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Coaching instrucional na formação continuada do professor de línguas D.E.L.T.A., 33.4, 2017 (1209-1233) D E L T A O Efeito de Duas Abordagens de Ensino na Produção Escrita de Alunos de Italiano como Língua Estrangeira The Effect of Two Teaching Approaches on the Italian as a Foreign Language Learners’ Written Production Paula Garcia de FREITAS (UFPR) Rosely Perez XAVIER (UFSC) http://dx.doi.org/10.1590/0102-445038544415849359 RESUMO Este trabalho analisa a produção escrita de dois grupos de estudantes de italiano como língua estrangeira com o objetivo de relacionar o seu desempenho com a abordagem de ensino recebida. O primeiro grupo recebeu ensino explícito de duas estruturas: presente dell’indicativo e passato prossimo, e o segundo grupo foi submetido ao ensino implícito por meio de atividades comunicativas “encharcadas” com as estruturas- alvo, sendo também destacadas no insumo. Unidades didáticas foram elaboradas para atender as abordagens instrucionais. Os dados foram coletados através de pré- e pós-testes e pelas atividades de produção do material elaborado. Os resultados mostraram vantagens diferenciadas para cada grupo. Palavras-chave: Ensino explícito; Ensino implícito; Produção textual; Italiano como língua estrangeira.

O Efeito de Duas Abordagens de Ensino na Produção Escrita de Alunos de … · 2018-01-23 · de língua italiana ... e a automatização do comportamento está na aplicação da

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Coaching instrucional na formação continuada do professor de línguas

D.E.L.T.A., 33.4, 2017 (1209-1233)

D E L T A

O Efeito de Duas Abordagens de Ensino na Produção Escrita de Alunos

de Italiano como Língua EstrangeiraThe Effect of Two Teaching Approaches on the Italian as a

Foreign Language Learners’ Written Production

Paula Garcia de FREITAS (UFPR)

Rosely Perez XAVIER (UFSC)

http://dx.doi.org/10.1590/0102-445038544415849359

RESUMO

Este trabalho analisa a produção escrita de dois grupos de estudantes de italiano como língua estrangeira com o objetivo de relacionar o seu desempenho com a abordagem de ensino recebida. O primeiro grupo recebeu ensino explícito de duas estruturas: presente dell’indicativo e passato prossimo, e o segundo grupo foi submetido ao ensino implícito por meio de atividades comunicativas “encharcadas” com as estruturas-alvo, sendo também destacadas no insumo. Unidades didáticas foram elaboradas para atender as abordagens instrucionais. Os dados foram coletados através de pré- e pós-testes e pelas atividades de produção do material elaborado. Os resultados mostraram vantagens diferenciadas para cada grupo.

Palavras-chave: Ensino explícito; Ensino implícito; Produção textual; Italiano como língua estrangeira.

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ABSTRACT

This paper analyzes the written production of two groups of Italian as a foreign language (ItFL) learners in order to relate their performance to the teaching approach they were exposed to. The fi rst group received explicit instruction on two structures: presente dell’indicativo and passato prossimo, while the second group received implicit instruction with a set of communicative activities containing input fl ood combined with enhancement of the target structures. Teaching units were designed to meet each approach. The data were collected through pre- and post-tests, and the writing activities from the teaching units. The results showed distinct advantages for each group.

Key-words: Explicit teaching; Implicit teaching; Written production; Italian as a foreign language.

Introdução

Aparentemente, o ofício de ensinar pode ser considerado uma tarefa simples quando se tem pouca noção sobre a diversidade de sentidos que tal ato pode ter no ambiente educacional. Para alguns, a ideia de ensinar pode estar associada a “professar um saber” (Roldão, 2007:94) ou sistematizar o conhecimento de modo a facilitar a aprendizagem (Housen & Pierrard, 2005).

Numa perspectiva mais ampla, Ellis (2009) conceitua o ensino de línguas como uma ação sobre a interlíngua do aluno, podendo acon-tecer de forma direta (pela transmissão do conhecimento) ou indireta (pela construção do conhecimento pelo próprio aluno). Essa visão nos permite considerar abordagens explícitas e implícitas para o ensino da língua estrangeira (LE) / segunda língua (L2)1, independentemente do tipo de conhecimento a ser aprendido.

O ensino explícito envolve algum tipo de regra a ser pensada in-tencionalmente durante o processo de aprendizagem (Dekeyser, 2003). Seu objetivo é promover conhecimento metalinguístico e o domínio consciente das estruturas da LE, podendo ser realizado por meio de

1. Neste trabalho, língua estrangeira (LE) e segunda língua (L2) são tratadas como sinô-nimas para se referir a uma língua não nativa.

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estratégia dedutiva, em que a regra é apresentada para a sua aplicação, ou por meio de estratégia indutiva, em que os alunos devem descobrir uma regra a partir da análise de dados linguísticos previamente forne-cidos. Ambas as estratégias são bastante comuns em livros didáticos de língua italiana como LE (ItLE) utilizados no Brasil. É o caso da Coleção In italiano, ancorada na abordagem estruturalista de ensino (Balthazar, 2009) e da Coleção Espresso (e outras) que privilegiam o procedimento APP: Apresentação de uma estrutura ou função comuni-cativa, Prática através de exercícios guiados, e Produção por meio de atividades comunicativas que requerem o uso da estrutura/função.

O ensino implícito, por sua vez, busca direcionar a atenção do aprendiz para o signifi cado/ sentido das informações que compreende ou produz e, em decorrência disso, aspectos linguísticos da LE po-dem ser adquiridos (Focus on meaning – Long & Robinson, 1998). No ensino implícito, há ainda a possibilidade de induzir a atenção do aprendiz para algum aspecto da LE que se mostra frequente ou saliente no insumo (Focus on form – Long & Robinson, 1998). Independente-mente da abordagem (foco no signifi cado ou foco na forma), o objetivo do ensino implícito é promover aprendizagem da LE sem qualquer tratamento explícito dessa língua (Ellis, 2009).

Norris e Ortega (2000), ao realizarem uma meta-análise de estudos experimentais e quase experimentais sobre a efi cácia do ensino explícito e implícito, publicados entre 1980 e 1998, chegaram à conclusão que tipos explícitos de ensino são mais efi cazes do que os tipos implícitos. No entanto, é preciso ter cautela ao se chegar a essa conclusão, devido a fatores como: o contexto da pesquisa (laboratório vs sala de aula), a metodologia utilizada (uso de instrumentos que acabam favorecendo a aprendizagem explícita), a duração (estudos de curto prazo vs estu-dos longitudinais) e o número de participantes envolvidos (poucos vs muitos sujeitos para o poder de generalização dos dados). Além disso, nem todos os aspectos linguísticos, funcionais e pragmáticos de uma LE ou, ainda, os diferentes níveis de complexidade de suas estruturas foram avaliados nesses estudos experimentais e quase experimentais revisados por Norris e Ortega.

O presente trabalho descreve duas abordagens de ensino, uma explícita e outra implícita, ambas conduzidas em contextos educativos

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de adultos aprendendo ItLE, com o objetivo de analisar o efeito de cada uma na produção textual dos alunos contendo estruturas de complexidade distinta: presente dell’indicativo (forma simples) e passato prossimo (forma complexa). É um recorte de uma pesquisa mais ampla (Freitas, 2014) sobre a aprendizagem explícita e implícita dessas estruturas.

Em Italianística2, assim como nos estudos com outras LEs, a re-lação entre estratégias de ensino (explícitas e implícitas) e produção escrita necessita ser aprofundada para que possamos entender como elas infl uenciam no desenvolvimento da capacidade de os alunos pro-duzirem signifi cados por meio de textos.

O artigo se divide em quatro seções. A primeira e a segunda dis-cutem, respectivamente, o ensino explícito e implícito e as teorias de aprendizagem associadas a essas práticas. A terceira seção apresenta a metodologia do estudo: os participantes da pesquisa, as unidades di-dáticas produzidas, os instrumentos de coleta e a forma de análise dos dados. Na quarta e última seção, os dados são apresentados e discutidos. O artigo fi naliza com as conclusões e limitações do estudo.

1. Abordagens de ensino explícito

O ensino explícito busca evidenciar um aspecto da língua com o objetivo de o aluno aprendê-lo conscientemente. É geralmente carac-terizado como uma intervenção do professor que apresenta as formas linguísticas, propõe a sua prática, usa a terminologia metalinguística e requer a atenção direta dos alunos sobre elas (Housen & Pierrard, 2005). É o que Long e Robinson (1998) denominam de abordagem com foco naS formaS.

Teoricamente, o ensino explícito gera conhecimento explícito. Esse conhecimento é caracterizado por Hulstijn (2005) como sendo simbólico, formado por conceitos e categorias. Para Ellis (2004), o conhecimento explícito caracteriza-se por ser declarativo e factual, e fi ca armazenado de maneira consciente, sendo acessado através do pro-cessamento controlado ou automatizado em decorrência da prática.

2. O termo Italianística designa o “campo de estudos que tem como objeto a língua, a literatura e a cultura italiana” (Zingarelli, 2005:959).

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O ensino explícito tem suas raízes em diversas teorias de apren-dizagem, como o behaviorismo (Skinner, 1945), a Teoria Cognitiva (McLaughlin, 1987) e a Teoria de Aquisição de Habilidades (Anderson, 1982, 1993; Dekeyser, 1998). O behaviorismo caracteriza-se pela cria-ção e pelo fortalecimento de hábitos positivos por meio de respostas imediatas a estímulos linguísticos externos, acompanhado de feeback positivo. Nessa perspectiva, aprender LE signifi ca fomentar a prática mecânica, a imitação, o condicionamento, o reforço, a padronização, a modelagem, a repetição e a memorização.

Em oposição ao behaviorismo, que atribui ao meio ambiente papel determinante para a aprendizagem da LE por práticas de estí-mulo-resposta-reforço, a Teoria Cognitiva, defendida por McLaughlin (1987:133), parte do princípio de que a aprendizagem de LE é um “processo cognitivo”, uma vez que envolve “representações internas que regulam e orientam o desempenho na língua”. Essas representa-ções se formam a partir do processamento controlado e automático da informação, além de outros processos envolvidos, como o refi namen-to (tuning) e a restruturação (restructuring). A aprendizagem de LE é, portanto, regulada pelo processamento controlado, o qual exige a atenção focada do aprendiz sobre a informação a ser aprendida. Essa informação só será transferida para a memória de longo prazo através do processamento automatizado. Essa visão de aprendizagem se asse-melha à Teoria de Aquisição de Habilidades3.

Anderson (1982, 1993) defendeu um modelo de aquisição de habi-lidades, denominado ACT (Adaptative Control Theory – Teoria do Con-trole Adaptativo), que consiste em dois estágios: o estágio declarativo (declarative stage) e o procedimental (procedural stage). No primeiro, “o aluno recebe instruções e informações sobre a habilidade. A instrução é codifi cada em um conjunto de fatos sobre a habilidade, e esses fatos podem ser colocados em uso a partir de procedimentos interpretativos gerais para gerar comportamento” (Anderson, 1982:379). É no segundo estágio que o conhecimento declarativo é convertido em uso. O estágio procedimental fortalece as produções interpretativas do conhecimento declarativo e as torna de fácil acesso (automatizadas), alojando-as na

3. O termo habilidade refere-se a “domínios que variam desde a aprendizagem de sala de aula (leitura, aprendizagem de línguas) até a aplicação de habilidades no campo dos esportes e da indústria” (Dekeyser, 2007:97).

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memória de longo prazo. A automatização do conhecimento ocorre por meio da prática, entendida como “o engajamento em uma atividade com o objetivo de se tornar melhor nela” (Dekeyser, 1998:50).

Para o ensino da gramática, por exemplo, a procedimentalização e a automatização do comportamento está na aplicação da regra por meio de exercícios (des)contextualizados (prática estrutural) e/ou de atividades que requerem o seu uso em situações de comunicação (prática comunicativa). O objetivo da prática é fortalecer, aperfeiçoar e automatizar o conhecimento procedimentalizado recém-adquirido, aumentando a velocidade, diminuindo a taxa de erros e a demanda sobre os recursos cognitivos (Dekeyser, 1998). Dessa forma, o conhecimento deixa de ser explícito e controlado para se tornar automático.

No presente estudo, o ensino explícito seguiu a Teoria de Aquisição de Habilidades de Anderson, e consistiu no ensino dedutivo de duas estruturas linguísticas do ItLE de complexidades diferentes (presente dell’indicativo e passato prossimo), seguido de sua prática por meio de exercícios des- e contextualizados, e a sua produção em contexto de uso comunicativo, adotando assim a sequência metodológica APP − Apresentação, Prática e Produção. O momento da produção consistiu em tarefas escritas, como relatos, opiniões, listagens e a elaboração de uma notícia.

2. Abordagens de ensino implícito

O ensino implícito é defi nido como uma ação pedagógica que pri-vilegia experiências com o uso da LE para a compreensão e produção de signifi cados. Esse tipo de ensino se apoia na Hipótese da Percepção Consciente (Noticing Hypothesis – Schmidt, 1990, 1995, 2001, 2010) ou inconsciente do aprendiz (Detection – Tomlin & Villa, 1994). In-dependentemente da disputa teórica sobre a presença ou ausência de consciência (awareness)4 na aprendizagem implícita, o que importa

4. Para Schmidt (1995), a atenção focal e a consciência (awareness) estão inter-relaciona-das, diferente do que Tomlin e Villa (1994) defendem. Para eles, ambas estão dissociadas. O aprendiz pode aprender uma sequência de letras, por exemplo, sem ter consciência analítica sobre ela.

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para esses e outros autores é que aprender uma LE requer a atenção do aprendiz e, portanto, compreende processos cognitivos.

Se considerarmos a atenção como fator essencial para a assi-milação de formas presentes no insumo, e um precursor necessário para a formação e verifi cação de hipóteses, cabe ao ensino implícito direcionar ou atrair a atenção dos alunos para formas linguísticas em uso comunicativo.

A atenção pode ser gerada por uma demanda do próprio aprendiz ou do professor. No primeiro caso, ela envolve percepção autogerada (aprendizagem acidental). Fatores como necessidade comunicativa, conhecimento prévio da LE e as diferenças que o aprendiz percebe entre sua língua materna e a LE podem afetar sua percepção sobre o que aprender (Park, 2011). No segundo caso, o professor promove saliência no insumo para gerar atenção focada do aprendiz. Diferentes estratégias podem ser utilizadas, como a presença frequente de amos-tras ou exemplares de uma determinada forma linguística no insumo (input fl ooding – insumo encharcado) ou, então, o destaque em uma ou mais formas linguísticas (input enhancement – insumo destacado) por meio de recursos tipográfi cos para criar impacto visual (Sharwood Smith, 1993). Tais estratégias, utilizadas no ensino implícito, visam a capturar a atenção do aprendiz para determinados aspectos da LE e, dessa forma, promover percepção consciente (noticing), primeiro passo para a construção da língua, segundo Schmidt (2001).

Para Schmidt (1995:29), noticing é o “registro consciente da ocor-rência de algum evento”. Refere-se a fenômenos percebidos conscien-temente no nível superfi cial, e é condição necessária e sufi ciente para converter o insumo disponível em insumo assimilado (intake).

No presente estudo, o ensino implícito baseou-se na Hipótese da Percepção Consciente – Noticing (Schmidt, 1990, 1995, 2001, 2010). Para isso, os alunos foram expostos a um conjunto de atividades co-municativas contendo insumo duplamente encharcado e destacado das seguintes estruturas: presente dell’indicativo e passato prossimo, sem qualquer instrução prévia (ensino explícito). O alto índice de ocorrência dessas estruturas no insumo e o seu destaque poderiam promover a sua aprendizagem (Han et al., 2008), em virtude da condição que se cria para uma percepção induzida dessas estruturas.

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No ensino implícito proposto para esta pesquisa, o uso das estrutu-ras-alvo aconteceu por meio de atividades de compreensão e produção escrita e oral, todas de natureza comunicativa.

3. Metodologia do estudo

Dois grupos de estudantes de ItLE (G1 e G2) participaram do presente estudo. Para a formação desses grupos, dois cursos paralelos de extensão para iniciantes dessa língua foram ofertados junto ao De-partamento de Línguas Estrangeiras Modernas da UFPR e intitulados “Italiano para o dia-a-dia”. Cada curso teve carga horária total de 22 horas em 11 encontros de 2 horas, sendo um encontro por semana.

O G1 foi composto por 2 homens e 4 mulheres entre 18 e 56 anos, sendo eles expostos ao ensino explícito das duas estruturas-alvo da pesquisa (presente dell’indicativo e passato prossimo). O G2 compre-endeu 2 homens e 6 mulheres entre 19 e 60 anos de idade, que foram submetidos ao ensino implícito dessas mesmas estruturas.

No G1, a maioria dos alunos (4) afi rmou que estava tendo o seu primeiro contato com a língua italiana no curso oferecido, com exceção de dois alunos. Um deles (AE1)5 disse ter vivenciado um contexto de imersão quando trabalhava em um navio e o seu colega de quarto era italiano. O outro (AE5) havia estudado formalmente a língua italiana por dois anos, mas pediu para frequentar o curso por achar que sua experiência “não tinha sido produtiva”. No G2, nenhum dos partici-pantes havia estudado italiano formalmente, mas a maioria (5) afi rmou ter contato com essa língua por meio de músicas, fi lmes e internet. Um deles (AI8) havia morado na Itália por 2 meses, aprendendo o idioma por imersão.

5. Nesta pesquisa, AE corresponde aos alunos que frequentaram o curso explícito e AI os alunos que participaram do curso implícito. Os números que seguem a abreviatura listam os participantes do grupo.

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3.1. As unidades de ensino

Para analisar o efeito de cada abordagem de ensino na produção textual do G1 e G2, quatro unidades didáticas foram desenvolvidas: duas unidades para o G1 (presente e passato prossimo) e duas para o G2 (presente e passato prossimo).

Essas estruturas (presente e passado) foram escolhidas pelas se-guintes razões: primeiro, porque o conhecimento desses tempos verbais é considerado essencial para que o usuário dito “elementar” no QECR6 se comunique. Nesse nível de aprendizagem o usuário deve ser capaz de falar de assuntos familiares e descrever a própria experiência de maneira simples (Conselho da Europa, 2001:49). Consideramos que, para falar da própria experiência, é necessário saber usar os verbos no presente e passato prossimo.

Outra razão está no valor implicacional de ambos os tempos ver-bais, isto é, o conhecimento do passato prossimo implica o conheci-mento do presente dell’indicativo e, por essa razão, são os primeiros a serem adquiridos considerando os estágios aquisicionais do sistema verbal (Banfi & Bernini, 2003).

A complexidade linguística também foi fator decisivo para a es-colha dessas estruturas, pois a formação do presente dell’indicativo é menos complexa do que a formação do passato prossimo. Para se ter uma ideia, o presente dell’indicativo apresenta semelhanças com o seu correspondente no português. Assim como nessa língua, no italiano as terminações do infi nitivo –are, -ere e –ire são removidas do radical, ao qual são acrescentadas as desinências verbais do presente (Dardano & Trifone, 2002). Portanto, para a sua conjugação, estão envolvidos somente alguns componentes morfológicos (desinência verbal de nú-mero e pessoa do presente do indicativo), como na língua materna dos participantes desta pesquisa.

O passato prossimo, por outro lado, é um tempo verbal composto (ho fatto) e pode ser considerado uma estrutura complexa para falantes do português por não seguir a morfologia do pretérito perfeito dessa língua (fi z). Para a formação do passato prossimo, é necessário o uso de

6. Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas.

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um verbo auxiliar (essere ou avere) que, além de ter uso e signifi cado próprios (essere = ‘ser’ e ‘estar’ / avere = ‘ter’), “permite a formação dos tempos compostos com valor de passado” (Serianni, 1989:391). Esses verbos auxiliares, conjugados no presente e seguidos de parti-cípio passado do verbo principal, formam o passato prossimo desse verbo. Assim, as construções “è partita” e “ho visto” correspondem a “partiu” e “vi” na língua portuguesa.

A complexidade desse tempo verbal se acentua quando o aluno tem que defi nir o auxiliar a ser usado junto ao particípio passado do verbo principal. De acordo com Sabatini (1984), verbos transitivos diretos e alguns indiretos pedem o auxiliar avere, enquanto verbos impessoais na voz passiva e intransitivos requerem o auxilar essere. Mesmo com essa classifi cação, “não é possível dar uma regra que permita estabelecer qual auxiliar deva ser usado com cada verbo intransitivo” (Serianni, 1989:392). Soma-se a esse fato o particípio passado do verbo principal ter que concordar com o sujeito em gênero e número quando o auxiliar for essere. Em exemplos como Paolo è partito, Maria è partita, Paolo e Leonardo sono partiti e Anna e Maria sono partite, a desinência fi nal do particípio passado muda: –o e –a indicam, respectivamente, a forma singular do gênero masculino e feminino, enquanto que as desinências –i e –e indicam o masculino e o feminino plural. Por outro lado, se o auxiliar for avere, o particípio passado não sofre alteração7, conforme Sabatini (1984).

As unidades produzidas para o G1 privilegiaram o ensino dedutivo das estruturas-alvo, acompanhado de exercícios descontextualizados e contextualizados, fi nalizando com a prática comunicativa. Em cada unidade (uma para o presente e a outra para o passado), um quadro ex-plicativo da estrutura-alvo foi fornecido e, juntamente com a explicação da professora8, confi gurava a fase de apresentação da estrutura.

Na sequência, duas atividades foram propostas na forma de exercí-cios: uma com sentenças para serem completadas com a forma correta dos verbos fornecidos, e a outra com mini textos para serem comple-tados com o verbo defi nido pelo aprendiz de acordo com o sentido do

7. Exceto quando o complemento objeto está sob a forma de pronome, como em Il cioccolato l’ho mangiato e la pasta l’ho mangiata.8. A professora do G1 e do G2 foi a primeira autora deste artigo.

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texto, ambas confi gurando a fase da prática estrutural. Esses exercícios privilegiaram a conjugação de verbos na 1ª pessoa do singular (io), 3ª pessoa do singular (lei, lui) e 3ª pessoa do plural (loro).

A última seção das unidades de ensino do G1 consistiu em três atividades comunicativas, cada qual destinada a suscitar a produção escrita-oral de verbos na 1ª pessoa do singular, 3ª pessoa do singular e 3ª pessoa do plural, respectivamente. Essas atividades também estiveram presentes nas unidades de ensino do G2 para fi ns de comparação.

As unidades elaboradas para o G2, por sua vez, contemplaram atividades comunicativas. Elas envolveram as estruturas-alvo destaca-das (em negrito, sublinhadas e em fonte 14) e encharcadas em textos didatizados9.

Um total de 18 atividades comunicativas foi elaborado, 9 para a unidade do presente dell’indicativo e 9 para a unidade do passato prossimo. Em cada unidade de ensino, as três primeiras atividades (Seção 1) visaram a atrair a atenção dos alunos para as formas verbais de 1ª pessoa do singular. As três atividades seguintes (Seção 2) lida-ram com verbos na 3ª pessoa do singular, e as três últimas atividades (Seção 3) direcionaram a atenção dos alunos para verbos na 3ª pessoa do plural.

A primeira atividade de cada seção iniciava com a leitura de um texto contendo os verbos conjugados na pessoa-alvo em destaque, com o objetivo de induzir a atenção dos alunos sobre as conjugações, para então fomentar a produção escrita e oral. Seguem dois enunciados de atividades comunicativas utilizadas no material:

Attività 1 – Leggi i post con le descrizioni delle giornate di due persone. In base alle descrizioni, completa il quadro, in portoghese, con le cose che fanno. Alla fi ne, racconta a tutto il gruppo quali sono le azioni comuni tra i due personaggi. Racconta in italiano. [Atividade 1 – Leia os posts com as descrições do dia-a-dia de duas pessoas. Com base nas descrições, complete o quadro, em português, com as coisas que elas fazem. Ao fi nal, relate para toda a classe as ações em comum entre os dois personagens. Faça o seu relato em italiano.]

9. Segundo Cepollaro (2003), o texto didatizado nasce do material autêntico sobre o qual são feitas algumas adaptações para fi ns de compreensão e percepção consciente (noticing).

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Attività 2 – Guarda il video di una donna che fa turismo a Venezia. Fa’ attenzione alle azioni che la turista realizza e identifi ca quale dei due diari di viaggio riproduce la sua giornata nella città. Alla fi ne, di’ quali informazioni non vanno d’accordo con il video. [Atividade 2 – Assista ao vídeo de uma turista que passeia por Veneza. Preste atenção às ações que ela realiza e identifi que qual dos dois diários de viagem reproduz o seu dia na cidade. Ao fi nal, relate as informações que não correspondem ao que é apresentado no vídeo.]

Para comparar o desempenho dos grupos, as unidades didáticas centraram em verbos regulares em -are, -ere e -ire, fl exionados na 1ª e 3ª pessoas do singular e na 3ª pessoa do plural, com especial atenção ao verbo pulire nessas três pessoas, que é fl exionado com –ISC, e os irregulares fare (fazer) e andare (ir). Essa delimitação foi necessária para evitar excesso de saliência no insumo.

Vale ressaltar que os enunciados de todas as atividades do material foram redigidos em italiano, assim como as aulas foram conduzidas nessa língua em ambos os grupos.

3.2. Coleta e análise de dados

Para este artigo, os dados consistiram nos textos escritos que os alunos redigiram em dois testes aplicados em três momentos distintos. O primeiro teste envolveu o uso do presente dell’indicativo e o segundo teste, o passato prossimo. Cada teste compreendeu três atividades de produção escrito-oral, cujos enunciados foram redigidos em português para melhor compreensão dos alunos, conforme mostra o Quadro 1.

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Quadro 1 – Enunciados das atividades dos testes 1 e 2.

Teste 1Presente dell’indicativo

Teste 2Passato prossimo

Attività 1 O que você faz durante o dia? Você tem cinco minutos para planejar sua resposta em italiano, no quadro abaixo. Ao término dos 5 minutos, você vai gravar sua resposta em áudio.

Suponha que você tenha visitado a cidade de Roma no ano passado. O diário abaixo registra, de forma sintética, as coisas interessantes que você fez. Com base nele, conte aos seus amigos italianos o que você fez. Você tem 10 minutos para planejar sua resposta em italiano e gravar a sua fala em áudio, como se estivesse contando a sua viagem para os seus amigos.

Attività 2 Observe as imagens e relate, em italiano, o que Maria faz durante o dia. Você tem cinco minutos para planejar sua resposta no quadro abaixo. Ao término dos 5 minutos, você vai gravá-la em áudio.

*PARA AS MENINAS – Suponha que você achou a agenda de um rapaz que a sua amiga italiana está paquerando. Antes de devolver, você avisa a sua amiga, que fi ca curiosa para saber o que o rapaz fez no sábado passado. A agenda abaixo registra todas as ações do rapaz. Com base nela, conte tudo o que ele fez nesse dia para a sua amiga. Você tem 10 minutos para planejar sua resposta em italiano e gravar a sua fala em áudio.

Attività 3 Carlo e Anna são casados e fazem juntos diversas atividades. Abaixo estão listadas as ações que o casal realiza ao longo da semana. Relate-as oralmente em italiano, mas, primeiro, você tem cinco minutos para planejar sua resposta no quadro abaixo. Ao término dos 5 minutos, você vai gravar sua resposta em áudio.

Suponha que, em sua viagem à Itália, você tenha presenciado um assalto a um supermercado. As imagens abaixo retratam o que você viu. Com base nessas imagens, conte ao policial italiano tudo o que aconteceu. Você tem 10 minutos para planejar sua resposta em italiano, no quadro abaixo. Ao término desse tempo, grave a sua fala em áudio.

*. Uma versão correspondente aos meninos também foi fornecida neste teste para que o contexto pudesse ser diferenciado para os alunos do sexo feminino e masculino.

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Cada teste foi aplicado em três momentos distintos: (1) antes da implementação da unidade de ensino correspondente à estrutura-alvo (pré-teste), (2) depois de a unidade ser concluída (teste imediato) e (3) duas semanas após a implementação da unidade (teste postergado). O objetivo foi avaliar as produções textuais dos alunos antes e após a abordagem de ensino recebida (pré-teste → teste imediato) e entre o término da instrução e após um tempo prolongado de assimilação da estrutura (teste imediato → teste postergado).

As atividades comunicativas do material instrucional do G1, tam-bém presentes no material do G2 para fi ns de comparação, geraram dados que também foram considerados na análise. A produção escrita dos alunos nessas atividades, no pré-teste e nos pós-testes (imediato e postergado) foi analisada em termos de precisão gramatical no uso das estruturas-alvo, natureza dos erros, complexidade sintática e discurso produzido.

É importante salientar que o emprego correto de uma estrutura linguística não implica necessariamente a sua adequação no contexto de uso, como já afi rmava Widdowson (1978). Por essa razão, para este estudo, a precisão gramatical foi analisada a partir da incidência total de erros no texto do aluno pelo número de T-units10 (erros/ T-unit). Quanto mais próximo de zero for o número de erros, melhor o desempenho do aluno em sua produção escrita.

A conversão dos textos em T-units permitiu ainda avaliar a com-plexidade sintática. De acordo com Ellis e Barkhuizen (2005), produ-ções formadas majoritariamente por orações independentes sugerem um nível de complexidade menor do que produções contendo orações coordenadas e subordinadas. Procurou-se verifi car o incremento no número de orações subordinadas nas produções dos alunos do pré-teste para os pós-testes. Na próxima seção, analisamos as produções escritas dos alunos.

10. T-unit é a “menor unidade na qual um trecho do discurso pode ser cortado sem dei-xar fragmentos de frases como resíduos” (Hunt, 1970:189), o que permite “quantifi car o discurso” (Polio, 1997:120). Ela é formada por uma oração independente e por todas as orações subordinadas a ela.

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4. Análise e discussão dos dados

Os dados permitiram afi rmar que as abordagens de ensino, tanto ex-plícita como implícita, tiveram efeitos positivos nas produções textuais dos alunos, demonstrando diminuição de erros em construções verbais de 1ª e 3ª pessoas do singular e de 3ª pessoa do plural do presente dell indicativo e do passato prossimo, observada nos pós-testes.

Os gráfi cos 1 e 2, a seguir, sintetizam os resultados11 de ambos os grupos no uso das duas estruturas, sinalizando uma queda considerável no número de erros por T-unit do pré-teste para o teste imediato.

Gráfi co 1. Desempenho do G1 e G2 quanto ao uso do presente dell’indicativo.

Gráfi co 2. Desempenho do G1 e G2 quanto ao uso do passato prossimo.

Os gráfi cos acima mostram que o ensino explícito foi mais efi caz do que o ensino implícito para o uso da estrutura simples (presente dell’indicativo) e complexa (passato prossimo) nas produções textuais postergadas. Este dado corrobora autores que sugerem haver relação entre o tipo de ensino e a aprendizagem de determinadas formas linguísticas (Schmidt, 1995; Williams & Evans, 1998). Williams e Evans (1998) e Andrews (2007), por exemplo, concluíram que o uso da estratégia explícita foi mais infl uente na aprendizagem de estruturas complexas (voz passiva e orações relativas) em relação à estratégia implícita utilizada, o que também parece ser o caso desta pesquisa com a estrutura do passato prossimo. Igualmente, Williams e Evans (1998, cf. 232-233) afi rmaram que estratégias explícitas apresentam melhores resultados para o aprendizado de estruturas simples (facil-

11. Para maiores detalhes, sugerimos a leitura do Capítulo 5 de Freitas (2014).

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mente verbalizadas), o que também corrobora os resultados obtidos neste estudo, no teste postergado.

Segundo Han et al. (2008:612), “o ensino explícito é conhecido por ser rápido em provocar mudanças superfi ciais instantâneas no comportamento do aprendiz em comparação ao ensino implícito, cujo impacto na aprendizagem – especialmente no domínio da morfossintaxe – pode levar tempo para ser construído e sentido”. Pelo fato de o G2 ter vivenciado um ensino que dividia sua atenção entre o signifi cado pragmático e a forma linguística (Foco na Forma – Long & Robinson, 1998), mais tempo seria necessário para a apropriação de ambas as estruturas.

Isso não signifi ca dizer que o G2 não fora capaz de utilizar as estruturas-alvo corretamente em suas produções textuais. No teste postergado, cinco alunos do G2 foram capazes de acertar 100% das conjugações utilizadas em suas produções, como a forma verbal de 1ª pessoa do singular da estrutura simples (AI3 e AI6) e complexa (AI8), 3ª pessoa do plural da estrutura simples (AI8) e 3ª pessoa do singular da estrutura complexa (AI5, AI7). O mesmo aconteceu com quatro alunos do G1 nas seguintes pessoas do discurso: 3ª pessoa do singular da estrutura complexa (AE1, AE3, AE6) e a 3ª pessoa do plural da estrutura simples (AE4, AE6) e complexa (AE3, AE4).

Se, por um lado, alguns alunos do G1 e G2 evidenciaram o do-mínio pleno das estruturas-alvo no teste postergado (em determinadas pessoas do discurso e no tempo presente / passado), por outro, houve alunos (do G2, principalmente) que apresentaram oscilações entre o uso correto e incorreto das estruturas-alvo.

A coexistência do uso correto e incorreto de uma determinada for-ma verbal do presente ou passado foi observada em um mesmo texto e, também, em momentos diferentes da produção textual dos alunos. No exemplo a seguir, AI1 utiliza formas corretas e incorretas para os verbos fare (faccio, facchio*) e mangiare (mangio, manjo*), sugerindo que as estruturas estavam ainda em processo de apropriação.

AI1: Io me alzo alla nove e faccio la colazione. Io no mangio molto la mat-tina. Dopo, io accendo el PC e lavoro alla mezzogiorno. Io preparo il pranzo e manjo* avante la TV. Alle tredici io pulisco la casa, dopo io lavoro el PC. Alla diciasete io faccio la duccia e alle diciotto io preparo la cena. Io ceno

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con mio marito, leggio* e studio, guardamos la tv e alle omdici, io voi* a dormire. Quase tutti giorni della settimana, io facchio questo.

Do teste imediato para o teste postergado, o percentual de acertos das estruturas-alvo diminuiu, principalmente para os alunos do G2, que utilizaram construções verbais corretas no teste imediato, mas que, no teste postergado, essas construções foram formuladas incorretamente. A tabela abaixo ilustra alguns exemplos de altas porcentagens de acertos das estruturas-alvo no teste imediato, mas que não se mantiveram no teste postergado, gerando assim instabilidade no seu uso.

Tabela 1 – Percentual de acertos no teste imediato e postergado para alguns alunos do G1 e G2.

G1/G2 Forma verbal / estrutura-alvo Teste imediato Teste postergado

AE4 1ª pessoa do singular do presente do indicativo 62% 47%

AE2 1ª pessoa do singular do passato prossimo 92% 85%

AI4 3ª pessoa do singular do presente do indicativo

83% 30%

AI5 1ª pessoa do singular do passato prossimo 75% 58%

Essa diminuição no percentual de acertos sugere que esses alunos estavam em processo de restruturação12 ou, possivelmente, em curvas de aprendizagem em forma de U (U-shaped learning curve)13, indi-cando que estavam em processo de transição entre padrões baseados em regras e padrões associativos com outras estruturas. Esses e outros dados sugerem que a aprendizagem não é um processo monolítico, linear e acumulativo de melhorias (Carlucci & Case, 2013).

12. Restruturação são “mudanças qualitativas que acontecem quando a informação é reorganizada em novas categorias.” (cf. RESTRUCTURING. In An A-Z of ELT [online]. Disponível em: <https://scottthornbury.wordpress.com/tag/restructuring/>. Acesso em: 19 jan. 2017.13. “[...] a aprendizagem em forma de U é um comportamento em que o aluno inicialmente aprende o correto e, então, abandona esse comportamento e, fi nalmente, retorna a ele” (Carlucci & Case, 2013:57), gerando uma curva em U.

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Outro aspecto interessante observado nos textos dos alunos foi a natureza dos erros. No G1, as produções pareceram ter recebido maior infl uência da língua materna e de outras línguas (erros interlinguais), enquanto que as produções do G2 apresentaram maior infl uência da língua-alvo (erros intralinguais). Essas infl uências podem estar asso-ciadas ao tipo de ensino recebido. No ensino explícito, marcado por exercícios descontextualizados e distantes da linguagem como prática social, maior incidência de transferência da L1 poderia acontecer, pois os alunos contam com, basicamente, processamentos ascendentes (bottom-up processing) para a sua aprendizagem.

No ensino implícito, por outro lado, processamentos ascendentes e descendentes (top-down processing) contribuem para a compreensão e a aprendizagem da LE. Cabe ao aprendiz formular hipóteses com base no comportamento das estruturas nos contextos de uso da língua-alvo aos quais ele está exposto. Assim, erros resultantes da própria LE seriam mais comuns. As produções a seguir, exemplifi cam o fenômeno observado no teste postergado:

Quadro 2 – Texto produzido por AE3 e AI5 que ilustram a natureza dos erros mais comuns nos dois grupos.

AE3: Tutti giorni io faccio colazione alle 7. Dopo, ando alla universidad e estudo con mi amigi. Alle 13, io mangio con mia nona. Dopo faccio tutti la lezzioni e leggo tutti il libro. Alle 6 de la sera, io preparo la cena para mia famiglia e noi cenamo. Dopo guardo la TV e è tutto fi nito.

AI5: Alle 8.00 ho fatto colazione e dopo faccio la docci vado a mio lavoro. Alle 9:00 ho inicio mio lavoro a 13:00. Dopo ho pranzo e dopo i ritorno a mio lavoro a 20;00. Dopo ho vado mia casa com mio marito. Noi mangiamo, ho ascolto la musica, ho ledo livri, ho accendo le PC e dopo ho vado a dormire.

Os verbos grifados nos textos de AE3 e AI5 foram conjugados incorretamente na 1° pessoa do singular do presente dell’indicativo. No texto de AE3, as formas ando para o verbo andare e estudo para o verbo studiare sugerem a transferência de formas do português para o italiano, quando deveria ser vado e studio. Foram, portanto, considera-dos erros interlinguais. No texto de AI5, por outro lado, os verbos de 1° pessoa do singular do presente dell’indicativo foram formulados com o uso de auxiliar (ho fatto, ho pranzo), assemelhando-se à construção

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do passato prossimo, ao qual o aluno havia sido exposto antes do teste postergado. Foram, portanto, considerados erros intralinguais. Cabe ainda salientar que, no texto de AI5, coexistem formas de 1° pessoa do singular do presente dell’indicativo conjugadas corretamente (pranzo, vado, ascolto, accendo).

Em relação à complexidade sintática das produções do G1 e G2, foi possível observar um leve aumento no uso de frases subordinadas nas produções de ambos os grupos, do pré-teste para o teste imediato e desse para o teste postergado. No pré-teste, as produções eram com-postas, essencialmente, por frases curtas, separadas por ponto e vírgula ou ponto fi nal. Nos dois pós-testes, observamos o uso das conjunções quando e perché.

Os dados ainda mostraram que os textos produzidos no teste pos-tergado pelo G2 foram um pouco mais complexos do que os textos produzidos pelo G1, tanto para a estrutura simples como para a estrutura complexa, como mostram os gráfi cos 3 e 4 a seguir.

Gráfi co 3. Complexidade sintática das produções do G1 e G2 nos testes com o presente dell’indicativo.

Gráfi co 4. Complexidade sintática das produções do G1 e G2 nos testes com o passato prossimo.

De acordo com os gráfi cos acima, há um incremento maior de frases subordinadas no G2 em relação ao G1, do teste imediato para o teste postergado. Em termos numéricos, a diferença não é represen-tativa, mas é possível sugerir que o ensino implícito contribuiu para a produção de textos sintaticamente mais complexos.

Com relação ao discurso produzido por ambos os grupos, os dados permitiram afi rmar que os alunos do G2 imprimiram certa veracidade aos seus textos, deixando clara, em suas produções, a presença de um

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interlocutor (AI3 – ascolta Grillo!; AI8 – Ciao amica, come stai?; AI5 – Signore carabiniere), a sua identidade pessoal (AI3 – Ma questo no mi piace; AI8 – Però io penso che tu sei piu bella che Silvia) e emoções (AI5 – OH, paura!; che paura novamente!). Segundo Joy (2011), essa é uma maneira de o aluno dar autenticidade ao texto, construindo identidade própria numa comunidade discursiva específi ca de sala de aula. Podemos assim afi rmar que o G2 buscou dar maior autenticidade à sua produção escrita.

No G1, por outro lado, as produções textuais não mostraram criar situações espontâneas de comunicação. Os textos se limitaram a frases que simplesmente contextualizavam o verbo, sem compromisso com o propósito comunicativo de seus enunciados. Essa tendência pode ser explicada pelo tipo de ensino ao qual o G1 foi exposto, isto é, marcado pela prática mecanizada que, por natureza, não engaja o aluno no com-portamento comunicativo. O Quadro 3, a seguir, compara dois textos, um do G1 (AE4) e o outro do G2 (AI1), ambos referentes a uma das atividades de produção escrita14 do material instrucional.

Quadro 3 – Texto produzido por AE4 e AI1 contando o que fi zeram em uma viagem pela Itália, a partir de ilustrações fornecidas.

AE4: Io ho visitato la citta de Roma ano passsado i ho visitato Colosseo i ho comprato souveniers per mi famiglia. Io ho mangiato en un ristorante in Piazza Navona. Io ho fatto una foto nella Fontana di Trevi e ho jogato una moneta per tornare in Italia [...]

AI1: Ciao amici, la settimana scorsa io ho visitato la Italia! Sette giorni... primo a Roma, Lei è uma belíssima città. Em mio primo giorno ho visitato il coloseo. è multo grande mesmo. Lá ho comprato regalos per tutta la famiglia. La sera ho serato en um ristorante nella piazza Navona. Una comida più buona! N’altro giorno io ho giocato una moneta nella Fontana di Trevi. Tu deve andare a Roma! [...]

No texto de AI1, observa-se a presença de um interlocutor (ciao amici), opiniões/ comentários (lei è uma bellissima città; è multo

14. Attività: Riceverai un cartoncino con fi gure di alcuni posti famosi d’Italia. Immagina che tu abbia visitato tutti questi posti in un viaggio di 7 giorni. In base alle fi gure, scrivi un testo, in italiano, raccontando a un(a) amico(a) cosa hai fatto durante il viaggio. [Atividade: Você receberá um cartãozinho com fi guras de alguns lugares famosos da Itália. Imagina que você tenha visitado esses lugares em uma viagem de sete dias. Com base nas fi guras, escreva um texto, em italiano, contando a um amigo o que você fez durante a viagem.]

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grande mesmo; una comida più buona) e conselhos (tu deve andare a Roma!), diferente da produção de AE4, que apresenta orações curtas, ligadas pela conjunção “e”, nas quais o aluno justapõe as ações que teria realizado em sua viagem à Itália.

Com base nas análises aqui realizadas, passamos para as con-clusões.

Conclusão

Este estudo mostrou haver relação entre as abordagens de ensino utilizadas e a produção escrita dos alunos. A abordagem explícita foi capaz de promover textos mais precisos, uma vez que a maioria dos alunos do G1 usou corretamente as formas de 1ª e 3ª pessoas do sin-gular e de 3ª pessoa do plural dos verbos regulares (-are, -ere e –ire) e irregulares (fare e andare), no presente dell’indicativo e no passato prossimo. A abordagem implícita também contribuiu para textos acu-rados; porém, sem tanta efi cácia como a apresentada pela abordagem explícita.

É possível sugerir que o ensino explícito, nos moldes adotados - Apresentação, Prática e Produção, mostrou ser mais efi caz para a aprendizagem de ambas as estruturas do ItLE, a simples e a complexa. No entanto, não é possível generalizar esse dado, devido à quantidade limitada de alunos que participaram desta pesquisa.

Por outro lado, o ensino implícito nos moldes adotados – atividades comunicativas com insumo duplamente encharcado e destacado, pro-vocou noticing das estruturas-alvo pelos alunos do G2, mas alguns não pareceram ter entendido as diferenças de usos entre as formas verbais, demonstrando estar em fase de apropriação dessas estruturas.

Embora a abordagem explícita tenha oferecido resultados melhores para o desenvolvimento da competência linguística dos alunos, ela não foi sufi ciente para promover o domínio pleno das estruturas-alvo. Nesse sentido, os dados corroboram a ideia de que a aprendizagem é um processo que leva tempo; não é linear e sofre constantes reestru-turações à medida que novas informações (input) são introduzidas, independentemente da abordagem de ensino utilizada.

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É também possível afi rmar a existência de uma relação entre as abordagens de ensino utilizadas e a natureza dos erros cometidos pelos alunos. O estudo mostrou que as produções do G1 e G2 apresentaram erros interlinguais, resultantes da transferência negativa do português e de outras LEs para a língua-alvo. Porém, com o tempo, o G2 começou a apresentar maior número de erros intralinguais, desencadeando proces-sos de supergeneralização (overgeneralization) de formas aprendidas para casos em que a regra não se aplicava. A supergeneralização faz parte do processo natural de aquisição de uma língua (estrangeira e materna) e, portanto, mais propícia de acontecer no ensino implícito.

Os dados ainda permitiram afi rmar que o ensino implícito pode ser benéfi co para o desenvolvimento de textos complexos do ponto de vista sintático, lexical e discursivo, possivelmente em decorrência da exposição dos alunos a contextos de uso propositado da língua.

Em estudos futuros, seria interessante considerar uma população maior e mais homogênea em termos de idade para permitir a genera-lização dos dados. Da mesma forma, um terceiro grupo poderia ser criado, submetido a uma abordagem explícita sem a fase da produ-ção comunicativa, de modo a verifi car se os resultados obtidos nesta pesquisa para o G1 foram decorrentes da prática comunicativa ou da prática estrutural. Será que os resultados seriam os mesmos em um contexto cujo conhecimento declarativo fosse seguido somente de prática estrutural, sem a presença de prática comunicativa?

Recebido em: 07/03/2017Aprovado em: 23/07/2017

E-mails: [email protected]@ufsc.br

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