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IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL”
Universidade Federal da Paraíba – João Pessoa – 31/07 a 03/08/2012 – Anais Eletrônicos – ISBN 978-85-7745-551-5
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O EMARANHADO POLÍTICO AMARALISTA E O ALASTRAMENTO DA EDUCAÇÃO RURAL FLUMINENSE (1937‐1955)
Raquel Souza de Barros [email protected]
(UFRJ/PIBIC/CNPq)
Resumo
A seguinte proposta de trabalho encontra‐se inserida na área da história da educação, em diálogo com a história política do Estado do Rio de Janeiro, ao investigar a ampliação e as transformações da educação primária nas áreas rurais dos municípios fluminenses, processo articulado ao projeto político de Amaral Peixoto no Estado. Ao buscar referências acerca das instituições de educação agrícola nos jornais que circulavam no interior fluminense, me deparei com um movimento de expansão do ensino primário rural nas regiões do Estado por intermédio do Interventor Federal Amaral Peixoto, então responsável pelo governo estadual no período do Estado Novo (1937‐1945). Tais fragmentos jornalísticos, associados às fontes oficiais referentes aos dois períodos do governo amaralista, apontam para sua atuação na expansão das escolas primárias nas zonas rurais do Estado, e por outro lado mencionavam exigências para a escolarização interiorana,convocando a participação de particulares na ampliação e consolidação de sua política educacional, que privilegiava a educação rural. Sendo nomeado interventor fluminense pelo Presidente Getúlio Vargas, sua primeira iniciativa foi direcionada ao estabelecimento de uma base política que lhe possibilitasse adentrar a vida social e política fluminense, antes desconhecida pelo político. Através de viagens e excursões realizadas às zonas rurais do Estado, Amaral Peixoto se aproximava das lideranças locais e homens ligados às atividades de agropecuária, seduzindo‐os a compartilharem dos seus projetos por meio do discurso de reerguimento do Estado,colocando‐o novamente como sustentáculo do país, segundo representações correntes entre os grupos intelectuais e políticos da antiga província fluminense, no período escravista do café. Assim, a escola rural/agrícola teria grande importância para propagar nos meios rurais a imagem do Interventor Federal como defensor da identidade fluminense e difundir a exaltação às terras produtivas do Estado, alegando seu enorme valor ao Rio de Janeiro e ao país. Diante disso e articulado ao projeto “Expansão e interiorização do ensino primário e profissional‐agrícola no Estado do Rio de Janeiro (1930‐1961)”, nossa proposta visa compreender o movimento de alastramento da escolarização rural por meio da implementação maciça das Escolas Típicas Rurais (E.T.Rs), bem como o fomento de aparatos que legitimavam a presença do Estado do meio rural, identificando como as conexões interpessoais entre líderes locais impulsionaram a instalação dessas escolas e quais os mecanismos usados por Amaral que incentivaram a participação dos fazendeiros e líderes locais na educação fluminense. A investigação foi realizada no Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro,na Biblioteca Nacional,no Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil e na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, onde analisamos periódicos, documentos oficiais, fotografias, filmagens e obras literárias da época. Nesta proposta de trabalho,optamos por investigar tais questões com base em dois recortes temporais,que caracterizam os dois mandatos de Amaral Peixoto no governo fluminense. Palavras‐chave: História da Educação. Escola Rural. Educação Fluminense.
Mais uma escola rural
O Estado do Rio, conta hoje, com mais uma escola rural, da série que o interventor Amaral Peixoto mandou construir nos diferentes municípios
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fluminenses. Trata‐se de uma escola típica rural de Porto Alegre, que foi inaugurada em Ipaperuna, no dia da Bandeira (O Fluminense, 27 nov. 1941)
Debruçando‐se na temática do ensino agrícola/rural no Estado do Rio de Janeiro entre as
décadas de 1920 a 1940, nos direcionamos para a investigação em jornais de circulação no
território fluminense na tentativa de recolher “as vozes silenciadas” daqueles que receberam a
instrução primária agrícola. No decorrer da respectiva verificação, identificamos nos periódicos um
movimento intenso de instalação de escolas rurais no interior do Estado por meio da atuação do
Interventor Federal Ernani do Amaral Peixoto, então responsável pelo Estado do Rio nos dois
governos de Getúlio Vargas: no Estado Novo (1937‐1945) e no período da democratização do país
(1951‐1955). Tais fragmentos jornalísticos apontavam para o empenho do Interventor na
expansão das escolas primárias nas zonas rurais, e por outro lado, mencionavam exigências para a
escolarização interiorana, convocando a participação de particulares na ampliação e consolidação
de sua política educacional.
Após acompanhar Getúlio Vargas como Ajudante de ordens, Amaral Peixoto demonstrou ao
seu patrono estar apto a desencadear negociações entre as lideranças partidárias, usando‐se das
artimanhas políticas aprendidas durante o período que esteve ao seu lado. Almejando se
candidatar ao cargo de Deputado Federal nas eleições de 1937, com o apoio de Vargas, sua
iniciação política obteve novos rumos por circunstância da enfermidade do Almirante Protógenes
Guimarães, então interventor federal fluminense, havendo a necessidade de substituí‐lo
imediatamente, pois necessitava realizar um tratamento intensivo, não podendo permanecer na
capital do Estado. A renúncia do Interventor geraria impasses nas políticas varguistas ao passo que
a nomeação seria destinada ao presidente da Assembleia Legislativa, Heitor Collet, que não
contava com a simpatia do Presidente da República. Logo, os grupos políticos declararam seus
anseios, apoiando ou não a renúncia de Protógenes Guimarães. Diante do quadro, um nome
indicado para a substituição amenizou os confrontos entre oposição – Ernâni do Amaral Peixoto.
Perpetrando laços políticos com o Presidente da República e, respectivamente, sua aprovação
para o cargo, Peixoto estabilizaria os nervos políticos e organizaria as finanças estaduais com a
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equipe administrativa indicada por José Eduardo Macedo Soares, representante da ala de
oposição. O apoio concedido pelo grupo macedista visava preparar o cenário estadual por meio da
interventoria amaralista objetivando o lançamento da candidatura de José Eduardo Soares nas
eleições de 1938.(COSTA,2008; FERNANDES, 2009; MOREIRA,2005)
Aderindo a trama proposta, Amaral Peixoto foi elevado pelo Presidente da República para o
cargo de interventor federal do Rio de Janeiro, no dia 10 de novembro de 1937 . Seu mandato
seria momentâneo até as eleições. Em contrapartida, com o golpe de Estado, o jovem aprendiz
consolidou os saberes do ofício político se tornando o Interventor Federal durante todo o Estado
Novo, a pedido de Vargas, após aprovar sua atuação no governo do Estado do Rio, frente às
alianças tecidas com as lideranças políticas interioranas.
Segundo Pandalfi (1980), os interventores federais durante o Governo de Vargas possuíam
fatores em comuns que os caracterizavam: eram militares, pois o Exército era um dos alicerces de
sustentação do Estado Novo, eram desconhecidos nos Estados que exerciam o cargo ou não
possuíam relações políticas e partidárias, visando evitar descompassos entre anseios de partidos e
os do governo federal. Eram articuladores com a potencialidade de obter simpatia de futuros
eleitores mesmo governando em um período autoritário e eram neutros politicamente.
Enquadrado nesse perfil, o Interventor Federal fluminense se dedicava intensamente no que diz a
respeito às articulações realizadas para aproximação com a população fluminense, por meio das
viagens aos municípios do interior.
Em entrevista ao Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil
(CPDOC/FGV), Peixoto relatou as primeiras atuações na Interventoria do Estado, alegando ter
encontrado dificuldades em lidar com os temas próprios da realidade fluminense. Muitos o
cercavam com assuntos pessoais, de natureza política ou preenchimento de cargos.1 Ele se
queixava sobre o seu isolamento em relação aos grupos políticos, que almejavam impor suas
propostas. Além disso, Amaral Peixoto era desconhecido pela população, que o recebera com
1PEIXOTO, Ernani do Amaral. Artes na política: diálogo com Amaral Peixoto/org. Aspácia Camargo (et.al). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.588p.il (coleção Brasil século 20)
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desconfiança, pois era um homem que de repente tinha sido jogado no governo do estado!
(PEIXOTO, 1986, p. 156). Após a nomeação dos 50 prefeitos dos municípios fluminenses, Amaral
Peixoto buscou estabelecer medidas buscando a formação de uma base política que lhe
possibilitasse adentrar a vida social e política fluminense, antes desconhecida pelo político. O
Interventor Federal do Estado do Rio foi alinhavando alianças, tramas e artimanhas através das
quais teceu seu emaranhado de relações, que lhe possibilitou enraizar na política fluminense, por
intermédio de visitas realizadas no interior do Estado, em especial ao Norte, em Campos dos
Goytacazes. Sua estratégia buscava a organização de redes estabelecidas pela aproximação com
os grandes proprietários de terras e homens ligados às atividades de agropecuária,seduzindo‐lhes
com o discurso de mútuo resgate às raízes fluminenses pautadas nas atividades agrárias,
instituídas no período imperial, conhecido como a Idade de Ouro, e desfragmentadas na Primeira
República.
Conhecendo como poucos, o hinterland fluminense, por ele palmilhado inúmeras vezes, o Comandante Amaral Peixoto, que possui memória privilegiada, conhece e sabe o nome de todos os principais chefes políticos do interior, com os quais sempre manteve correspondência e aos quais recebeu e atendeu sempre que por eles foi procurado. Admirado e estimulado pelo homem do interior, pelos seus méritos de administrador e de amigo, fácil foi o comandante transformar essa simpatia em força política e daí seu incontestável prestígio em todo o Estado (GURGEL, 1950, p. 157)
De acordo com a historiografia fluminense defendida pelo grupo amaralista, o Estado do Rio
era o protagonista político e econômico de todo o país no Império. O desenvolvimento fluminense
espelhava o crescimento não apenas regional, mas nacional. Este status foi sendo alterado pelo
avanço do café no vale do Paraíba paulista, pela abolição da escravidão, pelo surgimento de novas
potências – São Paulo e Minas Gerais – e pela proclamação de República que desestabilizou a
política fluminense, por não consolidar uma base governamental coesa e por complicações no
setor agropecuário no estabelecimento de novas relações de trabalho. Na Primeira República
buscava‐se a recuperação do passado glorioso do Estado por meio da tradição agrarista da região.
Esse discurso é retomado com força no governo amaralista, na qual a intelectualidade elaborou
uma história fluminense reafirmando a permanência de experiências no percurso histórico do
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Estado, assegurando seus valores no atual regime. Almejava‐se a construção de um novo Estado
alicerçado no seu passado triunfante presente na Província do Rio de Janeiro, no qual imperaria o
Interventor Federal Ernani do Amaral Peixoto. Segundo Fernandes (2009), os mecanismos usados
para a construção da imagem heroica do Interventor, bem como o ingresso dos discursos de
recuperação da identidade fluminense foram desencadeados no sistema educacional/cultural
visando difundir nas zonas rurais a exaltação às terras produtivas do Estado, alegando seu enorme
valor ao Rio de Janeiro e ao país. Assim, o alastramento da escola agrícola/rural é compreendido
como objeto de negociação dentro do emaranhado político desencadeado na rede social
amaralista, já que para concretização do reerguimento da economia agrícola seria cabível a
permanência do trabalhador rural na região, manejando adequadamente o patrimônio econômico
fluminense.
Durante a interventoria fluminense, Amaral Peixoto implementou 42 Escolas Típicas Rurais
(E.T.R.s), estabelecimentos instituídos pelo decreto nº 196‐A de dezembro de 1936 que foram
efetivados em seus mandatos. Fomentou as atividades do Aprendizado Agrícola Presidente
Pedreira,em Conceição de Macabú, que no seu governo tornou‐se um poderoso núcleo de
educação primária e agrícola fluminense. (O Fluminense. 2 ago.1941) Retornando ao governo do
Estado em 1951, ele estabeleceu 102 novas escolas rurais, o Internato Rural em Dorândia, a Escola
Normal Rural em Cantagalo, para a formação de professoras primárias para a zona rural no
sistema de internato, recrutando as candidatas em todas as regiões do Estado. Ao lado das
instituições de ensino agrícola/rural, foram introduzidos aparatos sociais que visavam amparar as
populações interioranas isoladas, com os subsídios médicos, culturais, educacionais e de
entretenimento, prevendo assegurar a presença do Estado nas regiões interioranas fluminenses.
Assim, as Escolas Típicas Rurais, bem como outros estabelecimentos de ensino primário e rural
sediavam os pelotões de saúde, as missões culturais, as bibliotecas ambulantes, clubes agrícolas,
teatro de marionetes, cinema educativo, almejando proporcionar ao homem interiorano todas as
condições necessárias para se manter no campo.
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Dessa forma, a seguinte proposta de pesquisa, que se encontra articulada ao projeto
“Expansão e interiorização do ensino primário e profissional‐agrícola no Estado do Rio de Janeiro
(1930‐1961) 2, visa compreender o movimento de expansão da escolarização rural por meio da
implementação maciça das Escolas Típicas Rurais (E.T.Rs), bem como o fomento de aparatos que
legitimavam a presença do Estado do meio rural, identificando como as conexões interpessoais
entre líderes locais impulsionaram a instalação dessas escolas e quais os mecanismos usados por
Amaral que incentivaram a participação dos fazendeiros e líderes locais na educação fluminense. A
seguinte proposta de trabalho encontra‐se inserida na área da história da educação, em diálogo
com a história política do Estado do Rio de Janeiro, ao investigar a ampliação e as transformações
da educação primária nas áreas rurais dos municípios fluminenses, processo articulado ao projeto
político de Amaral Peixoto no Estado.
O trabalho tem como lócus de pesquisa o Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, onde
averiguamos as legislações educacionais que contêm as expectativas e intenções dos
administradores quanto ao ensino rural/agrícola. A Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro
também contribui para a coleta das legislações direcionadas para o campo educacional, bem como
enriquece nosso fundo de fontes, com documentos que apontam a participação de deputados na
ampliação da rede escolar rural e que nos insere nas principais discussões da comissão de
educação da Assembleia Legislativa. Para a consulta aos periódicos que tinham maior repercussão
nas regiões rurais e aos jornais das municipalidades, espaço em que encontramos outras vozes
sociais expondo opiniões e/ou reivindicações acerca da escolarização rural, recorremos à
Fundação Biblioteca Nacional, onde investigamos principalmente o jornal O Fluminense. Também
estamos averiguando documentos pessoais de Amaral Peixoto, como fotografias,
2 O respectivo Projeto de Pesquisa foi desenvolvido na Universidade Federal do Rio de Janeiro (faculdade de Educação) coordenado pela profª Irma Rizzini . Ele se encontra integrado ao Projeto Integrado de Pesquisa “História da Escola Primária no Brasil: investigação em perspectiva comparada em âmbito nacional (1930‐1961)”, sob a coordenação da Profa. Dra. Rosa Fátima de Souza (UNESP) e com a participação de 37 pesquisadores doutores pertencente a Programas de Pós‐Graduação em Educação de várias instituições universitárias do país (UNESP/Araraquara; UFAC, UFAM, UFPB, UFPI, UFMA, UFRN, UFS, UFBA, UFRJ, UFF, UFMG, UFU, UNICAMP, UFMT, UFMS, UFG, UFPR, UEM, UNIT‐SE, PUC‐PR, UDESC, UFPel).
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correspondências, mensagens privadas, documentos referentes ao Departamento de Educação e
obras literárias na Fundação Getúlio Vargas, no Centro de Pesquisa e Documentação de História
Contemporânea do Brasil.
Os estudos sobre cultura política e leituras do passado nos apontam que o período
denominado Estado Novo foi preenchido por medidas que visavam valorizar o passado nacional,
consolidando normas e valores específicos da “identidade nacional brasileira”. Compreenderemos
esta temática, usando o conceito de “cultura política” trabalhado por Martha Abreu, Rachel Soihet
e Rebeca Gontijo (2007). Identificadas as conexões e interações de diferentes sujeitos sociais
compartilhando objetivos em comuns na política amaralista, analisaremos essas relações com
base no conceito de “redes”, empreendido no trabalho Na trama das redes ‐ política e negócios no
Império Português, séculos XVI‐XVIII, organizado por João Fragoso e Maria de Fátima Gouvêa
(2010). Nesta produção, o conceito de redes pressupõe a presença de vínculos estratégicos e
interpessoais sustentados por interesses, anseios, valores e objetivos mútuos, bem como a
aplicação de recursos para estreitamento dos laços. Por fim, trabalharemos a partir da leitura de
Thompson, principalmente com seu entendimento acerca do paternalismo, que ultrapassa a
concepção de cuidado e bondade por parte dos de “cima”. O pesquisador alega que essa relação
era via de mão dupla, em certa medida, prisioneiros um dos outros. “O que é (visto de cima) um
“ato de doação” é (partir de baixo) um “ato de conquista”.(THOMPSON, 2005, p.69)
A rede política amaralista e a recuperação da identidade fluminense:
Aos poucos fui me inteirando dos problemas fluminenses. Comecei a viajar de outra maneira, quase sozinho, com um ou dois secretários, hospedando‐me numa casa de família ou em hotel. De preferência em hotel, porque ás vezes na casa de um chefe político o outro é inimigo e não vai. (Camargo, 1986. p.156)
Ao apoderar‐se do patamar de chefe de Estado, o desconhecido Amaral Peixoto teve que
cativar a população fluminense por meio de um discurso capaz de seduzi‐la e entusiasmá‐la após
quatro interventorias frustradas. Assim, o comandante federal viu a necessidade de fazer‐se
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presente nos municípios, para conhecer seu “império” e os alicerces de seu governo – os líderes
políticos e homens interioranos com grande capacidade de convencimento e negociação. Em
pequenas comitivas eram realizadas visitas às regiões interioranas, nas quais se teciam as
primeiras estratégias relacionais com os chefes políticos que posteriormente desencadeavam as
práticas clientelísticas incutidas do compartilhamento mútuo de valores, ambições, objetivos,
interesses econômicos e relações de parentesco ou paternalistas. Por meio de suas táticas visando
constituir seu grupo político que originou a base de seus dois mandatos, Ernâni do Amaral Peixoto
intercalava seus aliados nos cargos políticos realizando ampla rede governativa. Este emaranhado
era articulado estrategicamente por indivíduos no âmbito da administração, “conectados pelo
meio da rede e das jurisdições estabelecidas pelos regimentos dos cargos que eles iam
progressivamente ocupando”. (GOUVÊA, 2010, p. 169).
O artifício usado pelo Interventor buscando seduzir as lideranças políticas para a
participação de sua base de governo era o discurso de participação desses homens na recuperação
da identidade do Estado do Rio de Janeiro, afirmando “que isso só [seria] possível por intermédio
de uma política de auxílio e incentivo dos mais práticos à aplicação de capitais na indústria e na
agricultura” (SETOR DE DIVULGAÇÃO DO PSD FLUMINENSE, 1945, p. 6). Em seus escritos,
biografias, propagandas e pronunciamentos oficiais, encontramos uma retrospectiva histórico‐
econômica fluminense iniciada na chamada Idade do Ouro – o Império. Segundo ela, no período
imperial a província fluminense possuía uma crescente produção cafeeira no vale do Paraíba, se
tornando grande exportadora de café e açúcar. Tal produção de café foi sendo gradativamente
desmembrada pela ocorrência da abolição da escravatura, que por sua vez, resultou em
diversificadas e novas relações de trabalho com os libertos. (RIOS & MATTOS. 2007) Com isso, as
produções fluminenses sofreram regressos e foram ultrapassadas pelas colheitas de novas áreas
cafeeiras paulistas e mineiras. A proclamação da República foi outro golpe contra a produção
latifundiária,ao passo que retirou do poder político os proprietários de terra. Segundo os
amaralistas, os primeiros anos republicanos descaracterizaram a identidade do Estado do Rio de
Janeiro ao abolir de sua política aqueles que proporcionavam o suporte econômico fluminense,
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oriundo da agropecuária. Homens como Alberto Torres e Nilo Peçanha eram mencionados como
bons administradores, que compreenderam aos problemas da agricultura, estimulando‐a.
(GURGEL, 1950)
“Inventando” uma tradição com base na evolução histórico‐econômica do país, tal discurso
ilustrava a previsão dos lucros que se originaria do setor agropecuário gerado pela extensa
propriedade de terras férteis e produtivas. Recordavam a colonização brasileira, apreciando a
exploração de matérias‐ primas nativas, como o cacau e o pau‐brasil, mostrando a importância
dessas produções primárias na exportação para países europeus. A introdução dos jesuítas nas
terras brasileiras também era comentada, destacando sua participação na instrução nos manejos e
técnicas agrícolas aos nossos “selvagens” camponeses e agricultores, proporcionando grande
impulso dado para a lavoura de cana‐de‐açúcar. No século XIX, o predomínio cafeeiro foi
fomentado baseando‐se na grande propriedade. O desenvolvimento da industrialização é
mencionado como um elemento que fortaleceria a agricultura, tais com fertilizantes, pesticidas,
instrumentos agrários adequados e outros, visando à produção com mais alta qualidade. Por fim,
o discurso finaliza‐se com os apontamentos que resultaram a queda do espírito ruralista
fluminense, a abolição da escravatura, o êxodo rural e o desmembramento do latifundiário.
Ao invocar a restauração fluminense, convocando homens fluminenses identificados com
uma tradição relativa à produção agrícola, Amaral Peixoto priorizava as características tradicionais
do Estado, que perpassava os anseios dos grandes proprietários de terra: o latifundiário e a
monocultura. Contudo, tal discurso era composto, estrategicamente, pelos aspectos tradicionais
fluminenses, por um lado, e pelas inovações propostas em seu governo, por outro. Nesse sentido,
a tradicional base econômica do estado – a agricultura – ressurgia com uma nova mentalidade
rural, sendo considerado o “slogan” da administração liderada pelo Ernani do Amaral Peixoto (Op.
cit.,p. 10). Dessa forma, foi organizado um programa de fomento da agricultura e da pecuária pela
Secretaria de Agricultura, Indústria e Comércio, pautada na modernização desse setor. Dentre as
ações executadas, encontram‐se a instalação de sete fazendas experimentais e 14 residências
agrícolas com agrônomos e técnicos rurais destinadas para o estudo minucioso de cada região
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fluminense e servindo de campos experimentais dos principais produtos. Foram criadas redes de
cooperativas agrícolas espalhadas pelo estado, voltadas para conceder amparo técnico e auxílio
para obtenção de crédito agrícola, envolvendo 20 mil cooperados. “Subindo ao poder em 1937,
tratou o novo governo de restaurar, em bases permanentes, a tradicional economia açucareira”
(Op.cit., p.11). Através do Banco da Lavoura Canavieira, implementado em Campos, Peixoto
fomentou a produção desse produto, libertando‐o de seus principais entraves. Em relação ao
ensino agrícola, o governo estadual foi o pioneiro no planejamento, construção e regulamentação
das Escolas Típicas Rurais no país. Isso tornou‐se efetivo devido à união entre as Secretarias de
Agricultura e Educação, que contribuíram na implementação do ensino agropecuário e na
formação de professores rurais. A ampliação do Aprendizado Agrícola de Conceição de Macabú
resultou no atendimento de 200 menores internados.
Nas excursões realizadas ao interior eram iniciadas novas conexões para a rede amaralista
que eram desencadeadas por meio de correspondência enviadas à Amaral Peixoto. Nas missivas,
identificamos assuntos, tais como pedidos de cargos, concessão de isenção de impostos ou de
instalação de fábricas, gratidão pelo pedido atendido, oficialização de uma solicitação realizada
pessoalmente em outras ocasiões, aconselhamentos e negociação políticas. Majoritariamente, os
remetentes mencionavam sua posição política e suas relações interpessoais com as redes sociais
de seu município. Em muitos casos, as cartas são produzidas por representantes importantes da
região, em nome de pedintes que esclarecem o cargo pretendido, seu passado profissional, suas
posses e sua posição nas redes locais.
Honrado com a nomeação de diretor do Instituto de Educação de Campos, desejo antes mesmo de empossar‐me do cargo, expressar os meus agradecimentos pelo ensejo que me oferece de colaborar, em função pública, com o governo de V. Ex. Desde 1931, por nomeação do Exmº. Snr. Presidente da República, servindo ao ensino comercial como inspetor, recebo a delegação de agora com ordem de comando (...)3
3 Carta de Nelson Pereira Rebel a Ernâni do Amaral Peixoto, em 27/8/1942. EAP int 1937.11.12.
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Outra maneira de estabelecer as redes eram as reuniões que ocorriam no Palácio Inguá, em
Niterói, com os prefeitos. Segundo Costa (2008), essas assembleias demarcavam a posição do
Interventor e das municipalidades. Caberia ao chefe de Estado supervisionar a administração das
cidades, por meio do Departamento de Municipalidades, que era o órgão fiscalizador das
prefeituras, avaliando e determinando as ações municipais. Aos prefeitos competiam a
apresentação de seus pedidos, suas metas e os andamentos dos trabalhos municipais. Nessas
ocasiões, tentava‐se organizar os planos municipais de forma coordenada para satisfazer todos os
pedidos mencionados.
As tramas educacionais eram tecidas nesses espaços relacionais, no qual a escola obtinha a
função de objeto de negociação. Em uma nota particular enviada por Amaral Peixoto ao
responsável pela construção das unidades escolares, Arêa Leão, disponível no acervo pessoal do
político, no Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, detectamos
uma negociação política em meio à construção da Escola Rural em São João da Barra.4
Nesta correspondência, Ernani pede informações sobre a construção das escolas rurais das
localidades de “Ponto” e de “Valão Seco” no município de São João da Barra, conduzida pelo
Engenheiro Vicente Bezerra, supervisionada pelo Departamento de Educação. O engenheiro,após
realizar a coleta de propostas de orçamento entre mestres de obras e pequenos empreiteiros para
a construção da Escola Típica Rural em Ponto, repassou os preços para o Departamento de
Educação que obteve a seguinte decisão:
Em consequência, determinei que o serviço fôsse confiado a êste último [Constantino Pereira Gomes], convindo anotar que foi o doador do terreno e é o marido da professora, circunstância essa que talvez concorra para que o mesmo trabalhe com capricho no prédio onde irá residir.(...)
Assim, averiguamos o desencadeamento das negociações entre o Governo e Constantino
Pereira Gomes, alavancadas por investimentos de ambas as partes. Por um lado Constantino, por
meio da doação do terreno para implementação da escola típica, garante a empregabilidade da
4ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Documentos Relacionados com a Secretaria de Educação e Cultura do Estado. Niterói. EAP gov 1951.05.28
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esposa, um espaço para residir e um grau de status naquela região, ao ser visto como promotor da
educação ou como mediador da rede estado‐localidade. Por outro lado, o Estado investia recursos
para o erguimento da escola, sabendo que ela representaria o governo no local e difundiria a sua
imagem de “defensor da identidade fluminense”. Segundo Gouvêa (2010), as redes eram tecidas
pela identificação de interesses e experiências comuns, investimentos de recursos, bem como de
um aparato de apoio mútuo capaz de possibilitar e potencializar a conexão.
Contudo, a aliança Constatino‐Ernâni, contribuindo para a composição de um a rede
localidade‐governo do Estado, se vê ameaçada pela seguinte queixa política levantada pelo
Deputado Afonso Celso:
Depois de adjudicadas as subempreitadas de “mão de obra” e iniciados os serviços, surgiram reclamações de fundo político, transmitidas ao Diretor do D.E pelo Deputado Afonso Celso Ribeiro de Castro. Essas reclamações se resumem na alegação de que Constantino Pereira Gomes “trabalhou” para partido adversário ao P.S.D local.
Mesmo sendo da oposição, Constantino era doador do terreno e tinha oferecido menor
valor para a mão‐de‐obra. Assim, era necessário tomar uma medida cautelosa que não rompesse
com a aliança. Segundo a missiva, o engenheiro foi afastado e o Diretor do Departamento
convocou dois partidários – Joaquim Ribeiro, proprietário de uma farmácia, e João Oliveira
Peçanha, velho fazendeiro – para auxiliarem na decisão de permanência ou substituição de
Constantino na construção da escola rural de “Ponto”. O Departamento também recolheu
reclamações de homens que alegaram não derem sidos avisados sobre o levantamento de preço
para a mão‐de‐obra.
Em contrapartida, em meio à discordância, Constantino permaneceu com seu cargo após
detectarem boa índole e capacidade para o serviço, segundo testemunho de Joaquim Ribeiro,
proprietário da farmácia local e aliado ao PSD. A partir desse documento, percebemos as tensões
para alinhavar os primeiros traços de uma rede, na qual, os que já possuíam conexões almejavam
participar e intervir no “processo seletivo”, ao passo que, os que não possuíam vínculos,
reivindicavam pela oportunidade de lançá‐los.
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Em cumprimento de promessa feita ao Deputado Afonso Celso, visitamos pessoalmente ambas localidades e conversamos com Joaquim Ribeiro a respeito da “ciumada” política; declarou‐nos o mesmo que Constantino, embora ser adversário era pessoa de idoneidade e capaz de realizar a contento a tarefa que havia recebido do D.E. Prontificou‐se também a colaborar em tudo que fosse possível para a rápida construção da escola, que é muita necessária à região, face ao elevado número de crianças em idade escolar ali existente.
No término do documento, Joaquim Ribeiro aponta a importância da unidade escolar na
região, em vista do elevado número de crianças em idade escolar na localidade e se prontifica em
colaborar com a construção do respectivo estabelecimento. Joaquim Ribeiro, demonstrando sua
disposição para colaboração de ampliação da rede escolar e sua aspiração de estreitar suas
conexões com o governo, é indagado sobre a necessidade de outras instituições escolares na
região. Ele expõe a necessidade de uma escola na localidade denominada de “Carrapato”,
ampliando sua participação na rede amaralista.
Indagado sôbre a necessidade de outras escolas na região, solicitou uma para a localidade de “Carrapato”, sendo logo atendido desde que consiga terreno necessário. Consultado sôbre excução de “mão de obra”, declarou que não sendo conhecer do assunto, indicava seu amigo e correligionário Wilson, com pessôa entendida e capaz de assumir a responsabilidade da subempreitada, o que foi por nós anotado, para pedido de preço na ocasião oportuna.
Na análise das propostas de decretos realizadas nas Comissões de Educação, na Assembleia
Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, identificamos indicações de abertura ou manutenção de
Grupos Escolares e Escolas Típicas Rurais nos municípios assistidos pelos deputados que
compunham as reuniões, destacando as reinvindicações da população em relação a esses pedidos.
A justificativa para a instalação de unidades escolares se baseava no crescente número de crianças
em idade escolar não atendidas nas escolas circunvizinhas. Os pedidos apontam para a
importância desses estabelecimentos de ensino próximos às localidades onde se encontravam
núcleos de operários agrícolas e industriais. As indicações evidenciam a doação de amplos
terrenos para as respectivas construções por parte de homens influentes das localidades de onde
provinham os pedidos os locais, bem como a cobrança pela instalação de escolas primárias
estaduais. De acordo com o convênio das municipalidades, eram encaminhados ao governo
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estadual 15% do orçamento das cidades, destinado para o desenvolvimento e manutenção das
escolas primárias fluminenses, assegurada pelo decreto‐lei 4.938, de 14 de novembro de 1942. O
artigo 179 do decreto nº 196‐A, de 1936, alega que a preferência de implementação das Escolas
Típicas Rurais é conferida aos municípios em que prefeitos ou particulares doassem áreas para a
construção e/ou concedessem outras facilidades para a implementação.
Em cada localidade há sempre um cidadão mais remediado que os outros. Se souberdes atraí‐lo, elevando‐o à dignidade de “patrono da escola”, esse homem virá a ser, mais tarde, um ótimo colaborador. Muita coisa poderá fazer pelas crianças que frequentam a escola da sua localidade ou do seu quarteirão. (Falcão, 1946, p. 48) Indico ao sr Governador do Estado a conveniência e a necessidade de providenciar a instalação de uma Escola típica rural na Vargem Grande, situada na zona rural do primeiro distrito do município de Petrópolis. JUSTIFICATIVA Vargem Grande , núcleo agrícola e pastoril, abrigando ainda propriedades de adeandados e esclarecidos sitiantes e fazendeiros, reuniram todas as qualidades para ser beneficiada com a instalação de uma Escola típica rural. Sua população infantil, em idade escolar, passa certamente da casa de 100, e não dispõe de estabelecimento de ensino a menos de uma hora de caminhada, a pé. Releva notar, ainda, o fator de possuir o Estado, precisamente nessa zona, de terreno que poderiam ser utilizadas para a instalação de uma verdadeira escola‐modelo.(...) Sala das Sessões, 11 de abril de 1951 Adolpho de Oliveira5
O Sistema Educacional Amaralista
No campo educacional/cultural, as iniciativas da interventoria seguiram as orientações que buscavam convergir com as articulações políticas e com as ideias econômicas implantadas pelo interventor. O grande alvo era a região agropecuária do Estado (FERNANDES, 2009. p. 130).
Identificando as tramas políticas amaralistas e suas artimanhas para se enraizar no estado do
Rio, pretendemos no presente tópico analisar o sistema escolar fluminense, bem como 5 Fonte: Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro. Indicação nº175 de 1951. Comissão de Agricultura, Viação e Obras Públicas.
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caracterizar as principais realizações do Comandante Amaral Peixoto no setor educacional,
compreendendo a importância da escola na difusão da imagem heróica do Governador do Estado.
Nessa análise, usaremos como principais fontes o livro Novos caminhos da educação fluminense,
escrito pelo ex‐secretário de educação Rubens Falcão, e a publicação do Instituto Nacional de
Estudos Pedagógicos, O Sistema Educacional fluminense – uma tentativa de interpretação e crítica.
O desencadear da política educacional do estado do Rio de Janeiro ocorria no interior da
recém Secretaria de Educação e Saúde Pública, criada em 10 de Novembro de 1938, administrada
por Ruy Buarque de Nazareth, até o ano 1942, e Rubens Falcão, até o término da Interventoria
Federal. Em 1943, este aparato administrativo foi extinto, e a gestão do sistema escolar
fluminense foi transferida para o Departamento de Educação, estreitamente ligado ao Interventor
e coordenado por Rubens Falcão. O sistema de escolarização era centralizado na esfera estadual,
alegando como justificativa a escassez de recursos dos municípios em efetivá‐lo. Contudo, foi
realizado um convênio com as municipalidades, do qual assegurava a ação estadual na
implementação, fiscalização e financiamento do ensino primário no Estado do Rio, prevendo a
participação financeira das cidades para o desenvolvimento e manutenção das escolas primárias.
À frente do Departamento de Educação, o autor de Novos Caminhos da Educação
Fluminense, juntamente com o Amaral Peixoto organizou a escolarização do Estado, priorizando a
educação rural. Sua atuação anterior ao departamento educacional fluminense nos aponta a sua
relação com a instrução elementar em outras regiões rurais do país. Rubens Falcão participou da
Reforma da Instrução do Estado do Ceará, no período de Lourenço Filho na direção da Instrução
Pública, em 1922. Ele atuou como inspetor de ensino em diversos municípios do Estado do Rio de
Janeiro, o que lhe proporcionou o conhecimento das peculiaridades educacionais das regiões
fluminense. Contribuiu nas reformas implementadas por Celso Kelly e Nóbrega da Cunha entre
1933 e 1936, principalmente no Departamento de Educação e Iniciação do Trabalho, espaço em
que foi elaborado o projeto das Escolas Típicas Rurais (E.T.R.s), estabelecimentos de ensino que
obtiveram ascensão no governo amaralista. Trabalhou no resgate e preservação do folclore nas
diversas regiões do Brasil, por influência de Nóbrega Cunha. Em 1929, publicou o trabalho
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Combate ao analfabetismo na zona rural, apresentado na III Conferência Nacional de Educação, no
qual adverte para a necessidade de criação de “escolas de sertão”, instaladas em fazendas com o
regime de internato que proporcionasse o ensino primário e agrícola.
No Estado do Rio de Janeiro, a educação rural desempenhada nas E.T.Rs, no Aprendizado
Agrícola Presidente Pedreira e na Escola Normal Rural de Cantagalo, buscava promover ações
educativas compatíveis com a região, relacionando os conteúdos escolares com a vida e o
cotidiano do educando. Essas instituições eram incutidas pela construção de uma “mentalidade
ruralista” no público atendido, “ensinando‐os a conhecer o valor imenso do campo, a amar
racionalmente a sua terra e a trabalhar pelo engrandecimento econômico, moral e cultural”.
(DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO, 1945. p. 45). Segundo Falcão, era necessário abolir os métodos
pedagógicos usados nas cidades, que desprezava o meio rural, inferiorizando o “[ignorante],
supersticioso e com o círculo mental limitadíssimo” homem do campo (FALCÃO, 1946. p. 19).
Assim, percebe‐se as intenções políticas com a implementação da referida escolarização rural, ao
passo que ela pretendia propagar para a população rural a exaltação à terra fluminense, alegando
seu enorme valor ao Estado e ao país, visando à recuperação da identidade fluminense. A escola
rural difundia a imagem de Ernâni do Amaral Peixoto como o defensor das raízes do Estado do Rio
de Janeiro. Agindo dessa forma, a escola rural fluminense se prontificava em combater a maior
crítica levantada pelo professor Sud Mennucci (1930) à educação brasileira, a exaltação dada aos
valores urbanos em detrimento ao campo. As escolas interioranas eram escolas de cidade
implementadas nas regiões campesinas, enraizadas de preconceitos urbanistas trazidos por
professores citadinos, que ridicularizavam aquele espaço, sua atividade produtiva e a
animosidade, hostilidade e atraso dos homens do campo. (MATTOS, 2009. p. 237)
O ensino primário rural fluminense ocorria nas Escolas Típicas Rurais, regulamentadas pelo
decreto n°196‐A, de 26 de dezembro de 1936, que somente em 1938 receberam o respaldo
necessário para o seu desenvolvimento e ampliação. Essa modalidade de ensino tinha como
finalidade ser “um centro irradiador de civilidade e progresso”, desempenhando a função de
ministrar a educação primária e a iniciação profissional agrícola. As escolas rurais também
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sediavam uma rede de educação social com fornecimento de alimentação escolar, livros, fardas
escolares, assistência médico‐dentário e a elaboração de projetos como os clubes agrícolas,
pelotões de saúde, colônias de férias, missões culturais e bibliotecas ambulantes, que buscavam
“combater a ignorância, as moléstias, e levando assistência profissional e esclarecimento espiritual
à gente rude de regiões praiana e campesina” (HEES, 2004, s.p), com o objetivo de satisfazer as
necessidades da vida campesina para sua permanência no campo. Dessa forma, a instalação de
uma escola típica rural configurava naquele espaço a presença do poder público estadual
representado pelos participantes de sua rede política que por sua vez financiavam a
implementação desses estabelecimentos de ensino.
Construções de escolas típicas rurais. Um apelo aos prefeitos dos municípios fluminenses O diretor geral do Departamento das Municipalidades Fluminenses em atenção ao apelo que lhe endereçou o Departamento de Educação, dirigiu se aos prefeitos municipais de Parati, Angra dos Reis, Rio Claro, Rezende, Barra Mansa, Nova Iguaçu, Pirahi, S. Gonçalo, Saquarema, Rio Bonito, Itaboraí, Macaé, Miracema, S. João da Barra, Bom Jesus de Itabapoana, Teresópolis, Vassouras, Barra do Pirahi, Sapucaia, Valença e Santa Teresa, sugerindo‐lhes a conveniência de ser cedido pelas respectivas prefeituras, o terreno necessário para a construção de uma escola típica rural, indicando os locais mais convenientes para a instalação das referidas escolas.(O fluminense. 31 mar.1939)
As ETR(s) teriam em sua estrutura “jardim, horta, pomar, pequenos campo de cultura, criação
de animais domésticos, apiários, criação do bicho de seda e instalações para a prática de pequenas
indústrias domésticas ou artes populares” como espaços práticos para o ensino dos manejos da
atividade agrícola. Seu currículo escolar assemelhava‐se com os programas empregados nas outras
modalidades de escolas primárias, contendo o ensino de história do Brasil, geografia geral,
ciências naturais, aritmética, língua materna, conhecimentos práticos de desenho, higiene,
economia rural e moral e civilidade, com a duração de 4 anos o curso. O horário de atendimento
escolar, em geral, ocorria das 8:00 às 12:00 horas, intercalando o ensino das letras e os trabalhos
agrícolas. Na Interventoria Federal de Amaral Peixoto foram instalados 42 unidades escolares
desse porte, distribuídas em 40 municípios do interior fluminense. Na governadoria do Estado, o
número dessas instituições cresceu para 94. As séries de fotografias sobre estas escolas,
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publicadas nos relatórios oficiais, sugerem a importância política conferida a estas instituições,
evidenciando a sua eficácia no atendimento às populações interioranas, bem como sua atuação na
assistência social e na instrução agrícola.
Fonte: CPDOC/FGV. Aspectos de escolas rurais do Estado do Rio de Janeiro. EAP foto 017.
O Aprendizado Agrícola de Conceição de Macabú, instalado em 1924 no governo de Feliciano
Sodré, foi ampliado na administração de Amaral Peixoto. Com a instalação do pavilhão “Getúlio
Vargas”, essa instituição passou a atender 200 educandos, ministrando a instrução primária e a
profissionalização agrícola a meninos pobres das zonas rurais fluminense, sob o regime de
internato6.
Além das instituições de ensino denominadas Escolas Típicas Rurais, o estado possuía as
categorias de escolas isoladas, grupos escolares, cursos para adultos e escolas experimentais no
território fluminense. Contudo, a política educacional amaralsita voltou‐se para as ETR(s) e para a
construção de amplos Grupos Escolares localizados de “preferência nas sedes de municípios ou de
distritos”. Em 1937, foram registradas 838 escolas, sendo apenas 86 localizadas em prédios
próprios do governo do Estado do Rio, e o restante em propriedades de particulares ou dos
municípios. Em 1946, o número de prédios escolares é elevado a 152 imóveis, nos quais foram
6 A respeito dos Aprendizados Agrícolas, ver os trabalhos de Barros (2010;2011)
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instalados Grupos Escolares Modernos com aproximadamente 20 salas de aulas para cada escola.
Essas instituições atendiam o número mínimo de 250 estudantes.
Mais um Grupo Escolar Por decreto de ontem foi criado um Grupo Escolar em Sumidoro. O mesmo decreto suspende o ensino na escola isolada dessa cidade e transfere outra escola atualmente vaga, para localidade do interior do município, onde haja população em idade de freqüentá‐la. (O Fluminense, 12 jan. 1939)
O sistema educacional do estado no período amaralista recebeu sólido aparato de
instituições complementares à escola, voltados para promoção da saúde e difusão cultural. Dessa
forma, os “pelotões de saúde” eram organizados nas escolas visando estimular, cultivar e fixar
hábitos higiênicos nas unidades escolares e generalizá‐los na localidade. Os “pelotões” juntamente
com as “missões culturais” e as “colônias de férias” realizavam procedimentos médicos junto aos
escolares e às populações circunvizinhas as instituições de ensino.
Os clubes agrícolas instalados no interior dos estabelecimentos de ensino se constituíram
como espaços de orientação à prática de atividades agrícolas, com a instalação de hortas, criação
de pequenos animais, sericultura, apicultura e reflorestamento. As produções oriundas dos clubes
agrícolas forneciam a alimentação aos educandos das instituições escolares e as sopas escolares
nos períodos de visitas dos “pelotões de saúde”, visando disseminar bons hábitos alimentares. No
término da Interventoria Federal de Ernâni do Amaral Peixoto foram registrados 216 “pelotões da
saúde” viajando pelo interior do estado e 221 “clubes agrícolas” anexados às escolas rurais e
urbanas fluminenses.
As “colônias de férias”, criadas em 1942, nos municípios de Vassouras e Cabo Frio eram
excursões realizadas à beira‐mar e na montanha, destinadas aos alunos com retardos em seu
desenvolvimento físico, insuficiência no perímetro torácico, ventre volumoso e músculos
abdominais flácidos. Nessas viagens eram promovidos os atendimentos médicos, com repartições
odontológicas e pediátricas, a recreação dos educandos, o banho de sol, os exercícios físicos com a
condução dos profissionais adequados, as brincadeiras em grupo, os jogos, os passeios nas praias
e as refeições nutritivas. As práticas desenvolvidas nas “colônias de férias” foram registradas no
livro 1.000 crianças em colônias de férias, que reuniu fotografias dos eventos que constatam as
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atividades e o aproveitamento dessa iniciativa. Os clubes esportivos e o Estádio “Caio Martins”
eram espaços estimuladores para o desenvolvimento de atividades recreativas e educação física,
sediando os campeonatos de atletismo e vôlei feminino. Esses espaços esportivos eram
organizados por profissionais especializados pela Escola Nacional de Educação Física e Desportos
que eram responsáveis pelo controle médico dos clubes e supervisão dos locais designados para
as práticas esportivas. Além disso, a Escola Nacional fornecia cursos de formação rápida para
professores.
A educação física em S Fidélis São Fidélis, 5 (S.P.T) – Com o auxilio decidido do governo do estado, a prefeitura local está executando algumas obras de particular interesse para ao desenvolvimento da educação física entre os escolares. Entre esses empreendimentos, contam se um moderno estádio e um parque infantil devendo este último ser inaugurado brevemente. O referido “Play ground” terá a capacidade para 100 crianças.(O Fluminense, 6 de jan., 1942)
Também, foram iniciadas as missões culturais do interior do Estado, baseadas em
experiências da professora chilena Amanda La Barca. Eram caravanas com diversos voluntários do
funcionalismo público, que percorriam as pequenas cidades interioranas para detectar seus
problemas e buscar soluções que atendessem às necessidades dessa população. Usava‐se de
ferramentas, como o cinema, o rádio, atividades recreativas, cartazes, folhetos e demonstrações
práticas com a finalidade de comunicar as instruções rudimentares da agricultura e da zootécnica,
o valor do trabalho rural, a importância da assistência médica, alimentar e cultural oferecida pelos
outros mecanismos de educação social, a relevância do ensino primário, pontos importantes da
“economia doméstica” e questões referentes à “educação social e política”, tópico difusor do
ressurgimento da identidade fluminense e da imagem heroica de Amaral Peixoto.
Sua primeira excursão ocorreu entre os dias 19 de Abril a 2 de Maio de 1944, visitando os
municípios de Maricá, Saquarema, Araruama, São Pedro d’ Aldeia e Cabo Frio. Os municípios de
Itaguaí, Mangaratiba, Angra dos Reis, Parati, Campos e São João da Barra foram visitados entre 8 a
26 de agosto do respectivo ano. As “missões culturais” eram compostas por professores, médicos,
assistentes sociais e técnicos agrícolas. Também eram inseridos nas viagens, os membros da
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Legião Brasileira de Assistência. Ao chegarem aos municípios, instalavam os aparatos da missão
nas escolas locais ou em posto médicos, programando as palestras para a população local.
O Parque Infantil “General Rondon” atendia crianças no contraturno escolar, fornecendo
alimentação, tratamento médico e dentário, recreação e atendimentos com professoras
especializadas. Segundo Rubens Falcão (1945) em Atividades de Educação, o parque infantil
proporcionou em seu primeiro ano de funcionamento o aumento do rendimento escolar dos
alunos que o frequentavam, detectado nas provas dos grupos escolares circunvizinhos ao Parque.
Salientamos que as experiências desempenhadas nas missões culturais, no Parque Infantil,
nas colônias férias, nos clubes agrícolas, nos pelotões de saúde e associações esportivas,
destinadas para a promoção da educação social, visavam levar às familiares dos educandos e aos
homens do campo os conhecimentos agrícolas e ideológicos do Estado executados em sala de
aula. Ou seja, eram espaços destinados à valorização do trabalho do campo, o amor pela terra e o
poder produtivo das atividades agrícolas capazes de alavancar o desenvolvimento do país, a fim de
conter os homens campesinos em seu habitat e mantê‐los na agropecuária. Além disso, essas
medidas visavam levar ao interior fluminense acesso à saúde, assistência social, informações e
cultura por meio de teatro de marionetes, passeios e cinema para as regiões interioranas
embutido de aspectos presentes no espaço rural, pois “a zona rural era idealizada como o espaço
detentor das raízes e da identidade fluminense” (FERNANDES, 2009, p. 131). Dessa forma, o
comandante Amaral Peixoto, ao lado do diretor do Departamento de Educação do Estado,
desencadeou aparatos secundários à escolarização, visando à valorização das raízes culturais
fluminenses presentes nas atividades agrícolas, em consonância ao seu patrono Getúlio Vargas,
buscando a legitimação ideológica do regime o nacionalismo.
A formação dos professores fluminenses no governo de Amaral Peixoto continuou ocorrendo
nas Escolas Normais de Niterói e de Campos, porém regulamentadas pelo decreto nº 714, de
10/3/1939, que criou a Escola de Professores, padronizando o ensino normal no Estado do Rio de
Janeiro. Em 1946, foi implementada a Escola Normal Rural em Cantagalo, para a formação de
professoras primárias para a atuação nas zonas interioranas fluminense. Segundo Mennucci
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(MATTOS, 2009) a formação de educadores rurais deveria ser diferenciada abarcando o professor
com habilidades agrícolas e de enfermagem, convicto de sua importância para o progresso do
campo, se constituindo o grande incentivador da vocação agrícola. A formação do professor que
lecionaria nas zonas rurais seria desempenhada no campo para que ele se familiarize com o meio,
do qual teria que trabalhar, exaltando‐o e enfatizando o seu valor ao país. Com essa mentalidade,
Sud Mennucci defendia a criação de escolas normais rurais no Brasil, sendo o pioneiro em sua
implementação quando ocupou a Diretoria de Ensino na interventoria do general Dalton Filho,
criando a Escola Normal Rural de Piracicaba pelo decreto n° 6.047 de 19 de agosto de 1933
(MATTOS, 2009, p.252).
Outra medida direcionada para o professorado na política educacional de Amaral Peixoto
eram os cursos de formação continuada, com a finalidade de atualizar os docentes frente aos
progressos da ciência da educação. Os cursos de férias eram preparados em hospedarias para as
professoras primárias, que por sua vez recebiam ilustres palestrantes que ministravam assuntos
sobre metodologia de ensino, alimentação e assistência social, o ensino das ciências naturais,
rendimento escolar, atividades rurais, administração escolar, aplicação nas escolas do folclore
brasileiro, psicologia pedagógica, etc. No ano de 1943, o Estado promoveu o curso prático em
educação rural, na Escola Típica de “Bulhões”, no município de Rezende.
Os cursos de férias no Estado do Rio Têm despertado grande interesse entre as professoras fluminenses os cursos de especialização organizados pelo Departamento de Educação do Estado do Rio para o atual período de férias.Desses cursos, em número de cinco, já se encontram em funcionamento os de Aprendizagem da Leitura e da Escrita, a cargo do professor Moysés Xavier e Araujo, técnico de educação federal e o de prática de ensino de Ciências Físicas e Natural, cuja primeira parte – ciências físicas‐ vem sendo dada pelo professor Arnaldo Carneiro Leão oficial de Recife.(...) Na próxima terça‐feira, às 9 horas, começará o de Atividades Rurais, organizado em colaboração com a Secretaria de Agricultura, onde serão realizadas as aulas (...)A média de professoras inscritas em cada um desses cursos é de 150, o que revela o grande interesse que está despertando entre o professorado fluminense.( O Fluminense, 19 jan. 1942)
No Estado do Rio, o ensino Industrial obteve novos rumos. A atual Escola “Henrique Lage”,
que se originou da junção da Escola Profissional “Visconde de Moraes” com a Escola Profissional
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“Washington Luiz”, foi instalada em uma zona operária, ocupando uma área de cerca de 1.300
metros quadrados com 15 salas, auditório, anfiteatro, laboratório para ciências físicas e naturais.
Essa instituição oferecia cursos de fundição, serralheria, caldeiraria, mecânica de máquinas,
automóveis e aviação, instalações elétricas, marcenaria e tipografia. Nas cidades de Niterói e
Campos era ministrado o ensino industrial para o sexo feminino nas Escolas “Aurelino Leal” e “Nilo
Peçanha”. Desde suas inaugurações, em 1923, a Escola “Aurelino Leal” formou 946 alunas,
enquanto a Escola “Nilo Peçanha” diplomou 534 estudantes.
Considerações Finais
O respectivo trabalho buscou identificar como as conexões interpessoais amaralistas
fomentaram o movimento de alastramento da escolarização rural por meio da instalação de
escolas primárias interioranas, que proporcionavam a instrução elementar, a iniciação agrícola,
bem como sediavam eventos de promoção à saúde e à cultura.
Detectamos que em sua interventoria federal, Amaral Peixoto costurou alianças com líderes
locais e políticos do interior fluminense prevendo consolidar os ideais políticos de seu sogro,
Getúlio Vargas. Por meio de excursões aos municípios, reuniões com prefeitos e correspondências,
o chefe de estado fluminense alinhavava suas redes políticas, usando‐se do discurso de
restauração da identidade fluminense. Em sua retórica, identificamos a exaltação ao período
imperial, conhecido como Idade de Ouro, em que o estado do Rio de Janeiro era considerado o
alicerce do país. Se apropriando de uma retrospectiva histórico‐econômica, Peixoto lembrava da
grandiosa produção cafeeira do Vale do Paraíba e da extensão agrícola do Estado do Rio. Ele
alegava que tamanha riqueza era oriunda da agricultura fluminense, que por sua vez foi
desfigurada com o advento da Abolição da Escravatura, Proclamação da República e o crescimento
da produção cafeeira paulista e mineira. Seu discurso era finalizado com a ênfase do retorno aos
elementos que proporcionavam a importância do estado do Rio na instância federal – a produção
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agrícola e a participação política dos latifundiários. Dessa forma, Amaral Peixoto abarcava as
lideranças interioranas do estado com o ideal de recuperação da identidade fluminense.
Dentro deste quadro, averiguamos o crescimento da instalação das Escolas Típicas Rurais,
estabelecimentos destinados à escolarização primária e iniciação profissional agrícola. Essa
modalidade de ensino era a representação do governo estadual nas áreas rurais, abarcando
aparatos que permitisse a permanência da população em seu território de origem. Essas
instituições repercutiam o anseio pelo resgate da identidade do estado ao passo que disseminava
a criação de uma “mentalidade ruralista”, engrandecendo a atividade agrícola e o trabalho no
campo. Elas se tornaram objetos de negociação e de manipulação das redes amaralistas, em vista
da participação financeira das lideranças locais para o funcionamento desses estabelecimentos.
Contribuindo com as Escolas Típicas Rurais, os líderes interioranos alinhavavam sua conexão junto
a Amaral Peixoto, lhe assegurando o reconhecimento de promissor da educação em sua
localidade, a representação de membro do governo, subsídios governamentais que fomentasse
sua produção agrícola ou comercial e até mesmo um cargo político no governo estadual. Por outro
lado, Amaral Peixoto alastrava sua rede política, sua imagem de guardião das raízes fluminenses e
sua permanência no governo fluminense, posteriormente como governador, deputado federal,
embaixador e senador.
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