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Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
ISSN 2236-1855 2838
O EDUCADOR MANOEL BOMFIM
Bruna de Oliveira Fonseca1
Sobre Manoel Bomfim
Manoel José do Bomfim nasceu em Aracajú, na província do Sergipe, no ano de 1868.
Era o sexto filho, dos treze, do casal Paulino José e Maria Joaquina. Ronaldo Conde Aguiar
chama atenção para a peculiaridade do casal Bomfim, a começar pela diferença de idade, no
ano de seu casamento, Paulino José tinha apenas dezoito anos seis a menos que Maria
Joaquina. O contraste na origem também marcava o casal, enquanto Paulino, vaqueiro no
interior de Sergipe, Maria Joaquina era filha de comerciantes portugueses radicada na cidade
de Laranjeiras. Essas diferenças não impediram o casal de construir uma grande família2 e
tão pouco de progredir economicamente, começaram como proprietários de uma loja – Casa
Bomfim & Cia – aumentaram o patrimônio adquirindo casas de aluguel, uma salina e, por
fim, em 1867, compraram um engenho em Carira, um município contiguo a Aracaju.
Fora neste engenho que Manoel José passou parte de sua infância. Neste período, além
de conhecer os negócios da família, Bomfim conviveu com o ambiente rural e com a
escravidão – acredita-se que o personagem Juvêncio, de Através do Brasil, foi inspirado em
um amigo do engenho, um menino negro e filho de escravos (AGUIAR, 2000, p.88). Em
1885, aos quinze anos, Manoel Bomfim regressou a Aracaju e comunicou seu desejo de
estudar medicina, com isso contrariava a vontade do pai que desejava vê-lo no comando dos
negócios da família.
Aos dezesseis anos, Manoel Bomfim ingressava na Faculdade de Medicina da Bahia.
Residira em uma pensão, a Santa Terezinha, onde conheceu Alcindo Guanabara – que viria a
ser um amigo de longa data. Infere-se que esta amizade influenciou Manoel Bomfim a migrar
para o Rio de Janeiro e lá terminar o curso de medicina.
Assim sendo o sergipano aportou na Capital do Império, entre os meses de abril e maio
de 1888, e fora recebido por Alcindo Guanabara e Olavo Bilac. Bomfim retomou a Faculdade
1 Mestra em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais. E-Mail: <[email protected]>.
2 Segundo Ronaldo Conde Aguiar, “foram treze filhos excluídos da contagem os natimortos e os bebês que não completaram sequer seis meses de vida.”. (AGUIAR, 2000, p.81)
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de Medicina, porém dividia sua atenção com as redações dos jornais que frequentava com
Olavo Bilac, em especial a redação de Cidade do Rio, de José do Patrocínio. A experiência de
Bomfim nas redações dos jornais frutificou para além da amizade de Patrocínio, foi o meio de
inserção do sergipano a rede de sociabilidade intelectual da época, vivida nos cafés, nas
redações, nas livrarias. De acordo com Ronaldo Conde Aguiar,
Bomfim ia, assim, se integrando ao campo intelectual da época. Por influência de Alcindo Guanabara e Olavo Bilac, tornou-se frequentador assíduo das rodas literárias e boêmias, que eram o ‘locus’ privilegiado da pequena mas efervecente vida intelectual do Rio de Janeiro no fim do século XIX. A propósito: foi nessa época que Manoel José, atendendo a uma sugestão de Guimarães Passos, resolveu adotar o nome ‘fantasia’ de Manoel Bomfim. ‘Manoel José do Bomfim não é nome de médico, nem de jornalista, disse-lhe o poeta alagoano, que logo acrescentou, rindo: mais parece nome de monarquista (AGUIAR, 2000, p.133).
O período entre a chegada de Manoel Bomfim ao Rio de janeiro e a sua conversão em
doutor foi bastante movimentado, social e politicamente, com a abolição da escravidão e a
proclamação da república. Todavia a vida particular de Bomfim seguia em águas mansas, em
1890, formou-se médico defendendo a tese intitulada Das Nefrites e, com o auxílio de
Alcindo Guanabara, ingressou, como médico, na policia. No mesmo ano o sergipano ficou
noivo de Natividade Aurora de Oliveira.
No ano seguinte, Manoel Bomfim e Natividade se casaram. Ainda em 1891, Bomfim
participou de uma expedição no baixo rio Doce a fim de averiguar as condições de vida dos
índios Botocudos, que estavam a vagar nas margens do rio devido a desativação dos
aldeamentos. Para Ronaldo Conde Aguiar, essa foi uma experiência marcante que inspiraria
a ideia do parasitismo social, conforme o autor,
A excursão ao baixo rio Doce foi, para o jovem Manoel Bomfim, uma extraordinária lição de vida e de Brasil. [...] O que mais impressionou Manoel Bomfim foi o imenso contraste entre a pobreza geral das pessoas e as notáveis potencialidades da região, que eram praticamente infinitas, desde que, segundo ele, fossem transformadas num bem comum e não ‘num caudal de riqueza a correr para a mãe-pátria’(AGUIAR, 2000, p.159).
A agitação da vida política reverberou na vida íntima de Bomfim quando Floriano
Peixoto assume a presidência da república, em decorrência da renúncia de Deodoro da
Fonseca. Em meio às discussões a cerca da legitimidade jurídica da ação, Bomfim se
posicionou contrário à investidura do vice-presidente e defendia novas eleições. A
perseguição aos opositores promovida por Floriano Peixoto se aproximou de Bomfim, com
vários de seus amigos presos, quando este descobre que seria pai. Em 1893, Manoel Bomfim
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migra com a família para Mococa, no interior de São Paulo. Segundo Dênis Wagner
Machado,
Em Mococa, Manoel Bomfim optou por manter-se distante de toda e qualquer atividade que o aproximasse da política, bastava-lhe apenas clinicar. Em maio, recebeu a notícia de falecimento de Paulino José, o patriarca dos Bomfim. A consternação pairou sobre a família até meados de agosto, quando nasceu Aníbal, o segundo filho de Manoel e Natividade. Contudo, a alegria durou pouco, em outubro a morte bateu à porta e levou a primogênita do casal. Mesmo tendo testemunhado vários de seus irmãos e irmãs partirem ao longo da vida, a amargura de perder a filha teve um impacto avassalador sobre o sergipano. A aflição por não conseguir salvá-la é percebida por vários pesquisadores como o ponto final da carreira médica de Manoel Bomfim (MACHADO, 2014, p. 45).
O retorno de Bomfim ao Rio de Janeiro ocorreu em 1894. Neste ano nasceu seu filho
Aníbal e para garantir o sustento da família sem seu posto na polícia Bomfim passou a
trabalhar como professor particular, de artigos vendidos a jornais e de revisor de provas
gráficas para o livreiro Francisco Alves. Porém no ano seguinte, por intermédio de Alcindo
Guanabara, Manoel Bomfim foi convidado pelo prefeito do Distrito Federal para assumir o
cargo de subdiretor do Pedagogium, poucos meses depois se torna o diretor da instituição.
Conforme Marcela Cockell Mallmann, “o ingresso de Bomfim no Pedagogium vai balizar sua
trajetória e seu interesse pela educação, sobretudo pelo tema da instrução pública,
despertado pela leitura do reporto of the Commissioner of Education, publicado no A
República” (MALLMANN, 2011, p. 23). Em 1897, Bomfim foi indicado como professor de
moral e cívica na Escola Normal e, em 1898 , torna-se o diretor interino dessa mesma
instituição e posteriormente foi nomeado diretor da Instrução Pública, cargo que exerce até
fevereiro de 1900 quando retorna a seus cargos anteriores. Para além dos diversos cargos e
funções ligadas a educação para os quais Bomfim foi alçado, o ano de 1897 foi marcante pelo
convite que recebeu de Machado de Assis para compor a Academia Brasileira de Letras, no
entanto, alegando motivos pessoais Manoel Bomfim recusou se juntar ao grupo dos imortais,
conforme Ronaldo Conde Aguiar,
Numa sociedade que tinha [...] o pendor de desenvolver permanentemente a desigualdade [...] e cujos meios de expressão e de visibilidade pública eram modestíssimos, estar incluído no seleto rol dos ‘imortais’ representava, na época, não apenas uma distinção, como, sobretudo, uma diferenciação. E foi justamente a esta diferenciação que Manoel Bomfim renunciou ao não aceitar o convite que lhe fez Machado de Assis. Sem perceber, ou – quem sabe? – percebendo o alcance da sua decisão, Bomfim preferiu ficar entre os demais (AGUIAR, 2000, p.202).
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Junto com Olavo Bilac, Manoel Bomfim publicou, entre os anos de 1899 e 1901, dois
livros didáticos, são eles: Livro de composição para o curso complementar das escolas
primárias e Livro de leitura para o curso complementar das escolas primárias. Ao ser
extinta a cátedra de Moral e Cívica, no ano de 1902, Bomfim foi transferido para a cátedra de
Pedagogia, publica o Compêndio de zoologia geral e segue para Europa a fim de estudar
psicologia3, retornando ao Brasil no seguinte. Em 1904 participou da criação da Universidade
Popular de Ensino Livre, iniciativa que duraria poucos meses. Conforme Ronaldo Conde
Aguiar, o ano de 1905 foi repleto de possibilidades, em suas palavras,
Em junho, Bomfim publicou, pela Francisco Alves, A América Latina: males de origem. Em setembro, no Instituto Nacional de Música, proferiu a célebre conferência sobre o ciúme, que gerou debates e réplicas. Ainda em setembro, na condição de paraninfo das formandas da Escola Normal, Bomfim pronunciou o discurso ‘O respeito à criança’, marco do pensamento pedagógico do sergipano. Em outubro, com os jornalistas Luís Bartolomeu e Renato de Castro criou a revista infantil O Tico-Tico, que, por cinquenta anos, será leitura obrigatória de gerações de crianças brasileiras. E, para culminar, foi nomeado, pelo prefeito Pereira Passos, diretor da Instrução Pública do Distrito Federal (AGUIAR, 2000, pp.300-301).
A América Latina: males de origem é uma das obras de maior repercussão de Manoel
Bomfim, nesta obra, contrariando parte da intelectualidade brasileira, o autor negou as
teorias racialistas e determinou que a grande causa do ‘atraso do Brasil’ – da América neo-
Ibérica, como designava – não era a formação mestiça de seu povo, mas sim o
empreendimento colonial exploratório promovido pelos Europeus. Com uma linguagem
marcada por analogias de conceitos biológicos, Bomfim apontou o mal – o parasitismo social
– e prescreveu o remédio: a educação.
Entre os elogios sobre a “A América Latina” destaca-se a virulências dos ataques
desferidos por Silvio Romero nos diversos artigos que publicou na revista Os Anais, que mais
tarde comporiam o livro A América Latina: Analyse do livro de igual título do Dr. M.
Bomfim. Para Ronaldo Conde Aguiar, Manoel Bomfim procurando se esquivar do debate
respondeu a Sílvio Romero em uma carta publicada na referida revista, de modo que,
Silvio Romero bateu firme, sem dó, em Manoel Bomfim, que segundo as regras do campo intelectual, tinha que pôr o time em campo e responder, um a um, os ataques do crítico [...]Bomfim, na verdade, tinha que tomar a iniciativa do embate, valorizar seu contradiscurso, defender destemidamente as suas ideias – e não permanecer praticamente rendido,
3 Conforme Rebeca Gontijo, “em comissão pedagógica nomeada pela prefeitura, segue para a Europa (em Agosto) para estudar psicologia. Em Paris, é aluno de Alfred Binet e George Duma, cujo laboratório – tembém frequentado pelo jovem Piaget – funcionava anexo à Clínica de Jouffroy, em Saint’Anne. (GONTIJO, 2010, p.151)
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braços arriados, diante de um pugilista peso pesado como Romero. [...] é melhor dizer, portanto, que Bomfim não polemizou com Romero simplesmente porque não quis (AGUIAR, 2000, p.357).
Já em 1907, incentivado por Alcindo Guanabara e Pinheiro Machado, Manoel Bomfim
disputou, e venceu, a eleição para uma vaga – por Sergipe – na Câmara dos Deputados. No
seu mandato, assumido em agosto, foi debatedor do projeto de reforma do ensino, que visava
à centralização do ensino, demanda do presidente Afonso Pena. Bomfim, então deputado,
propôs uma emendas que melhor articulassem os esforços do governo Central e estaduais. O
projeto de reforma foi amplamente debatido e, esta empreitada marcada por entraves e
dificuldades na tramitação, acabou engavetado. Manoel Bomfim tenta a reeleição no pleito de
1908, porém não se reelegeu. Anos mais tarde o sergipano apresenta relembra como
funcionava a política: “na lógica das coisas, para a honra da política nacional, o Senado não
podia dar realidade a um projeto que nascera no Jardim de Infância (como era chamado o
ministério de Afonso Pena). Sepultaram-no muito bem sepultado em qualquer comissão”
(BOMFIM Apud AGUIAR 2000, p.407).
Antes de viajarem a Europa4 Olavo Bilac e Manoel Bomfim, publicaram Através do
Brasil, em 1910, pela Francisco Alves – de quem Bomfim se torna sócio, junto com Alcindo
Guanabara, na importação de equipamentos gráficos. O sergipano retornou ao Pedagogium
em 1911 atuou na instituição até a sua extinção em 1919. E, durante esse período, publicou
dois livros fruto de seu trabalho na Escola Normal, são eles: Lições de Pedagogia (1915) e
Noções de Psicologia (1916).
Na década de 1920, o sergipano se dedicou a suas aulas na Escola Normal e a escrita de
alguns livros. Bomfim sentiu os primeiros sintomas do câncer na próstata – que lhe
perseguiu até o fim da vida –, no ano de 1925. Sua trilogia sobre o Brasil foi escrita durante o
tratamento, o primeiro livro O Brasil na América foi publicado em 1929, entre as muitas
cirurgias e tratamentos, sua recepção tenha sido bastante elogiosa, mas a saúde de Bomfim
ainda lhe exigia bastante atenção. O Brasil na História e O Brasil Nação foram publicados
em 1931, escritos no momento mais critico da saúde de Manoel Bomfim. Sobre os Brasis,
Ronaldo Conde Aguiar
O Brasil Nação constitui, juntamente com O Brasil na América e O Brasil na História, uma espécie de súmula do pensamento de Manoel Bomfim acerca da evolução histórica e política da sociedade brasileira. Tão admirável quanto A América Latina: males de origem, tem sobre essa a vantagem de ser obra de maturidade, o que talvez lhe tenha permitido manejar melhor
4 Comissionado pelo governo do Distrito Federal, Bomfim retorna a Europa para estudar e pesquisar a organização do ensino técnico-profissional.
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determinados conceitos e substituir o vezo ‘ilustrado’ dos seus primeiros textos sociológicos por uma visão mais concreta e objetiva da realidade (AGUIAR, 2000,p.495).
Manoel Bomfim faleceu no dia 21 de abril de 1932. Porém, antes de morrer ditou a obra
Cultura e Educação do Povo Brasileiro ao amigo Joracy Camargo, esta foi publicada em 1933
e agraciada com o segundo lugar do prêmio Francisco Alves.
A Educação para Manoel Bomfim
Em um artigo publicado em 18975, Manoel Bomfim afirmou que a leitura de um
trabalho estrangeiro – Report of the Commissioner of Educations – fizera com que a
Educação, sobretudo a instrução popular, se abrisse como área de interesse. Cerca de um ano
antes, o sergipano havia assumido o cargo de subdiretor do Pedagogium. Alinhando o novo
cargo com o despertar das leituras nota-se uma inflexão na sua vida profissional, Bomfim
acabaria deixando a medicina e passando a se dedicar a educação. O que faria,
aproximadamente, pelos 30 anos seguintes. A erudição e experiência profissional de Bomfim
foram subsídios para diversas obras, dentre as quais foram selecionadas algumas6 com o
intuito de aproximar das ideias de Manoel Bomfim acerca da educação.
O caminho para a modernidade que Bomfim vislumbrava passava pelo aprimoramento,
tanto do indivíduo quanto da nação, e dependeria da educação; tal compreensão permite
aproximá-lo da ‘ideologia ilustrada’. Bomfim defendeu a educação como meio de “redenção
dos nossos males” e como a via para a modernidade, contudo o estado da educação na época,
como apontara Report of the Commissioner of Educations, não permitia esperar que a
educação inspirasse tal progresso, conforme Bomfim a “impressão que me causou essa
leitura, pela insignificância e pobreza patentes dos nossos recursos escolares (...) De então
pra cá só tenho encontrado motivos para maior desconsolo” (BOMFIM apud GONTIJO,
2010, p.64) . Assim sendo, era preciso modificar tal realidade e é nesta seara que Manoel
Bomfim adentrava.
Para André Botelho, Bomfim entendia a educação como “a reunião de diversos recursos
sociais para proporcionar ao individuo e aos diferentes grupos sociais o tipo de formação
requerido pelas transformações mais amplas por que passava a sociedade brasileira”
(BOTELHO, 2009, p.123). Com o advento da República – um regime que se pretendia erigir
5 Artigo publicado originalmente no periódico República e depois agregado ao livro Cultura e educação do povo brasileiro. O contato com o referido texto foi possível através da Coleção Educadores (GONTIJO, 2010).
6 Novamente recorreu-se ao volume sobro Manoel Bomfim da Coleção Educadores que contem excertos de escritos do autor, a obra Lições de Pedagogia (BOMFIM, 1915), o discurso proferido na Câmara dos Deputados (5 de novembro de 1907) além do O progresso pela instrução. (BOMFIM, 1904).
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na participação popular – e a abolição da escravidão tornavam mais uma vez necessário
repensar a nação. Para Bomfim, caberia ao novo regime educar a população para que esta
compreenda seu papel no novo cenário, nas palavras do sergipano,
Recebendo este legado – uma massa popular inculta e incaracterizada – cumpria e cumpre, à República, educá-la, para continuar definitivamente a alma brasileira, dando-lhe a feição republicana, criando a homogeneidade dos interesses nacionais, unificando, desenvolvendo e caracterizando os sentimentos de patriotismo e os altos motivos políticos, elementos indispensáveis à integridade e ao progresso do país, principalmente quando a descentralização veio quebrar os únicos laços que, na ausência desses de ordem moral e intelectual, podiam conservar unida esta grande nação (BOMFIM apud GONTIJO, 2010, p.65).
Portanto, a educação serviria para amalgamar, para conservar a união do Brasil como
uma grande nação. Neste contexto, Bomfim considerava que na educação pública “o que mais
interessa o país é a instrução primária, por ser a que mais refere a grande maioria da nação,
dotando-a com as ideias originais de toda a educação intelectual, por ser a que mais concorre
para a formação do caráter nacional” (BOMFIM apud GONTIJO, 2010, p.64), porém era este
nível do ensino que carecia de maiores investimentos. No discurso que proferiu as formandas
da Escola Normal, no ano de 1903, Bomfim reitera a necessidade de se educar para a
liberdade e exaltar a nação e procurou animar as jovens professoras enaltecendo a tarefa de
educar, em suas palavras,
Logo, para produzir uma nação a todos os progressos, à prosperidade e à perfeição, só há um meio natural e infalível – instruir, educar os indivíduos; nas sociedades que aspiram progredir, o preparo das gerações futuras vem a ser um dos mais importantes dos serviços públicos (BOMFIM, 1904, pp.50-51).
E continua,
Lembrai-vos que ides preparar a corrente tumultuaria da vida, indivíduos, cujas cogitações sejam a própria vida; lembrai-vos que participais de uma democracia, que servis a uma República, e que é vosso dever, pois, preparar os cidadãos para que este regime seja uma realidade. Se, te hoje, democracia, República, e liberdade, são, para nós, aspirações irrealizadas, e das quais já muitos desesperam, é porque nos faltam as gerações de indivíduos educados para a democracia e liberdade7 (BOMFIM, 1904, p.64).
Educar para a liberdade, para a vida. Não era qualquer tipo de educação que formaria o
cidadão livre e atuante que Bomfim almejava, assim, havia a necessidade de ensinar a
aprender e não ser apenas um depósito de conteúdos que não refletiria no seu cotidiano.
7 Grifos meus.
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Partindo das palavras modificação, desenvolvimento e adaptação o sergipano definiu o que
entendia por educação, conforme o autor,
Geralmente lhe atribuímos a ideia de modificação ou correção, e a de desenvolvimento. Efetivamente, na educação, há sempre modificações, e todas elas se fazem como desenvolvimento; mas, apreciada em síntese, a educação é a adaptação do indivíduo às condições da vida humana. A ideia central, ou dominante, no conjunto do conceito é a de adaptação ou preparo. E vem daí o valor que tem a educação (BOMFIM apud GONTIJO, 2010, p.42).
Deste modo, era necessária uma escola que ensine a pensar e a aprender não pode deve
seguir as velhas metodologias, segundo Bomfim “a missão da escola não é fazer sábios, nem
tão somente implantar no espirito do aluno certa dose de conhecimentos; mas sim, tomando
de uma inteligência (...) os conhecimentos são antes um meio que um fim” (BOMFIM apud
GONTIJO, 2010, p.71). Para tal empreitada era preciso que o professorado fosse capaz de
refletir sobre sua prática, que reconhecesse as potencialidades e limites de seus educandos,
além de que fizesse uso de métodos condizentes com a proposta da educação para a
liberdade. No que diz respeito aos métodos empegados na educação do Brasil Bomfim
destacou que era primordial que estes fossem adaptados a nossa realidade, da mesma forma
que os conteúdos tivessem relação com o mundo do educando, assim, conforme o sergipano,
Não quero, com isso, dizer que tenhamos de arvorar o sistema das originalidades, nem que tenhamos necessidade de criar práticas, métodos e teorias originais. Não. A arte de ensinar está hoje tão adiantada nos vários países civilizados, que, quase não precisamos de inventar para o fim de ensinar e educar. Basta que acompanhemos, com interesse, o progresso que a pedagogia vai fazendo nesses países, para que obtenhamos elementos bastantes para desenvolvermos convenientemente o ensino entre nós. Mas é preciso que, colhendo os frutos desse progredir, não o façamos servilmente. As descobertas, os novos métodos e os novos sistemas, antes de empregados, precisam ser inteligentemente estudados e criteriosamente adaptados ao nosso meio, com as competentes correções, e só depois de uma assimilação perfeita é que devemos praticá-los, sem o que, o que poderia ser útil, pode ser funesto. (BOMFIM apud GONTIJO, 2010, p.127)
Tornava-se, portanto, essencial que esse professor tivesse uma boa formação e Bomfim
destacou essa demanda em um discurso na câmara dos deputados para ele “não há ensino
sem professores; a alma do ensino é o professor. Fora o absurdo acreditar no êxito de um
serviço de instrucção com um professorado sem necessário preparo” (BOMFIM apud
DIÁRIOS DO CONGRESSO NACIONAL, 1907, p. 2628).
As várias demandas para a edificação da educação conforme a concepção de Manoel
Bomfim implicava em um grande esforço de reorganização e de ampliação do acesso à
educação no Brasil, mas quem seria o responsável por tantas mudanças? O governo Central
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ou os estados? A Constituição de 1891, reproduzindo a descentralização constante no Ato
Adicional de 1834, “atribuíra aos estados e municípios a responsabilidade pela manutenção e
investimento nas escolas primárias” (MACHADO;SILVA, 2016, p.84).
Apesar da aparente atribuição de competência da carta de 1891, esta foi objeto de
disputas, de acordo com Cury, Horta e Fávero, “a incumbência não privativa da União, no
que se refere à educação escolar, posta do n.2 do art. 35 da Constituição de 1891(...) seria o
motivo de longas discussões ao longo de toda a história republicana” (CURY; HORTA;
FÁVERO, 1996, p.9).
Neste contexto, Bomfim entendia que a fragmentação da educação primária, advinda
da competência dos estados na matéria, era prejudicial tanto para suas propostas quanto
para a educação real e acabou por se tornar crítico das “regalias da federação brasileira”
(BOMFIM apud GONTIJO, 2010, p.66). Em outra passagem, o sergipano comparava o
Brasil com outros países também organizados em federações, ressaltava o estranhamento
com esse efeito descentralizador do federalismo no Brasil e com o descuido do governo
central com o ensino, em suas palavras,
Todos os governos das nações, cujas condições políticas mais se aproximam das nossas, intervêm na organização moral e política da escola primária e contribuem largamente para a instrução popular. Assim é na Suíça, na Alemanha, na Inglaterra e nos Estados Unidos. O que não conheço é país onde o governo central se despreocupe tão absolutamente da instrução primária como entre nós; não sabendo se o povo aprende nem se há escolas, nem o que nelas se ensina; não concorrendo com um ceitil para a instrução do povo, ignorando, por inteiro, tudo o que a isso se refere (BOMFIM apud GONTIJO, 2010, p.67).
Reconhecendo a amplitude das alterações que sugeria para o ensino e as disparidades
entres os estados brasileiros, Bomfim se partidariza a favor da centralização do ensino
primário. No seu artigo de 1897, Manoel Bomfim buscava uma conciliação entre estados e
União a parte das discussões constitucionais, ponderado em reformar a Constituição em
tempos tão conturbados o autor propunha um acordo, um “Por hora só há um meio de
podermos atingir a essa almejada unificação, caracterização e nacionalização da escola
primária – é o acordo voluntário de todos os estados e dos poderes da União” (BOMFIM
apud GONTIJO, 2010, p.68).
Anos mais tarde, mais precisamente em 1907, enquanto deputado federal Manoel
Bomfim mantem-se partidário da centralização do ensino primário, rompeu com a ideia de
acordo entre os entes da federação e reforçou o argumento da educação como necessária ao
exercício da cidadania, em suas palavras
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Assim, a. ínstrucção primária é a mais importante, princípalmente, como já. afirmou, nos regímens demccraticos. Desde que a soberania deixou de ser exercida por um indivíduo só, para ser partilhada pela generalidade dos índivíduos de uma nação, é curial, é logico, é ímprescindivel que estes cidadãos sejam preparados para exercer tal soberania. (BOMFIM apud DIÁRIOS DO CONGRESSO NACIONAL, 1907, p. 2628)
Ainda em meio à querela das competências, Bomfim destacou que o ensino não se faz
sem professores e, portanto, havia a real necessidade de criar Escolas Normais nos estados
que ainda não as possuíssem e, que não haveria como negar a competência da União para tal
empreitada, em suas palavras,
Propõe a creação da escolas por parte da União, admitindo que o faça como qualquer particular, creando-as e mantendo-as. Para a solução deste problema, tem mais importância que a própria fundação de escolas, a organização das escola normaes. Não há ensino sem professores; a alma do ensino é o professor. Fora o absurdo acreditar no êxito de um serviço de instrucção com um professorado sem necessário preparo (BOMFIM apud DIÁRIOS DO CONGRESSO NACIONAL, 1907, p. 2628).
Em outro momento do discurso, Bomfim apresentou o argumento do financiamento da
educação, destacava que a intervenção da União se mostraria mais eficaz “não só pelos
recursos pecuniários que ella oferece, mas principalmente pelo estimulo que dahi se deriva,
oferecendo uma organização modelar, de instrucção primária e normal, (...) suggestão
intensa ao governo dos Estados onde este serviço é defficiente” (BOMFIM apud DIÁRIOS DO
CONGRESSO NACIONAL, 1907, p. 2628).
Como já fora apontado, o projeto centralizador do qual Bomfim foi partidário terminou
aprovado na Câmara e sepultado no Senado. As ideias do sergipano apresentadas no debate
são algumas das que o debate parlamentar contém, entretanto representa a uma das muitas
frentes de luta do educador Bomfim em favor do que acreditava ser a educação e sua função
social.
Considerações Finais
Manoel Bomfim retirava a responsabilidade das raças, e do meio, pela ‘inaptidão e
atraso’ e atribuía ao colonialismo, isto é, não eram as condições biológicas, mas sim as
condições sócio históricas as responsáveis pela situação de atraso do Brasil. Vislumbrava,
portanto, a saída para o “mal de origem” era o desmonte dessa estrutura. Para o sergipano o
caminho da redenção, a via para o progresso, era educação. Como aponta o sergipano “das
verificações feitas nos fatos resultam deduções irrecusáveis. O homem como produto da
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natureza não existe: é a educação que o forma” (BOMFIM apud GONTIJO, 2010, p.137).
Manoel Bomfim se recusava a crer na inaptidão inata, conforme Botelho, ao aderir a ideia de
plasticidade humana, isto é, de ação externa de caráter social em oposição à ideia de propriedades inatas próprias à logica racial na formação e transformação do homem e da sociedade, a educação, tal como entendida (...) pelo autor, permitiu-lhe se contrapor as teses deterministas fundadas nos dogmas da hierarquia natural entre homens e nações (BOTELHO, 2009,p.126).
Assim sendo, dentro dos limites dos regimes de verdade de seu tempo, Bomfim
propagou uma ideia a educação como uma ação possível para a superação do ‘atraso’ se
contrapondo ao determinismo fatalista das teorias racialistas.
Pensando na nação, projetava a educação primária como elemento unificador dos
sentimentos dos brasileiros que se encontravam espalhados em um largo território. Era
através desse nível de ensino que seria difundido os conteúdos necessários para fomentar o
amor a pátria, bem como aqueles necessários para que o homem adaptasse ao seu meio,
pensasse criticamente e exercesse a liberdade. Enorme era a empreitada de difusão do ensino
e preparação do povo para o exercício da cidadania. Para tanto, no pensamento de Bomfim,
era crucial a intervenção da União no ensino uma vez que o governo central era dotado de
recursos pecuniários e teria maior capacidade de ser exemplar, uma referência para as
esferas de ensino estaduais e municipais.
Destaca-se, por fim, que este artigo se configura em uma tímida aproximação as ideias
de Manoel Bomfim relacionadas à educação, acredita-se que o autor tem uma obra
extremamente rica e ainda carece de maior investigação.
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