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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS PROGRAMA DE MESTRADO EM HISTÓRIA DO BRASIL DANIEL VASCONCELOS SOLON O ECO DOS ALTO-FALANTES: Memória das amplificadoras e sociabilidades na Teresina de meados do século XX TERESINA-PIAUÍ 2006

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS

PROGRAMA DE MESTRADO EM HISTÓRIA DO BRASIL

DANIEL VASCONCELOS SOLON

O ECO DOS ALTO-FALANTES: Memória das amplificadoras e sociabilidades

na Teresina de meados do século XX

TERESINA-PIAUÍ 2006

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INTRODUÇÃO

Julho de 1944. O mundo vivia a II Grande Guerra. Os pracinhas da Força

Expedicionária Brasileira (FEB) chegavam à Europa. Era através das ondas do rádio que o

Brasil ficava sabendo, com mais rapidez, dos principais acontecimentos em torno do conflito

mundial. Em Teresina, no entanto, não havia ainda uma emissora de rádio1. E como os

aparelhos receptores eram artigos de luxo – e, portanto, inacessíveis para a grande maioria da

população2 – era comum parte da população ir até a praça Rio Branco durante o horário

comercial para se inteirar de notícias sobre a guerra, política e outros assuntos através das

rodas de conversa, leitura de jornais – de periodicidade semanal – e dos serviços de alto-

falantes existentes na cidade.

Também conhecidos por amplificadoras, os serviços de som chegavam a outras

praças e ruas do centro de Teresina, através de cornetas e bocas de alto-falantes instalados no

topo de postes e galhos de árvores. Além de darem notícias captadas pelas emissoras de

outros Estados, as amplificadoras do centro de Teresina divulgavam os lançamentos musicais,

principalmente os sucessos dos artistas projetados pela Rádio Nacional do Rio de Janeiro,

além de fazerem a propaganda dos produtos vendidos no comércio.3

À noite, a praça Pedro II passava a ser ponto de encontro da juventude

teresinense, de todas as classes sociais. Atendendo a pedidos, o locutor da amplificadora que

ali funcionava mandava mensagens românticas às moçoilas, às quais eram oferecidas músicas,

mediante pagamento.

Março de 1952. Os jornais de Teresina – a “cidade do barulho” – noticiavam os

preparativos para a festa do centenário da capital piauiense. Apesar do clima festivo de artigos

e matérias nas páginas dos periódicos, no centro da cidade, nas praças Rio Branco e Pedro II,

comentava-se sobre a crise financeira pela qual passava o Estado, com o declínio do

extrativismo4, e trazia um forte discurso de ordenação do espaço urbano e de um novo e

necessário comportamento para o cidadão, onde tradições foram questionadas.

1 A primeira delas, a Rádio Difusora de Teresina, só viria a funcionar quatro anos mais tarde. 2 Das 179.143 unidades prediais e domiciliárias piauienses de 1940, apenas 878 possuíam aparelhos de rádio receptores. Cf. IBGE. Recenseamento Geral do Brasil (1º de setembro de 1940) – Série Regional, Parte V – Piauí. Rio de Janeiro: Serviço Gráfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 1952. 3 A utilização de alto-falantes em logradouros públicos para propaganda e divulgação de músicas em Teresina, no entanto, vem ainda do final da década de 30 do século passado. Cf. NASCIMENTO, Francisco Alcides do. História e Memória da Rádio Pioneira de Teresina. Teresina: Alínea Publicações Editora, 2004. 4 MENDES, Felipe. Economia e Desenvolvimento do Piauí. Teresina: Fundação Monsenhor Chaves, 2003.

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Junho de 2005. Entre hippies, vendedores de frutas, engraxates e transeuntes,

camelôs da praça Rio Branco – a mais movimentada do centro de Teresina – oferecem os

últimos lançamentos da indústria fonográfica em CDs e DVDs “piratas”5, com preços bem

abaixo dos estampados nas lojas convencionais. Nas barracas vizinhas do calçadão, também

são oferecidos radinhos de pilha made in China, ou diretamente do Paraguai, pagando-se

menos que uma coca-cola e um sanduíche “Big-Mac”.

Ainda em junho de 2005, uma nota6 de jornal denuncia que a Lei do Silêncio não

está sendo respeitada no centro da capital piauiense. O ambiente é dos mais ruidosos. Clientes

testam rádios, mudando de faixas e sintonizando FMs comunitárias. Outros verificam o

conteúdo do CD pirata da novela das oito, enquanto alguns formam uma roda para assistir, no

centro da praça, a uma apresentação de grupo musical peruano, que vende ali mesmo as

cópias do compact disc gravado em um estúdio do subúrbio de Teresina. A 15 metros dali, um

homem de bíblia na mão faz pregações sozinho, no meio da praça, com microfone e uma

caixa de som portátil. O pastor acordou às seis da manhã, com o início da irradiação matinal

da amplificadora que funciona no meio da praça do bairro Promorar, zona Sul, onde mora.

As imagens e os cenários descritos até aqui têm a intenção de mostrar que as

amplificadoras de Teresina fazem parte da história da Comunicação Social do Piauí,

acentuadamente durante as últimas sete décadas. No início do século XXI, mesmo com a

massificação dos aparelhos receptores de rádio e televisão, bem como com o processo de

popularização da Internet, os serviços de alto-falante ainda resistem em alguns bairros da

periferia de Teresina. Algumas das amplificadoras se tornaram embriões da luta pela

democratização dos meios de comunicação, como o movimento pró-legalização das rádios

comunitárias, nas décadas de 80 e 90 do século passado.7 Ainda no início da década de 80,

foram utilizadas para reforçar a luta do movimento comunitário contra a carestia e pró-

redemocratização.

As “rádios amplificadoras”8 em Teresina e as sociabilidades em torno dos alto-

falantes são o objeto de estudo desta dissertação. O recorte temporal cobre o período

compreendido entre o final da década de 1930, momento no qual se nota a presença das

5 Como são popularmente conhecidos os CDs copiados sem o pagamento de impostos e direitos autorais. 6 MEIO Norte, Teresina, 9 jun 2005, nº 3.806, p. B/2. 7 PERUZZO, Cicília. Participação nas Rádios Comunitárias no Brasil. Artigo apresentado no GT Cultura e

Comunicação Popular, XXI Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, Recife-PE, 9 a 14 de setembro de 1998. (Disponível em www.bocc.ubi.pt). Último acesso em março de 2004. 8 Utiliza-se, neste trabalho, o termo “rádio amplificadora”, pelo fato dos primeiros serviços de alto-falantes de Teresina assim se auto-denominarem, como veremos no primeiro capítulo desta dissertação.

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primeiras amplificadoras de Teresina, e o início da década de 1960, quando é inaugurada a

Rádio Pioneira de Teresina.

Mapear onde existiam, descrever como funcionavam, e perceber como os serviços

de alto-falantes eram consumidos por seus públicos são alguns dos objetivos desta pesquisa.

Trazer à tona o eco dos alto-falantes, bem como suas memórias – mostrando os conflitos,

disputas e interesses que legitimaram a retirada das amplificadoras da zona central da cidade e

a consolidação da radiofonia no Piauí e sua utilização no Estado – é outra tarefa deste

trabalho.

Este estudo também aborda o “êxodo” pós-52 das amplificadoras do centro de

Teresina para a periferia da capital, destacando rupturas e continuidades nos serviços de alto-

falantes até os anos 60, ao mesmo tempo em que são relatadas algumas transformações

espaciais ocorridas na cidade. A pesquisa aborda ainda as diferentes utilizações das

amplificadoras, seja como meio de propagação e venda de idéias, valores, instrumento de

interação social e de formação profissional de homens e mulheres que atuam/atuaram no

radialismo local.

As amplificadoras enquanto objeto de estudo não poderiam ser analisadas de

forma isolada, uma vez que elas, como meios de comunicação, só existiam se imaginadas e

operadas no espaço público. As praças e ruas, do centro da cidade e da periferia, foram o “ar”

necessário para que os serviços de alto-falantes sobrevivessem e tivessem sentido de existir.

Por isso, esta pesquisa não se esquivou da tarefa de discutir como os espaços sociais em torno

das amplificadoras eram praticados, apropriados, usados, consumidos e re-significados em

cada época9.

Este estudo procurou ver as amplificadoras como um meio através do qual

emissores e destinatários se conectavam e fundavam, cotidianamente, novas sociabilidades.

Procurou vê-las ainda como instrumentos através dos quais ouvintes e emissores se sentiam

pertencendo a um “lugar”.10

Esta dissertação é um olhar sobre o lugar das amplificadoras na memória de

Teresina, sendo necessário, portanto, levantar algumas questões, tais como: quais foram as

principais “emissoras” alto-falantes de Teresina? Quem as fazia? Quem as financiava? Onde

se localizavam? Que programação ofereciam? Que notícias e opiniões circulavam nos jornais

da época sobre os alto-falantes? O que dizia a lei que expulsou as amplificadoras do centro de

9 CERTEAU, Michel de. Práticas de espaço. In: A invenção do cotidiano – artes do fazer. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994, p.167-217. 10 Id. Ibid.

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Teresina e qual a relação desta lei com a disputa por anúncios com a Rádio Difusora? Que

interesses materiais ou de outra natureza estiveram implicados na aprovação da lei? Como os

serviços de alto-falantes passaram a se comportar na periferia? Que memórias restam destas

experiências?

Para se realizar esta pesquisa, a partir do uso da metodologia/técnica da História

Oral, foi feita uma “visita” à memória de sujeitos que trabalhavam nas amplificadoras e na

Rádio Difusora nas décadas de 40, 50 e 60, em Teresina. Foram também visitadas as

lembranças de pessoas que poderiam ser chamadas de público receptor das amplificadoras,

seja no centro, seja na periferia.

Para embasar o trabalho de análise das fontes orais e memórias, recorreu-se a

autores como Michel Pollak11. Para ele, tais fontes devem ser vistas com a mesma crítica que

se emprega ao analisar documentos escritos já que a memória é socialmente construída, assim

como todas as outras formas de documentação:

[...] não há diferença fundamental entre fonte escrita e fonte oral. A crítica da fonte, tal como todo historiador aprende a fazer, deve [...] ser aplicada a fontes de tudo quanto é tipo. Desse ponto de vista, a fonte oral é exatamente comparável à fonte escrita. Nem a fonte escrita pode ser tomada tal e qual ela se apresenta.12

A partir da produção de Michael Pollak, este trabalho aborda os documentos

construídos através de entrevistas, analisando de forma crítica as práticas que podem tomar a

reconstituição das lembranças, as diferentes narrativas de um mesmo fato, as posturas

adotadas pelos entrevistados e ainda as estratégias de esquecimento, os silêncios, os “buracos”

da memória e reticências em torno da temática dos alto-falantes. Maurice Halbwachs13 e

Ecléa Bosi14 também contribuem neste trabalho de construção da memória dos alto-falantes.

Dialoga-se ainda com John B. Thompson15 sobre a amplificadora enquanto mídia e suas

características técnicas.

Lançou-se mão também de outras fontes/documentos como jornais, que fazem

parte do acervo do Arquivo Público do Piauí, assim como leis, revistas, atas de sessões da

Câmara Municipal de Teresina, livros de registros de leis da Procuradoria Geral do Município

11 POLLAK, Michel. Memória e identidade social. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 10, 1992. p. 207. 12 Id. Ibid. 13 HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo, Vértice, Editora Revista dos Tribunais, 1990. 14 BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade: lembrança de velhos. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. 15 THOMPSON, John B. A Mídia e a Modernidade. Uma teoria social da mídia. Petrópolis, Vozes, 1998.

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e obras literárias, de autores locais. Alguns sites (Senado Federal, Museu da Imagem e do

Som – MIS-RJ...) também forneceram informações importantes para este trabalho.

Apesar da importância das amplificadoras, desde os antecedentes da radiofonia no

Piauí até recentemente, poucas informações existem de forma documentada sobre como se

dava o funcionamento dessas “rádios” no centro e na periferia de Teresina, sobretudo dos

serviços de alto-falantes que funcionaram até a década de 60. No entanto, há diversas fontes

“não oficiais” que podem ser visitadas para construir como se deu essa forma de

comunicação.

No que se refere à periferia, o eco das “rádios populares” por sistema de alto-

falantes ainda permeia o imaginário das comunidades e de ex-moradores do centro de

Teresina, mesmo após vários anos de fechamento das amplificadoras em diversos bairros de

Teresina.

Além dos moradores da periferia, outras fontes orais indispensáveis para se tentar

construir a história e memória dos alto-falantes como meio de comunicação popular são as

pessoas encarregadas de colocarem a amplificadora “no ar”, como locutores, colaboradores, e

representantes de organizações comunitárias responsáveis pela manutenção dos equipamentos

e da programação.

Na construção desta narrativa, foram ouvidas diferentes “vozes” que informaram

sobre o processo de afastamento das amplificadoras do centro de Teresina. O discurso sobre o

silêncio para o sossego público e a narrativa em torno da disputa por anunciantes entre as

amplificadoras e a primeira emissora de rádio de Teresina se contrapõem. Há também outra

idéia em torno da superação dos serviços de alto-falantes e consolidação da radiofonia, como

parte do desenvolvimento e modernização de Teresina.

Especular sobre a utilização política das amplificadoras e da única emissora de

rádio existente em Teresina naquele período também é preocupação deste trabalho. Em meio

a disputa por anúncios entre os serviços de alto-falantes e a Difusora, diferentes grupos sociais

e políticos se articulavam para instalar novas emissoras de rádio. O que aconteceu para que

tais projetos de instalação de novas rádios fracassassem é outro ponto abordado nesta

dissertação.

Como resultado do trabalho de pesquisa, a dissertação foi organizada em três

capítulos.

O primeiro deles, Pelo rádio, o barulho da modernidade, trata desde o início da

radiodifusão no Brasil e do uso de sistemas de alto-falantes, até a concretização do “sonho” da

capital piauiense em ter sua primeira emissora de rádio. Mostra-se como o processo de

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modernização de Teresina acarretou o surgimento de novos sons, dentre eles os das

amplificadoras. Disserta-se sobre a difusão e consolidação do rádio como meio de

comunicação de massa nos grandes centros urbanos do sul/sudeste do país, o surgimento da

primeira rádio no Piauí, em Parnaíba, e o funcionamento das amplificadoras do centro de

Teresina – “o rádio possível” da capital – até a inauguração da Rádio Difusora.

No segundo capítulo, O Cen(ten)ário de Teresina e o silêncio dos alto-falantes,

abordam-se os primeiros momentos da Rádio Difusora de Teresina, as sociabilidades em

torno das amplificadoras do centro de Teresina, num momento em que se noticiava cada vez

mais o surgimento de novas tecnologias de comunicação e avanços da ciência. Mostram-se os

conflitos entre a Difusora e alto-falantes por anúncios, e o discurso pró-silêncio em Teresina,

a “cidade do barulho”. Mostram-se os discursos em prol do “sossego público” e contra a

“interferência” das amplificadoras na radiodifusão de Teresina. Discursos estes que

justificaram a lei municipal proibindo o funcionamento dos alto-falantes no centro de

Teresina. Trabalha-se ainda neste capítulo sobre uma “nova ordem” de organização,

funcionamento e hábitos da cidade defendidos para a preparação da festa do centenário de

Teresina, que tinha ainda o objetivo de mostrar a capital como símbolo de civilização e

modernidade. Relata-se um pouco da festa do centenário que possibilitou a visita de vários

artistas de sucesso da chamada fase de ouro do rádio brasileiro. Disserta-se ainda sobre

projetos fracassados de instalar novas emissoras de rádio em Teresina na década de 50.

Ressalta-se a mudança do pensamento da Igreja no que se refere à comunicação, cujo

resultado no Piauí foi a criação da Rádio Pioneira.

Os sons se espalham pelo subúrbio é o terceiro capítulo deste trabalho. Aqui

mostra-se como os serviços de alto-falantes passaram a funcionar fora da zona central de

Teresina e ganharam a periferia da cidade, fundando novas sociabilidades, fazendo surgir

novos atores sociais e também causando novos conflitos. Locutores de amplificadoras relatam

suas experiências, assim como antigos moradores narram suas memórias em torno dos alto-

falantes. Também é contextualizada a situação dos moradores da periferia de Teresina naquela

época, assim como aspectos do cotidiano de seus moradores, dentre eles, as formas de lazer

populares na década de 50.

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DANIEL VASCONCELOS SOLON

O ECO DOS ALTO-FALANTES:

Memória das amplificadoras e sociabilidades na Teresina de meados do século XX

TERESINA-PIAUÍ 2006

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS

PROGRAMA DE MESTRADO EM HISTÓRIA DO BRASIL

O ECO DOS ALTO-FALANTES:

Memória das amplificadoras e sociabilidades na Teresina de meados do século XX

DANIEL VASCONCELOS SOLON

ORIENTADOR: PROF. DR. FRANCISCO ALCIDES DO NASCIMENTO

TERESINA-PI, JUNHO DE 2006

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DANIEL VASCONCELOS SOLON

O ECO DOS ALTO-FALANTES:Memória das amplificadoras e sociabilidades na Teresina de meados do século XX

Dissertação apresentada ao Programa de pós-graduação em História do Brasil da Universidade Federal do Piauí como requisito parcial para obtenção do título de mestre em História do Brasil.

APROVADA EM: ___/___/_____

BANCA EXAMINADORA

______________________________________________

Prof. Dr. Francisco Alcides do Nascimento – UFPI (orientador)

_________________________________________ Prof. Dr. Edwar de Alencar Castelo Branco - UFPI

_______________________________________

Prof. Dr. Newton Dangelo - UFU

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DEDICATÓRIA

Às vozes dos locutores de amplificadoras que vagueiam no éter e às que permanecem vivas na

memória dos ouvintes dos alto-falantes do centro e da periferia de Teresina.

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AGRADECIMENTOS

Meus sinceros agradecimentos:

Ao prof. Dr. Francisco Alcides do Nascimento, orientador deste trabalho e amante do

rádio, pelos ensinamentos, pela sensibilidade, pelo apoio, pela confiança em mim depositada e

por não desistir nunca de acreditar num mundo melhor.

Aos professores Dr. Edwar de Alencar Castelo Branco e Dr. Antônio de Pádua

Carvalho Lopes, pela valorosa contribuição na qualificação do trabalho.

Ainda ao prof. Edwar, pela força, pelo estímulo e por ter acreditado na viabilidade

desta pesquisa desde o início.

À Aline e Andréia, colaboradoras da Coordenação do curso de mestrado em História

do Brasil da Ufpi.

Aos colegas de curso e professores.

Aos alunos e alunas da Uespi.

Aos amigos e amigas de sempre, de mesa de bar ou não.

Aos meus pais e irmãos.

À Lígia, Gabriela e João Luís e a todos aqueles e aquelas que não me deixam perder a

ternura, a alegria e a vontade de viver.

Aos que me permitiram capturar vozes e subjetividades, humildemente transformadas

aqui em narrativa.

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[...]Antes de existir a voz, existia o silêncio. O silêncio foi a primeira coisa que existiu.

O silêncio que ninguém ouviu [...] Vamos ouvir esse silêncio, meu amor

Amplificado no amplificador[...] (O silêncio – Arnaldo Antunes/

Carlinhos Brown)

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O ECO DOS ALTO-FALANTES: Memória das amplificadoras e sociabilidades

na Teresina de meados do século XX

DANIEL VASCONCELOS SOLON – UFPI/BR -

[email protected]

RESUMO

As amplificadoras (serviços de alto-falante) em Teresina e as sociabilidades por elas provocadas são objeto de estudo desta dissertação. A pesquisa enfoca o período antecedente à radiofonia no Piauí (final da década de 30), dando ênfase ao momento em que os serviços de alto-falantes fixos foram expulsos do centro da capital (1952), até o início da década de 60, quando o rádio se consolidou no Estado como meio de comunicação de massa. Mapear onde existiam, descrever como funcionavam, e perceber como os serviços de alto-falantes eram consumidos por seus públicos são alguns dos objetivos desta pesquisa. Trazer à tona o eco dos alto-falantes, bem como suas memórias – mostrando os discursos/narrativas, conflitos, disputas e interesses que legitimaram a retirada das amplificadoras da zona central da cidade e como se deu a consolidação da radiofonia no Piauí e sua utilização no Estado – é outra tarefa deste trabalho. Esta pesquisa também aborda o “êxodo” pós-52 das amplificadoras do centro de Teresina para a periferia da capital, destacando rupturas e continuidades nos serviços de alto-falantes até os anos 60, ao mesmo tempo em que são relatadas algumas transformações espaciais ocorridas na cidade. A pesquisa aborda ainda as diferentes utilizações das amplificadoras, seja como meio de propagação de idéias, valores, produtos, forma de renda e instrumento de interação social e de formação profissional de homens e mulheres que atuam/atuaram no radialismo local.

Palavras-chave: História, Comunicação, alto-falantes

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O ECO DOS ALTO-FALANTES: Memória das amplificadoras e sociabilidades

na Teresina de meados do século XX

DANIEL VASCONCELOS SOLON – UFPI/BR -

[email protected]

ABSTRACT

The "amplifiers" (loudspeaker System) of Teresina and its effects in sociability is the main subject of this study. The researching work shows the period prior to Radio System in the State of Piaui (and of 30 decade) and emphasizes the age when the Loudspeaker System was taken away from downtown in Teresina (1952) up to the beginning of the 60 decade, when Radio became the main mean of communication of our people. To find out where the loudspeakers were the loudspeakers were located as well as to perceive how they were accepted for the population are also some of the main purposes of this work. To bring out the memory of our people, their quarrels for legitimate interests as to the removal of the loudspeakers from downtown to the suburbs, the consolidation of the use of Radio in the State are some other tasks of this study. This research still shows the different usages of the loudspeakers emphasizing the propagation of ideas, ideologies, advertising, electioneering, social integration and even professional formation of men and women who used to work and still work on local radiophony.

Key words: History, Communication, Loudspeakers

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Fotos

Foto 01 – Carlos Said ..................................................................................................... 32

Foto 02 - José Leonílio Guedes Marinho (Bismarck Augusto).......................................38

Foto 03 – Raimundo José Airemoraes.............................................................................39

Foto 04 – José Cândido Ferraz.........................................................................................46

Foto 05 – Luís Gonzaga Fernandes Carvalho..................................................................92

Foto 06 – Genu Morais..................................................................................................104

Foto 07 – Zacarias da Silva Dias...................................................................................120

Foto 08 – José de Ribamar Siqueira...............................................................................121

Foto 09 – Antônio de Pádua Carvalho Freitas...............................................................134

Figuras

Figura 01 – Mapa atual do Centro de Teresina / Zona Comercial em 1936....................28

Figura 02 – Propaganda de José Lopes dos Santos em jornal.........................................48

Figura 03 – Edital de falência da Rádio Clube do Piauí..................................................51

Figura 04 – Lei que proíbe funcionamento de alto-falantes no centro de Teresina.......108

Figura 05 – Mapa atual do centro de Teresina/Zona Comercial em 1952.....................109

Figura 06 – Anúncio de amplificadora em jornal – 1952..............................................122

Figura 07 – Anúncio de rádio Philips – 1953................................................................126

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO............................................................................................................11

CAPÍTULO I

PELO RÁDIO, O BARULHO DA MODERNIDADE ...............................................17

Pioneirismo e clandestinidade em Parnaíba ...............................................................23

Novos sons se espalham pelo ar da cidade ...................................................................26

No ar... um sonho frustrado ..........................................................................................40

Rádios de papel: outros projetos de emissoras não consolidados ................................45

A primeira rádio de Teresina “nasceu” em Parnaíba ...................................................52

CAPÍTULO II

O CEN(TEN)ÁRIO DE TERESINA E O SILÊNCIO DOS ALTO-FALANTES.......57

Rádio e amplificadora: uma breve coexistência no centro de Teresina .......................62

Sociabilidades noturnas na Praça Pedro II ...................................................................65

Um “anjo” anuncia a noite pelo alto-falante ................................................................72

A Miranda Prorsus e o surgimento da Rádio Pioneira .................................................75

Outras práticas na praça, outros usos dos alto-falantes ................................................84

Tensões no ar: as disputas por anúncios comerciais ....................................................88

A regulação dos espaços e dos corpos .......................................................................101

O rádio na imprensa local ...........................................................................................106

Fechando as cortinas sob um céu estrelado ................................................................109

CAPÍTULO III

OS SONS SE ESPALHAM PELO SUBÚRBIO .......................................................112

À sombra dos Cajueiros .............................................................................................127

A saga de uma retirante ..............................................................................................131

A Legião da Decência e o beijo da Filomena .............................................................135

CONSIDERAÇÕES FINAIS .....................................................................................143

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................146

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CAPÍTULO I

PELO RÁDIO, O BARULHO DA MODERNIDADE...

Um som diferente chamava a atenção nas comemorações do centenário da

independência do Brasil, na capital federal. No sete de setembro de 1922, enquanto uma

pequena parcela da elite do Rio de Janeiro ouvia em casa, através de rádios-receptores

importados, um entusiasmado discurso do presidente Epitácio Pessoa, populares tiveram as

mais diferentes reações com a fala presidencial que escapava de estranhos objetos metálicos

instalados no alto de postes de vários pontos da capital federal. Assim, oficialmente, foi

inaugurado o rádio no país1.

Os primeiros a chegar à enorme Exposição do Centenário, instalada na esplanada aberta pelo desmonte do morro do Castelo, no centro do Rio, não deram muita importância às estranhas cornetas metálicas instaladas em alguns postes. Vistas de relance, lembravam as cornucópias dos gramofones em voga em 1922, mas poucos naquele 7 de setembro, dia da abertura da exposição, saberiam dizer para o quê serviam. A multidão estava mais interessada nos luxuosos pavilhões dos países participantes e, principalmente, na montanha-russa armada em frente ao novo palácio Monroe. De repente, ao cair da tarde, as pessoas ouviram assombradas, como se aqueles sons viessem das nuvens, o Hino Nacional e um discurso do presidente Epitácio Pessoa. Como, mesmo naquele tempo, ninguém acreditasse que o hino ou Epitácio tivessem nada de celestial, concluiu-se rapidamente que o som saía pelas tais cornetas. Afinal, era para aquilo que serviam as geringonças penduradas no postes. Eram “alto-falantes” - e era o rádio chegando.2

Não era somente o início oficial do rádio brasileiro. De certa forma, iniciou-se

também a utilização dos sistemas de alto-falantes como meio de comunicação no Brasil, bem

como deu-se início a polêmica quanto às vantagens e incômodos no que se refere ao seu uso.

A fala de Roquette Pinto, o “pai do rádio brasileiro”, além de dar suas impressões sobre a

experiência da radiodifusão no centenário da independência, antecipa as discussões sobre os

serviços de alto-falantes que surgiriam mais tarde em todo o Brasil e que no Piauí também

ficaram conhecidos por amplificadoras:

1 Antes disso, em 1919, já havia sido fundada a Rádio Clube de Recife, de Oscar Moreira Pinto, que só passou a funcionar com maior regularidade a partir de 1924. cf ORTRIWANO, Gisela Swetlana. A informação no rádio – os grupos de poder e a determinação dos conteúdos. São Paulo: Summus, 1985, p 13. 2 CASTRO, Ruy. Roquette Pinto: o homem multidão. Meio digital. Artigo disponível em http://www.radiomec.com.br/roquettepinto/ohomemmultidao.asp. Os aspectos inerentes à modernização do país e a derrubada do Morro do Castelo citada acima e que culminou na demolição de 400 casas populares e a expulsão de cinco mil pessoas, são discutidos em MOTTA, Marly Silva da. A nação faz cem anos: o centenário da independência no Rio de Janeiro: CPDOC, 1992. 18f.

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A verdade é que durante as solenidades comemorativas de 1922, muito pouca gente se interessou pelas demonstrações então realizadas pelas companhias Westinghouse (Estação do Corcovado) e Western Eletric (Estação da Praia Vermelha). Creio que a causa principal desse desinteresse foram os alto-falantes instalados nas torres do Serviço de Meteorologia (Pavilhão dos Estados). Eram discursos e músicas reproduzidos no meio de um barulho infernal, tudo roufenho, distorcido, arranhando os ouvidos. Era uma curiosidade sem maiores conseqüências.3

Roquette Pinto, juntamente com Henrique Morize, fizeram funcionar em 20 de

abril de 1923 a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, o que para Ortriwano representou o

momento da instalação da radiodifusão no Brasil, tendo a emissora um forte perfil educativo:

Mas o rádio nascia como meio de elite, não de massa, e se dirigia a quem tivesse poder aquisitivo para mandar buscar no exterior os aparelhos receptores, então muito caros [...] Nasceu como empreendimentos de intelectuais e cientistas e suas finalidades eram basicamente culturais, educativas e altruísticas. 4

A escolha do 7 de setembro de 1922 para o que seria considerada a primeira

experiência oficial de rádio no Brasil colocou a radiodifusão como símbolo de modernização

que o país esperava adentrar. Ainda na época da preparação da festa do centenário, o

presidente Epitácio Pessoa afirmou estar certo “de que o Brasil dará ao estrangeiro e a nós

mesmos uma idéa altamente lisonjeira do seu progresso material e scientifico, assim como da

sua cultura moral e política”5. Os intelectuais também apostavam na modernização do país e a

Semana de Arte Moderna, realizada no mesmo ano, também foi emblemática para mostrar o

engajamento de vários setores neste sentido, muito embora houvesse diversas concepções de

modernidade6.

Aos poucos, ainda na década de 1920, grandes cidades passaram a contar com

estações de rádio, que funcionavam como clubes e eram mantidas com mensalidades dos

sócios. Foi o caso de Santos, no litoral do estado de São Paulo. Embora desde 1924 já

contasse com a Rádio Clube de Santos, há registros de que a cidade tenha inaugurado a “era

dos alto-falantes”, com a irradiação de uma partida entre paulistas e cariocas pelo campeonato

brasileiro de futebol. O serviço de alto-falantes pertencia ao jornal A Tribuna, que instalou

3 In: http://www.radiomec.com.br/80anosradio/80anos1.asp. Último acesso em 22 out 2005. 4 ORTRIWANO, op. cit, p. 13-14. 5 PESSOA, Epitácio. Mensagem apresentada ao Congresso Nacional na abertura da segunda sessão da décima primeira legislatura. Rio de Janeiro, 1922. Disponível em: http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u1314/000001.html 6 MOTTA, op. cit, p.4.

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uma “boca” metálica na fachada do prédio, conseguindo reunir um grande número de

espectadores na calçada.

A Tribuna noticiou que faria, pelo alto-falante, a descrição do grande jogo. Seria a primeira reportagem falada no Brasil. Estava o jornal consciente de que novo serviço seria prestado ao povo de Santos. Era a primeira vez no Brasil que seria, de certa forma, irradiada uma partida de futebol de uma cidade longínqua.7

O jogo aconteceu no Rio de Janeiro. Para que a “irradiação” fosse possível, um

jornalista de A Tribuna, Francisco Paino, foi ao Rio, enquanto outros colegas esperavam

informações diretamente da redação do jornal, em Santos, numa engenhosa divisão de tarefas.

Paino iria ao Rio de Janeiro e usaria o telefone. Alcino Rollemberg, que recebia telegrama pelo telefone, bateria à máquina a descrição feita por Paino e Perilo Prado entregaria a Santini o trabalho recebido. [...]Precisamente às 15 horas, o juiz trilou o apito. Aqui, em Santos, a voz de Giusfredo Santini foi ao ar: "É dada a saída". E a narração foi feita até o final. O povo vibrou. A Tribuna, pioneiramente, lançava o serviço de irradiação de partida de futebol no Brasil. [...]E o povo, lá fora, apoiou a iniciativa. Mais tarde, da Bahia, seria feito o mesmo serviço.8

Aos poucos, outras cidades brasileiras, muitas delas pequenas e distantes da

capital da República, passaram a ter serviços de alto-falantes, sobretudo nos lugares onde a

radiodifusão local demorou a chegar. De acordo com Lia Calabre, o governo brasileiro, na

década de 1920, não teve interesse em criar um sistema estatal de emissoras de rádio. No

entanto, o presidente Arthur Bernardes demonstrava preocupação com a utilização da

radiodifusão e por isso assinou o Decreto 16.657, em novembro de 1924, regulamentando o

setor, ainda que o tratasse como pertencente ao ramo de radiotelegrafia:

O governo preocupou-se em controlar o conteúdo e o caráter daquilo que era transmitido. A potência das emissoras era limitada, impedindo que fossem claramente captadas nos estados vizinhos. Os aparelhos receptores (chamados pelo decreto de estações receptoras) deveriam ser registrados nas repartições do serviço de telégrafo mediante o pagamento de uma taxa anual de 5$ (cinco mil réis). A partir do registro dos aparelhos receptores, o governo poderia acompanhar cuidadosamente o crescimento do número de ouvintes e realizar avaliações sobre o papel do sistema radiofônico em diferentes regiões.9

7 ROSATO, Hamleto. Há 66 anos ‘A Tribuna’ inaugurava a era dos alto-falantes no Brasil. Disponível em: <http://www.novomilenio.inf.br/santos/h0088.htm>. Acesso em: 03 ago. 2005. 8 Ibid. 9 CALABRE, Lia. Políticas públicas culturais de 1924 a 1945: o rádio em destaque. CPDOC/FGV. Estudos Históricos, Mídia, n. 31, 2003/1, p. 2.

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Para Calabre, a radiodifusão era um investimento caro e de risco na década de

1920. “O desenvolvimento do rádio brasileiro, no período anterior à década de 1930, foi

freado não só por razões de ordem técnica, mas também por uma turbulenta conjuntura

política”10, quando por várias vezes o país se viu em estado de sítio. Este momento de

amadorismo no rádio só foi superado na década de 1930, já na Era Vargas, com uma nova

legislação que permitia e regulamentava a veiculação de anúncios e aumentava a potência das

emissoras.

Em 1932, deu-se a abertura para divulgação de anúncios no rádio brasileiro. A

medida atendia aos interesses dos donos das emissoras e também de grandes empresas –

muitas delas internacionais –, ávidas em dar publicidade e vender o que produziam naquela

época em que o país se industrializava e se urbanizava num ritmo cada vez maior. Com a

capitalização e concorrência entre as rádios e também por conta de um crescente nível de

exigência de qualidade dos programas por parte dos ouvintes, as emissoras tiveram que

melhorar a programação.

O primeiro governo de Getúlio Vargas – de 1930 a 1945 – investiu na industrialização e urbanização do País, o que gerou um mercado consumidor interno que passou a ser o principal alvo dos anunciantes do rádio. A programação foi rapidamente transformada para atrair um público cada vez maior.11

A mesma legislação que possibilitou o incremento de receita das emissoras de

rádio, com a regulamentação da veiculação de anúncios publicitários, também atendeu os

interesses do governo Vargas. A lei determinava que uma hora da programação da emissora

fosse destinada a informar sobre ações oficiais do governo, o que seguramente contribuiu para

o fortalecimento do varguismo e mais tarde, para a instauração do Estado Novo.

O Programa Nacional previsto por Lei em 1932, somente alcançou plenamente os objetivos esperados em 1939 com a criação da Hora do Brasil. Através desse programa o governo pretendia personalizar a relação política com cada cidadão, sem que necessitasse montar um sistema de emissoras próprio. Para atrair o público ouvinte o Departamento de Imprensa e Propaganda-DIP convidava artistas famosos para se apresentarem no programa Hora do Brasil que era formado por quadros de notícias, de caráter geral, entretenimento e informes políticos.12

10CALABRE,, op. cit, p.2. 11 COSTA, Osmanir. Rádio e Política. A aventura eleitoral dos radialistas do século XX. Londrina, Eduel, 2005, p. 87. 12 CALABRE, Lia. A participação do rádio no cotidiano da sociedade brasileira (1923-1960). Disponível em: http://www.casaruibarbosa.gov.br/lia_calabre/main_participacao.html. Último acesso em 22/07/2005.

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Vargas, mais que seus predecessores, via na radiodifusão um poderosíssimo

instrumento de divulgação de idéias, valores, e uma ferramenta indispensável para trabalhar a

unidade de uma nação de extensão continental e “para reforçar a conciliação entre as diversas

classes sociais”13. Em nome da “coletividade”, o governo criou vários mecanismos de

regulação e controle do setor, a começar com a instalação do Departamento Oficial de

Propaganda (DOP), logo após a Revolução de 30. A partir de 1934, o DOP – responsável pelo

Programa Oficial nas rádios – transformou-se em Departamento de Propaganda e Difusão

Cultural, que criou “A Voz do Brasil”.14

A mensagem do presidente enviada ao Congresso Nacional no ano de 1936 deixa

bem nítido o grau de interesse do governo em torno dos meios de comunicação de massa, em

especial do rádio e do cinema:

A organização dos serviços de propaganda e difusão cultural, compreendidos num departamento especial, teve em vista estender a ação do poder público sobre atividades que se exerciam, até então, de forma dispersiva e inteiramente alheia aos superiores interesses da coletividade. É conhecida a poderosa ascendência da publicidade sobre o espírito público, sobretudo nos dias que correm, quando os processos de divulgação passaram a utilizar o rádio e o cinema nas suas modalidades mais variadas. Não se compreenderia a abstenção do poder público diante das múltiplas possibilidades que se lhe apresentam para orientar, pela imprensa, a radiodifusão e a cinematografia, os assuntos de imediato interesse social, como são todos os que se referem à educação, à assistência e à cultura popular. Em toda parte, onde esses meios de publicidade adquiriram grande amplitude, as iniciativas governamentais procuram aproveitá-los em benefício da sociedade. Assim procedeu o governo criando o Departamento de Propaganda e Difusão Cultural que vem estendendo a sua atividade com fins cívicos e educativos a todo o país, num trabalho já notável de fortalecimento das idéias e sentimentos conformadores da unidade nacional[...]15

Consciente de que ainda não havia um grande número de estações emissoras

espalhadas pelo país, assim como era pequeno o número de aparelhos receptores ainda no

início da década de 1930, Vargas passou a incentivar a expansão de uma rede nacional de

estações transmissoras. Até mesmo porque a mensagem radiofônica poderia ser entendida por

13 FERRARETO, Luiz Artur. Rádio: o veículo, a história e a técnica. Porto Alegre: Editora Sagra Luzzatto, 2000, p 107. 14 ORTRIWANO, op. cit, p. 17 15 VARGAS, Getúlio Dorneles. Mensagem apresentada ao Poder Legislativo em 3 de maio de 1936. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1936, p. 24. Disponível em http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u1276/000024.html. Último acesso em 3 ago 2005.

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letrados e analfabetos, estes últimos, uma assustadora imensidão no país16. E mais: os serviços

de alto-falantes foram vistos com interesse para propagação das mensagens do governo, sendo

incentivados em diversas localidades onde o rádio – símbolo de progresso e modernidade –

ainda não havia chegado.

Ainda na mensagem presidencial de 3 de maio de 1936, ou seja, mais de um ano

antes do golpe que inaugurou o Estado Novo, Vargas relatou ao Congresso que o

Departamento de Propaganda e Difusão Cultural possuía um serviço de rádio

[...] retransmitido por uma rede nacional de radio-transmissores, composta de 43 estações, podendo este número ser elevado a 52, com a instalação de distribuidores, amplificadores e repetidores, em São Paulo e em Pernambuco.17

É interessante ainda destacar que Vargas não se preocupava somente com o

público brasileiro na hora de propagar os ideais e valores do governo. O Departamento de

Propaganda e Difusão Cultural também produzia e transmitia ao estrangeiro, por ondas curtas,

programas radiofônicos em inglês, francês, espanhol, alemão e outras línguas, com o objetivo

de “levar ao exterior, os índices reveladores do nosso progresso material e cultural”18, além de

atrair investimentos e turistas.

O documento presidencial mostrava a convicção de que a política de propaganda

externa de Vargas trilhava no caminho certo, “cumprindo lembrar, como prova da eficiência

dessas irradiações, que só em um mês foram respondidas 1.457 cartas vindas do

estrangeiro”19, com o envio de folhetos, mapas e material de propaganda do governo. Além

disso, a mensagem do presidente anunciava acordos de intercâmbio radiofônico com a

Alemanha e a Itália, países de regimes totalitários com os quais o Estado Novo simpatizou e

manteve boas relações até um pouco antes do fim da Segunda Guerra. A mensagem afirmava

ainda que estavam sendo realizados estudos sobre propostas de permutas de programas com

líderes argentinos, holandeses e ingleses.

No entanto, o interesse principal do governo era com os brasileiros, ou melhor,

com as informações que chegavam aos brasileiros, pela imprensa escrita, rádio e cinema.

Como tais mídias eram de difícil acesso às camadas mais pobres da população,

principalmente fora do eixo Rio-São Paulo, os serviços de alto-falantes foram incluídos no rol

16 Em 1940, censo do IBGE mostrou que 50,01% da população com 15 anos ou mais não sabia ler, Cf. http://www.inep.gov.br/download/cibec/2000/rbep/rbep199_010.pdf 17 VARGAS, 1936, op. cit, p.28. 18 Ibid, id. 19 VARGAS, 1936, op. cit, p.29

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dos meios de comunicação de interesse do Estado, havendo também a transformação do

Departamento de Propaganda e Difusão Cultural no Departamento de Imprensa e Propaganda

(DIP).

Tanto no interior quanto nas cidades, o "rádio oficial" deveria ser ouvido por todos. O Decreto-Lei nº 1.949, de 30 de dezembro de 1939, obrigava todos os comerciantes a possuírem aparelhos receptores de rádio em seus estabelecimentos e os serviços de alto-falantes, a transmitirem o programa oficial do DIP.20

Com uma população ainda eminentemente rural, com índices de escolaridades

baixíssimos21, menosprezar os serviços de alto-falantes para propagação de idéias seria um

grande erro do governo. Aliás, não só Vargas se utilizou das amplificadoras para disseminar a

ideologia do governo. O integralismo, movimento de extrema direita, também fazia uso dos

sistemas de alto-falantes, utilizando-os como “rádio-verde”22, mesmo sob o risco de sofrer

repressão.

Pioneirismo e clandestinidade em Parnaíba

Paradoxalmente, em 1937, ano em que Vargas anunciou o Estado Novo e

endureceu ainda mais o regime, uma brincadeira de jovens em Parnaíba transformou-se na

primeira experiência de radiodifusão que se tem notícia no Piauí, abrindo caminho para a

inauguração, poucos anos mais tarde, da Rádio Educadora de Parnaíba (PRJ-4), a primeira

estação piauiense.

[...] Começou por uma brincadeira, um gracejo de rapazes que queriam um divertimento novo na cidade. Euvaldo Carvalho, Alcenor Madeira, Fonseca Mendes, Tenente Mariano Bertoli, e outros foram quem arranjou aquela pequenina emissora que gritava da oficina rádio-técnica de Euvaldo, ou do escritório de Alcenor, pedindo que os “Cafés” e “Bares” lhes remetessem uma bandeja de café ou alguns copos de guaraná para eles molharem a garganta... E que o povo chamou de PRKK.23

20 CALABRE, op. cit, 2003/1, p.11. 21 “No final da década de 50 o país ainda possuía um índice de 53,16% de sua população analfabeta, sendo que 61,98% dos que não sabiam ler se encontrava entre a população rural”, cf. CALABRE, 2005, op.cit. 22 CHAVES, Niltonci Batista. “A saia verde está na ponta da escada!”: as representações discursivas do Diário dos Campos a respeito do integralismo em Ponta Grossa. Revista de História Regional, Vol. 4, nº 1 Verão 1999. Disponível em http://www.rhr.uepg.br/v4n1/niltonci.htm#23; Última visita em 16 de maio de 2005. 23 RÁDIO Educadora de Parnaíba. Almanaque da Parnaíba (Fundado em 1924). Décima Nona Edição – Ininterrupta – 1942, p. 85.

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Para Francisco Alcides do Nascimento24, a Rádio Educadora de Parnaíba começou

a brotar com a montagem da oficina do rádio-técnico cearense Euvaldo Carvalho, numa

dependência do escritório do revendedor de aparelhos receptores Alcenor Madeira. Embora

funcionando na clandestinidade, a experiência despertou o interesse de parcela da população

parnaibana, inclusive da prefeitura municipal, que fornecia notícias a serem irradiadas na

programação que ia ao ar, a partir das 19h.

Não demorou muito para que o governo federal percebesse os ensaios dos jovens

em Parnaíba com a PRKK, também conhecida à época por Rádio Três Cocos. Uma

correspondência enviada pelo Departamento de Correios e Telégrafos, de Teresina, mandava

fechar a emissora. Era o que faltava para que a população parnaibana se mobilizasse,

arrecadando dinheiro para melhor estruturar a rádio e organizar o projeto de legalização da

estação25.

O funcionamento de uma rádio em Parnaíba era de grande interesse dos

comerciantes da cidade, a segunda maior do Estado em termos populacionais. De acordo com

o censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 1940, Parnaíba possuía

42.062 habitantes, enquanto que a capital piauiense tinha 67.641.26 Pelo litoral parnaibano

chegavam produtos importados e também dali saíam as riquezas do ciclo extrativista, que fez

da cidade o principal centro comercial do Estado.

Tal característica progressista e de vanguarda da elite comercial parnaibana na

primeira metade do século XX, em investir em comunicação e, principalmente, em escolas e

estradas, é evidenciada por Antônio de Pádua Carvalho Lopes:

Grandeza e enriquecimento da região eram entendidos como melhoria das condições materiais para maior expansão do capital comercial da cidade. A necessidade de desenvolvimento por parte da elite comercial exportadora advinha da compreensão da importância disso para a manutenção e ampliação da condição de cidade comercial mais importante do Piauí, detida por Parnaíba. Sendo que esta elite tomava para si o papel de articuladora e, muitas vezes, patrocinadora das transformações que considerava essenciais para o desenvolvimento das atividades comerciais. Assim, o investimento no desenvolvimento da região não se tornava importante [...] por filantropia, mas pela necessidade do aumento da produção e de sua circulação para o desenvolvimento econômico da cidade.27

24 NASCIMENTO, Alcides do. História e Memória da Rádio Pioneira de Teresina. Teresina, Alínea Publicações Editora, 2004, p. 20. 25 Ibid, id. 26 IBGE. Recenseamento Geral do Brasil (1º de setembro de 1940). Série regional, parte V – Piauí. Rio de Janeiro, Serviço Gráfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 1952, p. 165-166. 27 LOPES, Antônio de Pádua Carvalho. Luz, Progresso e Expansão Intelectual: a elite comercial exportadora de Parnaíba e o lugar da educação no desenvolvimento do Piauí. IN: CASTELO BRANCO, Edwar de Alencar;

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Até o início da década de 40, a produção de cera de carnaúba era uma das

principais fontes de riquezas no Piauí28. O produto saía do Estado e voltava manufaturado em

diversas formas. Parte da cera de carnaúba piauiense se transformava nos discos de 78

rotações por minutos produzidos pela indústria fonográfica nacional do sul/sudeste do país29.

Eram esses mesmos discos que eram “tocados” nos fonógrafos das rádios e serviços de alto-

falantes espalhados pelo país. Outra parte era utilizada pela indústria bélica, na fabricação de

pólvora, utilizada inclusive na II Guerra Mundial.30

Por conta da existência de um comércio forte e interessado num meio de

divulgação eficiente para seus produtos, o processo de legalização da rádio Três Cocos teve o

apoio político e financeiro que precisava. A montagem da primeira emissora teria se dado no

estilo “Frankstein”, com a junção de peças de diferentes marcas e “no momento em que se fez

necessário melhorar as instalações, o comércio ajudou com a quantia de 3 contos de réis,

através de uma coleta”.31

Há quem diga, como o radialista Carlos Said, que os equipamentos seriam sucata

de uma estação de rádio militar norte-americana instalada no litoral piauiense, onde hoje seria

Luís Correia. Para Said, “os americanos deixaram os equipamentos que foram adquiridos por

compra pela família Correia, família tradicional de Parnaíba”.32

É importante ressaltar que não existe nenhuma outra fonte além da entrevista de

Carlos Said que mencione tal forma de aquisição dos equipamentos. Porém, de fato, a família

Correia teve importante participação no processo de instalação da Rádio Educadora de

Parnaíba como denota a composição da primeira diretoria da emissora. A presidência da

estação ficou a cargo de José Moraes Correia. O vice-presidente era Francisco Fontenele de

Araújo. E enquanto Alcenor Neves Madeira ficou com o cargo de superintendente da rádio, o

rádio-técnico Euvaldo Carvalho não figurava nas diretorias mais importantes33.

A legalização da rádio parnaibana veio com o decreto 5.118, de 13 de janeiro de

1940, assinado pelo presidente Getúlio Vargas:

NASCIMENTO, Francisco Alcides do; e PINHEIRO, Áurea da Paz (orgs). História: cultura, sociedade, cidade. Recife: Bagaço, 2005, p. 64. 28 MENDES, Felipe. Economia e Desenvolvimento do Piauí. Teresina: Fundação Monsenhor Chaves, 2003. 29 O discos só tinham uma faixa e funcionavam somente de um lado. 30 TAJRA, J.E & TAJRA FILHO, J.E. O comércio e a indústria no Piauí. Apud ARAÙJO, José Luís Lopes. O Rastro da carnaúba no Piauí. Almanaque da Parnaíba, 1985. In SANTANA, R.N (Org). Piauí, Formação, Desenvolvimento e Perspectivas. Teresina, Halley, 1995. 31 NASCIMENTO, op. cit, p.22. 32 SAID, Carlos. Entrevista cedida a Daniel Solon em 04 de janeiro de 2005. 33 RÁDIO Educadora de Parnaíba. Almanaque da Parnaíba (Fundado em 1924). Décima Nona Edição – Ininterrupta – 1942, p. 87

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Fica assegurado à Rádio Educadora de Parnaíba S. A., o direito de estabelecer, na cidade de Parnaíba, Estado do Piauí, uma estação rádio-difusora de 1/2 kw, destinada a executar o serviço de rádio-difusão, com finalidade e orientação intelectual e instrutiva, e com subordinação a todas as obrigações e exigências instituídas neste ato de concessão.34

Apesar da baixa potência da emissora, os parnaibanos ficaram eufóricos e

orgulhosos com a realidade de terem uma rádio antes mesmo que a capital. Teresina, até

então, só possuía sistemas de alto-falantes funcionando no centro da cidade e só teria a

primeira estação oito anos mais tarde. Sobre os primeiros momentos de funcionamento da

Educadora, que ganhou o prefixo PRJ-4, uma matéria do Almanaque de Parnaíba dizia que

a estação mantém hoje contratos direto com as principais fábricas de discos, que lhe remetem por avião, semanalmente as últimas gravações; transmite diariamente, programas informativos – noticiosos; irradia para todo o Estado as principais festas que se realizam na cidade. E já agora cogitam seus diretores, de aumentar-lhe a potência. Assim é a Rádio Educadora de Parnaíba uma demonstração altíloqua de nosso progresso.35

Depois da publicação da medida federal que autorizou o funcionamento da rádio

parnaibana, o governo do Estado do Piauí viu na estação a possibilidade de se aproximar da

população litorânea e boa parte dos municípios localizados na região Norte do Estado. Por

conta disso, foi assinado o Decreto Lei nº 264, de 14 de maio de 1940, que abriu crédito

especial de 20:000$000 (vinte contos de réis) “como auxílio do Governo do Estado à Rádio

Educadora PRJ-4, de Parnaíba, para a despesa com suas instalações”.36 Desta forma, o grupo

político dominante no Estado esperava ter influência na produção do conteúdo irradiado, ao

mesmo tempo em que se esforçava para fundar uma emissora na capital.

Novos sons se espalham pelo ar da cidade

Até meados da década de 30, Teresina crescia em passos lentos e silenciosos. Era

uma capital calma, muito pequena, herdeira de hábitos provincianos. As linhas e entrelinhas

dos jornais e das leis aprovadas na Câmara de Vereadores pareciam dizer que o

34 DECRETO 5.118, de 13 de janeiro de 1940. Coleção de Leis do Brasil de 31/12/1940. Disponível em: http://www6.senado.gov.br/sicon/ExecutaPesquisaLegislacao.action. Último acesso em 4 de agosto de 2005. 35 RÁDIO Educadora de Parnaíba, 1942, op. cit, p. 89. 36 PIAUÌ. Decreto Lei nº 264, de 14 de maio de 1940. Livro de Resumos de Leis da Assembléia Legislativa de 1940.

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desenvolvimento da cidade – ou sua modernização – deveria vir sem alarde, sem incômodos e

desconfortos comuns das metrópoles do sul do país, onde as nuvens eram ameaçadas por

arranha-céus.

Já em 1935, anúncios de produtos nos jornais de Teresina, no entanto, davam a

entender que a calmaria estava ameaçada pelo barulho do processo de modernização:

O sono para ser reparador deve processar-se em quarto arejado e silencioso. As pessoas que dormem em ruas barulhentas, embora suportem o ruído, sem se dar por elle, acaba, fatalmente, ao fim de alguns meses, sofrendo de esgotamento nervoso. Nada peor aos nervos do que o ruído perante a noite. Infelizmente porém, certos indivíduos não comprehendem o dever de respeitar o silencio nocturno dos que precisam repousar das fadigas diurnas. Alguns indivíduos inconvenientes fiam a conversar e a gritar defronte das habitações; certos motoristas maldosos abrem as descargas dos automóveis businam desnecessariamente [...]37

O processo de modernização refletia-se também na organização espacial da

cidade. Em 1936, a administração municipal de Teresina estava nas mãos de Lindolfo do

Rego Monteiro. Ele sancionou a lei nº 22, de 4 de julho de 193638, estabelecendo a zona

comercial de Teresina (Figura 1) e estimulando a verticalização no centro da cidade, que

passaria a ter como limite, ao Norte, a praça Marechal Deodoro (posteriormente chamada de

Praça da Bandeira) e rua Areolino de Abreu, no trecho compreendido entre a rua Firmino

Pires e Rua Barroso.

Ao Sul, o limite se daria à rua Senador Pacheco, também no trecho compreendido

entre as ruas Firmino Pires e Barroso. Ao leste, a zona comercial da cidade estaria limitada à

Rua Barroso, entre a Praça Deodoro e a rua Senador Pacheco. A Oeste, à rua Firmino Pires,

entre a Praça Deodoro e a rua Senador Pacheco.

A lei determinava que os prédios construídos ou reconstruídos na zona comercial

deveriam ter, a partir dali, dois pavimentos. Havia ainda o incentivo de 10 anos de isenção de

imposto dos prédios construídos ou reconstruídos com mais de dois andaress. Posteriormente,

em 1937, outra lei permitiu a construção de prédios com um só pavimento na zona comercial,

mas a isenção de impostos para quem preferisse a verticalização passou de 10 para 20 anos.39

37O reclame alertava que problemas no sono resultavam em perda de fosfato. “Em casos como esse, “recomenda-se injeções de Tonosfofan, que levanta o estado geral reforçando o systema nervoso”, cf. O RUÍDO nas cidades - descuidos insuportáveis. Diário Oficial, Ano V, nº 21, Teresina, 26 jan 1935, p. 10. 38 TERESINA. Lei nº 22, de 4 de julho de 1936. Livro de Leis de 1936. Procuradoria do Município. 39 TERESINA, Lei nº 76, de 23 de setembro de 1937. Livro de Leis de 1937. Procuradoria do Município.

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1

2

3

4

5

Mercado Central

Praça da Bandeira

Praça Rio Branco

Praça Pedro II

Praça Saraiva

Zona Comercial em 1936

3

4

5

1

2

Figura 01: Mapa atual do Centro de Teresina / Zona Comercial em 1936 Fonte: Secretaria Municipal de Planejamento - Semplan/PMT.

Em 1937, possivelmente já existiam amplificadoras no centro comercial de

Teresina. Pelo menos era o que indicava o Decreto Lei nº 2, de 31 de dezembro daquele ano.

Tal legislação previa as despesas e receitas do município para o ano de 1938. Com a lei,

aparecia o imposto de licença para propagandas e anúncios. O tributo incidia sobre anúncios

em panfletos, cartazes, muros, fachadas de edifícios, placas, letreiros, reclames portáteis

conduzidos por carros, pessoas a pé ou a cavalos, além de propaganda verbal em alegoria ou

não. Eram cobrados 6$000 para cada anúncio veiculado em “microphonos ou alto-falantes”.40

A mesma lei estabelecia isenção de impostos de licença “aos anúncios destinados

a fins patrióticos, festas de caridade e de beneficência e de estabelecimentos de instrução,

repartições públicas, instituições religiosas, associações de utilidade pública e esportivas”.

Além de denotar que as amplificadoras eram utilizadas pelo poder público para divulgação de

atos importantes para a população, tal legislação municipal acabava por instituir uma espécie

de censura prévia na publicidade, uma vez que os anúncios ou cartazes, antes de serem

distribuídos ou afixados, deveriam passar por fiscalização e receber o carimbo de órgão

municipal, caso contrário haveria multa ao infrator.

Como a cidade não possuía uma emissora de rádio, as amplificadoras tornaram-se

importantes veículos de comunicação para o comércio local, bem como meio de acesso à

40 TERESINA, Decreto Lei nº 2, de 31 de dezembro de 1937. Livro de Leis de 1937. Procuradoria do Município.

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informação e programas humorísticos locais e à música produzida nos grandes centros

urbanos, que já viviam a Era de Ouro do rádio. Para se ter idéia do quanto um aparelho

receptor era um artigo distante da capacidade de consumo da maioria da população, censo do

IBGE apontava que das 179.143 unidades prediais e domiciliárias piauienses de 1940, apenas

878 possuíam rádio.41

A administração municipal de Teresina mostrava preocupação com os novos sons

que invadiam a cidade, com o surgimento das amplificadoras e a chegada de mais

automóveis, cujo número chegava a 138 unidades em todo o Piauí em 1940, dos quais apenas

dois eram de propriedade do governo42. O Decreto Lei 54, de 3 de abril de 1939, criou um

Novo Código de Posturas do Município. A legislação trazia consigo a tentativa de disciplinar,

ordenar e orientar as intervenções públicas e privadas no território municipal, atingindo

também os corpos de quem ali habitasse.43

O capítulo inicial do código de posturas de 1939 tratava exatamente do “Sossego

e Tranqüilidade Pública”. A primeira proibição do capítulo é emblemática para se entender

como se dava a luta em prol do silêncio em Teresina: “É proibido sob pena de multa de

20$000 a 100$000: 1) Dar gritos à noite, dentro das zonas central e urbana, depois das 22

horas, sem necessidade ou utilidade”.44

Aquele novo conjunto de leis foi instituído para substituir o Código de Posturas

que vigorava desde 2 de outubro de 1905. A substituição da legislação foi justificada

“considerando as deficiências no atual Código de Posturas do Município, decretado há mais

de 30 anos para uma época em que as condições de vida e progresso eram de todo diversas

das atuais”.45

Dentro ainda do primeiro artigo do Código de 1939, proibiu-se “tocar ou ensinar

música com pancadaria depois das 22 horas, exceto nos locais permitidos”, “abusar de sinais

sonoros a qualquer hora do dia e da noite, causando incômodo momentâneo”, o que poderia

valer tanto para buzinas de veículos como para amplificadoras. Havia ainda uma proibição

bastante curiosa. Não era permitido “tocar sinos depois das 18h e antes das 4 horas. Em

tempos de epidemias não se permitirão os dobres a finados, sob pretexto algum”.46

41 IBGE. Recenseamento Geral do Brasil (1º de setembro de 1940) – Série Regional, Parte V – Piauí. Rio de Janeiro: Serviço Gráfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 1952, p. 171. 42 Ibid, id. 43 LEMOS, Carlos A. C. A república ensina e morar (melhor). São Paulo: Hucitec, 1999. 44 TERESINA. Decreto Lei 54, de 3 de abril de 1939 – Novo Código de Posturas do Município. Livro de Leis de 1939. Procuradoria do Município, p. 115. 45 Ibid. id. 46 TERESINA, 1939, p. 115.

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Já o Capítulo VI do Código de Posturas aprovado em 1939 tratava

especificamente de regulamentar anúncios ou letreiros. A lei estabelecia que nenhum anúncio

luminoso ou não, sonoro ou não poderia ser exibido sem licença da Prefeitura e pagamento do

devido imposto. Determinava ainda que

os anúncios feitos por intermédio de estações transmissoras locais ou alto-falantes, funcionando em locais freqüentados pelo público, ficam sujeitos à licença da municipalidade, que determinará, segundo os casos, o tempo e o horário de funcionamento. Ao infrator, pena de 50$000 a 100$000.47

Os sons das amplificadoras chegavam às praças e ruas do centro de Teresina,

através de cornetas e bocas de alto-falantes instaladas no topo de postes, galhos de árvores e

fachadas de casas comerciais. Tal aparelhagem era ligada por fios em um módulo

amplificador, operado em pequenos estúdios localizados no centro de Teresina. Ao

amplificador também eram conectados um fonógrafo e um microfone.

Apesar de propiciar informação e entretenimento para a população de Teresina, as

amplificadoras surgiram principalmente para atender à demanda do comércio, que não podia

contar com uma estação radiofônica para fazer a propaganda de seus produtos. A

amplificadora Rádio Propaganda Sonora Rianil, por exemplo, surgiu na segunda metade da

década de 30 para dar suporte às vendas da loja Rianil48, cuja matriz funcionava no Rio de

Janeiro, e com filiais ainda no Maranhão, Ceará, Pará e Amazonas. A sala com o amplificador

de som e locutor ficava no prédio da Rianil, localizado em torno da Praça Rio Branco.

Os outros serviços de alto-falantes do centro da cidade, se não eram de

propriedade de comerciantes, tinham como fonte de financiamento os anúncios publicitários

das lojas, além de cobrarem por música pedida e dedicada a alguém em especial, como a

Rádio Amplificadora Teresinense.

A organização de algumas amplificadoras poderia ser comparada a de uma

emissora convencional (na época, do tipo AM), conforme relatou Said, que trabalhou na

Rádio Amplificadora Teresinense nos anos 40:

[...]Na rua Barroso, onde é hoje quase defronte ao Banespa, ali existia a casa do Sr. Isaías Almeida e ali ele alugou uma sala para que os jovens que começavam a trabalhar em amplificadoras [...] Naquela sala alugada havia um estúdio, onde se montou a mesa de som, outra mesa com microfones para os locutores e também uma divisória onde havia o escritório para manter a publicidade e a produção. E uma saletazinha para diretor e outra para

47 Teresina, 1939, p.115. 48 NASCIMENTO, 2004, op. cit.

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recepção. Tudo acanhado no que tange ao espaço. Mas bem produzido, bem dividido. E uma discoteca. Naquele tempo, o disco era de cera, de 78 rotações. O Piauí vivia seu momento épico, a cera de carnaúba era a maior economia do Estado, superava o babaçu. Então ali havia a discoteca, os grandes lançamentos musicais do momento [...]49

Said rememora que a praça Pedro II, à noite, passava a ser ponto de encontro da

juventude teresinense, de todas as classes sociais. Atendendo a pedidos, o locutor da

amplificadora que ali funcionava mandava mensagens românticas às moçoilas, às quais eram

oferecidas músicas, mediante pagamento. Sobre a programação da amplificadora em que ele

trabalhava, havia espaço para comentários sobre música, cinema, teatro, esporte, noticiário e

prestação de serviços, com avisos diversos para a população.

Por difundir a música, cinema e teatro num período em que a radiodifusão não

havia se instalado em Teresina, é possível arriscar que os serviços de alto-falantes

desenvolveram um papel importante para vender produtos e valores da embrionária indústria

cultural50 – incluindo aí os famosos cantores e cantoras da Rádio – antes da instalação de uma

emissora na capital piauiense. Era comum, por exemplo, que artistas famosos revelados pela

Rádio Nacional do Rio de Janeiro, dessem entrevistas nas amplificadoras de Teresina, por

ocasião de suas apresentações na cidade.

Na arte de fazer propaganda, em fazer com que os outros se divertissem, ficassem alegres, a gente até (fazia) crítica de cinema: “Hoje no Teatro 4 de Setembro vai passar o filme tal. Olha esse filme é bom, é filme cômico, é filme de guerra, é comédia, é melodrama”. “Olha hoje no Rex vai passar um filme tal, cuidado”, essa coisa. Quando se chegava a programação de natal se obedecia a escala de trabalho feita pela Diocese. E isso também para o carnaval. Se levava pessoa influente para serem entrevistados, jogadores de futebol, políticos. Quando chegava aqui uma companhia de comédia como a Jaime de Carvalho, e Procópio Ferreira, que também esteve em Teresina, a gente levava pra entrevista. Cantores como Orlando Silva, quando andou aqui, se levavam pra amplificadora.51

As amplificadoras não apenas faziam entrevistas com artistas de fora ou executava os

discos que a indústria fonográfica lançava. Os serviços de alto-falantes também estimulavam

a produção cultural na cidade, organizando shows de calouros, como era comum acontecer

nas maiores rádios do país.

49 SAID, op. cit. 50 ORTIZ, Renato. A moderna tradição brasileira. São Paulo. Brasiliense, 1988. 51 SAID, op. cit.

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Foto 01 – Carlos Said Fonte: Acervo fotográfico do pesquisador Daniel Vasconcelos Solon

A Rádio Propaganda Rianil e a Rádio Amplificadora Teresinense disputavam

prestígio e costumavam anunciar nos jornais os programas e novas atrações destes serviços de

alto-falantes. No início, para agradar ao público, os serviços de alto-falantes não apenas

tocavam discos e faziam a propaganda do comércio. Eles queriam exatamente oferecer

novidades e entretenimento, como as estações radiofônicas de outros estados faziam.

Se nos grandes centros urbanos do Sul do país eram dos estúdios de emissoras de

rádio que saíam grandes revelações no campo artístico, em Teresina, na ausência de uma

estação transmissora, as amplificadoras foram tomadas como espaço de conformação e

divulgação dos artistas locais, como palco de circulação e apropriação da produção cultural

regional. De seus alto-falantes foram revelados futuros componentes do “casting” da

radiofonia piauiense, sejam locutores, músicos ou humoristas, segundo atesta o ex-locutor de

amplificadora Antônio Pádua de Carvalho Freitas.

A (amplificadora) Teresinense tinha até um programa aos domingos, com dois cômicos: Tupi e Guarani. Era a turma que fazia sucesso nesse tempo. Nove horas da manhã, quando terminava a missa da Igreja do Amparo, (o povo) enchia a praça Rio Branco para ouvir Tupi e Guarani. Só cantando embolada! Mas matava a gente de rir! As bocas eram ali no relógio da Praça Rio Branco. Aquela praça ficava cheia de gente às nove horas da manhã só pra assistir o programa deles. Era só cantando embolada, todas as emboladas engraçadas que tinha, depois falavam, contavam piada, isso era só pro povo morrer de rir. Então era uma atração que essa Teresinense tinha todos os domingos pela manhã.52

52 FREITAS, Antônio de Pádua Carvalho. Entrevista cedida a Daniel Solon em 28 dez 2004.

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Ainda quanto ao esforço de divulgar e estimular uma produção cultural local, a

Rádio Amplificadora Teresinense, por exemplo, promovia o show de calouros “Valores de

Amanhã”,53 e na Rádio Propaganda Sonora Rianil, artistas e bandas locais também se

apresentavam a partir do estúdio, tocando valsas, sambas e outros ritmos54, ampliando o

espaço de produção/circulação musical da cidade. Por sua vez, a Amplificadora Cultural, de

propriedade da Arquidiocese de Teresina, tinha como principal finalidade propagar o

catolicismo. Ela funcionava na rua Desembargador Freitas, onde ficava a sede administrativa

da Igreja na capital piauiense.

No final da década de 1930 – pouco antes da elite política e econômica da capital

anunciar o sonho de uma emissora de rádio para a cidade – os alto-falantes, de um jeito ou de

outro, pareciam representar o novo, o moderno, o progresso. Isso porque, segundo os

cronistas de jornais locais, elas eram o próprio rádio – o rádio possível naquele momento

específico de Teresina. Só que sem as ondas hertzianas55:

Exibir-se-á hoje novamente por intermédio da Rádio Propaganda Sonora Rianil, dando, assim, ensejo de mais uma perfeita audição musical de estúdio, aos ouvintes da potente emissora local, das praças Rio Branco e Pedro II, o bem ensaiado conjunto denominado – OS TRÊS DO RITMO – composto por D. Broxado, ao piano, H. Oliveira, ao canto, e V. Soares ao pandeiro e cuja estréia por ocasião da referida emissora, domingo último, alcançou ruidoso sucesso (grifo meu)[...]56

Note-se que os termos utilizados “perfeita audição”, “potente emissora”, “bem

ensaiado” e “ruidoso sucesso” mostravam em si um certo nível de admiração do cronista em

torno do funcionamento da “Rádio Propaganda Sonora Rianil”, apesar dos novos ruídos que

os alto-falantes trouxeram, assim como a natureza antidemocrática daquele meio de

comunicação que não dava o direito do ouvinte baixar o volume ou mudar de faixa. No

entanto, pode-se desconfiar também que tal discurso admirado em favor da amplificadora

tivesse estímulo financeiro, embora não viesse especificado como nota publicitária.

As palavras de elogios também chegavam à amplificadora concorrente:

Anunciado amplamente como fora, a Rádio Amplificadora Teresinense – A voz da Cidade Verde – fez levar a efeito, ontem, por seus alto-falantes das

53 RÁDIO Amplificadora Teresinense. Diário Oficial, Teresina, p. 1. 10 jul. 1939. 54 RÁDIO Propaganda Sonora Rianil. Diário Oficial, Teresina, p.1, 13 abr. 1939. 55 O rádio, assim como a TV, utiliza ondas eletromagnéticas conhecidas também por ondas hertzianas, em homenagem ao físico alemão Heinrich Hertz (1857-1894), um de seus maiores estudiosos, cf. BRIGGS, ASA & BURKE, Peter. Uma história social da mídia – de Gutenberg à Internet. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004, p. 158-9. 56 DIÁRIO OFICIAL. Teresina, p.1, 13 abr. 1939.

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praças Pedro II e Rio Branco, um bem organizado programa de calouros, o qual denominou de VALORES DE AMANHÃ.57

A Amplificadora Rianil, também chamada de Estação Pioneira58, realizava

programas de calouros, como o S. João do Guri, que permitia a inscrição de crianças de até

nove anos de idade, sendo apresentado por Heider de Oliveira, de 10 anos, “o menor ´speaker´

do Brasil”. O evento atendia “a inúmeros pedidos[...] demonstrando aos ouvintes o seu

esforço em sempre proporcionar agradáveis momentos ao público” 59.

Como se vê, os alto-falantes se apropriaram até mesmo da linguagem radiofônica

utilizada na época para se estabelecerem como emissoras de rádio propriamente ditas, uma

vez que o termo speaker era amplamente utilizado nas maiores estações do Brasil para

designar a função do que mais tarde chamou-se de locutor.

Além de associada à típica linguagem radiofônica, as amplificadoras eram

descritas como “emissoras” e “estações” pelas notas de jornais, e ainda se autodenominavam

“rádio”, como fizeram os serviços de alto-falantes da loja Rianil e a Teresinense.

Não era só no uso da linguagem radiofônica e no formato de atrações que as

amplificadoras tentavam se aproximar do rádio. A Rádio Amplificadora Teresinense, que se

autodenominava a Voz da Cidade Verde, fazia anúncios de aparelhos receptores, como pode-

se deduzir a partir do anúncio abaixo:

Grande concurso “Rádios Philips” em combinação com a Rádio Amplificadora de Teresina. Na vitrine da “Casa Syria” está exposto UM PEQUENO GIGANTE, o rádio “Philips”, typo 312-A que sorteará prêmios: 100$000 para o concorrente que acertar ou mais se aproximar do número de fabricação do aparelho, e 30$000 para o concorrente que descobrir a cor da fita que cobre o seu número.60

No que diz respeito à programação das primeiras amplificadoras, os serviços de

alto-falantes também retransmitiam atrações de emissoras de fora do Estado e até mesmo do

estrangeiro. Os amantes do futebol que não tinham aparelhos receptores em casa, lotavam a

praça Rio Branco para ouvir os jogos da seleção brasileira, na copa de 1938, retransmitidos

pelo alto-falante instalado na fachada de um prédio.61

57 RÁDIO Amplificadora Teresinense. Op. cit., p.1. 58 Para NASCIMENTO, 2004, op. cit, p. 17, o termo Pioneira pode indicar que a Rianil foi a primeira amplificadora de Teresina, tendo sido inaugurada em abril de 1939. No entanto, como já vimos, desde 1937 havia legislação taxando publicidade por meio de microfones e alto-falantes. 59 DIÁRIO OFICIAL, Teresina, p.2, 19 jul. 1939. 60 DIÁRIO OFICIAL, Teresina, p.12, 13 jul. 1940. 61 PINHEIRO FILHO, Celso. História da Imprensa no Piauí. 3 ed. Teresina, Zodíaco Editora, 1997, p.179.

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A irradiação do campeonato mundial de 38, no qual o Brasil ficou em terceiro

lugar, realizada a partir de telefone, de Marselha, na França, era de responsabilidade das

rádios Cruzeiro do Sul do Rio de Janeiro (PRD-2), Cruzeiro do Sul de São Paulo (PRB-6) e

Clube de Santos – SP (PRB-4), sob o comando da Rádio Clube do Brasil do Rio de Janeiro

(PRA-3), realizando assim “a primeira transmissão esportiva em rede nacional”.62

Muitas outras partidas foram retransmitidas a partir das amplificadoras da Praça

Pedro II, como as do campeonato Rio/SP pelos alto-falantes63. Jogos internacionais, como os

da seleção brasileira, também eram atrações nas praças centrais de Teresina, através dos alto-

falantes. A Taça Rocca de 1939, disputa de futebol realizada entre brasileiros e argentinos,

por exemplo, foi retransmitida com “grande êxito” pela Rádio Amplificadora Teresinense,

com seus “dois poderosos alto-falantes ligados para as praças D. Pedro II e Rio Branco”.64

No que se refere ao funcionamento das amplificadoras dentro do contexto político

do Estado Novo, o radialista Carlos Said não lembra da Amplificadora Teresinense sendo

obrigada a retransmitir A Voz do Brasil, programa criado para propagar os ideais do governo

Getúlio Vargas. No entanto, tal programa, produzido pelo Departamento de Imprensa e

Propaganda (DIP), era ouvido com atenção para a produção do noticiário que saía das bocas

de alto-falantes.

A gente ouvia A Voz do Brasil porque ali saía muita notícia favorável ao trabalhador, a classe política aqui do Piauí, onde funcionavam o PSD, UDN e PTB. Havia ainda o PCB, até o Luis Carlos Prestes entrou na Constituição de 46 e depois que houve outra derrocada, né? E a gente ouvia A Voz do Brasil pra fazer o nosso noticiário nacional, tinha o rádio-escuta. Hoje não, você vai à Internet e já vem tudo mastigado. Naquele tempo você tinha um rádio-escuta, como teve a rádio Difusora, a rádio Clube, a rádio Pioneira. Por exemplo, em 62 eu fui diretor do Departamento de Radiojornalismo da Pioneira e nós tínhamos dois rádio-escuta, o Dídimo de Castro e o Raimundo Lima. Então nós tínhamos reportagens fantásticas como a do assassinato do presidente Kennedy e a morte do Papa João XXIII. Então a gente fazia vigília permanente. E então no tempo das amplificadoras havia o rádio escuta [...] Então a gente ouvia a Voz do Brasil pra fazer o nosso noticiário. Por que a Voz do Brasil ainda hoje eu acredito que deva ter uma secção internacional65.

É curioso destacar que, mesmo antes da utilização de alto-falantes, o centro de

Teresina contou com um “jornal falado”, em praça pública. De acordo com Pinheiro Filho, a

62 TAVARES, Reynaldo C. Histórias que o rádio não contou.: do galena ao digital, desvendando a radiodifusão no Brasil e no mundo. 2 ed. São Paulo: Harbra, 1999, p.132. 63 GARCIA, José Ribamar. Imagens da Cidade Verde, 2. ed. Rio de Janeiro: Litteris, 2000, p. 59. 64 DIÁRIO OFICIAL, Teresina, p. 2, 16 jan. 1939. 65 SAID, op. cit.

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primeira iniciativa de se transmitir informações de interesse público na capital, de forma

planejada, através da oralidade, foi em 1914, na praça Rio Branco, sem nenhum recurso

tecnológico:

[...]Tivemos, entre nós, muito antes do rádio, um jornal falado, O Dominical, do qual era redator-chefe Higino Cunha, e gerente Passos de Carvalho. Domingo, pela manhã, logo após a missa das 9 horas da Igreja do Amparo, a redação instalava-se no coreto da Praça Rio Branco, onde em volta iam-se agrupando curiosos e interessados. Começava então a transmissão oral das notícias e boatos: depois vinham as crônicas, e por fim, a parte literária. Os poetas aproveitavam para declamar suas últimas produções. Só teve dois números, sendo que o primeiro, a 06-09-1914[...]66

O pioneirismo da Rianil, no entanto, é questionado pela memória de Afonso

Ligório Pires de Carvalho, segundo a qual o primeiro serviço de alto-falantes da cidade foi a

Rádio Amplificadora Teresinense. Ele relata como se dava a publicidade neste serviço de

som, no centro da capital piauiense:

Lembro-me dos anunciantes mais freqüentes da época: a casa Marc Jacob, a movelaria de Luiz Stambovsky, a Bela Aurora, Casa Alves, Edilberto Moreira Martins, Laboratório Raul Leite, que divulgava o Guaraína, para gripe e dor de cabeça, e o Iodalb para o coração, chamado “Pão dos velhos”; a Lusitana, o alfaiate Roque Cavalcanti etc. Chamava minha atenção um anúncio veiculado pela Amplificadora, o qual jamais esqueceria pela singularidade: “Carro parado é prejuízo andando...” O anúncio vendia os serviços de uma oficina de consertos de automóveis. Não havia ainda jingle. Tudo era ao vivo. Os primeiros jingles rodados em Teresina, salvo engano, foram da geladeira Frigidaire.67

Sobre o casting da Rádio Amplificadora de Teresina, Carvalho descreve que o

locutor mais admirado pelos ouvintes era João Cúrcio Laguárdia, um dos diretores do serviço

de alto-falantes. Ele era comparado “aos melhores da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, a

estação padrão do país”, 68 e atuava em conjunto com outros speakers como Climério Bentos

Gonçalves, Dejolces de Albuquerque e Tancredo Serra e Silva. Já na amplificadora Rianil,

“destacavam-se Afonso Cordeiro, apelidado de Afonso Garrafa, que depois formou-se em

direito e mudou-se para Manaus; e um jovem conhecido por Bebê”.69

No decorrer da década de 40, a Rádio Amplificadora Rianil, foi reduzindo

programação a ponto de ficar apenas com alto-falantes em frente à loja, na praça Rio Branco.

66 PINHEIRO FILHO, op. cit. p.180. 67 CARVALHO, Afonso Ligório Pires de. Outros tempos. Brasília: Thesaurus, 2002, p. 75 68 CARVALHO, 2002, op cit, p. 76. 69 Id.

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A (amplificadora) Rianil era tudo em torno das lojas Rianil pra competir com as lojas Pernambucanas, daquela família holandesa de Recife, Lundgren, ou alguma coisa assim. Então a Rianil tinha a boca pra chamar os fregueses. ‘Olha aqui padrão, mescla, cetim, morim, sapato, não sei o que’, as lojas vendiam de tudo.70

Outras pessoas, no entanto, aproveitaram o espaço deixado pela Rianil e

instalaram novos alto-falantes. Foi o caso de Getúlio Pontes, tido como o “grande animador

das amplificadoras em Teresina”,71 fundador do sistema de alto-falantes chamado Cruzeiro do

Sul, o mesmo nome de uma emissora de rádio de São Paulo.

Pontes tinha como principal concorrente a amplificadora Comercial Teresinense,

sucessora da Rádio Amplificadora Teresinense, que teria sido comprada por Francisco Pereira

Dantas. O ex-radialista José Leonílio Guedes Marinho, que atuava com o nome artístico

“Bismarck Augusto”, também foi responsável pela Comercial. Ele conta como iniciou seu

trabalho com amplificadoras:

Eu trabalhava na Secretaria de Obras Públicas do governo do Estado, e nesse tempo não era Secretaria, era Diretoria de Obras Públicas e um amigo meu tinha esse serviço de alto-falante Comercial Teresinense, com alto-falante instalado na praça Pedro II, alto-falante instalado na praça...(pausa) dali do relógio, a praça Rio Branco, um outro alto-falante instalado na Praça Saraiva aqui ao lado, defronte a Casa Dota, no poste, e outro alto-falante instalado no mercado central. Aí ele passou a me alugar esse serviço de alto-falante e eu alugava, porque o comércio em Teresina dava preferência, porque só tinha dois serviços de alto-falante na cidade de Teresina. E só tinha uma rádio que era a Rádio Difusora de Teresina. Então o que é que houve. Eu passei a gerenciar o serviço de alto-falante Comercial Teresinense. O comércio em peso dava propaganda pra gente porque eles não tinham divulgação. Não tinham o serviço de alto-falante volante na rua, só quem tinha era eu. Então, nos davam preferência. Com o passar dos anos, o meu compadre Francisco Pereira Dantas me vendeu o serviço de alto-falante[...]72

Ainda na área comercial de Teresina havia outra amplificadora, com menor potência e

menos organizada do que a Comercial Teresinense e a Cruzeiro do Sul. Era o serviço de alto-

falantes Record, nome de outra grande rádio de São Paulo, de grande sucesso na década de

40.

70 SAID, op. cit. N.A: Os Lundgren vieram da suíça e se instalaram inicialmente no Brasil em 1855, em São Paulo, sendo que a instalação da primeira loja Pernambucanas aconteceu em 1908. Ver: História das Pernambucanas in: http://www.pernambucanas.com.br/historia.aspx. Último acesso em 22 ago 2005. 71 PINHEIRO FILHO, op. cit, p. 179. 72 MARINHO, José Leonílio Guedes (Bismarck Augusto). Entrevista cedida a Daniel Solon. Teresina, 28 dez. 2004.

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Foto 02 - José Leonílio Guedes Marinho (Bismarck Augusto). Fonte: Acervo fotográfico do pesquisador Daniel Vasconcelos Solon

Olha, eu trabalhei na Record, que tinha duas bocas na praça do mercado, mercado velho. A Record era outro serviço de alto-falante central. Era daquele Raulindo, que era deputado estadual, Roberto Raulindo. Esse foi em 50. Tinha alto-falante na Praça Rio Branco e dois alto-falantes lá na Praça do mercado velho.73

Ao se lembrar dos antigos serviços de alto-falantes, Said reconstruiu através da

memória uma imagem do que seria a Praça Saraiva na década de 1940, comparando

construções do passado e do presente e revelando uma certa estratificação das amplificadoras

quanto ao público alvo a ser atingido:

Ali se jogava futebol e daquele lado da rua Rui Barbosa, ali da praça Saraiva, ali onde é o Barão de Gurguéia até chegar ao antigo seminário, que hoje é a Casa da Cultura e o Zezinho Marchão, que ali era um grotão para subir para a Estrada Nova, que ali é um posto de gasolina e tem um colégio, parece que é o Certo. Aí você sobe a ladeira, ali era mais agências de transporte local e intermunicipal. As primeiras agências de viagens foram a agência Saraiva, agência Santos, agência Volante. Então ele (dono da amplificadora) dedicou essa Cruzeiro do Sul74 mais para o popular, para o estivador, para o motorista de caminhão, para o caminhoneiro, para quem vendia ali pequis, picolezeiro, etc e etc. E ali também ele (o dono da

73 FREITAS, op. cit. 74 É importante ressaltar que o entrevistado lembra dos locais onde os serviços de alto-falantes funcionavam mas confunde o nome das amplificadoras, atribuindo o nome da Cruzeiro do Sul a que funcionava na Praça Saraiva, sendo que ela funcionava na Praça Pedro II.

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amplificadora) montou ali, deixe-me ver, era bem na esquina da rua São José, que hoje é Félix Pacheco, com rua Barroso.75

A programação da amplificadora, que tinha bocas de alto-falantes na Praça

Saraiva (possivelmente a Amplificadora Comercial), acabava interferindo no cotidiano de

alguns grupos sociais, como os seminaristas, de acordo com o que relata o padre Raimundo

José Soares:

Quando eu estava no seminário estudando, a gente rezava sempre o terço na capela. Nessa ocasião o seminário ficava hoje onde é a Casa da Cultura e a capela dava para a Rua São Pedro. Nós estávamos lá rezando o terço, mais ou menos duas horas, depois do almoço, havia uma amplificadora funcionando na Praça Saraiva. Essa amplificadora tinha trazido um cantor de São Luis do Maranhão chamado Moacir Neves, estava anunciando que o cantor ia cantar. No seminário a gente rezando o terço, eu não estava pensando no terço, tava escutando era a amplificadora (risos). Quando ele anunciou na amplificadora o Moacir Neves, o terço era assim, uma pessoa rezava a parte da Ave Maria e a turma toda rezava a Santa Maria. Quando o que rezava a Ave Maria terminou, ninguém respondeu Santa Maria (risos), tava todo mundo era ligado na amplificadora para escutar o cantor Moacir Neves (risos). Esse fato é curioso para mostrar como de fato naquela ocasião, as amplificadoras de alguma maneira canalizavam a atenção das pessoas.76

Foto 03 – Raimundo José Airemoraes

Fonte: Acervo fotográfico do pesquisador Daniel Vasconcelos Solon

75 SAID, op. cit. 76 SOARES, Raimundo José Airemoraes. Entrevista cedida a Daniel Solon. Teresina 22 jun. 2005.

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De fato, as amplificadoras faziam parte do dia a dia da cidade. E quando traziam

artistas famosos para Teresina, alteravam a “normalidade” do centro de Teresina, como

ocorreu quando da apresentação de Moacir Neves, considerado o dono de uma das mais belas

vozes do rádio brasileiro à época. É interessante ainda ressaltar que o Pe. Raimundo José

recorda da amplificadora que funcionava na praça Saraiva, mas não guarda lembranças da

Amplificadora Cultural, da Igreja Católica, fundada na gestão de Dom Severino de Melo.

No ar... um sonho frustrado

Em 1940, como vimos, o Piauí já contava com uma emissora de rádio, a qual teve

auxílio financeiro dos cofres públicos para se instalar. Porém, ter influência no conteúdo

informativo veiculado na Rádio Educadora de Parnaíba não era o bastante para saciar a fome

de propaganda do governo do Estado, então sob comando do interventor Leônidas Melo.

Se para a emissora parnaibana os cofres estaduais foram generosos, a intenção do

governador era a de praticamente montar uma estação de rádio na capital piauiense com o

dinheiro público. Porém, a rádio deveria ser uma empresa de natureza privada, dirigida por

empresários locais pertencentes a grupos familiares com forte influência política.

Um mês depois de publicar o decreto que dava 20:000$000 de auxílio para as

instalações da Educadora de Parnaíba, o governo chamou uma reunião para mobilizar setores

políticos, empresariais, intelectuais, clericais, imprensa e até mesmo proprietários dos maiores

serviços de alto-falantes da capital até então – Rádio Amplificadora Teresinense e Rádio

Propaganda Sonora Rianil – no sentido de instalar uma estação em Teresina77.

Na referida reunião, divulgada inclusive pelas amplificadoras, foram realizados os

primeiros acertos entre os participantes, dentre eles a escolha do nome da emissora, “Rádio

Clube do Piauí”. Neste encontro, Leônidas Melo teria dito que o empreendimento “só

corresponderia aos anseios dos piauienses se possuísse um raio de ação necessário a se fazer

ouvir por todo o território nacional”.78

Foi eleita uma diretoria provisória e elaborada uma proposta de como seria a rádio

em termos estruturais, além de procurarem orçamentos cujos cálculos deveriam incluir

77 GRANDE reunião em prol da radiodifusão no Estado: A futura estação de Teresina. Diário Oficial, Teresina, p. 2. 27 jun. 1940. 78 ESTAÇÃO emissora do Piauí. Diário Oficial, Teresina, p. 1. 5 jul 1940.

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[...] a construção do edifício, modesto, mas de efeito, compreendendo, também, estúdio, pequeno auditório devidamente mobiliado e outras dependências indispensáveis, notadamente escritório mobiliado de poucas dimensões, almoxarifado, etc.79

A presidência da diretoria provisória ficou com Cícero Ferraz. Curiosamente, a

comissão contava ainda com a participação de José Moraes Correia – como visto a pouco – o

primeiro presidente da Rádio Educadora de Parnaíba.

Antes mesmo de chegarem os orçamentos, a comissão encarregada de

implementar o projeto de instalação da primeira rádio da capital já trabalhava com a

perspectiva da emissora ter capital integralizado na ordem de 600:000$000. Para se ter uma

idéia da vontade de Leônidas Melo em ver a estação funcionando, o governo se comprometeu

em entrar, juntamente com os municípios, com ¾ do capital, ou seja, 450:000$00080,

deixando claro ainda que a direção deveria ser de fora da máquina estatal, “uma vez que ao

Estado só interessa o efeito prático da irradiação afim de não ficar em plano inferior aos seus

co-irmãos, nesta fase de completa evolução”.81

Tamanho investimento não deveria apenas ser bem explicado para a população.

Era imprescindível que os piauienses assumissem para si o projeto da Rádio Clube do Piauí,

embora se tratasse, no final das contas, de uma empresa particular. E o que era melhor para o

governo: a emissora, enquanto máquina de propaganda, estaria localizada geograficamente no

centro do poder piauiense, amplificando o discurso estatal. Para convencer a sociedade em

torno da proposta, o Diário Oficial era a grande porta voz da campanha “patriótica” em prol

da Rádio Clube do Piauí:

Ninguém ignora tratar-se de um empreendimento louvável, digno dos mais francos aplausos, pois a nossa capital é uma das poucas que ainda não contam com uma moderna estação irradiadora, índice moderno do progresso em todos os ramos da atividade humana.82

Segundo Nilsângela Cardoso Lima83, a campanha foi aplaudida por quase todos os

municípios piauienses, bem como outros Estados, dentre eles Rio de Janeiro e Maranhão, que

prestavam homenagem e apoio à iniciativa do governo de Leônidas por meio de telegramas.

79 RÁDIO Clube do Piauí. Diário Oficial, Teresina, p.2. 13 jul 1940. 80 RÁDIO Clube do Piauí. Diário Oficial, Teresina, p. 2. 12 jul 1940. 81 RÀDIO Clube do Piauí. Diário Oficial, Teresina, p.1. 10 jul 1940. 82 RÁDIO Clube do Piauí. Diário Oficial, Teresina, p. 2. 12 jul 1940. 83 LIMA, Nilsângela Cardoso. ZQY-3: No ar, a primeira rádio teresinense. 2002. 70 f. Trabalho de Conclusão de Curso. (Graduação em Licenciatura Plena Em História) - Universidade Federal do Piauí.

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A repercussão do apoio dado pelos prefeitos municipais à criação da rádio decorre da necessidade de igualar a capital do Piauí às demais capitais do Brasil, em termos de radiofonia, assim como alinhá-la nos padrões de progresso e modernidade, em que pudesse levar a “alma piauiense” aos vários recantos do país.84

Um empreendimento como o rádio na capital piauiense, na potência sonhada pela

comissão que elaborou o projeto da emissora, poderia servir a diferentes propósitos, dentre

eles, ideológicos. De acordo com Nascimento85, “no processo de modernização do Estado

brasileiro, o rádio foi um instrumento poderoso na divulgação do ideário estadonovista”, ao

qual Leônidas Melo parecia admirar. Não obstante, é inegável que a emissora pudesse ser

utilizada em campanhas educativas e informativas, que dissessem respeito ao dia a dia da

população.

No mesmo ano de 1940, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)

iria realizar um novo censo demográfico em todo o país. No Piauí, o trabalho dos

recenseadores seria facilitado caso o rádio fizesse os esclarecimentos necessários à população,

sobre a importância daquela pesquisa para melhor se planejar o país. Por isso, ao saber que o

governo do Estado, empresários e políticos piauienses estavam se mobilizando em torno de

uma emissora, o delegado regional do recenseamento, Djalma Fortuna, enviou

correspondência de São Luís do Maranhão elogiando a iniciativa:

Agora em que, possuindo vossa rádio-difusora podemos melhor aquilatar o alto valor de tão grande empreendimento, felicito o Piauí [...] pela feliz iniciativa da fundação da Rádio Clube do Piauí, que virá melhor projetar o nome de futuroso Estado, constituindo preciso elemento para o Serviço de Recenseamento86.

Embora fosse de interesse do governo Vargas, como já vimos, a expansão da

radiodifusão no país, o projeto da Rádio Clube do Piauí elaborado durante o governo

Leônidas Melo não saiu do papel. No final de novembro de 1940, após cinco meses de intensa

propaganda no Diário Oficial avisando da proximidade do “sonho piauiense” em se

concretizar para o bem do povo e o progresso do Estado, é lançada uma nota87 anunciando o

aborto do que deveria ser a primeira rádio de Teresina.

A notícia causou grande frustração entre os que se engajaram na campanha. O

fracasso do projeto foi atribuído às dificuldades financeiras do Estado e dos outros setores da

84 LIMA, 2002, p.32-33. 85 NASCIMENTO, Francisco Alcides do. A cidade sob o fogo – modernização e violência policial em Teresina (1937-1945). Teresina: Fundação Monsenhor Chaves, 2002, p.54. 86 DIÁRIO OFICIAL, Teresina, 8 ago 1940, p. 8. 87 RÁDIO Clube do Piauí – aviso em geral. Diário Oficial, Teresina, P. 59. 29 nov 1940.

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economia piauiense. Além disso, a nota alegava ainda que uma determinação do Ministério da

Viação – à época responsável pelo setor radiofônico – suspendia novas concessões até que

fosse apresentado ao presidente Vargas um anteprojeto do Código Brasileiro de Radiodifusão.

Para Nascimento, possivelmente o interventor Leônidas Melo se sentisse

incomodado em não ter, na capital do Estado, uma emissora para utilizar no reforço de seus

ideais políticos e para divulgação dos atos da administração. Porém

o interventor não foi capaz de concretizar o sonho de uma emissora de rádio na capital, embora defendesse o processo de modernização dos meios de comunicação de massa. Tal incapacidade fica mais visível diante da disposição do governo em distribuir emissoras de rádio pelas várias regiões do país.88

Duas evidências, no entanto, levam a crer que os motivos do insucesso da Rádio

Clube do Piauí foram realmente a incapacidade ou a falta do engajamento de importantes

setores econômicos e políticos da cidade e/ou desentendimentos quanto ao melhor orçamento

a ser aceito.

A primeira delas é o fato de que, até o mês de outubro de 1940, as notas eufóricas

sobre a instalação - em curtíssimo prazo - de uma emissora em Teresina continuaram

presentes no Diário Oficial. Um mês depois, misteriosa e repentinamente, a comissão pró-

rádio despertou para o fato de que havia uma séria crise econômica transferindo o plano de

instalação da rádio “para uma época de mais seguras possibilidades financeiras”.89

A outra evidência é o fato de que os dados do IBGE mostram uma continuada

expansão do rádio no país, com a instalação de 10 novas estações em 1940, e 11 em 194190.

No entanto, é bem verdade que de 42 em diante, o número de inaugurações de estações caiu.

Em 1942 foram inauguradas sete estações. No ano seguinte, começaram a funcionar apenas

mais três, subindo para oito inaugurações em 1944. No ano de 1945 não foram registrados

atos inaugurais.

A redução do ritmo de inaugurações de estações de rádio a partir de 1942 até 1945

pode ser entendida ainda pelo contexto do acirramento de conflitos internacionais, ou até

mesmo pelo fato do governo Vargas dispor de uma poderosíssima máquina de propaganda nas

mãos, a Rádio Nacional.

88 NASCIMENTO, 2002, op. cit. p.55. 89 RÁDIO Clube do Piauí – aviso em geral. Diário Oficial, Teresina, P. 59. 29 nov 1940. 90 SERVIÇO de Estatística da Educação e Saúde. Anuário estatístico do Brasil 1941/1945. Rio de Janeiro: IBGE, v. 6, 1946.

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Fundada em 1936, a emissora “acabaria por tornar-se a maior lenda do rádio

brasileiro [...] cobrindo todo o território e até o exterior com seu sinal que chegava a atingir a

América do Norte, a Europa e a África”.91 A empresa pertencia ao grupo empresarial A Noite,

que serviu de modelo administrativo para outras emissoras, revolucionando a produção

radiofônica, atraindo grandes públicos, através de musicais e notícias. Encampada pelo

governo Vargas em 1940, a Rádio Nacional foi utilizada como instrumento de “afirmação do

regime”,92 mesmo funcionando nos moldes de uma organização privada, concorrendo com

outras emissoras, disputando audiência e anúncios publicitários.

Desta forma, com a Rádio Nacional sob sua tutela, o governo Vargas conseguia

não apenas controlar conteúdo da mais poderosa e mais ouvida empresa radiofônica do país.

A própria dimensão e programação da Rádio Nacional acabava por influenciar no conteúdo

que ia ao ar, de Norte a Sul do país, seja de emissoras menores, seja dos alto-falantes.

Por conseguinte, é importante ressaltar a íntima relação entre Estado e as

empresas de radiodifusão, uma vez que a permissão para explorar a radiodifusão no Brasil

depende de concessão governamental. De acordo com Osmanir Costa, historicamente

[...] as emissoras serviram de moeda de troca para barganhas econômicas e políticas entre o Executivo federal, os políticos – nos níveis nacional, estadual e municipal e os empresários do setor de radiodifusão. O modelo de concessão de emissoras baseado na forma autoritária no Executivo do Estado, atrelou profundamente o sistema de rádio brasileiro ao poder central [...]93

De 1923 a 1945, foram inauguradas 110 rádios no Brasil94. Com a queda de

Vargas e a ascensão de outro setor da elite ao poder central em 45, o rádio parece ter se

valorizado ainda mais como “moeda de troca”, para acordos que garantiriam a

governabilidade do então presidente Eurico Gaspar Dutra. Apenas nos anos de 1946 e 1947,

houve 68 inaugurações de estações de rádio.

A rapidez da expansão de estações logo após o fim do Estado Novo e da 2ª Guerra

foi impressionante, comparado ao que aconteceu nos governos anteriores a Dutra. Os dados

do IBGE mostram que de 1923 a 1930, foram inauguradas apenas 16 estações no país,

enquanto que de 1931 a 1945 foram legalmente colocadas no ar 94 emissoras.

91 ORTRIWANO, op. cit, p.18. 92 MIRANDA, Orlando. A era do rádio. In: Nosso Século, Abril Cultural, nº 17, p. 72, Apud ORTRIWANO, op. cit, p. 18. 93 COSTA, op. cit. p.37. 94 SERVIÇO de Estatística da Educação e Saúde. Anuário estatístico do Brasil 1949. Rio de Janeiro: IBGE, v.10, 1950. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/seculoxx/arquivos/cultura.xls. Último acesso em 4 ago 2005.

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Ainda com toda a disposição de Dutra em assinar mais concessões de rádio para

todo os cantos do Brasil, Teresina só assistiu à primeira inauguração de uma emissora em

1948, quando passou a funcionar a Rádio Difusora de Teresina, como veremos mais adiante.

Até aquele ano, as amplificadoras de Teresina dominaram os ares da capital.

O fracasso do primeiro plano de instalação de uma emissora de Teresina parecia

estar previsto na programação de 13 de abril de 1939 da Rádio Propaganda Sonora Rianil.

Dentro do “ruidoso sucesso” que foi a apresentação do conjunto “Os três do ritmo”, foram

tocadas músicas de diversos estilos como samba, fox e valsa, como a canção “Tenho medo de

sonhar”.95.

Rádios de papel: outros projetos de emissoras não consolidados

Além da emissora sonhada pelo governador Leônidas Melo, outras estações

ficaram apenas no projeto, com a diferença de terem conseguidos concessões federais para

funcionar, porém, acabaram não vingando, tornando-se assim apenas “rádios de papel”.

Já no início da década de 50, por exemplo, em meio à disputa por anúncios entre

os serviços de alto-falantes e a Rádio Difusora de Teresina, sobre a qual discorrer-se-á mais

adiante, outros grupos sociais e políticos se articulavam para instalar novas emissoras de

rádio. O então deputado federal pelo Piauí, José Cândido Ferraz96, da UDN, era um dos mais

entusiasmados com a idéia de ter uma rádio para fins políticos. Para tanto, anunciava a

aquisição de equipamentos potentes, capazes de cobrir não só o Piauí, mas também como

grande parte do país, como revelava uma matéria de primeira página de jornal teresinense:

Procedente do Rio de Janeiro, chegou a esta capital, o Dr. Geraldo Gunther, que veio com o fim especial de instalar os transmissores da nova estação radiofônica de propriedade do ilustre deputado José Cândido Ferraz, a qual receberá o nome: “Rádio Clube do Piauí”. Provisoriamente, a “Voz de Teresina” será transmitida do local das torres, onde serão colocadas as possantes antenas que, dentro de 60 dias, levarão aos céus do Brasil a mensagem inaugural de mais uma estação piauiense.97

95 RÁDIO Propaganda Sonora Rianil. Diário Oficial, Teresina, P. 2. 13 abr 1939. 96 José Cândido ficou bastante conhecido no Piauí na década de 40 após ser acusado, sem comprovação, de que seria responsável pelos incêndios que aterrorizaram moradores de casas de palha em Teresina. A partir deste fato, projetou-se na política, cf. NASCIMENTO, Alcides do. A cidade sob o fogo: modernização e violência policial em Teresina (1937-1945). Teresina, Fundação Monsenhor Chaves, 2002. 97 A VOZ de Teresina. O Dia, Teresina, p. 1. 14 set. 1952.

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O processo de consolidação da radiodifusão no Piauí era discussão presente nos

jornais impressos da época, mostrando que havia também quem questionasse sobre a

viabilidade do funcionamento de duas emissoras de rádio numa capital do porte de Teresina:

[...] Muita gente vê, com certa reserva, a existência de duas estações radiofônicas em Teresina, entendendo que nossa capital tem margem para sustentar, financeiramente, uma estação. [...] Ao nosso ver, a existência de mais uma estação emissora irá contribuir, sem dúvida, para que ambas procurem esmerar-se o máximo possível, nas programações. Com isso lucrarão os ouvintes. Também não acreditamos na concorrência desleal entre as emissoras teresinenses, que estarão obrigadas, por um dever de ética, a manter, a todo custo, um nível de cordialidade e entendimentos perfeitos, compatível com as normas da boa educação e da conduta superior que deve orientar os profissionais do mesmo ramo. É isso que, como ouvintes assíduos de rádio, desejamos ver brevemente em Teresina [...]98

A notícia sobre a criação de um jornal diário e criação de uma nova emissora de

rádio, além da melhoria do cinema local teve grande destaque na imprensa escrita. Para

realizar seus investimentos em comunicação, José Cândido usou do prestígio que tinha junto

ao presidente Getúlio Vargas, conseguindo assim um empréstimo de 17 milhões de cruzeiros

junto ao Banco do Brasil.

José Cândido era tido como uma das “grandes raposas” da política piauiense e

mesmo sendo da UDN, partido que fazia oposição formal a Getúlio Vargas (PTB), tinha bom

acesso ao Palácio do Catete, por sempre acompanhar a orientação do governo no Congresso.

Os jornalistas que faziam comentários sobre a política local relatavam que o tratamento dado

a Zecândido, como também era conhecido, acabava por gerar desconfianças entre udenistas e

ciumeiras entre petebistas piauienses, entre eles, o senador Arêa Leão.

Foto 04: José Cândido Ferraz

Fonte: Jornal O Dia, 7 de dezembro de 1952, ano II, nº 97, p.1

98 RÁDIO. O Dia, Teresina, p. 2. 14 dez. 1952.

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Um comentário do jornalista e radialista Karam Jorge Cury – que fazia o

programa Vesperal das Moças, na Rádio Difusora – ilustra bem a imagem que estava sendo

construída do político José Cândido Ferraz, por conta de sua boa relação com o Catete, e por

conseguir uma concessão de rádio e ainda um empréstimo milionário para concretização

destes investimentos. Parecia que José Cândido estava prestes a se tornar um salvador da

pátria, um redentor para o estado do Piauí, dependendo apenas da instalação da segunda

emissora da capital, mais uma vez fazendo uso do rádio como sinônimo de “progresso”, de

desenvolvimento:

A sua posição (de José Cândido Ferraz) junto ao governo federal é invejável e estamos certos de que, somente com sua interferência podemos obter os recursos que necessitamos para nossa libertação econômica. A prova do que afirmo está na recente aquisição de um prefixo de Rádio para Teresina, com uma potência inicial, nos transmissores, de 10 kwats, cobrindo todo o território brasileiro, de dia e de noite, anunciando eficientemente e permitindo ao nosso povo um nível geral de divertimento muito melhor e através daquele microfone o povo piauiense levará para os céus do Brasil os seus princípios e as suas reivindicações, na expansão de uma obra majestosa e não mais “silenciosa”, creditada no concerto nacional. Após isto, haverá entre o deputado José Cândido Ferraz e os piauienses uma confiança recíproca baseada em condições adequadas para que o povo, em geral, tenha sua disponibilidade à grandeza da Terra. A “voz do Piauí”, em todos os receptores do Brasil, trará, incontestavelmente, o crescimento de uma comunidade e este será o melhor ponto de libertação econômica, que se irá fortalecendo, dia a dia, graças aos homens de ação e iniciativa como o patrono desta obra de tão grande utilidade. Sei, como radialista que sou, o quanto é difícil conseguir-se um canal para uma Emissora no Brasil[...] Entretanto, o Senhor José Cândido Ferraz levará para o Piauí um prefixo privilegiado pelas suas várias modalidades de transmissão, levando-se por conseguinte, com esta aquisição, sobre sua própria personalidade de homem decidido que é sobre a história das grandes aquisições para o Piauí, avançado ainda pelos caminhos do valôr moral, numa conjuntura excepcional, ajudando a organizar comodamente e orientar o Estado, social e economicamente sem que, assim, sacrifique a ação do povo com subscrições.99

O título do comentário cujo trecho foi transcrito acima trazia uma profecia: “José

Cândido Ferraz será o futuro líder absoluto no Piauí”. Além do exagerado culto a

personalidade, não se via um discurso tão apaixonado em favor da instalação de uma emissora

de rádio desde que fracassou a primeira tentativa de se criar a primeira estação teresinense,

ainda no início da década de 40, cujo projeto levava também o nome de “Rádio Clube do

Piauí”.

99 CURY, Karam. Notas e comentários. O Dia, Teresina, p. 3. 21 set 1952.

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De fato, Ferraz não escondia de ninguém que pretendia utilizar toda sua estrutura

de comunicação que viesse a instalar para utilizá-la no campo das disputas políticas. Em

entrevista a jornal de Teresina, falou da intenção de montar um Jornal e uma emissora de

Rádio, para se fortalecer politicamente:

[...] A UDN, depois de janeiro, vitalizada pelo Jornal e pela Rádio, o primeiro, em circulação ainda este mês, terá ação eficiente em todos os núcleos municipais, de sorte a eliminar o abandono em que vivem, e a que estão alheios os líderes dos acordos com os adversários [...]100

Outra agremiação adversária, o PSD, do governador Pedro Freitas, já tinha a

Rádio Difusora. Na emissora, em agosto de 1954, estreou o programa PSD na Vanguarda101,

transmitido às 21h. No ano seguinte, o programa foi irradiado às segundas, quintas e sextas, às

20h30102, com a participação de candidatos no estúdio da rádio. Em 1954, entre os que

concorriam a uma vaga na Assembléia Legislativa, estava o diretor-administrativo da

emissora, José Lopes dos Santos. Ele tinha como um dos comitês eleitorais para distribuição

de material de campanha a sede da Rádio Difusora. (Figura 2).

Figura 02: Propaganda de José Lopes dos Santos em jornal Fonte: Jornal O Dia, 23 de agosto de 1954, nº 201, p.6

100 FALA aos piauienses o deputado José Cândido Ferraz. O Dia, Teresina, p. 1. 7 dez 1952. 101 JORNAL DO PIAUÍ, Teresina, p. 3. 11 ago 1954 102 JORNAL DO PIAUÍ, Teresina, P.2. 25 set 1954.

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A utilização do rádio para proveito político próprio não era exclusividade de José

Lopes dos Santos. Em outras cidades do país, vários candidatos radialistas usaram as

emissoras onde trabalhavam como “atalho para as urnas”103, utilizando seus programas e

prestígio enquanto comunicadores para formar o chamado “capital eleitoral”104. No entanto,

nem sempre deter espaço nos microfones de estação de rádios quer dizer eleição garantida.

Santos, por exemplo, não conseguiu se eleger, mesmo estando à frente do programa de maior

sucesso do rádio do Piauí naquele momento: O Grande Jornal Q-3. O fracasso do radialista

não virou regra. Em outros pleitos, vários profissionais do rádio conseguiram chegar a cargos

eletivos, utilizando espaços nas emissoras em seu favor.

No momento em que o rádio se expandia e aos poucos se consolidava no Piauí,

era indiscutível a importância de uma máquina de propaganda como uma emissora para

possibilitar que o discurso e ideologia partidárias chegassem mais longe, formando opiniões,

conquistando eleitores. Em desvantagem por não ter uma emissora exclusivamente a seu

favor, era necessário ao cacique da UDN também ter a mesma arma eleitoral.

A concessão de rádio em ondas médias foi garantida a José Cândido Ferraz

através do decreto nº 30.196, de 21 de novembro de 1951105, assinado por Getúlio Vargas,

pelo prazo de três anos, com a potência de 10 kw. No mesmo dia, com a assinatura do decreto

n. 30.197106, Vargas também outorgou concessão para que a emissora atuasse também em

freqüência tropical, com a potência de 1 kw.

Com os decretos na mão e com a autorização de Getúlio, José Cândido encontrou

praticamente abertos os cofres do Banco do Brasil, para conseguir o empréstimo de Cr$ 17

milhões, apresentando pouquíssima garantia patrimonial, como um imóvel de Cr$ 1,3 milhão

e a loja de tecidos da família, a Ferraz e Cia, com capital integralizado de Cr$ 1,5 milhões107.

Ou seja, tratava-se de um negócio de altíssimo risco para a empresa de crédito estatal.

O projeto de José Cândido para o rádio era tido como “grandioso”. Ainda segundo

o comentário de Karam Cury108, a Rádio Clube irradiaria em ondas curtas, longas, tropical e

mais tarde também em freqüência modulada. O auditório teria capacidade para 600 pessoas –

o da Difusora não comportava 200 – e também seriam instaladas emissoras em Parnaíba,

103 COSTA, op. cit, p. 140. 104 Id, p. 211. 105DECRETO nº 30.196, de 21 de novembro de 1951. Disponível em http://www6.senado.gov.br/sicon/ExecutaPesquisaLegislacao.action. Último acesso em 15 ago 2005. 106DECRETO n. 30.197, de 21 de novembro de 1951. Disponível em http://www6.senado.gov.br/sicon/ExecutaPesquisaLegislacao.action. Último acesso em 15 ago 2005. 107 IRREGULAR a situação de Zecândido. Jornal do Piauí, Teresina, p. 1 e p.4 . 16 set 1954. 108 CURY, op. cit. p.4.

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Floriano, Campo Maior e Picos, formando a cadeia Rádio Clube do Piauí. Elas teriam

programação própria, mas também retransmitiriam determinada programação vinda da matriz.

No entanto, o fantasma do fracasso parecia seguir quem ousasse utilizar o nome

“Rádio Clube do Piauí”. O prazo inicial para funcionamento da rádio em 60 dias, ou seja, em

dezembro de 1952, não foi cumprido. Outra previsão, que marcava o início da irradiação para

janeiro de 1953, também não se concretizou. Com tanta demora, algo parecia estar dando

errado com a rádio de José Cândido Ferraz.

Em 1953, o Banco do Brasil passou a cobrar as parcelas do empréstimo concedido

ao deputado, mas sem sucesso. O relatório109 sobre as maiores dívidas de empresas de

comunicação no país, emitido em 26 de fevereiro daquele ano, mostrava que o grupo José

Cândido Ferraz, entre outras grandes corporações como Grupo Antenor Mayrink Veiga,

Grupo Assis Chateubriand.

O pagamento das parcelas do empréstimo de José Cândido não estavam sendo

realizados, mas mesmo assim o banco liberava os valores prometidos. Não demorou muito, o

caso foi associado ao escândalo que envolveu o presidente Vargas e o jornalista Samuel

Wainer, que também foi financiado pelo Banco do Brasil para montar o jornal Última Hora

(UH). O periódico inovou quanto ao conteúdo e apresentação gráfica, abrindo uma nova fase

na imprensa brasileira, obtendo grande sucesso nos anos iniciais, até estourarem denúncias,

em 1954, sobre facilidades de empréstimos do Banco do Brasil a Wainer, por influência de

Vargas.110

Como o caso de José Cândido era muito parecido com o de Samuel Wainer, o

parlamentar piauiense também foi citado no relatório final da Comissão Parlamentar de

Inquérito (CPI) instalada para investigar irregularidades na liberação de empréstimos do

Banco do Brasil111.

Em 1954, com a morte de Getúlio Vargas, o novo governo deu ordens para que

fosse revista a questão dos empréstimos do Banco de Brasil, para empresas do ramo da

comunicação. Era o que faltava para que o projeto de instalação da Rádio Clube do Piauí não

vingasse.

O novo governo resolveu regularizar a situação de todos os empréstimos desse estabelecimento de crédito a empresas de publicidade, dentro do propósito de conceder prazos aquelas que apresentassem garantias

109 ARQUIVO Fundação Getúlio Vargas. Pasta 1953/GV. Disponível em www.fgv.br. Último acesso em 20 de agosto de 2005. 110 BAHIA, Juarez. Jornal, história e técnica. 4 ed. Editora Ática, São Paulo, 1990, p. 74. 111 ZÉ CÂNDIDO gastou 17 milhões do Banco do Brasil. Jornal do Piauí, Teresina, p. 1. 23 mar 1954.

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suficientes de pagamento e promover a execução das demais. As empresas do deputado José Cândido Ferraz, convidadas a apresentar tais garantias, propuseram entregar todos os seus bens em pagamento de suas dívidas, aliás vencidas. O Banco do Brasil recusou a proposta e determinou a execução imediata.112

A Justiça, a pedido do Banco do Brasil, decretou a falência das empresas de José

Cândido, publicando editais nos jornais da cidade, uma verdadeira humilhação, bastante

explorada pelos adversários políticos. (Figura 3) É possível especular que o investimento de

Cr$ 17 milhões deve ter servido para outros projetos do deputado – entre eles o da reeleição,

ocorrida ainda naquele ano – já que não faltou dinheiro e nem tempo para que se instalasse

uma emissora de rádio e um jornal, mesmo que tais empreendimentos utilizassem

equipamentos de ponta. No entanto, o desfecho do escândalo da rádio milionária que nunca

foi ao ar ainda há de ser escavado em futuras pesquisas.

Com o fracasso do projeto de rádio de José Cândido Ferraz, os udenistas só

tiveram de fato a sensação de controlar uma emissora apenas em 1960, quando o então

deputado e presidente da UDN, Walter Alencar, montou a Rádio Clube de Teresina. Era a

terceira rádio do Estado, uma vez que em Floriano, no ano de 1957, havia sido fundada a

Rádio Difusora de Floriano, montada pelo também chefe político Raimundo Bacelar, então

deputado federal.

Figura 03: Edital de falência da Rádio Clube do Piauí Fonte: Jornal O Dia, Teresina, 28 de novembro de 1954, nº 211, p. 6

112 EXECUTADAS as empresas de Rádio e Jornal. O Dia, Teresina, p. 4. 10 out 1954.

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Além do empreendimento de José Cândido Ferraz, outra emissora que não saiu do

papel foi a Rádio Cultura, que tinha como principal articulador o radialista Karam Jorge Cury,

o mesmo radialista cujo comentário favorável a Rádio Clube do Piauí foi transcrito há pouco.

O decreto nº 40.642, de 27 de dezembro 1956113, assinado pelo presidente Juscelino

Kubitschek outorgou concessão à Rádio Cultura do Piauí Limitada para instalar uma estação

radiodifusora de ondas médias.

Apesar de ter bons contatos nas esferas de poder municipal, estadual e no

judiciário, além de contar com o apoio de vários jornais locais, Karam Cury não teve a mesma

sorte de José Cândido em conseguir empréstimos para a compra dos equipamentos e

instalação de estúdios. Também “faltou apoio” dos governantes, que não quiseram se associar

ao radialista para concretização da rádio114.

A primeira rádio de Teresina “nasceu” em Parnaíba

Aceitando a tese de ter o rádio como “índice moderno de progresso”115, a

modernidade chegou em Teresina através de uma leve brisa do litoral parnaibano. Incapaz de

implementar algo que tinha principalmente a máquina estatal como suporte econômico e

institucional em 1940, a elite comercial e política teresinense precisou da intervenção do

fundador do rádio em Parnaíba para que a primeira estação viesse a ser um sonho

concretizado na capital.

Oito anos depois da inauguração oficial da Rádio Educadora de Parnaíba, Alcenor

Madeira conseguiu reunir todos os elementos necessários para o nascimento da radiodifusão

teresinense, como conta José Lopes dos Santos116:

O fundador da Rádio Educadora de Parnaíba, Alcenor Madeira, era um apaixonado pelo rádio e um técnico. Depois de instalar a Educadora e de sentir que Teresina estava precisando de uma emissora também, ele se voltou pra cá e, em 1946, com ajuda de várias pessoas, várias personalidades de Teresina, é..., constituiu uma empresa é..., você se associava a ela comprando ações, né? Ações, eu próprio comprei ações. Comprei depois que já estava aqui, porque eu cheguei em 51 e ela tinha sido inaugurada em 18 de julho de 1948117.

113DECRETO nº 40.642, de 27 de dezembro 1956. Disponível em Disponível em http://www6.senado.gov.br/sicon/ExecutaPesquisaLegislacao.action. Último acesso em 15 ago 2005. 114 CURY, Karam Jorge. Conversa informal com o pesquisador Daniel Vasconcelos Solon, em outubro de 2005. 115 RÁDIO Clube do Piauí. Diário Oficial, Teresina, p. 2. 12 jul 1940. 116 SANTOS, José Lopes dos. Entrevista concedida a Francisco Alcides do Nascimento. Teresina, 2004. 117 A entrevista de José Lopes dos Santos faz parte do acervo do Núcleo de História Oral da Ufpi, integrante do projeto História do Rádio.

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O momento de instalação da Rádio Difusora de Teresina coincidiu com o início da

fase de declínio da economia de Parnaíba, quando o extrativismo passou a dar sinais de crise.

De acordo com Santana, no final dos anos 40, com a queda dos preços da cera de carnaúba, o

Estado entrava em uma situação financeira bastante delicada: “a participação percentual da

produção extrativa vegetal era, em 1947, de 62%; passou a declinar, representando, em 1955,

11,2% e, no fim do período, 19,5%”118. No que se refere a participação da indústria na

economia piauiense, em 1939 ela contribuía com 6% na formação do Produto Interno do

Piauí, enquanto que em 1948 houve redução para 3,3% e um pequeno acréscimo para 3,8%,

em 1950.119

Já com relação ao comércio, devido à crise do extrativismo, Parnaíba passa por

decadência nos primeiros anos da década de 50, enquanto a atividade se fortalece em

Teresina, segundo informam Tajra & Tajra Filho120. Provavelmente, com essa nova situação,

passou a ser de interesse da elite comercial de Parnaíba a implementação do projeto de rádio

na capital piauiense. Era uma possibilidade de expandir negócios, como fizeram à época

algumas empresas importadoras que abriram filiais em Teresina.

Poncion Rodrigues, dono de grande empresa importadora localizada em Parnaíba,

foi um dos que abriram filial em Teresina. O exemplo dele é interessante para se verificar o

quanto à radiodifusão pode ter influenciado na economia local. Além de ser acionista da

Rádio Educadora de Parnaíba, Poncion tinha entre os principais produtos os aparelhos de

rádio Philco, sendo distribuidor exclusivo da marca. Em outubro de 1947, quase um ano antes

da inauguração da Difusora, a empresa utilizou considerável espaço publicitário de Teresina

onde anunciava:

Rádios Philco. De fama mundial pela qualidade. Chegou em Parnaíba diretamente dos EE Unidos a primeira remessa. Brevemente faremos lançamento nesta capital. Aguardem. Poncion Rodrigues & Cia Ltda. Rua Senador Teodoro Pacheco, 927, Teresina-Piauí.121

Para criar a Difusora teresinense, presume-se que Alcenor Madeira tenha seguido

um caminho diferente do escolhido pela comissão que fracassou ao tentar criar a Rádio Clube

do Piauí, em 1940. Ele constituiu legalmente a empresa em 1946, logo requerendo a

concessão do governo federal, ao mesmo tempo em que articulava políticos e comerciantes de

118 SANTANA, R.N Monteiro. Evolução Histórica da Economia Piauiense. Teresina, Ed. Academia Piauiense de Letras, 2001, p.117. 119 MENDES, Felipe. Economia e Desenvolvimento do Piauí. Teresina: Fundação Monsenhor Chaves, 2003. 120 TAJRA, J.E & TAJRA FILHO. O comércio e a indústria no Piauí. In SANTANA, R.N (Org). Piauí, Formação, Desenvolvimento e Perspectivas. Teresina, Halley, 1995, p.146. 121 O PIAUÍ, Teresina, p. 1, 23 out 1947.

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Teresina em torno do projeto da rádio. O decreto presidencial nº 22.494 autorizando o

funcionamento da Rádio Difusora de Teresina foi assinado em 21 de janeiro de 1947 pelo

presidente Eurico Gaspar Dutra.

Além do know-how obtido com a experiência da Rádio Educadora de Parnaíba, o

decreto presidencial era outro trunfo que Alcenor Madeira possuía para convencer os mais

incrédulos, vendendo as cotas necessárias para viabilizar a compra dos equipamentos e

despesas de instalação da Rádio Difusora de Teresina. Aliás, em 1947, Alcenor Madeira era o

superintendente da Rádio Educadora de Parnaíba122. Ele iria ocupar o mesmo cargo ao ser

eleita a primeira diretoria da estação teresinense.

Em 18 de julho de 1948, sob as bênçãos da Igreja e a subvenção de Cr$ 60 mil do

governo do Estado, entra no ar a Rádio Difusora de Teresina (ZYQ-3), a primeira e esperada

estação radiofônica da capital piauiense. Apesar da implantação da emissora ter acontecido

tardiamente em Teresina, o fato trouxe mudanças importantes no dia-a-dia das pessoas em um

relativo espaço de tempo.

[...] Parece não haver dúvidas de que entre 1949 e 1970, o rádio foi o principal meio de comunicação de massa do Piauí, e que modificou de forma significativa as formas de sentir, refletir e ver o mundo. O cotidiano das pessoas foi transformado irreversivelmente[...]123

A inauguração da ZYQ-3 contou com a presença do bispo de Teresina, D.

Severino Vieira de Melo, e do governador do Estado, Rocha Furtado, dentre outras

autoridades. A partir daquele momento o governo estadual passava a ter um espaço fixo na

programação da emissora, conforme previa o Artigo 2º da Lei nº 72, de 17 de janeiro de 1948,

que garantiu a subvenção anual de Cr$ 60 mil à Difusora:

A Rádio Difusora de Teresina se obriga a reservar, diariamente, meia hora de seu programa para divulgação da matéria do interesse do Estado, bem como realizar as irradiações de solenidades oficiais, do estúdio ou de qualquer parte da cidade onde haja instalação telefônica, inteiramente grátis a partir do dia de sua inauguração.124

A proximidade com o centro do poder estadual garantiu que a Rádio Difusora de

Teresina recebesse melhor tratamento financeiro que a Rádio Educadora de Parnaíba. A

122 ATA da sétima assembléia geral ordinária da “Rádio Educadora de Parnaíba”, S.A. Diário Oficial, Teresina, p. 6. 9 jan 1947. 123 NASCIMENTO, Francisco Alcides do. Os antecedentes do rádio – apontamentos para a história da radiodifusão no Piauí. In: Caderno de Teresina, Ano XIV, nº 34, Teresina: Fundação Monsenhor Chaves, nov. 2002, p.33. 124 DIÁRIO Oficial. Teresina, p.1. 3 fev 1948.

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primeira estação piauiense também foi beneficiada por subvenção anual do governo, porém,

com um incentivo menor. A Lei nº 69, aprovada também no dia 17 de janeiro de 1948,

obrigou a emissora parnaibana a dedicar “diariamente um quarto de hora de seu programa

para o serviço de divulgação do Estado, dos atos oficiais e do expediente das repartições

públicas existentes em Parnaíba”.125

O artigo 3º da Lei que beneficiou a Difusora deixava clara a preferência do

governo estadual pela emissora teresinense: “Logo que as condições financeiras do Estado

permitam, a subvenção de que trata esta lei será elevada para Cr$ 120.000.00 (cento e vinte

mil cruzeiros)”. Enquanto isso, a legislação que garantiu a subvenção da Educadora ressaltava

que os Cr$ 48 mil anuais seriam pagos em 12 parcelas de Cr$ 4 mil. Antes da estação de

Teresina funcionar, o Estado tinha a opção de propagar seus atos através das amplificadoras.

Os que há muito ansiavam por uma emissora em Teresina, ressaltavam as

vantagens do rádio sobre outros meios de comunicação e ao mesmo tempo reconheciam a

importância de Alcenor Madeira na concretização do projeto de rádio para a capital e o

pioneirismo ao qual esteve à frente:

[...]O rádio, todos nós sabemos, é uma inovação do homem moderno, que nos trouxe grandes benefícios e que oferece o meio de comunicação mais rápido, pela extraordinária facilidade de transmitir a voz humana, atravessando mares e oceanos, serras e montanhas, numa velocidade idêntica ou superior ao relâmpago, sem a utilização de fios e equivalentes mas elevado apenas pelas ondas hartezianas (sic) descobertas pelo grande Marconi. [...] No Piauí merece ser ressaltada a boa vontade, a destemida coragem, a dedicação e o entusiasmo de Alcenor Madeira, que é incontestavelmente o pioneiro da radi-fusão (sic) em nosso Estado, uma vez que foi ele que instalou em Parnaíba a nossa primeira emissora e por último, aqui em Teresina, fundou, montou e dirige, como seu superintendente, a Rádio Difusora de Teresina, instalada com todos os requisitos modernos [...]126

Assim, a instalação da Rádio Difusora de Teresina – e a modernidade que ela

representou – acirrou a tensão entre o novo e o velho127, modificando relações sociais,

atingindo o cotidiano das pessoas, acelerando o dia a dia da cidade, dentro de um processo

contraditório que “cria conflitos, destrói valores, inventa concepções de mundo e de vida”128.

125 DIÁRIO Oficial. Teresina, p.2. 31 jan 1948. 126 21 DE SETEMBRO: Dia do Rádio. Jornal do Comércio, Teresina, p. 3. 24 set 1949. 127 Sobre a discussão entre o novo e o velho Cf LE GOFF, Jacques. História e Memória. 3. ed. Campinas. UNICAMP, 1994. 128 REZENDE, Antônio Paulo. Desencantos modernos: histórias da cidade do Recife na década de XX. Recife: Fundarpe, 1997, p. 117.

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Desta forma, as amplificadoras que foram adjetivadas como algo “moderno”,

“potente”, de “ruidoso sucesso”, “extraordinário” quando de seu surgimento, passariam a ser

vistas como o antimoderno, símbolo do atraso, inimigo do progresso e da civilização, como

veremos nos discursos criados no período que antecedeu o centenário de Teresina, mostrando

como “heterogêneos e contraditórios são os caminhos labirínticos da modernidade”129.

As sociabilidades no centro de Teresina a partir das amplificadoras, o

funcionamento da Difusora, sobre os conflitos com os alto-falantes e o discurso da

modernidade e do progresso em Teresina no final da década de 1940 e início dos anos 50 é o

que aprofundaremos no próximo capítulo.

129 REZENDE, op. cit, p. 117.

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CAPÍTULO II

O CEN(TEN)ÁRIO DE TERESINA E O SILÊNCIO DOS ALTO-FALANTES

Do ponto de vista tecnológico, as amplificadoras eram um meio bastante rústico

se comparadas às maravilhas que a imprensa estampava corriqueiramente sobre novos

produtos e novas possibilidades de comunicação à longa distância. O mundo vivia a “Era da

Informação”,1 as pessoas começavam a viver as primeiras experiências e deslumbramentos de

um período que

foi atravessado por grandes contradições. Foram anos de avanços técnicos e tecnológicos, mas, ao mesmo tempo, de descoberta de que todos estes signos implicavam uma mudança no ritmo de vida das pessoas. Foram anos, enfim, nos quais se iria perceber que as transformações decorrentes das mudanças tecnológicas tinham repercussão no campo das percepções, isto é, no modo como as pessoas subjetivavam estes avanços técnicos.2

Para Defleur & Ball-Rokeach, “o sempre crescente ritmo de evolução de

tecnologias em novos sistemas de comunicação é uma das marcas características de nossa

época3”. Estes autores destacam a importância da invenção do computador – em meados da

década de 1940 – na mudança do rumo da história da mídia, possibilitando novos e melhores

usos dos meios de comunicação existentes, acelerando de forma irreversível a velocidade e o

fluxo de informações no planeta.

O artigo “A Era dos Autômatos”, publicado no jornal “O Piauí” em 1951 ilustra

bem o período de mudanças e rupturas experimentados à época. A transcrição do texto, na

íntegra, faz-se necessária para visualizar o deslumbramento causado pelas inovações

tecnológicas e da ciência, numa época em que a sociedade brasileira discutia sobre os

benefícios e malefícios de uma lei que regulasse o divórcio:

Mandar fazer uma esposa sob medida talvez seja a solução para resolver o problema matrimonial. Da (mesma) forma, o jeito mais seguro de conseguir perfeitos empregados, amigos, filhos, quaisquer outros indivíduos, é mandar fabricá-los de acordo com o nosso gosto. Segundo cientistas de comprovada capacidade, não está longe o dia em que poderemos fazer isso.

1 TOFLER, Alvin. A terceira onda. 18.ed. Rio de Janeiro: Record, 1992. 2 CASTELO BRANCO, Edwar de Alencar. Todos os dias de Paupéria – Torquato Neto e a invenção da Tropicália. São Paulo: Annablume, 2005, p 68. 3 DEFLEUR & ROKEACH op. cit, p. 348.

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A possibilidade de fabricar um homem mecânico foi um dos temas do Primeiro Congresso Internacional de Comunicações Mecânicas que acaba de acontecer em Paris. Como lhes disse em comentários anteriores, nos Estados Unidos, na Universidade da Califórnia, já está funcionando perfeitamente um cérebro elétrico. O cérebro elétrico é capaz não só de resolver problemas de alta matemática mas também traduzir línguas estrangeiras. Este engenho funciona por meio de um tubo de raios catódicos, semelhantes aos usados em televisão. Por outra parte, a indústria norte-americana já fabrica pernas e braços mecânicos de uma perfeição quase inacreditável. No congresso de Paris o dr. Warren MacCulloch, da Universidade de Illinois, disse textualmente: ‘Estamos na véspera de uma nova e muito maior revolução industrial. As fábricas do futuro talvez tenham operários mecânicos e sejam dirigidas por cérebros artificiais. Isto será perfeitamente possível se continuarmos progredindo em nossas experiências’. MacCulloch recorda que desde o homem de Cro-Magnon, de 20 mil anos passados, até hoje, o cérebro humano tem diminuído de tamanho, enquanto que as máquinas se tornam cada vez mais perfeitas. ‘Nós possuímos máquinas – afirma MacCulloch – dotadas de músculos super-humanos, e brevemente as teremos cor cérebros super-humanos. As nossas máquinas com tubos à vácuo podem pensar mil vezes mais rapidamente do que as células nervosas do cérebro humano. Se continuarmos como vamos, a sociedade do futuro será governada por autômatos’. Na opinião do dr. Norbert Wiener, do Instituto de Tecnologia de Massachussets, os homens mecânicos vão crear problemas sérios, entre os quais o do desemprego para os humanos. ‘Se bem devamos continuar pesquizando – diz o dr. Wiener – devemos precaver-nos contra a era dos autômatos. Não o fazendo, poderemos acabar sendo escravos das máquinas. Estas máquinas terão mais poder que a própria energia atômica’. Concordando com estes pontos de vista, o dr. Henry H. Aiken, da Universidade de Harvard, declara: ‘A máquina já provou sobejamente que é superior ao cérebro humano. Um calculador mecânico resolveu um problema de fissura do urânio em 103 horas. O mesmo problema teria custado a um cientista de carne e osso 100 anos de trabalho contínuo’.4

Não obstante às proféticas informações do artigo “A Era dos Autômatos”, os

avanços da ciência moderna ainda estavam muito distantes da realidade dos piauienses, no

final dos anos 40 e início dos anos 50 do século passado. O “homem mecânico”, sem dúvida,

era algo de “outro mundo” visto por habitantes de uma capital como Teresina onde

“equipamentos” básicos da modernidade, como energia elétrica, abastecimento regular de

água, serviços telefônicos e de transporte careciam de profundos investimentos.

4 NETO, Al. A Era dos Autômatos. O Piauí, Teresina, p.3. 22 jul 1951.

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Além do distanciamento de Teresina com relação às novidades do Primeiro

Congresso Internacional de Comunicações Mecânicas de Paris, a capital piauiense também

estava distante do processo de modernização dos grandes centros urbanos brasileiros. Em

1950, por exemplo, quando o rádio ainda engatinhava em Teresina, a TV Tupi – o primeiro

canal de televisão no Brasil – foi inaugurada em São Paulo.

Após a chegada da TV no Sudeste do Brasil, começou-se a questionar até quando

sobreviveria a “Era do Rádio”. Mas esta discussão sobre a ameaça da TV à soberania do rádio

estava longe de se tornar presente no cotidiano de Teresina, uma vez que a cidade se

encontrava em outro estágio de desenvolvimento no que se refere às novas tecnologias de

comunicação. Ou seja, Teresina acompanhava ainda o lento desenvolvimento da Rádio

Difusora de Teresina e ainda tinha nas amplificadoras uma importante mídia5 que ajudava o

comércio local, informava e entretinha a sociedade.

Mas como se dava o processo de comunicação em Teresina utilizando-se meios

simples como as amplificadoras? John B. Thompson caracteriza a comunicação “como um

tipo distinto de atividade social que envolve a produção, a transmissão e a recepção de formas

simbólicas e implica a utilização de recursos de vários tipos”.6 Tais recursos são chamados

pelo autor de meios técnicos, ou melhor, “o elemento material com que, ou por meio do qual,

a informação ou o conteúdo simbólico é fixado e transmitido do produtor para o receptor7”.

Para Thompson, os atributos de um meio técnico podem interferir na produção

simbólica e na forma como esta é apropriada8 pelo receptor. “Um dos atributos é o que

permite ao meio técnico um certo grau de fixação da forma simbólica, ou a sua preservação

em um meio que possui graus variáveis de durabilidade9”. O autor opina que

[...]no caso da conversação – tanto a conversação face a face quanto aquela transmitida por meios técnicos como alto-falante ou telefone – o grau de fixação pode ser muito baixo ou efetivamente inexistente; qualquer fixação neste caso vai depender da memória, mais do que de alguma propriedade distintiva do meio como tal[...]10

5 “O que é mídia? Foneticamente é o aportuguesamento do inglês media. O latim possuía a palavra médium, cujo plural era media; seu significado era ‘meio’, ‘espaço intermediário’. Além disso, dizia também ‘lugar para onde tudo converge’; logo, ‘praça pública’”. Cf POLISTCHUK, Ilana & TRINTA, Aluízio Ramos. Teorias da Comunicação – o pensamento e a prática da comunicação social. Rio de Janeiro, Campus, 2003, p. 78. 6 THOMPSON, John B. A Mídia e a Modernidade. Uma teoria social da mídia. Petrópolis, Vozes, 1998, p. 25. 7 Ibid, p. 26. 8 “Apropriar-se de uma mensagem é apoderar-se de um conteúdo significativo e torná-lo próprio”, cf THOMPSON, op. cit, p.45 9 THOMPSON, op. cit., p. 26. 10 Id. Ibid.

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Thompson observa que “um segundo atributo dos meios técnicos é o que permite

um certo grau de reprodução” uma vez que “a reprodutibilidade das formas simbólicas é uma

das características que estão na base da exploração comercial dos meios de comunicação”.11

Como vimos no capítulo anterior, as amplificadoras que funcionavam no centro

da cidade nas décadas de 40 e 50 necessitavam de registro e sofriam fiscalização da

prefeitura, sendo que durante o Estado Novo os alto-falantes estavam sujeitos à legislação que

regulava o funcionamento das emissoras de rádio propriamente ditas. A administração

municipal agia com a intenção de arrecadar tributos justamente sobre a “reprodutibilidade”

dos serviços de alto-falantes, cujo faturamento estava atrelado à execução de discos, sob

pedidos do público, além da veiculação de anúncios de casas comerciais.

[...]Olhe, teve um tempo que a gente tinha que tirar um alvará. Depois ficou à vontade e pronto. Tinha que pagar um negócio de Direitos Autorais, mas também a gente pagava e não pagava, e ficava por isso mesmo. Não tinha condição de pagar Direito Autoral porque era um preço monstro. Era até o capitão Elizeu que era quem cobrava o Direito Autoral. Ele ficava em cima da gente. A gente pagava num mês, no outro a gente não pagava. E ficava assim até quando ele largou de mão[...]12

No que se refere ao alcance das mensagens de meios de comunicação como os

serviços de alto-falantes, o raio de ação das amplificadoras depende da força do vento e das

barreiras físicas a serem vencidas pelas ondas sonoras. No caso específico das amplificadoras

da área comercial de Teresina, como as mensagens eram “jogadas” no ar do centro, tinham

que concorrer com outros barulhos das ruas, principalmente durante o dia. Pois como dizia o

poeta H. Dobal, as ruas de Teresina tinham sons característicos, do mercado ambulante ao

ruído dos automóveis:

[...]As ruas têm suas vozes familiares: os pregões. Este comércio feito à porta de casa não tem apenas o seu encanto particular, mas torna a vida mais fácil e dá um colorido especial às ruas. É todo um mundo que vem até aqui: os meninos carvoeiros, a quem o suor desmancha o carvão numa pasta de que só escapam os olhos, tocando suas cargas de carvão [...]. Quase sempre a mercadoria é transportada em jacás, cargas levadas por jumentos pequenos. Lenha de unha de gato. Frutas: abacate, abacaxi, laranja, tangerina, limão-doce, melão, melancia, bacuri, bacopari, banana, aves e peixes. E tantas outras coisas vendidas em taboleiros: “cocadas” de buriti e de coco, arroz doce, filhós, bolo frito. As vozes se misturam ao rumor dos carros, criando os ruídos característicos da cidade. Buzinas, caminhões, jipes. Ônibus repetindo o seu pobre itinerário[...]13

11 THOMPSON. Op. cit, p. 27. 12 FREITAS, op. cit. 13 DOBAL, H. Roteiro sentimental e pitoresco de Teresina. In: H. Dobal – Obra completa. Teresina, Corisco, 1999, p. 13.

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Além de se sobressaírem com relação aos demais ruídos da cidade, as mensagens

emitidas a partir das amplificadoras, para serem decodificadas, dependiam ainda da pré-

disposição dos ouvintes em se concentrar no que saía dos alto-falantes. É o que a teoria

comunicativa chama de princípio de atenção seletiva, onde as pessoas criam “filtros mentais”

para perceber/receber ou não determinadas mensagens. “Assim como muitos atiram fora

correspondências sem sequer abrir, retendo apenas as cartas pessoais, as pessoas deixam de

lado conteúdo da mídia em que têm escasso ou nenhum interesse e atentam para aquilo que

gostam”.14

Não obstante o princípio de atenção seletiva ser mais apropriado às chamadas

“sociedades de ‘mídia”15 mais desenvolvidas, como as grandes cidades, caracterizadas pelo

elevado grau de saturação de mensagens concorrentes, defende-se aqui que os uso dos

chamados “filtros mentais” também pode se adequar aos que freqüentavam os espaços onde

funcionavam os serviços de alto-falantes.

No que tange à recepção das mensagens, negando a idéia de super poder da mídia

da Teoria Hipodérmica ou Teoria da Bala Mágica16, Thompson opina que o público não deve

ser visto como elemento passivo no processo comunicativo: “A recepção deveria ser vista

como uma atividade: não como algo passivo, mas o tipo de prática pelas quais os indivíduos

percebem e trabalham o material simbólico que recebem”.17

Para Thompson, “os indivíduos que recebem os produtos de mídia são geralmente

envolvidos num processo de interpretação através do qual esses produtos adquirem sentido”.18

Assim, o autor acredita que além de uma atividade interpretativa, a recepção de mensagem

midiática implica um certo grau de atenção, uma vez que

o indivíduo que recebe um produto de mídia deve, até certo ponto, prestar atenção (ler, olhar, escutar, etc.); e ao fazer isso, ele se ocupa inteiramente numa atividade de entendimento do conteúdo simbólico transmitido pelo

14 DEFLEUR, M.L & BALL-ROKEACH, Sandra. Teorias da comunicação de massa. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1993, p. 215. 15 Id. Ibid. 16 A teoria hipodérmica estaria mais ligada ao conceito de manipulação da “massa”, objetivo este desejado pelas máquinas de propaganda de grandes potências na primeira metade do século XX, sobretudo da Alemanha nazista, que influenciou diretamente o estadonovismo, numa época que ficou conhecida como a “Era do Rádio”. A teoria hipodérmica “punha em extrema vantagem a fonte emissora, relegando o receptor a uma condição de integral passividade. Pensa-se em uma ‘massa’, na qual os indivíduos não possuem rosto e na qual as individualidades se diluem[...] Esse modelo de entendimento considerava a mídia uma ‘seringa’, injetando informações, inoculando idéias, minando resistências e submetendo vontades à vontade. Cá embaixo, multidões de indivíduos inermes e sugestionáveis. A mídia podia exercer o seu poder sobre esse público, ainda pouco definível como tal, mas que se deixava impressionar e se mostrava receptivo a toda sorte de manipulação ideológica”, cf POLISTCHUK & TRINTA, op. cit., p. 84. 17 THOMPSON, op. cit, p. 42. 18 Ibid, p. 44.

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produto. Produtos diferentes requerem diferentes graus de atenção, concentração e esforço.19

Em outras palavras, as amplificadoras enquanto meios de comunicação (ou meios

técnicos) necessitam de especial grau de atenção por parte do receptor. Este pode interpretar

mensagens de diferentes formas, seja por conta de sua forma individual de se apropriar da

informação, seja também por conta da existência de ruídos no processo de comunicação,

devido ao próprio ambiente em que funcionam os alto-falantes.

Rádio e amplificadora: uma breve coexistência no centro de Teresina

Nos primeiros anos de atividade, a Rádio Difusora funcionava ainda de forma

improvisada e eram comuns as reclamações de ouvintes. Boa parte de seus locutores chegou

aos microfones da emissora sem uma preparação adequada, sem contato anterior com

microfones. Outros, como o renomado radialista e jornalista Carlos Said, haviam se iniciado

no ofício de comunicadores através dos serviços de alto-falantes e logo foram chamados para

fazer parte do casting da Difusora.

[...]Eu sou da pré-história do rádio, isso nos anos 40, porque Teresina ainda era uma cidade provinciana[...] Em 48 eu tinha 16, 16 pra 17 anos. E eu comecei nas amplificadoras, isso com a idade de 12, pra 13, 14 anos, aproximadamente. Na rua Barroso, onde é hoje quase defronte ao Banespa, ali existia a casa do Sr. Isaías Almeida e ali ele alugou uma sala para que os jovens que começavam a trabalhar em amplificadoras, evidentemente se especializando em saber falar e saber transmitir e depois nós fomos aproveitados na Rádio Difusora, já com alguma experiência no trato com microfone. Ali foi criada a Amplificadora Teresinense.[...] E ali pontificavam o Rodrigues Filho já falecido, o Luciano, o Guimarães, que era dublê de controlista e cantor [...]Era um trabalho mais artesanal do que propriamente técnico-profissional. Era o que a gente chamava de aprendizado. Por exemplo, eu sou jornalista de batente, significa dizer que não sou jornalista de universidade. Eu aprendi dentro da sala, da redação, das oficinas. Isso por volta de 43, 1944. Então a Amplificadora Teresinense exatamente era o aprendizado que a gente iria ter e teve de fato e de direito para se projetar na Rádio Difusora.[...]20

Mesmo com a implantação da primeira estação na capital teresinense e o

aproveitamento de locutores das amplificadoras, os serviços de alto-falantes continuaram a

existir com certa força no centro de Teresina. Naquele momento, ainda era bastante reduzido

o número de aparelhos receptores na cidade.

19 THOMPSON, op. cit. p. 44. 20 SAID, op. cit.

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Pelo menos oficialmente, até o início de 1947, eram pouco mais de 220 aparelhos

de rádio existentes em Teresina, de acordo com edital publicado em fevereiro daquele ano,

pelo chefe dos Serviços Econômicos dos Correios, Cícero Soares21. O edital convocava

nominalmente os proprietários de rádio de Teresina para que renovassem os devidos registros,

pagando taxa de Cr$ 5,00, como obrigava uma lei vigente desde o Estado Novo22.

Vale a pena mostrar a reação popular contra o pagamento da taxa de registro de

aparelhos receptores, resumida em nota de jornal publicada à época, que denunciava – com

certo exagero - as precárias condições da cidade no que se refere ao serviço de energia

elétrica:

Por edital da Diretoria Regional de Correios e Telégrafos estão sendo citados 227 proprietários de rádios receptores desta capital a pagarem a taxa de funcionamento de seus aparelhos. Cobrar taxa de funcionamento de rádio em Teresina, até parece pilhéria. Há muitos meses não temos energia elétrica e não nos consta que aparelhos de rádio funcionem com(o) lamparinas de querosene ou azeite. Envez (sic) de citar a tanta gente, enchendo colunas do “Diário Oficial”, o Diretor dos Correios e Telégrafos deveria chamar a contas o Dr. José João Rodrigues, que escangalhou os motores da Usina e, portanto, deve responder pelo pagamento das taxas de rádio que não funcionam por culpa de sua inépcia.23

A precariedade do serviço de energia elétrica de Teresina acompanhou a cidade

nos anos seguintes, trazendo limitações para a Rádio Difusora, principalmente no que se

refere ao horário de funcionamento. Exatamente na época da inauguração da Difusora,

começaram a aparecer, com mais ênfase, reclamações sobre o funcionamento das

amplificadoras no centro de Teresina.

Foi também nessa mesma época que a atuação dos serviços de alto-falantes do

centro passou a ser questionada, sendo alvo de tentativas de limitações no que se refere ao

horário. Logo no mês seguinte ao da inauguração da Rádio Difusora, em 5 de agosto de 1948,

a Delegacia de Trânsito e Costumes de Teresina, ligada à Polícia Civil do Estado do Piauí,

baixou portaria24 proibindo o funcionamento das amplificadoras na praça Rio Branco, no

período da manhã.

21 EDITAL de intimação com dez dias de prazo. Diário Oficial, Teresina, p. 4, 5 fev 1947. 22 O Decreto Lei 2979, de 23 de janeiro de 1941, reforçava o teor do Decreto nº 21.111, de 1º de março de 1932, que estabeleceu o registro de aparelhos receptores de radiodifusão, obrigando o comércio a enviar ao órgão competente, listas de compradores de rádio. Caso contrário, havia imposição de multas. 23 REGISTRO de Rádio. O Piauí, Teresina, p. 1, 8 fev 1947. 24 DIÁRIO OFICIAL. Teresina, p. 8, 7 ago 1948.

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A medida teria sido justificada pelo fato de que um pedido de redução de 50% do

volume do som, realizado dias antes pela Delegacia, não foi atendido pelos proprietários das

amplificadoras. Segundo a portaria, o nível de ruído produzido pelos alto-falantes estaria

causando “balbúrdia e perturbando o sossêgo público”, prejudicando assim o atendimento à

população nos órgãos públicos que funcionavam nas proximidades da praça Rio Branco.

Outro fator que teria impulsionado a portaria foi “uma petição firmada por casas

comerciais e pessoas residentes nas imediações daquela praça solicitando a suspensão das

aludidas programações”.25 Ou seja, as reações indicam/sinalizam para uma fiscalização mais

atenta ao funcionamento dos alto-falantes.

No entanto, a tentativa policial de restringir o horário das amplificadoras na praça

Rio Branco parece não ter obtido sucesso. Pelo contrário. A utilização de serviços de som na

área comercial tornou-se uma verdadeira epidemia26 entre os lojistas do centro,

principalmente no horário comercial. Na periferia, aqui e ali também surgia uma

amplificadora, como a do bairro Vermelha, zona sul da capital.

O primeiro (serviço de alto-falante de bairro) que surgiu em Teresina foi no bairro Vermelha, em 48. Em 48 foi inaugurada uma amplificadora Olinda, no bairro Vermelha e ele (serviço de alto-falante) servia instalado num bar e ficava aquele aglomerado de pessoas, mocinhas, jovens, e ali através daquele som, eles ficavam oferecendo música, retribuindo música, e aquilo era uma espécie de diversão naquele bairro. Quando tinha as quermesses de igreja, então o ponto alto era o serviço de som, e essa a amplificadora Olinda. Era do Zé Dias, funcionário do Hospital Getúlio Vargas. Foi a primeira amplificadora de bairro em Teresina, foi em 48, foi ele, né. Existia serviço de alto-falante mas era em comércio, no centro da cidade. [...]Tinha programação fixa. Ela começava 18h e ia até às 21h, que aqui em Teresina, 21h já era hora de recolher. Então a gente trabalhava de seis, 18, até às 21. Era uma programação. Dia de domingo a gente fazia programação à tarde. Eu era o locutor da rádio lá. Então a gente fazia também programas especiais. Tinha um aniversário no bairro, a pessoa era influente, contratava o serviço de alto-falante pra trabalhar uma hora destinada só pra aquele motivo, do evento que era o aniversário de uma filha, de um filho.27

A presença das amplificadoras no centro de Teresina, após a inauguração da

primeira estação de rádio local, mostrava que muitos comerciantes não se sentiam atraídos em

investir em publicidade na Difusora. Os motivos, no entanto, poderiam variar desde a pouca

25 DIÁRIO OFICIAL. Teresina, p. 8, 7 ago 1948. 26 No decorrer deste capítulo, trataremos mais especificamente sobre o aumento do número de alto-falantes no centro. Entretanto, é importante ressaltar que pelo fato da Prefeitura Municipal de Teresina não dispor em seu arquivo de documentos a respeito de autorização de funcionamento das amplificadoras de Teresina, não tivemos como quantificar o número de serviços de alto-falantes em atividade durante o recorte temporal estabelecido para esta pesquisa. 27 FREITAS, Antônio de Pádua Carvalho. Entrevista cedida a Daniel Solon, em 28 dez 2004.

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presença de aparelhos receptores nos domicílios, grade de programação sem regularidade da

única emissora local e o alto preço cobrado para se veicular propaganda na rádio. Ou até

mesmo devido a vantagem de se fazer a propaganda aproveitando o ar/ambiente da Rio

Branco, o principal espaço de vivência e sociabilidade de Teresina pela manhã e à tarde, ali

bem perto das casas comerciais.

Segundo Antônio de Pádua Freitas, ex-locutor da amplificadora Olinda (da

Vermelha) e da Record, que funcionava com duas bocas de alto-falantes instaladas na praça

do Mercado Velho (centro), naquela época

a propaganda comercial tava indo pras amplificadoras e a rádio era cara. E quando eles (vendedores de anúncio da Difusora) iam cobrar, (os comerciantes) diziam : ‘[...]nós pagamos aqui o serviço de som e é muito mais barato pra gente’.28

Sociabilidades noturnas na Praça Pedro II

As amplificadoras, como meios de comunicação, só existiam se imaginadas e

operadas no espaço público. As praças e ruas, desta forma, foram o “ar” necessário para que

os serviços de alto-falantes sobrevivessem e tivessem sentido de existir.

No final da década de 40 e início dos anos 50, a imensa maioria das reclamações

estampadas nos jornais contra as amplificadoras estava relacionada com o incômodo barulho

provocado na zona central de Teresina, mais precisamente na Praça Rio Branco, que era alvo

de disputa de diversos atores sociais29 durante o horário de funcionamento do comércio. No

período diurno, ali era o chamado espaço político da cidade, o ponto de maior movimentação

da capital.

[...]A praça Rio Branco era o centro nevrálgico de Teresina durante o dia e à tarde, porque o comércio se encontrava ali e ali estava o apogeu comercial. O Banco do Brasil ficava na rua Senador Pacheco onde é hoje a CSM. E havia o embrião do Banco do Estado do Piauí chamado Banco Agrícola do Piauí, onde tinha o José Patrício Franco e outros nomes que não me vêm à memória agora. Então o Banco Agrícola era ali na rua Barroso, ali onde é

28 FREITAS, op. cit. 29 Motoristas de táxi, à época chamados de chauffeurs, constantemente eram ameaçados de saírem da Praça Rio Branco, o que provocou revolta da categoria e ameaça de greve. Posteriormente, o local foi disputado também por uma empresa que organizava uma Feira de Amostras que fazia parte do calendário do centenário da cidade. A maioria da população se voltou contra a idéia da utilização da Rio Branco para o evento, que foi transferido para a Praça João Luís Ferreira. Ver: SILVA, Cunha e. A atitude dos chauffeurs. O Dia, Teresina, , p.2, 18 maio 1952.

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hoje a Câmara de Vereadores, um pouco mais pra frente, quase fazendo muro com a Livraria Leonel Franca. Câmara de Vereadores, Banco Agrícola, Leonel Franca. Então a praça Rio Branco tinha uma amplificadora, também porque havia uma amplificadora chamada Rianil, nos anos 40 e 50, mas era propriedade das lojas Rianil, cujo dono era o Aragão. Por que o filho dele depois foi o instituidor da Coca Cola, né?, lá na Água Mineral, que hoje dizem que o complexo faz parte do complexo cearense do Tasso Jereissati. Se isso é verdade, confirme (risos). Pois bem, havia a amplificadora Rianil que fazia o mesmo trabalho na Rio Branco, onde é hoje ali o Banco do Brasil, logo depois da Caixa Econômica, ali pela rua Simplício Mendes, porque bem na esquina da Areolino de Abreu, ali deve ter um comércio, ali era um cinema, o Cine Olímpia. Então veja você, que a Rio Branco ela tinha o apogeu durante o dia e à tarde. E havia a amplificadora Teresinense com uma boca (de alto-falante) ali. E o Getúlio também colocou uma boca ali [...].30

No entanto, depois que as lojas fechavam as portas, as amplificadoras

continuavam a programação na praça Pedro II, local de encontro dos jovens, que tinham

poucas opções de lazer em Teresina.

Mais fortemente a partir da década de 1930, em Teresina, tal qual havia ocorrido

em grandes cidades como Rio de Janeiro no final do século XIX e início do século XX, foram

configuradas e ou fortalecidas

[...]novas formas de sociabilidade, a partir de práticas incipientes de diversão e lazer edificadas para além dos limites domésticos e privados. Adequando-se ao momento, os indivíduos expuseram-se publicamente, criando e vendo crescer o gosto, nunca dantes igualmente experimentado, pela vida exterior. Nesse contexto, as antigas formas tradicionais de sociabilidade foram alteradas, entrando em declínio ou sendo extintas ao perderem suas raízes sócio-culturais. A rua tornou-se lugar de encontro, de exposição pública, de diversão, de satisfação dos desejos consumistas e de interação social [...]31

A praça Pedro II, com seu conjunto de atrativos e ritos à noite, pode ser

caracterizada não apenas como lugar de encontro, diversão e interação social. Pode ser vista

ainda como um “lugar de memória” proposto por Pierre Nora, “lugares salvos de uma

memória na qual não mais habitamos, semi-oficiais e institucionais, semi-afetivos e

sentimentais”.32 Da mesma forma, a presença marcante das amplificadoras nas lembranças

dos que freqüentavam a Praça Pedro II no final da tarde e à noite na década de 40 e início dos

30 SAID, op. cit. 31 BORGES, Valdeci Rezende. Em busca do mundo exterior: sociabilidade no Rio de Machado de Assis. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, nº 28, 2001, p. 65-6. 32 NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. In: Projeto História, São Paulo, n. 10, dezembro de 1993, p. 14.

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anos 50 são parte da “memória coletiva”33, num palco onde foram tecidas múltiplas

sociabilidades.

Testemunhos como o de Miridan Britto Knox ilustram bem os lugares de memória

sentimentais e revelam também as lembranças que fazem parte da memória coletiva dos que

viveram momentos da juventude em Teresina, tendo a praça Pedro II como espaço de

diversão, com o fundo sonoro da amplificadora a embalar romances e flertes:

[...] Piauí. Terra dos meus ancestrais paternos onde vivi fases encantadoras de minha meninice, tomando banho no Rio Parnaíba, tomando banho de chuva no quintal da casa de minha avó YaYazinha, na Campos Sales, 1119, comendo doce de buriti nas visitas que, por isso mesmo, gostava de fazer ao meu tio Pedro Britto. Mocinha, dançando pela 1ª vez no carnaval no Clube dos Diários em Teresina, flertando no footing na Praça Pedro II onde o auto-falante anunciava as músicas oferecidas de “fulano” para “fulana”. As recordações brotam num borbulhão de saudade e nostalgia [...]34

O footing35 na praça Pedro II também está vivo na memória de Genu Morais

Correia. Ela destaca que a moça a quem era oferecida uma música pela amplificadora sentia-

se muito prestigiada e ganhava admiração no grupo de amigas.

[...] (Eram) milhões de mensagens que os admiradores nos chamavam. [...] Ah!, era formidável, muito interessante, era uma gentileza muito grande, né? [...] Eu fui uma mulher de uma geração privilegiada, né? Porque eu fui muito solicitada, eu tive muitos fãs, muitos admiradores, né? 36

Outro freqüentador assíduo da praça, Cornélio Evangelista da Costa, lembra-se

que o serviço de alto-falantes da Pedro II, durante a 2ª Guerra Mundial, além de músicas dos

cantores que faziam sucesso na Rádio Nacional, tocava o hino nacional diariamente. “Ao final

de sua programação, às nove horas, todos ficavam de pé, com a mão no peito, ouvindo o hino.

Depois disso, a corneta do quartel tocava e logo a praça estava vazia”.37

33 “A memória coletiva [...] envolve memórias individuais, mas não se confunde com elas”, e a memória individual “não está inteiramente isolada e fechada. Um homem, para evocar seu próprio passado, tem freqüentemente necessidade de fazer apelo às lembranças dos outros. Ele se reporta a pontos de referência que existem fora dele e que são fixados pela sociedade. Mais ainda, o funcionamento da memória individual não é possível sem esses instrumentos que são as palavras e as idéias, que o indivíduo não inventou e que emprestou de seu meio[...], Cf. HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo, Vértice, Editora Revista dos Tribunais, 1990, p. 53-54. 34 KNOX, Miridan Britto. Teresina... rabiscos histórico-sentimentais. In: Cadernos de Teresina, Ano II, nº 6, dezembro de 1988, p. 22. 35 Como se chamavam os passeios na praça, naquela época. 36 CORREIA, Maria Genoveva de Aguiar Morais. (Genu Moraes) Entrevista cedida a Daniel Solon em 22 de fevereiro de 2005. 37 COSTA, Cornélio Evangelista. Entrevista cedida a Daniel Solon em 21 fev 2005.

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Foi numa das noites de luar da Pedro II que Cornélio conheceu Adélia, a mulher

com quem se casou,38 assim como pode ter ocorrido com vários outros jovens que respiravam

esta aura um tanto quanto romântica, mesmo com os efeitos da II Guerra Mundial, da ditadura

Vargas, do impacto provocado pelo surgimento de novas tecnologias, da Guerra Fria...

Uma cena de romantismo vivida no final dos anos 40 e início dos anos 50 nas

sonoras ruas de Teresina foi descrita na obra-prima de O. G. Rego de Carvalho, Ulisses, entre

o amor e a morte, mostra exatamente esta aura romântica: “Do poste um alto-falante se pôs a

irradiar música – pobres canções de amor, que nesse momento tocaram meu coração: eu me

sentia enamorado e era a primeira vez que isso acontecia”.39

A primeira edição de “Ulisses, entre o amor e a morte” data de 1953. No entanto,

a sonoridade da praça Pedro II continuou ecoando nas recordações de O.G. Rego, por décadas

e décadas, como se o apaixonado Ulisses da ficção prendesse o romancista no passado, tal

qual uma obra autobiográfica. No dia 16 de dezembro de 1994, em discurso na Câmara

Municipal de Teresina, quando recebeu o título de Cidadão Teresinense,40 escavou as ruínas

da memória para reconstruir uma cidade de lembranças:

Essa Teresina já não existe mais. O progresso derrubou as amendoeiras da Rua da Glória, mutilou a Praça Pedro II, acabou levando para outras paragens as diversões, o recreio da juventude que ali passava todas as noites, especialmente aos domingos, de modo tão provinciano e encantador, ao som de alto-falantes ou das músicas tocadas, no coreto, pela Banda da Polícia Militar.41

A praça Pedro II era freqüentada por pessoas de diferentes classes sociais,

ocupando diferentes espaços. O “lugar praticado”42 pelos mais pobres era

preconceituosamente chamado de curical, ou seja, o lugar onde as empregadas domésticas –

apelidadas de curicas – paqueravam, namoravam, mantinham vivências.

Uma visão da ocupação de espaços da Pedro II é descrita nos trechos da crônica

de Odoaldo da Rocha Marinho:

38 PINHEIRO, Cristiane & MORAES, Sana. O homem do pão de queijo. In: SAID, Gustavo (org). Entre Rios – perfis e cenários de Teresina. Teresina: Edufpi, 2003, p. 28. 39 CARVALHO, O. G Rego. Ulisses, entre o amor e a morte. 13 ed, Teresina, Corisco/IDB, 2003, p. 96. 40 O. G Rego de Carvalho nasceu em Oeiras, primeira capital do Piauí, e mudou-se para Teresina na juventude, tal qual o protagonista de “Ulisses, entre o amor e a morte”. 41 CARVALHO, O. G. Rego de. A cidade eleita. Revista da Academia Piauiense de Letras; nº 52, ano LXXVII, Teresina, 1994, p. 203-204. 42 CERTEAU, Michel de. Práticas de espaço. In: A invenção do cotidiano – artes do fazer. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994, p. 202

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[...] A Praça Pedro II era originalmente formada por duas partes que se separavam transversalmente por uma rua. A parte que ficava para o oeste era chamada de Praça de Baixo e a parte que ficava para o leste, Praça de Cima. A Praça de Baixo, além de dois canteiros gramados, possuía um círculo com um globo no centro, que à noite se tornava luminoso e ficava aparentando uma bola de cristal onde seus freqüentadores poderiam imaginosamente prever o futuro. Era como se estivessem ofuscadas pelo globo luminoso que as jovens da época começavam a rodear esse círculo a partir das 19:00 às 21:00, quando então se retiravam ao ouvirem o som de uma corneta do Quartel Geral da Polícia Militar, que ficava situado no lado sul da Praça de Cima. A Praça de Cima era mais freqüentada pelas empregadas domésticas e pessoas do seu mesmo nível social porque, embora utópico, existia na época um apartheid que promovia ostensivamente a separação de classes sociais, tendo em vista que Teresina ainda era uma cidade completamente provinciana. [...] Em frente ao lado norte [...] havia também instalados [...] dois alto-falantes pertencentes às amplificadoras Cruzeiro do Sul e Comercial Teresinense, as quais operavam em horários pré-estabelecidos, transmitindo músicas e fazendo propagandas comerciais [...]43

De acordo com Ecléa Bosi, “as lembranças estão povoadas de sons”44. A

programação das rádios amplificadoras, o toque de recolher da corneta, o barulho dos passos

apressados dos jovens voltando pra casa, as saudações de despedidas... formam o conjunto

visual/acústico que se pode “ler/ouvir” da memória narrada pelo cronista.

A colagem dos fragmentos transcritos da crônica de Odoaldo Marinho45 revelam

aquele cenário da cidade como “operador de memorização”46, fazendo vir à tona cartografias

sentimentais47 onde desembocam lembranças sobre práticas dos espaços, conflitos e eventos

que marcaram o passado de seus habitantes.

Na linha imaginária do apartheid, no meio da Pedro II, indiferentes ao footing das

meninas ricas da Praça de Baixo e ao namoro “avançado – sem inibição e preconceito”48 na

Praça de Cima, ficavam os chamados “chato-boys” (garotos chatos). Eram rapazes como o

poeta H. Dobal, M. Paulo Nunes, José Camilo da Silveira Filho, e outros da chamada jovem

elite intelectual piauiense que ali se reuniam constantemente.

[...]Era um ponto-de-encontro no meio da praça. Aquilo... éramos conhecidos como os “chato-boys ” [...] porque num dava bola para as

43 MARINHO, Odoaldo da Rocha. O espetáculo da Praça Pedro II. Cadernos de Teresina. Revista Informativa e Cultural da Fundação Cultural Monsenhor Chaves, nº 22, Ano X, 1996, p. 55-56. 44 BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade: lembrança de velhos. São Paulo: Companhia das Letras, 1994, p. 445. 45 MARINHO, 1996, p. 55-6. 46 BRESCIANI, Maria Stella. Cidade e História. In: OLIVEIRA, Lúcia Lippi de. Cidade, História e Desafios. Rio de Janeiro: FGV, 2002, p. 29. 47 GUATARI Félix; ROLNIK, Suely. Micropolítica: cartografias do desejo. Petrópolis: Vozes, 1996. 48 GARCIA, José Ribamar. Imagens da Cidade Verde. 2ª ed. Rio de Janeiro: Litteris, 2000, p. 53.

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meninas nem com as moças [...] Ficávamos no centro da praça discutindo literatura e ignorando as mulheres (rindo) .49

Os diferentes espaços ocupados na Praça Pedro II acabam por remeter tal cenário

às categorias que Pierre Bourdieu utiliza para discutir a sociedade. Bourdieu caracteriza que

os atores sociais estão localizados espacialmente em determinados campos, tendo em vista “a

posse de grandezas de certos capitais (cultural, social, econômico, político, artístico, esportivo

etc.) e o habitus de cada ator social condiciona seu posicionamento espacial e, na luta social,

identifica-se com sua classe social”.50

No mesmo sentido, segundo Claudia Barcellos Rezende, “padrões de

sociabilidade tendem a ser diferenciados por gênero, idade, classe social etc”51. No entanto,

ressalta, “embora a sociabilidade implique uma associação prazerosa em si mesma, isto não

anula a possibilidade de que, mesmo dentro de certos estilos de sociabilidade, se afirmem

diferenças ou até surjam conflitos entre as pessoas”.52

Carlos Said descreve o conjunto de atrativos da Praça Pedro II, nas décadas de 40

e 50, os múltiplos lugares de diversão e entretenimento, praticamente em um mesmo espaço.

Se enquanto a luz do sol raiava, o ponto nevrálgico da cidade era a Rio Branco,

[...]à noite era a Praça Pedro II, exatamente porque a praça Pedro II servia à noite de quê? De anfiteatro social. Quer dizer, tudo aquilo ali era sociedade. Dois cinemas, bares, restaurantes, o famoso Chico Doca com a sua sinuca. Não é? Muita gente ia pra lá. Se não queria a praça, ia jogar sinuca, ia jogar gamão, ia jogar xadrez ali nas calçadas. Nada metia medo. Não havia violência, nem gatunagem. O que havia era medo de cachorro doido, só isso. Então não havia violência, ninguém se preocupava com nada. A não ser respirar os ares noturnos da sociedade[...]53

Said também enumerou, na mesma área, o Clube dos Diários, freqüentado pela

elite local. Com relação aos cinemas, o narrador se referiu ao Cine Rex e ao Teatro 4 de

Setembro, este último também palco de shows com artistas do rádio, de renome, contratados

pela Difusora de Teresina. No que se refere à segurança pública, no final dos anos 40, os

jornais mostravam uma mudança de realidade, uma cidade que já sofria com o aumento da

criminalidade.

49 DOBAL, H. Entrevista cedida a Douglas Machado em 2002. In: H. Dobal – um homem particular. Documentário, 70min, Teresina, Trinca/filmes, 2002. 50 AZEVEDO, Mário Luiz Neves de. Espaço Social, Campo Social, Habitus e Conceito de Classe Social em Pierre Bourdieu. Revista Espaço Acadêmico – Ano III – Nº 24, Maio de 2003. Disponível em meio digital: http://www.espacoacademico.com.br/024/24cneves.htm#_ftnref2. Último acesso: 16 ago 2005. 51 REZENDE, Claudia Barcellos. Os limites da sociabilidade: “cariocas” e “nordestinos” na Feira de São Cristóvão. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, n. 28, 2001, p.168. 52 REZENDE, 2001, op. cit, p. 168. 53 SAID, op. cit.

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Os periódicos da época publicavam matérias reclamando da falta de policiamento

e também pelo aumento da ação de “gatunos forasteiros” que não poupavam nem mesmo

igrejas e os fios de cobre da amplificadora de Getúlio Pontes. Tal fato induz a pensar que o

medo apenas de “cachorro doido” retrata uma informação com certa idealização do passado.

Os roubos continuam crescendo dia a dia, em Teresina, sem que uma providência enérgica seja tomada por quem de direito, para reprimir tais abusos. Os lares são invadidos, audaciosamente, pelos gatunos. A Amplificadora “Cruzeiro do Sul”, já, por mais de uma vez, teve os fios que ligam os estúdios ao alto-falante da Praça Pedro II roubados, misteriosamente. A Bela Aurora, se não fora o sr. Luís Carvalho ter , com o barulho da serra dispertado (sic) e de lanterna em punho, chegado até a rua em plena madrugada, teria sofrido o maior prejuízo. Sexta-feira, 14, os larápios penetraram na Igreja Catedral de N. S. das Dores, arrombaram todos os cofres e fugiram, sorrateiramente, sem que ninguém os visse. Isso é de admirar, porque, a Igreja está localizada na Praça Saraiva, onde fica encravada a Guarda Civil e a Delegacia de Trânsito e Costumes. Soubemos, agora, que quatro perigosos ladrões fugiram da Penitenciária e estão agindo em Teresina.54

Na época, o problema da iluminação pública precária também fazia das ruas mais

escuras de Teresina o local onde os casais mais avançados pudessem namorar livremente,

longe da vigilância da praça Pedro II, como era o espaço chamado de Beco dos Amores. Os

que se sentiam incomodados com as cenas de paixão recorriam às linhas dos jornais para

denunciar as “imoralidades” ali presenciadas.

Chamamos a atenção da Polícia Civil ou a quem de direito, para que não deixe em completo abandono, o trecho da rua Rui Barbosa, – entre as ruas Areolino de Abreu e Lisandro Nogueira, mais conhecido por “Bêco dos Amôres”, – porquanto, de 7,30 da noite em diante, nenhuma família pode mais passar, assim como nós “os pirralhos” que ainda somos de menor idade. [...] Chamamos a atenção das autoridades para se dedicarem á moralisação de nossa cidade garôta, que sendo ainda menina, não póde ainda presenciar as cenas amorosas do ‘Bêco dos Amôres’.55

Dentre os rapazes, havia ainda os que procuravam outros prazeres nos cabarés que

funcionavam ali mesmo no centro, na rua Paissandu, após o toque da corneta que esvaziava a

praça Pedro II.

54A AÇÃO dos gatunos forasteiros em Teresina – Não respeitam nem os Templos Sagrados. Jornal do Comércio, Teresina, p. 2, 28 jan 1949. 55 BÊCO dos Amôres. O Pirralho, Teresina, p. 2, 7 dez 1947 .

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Um “anjo” anuncia a noite pelo alto-falante

Segundo Ecléa Bosi, “o espaço sonoro compartilhado é um bem comum, mesmo

os diminutos sinais que compõem suas mensagens são vitais para seus habitantes”.56 Sendo

assim, “ao perdermos uma paisagem sonora sempre poderemos evocá-la através de sons que

substituem ou na conversa com testemunhas que a viveram”.57

No final dos anos 40 e início dos anos 50 do século passado, fazia parte do

cotidiano e da paisagem sonora das praças Rio Branco e Pedro II a execução da Ave-Maria

nos alto-falantes, sempre às 18h. Era o Angelus.

[...]Então a (amplificadora Cruzeiro do Sul) do Getúlio funcionava de cinco às sete da noite e a Teresinense das sete às nove. Porque o movimento começava exatamente ao cair das cinco e meia da tarde. [...] Então a gente que trabalhava ou que não trabalhasse a gente sabia: seis horas da manhã os sinos repicavam. Já era hora do café, sair pro colégio, sair pro estudo, sair pro trabalho. Meio-dia, os sinos repicavam. Seis horas, doze horas. Era a hora de sair do trabalho para voltar uma e meia. Porque onze e meia o comércio cerrava as portas e reabria uma e meia da tarde, pra fechar exatamente cinco horas, cinco e meia da tarde. Sete e meia abria, e uma e meia reabria. E seis horas da tarde os sinos repicavam porque era a hora solene da Ave-Maria. Então cinco horas o Getúlio botava a (amplificadora) dele para funcionar. E quando era seis horas ele colocava o discozinho da Ave-Maria, cantarolada pela Ângela Maria, por Francisco Alves, ou por um cantor daquela época, de renome. E às sete horas da noite entrava a (amplificadora) Teresinense.58

Tal prática de tocar a Ave Maria no início da noite revelava a força que a Igreja

Católica exercia sobre a população teresinense naquele período59. O ritual do Angelus diz

respeito à passagem bíblica da Anunciação do Anjo Gabriel à Virgem Maria, cuja oração

incorporou-se ao culto católico como eixo meditativo do início, meio e final de um dia,

regulando a disciplina dos corpos e das mentes conforme afirmam Cida Golin e Bárbara

Salvatti:

A temporalidade cronometrada pela ação da Igreja, cujo índice sonoro se traduz no toque do sino, marcou boa parte da trajetória do rádio no século

56 BOSI. op. cit, 445. 57 Ibid, p. 447. 58 SAID, op. cit. 59 A supremacia da Igreja no Piauí foi constatada no censo de 1950, quando 99,22% dos habitantes se declararam católicos romanos, enquanto 0,5% se disseram protestantes e 0,05% responderam que eram espíritas, cf. IBGE. Censo demográfico(1º de julho de 1950) – Estado do Piauí. Rio de Janeiro. Gráfica do IBGE, 1952, p.vii.

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XX, quando era hábito uma prece ou o canto no crepúsculo, seja nas pequenas emissoras, nos alto-falantes das cidades do interior ou mesmo nas capitais.60

Os donos dos serviços de alto-falantes também eram contratados para animar

festejos da Igreja Católica. Sobre o funcionamento das amplificadoras nas quermesses, Genu

Morais lembra que

[...] quando tinha festa de igreja, por exemplo, a festa de Nossa Senhora do Amparo, aí tinha o serviço de alto-falante, aí a pessoa mandava tocar uma música para a “linda senhorinha”. Naquela época era tudo diferente, as moças eram virgens, era tudo diferente de hoje, ninguém “ficava”, então era tudo diferente. Então faziam muito isso, né? Uma música especial de seu admirador, ninguém chamava fã, era admirador, fulano de tal, manda tocar para graciosa – os termos eram outros – senhorinha. Então era desse jeito.61

Muito embora os serviços de alto-falantes mostrassem certa obediência ao clero,

reforçando rituais como o Angelus, não atrapalhando a realização de missas e ajudando até

mesmo a animar os festejos nas paróquias, a Igreja não simpatizava com a prática do footing

da praça Pedro II, onde as jovens ficavam circulando enquanto os rapazes ficavam parados, na

chamada paquera.

A Página Feminina, seção fixa do jornal O Dominical, órgão oficial da Igreja no

Piauí, costumava condenar certos hábitos das senhorinhas, dentre eles, o de freqüentar

espaços públicos de diversão. Em uma de suas notas, o periódico aconselhava os homens a

não procurar uma noiva nos locais onde moraria o pecado:

Não a procureis nos lugares mundanos, nos cinemas e nos salões de baile. Não a procureis entre as moças decotadas que se acham sempre nas ruas como para por-se à venda e lograr algum estúpido. Procurais a vossa esposa entre as jovens laboriosas, virtuosas, retiradas que têm bom senso e, sobretudo, que têm religião, porque a religião é a base da felicidade nesta e noutra vida.62

Para a Igreja, o footing era espaço de mercantilização feminina, uma vitrine onde

as jovens pareciam “pôr-se à venda”. Paradoxalmente, a posição desta instituição religiosa

quase sempre associada à imagem da “tradição” do “conservadorismo” era compartilhada até

mesmo por quem foi conhecida por ter posturas avançadas, como Simone de Beauvoir,

feminista e figura intelectual associada ao “novo”.

60 GOLIN, Cida & SALVATTI, Bárbara. Rádio e sino: a hora do angelus. In: II Encontro Nacional da Rede Alfredo de Carvalho. Florianópolis, de 15 a 17 de abril de 2004. Disponível em: www.jornalismo.ufsc.br/.../historia%20da%20midia%20sonora/Golin.doc. Último acesso em 15 ago 2005. 61 MORAIS, op. cit. 62 JOVENS que procurais uma noiva... O Dominical, Teresina, p. 3, 10 dez 1950.

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[...]Em Araraquara, Beauvoir protagonizou uma cena emblemática do choque cultural entre uma cidade do interior paulista em 1960 e uma personalidade que se empenhou em redefinir o papel da mulher na sociedade. Simone, ao sair do antigo Teatro Municipal de Araraquara e deparar-se com o "footing", um gênero de socialização no qual moças e rapazes faziam várias vezes um percurso na rua São Bento entre as avenidas Espanha e São Paulo (justamente a região onde se localizavam a Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Araraquara e o antigo Teatro Municipal), teria dito que se tratava de um "mercado de mulheres".63

É evidente que as diferenças entre o pensamento da Igreja e de Simone Beauvoir

eram bastante divergentes. Enquanto Beauvoir criticava a submissão feminina e atacava o

pensamento machista, a Igreja delegava à mulher um papel sempre passivo, à sombra do

patriarcalismo.

Por ver as ruas da cidade como local de perigo para a honra da mulher e uma

tentação para as delícias mundanas, a Igreja lutava contra os novos costumes e novos espaços

de sociabilidade aos quais as jovens estavam freqüentando. Lutava ainda contra uma perigosa

“nova ordem” pregada nas músicas que saiam dos rádios e das amplificadoras, das modas das

revistas e das telas do cinema:

Uma das características mais tristes dos tempos presentes é a liberdade sexual. Criou-se uma “nova ordem” para a moral, no que se refere ao sexo. Busca-se em Vênus a felicidade que os verdadeiros cristãos só procuram em Deus. [...] Esta prática atenta contra o fim primário do matrimônio e contra a finalidade mesma da função sexual, cuja destinação Deus assinalou no “crescei e multiplicai-vos”. É prática que brada contra a própria natureza. Assim como contra a lei divina, que a Lei natural é reflexo[...]64

A “nova ordem” era vista como ameaça real à instituição da família, aos bons

costumes, à tradição. A Igreja, por sinal, chamava de “pombinhos” os casais que se jogavam

nos prazeres das carícias vistas nas praças, ruas e becos escuros, como o “Bêco dos Amôres”.

Tais liberdades deveriam ser combatidas firmemente e o clero não se cansava de pregar que

os pais eram “responsáveis perante Deus pelo descuido de suas filhas”.

A Miranda Prorsus e o surgimento da Rádio Pioneira de Teresina

63 SIMONE citou mercado de mulheres. Folha de São Paulo – caderno Folha Ribeirão. Ribeirão Preto, 3 set 2000. 64 LIMITAÇÃO criminosa. O Dominical, Teresina, p.2, 17 out 1948.

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Em fevereiro de 1931, a Igreja Católica – tida como uma das instituições mais

conservadoras do ocidente – rende-se à era do rádio, colocando no ar uma emissora cujo

projeto e montagem ficaram a cargo de Guilherme Marconi, tido para muitos como o inventor

da radiotransmissão.65 Apenas 31 anos depois de Pio XI fazer a primeira radiomensagem de

um pontífice ao povo católico na história e inaugurar a Rádio Vaticano, o clero piauiense

passa a ter uma emissora, a Rádio Pioneira de Teresina, a terceira estação da cidade.

Neste interstício, a Igreja Católica no Piauí experimentou diferentes formas de

comunicação com os fiéis. Ainda na década de 30, em Teresina, o clero fez circular o

semanário “O Dominical” e na década de 40, instalou um serviço de alto-falantes denominado

Amplificadora Cultural.

A instalação do serviço de alto-falantes foi destacada como um dos grandes feitos

de D. Severino de Melo, ex-líder da Igreja no Piauí, em artigo do Desembargador Simplício

Mendes publicado no jornal O Dominical.

(D. Severino) Construiu a Cúria Diocesana, organizou o Arquivo da Diocese, dotou as freguezias da Capital e do interior do Estado de casas paroquiais, instalou, em prédio próprio, no centro da cidade, o Centro Cultural Católico, com uma amplificadora na sua sede. Adquerindo prelo e material tipográfico, montou excelente tipografia, de onde circula semanalmente O Dominical, folha de orientação exclusivamente católica.66

A Amplificadora Cultural, assim como outros serviços de alto-falantes que

funcionavam desde o final da década de 30 no centro de Teresina, também foi responsável

pela formação de profissionais do rádio piauiense, como o sonoplasta José Raimundo Teixeira

e Silva:

Trabalhei na Amplificadora Cultural, que era de propriedade da Arquidiocese [...] O que se ganhava no trabalho na amplificadora, simplesmente era a entrada do circo quando vinha aqui e entrada do cinema porque a gente fazia propaganda.67

Como se vê, o episcopado de D. Severino teve a preocupação de investir em

comunicação para propagação do catolicismo. A igreja estava em guerra contra a doutrina

65 RÁDIO VATICANO. Disponível em: http://www.aminharadio.com/radio_rvaticano.html. Último acesso em 18 abr 2005. 66 MENDES, Simplício. D. Severino de Melo – o seu apostolado no Piauí. O Dominical, Teresina, p.7, 25 nov 1948. 67 SILVA, José Raimundo Teixeira e. Apud, NASCIMENTO, 2005, op. cit, p. 11

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marxista, vista como propagadora do ateísmo. A guerra também se dava contra a indústria do

cinema e as emissoras de rádio não católicas, que veiculavam produtos considerados nocivos

à moral e à fé cristãs. E se havia guerra, era necessário usar “armas modernas” para combater

o inimigo:

Novos tempos requerem novos homens. Novas lutas, novos equipamentos. Para novas guerras exigem-se novas armas. A época do arco, da flexa e do bodoque já passou! Para inimigos modernos, estratégia moderna! A cavalaria da velha guarda recua. As ligeiras tropas de choque avançam céleres. Assim será na ação católica, que requer táticas e estratagemas modernos. Novos adversários só poderão ser silenciados com baterias modernas que esteja à altura do agressôr. Sus, pois, à ação católica com armas modernas! Uma das mais prestigiosas armas modernas, é, dúvidas não haja, a imprensa católica, arma de precisão e de grande eficiência!...68

A Igreja – vista quase sempre como guardiã da tradição – também apostava na

modernidade, no homem novo, nas armas novas, para combater inimigos modernos e

sobreviver em uma época em que “tudo que é sólido se desmancha no ar”.69 Contudo, desde a

década de 30 até meados da década de 50 do século XX, a Igreja Católica parecia crer que o

cinema era o mais poderoso meio de persuasão existente. O clero via na chamada sétima arte

um instrumento utilizado para influenciar negativamente a conduta de jovens, que se

espelhavam nas grandes estrelas e no modo de vida que era disseminado nas películas.

A preocupação do Vaticano sobre a utilização dos meios de comunicação de

massa, especialmente o cinema, era evidente. Antes de inaugurar, em 1931, a Rádio Vaticano,

o papa Pio XI já produzia textos como o Casti Connubii70, sobre conteúdos veiculados pelo

cinema e pelo rádio e a influência destas mensagens no esfacelamento do matrimônio, da

família (a “divina instituição”), no desrespeito à castidade.

Já em 1936, às vésperas da Segunda Guerra, o Vaticano elabora com mais

profundidade um documento, a encíclica Vigilanti Cura,71 que tratava especificamente sobre o

cinema. Nesta encíclica, a Igreja já mostra um real interesse em interferir no processo de

produção dos filmes, bem como estimular uma fiscalização das obras colocadas em cartaz.

No decorrer da Vigilanti Cura, Pio XI descreve o poder do cinema e teoriza sobre os motivos

pelos quais as películas, sobretudo as faladas, exerciam tanto fascínio sobre as pessoas.

68 BENVINDO, Frei Destêfani. Armas modernas!... O Dominical, Teresina, p.1, 18 jul 1948. 69 BERMAN, Marshall. Tudo o que é sólido se desmancha no ar. São Paulo: Companhia das Letras, 1988. 70 CARTA Casti Connubii (1930), in: http://www.intratext.com/IXT/ESL0326/. Último acesso em 18 abri 2005. 71 VIGILANTI CURA (1936). Ver em http://www.vatican.va/holy_father/pius_xi/encyclicals/documents/hf_p-xi_enc_29061936_vigilanti-cura_po.html Último acesso em 18 abr 2005.

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[...]Não há hoje um meio mais poderoso para exercer influência sobre as massas, quer devido às figuras projetadas nas telas, quer pelo preço do espetáculo cinematográfico, ao alcance do povo comum, e pelas circunstâncias que o acompanham. [...] [...] O poder do cinema provém de que ele fala por meio da imagem, que a inteligência recebe com alegria e sem esforço, mesmo se tratando de uma alma rude e primitiva, desprovida de capacidade ou ao menos do desejo de fazer esforço para a abstração e a dedução que acompanha o raciocínio. Para a leitura e audição, sempre se requer atenção e um esforço mental que, no espetáculo cinematográfico, é substituído pelo prazer continuado, resultante da sucessão de figuras concretas. No cinema falado, este poder atua ainda com maior força, porque a interpretação dos fatos se torna muito fácil e a música ajunta um novo encanto à ação dramática. Se nos entre-atos se acrescentam danças e variedades, as paixões recebem excitações das mais perigosas, que avultam vertiginosamente.[...]72

O documento relatava ainda sobre a utilização da beleza e talento de atores e

atrizes, envolvidos em tramas e romances, onde as músicas de fundo completam a cena,

aumentando ainda mais o poder de sedução do cinema, especialmente sobre crianças e jovens:

As variadíssimas cenas no cinema são representadas por homens e mulheres escolhidos sob o critério da arte e de um conjunto de qualidades naturais, e que se exibem num aparato tão deslumbrante a se tornarem às vezes uma causa de sedução, principalmente para a mocidade. O cinema ainda tem a seu serviço a música, as salas luxuosas, o realismo vigoroso, todas as formas do capricho na extravagância. E por isso seu encanto se exerce com um atrativo particular sobre as crianças e os adolescentes. Justamente na idade, na qual o senso moral está em formação, quando se desenvolvem as noções e os sentimentos de justiça e de retidão, dos deveres e das obrigações, do ideal da vida, é que o cinema toma uma posição preponderante.73

O pensamento da igreja sobre a preponderância do cinema frente aos demais

meios de comunicação parece ter chegado intacto até o início dos anos 50, momento em que

no sul do Brasil vivia-se a época de ouro do rádio e a primeira emissora de TV era inaugurada

no país74.

De fato, ao lado do footing da praça Pedro II, ao som dos alto-falantes, uma

parcela da juventude teresinense tinha no cinema uma de suas principais diversões na década

de 40 e o american way vendido em cada película hollywoodiana parecia atrair a atenção de

jovens e moças da época.

72 VIGILANTI CURA, op. cit, p.1 73 Id. 74 A inauguração da primeira emissora de televisão no país, a TV Tupi, de Assis Chateubriand, aconteceu em setembro de 1950. Ver: GONTIJO, Silvana. O livro de ouro da comunicação. Rio de Janeiro, Ediouro, 2004.

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Entre os anúncios de jornais sobre filmes em exibição nos cinemas da cidade, era

possível encontrar a propaganda de lojas especializadas em produtos de beleza, prometendo

verdadeiros milagres estéticos para as consumidoras, como faz crer a nota “De Hollywoody

para você...”:

Senhorita: Quer ser bela como as estrelas do cinema? Então não vacile... Deixe de usar esses cosméticos que não lhe recomendam bem. Aproveite a experiência das artistas da tela. Os produtos de beleza da “MAX FACTOR”, mundialmente famosos, acabam de ser recebidos diretamente de Hollywood, Califórnia, pela campeã das novidades, a Casa Edilberto Martins, à rua Senador Pacheco, nº 733, nesta cidade. [...]75

A publicidade da loja de cosméticos seguia descrevendo os benefícios de dois

produtos, um pó que corrigia imperfeições da pele e a daria “maciez do veludo” e um batom

“essencial para atração de uma boca bonita”. E o anúncio publicitário arrematou, com a

mesma estratégia persuasiva, utilizando as palavras mágicas de um herói das telas, Ali Babá:

[...] Faça, sem demora, uma visita à Casa Edilberto Martins, onde encontrará todos os produtos de MAX FACTOR, o mago da “maquillage” perfeita das estrelas de Hollywoody, que faz desfilar pela tela as mulheres mais encantadoras do mundo. Seja uma delas!... Agora não há mais dificuldades. Vá hoje mesmo à Casa Edilberto Martins e faça seu “make-up” perfeito. Os produtos “MAX FACTOR” serão o “Abre-te Sésamo” de sua felicidade e encanto pessoal!76

A grande quantidade de anúncios sobre os filmes, a grande maioria estrangeiros,77

em cartaz nos jornais da década de 40 induz a pensar que a tela grande realmente atraía

grande interesse da parcela da população que poderia pagar pelo ingresso no cinema. Isso

parecia reforçar a reflexão da igreja em ver o cinema como o mais poderoso meio de

comunicação até ali.

A propaganda sobre filmes em cartaz, é importante ressaltar, não era veiculada

apenas nos jornais. A Rádio Difusora e os serviços de alto-falantes também divulgavam a

75 DE HOLLYWOODY pra você. Diário do Piauí, Teresina, p. 3, 23 jul 1946. 76 Ibid, id. 77 Em 1941, surge no Brasil a companhia de cinema Atlântida, que impulsiona a produção cinematográfica local. Muitos filmes eram estrelados por artistas consagrados no rádio, como o média-metragem Astros em Revista, que contava com apresentação musical de Emilinha Borba, Luís Gonzaga, dentre outros. Ver. GONTIJO, op. cit, p. 394.

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programação dos cinemas, sendo que um deles tinha até quadro de resenhas de obras

cinematográficas.78

O gosto popular pelo cinema preocupava seriamente os que faziam a Igreja

Católica em Teresina, naquela época. O jornal “O Dominical”, semanário oficial do clero, era

o instrumento de contra-propaganda das idéias veiculadas na maioria das películas que

passavam pela cidade, o qual combatia também a moda que se disseminava através das atrizes

hollywoodianas.

A igreja não só se preocupava com o conteúdo/mensagem veiculado no cinema.

As próprias salas de exibição eram praticamente satanizadas, por conta do escurinho

característico que possibilitava à juventude transgredir, temporariamente, a ordem e costumes

impostos à época. O ambiente do cinema, propício para troca de carícias entre casais, era tido

como mundano pelos clérigos.

Preocupava a igreja o conglomerado de jovens – homens e mulheres

entusiasmados sob uma mesma penumbra – bem como a realidade do cinema se tornar parte

do cotidiano das pessoas, disputando espaços com outros monumentos da cidade.

Da mesma forma, às mulheres era repudiada a prática de passear nas ruas e nas

praças – justamente os espaços onde funcionavam os serviços de alto-falante – assim como

não eram recomendadas as festas noturnas em clubes. Para a igreja, definitivamente, tais

lugares eram impróprios para os rapagões católicos encontrarem as futuras esposas.

[...]Estas nossas observações são tanto mais graves por falar uma representação de cinema não a pessoas separadas, e sim a grandes reuniões, e isto em condições de lugar e tempo que podem levar a um entusiasmo depravado, como também a um ardor ótimo; entusiasmo que pode chegar a uma louca e geral concitação, que pela experiência tão bem conhecemos. [...] As figuras cinematográficas são mostradas a pessoas sentadas em meia-escuridão e cujas faculdades mentais, e mesmo forças espirituais, estão freqüentemente descontroladas. Não é necessário ir longe para encontrar essas salas; estão em geral ao lado das casas, das igrejas e dos grupos escolares, levando assim o cinema ao meio da vida a sua influência suma e suma importância.[...]79

Nitidamente influenciados pela Vigilanti Cura, os cronistas de O Dominical

atacavam a utilização do espaço do cinema, bem como o escuro de algumas ruas, por aqueles

que buscavam fugir do controle visual da igreja para troca de carinhos mais ousados. Para o

78 SAID, op. cit. 79 VIGILANTI CURA, op. cit.

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clero, os casais que se comportavam como “pombinhos” nas salas de projeções contribuíam

para o desprestígio e perda da pureza da mulher.

[...]Estas leviandades de toda hora que aí vemos por ruas e praças, casaisinhos em arrulhos por becos escuros e em estradas alta hora da noite, estas incríveis e despudoradas atitudes dos Pombinhos em cinemas e nas trevas, as liberdades dos pares de namoradinhos por aí afora, isto é amor?! Nunca! É o desprestígio e o desrespeito da mulher, o túmulo da pureza e a mais desastrosa preparação para o matrimônio[...]80

O jornal O Dominical, no entanto, ia além da crítica às películas que o rebanho

não poderia ver. Mais importante do que combater a chamada Sétima Arte, era mais que

urgente arrebatá-la para o lado cristão, como sugere a nota intitulada “Se não conquistarmos o

cinema, vão será todo o nosso apostolado”:

Qualquer que seja o valor de todas as outras atividades apostólicas, quaisquer que sejam os projetos da Ação Católica, se não conquistar o cinema, estéril será nosso apostolado. Como campos preferidos da atividade católica, sempre se assinalaram a escola e a imprensa. Hoje se tem acrescentado as obras sociais. Porém a escola, imprensa, e sociologia passaram à retaguarda, ante o cinema que em pouco tempo se adiantou imensamente entre os demais meios de conquista. Quanto se ensine nas escolas, quanto se defenda ou se propague no livro ou no periódico, quanto se organize no campo social, o cinema contrário o esteriliza.81

A referida nota diz mais do que a importância do cinema como forma de

conquista. Ela acaba mostrando ainda que, embora a igreja no Piauí visse a importância do

rádio como um meio poderoso de comunicação e persuasão a seu favor, era o cinema que

exercia maior fascínio. Simplesmente bradar contra o cinema pagão não seria suficiente. Era

preciso usar a mesma arma, para propagar a doutrina católica.

Por isso, logo no início dos anos 50, quando sintonizar a única emissora de rádio

teresinense era ainda uma novidade acessível a poucas famílias e as amplificadoras ainda

reinavam nas praças centrais da cidade, a União de Moços Católicos (UMC), grupo ligado à

Igreja, iniciou uma campanha para adquirir um projetor de películas e instalar uma sala de

cinema para exibir filmes religiosos. Foi feita uma rifa para arrecadar fundos, onde o prêmio

principal era exatamente um produto que estava entre os maiores sonhos de consumo do

80 BRANDÃO, Ascânio. É pecado namorar? O Dominical, Teresina, p.3, 19 nov 1950. 81 O DOMINICAL, Teresina, p. 4, 24 set 1950.

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momento: “um aparelho de rádio Philco, de 5 válvulas, ondas curtas e longas, no valor de Cr$

3.800,00.”82

A aparente insistência em se tratar de cinema, nas páginas anteriores deste

trabalho, teve o propósito de ressaltar a mudança que se deu nos anos seguintes, sobretudo na

segunda metade da década de 50, no que se refere ao pensamento da igreja sobre a

necessidade de se investir com mais profundidade no rádio. Isso não quer dizer que, até o

início da década em questão, o clero piauiense desprezasse oportunidades para ocupar espaços

na única emissora local, competindo assim com marchas de carnaval e músicas de duplo

sentido, tão condenadas pela Igreja. O meio radiofônico era visto ao mesmo tempo como algo

profano e sagrado, pelo Vaticano.

Segundo Lima:

[...] o rádio só era visto pela igreja como “sagrado” quando levava ao ar programas de cunho católico. Quanto aos programas ditos não católicos, eram vistos como uma ameaça à moral cristã e aos bons costumes da sociedade, sendo considerados como instrumentos que desvirtuam a sociedade por serem pouco educativos e culturais.83

Já em 1951, a igreja no Piauí lança o “Programa Católico Radiofônico” sob a

orientação do arcebispo D. Severino, sendo irradiado às quintas-feiras das 20h às 20h30

diretamente do estúdio da Rádio Difusora, dando notícias e avisos sobre as atividades

destinadas aos católicos, assim como números musicais cristãos. O programa inaugural

aconteceu no dia 19 de abril, no Paço Episcopal por D. Severino, “não obstante seu estado de

precária saúde84. Sobre o programa em si, tinha “óbvia a finalidade de levar através de um

meio moderno [...] aos lares católicos a doutrina cristã [...] para desapaganizar o que de pagão

se verifica infelizmente na sociedade hodierna”.85

Enquanto o clero no Piauí começava a explorar as ondas do rádio, em outros

centros urbanos mais desenvolvidos, como São Paulo e Rio de Janeiro, a Igreja já começava a

se preocupar também como outra tecnologia, a televisão, que no Brasil nasceu como um

“subproduto do rádio”,86 ao empregar inicialmente a mesma linguagem e fazer uso dos

mesmos artistas. A preocupação do clero local era com a programação pagã no rádio e

82 O DOMINICAL, Teresina, p.4, 16 abr 1950. 83 LIMA, op. cit, p. 60. 84 O DOMINICAL, Teresina, p.11, 22 abri 1951. 85 id. Ibid. 86 GONTIJO, op. cit., p. 415.

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também com o avanço do protestantismo, que também utilizava espaço na Difusora. Tal

programa era proibido aos católicos87

Com o decorrer dos anos, percebendo não só a grande importância do cinema

como meio de comunicação, o Vaticano passou a discutir com mais profundidade sobre a

necessidade de utilização de rádio e da televisão, assim como a tarefa urgente de tentar

controlar o conteúdo de tais mídias.

Como reflexo dos debates internos da Igreja em âmbito internacional, em outubro

de 1956 foi realizada em Teresina a Conferência dos Bispos da Província Eclesiástica do

Piauí, já sob o comando do arcebispo Dom Avelar Brandão Vilela. Dentre os temas debatidos

no evento, constava a “Formação da opinião pública através dos agentes de publicidade –

Imprensa, Cinema, Rádio, Teatro e Televisão”.88 É curioso destacar que os sinais de televisão

no Piauí só chegaram com qualidade a partir da década de 70, mas mesmo assim tal meio de

comunicação foi discutido.

Pode-se imaginar que a pauta da Conferência no Piauí era a mesma estabelecida

para o resto do Brasil ou em outras países. O resultado das discussões, presume-se, ajudou o

Vaticano a elaborar a encíclica Miranda Prorsus, divulgada no ano seguinte por Pio XII,

dando uma nova orientação para os católicos no que se refere aos principais meios de

comunicação na ordem de importância para a Igreja até aquele momento: o cinema, o rádio e

a televisão.

A Miranda Prorsus era bem enfática para mostrar o grau de interesse da Igreja em

ter nas próprias mãos os meios de comunicação de massa, para propagação de sua doutrina. O

Vaticano não achava apenas que tinha o direito de obter concessões na radiodifusão. O

discurso, na verdade, era de que o poder público tinha a obrigação de liberar os canais que

fossem necessários para a Igreja Católica, como se ressuscitasse a teoria do direito divino:

A Igreja, depositária da doutrina da salvação e dos meios de santificar, goza do direito inalienável de transmitir as riquezas que lhe foram confiadas por disposição divina. A tal direito corresponde, por parte dos poderes públicos, o dever de lhe tornar possível o emprego das técnicas de difusão. Os fiéis, conhecedores do inestimável dom da Redenção, não se devem poupar a esforços a fim de a Igreja poder servir-se das invenções técnicas e usá-las para a santificação das almas.89

87 O DOMINICAL, Teresina, p.1, 7 set 1952. 88 O DIA. Teresina, p.3, 14 out 1956. 89

MIRANDA Prorsus. Disponível em: http://www.vatican.va/holy_father/pius_xii/encyclicals/documents/hf_p-xii_enc_08091957_miranda-prorsus_po.html . Último acesso em 23 abri 2006.

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A mesma encíclica trouxe ainda o tema de utilização dos meios de comunicação

para a educação das massas, que não deveria estar desassociada da doutrina católica, algo que

deve ter influenciado profundamente o clero piauiense no projeto de criação da Rádio

Pioneira de Teresina.

O mesmo se pode dizer e com mais razão do ensino, ao qual o filme didáctico, a rádio e mais ainda a televisão escolar, oferecem possibilidades novas e inesperadas, e não só para os jovens mas também para os adultos. Todavia a utilização no ensino destas novas e prometedoras técnicas, não deve opor-se aos imprescritíveis direitos da Igreja e da família no campo da educação da juventude. Em especial ousamos esperar que as técnicas de difusão, - quer estejam nas mãos do Estado, quer se encontrem confiadas à iniciativa particular - não se venham nunca a tornar responsáveis dum ensino sem Deus.90

A preocupação com a educação das massas por parte da Igreja e a utilização dos

meios de comunicação para tal fim refletiam as mudanças que estavam sendo geradas no

interior da Igreja, retomando a chamada preferência pelos pobres, culminando em ações

práticas em prol dos menos favorecidos, sobretudo a partir da realização do Concílio Vaticano

II, “aberto pelo papa João XXIII em 1962 e encerrado em 1965”.91

De acordo com José Maria Vieira de Andrade,

Na passagem do final dos anos 50 para os anos 60 do século XX, num contexto de grande efervescência em quase todos os setores sociais, a Igreja Católica passou por processos de mudanças na sua organização em suas bases ideológicas, as quais tinham por fundamento a tentativa da instituição de reaver o seu próprio papel social.92

Na verdade, a Igreja se viu também pressionada a mudar de postura como reação

ao crescimento da ideologia socialista, de distribuição de renda e erradicação da pobreza,

sobretudo depois do final da Segunda Guerra Mundial. No Brasil, o resultado do pensamento

mais alinhado à classe menos favorecida foi a criação do Movimento de Educação de Base

(MEB), que teve estreita ligação com a proposta de instalação de escolas radiofônicas através

da Rádio Pioneira de Teresina, cuja inauguração se deu em 1962.

[...] Os católicos decidiram investir na criação de vários movimentos direcionados a área educativa e de cultura popular, entre os quais se destacou

90 MIRANDA Prorsus, op. cit. 91 NASCIMENTO, 2004, op. cit, p. 47. 92 ANDRADE, José Maria Vieira de. Pelas ondas da Rádio Pioneira de Teresina: história, sociedade e cultura em sintonia. Monografia (Licenciatura Plena em História), Teresina, UFPI, 2005, p.45.

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o MEB, fundado por meio de uma parceria entre a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), sua mentora e organizadora, e o Governo Federal, na condição de financiador.93

A criação da Rádio Pioneira de Teresina não fez com que a igreja rompesse

contato com outros meios de comunicação, inclusive com as amplificadoras. No interior do

Estado, os alto-falantes continuaram funcionando do alto dos templos católicos, assim como

em Teresina. Aliás, ainda é possível, em dias atuais, ouvir os sons dos alto-falantes na

periferia da capital, irradiados por amplificadora, como é o caso da Igreja de Nossa Senhora

da Paz, na Zona Sul da cidade.

Outras práticas na praça, outros usos dos alto-falantes

Ao analisar a relação entre música e memória, Maurice Halbwachs descreve

espaços sonoros nos quais as pessoas convivem e mantém relações sociais, provocando

lembranças dos lugares onde funcionavam os alto-falantes do final da década de 30 ao início

dos anos 50 em Teresina.

[...] Nas ruas das grandes cidades, as cantigas populares correm de boca em boca, reproduzida outrora pelos realejos, hoje pelos megafones. As melopéias dos comerciantes ambulantes, as canções que acompanham as danças enchem o ar de sons e de acordes[...]94

O autor do texto em questão trata do fato de que as pessoas, ao ouvirem músicas,

ou simplesmente lembrarem mentalmente delas, podem rememorar fatos e situações tristes,

alegres, porém importantes para quem as viveu.

[...]Como se estes espetáculos nos aparecessem na tela de um cinema, sem que nenhuma orquestra invisível os acompanhe, imitando os sons, nós próprios nos evocaremos os sons, e as imagens que se agitam no silêncio provocarão em nós muito menos ilusão[...]95

No que se refere ao funcionamento das amplificadoras na Praça Pedro II, no

entanto, nem só boas lembranças os alto-falantes provocavam. Um artigo de Joseman da

Silva, Flagrantes da Cidade, queixava-se da perda de regularidade das retretas na praça, que

deveriam acontecer duas vezes por semana, às quintas e aos domingos. E quando aconteciam,

93 ANDRADE, op. cit, p.45. 94 HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva dos músicos. In: A memória coletiva. São Paulo, Vértice, Editora Revista dos Tribunais, 1990, p. 172. 95 Ibid, p.161

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a música da banda da Polícia Militar disputava o espaço sonoro juntamente com os alto-

falantes: “Hoje em dia, vez por outra, ainda há retretas, mas já não podem ser ouvidas como

dantes, com tanto enlevo – o barulho ensurdecedor dos auto-falantes (sic) não nos permite

mais esse prazer”.96

A noite da Praça Pedro II, no entanto, não era de exclusividade de uma prática

romântica da juventude. Ali também foi espaço de conflitos, de comícios dos políticos, da

rebeldia dos estudantes. De acordo com notícia publicada como manchete de primeira página

do jornal udenista O Piauí, então dirigido por Helvécio Coelho Rodrigues, colegiais que não

se sujeitaram a aceitar a ordem do silêncio nas festas juninas, utilizaram o microfone da

amplificadora para protestar contra a repressão policial.

Enquanto o protesto ganhava ares e lares pelos alto-falantes, um grupo de

estudantes estourava bombas e traques na praça – desafiando o efetivo do Quartel da Polícia

Militar.

[...] Mais de um milhar de pessoas mobilizou-se e promoveu a um sistemático e eficiente “bombardeio”. Algumas dezenas de milhares de foguetinhos, bombas e traques foram estourados impiedosamente durante algumas horas, e seu efeito ensurdecedor provocou o fechamento dos cinemas, cafés e botequins ali situados. Enquanto isso ocorria, alguns oradores, pelo serviço de auto-falantes (sic), explicavam a razão de ser das ruidosas manifestações que estavam sendo levadas a efeito e acentuavam o protesto da classe estudantal contra o fato de haver sido detido pela polícia, na noite anterior, um estudante [...]97

Como pode ser visto acima, os alto-falantes não eram utilizados apenas para fazer

propagandas, ofertar músicas para a jovem amada, realizar ritos patrióticos e espirituais como

executar o hino nacional e a Ave-Maria. As amplificadoras eram apropriadas de diferentes

formas por quem consumisse98 o espaço conflituoso e de luta ao qual se dá o nome de

cidade.99

A realização de eventos esportivos também se dava ao redor da Praça Pedro II.

Foi na praça que às 17h do dia 11 de dezembro de 1949, os melhores corredores de provas de

longa distância do Piauí participaram da largada da II pré-liminar local da São Silvestre,

famosa corrida realizada anualmente desde 1925, em São Paulo. A prova foi narrada pela

96 SILVA, Joseman da. Flagrantes da Semana. A Cidade, Teresina, p.2, 1º fev 1952. 97 PROTESTAM estudantes e populares contra arbitrariedades do Delegado de Segurança. O Piauí, Teresina, p.1, 30 jun 1951. 98 CERTEAU, Michel de. Práticas de espaço. In: A invenção do cotidiano – artes do fazer. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994, p.167-217. 99 A cidade com espaço político e de conflitos é discutido em ROLNIK, Raquel. O que é cidade. São Paulo, Brasiliense, 1995.

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amplificadora de Francisco Nasser & Irmãos100 para as praças Pedro II e Rio Branco. Era uma

típica reportagem “externa” no centro da capital, uma inovação em Teresina que nem mesmo

a Rádio Difusora ousou fazer.

Foi assim que o Jornal do Comércio registrou a última volta da corrida:

Já escurecia, quando de longe se ouvia, gritos, palmas e aplausos retunbantes (sic) ao vencedor que chegava, Aprígio José da Silva, com a mesma técnica, com a mesma simplicidade, chegava ao controle, sagrando-se bi-campeão da corrida rústica de 6.680 metros, com o tempo de 25,56. O povo não se conteve e sem respeitar os cordões de isolamento, a Polícia e os nossos constantes apelos pelo microfone da amplificadora que fazia a reportagem e animava a festa, invadiu a pista e criou um ambiente de verdadeira confusão, dificultando deste modo, a entrada dos nossos atletas e as suas respectivas classificações. Todavia, ainda os juízes conseguiram classificar os concorrentes pela seguinte ordem de chegada[...]101

Correndo atrás do prejuízo e tentando ser mais presente no cotidiano dos

Teresinenses, a Rádio Difusora teve participação mais atuante na cobertura da preliminar da

corrida de São Silvestre dos anos seguintes. A emissora não só irradiou a prova, como

também foi – através de seu casting – uma das maiores atrações do evento, conforme nota do

Jornal do Comércio, cujo proprietário era também o realizador da eliminatória local.

No domingo 9 de dezembro, pela 21 horas, com partida da Praça Pedro II, realizar-se-á a IV Prova Preliminar da Corrida de São Silvestre, que “Jornal do Comércio”, por delegação de “A Gazeta Esportiva”, de S. Paulo, organiza e dirige nesta Capital, por quatro anos consecutivos. A direção da Corrida está preparando um grande “show”, com artistas do rádio, para apresentar ao público, simultaneamente, com a irradiação do Certame Esportivo, pela Rádio Difusora de Teresina. As corporações militares e os governos do Estado e do Município estão cooperando com este jornal, no desejo de que, esta festa eminentemente popular, alcance êxito invulgar.102

A amplificadora Cruzeiro do Sul também teve participação importante na

irradiação da IV Prova Preliminar da São Silvestre no Piauí, transmitindo a corrida para as

praças Pedro II e Rio Branco, bem como as apresentações do casting da Rádio Difusora de

100 A publicidade da eliminatória da corrida de São Silvestre no Piauí foi realizada por vários jornais, pela Rádio Difusora e pelas amplificadoras Cruzeiro do Sul e Amplificadora Comercial. A reportagem sobre como foi a corrida apenas citou que a amplificadora que narrou o evento esportivo era de Francisco Nasser & Irmãos. Trabalha-se aqui com a hipótese de que esta amplificadora seja a Comercial, que teve vários donos. Além disso, a Cruzeiro do Sul era bastante conhecida como a amplificadora de Getúlio Pontes. 101 OBTEVE grande sucesso a II Prova Preliminar da Corrida de São Silvestre. Jornal do Comércio, Teresina, p.4, 16 dez 1949. 102 JORNAL do Comércio, Teresina, p.1, 30 nov 1951.

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Teresina: Regional Q-3 (conjunto musical da emissora), os cantores Edir Carvalho, Clemilton

Silva e Anita Rosa, além de Panfílio Abreu “com seu violão mágico”, Ângelo Campelo, João

de Deus, Mister Polvo e sua gaita. O encerramento da festa foi realizado por Dennis Clark,

um dos mais conhecidos radialistas da época, e Getúlio Pontes, dono da Amplificadora

Cruzeiro do Sul.103

Sobre Getúlio Pontes é importante destacar que além de ser proprietário da

Amplificadora Cruzeiro do Sul, ele também tinha programa semanal na Rádio Difusora,

conforme a lista104 de programas fixos da emissora para o ano de 1951. Ele fazia o “Programa

Getúlio Pontes”, aos sábados, das 15h05min às 15h50min.

A lista mostrava uma grande limitação da emissora no que se refere a variedades

de programas e também quanto ao tempo diário de irradiações. Por toda a manhã e boa parte

da tarde, os que sintonizavam a ZYQ-3 simplesmente não tinham nenhuma programação. De

segunda à sexta-feira a Difusora funcionava das 16h às 23h. Aos sábados, a programação

começava às 15h e terminava também às 23h. Já aos domingos, o início da irradiação se dava

às 14h45min e o desfecho às 22h.

No que se refere à regularidade dos programas, apenas o Repórter Q-3 e Crônica

do Dia eram diários. Com duração de apenas cinco minutos, o Repórter Q-3 começava às 20h,

logo depois da Agência Nacional (Hora do Brasil), que entrava no ar sempre às 19h30, de

segunda a sábado.

Já a Crônica do Dia, também com duração de cinco minutos, era iniciado às

20h55min. Havia ainda o Diário da Metrópole (possivelmente um espaço pago pela prefeitura

de Teresina), das 20h05min às 20h10min, de segunda à sábado. Também de segunda à sábado

era irradiado ainda o programa Notícias Eleitorais, das 21h30min às 21h45min.

A grande maioria do tempo de irradiação da Difusora em 1951, segundo a lista de

programação, era dedicada à execução de gravações, ou seja, a reprodução de músicas, assim

como as amplificadoras de Teresina à época. Enquanto as grandes emissoras do Sul/Sudeste

do país transmitiam diariamente várias rádios-novelas, a primeira emissora de Teresina só

oferecia uma e, mesmo assim, apenas às segundas e sextas-feiras, das 21h15 às 21h45. E aos

domingos, das 15 às 16h era apresentado o Tribunal de Calouros. No mesmo dia, entrava no

ar o Teatro em Miniatura, programa que começava às 19h30 e terminava às 20h.

O trabalho em conjunto realizado entre a Cruzeiro do Sul e a Difusora na

transmissão da prova classificatória para a Corrida de São Silvestre foi um dos raros

103 JORNAL do Comércio, Teresina, p.1, 30 nov 1951 104 JORNAL do Comércio, Teresina, p.3, 31 dez 1950.

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momentos de convergência105 entre as duas mídias. Um momento em que os dois meios de

comunicação se completaram, aparentemente, numa perfeita simbiose. Os que trabalhavam na

Difusora e os que atuavam nas amplificadoras pareciam manter bom relacionamento, até

então, a ponto de chegarem a se reunir para criar uma associação profissional, como aponta a

matéria “Congregam-se os radialistas locais”:

Sob a orientação do sr. Cláudio de Moura Tote, a 6 de janeiro foi fundada, nesta Capital uma nova sociedade de classe, destinada a congregar em seu seio todos os elementos locais que emprestam a melhor parcela do seu trabalho em favor da radiofonia, como proprietários de estações transmissoras e amplificadoras, ou ainda, como locutores, redatores, cantores, músicos, técnicos de rádio etc. A solenidade de fundação da novel Sociedade realizou-se nos estúdios da Amplificadora Comercial, contando com a presença da maioria dos radialistas locais, tendo falado sobre o magno assunto os srs. Cláudio Tote, Godofredo Cavalcanti, Vidal Ferreira e outros que nos escapam a memória. Registrando este auspicioso fato, mandamos aos radialistas teresinenses os nossos parabéns, pela feliz iniciativa.106

No entanto, há de se desconfiar da precisão das informações descritas na nota

acima, uma vez que seria no mínimo curioso o fato de se fundar uma associação que tentasse

congregar patrões e empregados. Outro fato da nota se referir aos proprietários de “estações

transmissoras” também chama a atenção, já que a cidade de Teresina só contava com a rádio

Difusora. É importante ainda destacar que a solenidade de criação da associação de radialistas

se realizou no estúdio da Amplificadora Comercial que até aquele momento pertencia ao

comerciante Cláudio Tote.

Tensões no ar: as disputas pelos anúncios comerciais

Como descrito a pouco, a Rádio Difusora, no início da década de 1950,

funcionava em horário bastante limitado, com poucos programas regulares. Por conta disso,

os jornais da época criticavam as falhas de funcionamento e organização da Rádio Difusora

de Teresina, cuja programação, em quase toda sua totalidade, era composta de veiculação de

músicas e propagandas, assim como as concorrentes, as amplificadoras do centro de Teresina.

Os programas também careciam de melhor produção e variedade.

105 BRIGGS, ASA & BURKE, Peter. Uma história social da mídia – de Gutenberg à Internet. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004, p. 270. 106 JORNAL DO COMÈRCIO, Teresina, p.4, 20 jan 1950.

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O periódico O Pirralho, auto-intitulado Hebdomadário Noticioso e de Interesses

Gerais, que era dirigido pelo jornalista Alberoni Lemos, tendo como redatores A. Tito Filho e

Ribamar Oliveira, não poupava críticas à Difusora. De toda a grade de programação da única

emissora de Teresina, apenas o Grande Jornal Q-3, sob responsabilidade de José Lopes dos

Santos, não era atacado nas costumeiras notas ácidas da folha semanal, mais de três anos

depois da inauguração daquela estação.

Quem quiser abalar os nervos, passar o dia de mau humor, brigar com a mulher, se for casado, afogar as desventuras no álcool, se for solteiro, sente-se ao pé do rádio e procure ouvir a transmissora de Teresina. Ali só se salva o jornal redigido pelo nosso confrade José Lopes dos Santos. Programas péssimos, anúncios mal redigidos, linguagem estropiada – tudo faz crer que a Rádio Difusora trocou a cabeça que fica acima do pescoço pela cabeça que fica na ponta do dedão do pé. Uma voz feminina, de taboca rachada, completa a tragédia. Meia hora de anúncios, lidos um após o outro, dá sono. Isto tudo sem falar da língua e da pronúncia dos vocábulos. Rádio, cá em nosso entendimento, é veículo de cultura e diversão sadia. Instrumento de imbecilidade e paulificância é que não pode ser. Estamos certos de que a direção da Rádio Difusora procurará corrigir os seus imensos defeitos, honrando a cultura piauiense aqui e lá fora, com a apresentação de programas condizentes com nosso progresso e com a tranqüilidade dos ouvidos do nosso povo. 107

Em outra reclamação estampada contra a Difusora em jornal da cidade, um

ouvinte denunciava ter arrendado quinze minutos de programação da rádio para irradiação de

determinada seleção de músicas. Porém, o que era para ser uma homenagem a um casal que

completava bodas de prata, acabou se tornando motivo de constrangimento para o contratante:

Protesto contra a desorganização da Rádio Difusora de Teresina. No dia 16 do mês em curso, dirigi-me a Rádio Difusora com o fim especial de botar algumas músicas para serem irradiadas domingo, dia 18, no horário das 19 às 19 e 15h e as referidas músicas foram aceitas pelos funcionários. E, na hora exigida, esperei para ouvir as músicas que eram oferecidas ao casal José Raimundo de Vasconcelos e D. Alzira de Vasconcelos, pela passagem do 25º aniversário de casamento, eles residentes em Belo Horizonte, porém as mesmas não foram irradiadas. Reclamando a um de seus diretores eu e outra família que reclamava na mesma ocasião, o diretor disse-me que eu o procurasse no dia seguinte que êle restituiria a importância [...]108

A nota não deixa claro se o casal homenageado estava em Teresina ou em Belo

Horizonte, o que poderia revelar uma grande potência da emissão de sinal da estação de

107 O PIRRALHO, Teresina, p.5, 12 jan 1952. 108 OLIVEIRA, João Rocha de. Protesto. O Piauí, Teresina, p.3, 24 nov 1951.

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rádio.109 O protesto do ouvinte ainda ilustrava que a Difusora arrendava parte de sua

programação para os ouvintes. Esta prática, de certa forma, assemelhava, novamente, a

atuação da Difusora com o funcionamento das amplificadoras como a Olinda,110 instalada em

1948, no bairro Vermelha, na zona Sul da cidade.

Em 1951, já se passavam mais de três anos do início do funcionamento da Rádio

Difusora, que se esforçava para agradar seus ouvintes e se consolidar enquanto emissora de

comunicação de massa. Nesse mesmo período, além das amplificadoras Comercial

Teresinense, Cruzeiro do Sul e Record – as maiores e sem vínculo exclusivo com lojas do

comércio – surgiram alto-falantes em vários pontos comerciais da cidade, comandados pelos

próprios lojistas.111

De acordo com uma matéria do, à época, recém criado jornal O Dia, carregada de

adjetivos contra os serviços de alto-falantes, havia “mais de 10 amplificadoras na zona urbana

da cidade, sem incluir a do Mafuá, rua da Palmeirinha, Porenquanto, Vermelha, Matadouro,

Piçarra etc [...]”.112

O referido jornal deu grande destaque ao assunto do funcionamento das

amplificadoras no centro de Teresina, repetindo, em edições seguintes, mais notas contrárias

aos alto-falantes, devido aos incômodos que os aparelhos estariam causando à população:

Um abuso que em Teresina toma de dia para dia, proporções tremendas e profundamente intoleráveis [...]Não se pode mais ter um doente em casa, o qual necessite de repouso e silêncio; não se pode comprar e vender, e nem mesmo conversar. Nas praças Pedro II, Rio Branco e Saraiva, não se experimente siquer (sic) dez minutos de silêncio, por que as amplificadoras, azucrinando os ouvidos do povo, não dão trégua ao barulho, entre 7 e 22 horas do dia[...]113

Na edição de quatro de março de 1951 do jornal O Dia, mais uma nota de

reclamação contra os alto-falantes. Desta vez, além de atacar, no geral, as amplificadoras, o

material jornalístico centra fogo contra um lojista, em especial.

109 Uma nota de jornal publicada no ano seguinte reclamava da Difusora, que teria apenas “um kilowatt na antena, potência relativamente fraca para cobrir a vastidão do território piauiense e difícil de ser ouvida além de nossas fronteiras”, Cf. PELAS ondas hertizianas. Jornal do Piauí, Teresina, p.5, 20 jul 1952. 110 Conforme citação no primeiro capítulo deste trabalho. 111 Lembra-se que, no entanto, os serviços de alto-falantes no centro da cidade começaram com as Lojas Rianil e Rádio Amplificadora Teresinense, no final da década de 30, contando com a realização de programas de calouros, apresentações musicais, noticiário, além, é claro, de propaganda dos produtos ali vendidos. Em 1952, os alto-falantes em expansão das casas comerciais tinham caráter comercial, porém, intercalando músicas. 112 ALTO Falantes. O Dia, Teresina, p.4, 11 de fev 1951. 113 ALTO Falantes, op. cit. p.4.

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Demos já, duas notas em torno do abuso dos alto-falantes que infestam de modo irritante e absurdo, os principais pontos de Teresina numa zoada mais do que infernal que atinge o estado nervoso de toda a gente. Vamos chamar a atenção das autoridades às quais compete a repressão do abuso, para o caso do microfone da Casa Bringel, à rua Senador Teodoro Pacheco, entre a Rui Barbosa e Simplício Mendes. Os moradores e comerciantes daquelas imediações já pediram particularmente ao Sr. Bringel que ao menos baixasse o volume do seu aparelho tronitoante, no que não foram atendidos. O Sr. Agripino Maranhão, industrial naquela zona, em seu nome e no de todo comércio dali, pediu até por piedade ao Sr. Bringel que obedecesse a horários e não funcionasse o seu aparelho nas horas de maior trânsito do cruzamento daquelas três ruas. A resposta que lhe deram foi a seguinte: o nosso aparelho está pago e funciona das 7 da manhã às 5 da tarde[...] 114

Como se vê, a “febre” dos alto-falantes contribuiu ainda mais com o aumento da

poluição sonora no centro da cidade, acabando por atrair o descontentamento de parcela da

população que residia na área central, e gerando conflitos entre donos de casas comerciais que

não usavam aquela tecnologia para ajudar nas vendas.

Outra parte da nota chama a atenção pelo modo contundente como foi escrita,

quase que conclamando a população a tomar uma atitude violenta, caso as autoridades não

silenciassem a Casa Bringel: [...] Se não houver uma medida para fazer cessar tamanho abuso,

o povo fica autorizado a tomar suas próprias providências contra aquele absurdo... e as

reações do povo todos nós sabemos como são![...]115

É importante salientar que parte dos jornalistas que atuavam no meio impresso

também trabalhava na Rádio Difusora, o que poderia justificar as insistentes investidas contra

os alto-falantes, principais concorrentes da emissora no que se refere a anúncios publicitários

do comércio. Além do mais, os próprios jornais também estavam na concorrência para

veiculação de propagandas.

A proliferação das amplificadoras na cidade, no entanto, foi descrita de maneira

menos rancorosa e agressiva nas linhas iniciais da obra de H. Dobal, Roteiro Sentimental e

Pitoresco de Teresina: “[...] Há praças para os namorados, a quem a polícia não permite

muitas expansões, cinemas, a missa dos domingos, os bailes, a cerveja e em qualquer lugar há

sempre a música de um alto-falante[...]”116

O incômodo do barulho das amplificadoras no centro de Teresina, porém, era

reconhecido até mesmo por quem nelas trabalhou. O técnico Luís Gonzaga Fernandes

Carvalho, hoje com 72 anos e tendo no currículo a montagem de seis estações AM no Piauí,

114 ALTO-FALANTES. O Dia, Teresina, p.3, 4 mar 1951. 115 Id. Ibid. 116DOBAL Op. cit. 12

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dentre elas a Rádio Pioneira de Teresina, começou a tomar gosto pela profissão trabalhando

na Amplificadora Comercial Teresinense, por volta de 1950, como controlador da

aparelhagem e montador dos equipamentos.

Foto 05 - Luís Gonzaga Fernandes Carvalho Fonte: Acervo fotográfico do pesquisador Daniel Vasconcelos Solon

Segundo Carvalho, os dois maiores serviços de alto-falantes no centro, a Cruzeiro

do Sul e a Amplificadora Comercial Teresinense tinham concorrência acirrada e possuíam

licença da prefeitura para funcionarem em horários alternados. Tais horários nem sempre

eram respeitados. E como os alto-falantes das amplificadoras eram instalados em um mesmo

poste nas praças Rio Branco e Pedro II, era comum a barulheira tomar conta das ruas do

centro, em pleno horário comercial.

[...]Era uma fuzarca danada!!!(sorrindo) Quando uma entrava no horário da outra ninguém se entendia, aquela fuzarca, não se tinha controle, a prefeitura perdeu o controle de fiscalização. As duas (amplificadoras) eram num poste só. Na Pedro II era aquela barulheira tremenda, lá no mercado também, quando brigavam entre eles, era aquela confusão danada que ninguém se entendia, aquela barulheira tremenda.[...]117

A não obediência aos horários estabelecidos pela prefeitura também é confirmada

em nota de jornal que continuava sua campanha contra o barulho do centro da cidade

provocado pelas amplificadoras:

117 CARVALHO, Luís Gonzaga Fernandes. Entrevista cedida a Daniel Solon em 27 dez de 2004.

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Em nossa penúltima edição falamos do barulho infernal e do desmedido número e choque de horários das dezenas de auto-falantes (sic) que infestam Teresina de um certo tempo pra cá. Parece, entretanto, que com a nossa nota e apelo a quem de direito, equivaleu “malhar em ferro frio”, e as autoridades a quem compete reprimir o abuso, continuam de braços cruzados[...]118

Tão logo nasceram os anos 50, Teresina se preparava para comemorar o primeiro

centenário.119 A cidade queria crescer, mas os discursos presentes nas páginas de jornais

revelavam o desejo de que o processo de modernização120 avançasse silencioso e calmo, sem

traumas, sem ruídos. Durante o horário comercial, no entanto, as ruas do centro, ofereciam os

sons estridentes que advinham no mesmo ritmo do “progresso”.

O barulho do trânsito de carros, caminhões, ônibus, ciclistas, motociclistas... O

grito dos vendedores ambulantes, o zunzunzum das rodas de conversa sobre a política e a

expectativa em torno da festa de aniversário da capital... As várias bocas de alto-falantes

utilizadas por casas comerciais para propaganda, além das amplificadoras maiores que

funcionavam como “estações de rádio” improvisadas desde o final da década de 30... Tudo

isso fazia parte da “paisagem sonora”121 da cidade, no nascimento dos anos 50.

Era necessário que tudo parecesse perfeito na festa do centenário, em 1952. Os

bares, cafés, hotéis, pensões e prostíbulos deveriam ter o asseio impecável para receber os

visitantes, alguns deles ilustres figuras do cenário político nacional, intelectuais e artistas

consagrados do rádio nacional que iriam animar as festividades.

118 ALTO-FALANTES. O Dia, Teresina, p.1, 25 fev 1951. 119 Para se estudar a memória, também é necessário visualizar o espaço onde ela – ou parte dela – foi construída. Por isso também analisamos um possível cenário do centenário de Teresina. “[...]Não há memória coletiva que não se desenvolva num quadro espacial. [...] É sobre o espaço, o nosso espaço – aqueles que ocupamos, ao qual sempre temos acesso, e que em todo o caso, nossa imaginação ou nosso pensamento é a cada momento capaz de reconstruir – que devemos voltar nossa atenção; é sobre ele que nosso pensamento deve se fixar, para que reapareça esta ou aquela categoria de lembranças”, Cf. HALBWACHS, 1990, Op. Cit. 120 Para Nascimento, “é possível afirmar que existia um processo de modernização em Teresina desde a primeira década do século XX”. Em seus estudos sobre o período do Estado Novo, concluiu que o incêndio de casas de palha em Teresina serviram para empurrar a população pobre da capital para a periferia, contribuindo com o poder público no projeto de “embelezamento urbano”. Ver: NASCIMENTO, Francisco Alcides do. A cidade sob o fogo: modernização e violência policial em Teresina (1937-1945). Teresina, Fundação Monsenhor Chaves, 2002. Trabalha-se aqui com a hipótese de que o processo de modernização da capital piauiense tenha avançado com a implantação da primeira estação de rádio, advento de novas tecnologias, com o fortalecimento do comércio e com o discurso (e efetivação) de mudanças de comportamento da população. Outros autores sugerem que o processo se consolida com a melhoria de serviços como iluminação pública (com a inauguração da Usina de Boa Esperança), com programas de integração e desenvolvimento promovidos pelo governo federal, dentre outros, a partir do final da década de 60, Cf. BRANDÂO, Wilson de Andrade. Formação Social. In: SANTANA, R. N. Monteiro (org). Piauí: Formação, Desenvolvimento, Perspectivas. Teresina, Halley, 1995. 121 BOSI, Ecléa, 1994, p. 445

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As ruas e praças deveriam estar limpas e arrumadas, sem buracos, sem lixo

amontoado. As fachadas dos prédios comerciais e das residências precisavam passar por

reformas. As pessoas deveriam se trajar de maneira elegante, e demonstrar asseio.

Era urgente “limpar” as ruas da desagradável presença dos mendigos que se

multiplicavam e denunciavam, a cada pedido de esmolas, uma outra cidade em que viviam:

sem brilho, sem verde, sem luz, sem água, sem transporte, sem calçamento, sem emprego,

sem escola, na periferia.122 E mais. Os ruídos que faziam parte do cotidiano do centro da

cidade haveria de ser, de alguma forma, abafados. Teresina deveria perder o título de “cidade

do barulho”.

Teresina é a cidade do barulho e do desrespeito. Capital pequena, mas em franco progresso, é ela, entretanto, merecedora de ser educada pelas autoridades e por todos aqueles que têm alguma parcela de responsabilidade junto à coletividade[...] Terra desprezada, maltratada, feia, sem educação, sem moralidade – eis o retrato de Teresina, cidade onde todo mundo é autoridade, é polícia, mas onde ninguém quer cumprir as suas obrigações. Desrespeito e barulho – eis o que Pedro (Freitas - governador), João, Waldir, Matias Olímpio (prefeito), Samuel, 3 delegados e cinco mil agentes do poder público vão apresentar no centenário. Infeliz Teresina. Pobre Conselheiro Saraiva! Povo Mártir! 123

Para tentar modelar o funcionamento da cidade dentro do pensamento

hegemônico da elite local e planejar uma grande comemoração em torno da data, foi formada,

uma comissão em 1951 com a participação de políticos, jornalistas, intelectuais e

representantes do governo do Estado e prefeitura municipal.

[...]Embora pertencendo a partidos diferentes, o governador Pedro Freitas, do PSD, e o prefeito João Mendes, do PTB, tinham o melhor relacionamento pessoal e trataram logo de articular da melhor maneira possível a programação das festividades comemorativas do centenário de nossa capital, fazendo o melhor uso dos recursos federais recebidos para esse fim. Foi assim constituída, ainda em 1951, importante comissão que começou a trabalhar com interesse, dela fazendo parte lideranças destacadas de nossa Teresina em todas as áreas. Tinha como presidente de honra o Governador e presidente executivo o próprio Prefeito[...]124

Tal comissão teve a responsabilidade de aprovar o nome do empresário Assis

Chateubriand, um barão da mídia escrita e falada, para ser Patrono do Centenário de Teresina.

122 “A Chefia de Polícia está na obrigação de levar a efeito uma séria campanha contra a mendicância em Teresina – Uma campanha enérgica que não tombe para a rotina”, Cf. O PIRRALHO, Teresina, p.1, 26 jan 1952. 123 O PIRRALHO, Teresina, p.1 e p.6, 12 jul de 1952. 124 FREITAS. José Gayoso. Centenário que marcou nossa história. In: SANTOS, José Lopes dos. A vida e seus caminhos... 2º Volume, Teresina, Gráfica Mendes, 2002, p. 298

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O motivo da escolha foi estampado como matéria principal da primeira página do Jornal do

Comércio:

[...] A Comissão Organizadora dos Festejos do Centenário de Teresina, em sua reunião de 14 do corrente, por unanimidade, delegou poderes ao Prefeito João Mendes Olímpio de Melo [...] para convidar o vibrante e consagrado jornalista Assis Chateubriand, dinâmico e realizador diretor dos “Diários Associados”, para PATRONO do Centenário de nossa cidade. Esta providência, de grande alcance, por diversos prismas, para bom êxito das festividades de 16 de agosto próximo, constitui uma merecida homenagem de nossa terra à mais poderosa cadeia de jornais, revistas e estações de rádio do país, ao mesmo tempo em que reconhece e põe em realce o valor de Assis Chateubriand, figura brilhante acatada por seus explendorosos dotes de homem lutador, dotado de espírito filantrópico, posto em prova atravêz (sic) das campanhas que dirige em favor da aviação de assistência à maternidade e a infância[...]125

A matéria “esqueceu” de citar que a primeira estação de televisão no país, a TV

Tupi, também era pertencente aos “Associados”, tendo sido inaugurada ainda em 1950.

Talvez por conta do Piauí não receber o sinal da emissora, tenha ocorrido o tal esquecimento.

Lembrar a inovação tecnológica poderia mostrar que o rádio já não era o novo, nem sinônimo

de progresso. Por sua vez, a escolha do patrono, que havia inclusive acabado de comprar a

Rádio Difusora de Teresina, aumentando ainda mais o seu império, não foi bem recebida por

todos os setores da imprensa da capital.

Especulava-se que Chateubriand abriria um jornal na cidade. O semanário O

Pirralho usou várias de suas edições para criticar duramente o empresário, como na nota

intitulada “Chatô vem aí”, que praticamente desconstruía todo o discurso feito em favor do

magnata da comunicação realizado pelo Jornal do Comércio:

O senador, doutor e patriota Assis Chateubriand vem aí, comprando tudo. Já comprou a Rádio Difusora, vai montar um jornal e oferecer qualquer cousa aos teresinenses. Chatô não bate prego sem estopa. Quando protege por um lado, esfola por outro. Chatô fez campanha em favor da aviação e zás! – empurrou centenas de teco-tecos da sua fábrica em São Paulo. Agora vem a Teresina, para alguma marmota. O mais interessante é que Chatô anda solto.126

Não se pode dizer quais os reais motivos que levaram à campanha contra

Chateubriand nas folhas de O Pirralho. O certo é que o homenageado tinha mesmo uma fama

125 ASSIS Chateubriand será convidado para patrono do centenário. Jornal do Comércio, Teresina, p.1, 16 fev 1952. 126 O PIRRALHO, Teresina, p.6, 19 abr 1952.

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de espertalhão e de grande gozador, que tirava vantagem de tudo em que se metia. Ao receber

a confirmação do convite para ser patrono do centenário, o empresário teria sorrido e

perguntado ao prefeito de Teresina: “Quanto isso vai me custar?”.127

A compra da Rádio Difusora, por 20 parcelas de 15 mil cruzeiros, dentre outras

transações que Chatô realizava pelo país, foi concretizada sem que os donos tivessem a

certeza de que o dinheiro realmente viria. Ao se tornar uma associada, a emissora teve sua

trajetória mudada de forma importante, com a substituição de parte de sua diretoria.128

O peso simbólico da festa de 100 anos da capital a ser comemorada em 1952 e o

discurso dominante da consolidação de uma sociedade “civilizada e progressista” exigiam

mudança de comportamento dos teresinenses e uma reorganização espacial da cidade. A

Comissão Pró-festividades do Centenário viu na imprensa uma aliada para a tarefa de

convencimento da população, através de um discurso uníssono em prol da festa e dos valores

que deveriam surgir e permanecer a partir daquele momento.

Grande parte das notas, crônicas e artigos publicados nos jornais teresinenses

durante os meses que antecederam o aniversário de 100 anos da capital trazia um chamado à

população para se integrar ao projeto de transformarem a cidade – ou pelo menos a área

central de Teresina, durante as festividades – em um verdadeiro paraíso, ordenado, coeso,

limpo, saudável, silencioso e dentro da ordem.

A campanha na imprensa pelo envolvimento dos moradores no clima de festa e

cooperação foi realizada em todos os jornais da cidade. Os discursos, no entanto, e a própria

campanha, não eram aleatórios, não foram feitos isoladamente, nem nasceram na visão

espontânea de cada editor de jornal.129

A Comissão Pró-festividades do Centenário de Teresina, reunida no dia 30 de

janeiro de 52, aprovou, por unanimidade, a criação de um prêmio de Cr$ 5.000,00, proposto

pelo então advogado Walter Alencar, “para o jornal que mais se destacar em publicidade pró-

centenário”.130 O pagamento do prêmio seria entregue no dia 1º de agosto daquele mesmo

ano.

A partir daquele momento, os donos de jornais tiveram mais um incentivo para

assimilarem o pensamento regulador da cidade, ditado pelo poder público. Além disso, a 127 MOLEQUE. O Pirralho, Teresina, p.6, 15 jun 1952. 128 NASCIMENTO, Alcides do. História e Memória da Rádio Pioneira de Teresina. Teresina, Alínea Publicações Editora, 2004, p. 27. 129 “Em toda a sociedade a produção do discurso é ao mesmo tempo controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo número de procedimentos que tem por função conjurar seus poderes e perigos, dominar seu acontecimento aleatório, esquivar sua pesada, temível materialidade”, Cf. FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. São Paulo, Edições Loyola, 1996, p. 9. 130 COMISSÃO Pró-festividades do Centenário de Teresina. Diário Oficial, Teresina, p.8, 5 fev 1952.

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imprensa passou a fazer parte de Comandos Sanitários,131 uma espécie de força-tarefa para

fiscalizar e até mesmo sugerir punições aos estabelecimentos que não se enquadrassem em

níveis de higiene exigidos pelo Departamento de Saúde.

Em fevereiro daquele ano, o jornal A Cidade anuncia em nota intitulada A

imprensa e o primeiro centenário de Teresina que a fiscalização dos estabelecimentos

comerciais como bares, cafés, hotéis, dentre outros, seriam intensificados, com a criação dos

Comandos Sanitários.

Dentro de alguns dias será iniciada uma intensa campanha de higienização de nossas casas de hóspedes pela imprensa, não só por intermédio dos jornais, como também por visitas dos jornalistas teresinenses que em colaboração com o Departamento de Saúde, organizarão “Comandos Sanitários”, visando antes de tudo conseguir dos hoteleiros de Teresina, melhoria nas instalações, limpeza do prédio e dos móveis, higienização dos utensílios, etc [...]132

A situação verificada pelo órgão fiscalizador de saúde, entretanto, era

desalentadora, de acordo com a nota de um jornal humorístico que circulava na cidade:

“Informa a Saúde Pública que noventa por cento de nossos bares, cafés e restaurantes não

oferecem condições higiênicas para funcionar. E continuam abertos. Viva a porcaria!”133

A ofensiva da imprensa continuava, ao mesmo tempo em que os “Comandos

Sanitários” pareciam atuar de fato, punindo até com fechamento temporário os

estabelecimentos que não seguissem as normas de limpeza exigidas, conforme sugere nota de

aviso intitulada Restaurante Acadêmico:

O proprietário do Restaurante Acadêmico, sito à Praça Pedro II, avisa aos seus freguêzes e ao público em geral, que cerrou, suas portas, temporariamente, a fim de proceder reforma em suas instalações, de acordo com solicitação do Departamento de Saúde [...]134

Na edição seguinte do mesmo periódico, não se sabe ao certo se por pressão dos

ditos “Comandos Sanitários” ou por adesão voluntária à campanha de limpeza colocada na

agenda da cidade, anuncia-se que vários lojistas trataram de dar melhor aparência aos pontos

comerciais, realizando reformas nas instalações.

131 O jornal O Pirralho foi quem lançou a idéia da constituição de Comandos Sanitários para a campanha de higienização. O periódico criticava a ineficiência da comissão do centenário, que não resolvia os problemas do centro da cidade. Ver: O PIRRALHO, Teresina, p.5, 12 jan 1952. 132 A IMPRENSA e o primeiro centenário de Teresina. A Cidade, Teresina, p.1, 12 fev 1952. 133 NOVENTA por cento. O Pirralho, Teresina, p.5, 17 mai 1952. 134 RESTAURANTE Acadêmico. Jornal do Comércio, Teresina, p.2, 15 mai 1952.

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[...] Atendendo nossos apelos quanto à limpeza e reforma de prédios, as firmas da Praça Rio Branco “A Pernambucana”, “Esplanada” e “Cooperativa”, iniciaram suas obras, sendo de destacar as de “A Pernambucana”, onde só de fachada, estão sendo gastos cerca de $ 50.000,00 no louvável intuito de colaborar no preparo de Teresina, para suas festas centenárias. Com o mesmo propósito, podemos registrar, nestes poucos dias o “Bazar Crisantemo” fará uma grande reforma exterior e internamente nas suas instalações. As “Lojas Rianil”, por sua vez, vão promover limpesas (sic) [...]135

Aproveitando o movimento pela melhoria estética e estrutural nos

estabelecimentos comerciais, uma firma do ramo da construção civil lançou campanha para

realizar, “com vantajosos preços”, obras no centro de Teresina, além de construir “modernas”

residências:

Todos falam no Centenário de Teresina e todos se preparam para festejá-lo. Cada um, entretanto, tem procurado dar o seu apoio e a sua sugestão ao programa comemorativo que o Governo do Estado, a Prefeitura, as Associações de classe, a imprensa e o povo em geral organizam. A Empresa Construtora Comercial Ltda. não poderia ficar alheia a tão grande acontecimento. E dentre as suas contribuições, destaca-se o plano magnífico de construções, pelos menores preços, das mais belas e modernas casas de Teresina. Além disto, a Empresa está oferecendo vantajosos preços para a pintura das fachadas e interiores de nossas casas comerciais, bem como sugestivos planos para melhoria e conforto de nossos bares e sorveterias. Cooperemos para o Centenário de Teresina e aproveitemos a grande oportunidade que oferece ao povo a Emp. Construtora Comercial Ltda. 136

As “Lojas Rianil”, que haviam anunciado reforma em suas dependências, também

aproveitaram o momento para sugerir à população uma melhoria na forma de se vestir, para

participar das comemorações do centenário com elegância:

Neste mês nos balcões de RIANIL estão sendo lançadas as últimas novidades encomendadas especialmente para a Comemoração do Centenário de Teresina, por este motivo, RIANIL tem o grato prazer de convidar a família Teresinense, para verificar em suas vitrines este belíssimo sortimento jamais visto em Teresina. Apresente-se elegantemente trajado nos festejos do Centenário de Teresina, com os tecidos de RIANIL.137

Porém, quem organizava a cidade queria muito mais que um teresinense com

roupa nova andando por uma cidade limpa e organizada em sua fachada. Era importante

135 É VERDADE ... Jornal do Comércio, Teresina, p.1, 18 mai 1952. 136 CENTENÁRIO de Teresina. O Pirralho, Teresina, p.5, 24 fev 1952. 137 A CIDADE, Teresina, p.3, 6 jul 1952.

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também que fossem novos os costumes, que fossem abolidos o uso de tecnologias não mais

adequadas a um pretenso novo tempo que começava com o centenário. O discurso de

intervenção no espaço urbano proposto pela imprensa local remete à idéia da primeira “porta”

da cidade, constituída pelos saberes médicos e da engenharia, ou seja, ao sanitarismo,

conforme descreve Maria Stella Bresciani:

A idéia sanitária nasce com a dupla concepção física e moral, ou melhor, com a sugestão de que se atingiria a mente e a formação moral do homem por meio da modificação do ambiente e, em decorrência, do corpo e do comportamento das pessoas.138

Ou como sugere Resende, “nas notícias divulgadas pela imprensa, estavam

esboçadas as metamorfoses, as máscaras e os (des)encantos que envolvem as representações

que a sociedade tem sobre o moderno e tradicional”,139 num duelo do “velho” contra o

“novo”. Foi entre matérias sobre Guerra Fria e Era Atômica,140 discos voadores,141 robôs,142

TVs, TV-Fone (que possibilitariam inclusive o contato visual entre as pessoas à longa

distância),143 dentre outros avanços tecnológicos, que hábitos como o de se sentar à calçada, à

noite, por exemplo, passaram a ser questionados em artigos de jornais.

[...]Seria de grande proveito se os senhores pais de família chamassem atenção do seus garotos mostrando o quanto há de inconveniente essas crianças correrem de bicicleta nos passeios. Não ignoramos o quanto são escassos nossos passeios, especialmente quando os proprietários resolvem fazer roda de cadeiras nas portas, como se ainda estivéssemos nos tempos coloniais, em que não tínhamos trânsito de veículos e grandes movimentos populares.[...]144

O teor de várias notas publicadas nos jornais do período pareciam revelar

resquícios de um pensamento autoritário vivenciado durante o Estado Novo. Inocentes

brincadeiras de criança, por exemplo, estavam na mira dos que planejavam a festa do

centenário e eram tratadas com muita rigidez, a ponto de se transformarem em caso de

intervenção das forças de segurança, cabendo ao aparato policial “reprimir o abuso da

garotada a empinar papagaio de papel, tropeçando em quem passa”.145

138 BRESCIANI, Maria Stella. As sete portas da cidade. Espaço e Debates, n. 34, NERU, 1991, p. 11. 139 RESENDE, 1997, p.16. 140 ERA atômica, O Piauí, Teresina, p.3, 14 nov 1951. 141 DISCOS voadores – 2. O Piauí, Teresina, p.3, 1 jun 1952. 142 ERA dos autômatos. O Piauí, Teresina, p.3, 22 julho 1951. 143 JORNAL DO PIAUÍ, Teresina, p.1, 4 set 1952. 144 CENTENÁRIO de Teresina. A Cidade, Teresina, p.1, 3 mai 1952. 145 PRIMEIRO centenário de Teresina - autoridades que precisam de ação. A Cidade, Teresina, p.4, 28 mai 1952.

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As notas sensibilizavam os moradores sobre a importância de alteração de

costumes para o bom funcionamento da cidade e para o sucesso das festas do centenário.

Porém, mudar costumes há muito tempo enraizados em grupos de pessoas não seria tarefa

fácil que pudesse ter resultados positivos em curto prazo. Halbwachs explica que “os hábitos

locais resistem às forças que tendem a transformá-los, e essa resistência permite perceber

melhor até que ponto, em tais grupos, a memória coletiva tem seu ponto de apoio”.146 Ainda

de acordo com o autor, “há tantas maneiras de representar o espaço quantos sejam os

grupos”.147 Dentro da própria elite, havia um grupo que ainda tinha o velho costume de

sentar-se à calçada, como relata Genu Moraes:

[...] Tem uma história muito engraçada que contavam aqui em Teresina, você sabe que aqui é perto do Palácio do Governo, né? Então meu pai gostava de controlar o prestígio do governador, através da roda. Todo dia, quando dava cinco horas da tarde, mandavam colocar as cadeiras lá na porta do Palácio, para as pessoas se sentarem, porque aqui em Teresina se usava muito a pessoa se sentar nas portas das casas. Então eles faziam isso, colocavam na porta do palácio. Então quando a roda tava grande, o governador estava muito prestigiado. Ou então, quando estava diminuindo, é porque não ia mais ninguém né? [...]148

O poeta João Ferry, que lançou o livro Chapada do Corisco dentro do calendário

de comemorações do aniversário da cidade, mostrou no poema que deu nome à obra

exatamente as mudanças pelas quais Teresina estava passando. Os versos soam como um

lamento, como uma saudade de um lugar que parecia mais romântico, calmo, acalentador,

silencioso e de hábitos que estavam sendo questionados:

[...]Outros costumes tu possues, agora, tens estátuas, cinemas, tens barulhos, Adeus, minha Chapada, vou-me embora Que meus sonhos de outrora são entulhos[...]149

As mensagens dos jornais de Teresina, nos primeiros meses de 1952, apelavam

para o espírito “cívico” e “patriótico” dos moradores e soavam como um tipo de manual de

conduta do teresinense para deixar uma boa imagem aos visitantes. A imagem de cidade

moderna e ligada às mudanças que aconteciam nos grandes centros urbanos do país. Além

disso, o sucesso da festa seria um bom exemplo para as futuras gerações.

146 HALBWACHS, Op. Cit, p. 136. 147 id, Ibid p.159. 148 MORAES, op. cit. 149 FERRY, João. Chapada do Corisco. Teresina, Imprensa Oficial do Estado, 1952, p.26.

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[...]Convém ficar bem patente que a nossa advertência é um simples lembrete sem outra presunção, cujo intuito é não deixarmos na impressão dos que nos visitarem, por ocasião do centenário de Teresina, a idéia de retrógrados e desconhecidos dos mais rudimentares princípios de educação. Ajudemos, teresinenses, a gravar na história do Piauí uma página gloriosa das comemorações do 1º Centenário de Teresina, porque nossos feitos serão lembrados daqui há (sic) cem anos e mais, como é lembrado o decálogo de Moisés nas tábuas da lei.150

Nos discursos dos jornais, no ano em que Teresina comemorou o primeiro

centenário, a cidade tornou-se um lugar onde já não havia mais espaço para os serviços de

alto-falantes, os quais passaram de grande novidade para símbolo de atraso em pouco mais de

uma década. Em nome do progresso, da modernização, “em proveito do sossego público” e

para “não interferirem com os serviços de trânsito e da estação de rádio existente”,151 os

serviços de alto-falantes foram desativados da área central de Teresina, através da Lei

Municipal nº 240, aprovada em 27 de março de 1952.

A regulação dos espaços e dos corpos

O poder público municipal parecia ter pressa em mudar o visual da cidade e ao

mesmo tempo diminuir o barulho no centro da cidade, para as festividades do centenário.

Prova disso é que a lei nº 239, ou seja, imediatamente anterior a que proibia o funcionamento

dos alto-falantes no centro, estimulava os proprietários de imóveis a fazer limpezas externas

nos prédios, reformar fachadas e calçadas, garantindo isenção de imposto a quem aderisse à

campanha. Ambas as leis foram publicadas no Jornal O Piauí, que fez uma campanha

sistemática em prol da festa de 100 anos de Teresina.152 Dizia a Lei 239 de 1952:

Art. 1º - Com o objetivo de concorrer com o embelezamento da cidade no período do centenário, ficam isentos, por três mêses, de abril a junho, do corrente ano, do pagamento do Imposto de Licença a que estariam sujeitos, os proprietários de casas residenciais ou não, situadas na sede do município, que se propuserem a fazer limpeza externa das mesmas, bem como construção ou reconstrução dos passeios. § Único – As licenças a que se refere a presente lei, serão concedidas aos interessados, à vista do requerimento, exigindo-se, excepcionalmente, o sêlo comemorativo de Cr$ 2,00.153

150 CENTENÁRIO de Teresina. A Cidade, Teresina, p.1, 3 mai 1952. 151 TERESINA. Lei Municipal nº 240, de 27 mar 1952. 152 O PIAUÍ. Ano LXII, nº 774, 6 de abril de 1952, p.3. 153 Id.

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Os jornais impressos e a Rádio Difusora comemoraram a aprovação da lei anti-

amplificadoras com muito entusiasmo. Uma nota do jornal O Pirralho sintetizava o

pensamento dominante dos que faziam a imprensa de Teresina, denominando como acertado

O ato da Câmara Legislativa de Teresina determinando o encerramento das atividades das amplificadoras locais. Teresina não é mais aldeia, nem taba, nem biboca. É cidade civilizada. Os alto-falantes da praça Rio Branco paulificavam, todo o dia, os ouvidos da população com um barulho ensurdecedor. As partes, na Diretoria da Fazenda e na dita das Obras Públicas viviam aos gritos. Que os vereadores continuem a acertar, consertando, com os nossos melhores aplausos.154

A lei municipal que proibiu o funcionamento de serviços de alto-falantes externos

no centro de Teresina estabelecia que os proprietários das amplificadoras teriam 45 dias para

cessarem suas atividades. O prazo era improrrogável mas, antes disso, elas já haviam

silenciado. A legislação, no entanto, abriu brecha para os comerciantes – principais

componentes da elite que dirigia o poder estatal - que poderiam continuar utilizando

microfones para propaganda, desde que as cornetas de som não estivessem instaladas nas

fachadas das lojas ou em via pública. Ou seja: alto-falantes continuaram funcionando dentro

das casas comerciais, próximos às calçadas.

Parecendo não compreender o teor da lei, que só proibiu o funcionamento dos

serviços de alto-falantes não pertencentes à elite comercial, o periódico “O Pirralho”

esbravejou contra o barulho das propagandas sonoras, reclamando contra a falta de interesse

dos lojistas em anunciar na Difusora. Uma nota, em especial, denunciou lojas, como a Casa

Nova, que “como as outras, continuam a burlar a lei, com microfones instalados junto às

portas de entrada. Essa gente, que tanto ganha, não quer pagar anúncios na Rádio local. Não

lhe interessa. Prefere chatear a humanidade”.155

Para não atirarem contra o próprio pé, os vereadores e o prefeito de Teresina

pouparam, na lei, os interesses dos dirigentes políticos e de suas agremiações partidárias. Os

dirigentes políticos da cidade sabiam da importância em continuarem utilizando os alto-

falantes, principalmente em períodos eleitorais. Por isso, a lei permitiu o funcionamento de

alto-falantes externos nas sedes de partidos políticos registrados, para serviço apenas de

propaganda partidária, nos três meses antecedentes às eleições.

Antes da proibição, era comum que os partidos utilizassem os microfones das

amplificadoras comerciais do centro para fazerem críticas aos adversários ou fazerem

154 CERTO. O Pirralho, ano XVI, nº 94, 5 abr 1952, p.4 155 O PIRRALHO, Teresina, p.3, 19 jul 1952.

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campanha eleitoral. Os donos de amplificadoras, por sinal, sempre eram contratados para

garantir a estrutura de som e até mesmo animar comícios:

[...] Comício era conosco mesmo. Montávamos tanto para o PSD, como para a UDN, como para o PTB, nós estávamos lá. Eles só queriam a gente, porque sabiam que a gente sabia movimentar e nós falávamos em cima do palanque. Antes a gente ficava vibrando, fazendo o povo vibrar.156

No período eleitoral, as amplificadoras dos partidos políticos contribuíam

consideravelmente com o aumento do barulho na cidade. O ar estava em disputa, o poder

estava em disputa. Os alto-falantes faziam parte do arsenal de guerra entre os opositores.

Genu Morais157, filha do ex-senador Eurípedes de Aguiar, chefe político da União

Democrática Nacional, tem fortes lembranças dos alto-falantes dos partidos políticos e de uma

época em que Teresina carecia de grandes investimentos de infraestrutura.

Nós tivemos uma época aqui em Teresina que nós não tínhamos nem luz... Era uma Maria Fumaça [...] um motor velho que tinha na usina (termelétrica). O doutor Alberto Silva, a pedido de meu pai, vinha de Parnaíba, chegava e mexia nos parafusos e botava isso pra funcionar. Então essa época é que eu convivi aqui em Teresina. Agora sobre essas rádios, sobre esses serviços (de alto-falantes) eu conheci e me lembro dos políticos. Eles tinham aquelas rádios na rua, aqueles serviços de alto-falante, na rua, fazendo propaganda. Agora era tudo muito precário. Além disso tinha o da Rianil, duma casa, uma loja de tecido, a Rianil, ali na praça Rio Branco. Quem trabalhava na Rianil era o senhor Aragão, pai do Afonso Aragão, da Coca-Cola. Então essa firma Rianil era uma firma que vinha do Maranhão, e então eles tinham lá um serviço de rádio lá na loja Rianil, anunciando e tudo. Mas nós tivemos uma época aqui no Piauí que nem luz nós tínhamos. Então como que nós podíamos ter um serviço de divulgação assim tão bom? Agora, além disso, nós tínhamos os serviços nos partidos. A UDN, por exemplo, ficava ali na rua Coelho Rodrigues. Lá na porta da UDN tinha um serviço de alto-falante, era considerada assim uma coisa assim extraordinária, ouviu? Era um serviço de alto-falante que funcionava ali.158

156 FREITAS, op. cit. 157 Note-se que Genu Morais teve um forte envolvimento com a política. Talvez por isso, por conta do lugar social que ela ocupa, e pela chamada memória seletiva, ela lembrasse mais das amplificadoras dos partidos do que os serviços de alto-falantes que funcionavam na praça Pedro II, perto, aliás, do casarão de Eurípedes Aguiar. 158 CORREIA, op. cit.

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Foto 06 – Genu Morais Fonte: Acervo fotográfico do pesquisador Daniel Vasconcelos Solon

A fala da narradora nos remete a questão da representação dos alto-falantes no

processo de modernização da cidade. As amplificadoras eram, de acordo com a fala de Genu

Morais, algo que variava entre o “precário” – em relação a presente – e o “extraordinário”, em

relação ao passado. Era o novo e o velho em duelo. Tal qual salienta Berman, “ser moderno é

viver uma vida de paradoxo e contradição. [...] É ser ao mesmo tempo revolucionário e

conservador [...]. Dir-se-ia que para ser inteiramente moderno é preciso ser antimoderno”.159

Os alto-falantes móveis também escaparam da proibição no centro de Teresina, o

que também gerou protestos na imprensa. Queixa contra as amplificadoras ambulantes podia

ser vista ainda no início de 1952, no jornal “O Piauí”, que alertava os leitores contra um

possível golpe que estava sendo praticado na praça, uma “torpe exploração”, segundo o título

da matéria:

Em dias de dezembro último Teresina presenciou uma maneira inédita de solicitar fundos em benefício aos hansenianos piauienses. Um tal Sr. Dirceu Rendeiro de Noronha fez instalar um auto-falante (sic) sobre a cabine de um caminhão e, de casa em casa, dirigiu veemente apelo à população de nossa capital, para que a mesma concorresse na medida de suas posses, para a melhoria das condições dos doentes internados. É claro que a alma boa de nossa gente sentiu-se profundamente tocada pelo humanitarismo da solicitação calorosa, e, por isso não faltaram donativos que Dirceu recebia agradecido. Depois de haver “trabalhado” em Teresina,

159 BERMAN, Marshall. Tudo o que é sólido se desmancha no ar. São Paulo: Companhia das Letras, 1988, p.13.

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lá se foi o homem à Parnaíba, onde, com a utilização dos mesmos métodos, obteve vultosa cópia de esmolas.160

Os que viviam o dia a dia do centro de Teresina eram desafiados a se

acostumarem ouvindo os sons do progresso, mesmo que este viesse em passos lentos. Além

dos “carros de sons”, das amplificadoras dos partidos políticos em época de eleição e dos

reclames sonoros irradiados às portas das casas comerciais, era possível ouvir outros alto-

falantes, desta vez fixados no alto de algum prédio, mastro ou árvore da margem “de lá” do

rio Parnaíba. Como lembra o poeta H. Dobal, “quando as amplificadoras são proibidas em

Teresina, a de Flores161 eleva o tom para ser ouvida do outro lado do rio”.162 A amplificadora

era ponte entre as duas cidades.

Um dos serviços de alto-falantes mais conhecidos à época em Timon era “A Voz

de São José”, instalado pelo padre Delfino Júnior, ao lado da igreja de São José. A

amplificadora

entrava no ar às 18h, diariamente com o programa “As catacumbas de Roma”, sobre História Geral, apresentado por Manoel Viana. Permanecia no ar até às 22h, na voz do locutor Laureano Matos. Divulgava publicações oficiais, notícias de aniversários, mensagens dos ouvintes, discursos políticos e músicas da época.163

Os acirrados conflitos políticos na cidade de Timon, na época, foram alardeados

pela amplificadora “A Voz de São José”. O padre Delfino Júnior, irmão do deputado Vicente

Celestino, era tido como homem bastante polêmico. Entrevistas cedidas no estúdio da

amplificadora “A Voz de São José” chegavam a repercutir na imprensa teresinense:

Segundo estamos seguramente informados, o Sr. Urbano Martins, ex-prefeito de Timon, falando ao microfone da amplificadora “Voz de São José”, daquela vizinha cidade maranhense, teve oportunidade de declarar que o Governo Federal iria mandar construir uma PONTE DE CIMENTO ARMADO, sobre o Rio Parnaíba, ligando nossa capital a Timon.164

160 JORNAL O PIAUÍ, Teresina, p.1, 5 jan 1952. 161 A cidade maranhense do ouro lado do rio já se chamava Timon quando H. Dobal escreveu seu Roteiro Sentimental e Pitoresco de Teresina. Mesmo assim, continuava chamando aquele município de Flores por considerar Timon um nome muito “antipático”, cf DOBAL, op. cit, p.50. 162 Id. ibid. 163 IGREJA, Marcos. Correspondência, a Daniel Solon, de apontamentos colhidos junto a moradores antigos de Timon, em agosto de 2005, p.1. 164 JORNAL DO COMÉRCIO, Teresina, p.1, 14 jan 1950.

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De fato, a notícia da construção de uma ponte sobre o Rio Parnaíba merecia

grande repercussão em Teresina, vez que até aquele momento a travessia era feita por canoas

“impulsionadas por vareiros calejados ou por motores de popa, que à noite dobram o preço da

passagem”.165

Ainda existiam em Timon, naquela mesma época, a amplificadora do Centro

Artístico e Operário Timonense, e o serviço de alto-falantes

“A Voz Cristal da Cidade”, de propriedade de Venâncio Lula (Dancin), poeta e pesquisador. Fazia oposição ao Padre Delfino e mantinha programação similar à “A Voz de São José”. Também ficava no ar das 18 às 22h, todo dia. Eram seus locutores Leão Marinho e Dennis Clark.166

Dennis Clark é o pseudônimo de José Feitosa Pires, que foi uma das figuras mais

conhecidas do rádio no Piauí na década de 50, quando atuou na rádio Difusora de Teresina.

Ele desenvolveu diversas atividades na emissora, desde quando entrou na emissora, em 1948,

como locutor, produtor e rádio ator.167

O rádio na imprensa local

Segundo Marshall McLuhan, “o rádio provoca uma aceleração da informação que

também se estende a outros meios”.168 Quando a Rádio Difusora foi ao ar, os que faziam a

imprensa escrita em Teresina já estavam acostumados a repercutirem as notícias divulgadas

pelas emissoras de outros Estados brasileiros. No entanto, somente a partir de 1951, com a

estréia do noticiário “Grande Jornal Q-3” e de programas de entrevistas, os jornais locais

trataram de dar mais espaço à programação da emissora, muitas vezes realizando matérias a

partir de depoimentos dados por entrevistados no estúdio da rádio.

No início das atividades da Difusora, a rádio e os jornais da cidade – talvez pela

questão da concorrência por anunciantes, ou pela desconfiança de alguns periódicos que

tinham linha política contrária à direção da emissora, ligada ao PSD – não tinham um bom

relacionamento. Talvez fosse também o temor de que a categoria de radialistas passasse a ter

mais prestígio que os dos profissionais do prelo. Na opinião de Celso Pinheiro Filho, “o

165 DOBAL, op. cit, p. 50. 166 IGREJA, op. cit., p. 2 167 LIMA, op. cit, p.71 168 MCLUHAN, Marshall. Os meios de comunicação como extensões do homem.(Understanding media) 13. ed. São Paulo: Cultrix, 2003, p 344.

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jornalismo de rádio encontrou, de início, uma forte barreira enciumada do jornalismo

convencional. Recusavam-se os deste grupo em aceitarem os novos colegas”.169

Em 1952, um pouco mais de um mês depois da aprovação da lei (figura 4) que

silenciou os serviços de alto-falantes no centro de Teresina, o jornal O Dia inaugurou uma

coluna para tratar sobre o rádio piauiense, fazendo comentários sobre programas, publicando

críticas dos ouvintes e fazendo a divulgação da programação e atividades desenvolvidas pela

Difusora.

Na primeira edição da coluna, foi destacado o início do programa Bate-papo na

Praça, que tinha o perfil de apresentar crítica aos problemas cotidianos da cidade, “uma crítica

serena e honesta ao que há de errado em todos os setores da vida de nossa capital”.170 O

programa inaugural reclamava, dentre outras coisas, do “serviço de alto-falante”, mostrando

que a campanha contra as amplificadoras continuava mesmo após a expulsão delas do centro

da cidade.

O nome Bate-papo na Praça é ainda sugestivo. Parecia revelar que a Rádio

Difusora, enfim, estava assumindo um espaço – as praças – que era dominado pelas

amplificadoras, suas concorrentes no mercado publicitário. É curioso ainda destacar que a

coluna “Rádio” tenha surgido em edição posterior do jornal O Dia171 que tinha como maior

destaque uma saudação ao empresário Assis Chateubriand pela compra da Difusora de

Teresina.

A presença do diretor da Rádio Difusora, José Lopes dos Santos, nas páginas de

jornais era freqüente, seja como profissional da emissora, seja como funcionário de órgão

estatal. Ele também freqüentava o círculo dos jornalistas e talvez por isso tivesse acesso

facilitado nas redações de jornais. As palavras de José Lopes dos Santos mostram como era a

relação entre as amplificadoras e a única estação de rádio local.

Eu acho... (ranran) que as amplificadoras faziam realmente uma concorrência meio desagradável às emissoras. As emissoras não faziam programas em alto som, tinha sua área de escuta, que era em casa e em toda casa, quase, havia rádio e se fosse fazer... o barulho que as amplificadoras faziam ficava uma verdadeira confusão dentro da cidade. Depois tinham amplificadoras com alto valor de altura, outras menos, que não gostavam da concorrência, mas... acabou isso... com a presença de mais rádios, né?, mais estações ... Porque teve a Difusora que foi inaugurada em julho de 1948, parece. Depois veio a Rádio Clube, depois foram aparecendo e... o rádio, não podia deixar de ser, venceu. Tanto assim que ainda hoje está predominando sobretudo com a... a... chegada do... com a chegada do... da televisão!

169 PINHEIRO FILHO, op. cit, p. 181. 170 RÁDIO. O Dia, Teresina, p.4, 11 mai 1952. 171 A ORGANIZAÇÃO dos Diários Associados. O Dia, Teresina, p.1, 4 mai 1952.

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Quase que não me lembro mais! Hoje parece que não há mais luta entre as emissoras, né?172

Figura 04 – Lei que proíbe o funcionamento de alto-falantes no centro de Teresina Fonte: Jornal O Piauí, ano LXII, nº 774, 6 de abril de 1952, p.3.

Em junho daquele mesmo ano, foi aprovada a Lei Municipal 254173, que ampliava

a zona comercial de Teresina. A nova área (Figura 05) não abarcava ainda a Praça Pedro II,

mas chegava a uma de suas laterais, ou seja, a rua 13 de Maio. No entanto, a legislação que

cessou o funcionamento dos alto-falantes falava de “zona central”, e não de “zona comercial”

da cidade. Portanto, a proibição das amplificadoras extrapolava a área considerada para

funcionamento do comércio, rompendo os limites do novo mapa.

172 Ao falar da concorrência, Santos inverte o lugar de quem se sentia prejudicado pela disputa por anúncios comerciais, colocando que as amplificadoras não gostavam da concorrência com a Difusora. É necessário informar alguns detalhes sobre a entrevista de SANTOS, José Lopes dos, cedida a Daniel Solon em 13 jan 2005, para se compreender o discurso de que o “rádio venceu”. Ao ser indagado sobre os possíveis conflitos entre a Difusora e as amplificadoras, ele respondeu que “não, não, não teve”, seguido de um longo silêncio. Os silêncios e não-ditos são estudados por POLLAK, Michael. Memória, esquecimento, silêncio. In: Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 2, n 3, p. 3-15, 1989. Para o autor, “as dificuldades e bloqueios que, eventualmente, surgiram ao longo de uma entrevista só raramente resultavam de brancos da memória ou de esquecimentos, mas de uma reflexão sobre a própria utilidade de falar e transmitir seu passado”. 173 TERESINA. Lei Municipal nº 254, de 20 jun 1952.

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Zona Comercial em 1952

1

1 Praça Pedro II

Figura 05: Mapa atual do centro de Teresina/Zona Comercial em 1952 Fonte: Secretaria Municipal de Planejamento – Semplan/PMT

Fechando as cortinas sob um céu estrelado

O centenário de Teresina foi comemorado oficialmente durante duas semanas,

com atividades culturais realizadas na Feira de Amostras, num espaço fechado na Praça João

Luís Ferreira. Quem pôde pagar, assistiu aos shows das grandes estrelas do rádio brasileiro

dentre outros Dircinha Batista, Abel Ferreira e sua Escola de Ritmos, Dilu Melo e sua sanfona

mágica, o pianista e instrumentista Guio de Morais, Pernambuco do Pandeiro e Elvira Pagã,

cuja presença foi condenada oficialmente pela Diocese de Teresina.

Devido às atrações levadas à praça João Luís Ferreira, nunca os piauienses

estiveram tão perto do glamour da Era do Rádio vivido em outros Estados mais ricos. Foi a

oportunidade que a população teve para ver os ídolos mais de perto, pela primeira vez.

O que mais me impressionou no centenário de Teresina foi um grupo que veio de São Paulo, eles montaram um circo ali na praça João Luís Ferreira, você pagava a entrada e via tudo, tudo que você quisesse ver. Vem cantor de fora, e... (pausa) Afonso Moura Gil parece, o cara que era encarregado lá. Eu não pagava porque eu era empregado do correio, ele sempre ia lá pedir um favor no correio e dava aquela entrada grátis, umas cortesias pra gente. Veio o Orlando Silva, Vicente Celestino também veio.174

174 SIQUEIRA, José de Ribamar. Entrevista cedida a Daniel Solon, Teresina 17 ago 2005.

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A Rádio Difusora aproveitou o momento para se fazer presente nos locais onde

houvesse atividades em torno do centenário da cidade, abrindo os microfones da emissora

para os artistas contratados. As transmissões externas chamavam a atenção dos teresinenses,

aguçando principalmente a curiosidade da criançada, em especial de um garoto que depois

passaria a ser conhecido como Anjo Torto:

eu estava fazendo a irradiação e... destacando os dados para a imprensa escrita... quando chegou um rapaz, um rapaz não, um menino, de oito anos, né... desembaraçado, chegou e me procurou. Queria saber o meu nome. “O sr. que está...como é o seu nome?”. Eu dei o nome, e (ele) disse: “Por quê que o senhor está fazendo esta irradiação?”. Eu estou fazendo a irradiação em nome da Rádio Difusora de Teresina, mas também de um órgão de... de... que vai ser publicado na imprensa escrita. E você como se chama? Ele não respondeu imediatamente, e disse: “Eu vim pedi ao sr., se fosse possível, é... deixar eu ficar aqui perto, ouvindo o seu trabalho”. E seu nome como é que é? “Torquato Neto”. Era desembaraçado já naquela época. “Eu posso ficar?”. Pode!. Você quer aprender alguma coisa, né? Mas eu também sou... uma espécie de aprendiz! “É, mas o senhor está fazendo uma coisa que eu não sei e eu queria aprender!”. Ficou ali comigo durante muito tempo...175

Depois de cerradas as cortinas da festa do Centenário, a parte central da cidade

tirou a fantasia de luxo e voltou à realidade, ainda barulhenta. Os perigos do trânsito

continuaram aumentando, mesmo após a expulsão das amplificadoras, que eram acusadas de

atrapalhar o serviço de trânsito.

As autoridades municipais pareciam não perceber que grande parte dos

condutores de veículos não sabia quase nada sobre regras de trânsito. Como símbolo de

progresso da capital centenária, foram instalados no mês das festividades, dois semáforos, um

no cruzamento das ruas Coelho Rodrigues e Barroso, e outro junto ao relógio da praça Rio

Branco. Porém, muitos motoristas não sabiam o que significavam os sinais verde e vermelho,

o que incentivou a imprensa a sugerir às autoridades uma campanha de esclarecimento junto à

população sobre as regras internacionais de trânsito.176

Algumas amplificadoras que não mais tocaram pelo centro desde a vigência da lei

que as expulsou, espalharam-se por bairros mais próximos como Cajueiro, Mafuá, Matinha, e

depois ganharam outros espaços na periferia, onde foram centro de novas sociabilidades,

novos barulhos.

E foi com o discurso de que o “rádio venceu”, sem conflitos e choques contra as

amplificadoras que construiu-se a memória coletiva em torno do fim dos serviços de alto-

175 LOPES, op.cit. 176 SINAIS luminosos. A Luta, Teresina, p.1, 23 ago 1952.

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falantes no centro da cidade. Porém, outras memórias e histórias estão sendo construídas e

contadas para ver/ouvir como os alto-falantes, “vencidos” dentro da área central de Teresina,

conquistaram espaços e se fizeram vivos nas lembranças de moradores da periferia de

Teresina após cerradas as cortinas das festas do centenário. É isso o que vamos ver no terceiro

capítulo.

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112

CAPÍTULO III

OS SONS SE ESPALHAM PELO SUBÚRBIO

Ter as amplificadoras da periferia de Teresina nos anos 50 sob foco é também

lançar um olhar sobre aspectos do cotidiano dos moradores e o processo de urbanização da

capital piauiense daquele período. É tentar construir informações sobre formas de lazer e

sociabilidades de pessoas, ao mesmo tempo em que a cidade passa por transformações

estruturais, quase sempre com impactos diretos na vida dos moradores do subúrbio.

Segundo Magnani,

Entretenimentos desse tipo – pobres, pouco originais, sem nada de muito elaborado ou “autêntico” – podem, no entanto, constituir uma via de acesso ao conhecimento dos valores, da maneira de pensar e do modo de vida dos trabalhadores. Para tanto, é preciso fazer como o antropólogo diante de costumes ou ritos “exóticos”: deixar de lado uma postura etnocêntrica e observá-los de perto e em seu próprio contexto, pois se existem é porque possuem um significado para aqueles que o praticam.1

Antes de ater-se nos serviços de alto-falantes na periferia e as novas práticas e

consumos por eles provocados, faz-se necessário compreender um pouco da realidade sócio-

econômica daquela população, quando do período em que as amplificadoras foram expulsas

do centro da cidade, algumas delas migrando para o subúrbio teresinense.

Dando algumas pistas sobre o quadro acima desejado, uma matéria do diário

carioca Correio da Semana, publicada em maio de 1953, revelou um pequeno, mas

importante, panorama da realidade social das famílias de baixa renda, na periferia de

Teresina. O texto foi reproduzido no teresinense Jornal do Comércio,2 no dia 24 de maio

daquele mesmo ano, denunciando a situação precária dos moradores pobres, a partir de dados

de pesquisa realizada no mês de agosto de 1952, quando Teresina comemorava 100 anos.

Tratava-se da Sinopse Preliminar de Resultados da Pesquisa de Padrão de Vida

encomendada pela Comissão Nacional de Bem-Estar Social (CNBS), órgão idealizado em

1951, no governo Vargas. O estudo incidiu, é necessário destacar, sobre “famílias operárias

[...], de 3 a 8 componentes, cujos chefes exerciam a ocupação principal em estabelecimentos

1 MAGNANI, José Guilherme Cantor. Festa no pedaço: cultura popular e lazer na cidade. 2. ed. São Paulo. Hucitec/Unesp, 1998, p. 19. 2 NENHUMA casa dispõe de fossa ou esgoto – Precárias as condições de vida das famílias operárias de Teresina. Jornal do Comércio, Teresina, p.6, 24 maio 1953. (Transcrita de O Correio da Semana)

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de indústria gráfica e de alimentação”3 e que também tivessem recebido salários entre Cr$

500,00 e Cr$ 1.099,00 no mês de julho de 1952. Das 73 famílias teresinenses dentro deste

padrão, foram pesquisadas 39.

O dados obtidos mostraram a Teresina suja e desdentada que os idealizadores da

festa do centenário da capital piauiense tentaram esconder. Das casas pesquisadas, nenhuma

possuía esgoto ou fossa séptica, apenas duas contavam com água encanada e 74,36% não

tinham energia elétrica. Filtros e geladeiras também não foram encontrados nas residências

visitadas, sendo que 58,97% eram de taipa, 25,64% de alvenaria e as restantes eram feitas

com outros materiais. Como a realidade revelada dizia respeito à fatia dos teresinenses

empregados nos setores de gráfica e alimentação, é possível deduzir que a qualidade de vida

da população desempregada ou subempregada era ainda muito pior na periferia.

Os dados do censo do IBGE de 1950 mostravam que no Piauí havia um altíssimo

nível de desempregados, um número muito pequeno de mulheres no mercado de trabalho

formal e, confirmando a situação de população preponderantemente rural, revelou que a

maioria das pessoas do Estado sobrevivia da agricultura.

No que diz respeito à “atividade” das pessoas de 10 anos e mais (702.424), 8,22% se declararam em condições inativas e 48,54% ocupadas em atividades domésticas não remuneradas e escolares discentes, enquanto 43,24% informaram exercer atividades ligadas à produção, ao comércio, aos serviços sociais e profissionais e à administração pública. Destas últimas, que totalizaram 303.733 pessoas, 93,35% eram homens e 6,65% mulheres, 26,32% declararam ter idade de 10 a 19 anos e 5,04% de 60 anos e mais; finalmente, os maiores contingentes se encontravam trabalhando na agricultura (81,74%), com forte preponderância de pessoas do sexo masculino, na prestação de serviços (5,76%), com efetivo maior para as pessoas do sexo feminino, e na indústria de transformação (3,55%) com grande predominância de homens.4

De volta à pesquisa sobre o Padrão de Vida na periferia de Teresina, no que se

refere à quantidade de rádios nas residências pesquisadas, apenas quatro delas contavam com

aparelhos receptores. Contar com um rádio em casa era sinônimo de prestígio entre a

vizinhança. Tal símbolo de “status social” era ainda maior nos bairros mais populares de

Teresina. O fascínio em torno do aparelho e pela programação da emissora local ou de fora,

como partidas de futebol, provocava a visita de amigos, vizinhos e parentes nas casas de quem

possuía um rádio receptor, principalmente nos finais de semana.

3 JORNAL DO COMÉRCIO, Teresina, p.6, 24 maio 1953. 4 IBGE, 1952, op. cit, p.vii.

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Naquela época não existia televisão (em Teresina) e quem tinha rádio era considerado rico, quem tinha um radiozinho para ouvir. E meu pai tinha um rádio grande que ele comprou e a gente se reunia na casa dele para ouvir, jogo do Flamengo... Ouvia pelo rádio, era aqueles rádios Philco, aqueles antigos. No tempo do Jorge Cury, locutor da Radio Nacional de Brasília, um dos locutores mais antigos que transmitia o jogo. No tempo que o Flamengo formava com Garcia, Tamires e Pavão, Jadir, Dequinha e Jordão, Joel, Rubens, Índio, Evaristo e Zagalo. Era esse time que foi tricampeão pelo Flamengo. Porque antes era desse jeito que escalavam os técnicos, hoje em dia o sistema é diferente, mas antes era assim [...] um goleiro, dois zagueiros, os três intermediários e cinco na linha [...]. a gente ficava assistindo o jogo, Vasco e Flamengo sempre foram os dois grandes rivais, a gente ficava assistindo.5

O pai do narrador acima, longe de ser da elite teresinense, era o pintor Euclides

José da Silva, também ex-jogador de futebol e dono de bloco de carnaval, mas com muito

esforço conseguiu comprar um aparelho receptor. Assim como outros trabalhadores mais

simples, pelo fato de possuir um Philco na Matinha, gozava de prestígio social na

comunidade.

Ainda no que se refere à pesquisa sobre Padrão de Vida da população da periferia,

o governo Vargas tinha consciência de que os números registrados relatavam um forte

indicador de pobreza e desigualdade regional. A mensagem do Poder Executivo enviada ao

Congresso Nacional em março de 1954 avaliou os resultados da primeira Pesquisa de Padrão

de Vida, frisando o contraste revelado pelos dados obtidos nos estados do Norte e Nordeste:

No que diz respeito à moradia, o pauperismo das famílias operárias dos Estados setentrionais e nordestinos se reflete na larga utilização da palha e da taipa como material de construção. Nos Estados das regiões Leste e Sul, melhoram os materiais de construção das casas, preponderando a alvenaria e a madeira. Estas mesmas diferenças entre o consumo das famílias pesquisadas, nas diversas regiões do País, se fazem sentir com respeito à utilização de rádio, filtro e máquina de costura e dos serviços de água encanada, luz elétrica e esgoto.6

Os moradores da periferia de Teresina tinham pouquíssimas opções de lazer. Os

que freqüentavam espaços de divertimento noturno da elite local como o Clube dos Diários,

no centro da cidade, estavam ali para servir, para trabalhar, e não para se divertir. À noite, nas

muito mal iluminadas ruas de bairros como Matinha e Vila Operária (na zona Norte da

cidade), Cajueiros, Viçosa e Piçarra (na zona Sul), as amplificadoras propiciavam

5 TILITO, Luís Carlos da Silva. Entrevista concedida a Daniel Solon em 17 de agosto de 2005. 6VARGAS, Getúlio Dorneles. Mensagem apresentada ao Poder Legislativo em 1954. Disponível em http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u1328/000305.html .Último acesso em 20 set 2005.

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entretenimento e contribuíam para formar determinado “pedaço”, 7 onde pessoas se

aglutinavam para conversar com os amigos, iniciarem romances ou simplesmente passar o

tempo, após um dia cansativo de trabalho.

Geralmente, as amplificadoras eram propriedades de donos de bares e mercearias,

onde havia um pequeno espaço – ou cabina – para que os locutores trabalhassem, dando

recados, enviando mensagens, e soltando no ar as “gravações”, como eram chamados os

sucessos dos discos na época. Na Matinha (bairro da zona norte separado do centro de

Teresina, na época, por um grotão), na década de 50, havia a amplificadora São José, que

funcionava em bar do mesmo nome. O trabalho do locutor obedecia também ao que

determinava o precário sistema de fornecimento de energia elétrica da capital, cujo “apagão”

era precedido do soar de uma sirene.

[...] eu já rapaz em 1954, existia um serviço de alto-falante Bar São José, era esse o nome. Funcionava ali, “xis” com o cemitério São José, onde tinha dois irmãos que eram os proprietários, eram Antonio Dias e José Dias. Seis horas eles botavam o hino, de início, e entravam no ar os serviços. Os moradores iam lá e colocavam gravação, pagavam a taxa que eles cobravam pela gravação, ofereciam a seus amigos e assim funcionava. Quando dava nove horas, encerrava. Quando a usina dava aqueles três apitos, antes quando dava nove horas aqui em Teresina, a usina onde é a Cepisa apitava, dava três apitos, aí então os serviços de alto-falante todos paravam. No [bairro]Porenquanto [zona norte] tinha outra amplificadora, todas as amplificadoras paravam, no [bairro] Cajueiro [zona sul] tinha outra.8

Ouvir o som das amplificadoras fazia parte da rotina noturna dos moradores,

estivessem eles na porta de casa, nas calçadas, ou nas imediações dos estabelecimentos que

possuíam alto-falantes. Alguns dos moradores eram tão acostumados com a programação das

amplificadoras, que se queixavam quando havia atraso no início das transmissões, como

rememora o funcionário público aposentado Luís Carlos da Silva Tilito:

Nessa época, o finado Coló, que era o meu sogro, que é um dos moradores mais antigos da Matinha, ele sentava na porta e ficava aguardando aquelas músicas antigas que a amplificadora botava. Quando acontecia dos locutores chegarem atrasados ele já ficava sentindo falta. Ele dizia, lembro muito da expressão dele: “essa gojoba hoje não toca”. Ele aguardando [risos], ele chamava gojoba. “Essa gojoba hoje não toca, né?” [risos]. Eu dizia: mas é porque ainda não começou rapaz, peraê. Ele era agoniado. Todo mundo gostava, oferecia uma gravação, aí tinha aquele negócio... essa gravação é

7 Pedaço é aqui conceituado como espaço de sociabilidade e lazer, entre vizinhos e amigos, na periferia. Ver MAGNANI, op. cit. 8 TILITO, op. cit.

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que alguém das iniciais tal, oferece para alguém das iniciais, bastante apaixonado...9

Os “pedaços” periféricos onde reinavam as amplificadoras eram os locais que

foram esquecidos pela história dominante. Uma historiografia que tem mostrado apenas o

lazer e as formas de sociabilidade que existiam na área central da cidade, onde morava a elite

e onde também os equipamentos urbanos como rede elétrica, abastecimento d’água e

calçamento nas ruas eram mais facilmente encontrados. Uma historiografia que fez questão de

escamotear as formas de entretenimento, manifestações culturais populares e a

heterogeneidade da vida cotidiana10 das camadas mais pobres da população,

A história dos “de baixo”, 11 contada pelos que sempre ficaram distantes dos

saraus e dos bailes do Clube dos Diários, sopra a poeira do esquecimento imposta pelas

narrativas hegemônicas e reconstrói espaços da periferia onde a juventude pobre gastava

energia nas “peladas” dos campinhos de futebol e onde os alto-falantes jogavam no ar ondas

sonoras que forjavam ora romances e amizades, ora conflitos, desavenças.

A amplificadora era fixa. Tinha um estudiozinho lá, e o pessoal levava suas mensagens escritas, davam para o locutor e ficavam ouvindo ali mesmo, em baixo. Ficava muita gente, moça, rapaz... Às vezes, dava briga também, porque o cara oferecia para a namorada do outro, aí vinha aquela confusão. Existia muito isso, briga mesmo. O cara chegava e puxava até faca, era uma confusão danada nessa época no Bar São José “xis” com o cemitério São José. Ali tinha um campo de futebol, ali onde é o Instituto de Educação, que chamavam Brilhante. Brilhante, porque era um terreno, assim, abandonado e o pessoal jogava todo tipo de lixo, mas depois teve um time aí, do professor Paulo Nunes, que era da Escola Técnica Federal, antiga Escola de Aprendizes. Ele botou um time e arrumou um trator e fez lá um campo nesse local. O trator cavou lá e ficaram aqueles cacos de vidros. Quando era meio dia ficava brilhando. Aí botaram o apelido de campo do Brilhante. Eu mesmo joguei muito futebol, lá nesse campo.12

Os donos de amplificadoras tinham bons lucros com a aglutinação de pessoas em

torno dos alto-falantes. Além de faturarem com a cobrança da oferta de “gravações” e

“mensagens”, havia também a venda de bebidas alcoólicas ou refrigerantes, assim como

bolos, doces e salgados.

O funcionamento das amplificadoras na periferia de Teresina era diário. No

entanto, nos dias de chuva, naturalmente, não era possível colocar no ar a programação, uma

9 TILITO, op. cit. 10 HELLER, Agnes. O cotidiano e a história. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985. 11 THOMPSON, E.P. A formação da classe operária inglesa. 3 volumes. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. 12 TILITO, op. cit.

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vez que os “ouvintes” se recolhiam em suas casas e as ruas dos bairros, geralmente sem

calçamento e enlameadas, ficavam desertas.

No mês de junho, no final do período de chuva em Teresina, as amplificadoras

animavam as festas juninas que ocorriam no bairro Mafuá, cujas “gravações” e recados lidos

pelo locutor chegavam a outros bairros vizinhos com a ajuda do vento. Adelaide Ribeiro

Rocha, uma antiga moradora da região, rememora o tempo em que costumava ouvir a

programação do serviço de alto-falante, e ainda dá pistas sobre as transformações urbanas do

local onde vivia.

Morávamos na Lucídio Freitas, “x” com a 7 de setembro. A nossa casa foi levada pela avenida Miguel Rosa, as três casas que começavam a rua foram tomadas para enlarguecer a avenida, a nossa casa foi uma das que entrou. (A amplificadora) era perto do Mafuá, perto do viaduto do Mafuá, onde começava a avenida [...]. E quando nós estávamos nessa casa, antes da avenida passar e nós morávamos lá e eles faziam essas festas de arraial perto do viaduto do Mafuá, botavam a amplificadora lá em cima de um poste bem alto e todo mundo ia para lá a noite, as mulheres levavam bancas de tudo em quanto, de bebidas, café, chocolate, essas coisas, de refrigerante, e iam moças, rapazes, todo mundo ia para lá, era uma animação, muito animado e botavam aquelas músicas românticas, as pessoas pediam para botar músicas, ofereciam músicas para as outras. Diziam aquela mensagem bonita e colocavam aquela música. A gente ficava em casa, ficava em casa sentada na porta, não ia pra lá não, por que não precisava ir pra lá não, de lá tava vendo tudo e ouvindo a música.13

Nos espaços da memória de dona Adelaide, são descritos objetos, lugares e um

mapa afetivo e sonoro aos quais ela se agarrou para não se perder do passado. “As pedras da

cidade, enquanto permanecem, sustentam a memória. Além desses apoios temos a paisagem

sonora típica de uma época e de um lugar”.14 A derrubada da casa onde moravam dona

Adelaide e quatro irmãos vindos do interior do Maranhão, para enlarguercimento da Avenida

Miguel Rosa, marcou a vida daquela mulher que trabalhava o dia inteiro como auxiliar de

enfermagem no Hospital Getúlio Vargas e estudava durante a noite na Escola Normal.

As lembranças em torno da amplificadora e da pequena casa da “Lucídio Freitas

´x´ com a 7 de setembro”, mostram a resistência e rebeldia da memória no trabalho de

reconstrução do que foi destruído no processo de urbanização da área próxima ao centro de

Teresina. “Podem arrasar casas, mudar o curso das ruas; as pedras mudam de lugar, mas como

destruir os vínculos com que os homens se ligavam a elas?”.15

13 ROCHA, Adelaide Ribeiro. Entrevista cedida a Daniel Solon, em 16 de abril de 2006. 14 BOSI, op. cit, p.444. 15 id, ibid.

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Se durante a noite, na periferia, os alto-falantes eram utilizados para diversão e

aglutinação de pessoas, pela manhã e tarde as amplificadoras ganhavam importância por

desenvolverem serviços de utilidade pública. No bairro Piçarra, na zona Sul, no final na

década de 40 e início da década de 50, havia a amplificadora do Bar do Gordo. Por conta do

serviço de alto-falantes, o bar se tornou ponto de referência para pessoas que chegavam do

interior do Estado e estavam perdidas, e era local de entrega de cartas dos correios, uma vez

que muitas casas da região não tinham números, como rememora Zacarias da Silva Dias, um

antigo locutor:

As amplificadoras logo que foram lançadas aqui no Piauí, eu fui um dos primeiros a ser locutor delas. Nessa época eu trabalhava no Bar do Gordo, na Piçarra. Foi uma das primeiras montadas em Teresina. Ela funcionava socialmente, era para anunciar pessoas que chegavam. A cidade era muito pequena naquela época. As pessoas que vinham do interior e queriam achar algum parente, chegavam e botavam uma nota pela amplificadora. Quem conhecia essa pessoa recorria até lá. Mas era assistente social mesmo. Era para assistir ao povo. Sempre tinha também os programas à tarde, à noite, de pessoas que queriam oferecer uma música para outra pessoa, um namorado para uma namorada. Essa era a Amplificadora do Bar do Gordo. Era só esse o nome. Serviço de Alto-Falante do Bar do Gordo. Isso foi em 1948, 1949 e 1950. Foi a época que estava no auge a amplificadora. Eu era o locutor oficial dessa amplificadora. Era muito interessante. Chegavam cartas para as pessoas e mandavam já diretamente para o bar, porque sabiam que a amplificadora se encarregava de localizar a pessoa. Eu gostava muito de fazer aquilo. Tinha as melodias que uma pessoa oferecia, essas coisas assim.16

Percebendo que o serviço de som era uma atividade rentável para o Bar do Gordo,

inclusive aumentando a venda de produtos, não demorou muito para que Zacarias tivesse a

idéia de trabalhar por conta própria, utilizando uma amplificadora como meio de comunicação

popular para garantir a própria sobrevivência, também no bairro Piçarra. Ou seja, a

amplificadora era a principal fonte de renda de muitos que investiram neste meio de

comunicação.

Depois do Bar do Gordo eu tive uma (amplificadora) minha mesmo. Era Rio Branco o nome dela. Era localizada na rua José dos Santos e Silva Cruzando com a Miguel Rosa. Que nesse tempo não tinha aquelas casas ali, só tinha mesmo a escola São Paulo. Ela tinha quatro bocas pros quatro lados da cidade. Muito alta, muito potente... Aí passou a ser melhor do que a do Gordo, porque o serviço social da minha aumentou mais do que na do próprio Gordo mesmo. Funcionava das 18h às 22h, e domingo de 4h às 6h e de 7h30 às 22h novamente. Era muito bom, fazia shows, fazia tudo. Eu contratava artistas, e nesse tempo só tinha a Difusora. Eu contratava aquele

16 DIAS, Zacarias da Silva. Entrevista concedida a Daniel Solon, em 22 de junho de 2005.

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pessoal que fazia show lá, para fazer aqui também. Fazia rifa, bingo... Tinha um estúdio bem montadinho. Todo no acústico. Era numa casa.17

Note-se que o serviço de alto-falante não só reproduzia discos, reclames e recados

entre amigos e namoradas como forma de garantir entretenimento. Também era possível

contar como atrações os artistas que faziam parte do casting da Rádio Difusora. Os cachês

pagos pela primeira emissora de Teresina não eram satisfatórios e chegaram, inclusive, a

piorar quando o controle acionário saiu das mãos dos piauienses e passou para os Diários

Associados, segundo denuncia a matéria de jornal “Salários de fome a Rádio Difusora de

Teresina paga a seus artistas”:

São graves as irregularidades da Rádio Difusora de Teresina, Emprêsa hoje filiada à cadeia dos Diários Associados, quanto à remuneração de seus apreciados artistas. Antônio Barbosa, Panfílio Abreu, Ângelo Campelo, Eber Cunha, Francisco Oliveira, Ieda Maria, Lourival Mendes, José Ribamar, Paulo Vieira, Carlos Guedes, João de Deus e Dagmar Pedreira, que tanto têm contribuído para o progresso da estação transmissora teresinense, difundindo a cultura artística do Piauí, percebem salários de fome e são tratados sem a mínima consideração da parte dos dirigentes da Rádio. Circunstância interessante: quando o Dr. Cláudio Pacheco se encontrava na chefia da transmissora, os artistas eram mais bem remunerados. De Cr$ 30,00 por número interpretado, recebe atualmente o artista Cr$ 40,00 por cada cinco números que desempenham! A ginástica é profundamente ofensiva: aumentam os serviços e baixam os salários.18

Todos estes atrativos fizeram com que o espaço em frente à sede da amplificadora

Rio Branco se tornasse um ponto de encontro para a juventude da periferia, sobretudo para

aqueles que moravam nas proximidades do centro e zona Sul. Lá, as pessoas

[...] namoravam, encostavam num poste, um pra colá e outro pra colá. Iluminada bem a área, todo mundo gostava. Tinha umas moças que vinham vender bolo frito, mingau de milho, farofa... aquelas coisas. Terminava, era um ponto de encontro. Tinha dia que eu oferecia de 40 a 50 músicas. Eu não lembro qual era a moeda, eu só sei que era baratinho. Era como se fosse 1 real hoje. Um namorado que oferecia para a namorada... Aquele dinheiro ali, já era para reformar o estúdio, comprar material, comprar discos. Naquela época os discos eram daqueles de cera.19

17 DIAS, op. cit. 18 A LUTA, Teresina, p.1, 27 jul 1952. 19 DIAS, op. cit.

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Foto 07 – Zacarias da Silva Dias Fonte: Acervo fotográfico do pesquisador Daniel Vasconcelos Solon

O aposentado José Ribamar Siqueira, nas noites de juventude, percorria as ruas de

Teresina, do centro a periferia, a procura de diversão. As amplificadoras dos bairros eram os

locais preferidos, espaços bem vivos na memória deste senhor de 70 anos. Podiam ser

percorridos o Bar do Gordo, na Piçarra, além da rua 24 de Janeiro, no bairro Cajueiro

(amplificadora Comercial), e as proximidades do bar São José, na Matinha (amplificadora São

José).

Sobre o funcionamento das amplificadoras, Siqueira lembra que elas

[...] tinham uma programação de ‘x’ horas, por exemplo, pela manhã, era de 8h às 11h e a tarde era de 15h às 17h, 17h30, aí fazia o comercial, botava música, a gente oferecia música no aniversario de um amigo, de uma amiga, pai, mãe e aí tocava...(risos). Tem até uma piada aí do negócio do O. X, você já sabe? A dona ofereceu: ‘atenção O X, escute essa música que alguém lhe oferece com muito amor’. Aí o locutor ficou muito encabulado e perguntou: ‘fulana quem é esse O. X?’. (Ela respondeu:) ‘É o Ontoin Xofé’ (risos).20

Após sofrerem expulsão do centro de Teresina, as amplificadoras continuaram

sendo perseguidas pelo discurso da ordem e do sossego público, mas, desta vez, na periferia,

como pode ser visto em notas de coluna de jornal da capital, poucos meses depois da lei que

proibiu os alto-falantes na parte central da cidade.

Você sabia? Que – certas amplificadoras ora em funcionamento nos subúrbios de nossa capital estão causando grande antipatia às famílias ali residentes, devido o grande barulho que provocam dia e noite?

20 SIQUEIRA, op. cit

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Que – além de molestarem os ouvidos dos moradores suburbanos, seus locutores são indelicados para com o público, quando procuram cada vez mais altear o volume e a potência de seus aparelhos transmissores? Que – por mais incrível que pareça o nosso comércio ainda concede anúncios destinados a sustentar essas inimigas do silêncio?21

Foto 08 – José de Ribamar Siqueira Fonte: Acervo fotográfico do pesquisador Daniel Vasconcelos Solon

A disputa por anúncios entre a Rádio Difusora e as amplificadoras, portanto, não

acabou com a lei que proibiu os serviços de alto-falantes no centro de Teresina. Os

comerciantes ainda viam vantagens em anunciar seus produtos na periferia da cidade, através

das amplificadoras, já que no subúrbio era raro existir uma residência que possuísse aparelho

receptor. Ou seja, o nível de audiência da Difusora era bastante limitado possivelmente pelo

baixo poder de compra de amplas camadas da população, fator que determinava o pequeno

número de rádios-receptores na cidade.

Entre uma música e outra que saía das amplificadoras, o locutor fazia a leitura do

“carnê”, ou seja, da lista de anunciantes e seus respectivos produtos. Constantemente os

próprios donos de amplificadoras do subúrbio visitavam as gerências de lojas para garantir

contratos de publicidade, sobretudo das maiores casas do centro da capital. As cotas de

propaganda, em alguns casos, eram cobradas mensalmente.

Havia ainda quem investisse em propaganda em veículos como jornais para

lembrar aos comerciantes que os alto-falantes da periferia estavam à espera de anúncios dos

mais variados tipos de serviços e produtos existentes no centro comercial. O anúncio a seguir 21 VOCÊ sabia. Jornal do Piauí, Teresina, p.3, 30 out 1952.

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(Figura 06), publicado várias vezes no mês em que Teresina completou 100 anos, e pouco

tempo depois da lei que proibiu os alto-falantes no centro, é um indicador do grau de

organização de parte das amplificadoras que continuaram atuando na periferia da cidade:

Figura 06 – Anúncio de amplificadora em jornal - 1952 Fonte: Jornal do Piauí, 7 de agosto de 1952, ano I, nº 6.

Parcela do comércio local acreditava que, em vez de investir em publicidade no

rádio ou no jornal, anunciar nas amplificadoras do subúrbio era ter um melhor retorno, tendo

em vista que o hábito de acompanhar a imprensa escrita, assim como a falada, era algo

praticamente restrito à elite.

Ainda no que se refere ao acesso à informação na época em tela, uma estatística

do IBGE ilustra a dificuldade da grande maioria da população em se manter bem informada.

O recenseamento geral de 195022 revelava que 47.463 dos 76.402 moradores de Teresina

(com idade acima de cinco anos) não sabiam ler, nem escrever. Dentro da zona urbana da

capital piauiense, dos 43.830 moradores nesta faixa etária, apenas 24.832 eram alfabetizados.

O número total de habitantes teresinenses chegava a 90.723, naquele ano.

Nesta pequena fatia de alfabetizados urbanos, eram poucos aqueles que

costumavam ler os jornais existentes em Teresina na época, como O Dia, O Pirralho, Jornal

do Piauí, O Dominical, Jornal do Comércio e Diário Oficial do Estado, quase todos eles de

periodicidade semanal. Além da pequena quantidade de pessoas aptas para a leitura, grande

parte também não tinha capacidade financeira para comprar publicações.

A própria imprensa também tinha dificuldades para manter os leitores informados.

A tiragem dos periódicos teresinenses era limitada, alegando-se dificuldade de se obter papel,

no pós-guerra. Por conta disso, páginas de jornais locais traziam avisos como este, estampado

22 IBGE. Censos demográficos e econômicos – Série Regional, volume XIII. Rio de Janeiro. Gráfica do IBGE, 1956.

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em 1955, ou seja, dez anos depois do fim do conflito mundial: “O diretor da Imprensa Oficial

avisa que o ‘Diário Oficial’ deixará de circular por alguns dias, por falta de papel”.23

O empresário José Alves, de 73 anos, lembra de quando trabalhava como

comerciário de uma loja de tecidos no final da década de 40, e ressalta a importância do

serviço de alto-falante para as casas comerciais do centro de Teresina:

No tempo eu era empregado do comércio, da loja Samaritana, as lojas tinham um sistema de amplificador, cada loja tinha seu locutor. Pelo menos na loja em que eu trabalhei tinha o Sr. Guimarães, que era o locutor do sistema de alto-falante da Samaritana [...] pra falar e fazer a propaganda. Botava a música e botava a propaganda, funcionava na rua. Fazia muita propaganda era da Mariposa, nessa época, que a Mariposa era filial da Samaritana, ou loja Mariposa, que hoje é na esquina da Simplício Mendes com a Liliane. Quem mais faziam propaganda na época eram as lojas de tecido, cada estampa de tecido, geralmente, era um serviço de alto-falante para fazer propaganda.24

Depois da proibição dos alto-falantes nas ruas do centro de Teresina, segundo

Alves, os comerciantes continuaram apostando no anúncio das amplificadoras nos bairros

periféricos, estimulando a clientela a visitar o centro da capital e fazer compras, chamado este

que certamente não surtiria efeito se fosse feito pela imprensa escrita.

[...]Cada bairro tinha o seu sistema de alto-falante, Mafuá, Vermelha, então tinha um sistema de alto-falante por bairro, então as pessoas donas daqueles amplificadores conseguiam no comércio a propaganda, pra fazer divulgar a sua firma. [...] O comércio todo anunciava, principalmente nos bairros. Os bairros naquela época eram pequenos, era o Mafuá, Vermelha, Cajueiro, não tinha essa variedade de bairros que tem hoje. (O serviço de alto-falante) era muito importante pro comércio. [...] Em jornal praticamente não se anunciava porque o pessoal, naquela época, tinha o hábito de ler pouco, até hoje as lojas praticamente não anunciam no jornal porque não atinge o povão.25

Os que faziam a Rádio Difusora na época, especialmente os que trabalhavam no

setor comercial da emissora, sabiam da guerra diária que tinham que travar na busca por

publicidade no empresariado local. Era uma tarefa difícil até mesmo em centros urbanos mais

desenvolvidos do Nordeste, onde a era do rádio havia sido iniciada primeiro, como no caso de

Recife, capital de Pernambuco.

23 DIÁRIO Oficial. Diário Oficial. Teresina, p.8, 5 fev 1955. 24 ALVES, José. Entrevista cedida a Daniel Solon em 03 de março de 2005. 25 ALVES, op. cit.

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José Eduardo Pereira, que deixou a diretoria de publicidade da Rádio Tamandaré,

emissora dos Diários Associados em Recife, para assumir o comando da recém-associada

Rádio Difusora de Teresina, em 1952, relembra das dificuldades de convencer os

comerciantes sobre a viabilidade e importância de investir em publicidade no rádio, mesmo

em Pernambuco:

O diretor de publicidade tinha que ir atrás da publicidade, não é? Não é como hoje, que as coisas são mais fáceis, as empresas têm uma consciência do que é a propaganda, do que é a publicidade, no seu processo comum. Naquele tempo, não. Havia uma verdadeira aversão ao gasto com publicidade. Entendiam as empresas que gastar com publicidade era jogar dinheiro fora, era sustentar o papa (Chatô), tanto que dizem do Chateubriand que eles, às vezes, chegava a chantagear certos empresários, para obter deles a publicidade.26

Na impossibilidade de contar com agências de publicidade capazes de produzirem

jingles como no Sul do país, o setor comercial da Rádio Difusora tinha que apostar com a

criatividade dos funcionários para produzir os reclames, com a orientação do diretor de

publicidade, que acompanhava a elaboração e distribuição dos anúncios.

As vantagens em se anunciar nas amplificadoras eram reconhecidas até mesmo

por quem as perseguia, dado ao grande alcance das mensagens publicadas pelos alto-falantes

espalhados nos bairros de Teresina. Os horários de funcionamento das amplificadoras e o

volume de som irradiado eram, no entanto, os principais motivos de reclamação nas páginas

de jornais:

Vimos sendo insistentemente procurados por moradores dos subúrbios desta Capital, que trazem suas reclamações contra os microfones instalados em quase todos os bairros. Reclamam contra os horários e contra a altura dos sons. A reclamação parece ser justa e deve merecer, das autoridades competentes, o necessário amparo, no objetivo de um novo exame do assunto, a fim de que sejam atendidos os diferentes interêsses. A difusão de notícias e reclames através de alto-falantes tem suas vantagens e prestam serviços de divulgação que não poderão ser obscurecidos. Todavia, também, o sossego público, e a conveniência das famílias é algo importante, que merece amparo e respeito. Assim, ao nosso ver, o problema comporta exame particular de cada caso, levados em conta todos os interêsses. E se encontrará uma fórmula ideal, por todos buscada, que estará na revisão de horários e numa modulação de som menos agressiva aos ouvidos. Fica aqui a reclamação da gente suburbana, endereçada a quem de direito.27

26 PEREIRA, José Eduardo. Entrevista concedida a Francisco Alcides do Nascimento. 1990 27 MICROFONES nos subúrbios. O Piauí, Teresina, p.4, 30 nov 1953.

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O tom moderado da matéria de jornal acima clamava por uma nova

regulamentação por parte do legislativo municipal, para atender aos mais variados

“interesses”, apenas para se estabelecer novos horários e limite de volume de som. Era, sem

dúvida, um discurso menos agressivo do que aqueles que também queriam calar “as bocas” de

alto-falantes também na periferia da cidade, como ocorreu no centro, em 1952:

A Câmara Municipal proibiu-os (os microfones) na zona urbana, com o apoio de toda a imprensa. Mas deixou-os nos subúrbios, como se a população suburbana fosse surda, mouca, e não sofresse as mesmas torturas da burguesia do centro da cidade. Além disso, além das ofensas aos tímpanos da gente pobre dos bairros, ainda permitem as autoridades que casas comerciais condicionem os tremendos alto-falantes em jeeps e automóveis, que percorrem as ruas, em barulho infernal, para propaganda de chitas, voiles, fustões, riscados e linhos, horas seguidas, parando aqui e acolá, com graves prejuízos para o trânsito de veículos e pedestres.28

Ao mesmo tempo em que os sons dos alto-falantes se espalhavam pela periferia,

aumentava o número de anúncios nos jornais sobre as últimas novidades da indústria de

aparelhos radiofônicos, publicidade esta claramente dirigida a uma pequena parcela da

população com maior poder aquisitivo. Pode-se apostar que a chegada da Rádio Difusora de

Teresina e o início de uma programação mais cuidadosa que prendia audiência, tenham

estimulado ainda mais a população a adquirir um aparelho de rádio.

Quando chegou a Rádio Difusora, não era todo mundo que tinha rádio, cansei de ver botar o rádio na sala e chegar um monte de vizinho pra assistir. Me recordo que eu tinha um colega que trabalhava lá na Samaritana e ele comprou um rádio grande, Philco. Nós morávamos perto da praça Pedro II, na rua Teodoro Pacheco, 1263, ainda hoje sei o número decorado, ele botava o rádio todo dia à noite no corredor da entrada do hotelzinho, da pensão, pro pessoal passar na rua e ver. Ficava o pessoal passando na rua e ficava a fila do pessoal da rua olhando, ouvindo o rádio.29

Os comerciantes que trabalhavam com produtos importados perceberam que o

mercado de Teresina ainda estava por ser desbravado no que se refere aos aparelhos

receptores. Após a inauguração da Rádio Difusora e ainda com mais ênfase nos primeiros

anos da década de 50, os maiores jornais de Teresina estavam cheios de anúncios de

revendedores de grandes marcas internacionais como Philips, Philco, RCA Victor, Mullard,

Semp e Pailard.

28 O PIRRALHO, Teresina, p.1 e p.6, 12 jul 1952. 29 ALVES, op. cit.

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Figura 07 – Anúncio de rádio Philips – 1953 Fonte: Jornal O Dia, Teresina, 22 de março de 1953, ano II, nº 112 p.5.

O apelo dos anúncios era forte. Quem tinha rádio, ao mesmo tempo tinha lazer,

estava conectado ao mundo através da informação e ainda garantia um certo status social.

Através do aparelho, visto também como uma extensão do próprio corpo, o mundo torna-se

uma aldeia.30 Apesar da tendência de progressivo barateamento dos aparelhos, a partir do

desenvolvimento de pesquisas em novas tecnologias, os preços afastavam a grande maioria da

população daquele sonho de consumo da família.

Em 1952, ato do governo federal estabeleceu o valor de Cr$ 1.200,00 para o

salário mínimo na região Sul.31 O rádio Philco mais barato em um anúncio de jornal ainda de

1948 custava Cr$ 1.250,00 e o mais caro, Cr$ 3.200,00. É importante ressaltar que o salário 30 MCLUHAN, op. cit. 31 Naquela época, vigorava uma tabela regional para o salário mínimo. Até o momento da conclusão desta pesquisa não havia sido possível especificar o valor no Piauí. No entanto, um servente da Câmara Municipal de Teresina ganhava Cr$ 900,00 em 1955, cf. RESOLUÇÃO nº 20, de 25 de outubro de 1954. Livro de Leis da Procuradoria Municipal de Teresina.

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mínimo no Sul do país só chegou à casa dos Cr$ 1.200,00 no final de 1951, ano em que

Teresina passava por uma crise de abastecimento de alimentos e a prefeitura foi obrigada a

baixar ato tabelando o preço máximo do quilo de carne verde em Cr$ 10,00, para frear a

“ganância insuportável [...] dos magarefes”.32

À sombra dos Cajueiros

Quando da aprovação da lei que proibiu os serviços de alto-falantes no centro de

Teresina, a amplificadora Comercial Teresinense, de José Leonílio Guedes Marinho

(Bismarck Augusto) e a Cruzeiro do Sul, de Getúlio Pontes, eram as maiores e mais bem

organizadas na capital. Das duas, apenas a Comercial sobreviveu, migrando para o subúrbio, o

bairro Cajueiros, localizado imediatamente ao Sul da parte central, após o Barrocão,

atualmente rua José dos Santos e Silva.

Marinho era funcionário da Secretaria de Obras Públicas e, para evitar problemas

políticos, atuava enquanto comunicador com o codinome Bismarck Augusto. Ele relembra

que

foi apresentada uma lei na Prefeitura Municipal para que nos retirassem...tirassem todos os nossos serviços de alto-falantes do centro da cidade, porque disse que provocava barulho. Então o Getúlio fechou logo a dele, a Cruzeiro do Sul, o Getúlio Pontes. E eu fiquei com a nossa. A nossa eu trouxe aqui pra rua São João, pra nossa casa, instalei o estúdio aqui, botei alto-falante aqui na São João, bem na esquina. Botei um alto-falante na esquina do mercado dos Cajueiros. Outro alto-falante aqui na rua... é... Joaquim Ribeiro...Joaquim Ribeiro, esquina com a Barroso, botei outro alto-falante na 24 de janeiro. Então daqui eu falava por que o fio - era com o fio, não era com transmissão era com o próprio fio nos postes da rede elétrica, nós tínhamos instalado isso.33

Espalhados em pontos estratégicos do bairro Cajueiros, os sons dos alto-falantes

atingiam outros bairros vizinhos, na zona Sul, e também chegavam a atingir uma pequena

parte do centro comercial da cidade. Junto com a mudança de endereço dos estúdios da

amplificadora, o serviço de alto-falantes também mudou de nome para Imparcial Teresinense,

tendo em vista que o proprietário do sistema de som tinha interesse em faturar com a venda de

espaços para políticos dos mais variados partidos.

32 DECRETO municipal 1/51. Teresina, 16 de novembro de 1951. Livro de Leis da Procuradoria Municipal de Teresina. 33 MARINHO, op. cit.

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Quando eu passei para o subúrbio [...], passei a usar o nome de Imparcial Teresinense. Porque entrou a parte política, porque eu servia aos dois partidos, a UDN e ao PSD. Eles gostavam do meu serviço porque era um serviço feito com honestidade. Na hora que eu estava fazendo um serviço para um partido, eu pertencia ao partido, embora eu sendo udenista doente, mas na hora eu não demonstrava.34

Dar a hora certa, transmitir recados entre amigos e namorados, dar avisos sobre

perda de documentos, ler notícias, fazer anúncios de casas comerciais e veicular músicas era a

rotina da amplificadora Imparcial, que segundo Marinho ajudou a formar alguns nomes do

rádio piauiense:

Então teve vários elementos que começaram a trabalhar comigo no alto-falante, um que começou é o B. Assis (Francisco de Assis).35 O outro que faz propaganda hoje “Vamos lá minha gente”, o Antônio Carlos, começou comigo também. De vez em quando o Dídimo de Castro [radialista] fala nele. O B. Assis, esse eu fiz comigo trabalhando. O Freitas também36.

Note-se que o narrador coloca como um de seus “aprendizes” o sr. Antônio

Freitas, com quem de fato trabalhou com serviços de alto-falantes. Há, no entanto, memórias

em disputa. Freitas apresenta uma outra versão, afirmando que começou com alto-falantes no

bairro Vermelha, na amplificadora Olinda, em 1948:

Quando o Bismarck apareceu ele trabalhava na coisa de luz elétrica, na Cepisa, que nesse tempo tinha um outro nome, não era a Cepisa. Ele era funcionário da antiga Cepisa. Aí ficam dizendo: ah, foi o Bismarck que começou... O Bismarck quando chegou eu já tinha anos disso aí. Eu já trabalhava no comércio, de serviço de som na rua, aí um dia nós se encontramos e ele disse: Quer trabalhar comigo. Eu disse: Vou. E trabalhei esse horror de anos juntos.37

Freitas, por sua vez, relembra da importância do serviço de alto-falantes de

Marinho, que tinha equipamentos potentes e não se limitava a atuar com a amplificadora fixa

no bairro Cajueiros.

Então ter um serviço de som naquela época era uma coisa difícil. [...] Então eu vivi nessa área minha mocidade toda. Eu fui locutor de comício da UDN, do PSD, lá da praça Pedro II, a gente instalava serviço de alto-falante, nesse tempo não tinha esse sistema de som (caixas de som), era boca. Você

34 MARINHO, op. cit. 35 B. Assis, locutor da Rádio Pioneira de Teresina, fez muito sucesso com um programa matinal. Quando do seu falecimento a cidade parou para acompanhar o sepultamento. 36 MARINHO, op. cit. 37 FREITAS, op. cit.

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conhece a boca, aquele funil? Então era aquele funil, a turma me chamava até de Boca de Flande , o Homem da Boca de Flande, que é aquela coisona cumprida. Então eu instalava naqueles pés de carnaúba ali da praça Pedro II e fazia comício ali, fazia show ali. Artistas vinham de fora e faziam show, e nesse tempo nós éramos preferidos porque nós tínhamos o melhor serviço de som de Teresina. Tinha cinco, seis, sete, oito, dez bocas, que você que quisesse nós tínhamos. Tinha um aparelho de 500 watts de saída que dava pra tudo. Montava tudo. Era difícil porque você tinha que subir naqueles pés de carnaúba para instalar o som, mas aquilo ali numa tarde a gente montava e aí na noite mesmo a gente desmontava pra levar pra casa. Nesse tempo eu trabalhava com quem eu lhe falei, o Marinho. O Marinho que era dono da Imparcial, que era essa amplificadora bem grande. [...] Era a maior que tinha em Teresina era a dele. Quando queriam qualquer coisa na universidade, chamavam ele. Uma palestra de fulano de tal, era ele. Comício com Petrônio Portela com aquele povo todo, era ele. Então tudo era com... e nós tínhamos as bocas pra fazer os comícios na rua e aquelas coisas tudo. Então o serviço de alto-faltante foi de grande utilidade naquele tempo passado.38

É importante ressaltar que os donos de amplificadoras tinham permissão de

instalar novamente seus alto-falantes nas praças do centro apenas durante o período que

houvesse algum evento, na maioria das vezes, comícios em períodos eleitorais. Havia até

mesmo uma lei eleitoral que estabelecia regras para a utilização de alto-falantes em época de

eleição limitando horários e locais de funcionamento.

A permanência da Amplificadora Imparcial no bairro Cajueiros também gerou

protestos na imprensa escrita. Quase dois anos depois do serviço de alto-falante ter se mudado

do centro para o subúrbio, um artigo assinado por “Um observador”, repetia o mesmo

discurso feito nos jornais, no período em que foi aprovada a proibição dos alto-falantes no

centro da capital. A matéria “Simples Advertência” reclamava em específico de a Imparcial,

porém seu conteúdo era nitidamente dirigido a todas as amplificadoras que funcionavam na

periferia de Teresina. Um trecho do texto dizia que:

O sossego público, nas grandes cidades, é um dos problemas que mais prendem a atenção das autoridades. Entre nós não vemos providência alguma neste sentido e pelos nossos bairros, as farras, as serenatas, as cantarolices entram de noite adentro e, às vezes, vêem o clarear do dia seguinte. E não é apenas isso o que incomoda os habitantes de nossos bairros. São coisas piores e que facilmente poderia ser evitada (sic) por uma autoridade enérgica e capaz. Um de nossos bairros parece que ganhou de todos e está destinado a viver durante muito tempo envolvido nesta situação e seus habitantes sofrendo as conseqüências deste estado de coisas. O CAJUEIRO, lugar já conhecido como ambiente de desordens, possui como em alguns outros bairros, uma amplificadora instalada em um poste bem alto que incomoda durante o dia e a noite, com seu volume aberto até a “tampa”, e com as músicas estridentes, até as inocentes crianças deitadas em seus

38 FREITAS, op. cit.

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leitos. Foi uma ótima providência a que fizeram em tirar as amplificadoras de nossas praças. Foi, porém, uma péssima providência deixar que as mesmas, depois de expulsas do centro da cidade, se instalassem em nossos bairros. Então, só os ricos, os que freqüentam as praças e dançam nos Clubes da elite têm direito ao sossego, enquanto os pobres não o tem? – Está errado.39

Marinho, por sua vez, lembra de ter atuado sempre de forma harmoniosa com a

comunidade, limitando inclusive o funcionamento do alto-falante localizado nas proximidades

de algum morador enfermo.

Bastava você mandar uma criancinha pequena chegar e dizia: Seu Bismarck, lá na rua Barroso [...] tem uma pessoa morta ou uma pessoa doente. O senhor pode parar o alto-falante?. Então daqui eu controlava e dizia: atenção ouvintes, em virtude de um dos nossos ouvintes da Rua Barroso ter falecido ou ter passado mal, nós vamos desligar o alto-falante desta região aí. Eu tinha uma mesa de controle que era só apertar um botão, aí eu me despedia dos ouvintes da Barroso e pah! puxava a chave e desligava automaticamente, e ficava com os outros funcionando.40

O funcionamento da Imparcial no bairro Cajueiros demorou pouco mais de dois

anos. Os alto-falantes da amplificadora, no entanto, não calaram. Apenas mudaram

novamente de endereço, ainda mais distante do centro de Teresina.

Com o passar do tempo eu resolvi transferir esse serviço de alto-falante para a rua Arlindo Nogueira com a Valdevino Tito, lá pertinho da Capelinha de Palha chamado, na Igreja de Nossa Senhora das Graças. Lá eu instalei um serviço de alto-falante. Um alto-falante no bairro Viçosa, na antiga Miguel Rosa passava uma estrada de ferro. Um alto-falante num pé de pequi na frente da igreja de Nossa Senhora das Graças, um alto-falante na porta do estúdio, um alto-falante na rua Quintino Bocaiúva, na rua Valdevino Tito, e outro alto-falante na rua 24 de Janeiro com a Valdevino Tito. Então daí eu fazia o serviço de alto-falante e o comércio dando propaganda pra gente. A gente vivia disso, era baratinho, era 100 mil réis a propaganda do comércio cada um, por mês. Onde eu tive um grande auxiliar meu, que começou a trabalhar comigo que era o B. Assis, o Francisco de Assis, B. Assis que depois foi pra Pioneira.41

No bairro Viçosa, Marinho e Freitas também atuaram juntos, durante certo

período, até que o segundo passasse a cuidar da própria amplificadora. Marinho afirma ter

deixado de lado o serviço de alto-falantes quando assumiu cargo de confiança no governo

Helvídio Nunes:

39 SIMPLES advertência. O Piauí, Teresina, p.6, 7 fev 1954. 40 MARINHO, op. cit. 41 MARINHO, op. cit.

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Eu, com os serviços de alto-falante de rua, fazia as propagandas dos partidos políticos. Nesse tempo eram só dois partidos: PSD e UDN. Depois acabou, ficou Arena, uma confusão mais danada do mundo. Mas com o passar dos tempos, em 1964 foi dada a revolução. Os militares tomaram de conta, botaram o Jango pra fugir pro Rio Grande do Sul onde estava o Brizola e ... foi nomeado, passaram a nomear os governadores indiretos. E o primeiro governador indireto do Piauí foi o senhor Helvídio Nunes de Barros42, que foi meu diretor na Secretaria de Obras Públicas. Então o Helvídio muito meu amigo, eu passei a trabalhar diretamente no gabinete do Helvídio Nunes, no Palácio do Governo, passei lá como auxiliar dele, elemento de confiança. Você só falava com o governador se falasse comigo. Era tudo isso. Agora o que acontece é que eu parei o serviço de alto-falante e entreguei para o meu amigo Antônio Freitas. Entreguei o de bateria e entreguei o de luz. E ele acabou com isso, ele vendeu, acabou e ficou com ele. 43

A saga de uma retirante

Antes mesmo de Marinho abandonar o serviço de alto-falantes “Imparcial” e doar

os equipamentos, Freitas montou uma amplificadora no bairro Vila Operária, em 1956. Por se

localizar na zona Norte da cidade, a amplificadora foi chamada de “A Nordestina”. Freitas

estava vindo de uma experiência de trabalho no mesmo ramo de publicidade, ou seja, com

propaganda volante, na capital e no interior do estado:

Nessa época eu trabalhava em som, mas era propagandista de rua, de serviço de alto-falante, trabalhava para o Armazém Piauí. Fazia viagem pelos interiores, fazendo show, levando artistas, sanfoneiro. Chegava lá na cidade, marcava um show e dizia: “Quem tiver talão do Armazém Piauí, no dia 15 traga aqui pra praça que nós estamos chegando para distribuir brindes”. Chamava de Show de Brindes. Aí vinha pra Teresina, né? Quando a gente chegava em Piracuruca, ia fazer um show na praça, tinha gente que tinha talão que tava assim... Isso a gente explorou muito. Nós rodamos Angical, Regeneração, fomos até Amarante, Floriano.44

Os programas das amplificadoras, neste caso, associavam consumo ao lazer, uma

vez que os sorteios eram acompanhados de shows de artistas. Naquele momento, algumas

prefeituras do interior do Piauí contavam com amplificadoras na sede do município. As que

não dispunham, alugavam serviços de som da capital para dar suporte a eventos oficiais como

inauguração de obras públicas e comícios.

42 Quando foi dado o golpe de 1964, o governador do Piauí era Petrônio Portella Nunes, que depois de alguns dias escondido foi mantido no cargo, até o final do mandato. 43 MARINHO, op. cit. 44 FREITAS, op. cit.

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Depois de morar na Vila Operária até 1960, Freitas mudou-se para a zona Sul da

cidade. “A Nordestina” passaria a não somente divulgar os produtos das grandes casas

comerciais de Teresina, mas também fazia a propaganda dos produtos do comércio que ele

montou, dentro de casa, tais como o arroz, a farinha, pão e leite condensado. O local descrito

ficava muito próximo aos alto-falantes da amplificadora Imparcial que, segundo o narrador,

chegou a veicular até mesmo novela, com artistas locais e com a participação dele próprio.

Quando foi em 61, eu trouxe “A Nordestina” para o Sul, aí eu instalei no bairro Viçosa, que fica na zona Sul perto da Piçarra, entre a Piçarra e a Vermelha. Ficava no meio. E lá nós botamos “A Nordestina” e perguntavam: “por quê Nordestina?”. Nós viemos do Norte, vamos continuar com “A Nordestina” antiga. E a gente instalou então o serviço de alto-falante lá com três ou quatro bocas. Bocas viradas para o centro e virada para os bairros. Mas também tinha a (amplificadora) Imparcial, do Marinho, muito conhecida em Teresina. Ela tinha alto-falante desde a Viçosa, que é lá na Miguel Rosa, até na Baixa do Chicão, na Vermelha. Tinha uns cinco a seis alto-falantes. Em cada rua tinha um alto-falante, um girado para o centro, outros girados para os bairros. Lá era A Imparcial. Vou lhe dizer, a Imparcial tinha até novela. Sete, oito horas da noite, eles tinham uma novela representada por um grupo de pessoas, que era o Henri Nelson que trabalhava na (rádio) Pioneira e ele criou uma espécie de novela fazendo aqueles scripts para que a gente treinasse e à noite a gente apresentar. A noite a gente apresentava e a gente tinha muito ouvinte.45

Foi no bairro Viçosa que o dono da amplificadora “A Nordestina” afirma ter

vivido uma das experiências mais marcantes enquanto comunicador popular. Era uma época

de agitação política no país, marcada pelo golpe dos militares que depuseram o governo João

Goulart:

Existia um movimento de camponês, um movimento de camponês que era contra-revolução. A Liga Camponesa. E o Clidenor fazia o movimento dos sem-terra. E ele fazia os discursos (no rádio) e eu retransmitia (pela amplificadora) os discursos... à noite. No dia que o João Goulart estava fazendo aquele grande comício no Rio de Janeiro referente à Reforma Agrária, eu retransmiti. Sabe o que que aconteceu? Quando a revolução tomou conta, minha casa foi visitada pelo exército! Andei lá com a metralhadora metida nas costas, revistaram minha casa toda pra ver se eu tinha algum panfleto, alguma coisa lá. [...]Eu tinha um comércio, aí eu me deitava um pedacinho até abrir o comércio. Quando ouvi batendo na porta, pensei que era um vizinho para fazer uma compra, uma coisa. Quando eu abro a porta, um homem com a arma: “O sr. é que é seu Freitas? Pois encoste bem aqui”. Ainda mandou a turma entrar na casa: “Vasculha!”. E eu sou crente. Aí a mulher disse: “Olha, vocês vão encontrar muito evangelho aí, folhetinho, pode abrir a mala!”. Eles abriram e encontraram bíblia, folheto, aquela coisa toda..., foram lá na

45 FREITAS, op. cit.

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privada, que era aquelas privadas de buraco, colocaram a lanterna pra ver se eu não tinha colocado por dentro, rasgado algum papel e jogado por dentro. Mas não encontraram nada. Aí o outro disse: “Não, isso foi informação errada”. Aí foram embora, e me deixaram de mão. Mas mesmo assim eu fiz uma carta de punho, para o comandante, que tinha havido aquilo, que eu tava querendo, que ele podia procurar, até procurasse na vizinhança, que eu estava com oito anos que morava ali, e eu podia ser informado pela vizinhança que eu não era...46

Depois do susto em ter o cano de uma arma encostado no próprio corpo e ver a

casa toda revirada por militares que procuravam por material “subversivo”, a amplificadora

“A Nordestina” passou a funcionar com cuidados redobrados, sofrendo, inclusive, censura:

Olha, a gente ficou... nossa!, tudo que você ia fazer tinha que ter... qualquer coisa que você fosse fazer independente daquilo que você fazia, propaganda comercial, ou qualquer pessoa que fosse usar o nosso (microfone) teria que ir para o quartel para eles liberarem.47

Dois anos antes, em 1962, havia ocorrido outro fato marcante na vida daquele

comunicador popular. O bairro todo havia sido informado da morte do presidente norte

americano através da amplificadora, pela voz de seu Freitas, que captou a informação de rádio

do Sul do país, segundo ele, antes mesmo da notícia ser divulgada nas estações teresinenses:

“Eu disse mais ou menos assim: ‘atenção ouvintes, neste momento nós temos uma notícia

importante para toda a comunidade. Neste momento, na cidade de Dallas, foi assassinado o

presidente John Kennedy, dos Estados Unidos’”.48

Como uma verdadeira retirante, “A Nordestina” mudou novamente de endereço

no final da década de 60. A amplificadora passou a funcionar em 1969 no recém-inaugurado

Parque Piauí, conjunto habitacional popular, à época, mais ao Sul de Teresina.

Em 69 eu cheguei aqui no Parque, era um bairro, hoje já mudou, era um bairro todo parecido. Todas as casas eram idênticas. Até a cerquinha da frente era feita de palha de coco, baixinho. Então se a pessoa saísse de casa e não tivesse acostumado, não voltava, errava a casa. Então o serviço de alto-falante nosso foi para encontrar perdidos, quer dizer, encontrar o dono dos perdidos. Chega menino se perdia, gente grande se perdia (sorrindo), a gente ficava informando, chamando à noite, gritando “alô, alô”... então tornou-se um trabalho, um serviço de comunicação no bairro.49

A relativa distância do centro de Teresina não atrapalhava a amplificadora do

Parque Piauí receber anúncios de grandes casas comerciais da capital. Para fazer as cobranças,

46 FREITAS, op. cit. 47 id. 48 Ibid id. 49 idem

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Freitas mandava o filho mais velho, Marco Aurélio, pegar a bicicleta e se deslocar para até o

centro, onde visitava as lojas anunciantes. Ele não se lembra como eram os “contratos”, mas

recorda que

[...]era bem rentável. Dava pra você quebrar o galho em cima disso. Eu digo assim, porque a minha renda comercial de propaganda e de coisa, dava pra eu pagar o colégio particular do filho, dava pra pagar o aluguel da casa, dava pra um bocado de coisinha, pagava uma luz, uma coisa assim. E todos os meses já sabia, chegava lá tava o valezim, e era meu filho o Marco Antônio, o mais velho, que ia na bicicletazinha buscar o dinheiro, todo final de mês tava lá.50

No Parque Piauí, a amplificadora “A Nordestina” começava a funcionar logo cedo

da manhã, para avisar aos moradores que o único ônibus destinado ao centro de Teresina já ia

partir. O locutor aproveitava para fazer propaganda do pão quentinho e do leite, no comércio

que funcionava no mesmo espaço do estúdio da amplificadora, em frente à praça da

Mangueira.

Foto 09: Antônio de Pádua Carvalho Freitas

Fonte: Acervo fotográfico do pesquisador Daniel Vasconcelos Solon

Bem cedinho eu fazia um programazinho, era o Hora Certa. “Acorde porque tá na hora de trabalhar”. Isso nós começávamos às seis horas. “Acorde para o Trabalho”. E nós trabalhávamos até às sete horas e encerrávamos. Quando dava à tarde, fazíamos um programazinho assim de duas horas, três horas, até quatro horas. Mas o programa mesmo era à noite! À noite é que a gente abria pra comunidade, pra quem quisesse fazer... porque a gente trabalhava com mensagens, mensagens de aniversário...51

50 FREITAS, op. cit 51 id. ibid.

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A mensagem chegava longe, através do vento que ajudava a espalhar os sons dos

três alto-falantes do Parque Piauí, um na entrada do bairro, outro na Praça da Mangueira (que

fica nas proximidades do mercado) e outra boca numa praça que “cedeu” lugar para a

construção de uma escola. A comunidade tinha na amplificadora de seu Freitas um espaço de

diversão, informação e ao mesmo tempo de reivindicação de soluções para os vários

problemas enfrentados no novo bairro, onde de dia faltava água, e à noite, faltava luz. A

utilização dos alto-falantes de A Nordestina faziam parte das estratégias e resistências criadas

no cotidiano dos moradores52 que protagonizaram no final dos anos 70 e início dos anos 80

um forte movimento popular contra a carestia e, conseqüentemente, contra o regime militar.

Um dos moradores do bairro escreveu crônica em jornal onde lembrava dos 37

anos de existência do Parque Piauí. Ele rememorou problemas enfrentados pelos moradores, a

luta para conseguirem dias melhores e também de figuras e locais que marcaram a história de

quem cresceu no bairro, dentre eles o serviço de alto-falantes “A Nordestina”.

Trata-se de uma comunidade que, desde seu início, sofreu com a lata d'água na cabeça, com a precária iluminação pública, sem transporte público, mas que com muita determinação conseguiu superar esses e outros obstáculos[...] Quem nunca quis morar aqui; quem não se lembra da taberna da Paz; da primeira delegacia de polícia na quadra 16; da amplificadora do seu Freitas...53

“Seu Freitas” continuou atuando com serviços de alto-falantes no bairro Parque

Piauí até metade dos anos 80. As bocas de alto-falantes e o amplificador de som foram

repassados para o comerciante conhecido como Mestre Paulo, dono de uma garapeira na

Praça do Mercado. Lá, Mestre Paulo montou o serviço de alto-falantes “A Voz do Bairro” até

hoje em funcionamento, chamando fregueses, sendo ponto de “achados e perdidos”,

transmitindo recados de utilidade pública.

A Legião da Decência e o beijo da Filomena

Em seis de janeiro de 1950, Dia de Reis, a Igreja Católica do Piauí instalou a

“Legião da Decência”, uma espécie de agrupamento de católicos cuja missão seria ficar

vigilante contra a atuação perniciosa dos mais variados meios de comunicação no Estado do

Piauí. A solenidade de instalação, realizada no Cine São Luiz, foi presidida por Dom Severino

52 MATOS, Maria Izilda dos Santos de. Cotidiano e cultura: história, cidade e trabalho. Bauru, SP: EDUSC, 2002, p. 25. 53 EUGÊNIO, Arnaldo. Parque Piauí, meu amor. Meio Norte, Teresina, 29 de março de 2005. Ano X, nº 3735, p.2.

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Vieira de Melo, contando com a presença do governador Rocha Furtado, parlamentares e

profissionais da imprensa local.

A “Legião da Decência” era uma ação concreta do clero com o objetivo de se

controlar o conteúdo das mensagens e impor restrições de certos produtos da mídia aos

católicos. Originalmente, a “Legião da Decência” foi criada em 1934, por parte dos bispos dos

Estados Unidos da América. Aquele país já exportava para todo o mundo produtos

cinematográficos e era exatamente sobre estes que recaíam os olhares da “Legião da

Decência”. Logo na introdução da encíclica Vigilanti Cura, o papa Pio XI tece elogios à

“Legião da Decência”, e à iniciativa dos bispos americanos contra o que consideravam “maus

filmes”.

Nesta gravíssima situação, Veneráveis Irmãos, fostes vós os primeiros a estudar o meio de defender contra o perigo iminente as almas confiadas aos vossos cuidados; instituístes a "Legião da Decência" como uma cruzada santa, fundada para reanimar enfim os ideais da honestidade moral e cristã. Muito longe de vós esteve a idéia de prejudicar a indústria do cinema; pelo contrário, vós a preservastes antes contra as ruínas, às quais são expostas as formas recreativas que degeneram em corrupção da arte.54

Com o passar dos anos, a “Legião da Decência”, como uma “cruzada santa”

passou a vigiar outros meios de comunicação, sendo instaladas nos mais variados países, sob

o aplauso do Vaticano. O objetivo da instalação da Legião da Decência no Piauí era combater

tudo o que pudesse “conduzir, direta ou indiretamente, à dissolução da família, à corrupção da

mocidade”.55

Depois de instalada solenemente na cidade, não faltou quem defendesse uma ação

imediata da Legião da Decência contra as amplificadoras que jogavam, aos quatro ventos,

músicas dos mais variados estilos, dentre elas, sambas com letras de duplo sentido.

Foi com real simpatia que noticiamos [...] a criação, em nossa terra, de uma sociedade, cuja finalidade se prendia, diretamente, à moralização dos costumes. Numa das últimas reuniões realizadas na "Legião da Decência", [...] programaram-se várias atividades em torno do complexo assunto, especialmente no que se refere a filmes impróprios e músicas inconvenientes. Sobre os filmes nada temos a dizer, pois são poucos os que fogem à moral. Todavia apelamos à "Legião" dedique especial atenção aos discos, em número crescido, que certas amplificadoras locais irradiam diretamente aos principais logradouros públicos da capital.56

54 VIGILANTI Cura, op. cit. 55 JORNAL DO COMÈRCIO, Teresina, p.1, 5 jan 1950. 56 JORNAL O PIAUHY. Teresina, p.4, 21 mar 1950.

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Não é possível, aqui, afirmar se a “Legião da Decência” tomou alguma

providência ou fez alguma diligência às amplificadoras para solicitar uma mudança na

programação jogada no ar. Pode-se, no entanto, a partir da nota acima, deduzir que os alto-

falantes, assim como a única emissora de rádio da cidade, estavam entre o sagrado e o

profano, entre o canto da Ave-Maria no Angelus e as marchinhas de carnaval ou baiões com

suas letras de duplo sentido.

As amplificadoras, de uma forma ou de outra, ajudaram a formar o repertório

cultural de parte da população teresinense, sobretudo da periferia, aonde, para muitos, os

produtos da indústria fonográfica só chegavam através dos alto-falantes. Moradores mais

antigos da cidade ainda mantém viva na memória a sonoridade das ruas do centro da cidade e

da periferia, quando o rádio no Piauí ainda estava se consolidando.

“Filomena, cadê o meu” foi um dos sambas que caíram na boca do povo nos anos

50, provocando as mais diversas reações, marcando a infância e juventude de muitos que

ouviam as amplificadoras instaladas em Teresina, assim como em outras cidades do país. A

música, de autoria de Antônio Almeida e Wilson Batista, foi gravada pelo grupo Anjos do

Inferno em 1949, pela RCA Victor, mas lançada no mercado apenas em junho no ano

seguinte.

Filomena, cadê o meu Filomena, cadê o meu Aquele beijo gostoso que você me prometeu Filomena, cadê o meu Filomena, cadê o meu Você deu a todo mundo, só a mim você não deu Gastei dinheiro Esgotou-se o meu latim Com uns e outros, Filomena, você não faz assim Eu também quero provar dos carinhos seus, Filomena de mim tem pena, também sou filho de Deus.57

Contendo mensagem de duplo sentido, a letra transcrita acima não deixava de ser

provocadora para a época. Além de mexer com a esfera do corpo, com o verbo “dar” no

sentido mais libidinoso do termo, a música ao mesmo tempo citava o nome de Deus, talvez

‘em vão’, na opinião dos mais conservadores. Além disso, outro ‘pecado’ seria o nome do

grupo: “Anjos do Inferno”. Juntando todos estes ingredientes, é possível que a música

57 ANJOS do Inferno. Filomena, cadê o meu, RCA Victor, 1950.

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estivesse na mira da crítica dos guardiões da moralidade, como os adeptos da “Legião da

Decência”.

Não são poucas as gravações indecorosas, a maior parte constituída de paródias mal intencionadas, que são lançadas no ar insistentemente pelos alto-falantes, numa algazarra gritante que ofende não apenas aos ouvidos do público, mais ainda à sua consciência religiosa e à sua formação moral. Algumas amplificadoras se vêem servindo dessas gravações para o achincalhe, o deboche, a azucrinação, É conveniente, portanto, e para tal poremos à disposição nossas colunas, que a "Legião da Decência" promova uma campanha contra as gravações despudoradas [...]58

Os que viveram a juventude na época do lançamento de “Filomena cadê o meu”,

trazem diferentes lembranças da música. A aposentada Osvaldina Rocha Vieira – irmã de

Adelaide Ribeiro Rocha, citada anteriormente – recorda de ter ouvido o samba numa

amplificadora instalada na praça principal de Buriti de Inácia Vaz (atualmente apenas Buriti),

no interior do Maranhão, cidade de onde se mudou, para estudar em Teresina.

A música da Filomena era uma das que mais tocava na amplificadora. Dava aquela confusão cantar a música em frente a uma pessoa que se chamasse Filomena. No Buriti havia uma moça com esse nome e muita gente brincava com ela, cantarolando “Filomena, cadê o meu, Filomena, cadê o meu, Aquele beijo gostoso que você me prometeu, Você deu a todo mundo, só a mim você não deu...” A música já tinha um sentido maldoso (risos).59

Talvez visto com mais inocência pela criançada da época em que a música foi

lançada, o beijo da Filomena cantado pelo alto-falante é o elo que desencadeia variadas

lembranças da infância e juventude do advogado e cronista José Ribamar Garcia, de 50 anos,

que mudou-se para a cidade do Rio de Janeiro em 1961.

‘Filomena, cadê o meu/Filomena cadê o meu/O meu beijo gostoso/Que você me prometeu’. A letra dessa canção, tocada na amplificadora instalada em frente da Merenda, tinha esse refrão, que papai acompanhava num assovio quase inaudível. E quando não havia freguês ele ficava na porta da garapeira, com a mão esquerda apoiada no portal e o corpo um pouco inclinado, relaxado, apreciando o movimento da rua, que chamava de cinema. Dali observava também o filho que se distraía no velocípedes, circulando o quarteirão[...]. A Merenda, misto de bar e lanchonete, vendia uns pastéis quentinhos, saborosos e uma abacatada forte, gostosa. A amplificadora ficava à sua porta, no alto dum poste, repercutindo as músicas tocadas na vitrola.60

58 JORNAL O PIAUHY. Teresina, p.4, 21 mar 1950. 59 VIEIRA, Osvaldina Rocha. Entrevista cedida a Daniel Vasconcelos Solon em 13 de abril de 2006. 60 GARCIA, op. cit, p. 39.

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A Merenda – também chamada de Garapeira Estudantina – ficava no centro da

cidade, próximo a Praça Rio Branco e era assim localizada pelo cronista:

A penúltima casa comercial a desaparecer naquele trecho da rua Coelho Neto. Sobreviveu por duas décadas, o suficiente para marcar presença na vida da cidade. A Casa Carvalho na Esquina, depois ela – Garapeira Estudantina – numa o Cine São José, outra garapeira, [...] e a farmácia Botica do Povo, no fim da quadra.61

A partir do que informa Garcia, tanto pelo fato de andar de velocípedes e também

por se lembrar da amplificadora funcionando no centro – o que pela lei só pode ter ocorrido

até o primeiro semestre de 1952, a lembrança do beijo não dado de Filomena deve perseguir o

cronista desde os seis anos de idade.

Garcia foi crescendo em meio a uma memória coletiva sobre os incêndios que

destruiu casas de palha na periferia de Teresina, numa época em que ele não tinha nem

mesmo nascido. Porém, os moradores da periferia ainda sentiam o cheiro de fumaça quando

aquele menino veio ao mundo, em 1946.

Nasci atrás da penitenciária, numa casa de meia-água, com a fachada desbotada e avermelhada pela poeira da rua em terra solta. Não tinha luz elétrica, nem água encanada. Mas, era de telha, o que representava segurança, porque, na época, a cidade vivia sob o terror dos incêndios. E estes só aconteciam nas casas cobertas por palhas – de carnaubeira ou de babaçu. Havia dia de ocorrer de três a quatro incêndios. [...] E aquela foi a melhor que meu pai conseguiu alugar para alojar a família. 62

Ao lembrar da infância, nos arredores da casa “atrás da penitenciária”, Garcia

reconstrói imagens de uma cidade e sua dinâmica de funcionamento, com seus lugares de

memória. “Opera-se uma reterritorialização do vivido”63, fluindo à mente cenários e sons

característicos de um espaço, “ecoando e modulando o tecido de uma história com os fios da

experiência trançada” 64.

Mas não são apenas os sons das amplificadoras que fazem parte da memória de

Garcia. O cotidiano do cronista em sua infância foi marcado também por morar nas

proximidades de um local que aguçava a sua curiosidade sobre como era a vida dos detentos e

61 GARCIA, op. cit, p. 39. 62 GARCIA, op. cit., p.19. 63 FERREIRA, Amauri Carlos; GROSSI, Yonne de Souza. A narrativa na trama da subjetividade: perspectivas e desafios. In: Revista Brasileira de História Oral, nº 7, jun.2004. São Paulo: Associação Brasileira de História Oral, v.7, p. 42. 64 Id, ibid.

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como chegaram até ali. Em alguns casos, o pequeno morador já sabia um pouco do passado

dos condenados, ouvindo os julgamentos transmitidos pela Rádio Difusora.

Nos julgamentos de crimes envolvendo gente importante, que a Rádio Difusora se preocupava em transmitir, sempre me colocava ao lado da acusação. Não me deixava inclinar pelas palavras bonitas da defesa. E me revoltava com a absolvição. No entanto, a curiosidade de saber o cotidiano da cadeia estava comigo.65

Um dos julgamentos famosos cobertos pela Rádio Difusora, que naquele

momento já estava mais acostumada a fazer transmissões externas, foi o de José de Arêa

Leão, conhecido na época por Zezé Leão. A justiça o considerou culpado por assassinar o

policial militar reformado Francisco das Chagas Batista, o Vanderlei, em outubro de 1953. A

cobertura do caso feita pela equipe de reportagem da Rádio Difusora teve grande audiência e

foi elogiada pela imprensa escrita local:

A Rádio Difusora de Teresina divulgou, pelas suas ondas, todas as fases do julgamento. A este inestimável serviço deve o Piauí o conhecimento imediato dos resultados da sessão do Júri da última segunda-feira. Desejamos deixar aqui expressos os nossos cumprimentos a essa emissora, que marcou um tento na campanha de repressão ao crime, que é um dos pontos altos de nossa recuperação democrática e moral. Expondo às populações do interior os debates e demais incidentes da movimentada sessão transmitiu a essas populações uma lição de civismo e levou-lhes uma palavra de fé. O Piauí só pode mostrar-se agradecido a essa cooperação magnífica, cujo sentido social importantíssimo não escapa aos olhos dos que trabalham nos campos pelo progresso do Estado.66

A julgar pelo comentário acima, a Difusora não apenas narrou o julgamento, mas

também deve ter se comportado como o braço da própria justiça, emitindo comentários

favoráveis a condenação do acusado. Já naquela época, o público se interessava em

acompanhar casos de polícia pelo rádio. Um dos primeiros programas específicos sobre o

assunto na Rádio Difusora foi “Acontecimentos Policiais”.

O programa era produzido e apresentado por Bismarck Augusto (Marinho), o

mesmo que fazia funcionar a amplificadora Imparcial, no bairro Cajueiros, que depois ainda

chegou a trabalhar na Rádio Clube, mas apenas fazendo leituras de anúncios em determinados

programas.

65 GARCIA, op. cit, p.20. 66 O PIAUÍ, Teresina, p.1, 2 maio 1954..

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Agora eu sou um dos mais antigos, porque trabalhei na Rádio Difusora de Teresina e na Rádio Difusora de Teresina eu fazia os programas de novela, trabalhando em novelas, novelas que apresentavam lá pra gente fazer. Eu a Miriam, o Denis Clark, o Rodrigues Filho, tudo isso, o Trindade Júnior, que já é falecido e o Rodrigues também. Quanto ao programa da Rádio Difusora, eu tinha um programa às 22 horas, que era... Audi.. não meu deus, era... Acontecimentos Policiais. Então eu andava em todas as delegacias de manhã cedo, colhendo as informações do que aconteceu no livro daquela delegacia e à noite, quando dava nove horas da noite eu ia ler: “Aconteceu na primeira delegacia, isso assim e assim. Segunda delegacia, isso assim e assim, Terceira delegacia dava aquilo que estava a ocorrência. No serviço de alto-falantes não tinha isso.67

De volta às lembranças das músicas antigas, outro narrador – já citado no capítulo

anterior – costumava ouvir os sucessos da época pelo rádio e pelas amplificadoras espalhadas

pela cidade.

Mais era aquelas músicas antigas, hoje sai umas músicas aí que eu nem sei o que é, faz é adoecer meu ouvido, eu não sou muito fã do rádio hoje em dia por causa disso, tem música aí que eu não entendo nada. Na minha época não, era Augusto Calheiro, Vicente Celestino, Orlando Silva, Ângela Maria, Nora Ney... Hoje eu não entendo essas músicas, aí eu me desligo.[...]68

O rádio chamava as pessoas para dentro de casa. Os alto-falantes eram um convite

para contatos à rua, ou mais especificamente para o “pedaço”. Das amplificadoras, Siqueira

lembra que havia um tipo de música especial para cada situação. Uma para oferecer a

namorada, outra para um amigo, outra para mostrar descontentamento com um desafeto. Para

este último caso, uma canção estava na moda, naquele momento.

Era (a música) o Sapo Cururu. Você não gostava do cidadão, chegava na amplificadora e dizia: coloca essa música pra fulano de tal. “alô Daniel, ouça essa música”, que a gente botava até assim mesmo, um inimigo ou um amigo seu, lhe oferece. Aí era Sapo Cururu, era uma raiva do cão nesse tempo. Era mais ou menos assim: ‘sapo, sapo, sapo cururu, tá na lagoa sapo cururu...”(risos) Aí ficava por conta, porque essa era a maior ofensa do mundo na época. Na igreja São Raimundo nos festejos por exemplo, agora em agosto, ficava assim de gente. A gente ia pra lá e a amplificadora falava...tinha um cumpade meu, o Zacarias da DRT, ele era um locutor de primeira...69

67 MARINHO, op. cit. 68 SIQUEIRA, op. cit. 69 SIQUEIRA, op. cit.

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As músicas antigas que faziam parte do ambiente sonoro forjado pelas

amplificadoras dos bairros de Teresina são patrimônios da memória dos moradores mais

antigos da cidade. As lembranças atualizam o passado, reconstroem espaços destruídos por

novos equipamentos urbanos, fazem voltar à mente relações de amizades, de conflitos e

formas de lazer condenados ao esquecimento.

Embora as antigas amplificadoras tenham silenciado na maioria dos bairros da

cidade, o eco dos alto-falantes é renitente e insiste em continuar perguntando sobre as

caminhadas na praça, as rodas de conversa nas calçadas, sobre os jogos de futebol no campo

do Brilhante, os festejos nas paróquias e arraiais, sobre os recados de fulano pra fulana, sobre

as promessas de beijo da Filomena...

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir da análise dos documentos/fontes focalizados nesta pesquisa tornou-se

possível perceber que, por trás de um aparente silêncio que recaía sobre a memória da

comunicação em Teresina, havia um ruidoso passado a ser reconstruído, mais especificamente

sobre o papel e funcionamento das amplificadoras na história do rádio piauiense.

Foi dando ‘ouvidos’ e ‘olhos’ aos documentos e fontes que chegamos ao eco dos

alto-falantes, amplificando outras memórias e histórias de sujeitos e lugares, extraindo do

‘silêncio do esquecimento’ a sonoridade das ruas e das sociabilidades vividas pelos habitantes

da cidade, em dado período.

Se esta pesquisa tivesse se limitado apenas à leitura dos jornais da época (sem

dúvida, excelentes documentos), não seria possível perceber as mais variadas formas de usos

e consumos dos serviços de alto-falantes no centro de Teresina e na periferia.

Do confronto entre documentos construídos a partir de fontes orais e da

documentação extraída dos jornais empoeirados do Arquivo Público do Piauí, livros de Leis

da Procuradoria do Município, livros de crônicas, revistas, conseguiu-se vislumbrar os alto-

falantes como operadores de memórias e subjetividades. Foram vistos ainda sujeitos e lugares

conectados às práticas de espaço, assim como as continuidades e rupturas, os conflitos e ritos,

uns esquecidos no passado, outros reterritorializados e atualizados.

Como resultado da pesquisa, foi possível perceber a importância das

amplificadoras como instrumentos onde se deu início ao processo de consolidação do projeto

do rádio no Piauí, sobretudo em Teresina, na medida em que formou ouvintes e

comunicadores, abrindo também as cortinas aos que não tinham palco para irradiar produções

culturais locais.

A leitura das amplificadoras enquanto objeto de estudo e a localização dele nas

décadas aqui recortadas acabou por revelar as mudanças no conteúdo do discurso hegemônico

nos jornais, sobre este meio de comunicação popular. Quando do início do funcionamento dos

alto-falantes, um momento em que a capital não tinha uma estação de rádio, eram os sons do

progresso que estavam no ar. Já com a chegada do “novo” na cidade – a primeira emissora e o

símbolo de modernidade que ele carregava –, as amplificadoras passaram a ser ouvidas como

o barulho do atraso.

Em meio à proibição do funcionamento dos alto-falantes no centro da cidade, no

período em que se preparavam as festividades do primeiro centenário de Teresina, revelou-se

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de forma mais nítida a existência de conflitos entre o novo e o velho impostos pela

modernidade, que não se resumiam apenas quanto à utilização ou não das amplificadoras.

Tendo como música de fundo os sons dos alto-falantes, foram capturados e postos

frente a frente projetos dissonantes de ordenação e de controle dos espaços da cidade onde,

em nome do progresso, fazia-se necessário impor novos comportamentos e,

contraditoriamente, ao mesmo tempo, consolidar velhos padrões de moralidade.

Viu-se ainda como era importante o funcionamento dos alto-falantes para o centro

comercial, num momento em que possuir um aparelho de rádio receptor em casa era sinônimo

de status social. Percebeu-se como se deu o processo de adesão da Igreja Católica à era do

rádio, bem como foi mostrada a influência da religiosidade na programação dos alto-falantes.

Mostrou-se como os grupos políticos se utilizavam dos alto-falantes para

disseminarem ideologias, conquistarem votos, e acirrarem conflitos com as legendas

adversárias. Ao mesmo tempo, ao serem analisados projetos fracassados de instalação de

estações de rádios, revelou-se como as elites políticas viam a importância da radiodifusão

para se manterem ou conquistarem o poder.

A expulsão das amplificadoras do centro da cidade, através de lei aprovada às

vésperas do aniversário de 100 anos da capital, deslocou olhar da pesquisa para a periferia da

cidade, possibilitando assim reconstruir aspectos do cotidiano dos moradores.

Assim, foram percebidas também mudanças espaciais da cidade e formas de lazer

e sociabilidade das pessoas, no subúrbio. Lá, os alto-falantes deixaram de existir apenas como

instrumentos que garantiam diversão e informação à comunidade. Eram instrumentos

utilizados para troca de afetividades, para consolidação de convivências e amizades entre

vizinhos de um mesmo bairro, mas também motivo de discórdias, conflitos, reclamações.

Para os que viviam a realidade da periferia, onde até mesmo nomes de ruas e

números de casas eram algo a ser concretizado, as amplificadoras tornaram-se pontos de

referência, locais de convivência, onde as reivindicações dos moradores poderiam ser

bradadas aos quatro ventos.

Este trabalho, portanto, configura numa pequena contribuição para os estudos

iniciados nos últimos anos em âmbito acadêmico sobre a história e memória do rádio no

Piauí. Não foi intenção desta pesquisa teorizar sobre memória e sociabilidade, até mesmo pela

certa imaturidade do autor no contato com tais assuntos. No entanto, memórias e

sociabilidades provocadas pelos alto-falantes estão presentes nesta pesquisa, para preencher

uma lacuna dos livros de história que insistem em silenciar os sons da periferia.

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Talvez, a pesquisa realizada aqui tenha sua relevância por iniciar, com mais

profundidade, um estudo sobre os usos de um meio de comunicação que nasceu junto com o

rádio, bem como seus impactos no cotidiano de uma comunidade, em dado período. Talvez

ainda dê elementos sobre como a cidade foi atravessada tardiamente pela modernidade, tendo

o rádio como um de seus símbolos.

Este trabalho pode contribuir ainda com aqueles que ainda têm um grande

caminho a percorrer nas pesquisas sobre meios de comunicação alternativos, dentre eles as

rádios comunitárias que surgiram a partir da década de 80 e vistas aqui como continuidades

dos antigos serviços de alto-falantes.

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____________. Teresina, p.4, 5 de abril de 1952.

____________. Teresina, p.6, 19 de abril de 1952.

____________. Teresina, p.5, 17 de maio de 1952.

____________. Teresina, p.6, 15 de junho de 1952.

____________. Teresina, p. 1 e 6, 12 de julho de 1952.

____________. Teresina, p.3, 19 de julho de 1952.

Entrevistas e outros:

ALVES, José. Comerciante, 73 anos. Entrevista cedida a Daniel Solon em 03 de março de 2005. Duração: 1 hora

CARVALHO, Luís Gonzaga Fernandes. Técnico de rádio, 74 anos. Entrevista cedida a Daniel Solon em 27 de dezembro de 2004. Duração da entrevista: 1 hora

CORREIA, Maria Genoveva de Aguiar Moraes. Jornalista, aposentada, 79 anos. Entrevista cedida a Daniel Solon em 22 de fevereiro de 2005. Duração da entrevista: 50 minutos.

COSTA, Cornélio Evangelista. Comerciante, 85 anos. Entrevista cedida a Daniel Solon em 21 de fevereiro de 2005. Duração da entrevista: 40 minutos.

CURY, Karam Jorge. Comerciante, 75 anos. Conversa informal com o pesquisador Daniel Solon, em outubro de 2005.

DIAS, Zacarias da Silva. Funcionário público federal aposentado, 74 anos. Entrevista cedida a Daniel Solon, em 22 de junho de 2005. Duração da entrevista: 1 hora.

DOBAL, H. Depoimento cedido a Douglas Machado em 2002. In: H. Dobal – um homem particular. Documentário, 70min, Teresina, Trinca/filmes, 2002.

FREITAS, Antônio de Pádua Carvalho. Comerciante, 75 anos. Entrevista cedida a Daniel Solon em 28 de dezembro de 2004. Duração da entrevista: 1 hora.

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158

IGREJA, Marcos. Correspondência feita a Daniel Solon, de apontamentos colhidos junto a moradores antigos de Timon, em agosto de 2005.

MARINHO, José Leonílio Guedes (Bismarck Augusto). Funcionário público estadual aposentado, 80 anos. Entrevista cedida a Daniel Solon. Teresina, 28 dez. 2004. Duração da entrevista: 50 minutos.

PEREIRA, José Eduardo. Entrevista concedida a Francisco Alcides do Nascimento. 1990

ROCHA, Adelaide Ribeiro. Funcionária pública estadual aposentada, 71 anos. Entrevista cedida a Daniel Solon, em 16 de abril de 2006. Duração da entrevista: 40 minutos.

SAID, Carlos. Radialista, professor aposentado, 75 anos. Entrevista cedida a Daniel Solon em 04 de janeiro de 2005. Duração da entrevista: 1h e 40 min.

SANTOS, José Lopes dos. Radialista, procurador do Estado aposentado, 86 anos. Entrevista cedida a Daniel Solon em 13 de janeiro de 2005. Duração da entrevista: 1h e 30 min.

_________. Entrevista cedida a Francisco Alcides do Nascimento em 2004.

SIQUEIRA, José de Ribamar. Funcionário público federal aposentado, 70 anos. Entrevista cedida a Daniel Solon, em 17 de agosto de 2005. Duração da entrevista: 40 minutos.

SOARES, Raimundo José Airemoraes. Padre, 73 anos. Entrevista cedida a Daniel Solon. Teresina 22 jun. 2005. Duração da entrevista: 50 minutos.

TILITO, Luís Carlos da Silva. Funcionário público aposentado. Entrevista cedida a Daniel Solon em 17 de agosto de 2005. VIEIRA, Osvaldina Rocha. Funcionária pública aposentada, 69 anos. Entrevista cedida a Daniel Vasconcelos Solon em 13 de abril de 2006.

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