fiscal, tem-se, via de regra, como irrelevante a intenção (dolo ou culpa) do agente e o resultado danoso causado para a impo-sição das consequências jurídicas.

Contudo, referida objetividade não afeta, impreterivel-mente, a relação sancionatória, prescrita no consequente nor-mativo, cuja construção é passível de atenuações autorizadas pelo próprio ordenamento vigente, mediante a ponderação de valores envolvidos no caso concreto. Ultrapassado o momento da constituição objetiva da infração fiscal, parte-se para a graduação da sanção, fase em que é necessário considerar as peculiaridades do caso concreto, o devido processo legal em sua projeção subs-tantiva (princípio da proporcionalidade), a individualização das

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penas (art. 5, XLVI, CR/88) e a equidade (art. 108, IV, CTN) para a efetiva garantia do tratamento justo e isonômico na imposição de sanções, bem como a regra do in dubio pro reo, corolário do princípio constitucional da presunção de inocência (art. 5º, LIV, CR/88) e enunciado no art. 112 do CTN.

Reforçando nossas assertivas, vale a menção de um pre-cedente do Superior Tribunal de Justiça em que, apesar de configurada a infração tributária, o julgador se vale de outras normas jurídicas para aplicar a sanção fiscal:

TRIBUTÁRIO. (...). ART. 136 DO CTN C/C ART. 112 DO CTN. (...) 1. A responsabilidade do agente pelo descumprimento das obrigações tributárias principais ou acessórias, via de regra, é objetiva, na dicção do Código Tributário Nacional: “Art. 136. Salvo disposição de lei em contrário, a responsabilidade por infrações da legislação tributária independe da intenção do agente ou do responsável e da efetividade, natureza e extensão dos efeitos do ato.” 2. Deveras, a constatação objetiva da infra-ção tributária é matéria diversa da dosimetria da sanção. É que, na atividade de concreção, o magistrado há de pautar a sua conclusão iluminado pela regra de hermenêutica do artigo 112, do CTN, verbis: “Art. 112. A lei tributária que define infrações, ou lhe comina penalidades, interpreta-se da maneira mais fa-vorável ao acusado, em caso de dúvida quanto: I – à capitulação legal do fato; II – à natureza ou às circunstâncias materiais do fato, ou à natureza ou extensão dos seus efeitos; III – à autoria, imputabilidade, ou punibilidade; IV – à natureza da penalidade aplicável, ou à sua graduação.” (...) 11. Recurso especial despro-vido. (REsp 1095822/SC, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 16/12/2010, DJe 22/02/2011)

Não há de negar que, no campo das penalidades tributá-rias, o tratamento isonômico e justo torna-se mais efetivo quan-do se elenca, na lei, fatos distintivos que atendam às especifici-dades das hipóteses sujeitas à aplicação de penalidades, as quais, por sua vez, serão graduadas segundo essas especificidades. Achando-se, porém, os destinatários das normas jurídicas em situações distintas e ausentes, na norma geral e abstrata, critérios

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discriminatórios para disciplinar as particularidades fácticas do ilícito, vislumbra-se a importância do aplicador, na edição da norma individual e concreta, de graduar a sanção proporcional à infração praticada em prol da isonomia e da justiça, valendo-se, assim, daqueles instrumentos valorativos e principiológicos antes mencionados e ordenados pelo próprio Direito Positivo.

Sobre parte deles voltemos nossa atenção com o propósito de mostrar, em breves reflexões e em cotejo com a pragmática juris-prudencial, sua aplicabilidade no campo das sanções tributárias.

3.1. A individualização das “penas” e a equidade para a efetiva garantia do tratamento justo e isonômico na imposição das sanções tributárias

Corolários da igualdade e da justiça, os princípios da in-dividualização das penas e da equidade na aplicação das sanções fiscais funcionam como instrumentos normativos à disposição do aplicador do Direito, visando, justamente, a superar as falhas da lei e a amoldar o justo e o isonômico às especificidades do caso concreto; servem como complementos indispensáveis na realização desses sobrevalores.

A Constituição Federal consagra, dentre os direitos e ga-rantias fundamentais, o princípio da individualização das penas, no art. 5º, inciso XLVI. Mais bem desenvolvido nos escaninhos do Direito Penal, esse primado constitucional prescreve que todo aquele que comete um delito tem o direito de receber uma pena justa, não necessariamente aquela padronizada em lei, mas atenta às condições individualizadas do agente na prática do crime. Cuida-se de uma garantia contra a má elaboração da lei, impedindo que esta prevaleça imprimindo tratamento in-justo, desigual e desproporcional.

A individualização da pena alcança todas as esferas incum-bidas de aplicar a lei, ou seja, abrange os três poderes estatais: Legislativo, Executivo e Judiciário. Não obstante o enunciado axiológico em comento encontrar larga e histórica aplicação no

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Direito Penal, trata-se se de um princípio comum a todo exer-cício do poder repressivo-estatal, especialmente porque enun-ciado no texto constitucional.

Encaixando-se, perfeitamente, ao exposto, colacionamos entendimento jurisprudencial em que a dosimetria da sanção tributária partiu dos parâmetros constitucionais da individua-lização da pena:

CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. [...] 1. A Constituição da República consagra em seu artigo 5º, inciso XLVI, que a lei regulará a individualização da pena, de sorte que deve ser a sanção concretizada, sempre de acordo com as circunstâncias fáticas presentes na hipótese. 2. Hipótese em que o embarga-do chegou a pagar o imposto de renda devido, já que retido na fonte por sua empregadora, a qual, posteriormente, reco-mendou a inclusão das parcelas recebidas a título de “Indeni-zação de Horas Trabalhadas” como rendimentos isentos e não tributáveis. 3. Incorreu em erro também o órgão fazendário, que acatou a declaração retificadora feira pelo embargado, restituindo-lhe os valores retidos na fonte, a título de imposto de renda devido sobre a verba relativa à IHT. 4. É injusta, porque desproporcional à infração cometida, a aplicação da sanção cominada para a hipótese de falta de pagamento, no patamar de 75% do valor do tributo devido, já que se viu o contribuinte induzido em erro por sua empregadora, o qual, inclusive, foi corroborado pela própria Receita Federal, que lhe restituiu os valores retidos a título de imposto de renda. 5. Manutenção da multa moratória no percentual de 20% 6. Embargos infringentes a que se nega provimento15.

Mas não é só. Atendendo aos princípios da justiça e da iso-nomia, o próprio legislador tributário positivou a “equidade” no art. 108, inciso IV16, do Código Tributário Nacional, autorizando

15. BRASIL. Tribunal Regional Federal 5ª Região. Apelação Cível n. 339.545/RN. Relator: Desembargador Federal Rubens de Mendonça Canuto (Substi-tuto). Julgamento: 15 jul. 2009. Órgão Julgador: Pleno. Publicação: DJ, n. 143, 29 jul. 2009, p. 109 (grifos nossos).

16. “Art. 108. Na ausência de disposição expressa, a autoridade competente para aplicar a legislação tributária utilizará sucessivamente, na ordem indicada:

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o aplicador do direito, na ausência de previsão legal expressa, a valer-se do critério da equidade, cujo emprego não poderá resul-tar na redução de tributo.

A equidade nada mais é do que uma forma de justiça, flagra-da no momento da aplicação do Direito em face do caso concreto. A justiça nem sempre se realiza no plano estático-normativo, cumprindo a equidade o papel fundamental de conferir o efetivo tratamento justo, pois afinado às particularidades do dado empí-rico. A equidade é o momento dinâmico da justiça, é a justiça melhor empregada, garantindo um julgamento igualitário à luz das especificidades do caso apreciado, sem se ater simplesmente à letra fria da lei. “É o princípio da igualdade ajustada à especifi-cidade do caso concreto que legitima as normas de equidade17”. Vale dizer “a equidade consiste precisamente em restabelecer a lei nos pontos em que se enganou, em virtude de sua fórmula geral.”18

No tocante à aplicação da regra-matriz de incidência tri-butária, o recurso à equidade não assume grande relevância, uma vez que o seu emprego não pode resultar na dispensa do tributo devido (art. 108, §2º). Ademais, o exame da constitucio-nalidade e legalidade da relação entre o fato eleito pelo legisla-dor tributário para compor o antecedente da RMIT e o quantum de tributo devido não encontra muitos obstáculos no plano geral e abstrato das normas jurídicas. Desfecho diverso se dá com a aplicação das normas sancionatórias, uma vez que o con-sequente é dimensionado proporcionalmente à gravidade do ilícito, a qual poderá variar em função das particularidades do caso concreto.

IV – a equidade.§ 2º O emprego da equidade não poderá resultar na dispensa do pagamento de tributo devido.”

17. REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1976, p. 125.

18. TORRES, Ricardo Lobo. A equidade no Direito Tributário. In: PEIXOTO, Marcelo Magalhães; FERNANDES, Edison Carlos (Coords.). Tributação, Jus-tiça e Liberdade. Curitiba: Juruá Editora, 2005, p. 587.

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Sob o amparo da equidade, merecem atenção as peculia-ridades fácticas, refletindo no grau de gravidade atribuído ao ilícito e, consequentemente, influindo na mensuração das san-ções, por exemplo: (i) o efetivo prejuízo ao Erário; (ii) a presen-ça da má-fé (dolo)19; (iii) o momento da retificação das informa-ções e do pagamento do tributo devido20; (iv) caso fortuito ou força maior21; (v) a primariedade do sujeito passivo na ilicitude

19. “TRIBUTÁRIO. […] I – Apesar da norma tributária expressamente revelar ser objetiva a responsabilidade do contribuinte ao cometer um ilícito fiscal (art. 136 do CTN), sua hermenêutica admite temperamentos, tendo em vista que os arts. 108, IV e 112 do CTN permitem a aplicação da equidade e a interpretação da lei tributária segundo o princípio do in dubio pro contribuinte. Precedente: REsp n. 494.080/RJ, Rel. Min. TEORI ALBINO ZAVASCKI, DJ de 16/11/2004. II – In casu, o Colegiado a quo, além de expressamente haver reconhecido a boa-fé do contribuinte, sinalizou a inexistência de qualquer dano ao Erário ou mesmo de intenção de o provocar, perfazendo-se, assim, suporte fáctico-jurídi-co suficiente a se fazerem aplicar os temperamentos de interpretação da norma tributária antes referidos.” (BRASIL. Supremo Tribunal de Justiça. Recurso Especial 699700/RS. Relator: Min. Francisco Falcão. Julgamento: 21 jun. 2005. Órgão Julgador: Primeira Turma. Publicação: DJ, 03 out. 2005, p. 140).

20. Tal circunstância atenuante estava prevista no Regulamento da Previdên-cia (Decreto n. 3.048/99), no art. 291, segundo o qual constitui circunstância atenuante da penalidade aplicada ter o infrator corrigido a falta até o termo final do prazo para impugnação:“§1º. A multa será relevada se o infrator formular pedido e corrigir a falta, dentro do prazo de impugnação, ainda que não contestada a infração, desde que seja o infrator primário e não tenha ocorrido nenhuma circunstâncias agravante” (Revogado pelo Decreto n. 6.727, de 12 de janeiro de 2009).Corroborando nosso entendimento, vale a menção às palavras do Min. Joaquim Barbosa, proferidas nos autos do RE n. 640.452 RG/RO: “[...] Vale lembrar que a legislação tributária também costuma escalonar as multas de acordo com o mo-mento em que o contribuinte solver o débito. Trata-se de uma forma de estimular a antecipação do pagamento em relação a alguns marcos bem definidos, como o início do processo administrativo para homologação ou para o lançamento de ofício (denúncia espontânea), a constituição definitiva do crédito tributário ao final do processo administrativo regular, a inscrição em dívida ativa (cobrança amigável), o ajuizamento da execução fiscal etc.” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Re-curso Extraordinário n. 640.452/RO. Relator: Ministro Joaquim Barbosa. Julgamen-to: 06 out. 2011. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação: DJE 07 dez. 2011).

21. “[...] II – No caso, a embargante deixou de apresentar os documentos e livros contábeis relacionados com as contribuições previdenciárias à fiscali-

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ou reincidência22; (vi) a forma e o momento como se deu publi-cidade à norma prescritora do dever e da sanção pelo seu des-cumprimento, conjugada à complexidade dos deveres veiculados e ao nível de escolaridade do contribuinte ou à estrutura eco-nômico-organizacional da pessoa jurídica23, dentre outras24.

zação. III – Contudo, os documentos contábeis estavam com o ex-contador, que agiu criminosamente cometendo fraudes e extravios, sendo o mesmo proces-sado e condenado, o que configura força maior ou caso fortuito, motivo plena-mente justificável para descumprir a obrigação acessória. Portanto, a multa imposta é insubsistente [...]”. (BRASIL. Tribunal Regional Federal 3ª Região. Apelação Cível 1999.03.99.0990053. Relatora: Des. Cecília Mello. Julgamento: 30 nov. 2004. Órgão Julgador: Segunda Turma. Publicação: 28 jan. 2005).

22. TRIBUTÁRIO. [...] 2. Quanto ao valor da multa aplicada, de mister ressaltar que Corte regional, consoante o disposto no art. 11 da Lei Delegada n. 4/62, com as alterações introduzidas pela Lei n. 8.881/94, diminuiu-a com base na prova dos autos. Com efeito, para reduzi-la, considerou o faturamento mensal da empresa bem como a ausência de prova de reincidência em infração da mesma espécie. [...] (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 670.830/PE. Relator: Ministro Castro Meira. Julgamento: 25 out. 2005. Órgão Julgador: Segunda Turma. Publicação: DJ 14 nov. 2005, p. 259).Outros julgados: Id. Tribunal Regional Federal 3ª Região. Apelação Cível n. 2000.03.99.011180-3. Relator: Desembargadora Federal Ramza Tartuce. Julga-mento: 05 dez. 2005. Órgão Julgador: Quinta Turma. Publicação: 15 mar. 2006; Id. Tribunal Regional Federal 3ª Região. Apelação Cível n. 2008.03.99.046035-3. Relator: Desembargadora Federal REGINA COSTA. Julgamento: 26 fev. 2009. Órgão Julgador: Sexta Turma. Publicação: 16 mar. 2009; Id. Tribunal Regional Federal 5ª Região. AC315948/AL Processo 200280000010070. Relator: Desem-bargador Federal Hélio Sílvio Ourem Campos (convocado). Julgamento: 20 nov. 2003. Órgão Julgador: Primeira Turma. Publicação: DJ 19 mar. 2004.

23. “Daí porque o desconhecimento da norma violada deve ser considerado como circunstância atenuante, desde que demonstrada a boa-fé do contri-buinte e o caráter objetivo da ignorância (por exemplo, quando tratar-se de uma norma recém-editada ou à qual não se deu a necessária publicidade). O princípio da publicidade da atuação administrativa, com sede constitucional, impõe que se dê adequado conhecimento às normas administrativas que es-tabelecem deveres para os cidadãos” (DIAS, Eduardo Rocha; SIQUEIRA Natercia Sampaio. Sanções Administrativas Tributárias: uma tentativa de enquadramento constitucional. MACHADO, Hugo de Brito (Coord.). Sanções Administrativas Tributárias. São Paulo: Dialética, 2004, p. 127.

24. “Tributário. Obrigação acessória. Lei no 8.212/91, §5º, art. 32. Aplicação da multa. Proporcionalidade. Retificação das informações. […] In casu, o

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Salienta-se que a equidade e a segurança jurídica não estão situadas em polos diametralmente opostos. São, na ver-dade, complementares, pois é com a aplicação da justiça que se obtém maior segurança, mormente naquelas hipóteses em que a lei é falha. Nesse sentido, também se pronunciou o Ministro Joaquim Barbosa, quando reconheceu a repercussão geral sobre o “caráter confiscatório, desproporcional e irracional” das de-nominadas “multas isoladas”, aplicadas pelo desatendimento a deveres instrumentais: “Indagar acerca de quais são os parâ-metros constitucionais que orientam a atividade do legislador infraconstitucional na matéria representará, sem dúvidas, grande avanço de segurança jurídica25“. Daí advém a importân-cia de o legislador tributário buscar, cada vez mais no plano das normas gerais e abstratas, a individualização criteriosa das in-frações, cominando-lhes sanções a elas ajustadas. Percorrendo este caminho, exigir-se-á menos o recurso à equidade e maior será a conquista no campo da segurança jurídica.

3.2. O princípio da proporcionalidade: a projeção substantiva do devido processo legal

O princípio da proporcionalidade, cujo fundamento jurídi-co-positivo encontra-se no devido processo legal substantivo,

contribuinte apresentou posteriormente as GFIP’s com as informações reti-ficadas, motivo pelo qual incide o disposto no §1º do art. 291 do Decreto n. 3.048/99, devendo ser relevada a multa em relação aos meses de competência em que efetivamente foram sanados os vícios nas informações. O atraso de apenas dois dias após a apresentação da defesa administrativa para retificação das GFIP’s é plenamente justificável no presente caso, tendo em vista a gran-de quantidade de informações, além de não ter havido falta de recolhimento de contribuições para a previdência […]”. (BRASIL. Tribunal Regional Fede-ral 5ª Região. Apelação Cível 335586. Relator: Des. Fed. Marcelo Navarro. Julgamento: 02 out. 2007. Órgão Julgador: Primeira Turma. Publicação: 24 out. 2007).

25. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 640.452/RO. Relator: Ministro Joaquim Barbosa. Julgamento: 07 out. 2011. Órgão Julgador: Plenário. Publicação: DJE 06 dez. 2011.

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enunciado no art. 5º, LIV, da CF/88, almeja que nenhum ato estatal restrinja direitos de forma desproporcional, sujeito, por conseguinte, ao exame da adequação, da necessidade e da pro-porcionalidade em sentido estrito. Na cominação de sanções tributárias, a proporcionalidade impõe uma sanção adequada para promover a finalidade pretendida – prevenir e punir infra-ções –, e necessária para assegurar, eficazmente, o direito viola-do, sacrificando, ao menor custo, os bens jurídicos do sujeito passivo. E, ainda que a sanção seja adequada (compatibilidade entre meios e fins) e necessária (mais eficaz e menos onerosa dentre as possíveis alternativas), a sanção deve obedecer à pro-porcionalidade em sentido estrito, visto que as causas que deram ensejo à censura (a realização de um direito) devem ter relevân-cia suficiente para justificar a restrição do direito atingido, sob pena de a sanção restringir mais os direitos do que efetivamen-te promovê-los (ponderação entre as vantagens dos meios e as desvantagens dos fins).

No campo do Direito Sancionador, o simples exame do critério da adequação não se revela, em tese, suficiente. Partindo--se da premissa de que a sanção se caracteriza como uma respos-ta a uma violação à lei, sua instituição, independentemente da intensidade da medida, alcança ou pelo menos promove o fim almejado pela norma sancionatória, qual seja atuar preventiva e repressivamente contra os contribuintes infratores dos deveres tributários. Por outro lado, proceder à análise da necessidade, quando do controle da sanção considerada abusiva, pode bastar para aferir a (des)proporcionalidade da reprimenda. Ilustrando, a fixação de uma multa de mora à alíquota de 0,25%, ao dia, sobre o valor do tributo devido, atingindo seu limite máximo de 20% sobre o crédito tributário, em princípio, reconhece-se como ne-cessária, pois, cotejada a multa fiscal com outras medidas alter-nativas, não vislumbramos outras capazes de atingir o mesmo objetivo com menor intensidade. Por outro lado, uma multa qualificada (agravada) pelo mero inadimplemento do tributo, sem restar comprovado intuito doloso por parte do contribuinte, em-bora adequada, não cumpre o requisito da necessidade.

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As sanções políticas, por exemplo, constituem nítido exem-plo de sanções, cujo exame da proporcionalidade poderá exigir a apreciação dos três subprincípios, a fim de concluir pela sua inconstitucionalidade. Sem dúvida, a grande maioria das medi-das punitivas de cunho político é adequada e necessária, uma vez que promove o objetivo previsto pela norma sancionatória, consistente em evitar a prática de infrações tributárias e punir as já praticadas, bem como nenhuma outra sanção material alternativa possuiria tamanha eficácia sobre os contribuintes. Contudo, mediante o sopesamento racional que a proporciona-lidade em sentido estrito exige, verificar-se-á que a sanção política é desproporcional, porquanto, ponderando valores positivados no texto constitucional, não há como deixar de privilegiar o devido processo legal (adjetivo), a liberdade pro-fissional, a livre iniciativa e a propriedade privada, ainda que tal decisão venha a resultar em uma menor arrecadação tribu-tária. Nesse sentido, é a mestria da decisão proferida pelo Mi-nistro Celso de Mello:

[...] o Supremo Tribunal Federal, tendo presentes os postu-lados constitucionais que asseguram a livre prática de ativi-dades econômicas lícitas (CF, art. 170, parágrafo único), de um lado, e a liberdade de exercício profissional (CF, art. 5º, XIII), de outro – e considerando, ainda, que o Poder Público dispõe de meios legítimos que lhe permitem tornar efetivos os créditos tributários -, firmou orientação jurisprudencial, hoje consubstanciada em enunciados sumulares (Súmulas 70, 323 e 547), no sentido de que a imposição, pela autorida-de fiscal, de restrições de índole punitiva, quando motivada tal limitação pela mera inadimplência do contribuinte, reve-la-se contrária às liberdades públicas ora referidas [...]. É certo – consoante adverte a jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal – que não se reveste de natureza absoluta a liberdade de atividade empresarial, econômica ou profissional, eis que inexistem, em nosso sistema jurídico, direitos e garantias impregnados de caráter absoluto [...]. A circunstância de não se revelarem absolutos os direitos e garantias individuais proclamados no texto constitucional não significa que a Administração Tributária possa frustrar

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o exercício da atividade empresarial ou profissional do con-tribuinte, impondo-lhe exigências gravosas, que, não obstan-te as prerrogativas extraordinárias que (já) garantem o cré-dito tributário, visem, em última análise, a constranger o devedor a satisfazer débitos fiscais que sobre ele incidam. [...] o Estado não pode valer-se de meios indiretos de coerção, convertendo-os em instrumentos de acertamento da relação tributária, para, em função deles – e mediante interdição ou grave restrição ao exercício da atividade empresarial, eco-nômica ou profissional – constranger o contribuinte a adim-plir obrigações fiscais eventualmente em atraso26.

O princípio da proporcionalidade, portanto, figura como um mecanismo extremamente útil de controle à fixação e im-posição de sanções. Ainda que o ius puniendi sirva para reprimir ilicitudes, a violação de um direito não justifica a estipulação de uma sanção arbitrária, pois esta deve ser adequada para o al-cance das finalidades normativas e necessária enquanto meio eficaz e menos oneroso, dentre outros de igual eficiência. Ade-mais, o resultado por ela obtido deve justificar, na justa medida, a restrição do direito, atendendo à proporcionalidade em seu sentido estrito. Os dois últimos subprincípios da proporcionali-dade assumem relevante papel na imposição de sanções de forma individualizada, segundo as condições específicas do caso concreto. Deveras, a sua dosimetria de forma proporcional à gravidade do ilícito é condição sine qua non de sua legitimidade. Não é por outro motivo que o legislador federal vedou a imposição de sanções desproporcionais à infração cometida, nos moldes do que dispõe o art. 2º, parágrafo único, inciso VI, da Lei n. 9.784/9927.

26. RE 374981, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, julgado em 28/03/2005, publicado em DJ 08/04/2005.

27. “Art. 2º A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, mora-lidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de:

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3.3. Os princípios da presunção de inocência e do in dubio pro reo

O princípio da presunção de inocência, esculpido no art. 5º, inciso LIV, da Constituição da República prescreve que “nin-guém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”. Trata-se de postulado fundamen-tal que preside toda a extensão do exercício da potestade puni-tiva do Estado28, inerente ao Estado Democrático de Direito e originário das ideias iluministas que pregavam ser preferível a absolvição de um culpado à condenação de um inocente.

Basicamente, esse princípio, ajustado à seara do Direito Tributário, determina que todo contribuinte ao qual o Fisco imputou a prática de um ilícito, lavrando o competente auto de infração, presume-se inocente até que comprovada, definitiva-mente, a ilicitude, afastando-se, com isso, qualquer prejulga-mento. A aplicabilidade desse princípio está relacionada, inti-mamente, à observância do devido processo legal que impõe, além de um provimento justo, garantias processuais com igual-dade de condições às partes, possibilitando ao suposto infrator impugnar as pretensões fazendárias, produzir provas em seu favor, bem como se valer dos meios e recursos intrínsecos ao processo. A diretriz básica do princípio da presunção de inocên-cia é a de que a mera condição de acusado não autoriza a impo-sição de sanções, já que, ao final do processo, o suposto infrator poderá infirmar a conduta ilícita, cuja prática lhe foi imputada.

VI – adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendi-mento do interesse público; […]”.

28. Na esteira do nosso pensamento, conclui Paulo Roberto Coimbra Silva pela presença do princípio da presunção de inocência em qualquer ato estatal jurídico-repressivo: “Como princípio basilar retentor das potestades punitivas do Estado, em nenhum sentido justifica-se a restrição de sua abrangência ao processo penal, máxime ao se considerar que as sanções punitivas não são exclusivamente penais; ou seja, a repressão não é uma peculiaridade do Di-reito Penal, podendo manifestar-se nos mais diversos ramos jurídicos, mor-mente no tributário”. (SILVA, Paulo Roberto Coimbra. Direito Tributário Sancionador. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 340).

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Posto que o princípio da presunção de inocência seja per-meável a qualquer exercício da potestade punitiva do Estado, sua aplicação deve ser conformada à própria natureza da relação intersubjetiva sobre a qual irá influir, especialmente no Direito Tributário, cuja atividade administrativa obedece a procedimen-tos e regras próprias. Genericamente, a presunção de inocência faz recair o ônus da prova sobre a parte acusatória, assim o é no Direito Penal, como também no Direito Tributário. Porém, en-quanto naquele o encargo probatório compreende comprovar a materialidade e a culpabilidade da conduta, na seara fiscal não cabe à autoridade fazendária, salvo previsão em lei contrária, comprovar a presença de elementos subjetivos na conduta ilí-cita praticada pelo contribuinte, sendo suficiente ao agente competente demonstrar, por meio da linguagem das provas, os elementos materiais e objetivos da infração tributária, cuja au-sência incumbe ao contribuinte acusado provar.

Complementando o princípio da presunção de inocência, desponta o princípio in dubio pro reo, uma vez que, quando a Cons-tituição erigiu a presunção de inocência à garantia constitucional, concedeu ao acusado o benefício da dúvida. Não é por outra razão que o legislador tributário no art. 112 do CTN, com base no precei-to constitucional, também favoreceu o contribuinte em caso de dúvida na interpretação e aplicação da norma primária sanciona-tória, conforme bem lembrado por Hector Villegas:

Seguimos caminho e observamos outro grande princípio in dubio pro reo, se diz em direito penal. Em direito penal tributário in dubio pro infractore. E o que se quer dizer com isto? Que todos os problemas de interpretação de dúvidas, que surjam, devem ser resolvidos a favor do transgressor. O Código Tributário Na-cional, em uma disposição que creio correta, o artigo 112, diz que as dúvidas sobre a materialidade do fato, sobre a imputabilidade, punibilidade, natureza e efeitos da pena quer dizer se rugir dú-vidas na interpretação, ela será favorável ao infrator.29

29. VILLEGAS, Hector. Curso de Especialização em Direito Tributário (Aulas e Debates). In: ATALIBA, Geraldo; CARVALHO, Paulo de Barros. VI Curso

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Do enunciado do artigo 112, interessa-nos a prescrição do caput combinado com o inciso IV, que põe em foco a aplicação e graduação das penalidades:

Art. 112. A lei tributária que define infrações, ou lhe comina penalidades, interpreta-se da maneira mais favorável ao acusado, em caso de dúvida quanto:

[...]

IV – à natureza da penalidade aplicável, ou à sua graduação.

Aferimos da primeira parte do inciso IV que, diante da dúvida quanto à natureza da penalidade cabível, vale dizer, se o julgador questiona-se, dentre as penalidades dispostas na lei, qual seria a prevista para a infração materializada, deverá apli-car a menos severa. A segunda parte do referido inciso autoriza o aplicador, atento à individualidade dos fatos, a graduar a san-ção em favor do infrator caso não esteja convencido de que a sanção cominada na lei tributária esteja graduada de forma proporcional à gravidade do ilícito praticado. É nesse contexto que deve ser compreendido o art. 112, IV, do CTN, pois, assim, harmonizado com os princípios constitucionais.

Deveras, se há dúvida acerca da sanção cabível e da sua graduação, a incerteza sobre a aplicação da norma geral e abs-trata sobre o caso concreto impede sua interpretação em pre-juízo ao contribuinte, pelo contrário, impõe a construção da norma individual e concreta sancionatória que lhe é mais favo-rável, adaptada às circunstâncias objetivas e subjetivas do caso concreto.

de Especialização em Direito Tributário – Notas taquigráficas das aulas e de-bates. v. II. São Paulo, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 1975. São Paulo: Resenha Tributária, 1978, p. 709.