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O ENSINO DE ARTE NA ESCOLA PÚBLICA BRASILEIRA DA RACIONALIZAÇÃO AOS SENTIDOS. DOS SENTIDOS À RACIONALIZAÇÃO
Eloiza Amália Bergo Sestito Sonia Maria Vieira Negrão
Teresa Kazuko Teruya
INTRODUÇÃO
A arte é uma atividade que sempre esteve presente no processo civilizatório da
sociedade. No decorrer da história, verifica-se o papel fundamental que a atividade
artística teve para o desenvolvimento cultural e social das mais diferentes formas de
organização da vida humana. O homem tem utilizado as linguagens artísticas como
forma de expressar seu entendimento e apropriação da natureza e da vida social.
Diretamente ligada às relações humanas e ao processo educativo, a arte registra a
presença do homem no mundo como seu principal agente de mudanças. No âmbito
educacional percebe-se a presença das linguagens artísticas, desde os primeiros anos
de escolarização até a idade adulta, a fim de educar os sentidos por meio da
alfabetização estética para que o indivíduo se perceba inserido como agente de sua
própria cultura. Essa concepção só começa a ganhar corpo nos dias de hoje, uma vez
que a educação dos sentidos na história da educação recebeu várias interpretações,
até chegar as formulações atuais, as quais foram ditadas pelas necessidades que se
configuraram como determinantes da constituição do sistema educacional que emergia
no contexto da sociedade capitalista.
Neste artigo pretendemos analisar as várias acepções que fundamentam o
ensino da arte no decorrer da história da escola pública no Brasil, assim optamos por
fazer um recorte no tempo, tendo como referência o período da Primeira República.
Nesse período consolidaram-se as lutas pela implantação da escola, pública laica e
gratuita, bem como o estabelecimento de um Sistema Nacional de Ensino no país.
Tomando como base a educação para todos, pretendemos analisar as seguintes
questões: A quem se destinava a educação estética? Quando foi incluída nos currículos
escolares? Como foi pensada a formação de professores para o ensino de arte? Quais
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foram às mudanças significativas que ocorreram no ensino de arte no período da
Primeira República? Partindo de uma concepção histórico-crítica para analisar as
transformações materiais que ditaram as concepções estéticas e educacionais de cada
época, buscamos obter uma síntese do legado dessas visões de ensino das linguagens
artísticas no início do século XX ao ensino da arte nos dias de hoje.
Com base em uma pesquisa bibliográfica a respeito do tema, analisamos as
tendências teórico – metodológicas que permeou essa trajetória e a herança da cultura
artística que ainda podemos visualizar no contexto atual. Assim, estabelecemos uma
divisão em três tópicos de análise: No primeiro tópico, levantamos um panorama das
idéias de modelos educacionais que circulavam no contexto europeu as quais
influenciaram diretamente as primeiras idéias de elaboração do Sistema Educacional
Nacional, bem como o modelo de ensino de arte que existia nesse contexto. No
segundo tópico, buscamos descrever as idéias que circulavam em âmbito nacional e as
primeiras iniciativas que efetivaram a organização do sistema educacional no Brasil,
como também qual era o ideário de educação estética que prevalecia no país durante a
Primeira República. No terceiro tópico, realizamos uma análise dos métodos que
começaram a se configurar no contexto da escola pública, em especial o método
intuitivo, e qual o papel da linguagem artística nesse projeto de formação educacional.
Para concluir, apontamos sinteticamente a influência desse período na organização no
ensino da arte nos dias de hoje.
1. CENÁRIO MUNDIAL DA ORIGEM DAS IDÉIAS DE INSTRUÇÃO PÚBLICA Com as transformações sociais e políticas em meados do século XIX e início do
século XX, surgiram as primeiras iniciativas de democratização do ensino, que se
consolidou nos países desenvolvidos, especialmente na França, Alemanha, Inglaterra e
Estados Unidos da América, em decorrência da reorganização da produção industrial
capitalista. É importante salientar que as idéias difundidas nesses países influenciaram
as concepções de educação no Brasil, configurando um novo cenário nacional, com
base no modelo liberal de organização social e econômica para o desenvolvimento da
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produção capitalista, que se firmava como um modelo a ser seguido em âmbito
mundial.
Portanto, as tendências históricas detectadas naquelas nações, na condição de conclusões teóricas extraídas da interpretação, são fundamentais para o entendimento das formas de realização da escola pública em países e regiões menos avançados, na medida em que o modo de produção capitalista integrou o mercado mundial e plasmou as relações sociais no universo, à imagem e semelhança do capital. (ALVES, 2001, p.21)
No final do século XVIII, os recursos produzidos pelo capital retornavam sempre
para as atividades produtivas. De acordo com Alves (2001), em uma análise na
perspectiva do processo de produção das forças materiais foram nulos ou escassos os
volumes de capital deslocados para atividades improdutivas, entre elas a educação.
Tais serviços prestados pelo Estado só apareceriam mais tarde na fase monopolista do
capitalismo. Era uma tendência entre os países mais organizados e desenvolvidos no
processo de industrialização e também nos países menos desenvolvidos. Nesse
período emergia a necessidade da educação escolar com a finalidade de formar uma
identidade nacional, para contribuir com o progresso da nação pelo desenvolvimento da
produção industrial e da expansão do comércio, acentuando o crescimento das cidades
e o aumento da demanda por qualificação de mão de obra.
O ideário de escola para todos nasce, segundo Alves (2001), a partir de três
vertentes: a vertente revolucionária francesa, a vertente econômica clássica e a
vertente religiosa identificada com a Reforma Protestante.
Com relação à primeira vertente, Alves (2001) analisa a educação escolar
proposta no pensamento revolucionário com base iluminista. Ressalta que os projetos
de instrução pública, apresentados na França ao final do século XVIII foram inspirados
nas idéias expostas por Rousseau, Diderot e La Chalotais e Condorcet. Todas as
iniciativas e projetos de instrução pública encaminhados à Assembléia Constituinte, à
Assembléia Legislativa e à Convenção Nacional da França desse período, buscavam
legitimar os princípios de uma escola pública, universal, laica obrigatória e gratuita. No
entanto, não havia condições materiais para que fosse possível sua efetivação. O autor
ainda afirma que a leitura dessas fontes revela que as concepções de escola cultivadas
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em nosso tempo foram influenciadas pela vertente francesa do pensamento burguês.
Tal concepção de formação visava a educação do cidadão para promover a igualdade
formal pela via da educação escolar para todos, a fim de assegurar os princípios da
democracia. Durante o processo revolucionário francês, com a deposição de
Robespierre e a vitória da burguesia industrial, essa bandeira luta pela instrução pública
do povo seria esquecida por um tempo.
Na vertente da instrução pública na economia clássica, articulada nos moldes da
economia política, Alves (2001) destaca as idéias de Adam Smith na Inglaterra, o qual
chegou a defender uma educação como um meio corretivo para atender as
necessidades e lidar com as desigualdades sociais. A educação das pessoas deveria
incutir o espírito de coragem da gente comum para defender a Pátria. Além disso,
educação escolar ensinaria os filhos dos trabalhadores a ler, escrever e contar para
adquirir uma habilitação antes de se inserirem no mundo do trabalho. No entanto, os
serviços escolares não poderiam ser gratuitos para não comprometer a produção social
da riqueza nacional. Essa forma de pensar provocou muitas indignações por parte dos
educadores, mas Alves argumenta que é preciso historicizar a economia política e
entender as idéias de Adam Smith como uma elaboração teórica que respondeu a
necessidade do contexto histórico do século XVIII.
Quanto a terceira vertente sobre a instrução pública na Reforma Protestante,
destaca as idéias de “Comenius na origem da escola moderna” (ALVES, 2001, p.81).
Comênio (1966), em sua obra “Didáctica Magna: tratado da arte universal de ensinar
tudo a todos”, concebeu a escola como um espaço a ser organizado para economizar
tempo. Para promover a instrução, preconizou o manual didático para que todos
pudessem ser instruídos e propôs um conteúdo simplificado. A arte de ensinar exigia
um método baseado na divisão do trabalho e na apropriação da técnica da manufatura.
Segundo a análise de Alves (2001), a escola para Comenius deveria ser uma oficina de
homens e como fundamento de sua organização deveria ter como parâmetro as artes,
mas a arte, nessa época, era ofício medieval ou artesanato, portanto, obsoleto para
aquele momento em que surgia a manufatura, por isso a escola deveria ser equiparada
à manufatura. Para por em funcionamento uma escola para todos, Comênio
identificava dois impedimentos: a necessidade da formação de professores e os
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elevados custos das escolas que comprometiam a expansão escolar, por isso havia
necessidade de baratear o ensino. Para diminuir os custos da escola pública a solução
seria a utilização de manuais didáticos.
Outro aspecto da influência da Reforma na instrução pública até o século XIX, foi
a necessidade de alfabetizar o povo para a prática religiosa com leitura diária dos textos
sagrados da Bíblia, já que até então não se tinha acesso a estes. O indivíduo
alfabetizado seria responsável por sua própria fé, tornando obrigatório aos pais, a
responsabilidade pelo ensino de leitura dos filhos, porém as dificuldades decorrentes do
processo de produção, muitos pais negligenciavam essa obrigação. Posteriormente,
essa responsabilidade foi deslocada da família para a comunidade e a necessidade da
criação de uma escola pública veio à tona para sanar essa deficiência. Surgem as
iniciativas das igrejas e classes colaboradoras para efetivarem esse trabalho. O ensino
mútuo idealizado por Lancaster, foi o método difundido para se efetivar o processo
educativo. Tal método consistia no ensino por meio de monitoria, ou seja, os alunos já
letrados ensinavam os que estavam em níveis inferiores de aprendizagem.
Alves (2001) salienta a importância do ensino mútuo em dois aspectos: o fato de
seu emprego representar a primeira tentativa de se efetivar a universalização da
educação e o fato dessa técnica ter um caráter transitório, uma vez que emergiu da
necessidade de sanar uma demanda por serviços escolares em uma época carente de
instrução. Assim, a educação pública idealizada no seio da sociedade capitalista em
construção, com o passar do tempo, deixa de ser vista como uma arma contra o
pensamento medieval e passa a ser um aceno à igualdade econômica e social.
Segundo Leonel (1994), após a Revolução Francesa, já no início século XIX, o
espírito contra-revolucionário domina a classe burguesa em oposição à massa
trabalhadora (operariado). Nesse contexto, o homem liberal vive a contradição de ser
ao mesmo tempo egoísta e cidadão político, de atender ao interesse individual e ao
interesse coletivo. O conceito de ciência é engendrado em meio a essa contradição:
servir aos interesses individuais de produtividade ou aos interesses políticos com o
objetivo de sanar as desigualdades. São dois modelos de formação que surgem no
âmago dessas questões em meados do século XIX. Um deles é o modelo francês que
vai priorizar a formação do cidadão, para garantir a instalação da República, da
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democracia e do sentimento de patriotismo que ajudará a consolidar a identidade
nacional. Na França, a discussão da instrução pública tinha um peso político.
Rousseau (1999), em sua obra Emílio, distingue o homem natural do homem
social. No primeiro estado, o homem encontra-se próximo ao estado puro ou das forças
da natureza, que se manifesta na criança. O segundo estado, está ligado aos valores
provenientes da sociedade, os quais moldam o indivíduo para torná-lo cidadão, ou seja,
apto à vida social. E, assim, só poderá ser desnaturalizado pela educação, processo
que tem a finalidade de direcionar o indivíduo por meio da moral e evitar os vícios da
civilização. Dessa forma, é a educação que vai transformar o indivíduo natural em um
indivíduo político ou o cidadão. Segundo a análise de Leonel (1994), foi grande a
influência que a escola francesa humanista e sua literatura exerceram sobre os demais
países, principalmente sobre as novas repúblicas, dentre as quais o Brasil.
O segundo modelo de formação encontra-se nas bases do pensamento de
Locke, que concebe uma educação para todos que garanta o progresso da nação. Não
admite uma educação pela educação, defende uma educação utilitarista, para o
trabalho. Nesse período a burguesia que deseja restaurar e estabelecer o poder deve
lutar pela Unidade Nacional e, para isso, precisa formar uma geração de eleitores que
corroborem com a formação de um estado que vai defender a pátria, bem como os
interesses da burguesia. Nos paises em pleno processo de industrialização e
desenvolvimento das forças produtivas, a prioridade da escola será o desenvolvimento
do capitalismo.
Leonel (1994) conclui que nas bases do pensamento liberal encontra-se a
dualidade contraditória do homem moderno, o homem que se volta para o seu interesse
individual e o cidadão voltado aos interesses sociais. Para a autora, os modelos
educacionais que se fundamentam nessa dualidade são personificados na educação do
fidalgo de que Locke caracteriza pela educação do homem de negócios e a educação
do cidadão ou do homem político em Rousseau. A autora conclui ainda que, o que
essas idéias tem em comum é a concepção do indivíduo que vê na sociedade a
garantia de sua existência, e assim vê na educação o meio de passar do estado natural
(individual) para o estado social, desenvolvendo a natureza física de cada indivíduo e
substitui sua natureza moral individual por uma natureza moral social.
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Partindo dessa premissa, a educação voltada para todos deve ter presente essa
dualidade contraditória e isso não ocorre num processo linear e progressivo, mas em
um processo de continuidade e descontinuidade, fundamentando-se ora na matéria ora
na idéia, ou seja, defendendo os interesses individuais frente aos gerais, ou vice versa.
Nesse contexto o significado da arte também se modifica . O que antes era visto como
uma atividade coletiva, a qual de certa forma proporcionava e garantia a unidade do
grupo, passa a ser vista de maneira individual e a servir os interesses particulares de
classes.
2.1 O SIGNIFICADO DA ARTE NESTE NOVO CENÁRIO
A arte tem se caracterizado como forma de expressão humana desde os tempos
mais remotos. Fischer (1979, p.45) destaca que nos “alvores da humanidade a arte era
um instrumento mágico, uma arma da coletividade humana em sua luta pela
sobrevivência”. Até o período medieval a arte era uma produção coletiva, que
possibilitava aos indivíduos uma elevação acima da natureza. À medida que as
relações sociais vão se fragmentando na divisão do trabalho e com a propriedade
privada, o equilíbrio entre homem e natureza vai sendo cada vez mais abalado. Fischer
explica que,
A invasão do mundo feudal conservador pelo dinheiro e pelo comércio teve efeito de desumanizar as relações sociais e desagregar ainda mais a estrutura da sociedade. O “Eu” que só dependia de si mesmo e só consigo mesmo devia contar passou a ocupar o primeiro plano da vida.
Porém, em referencia a essa dualidade individual e o coletivo o autor destaca
que trabalho artístico traz em si a capacidade de unificar o eu singular ao coletivo,
recriando uma nova realidade, ao que conclui,
“Em todo o autêntico trabalho de arte, a divisão da realidade humana em individual e coletiva, em singular e universal, é interrompida; porém é mantida como fator a ser incorporado em uma unidade recriada”.
Mediante a essa dualidade e às mudanças nas concepções de homem e mundo,
que caracterizavam o período histórico de nossa análise, a função da arte também se
modifica. Até o século XVI a arte ocidental ou européia estava ligada a uma atividade
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intelectual e cultural. Sempre orientados por cânones ou padrões estéticos, segundo
Wilson (2005,p.81) os artistas deveriam
[...] possuir um amplo conhecimento dos temas da arte, das iconografias, dos assuntos e dos temas dos símbolos e alegorias da arte. Estes são os recursos intelectuais que receberiam forma artística O resultado deveria ser estético, artístico – cultural – um ideal artístico que persistiria até a metade do século XIX.
Com o advento do modernismo, compreendido de forma política desde o séc XV, essa idéia se modificou, buscava-se a pureza de inspiração como a da criança,
considerava-se que uma criança não era menos artista que um artista com formação
intelectual em arte. Wilson (2005, p.87) afirma que “as imagens das crianças realmente
pareciam possuir muito do frescor e da espontaneidade que os artistas estavam
buscando em sua própria arte”. O ensino da arte nesse sentido ganha um novo
enfoque, embora ainda realizada nos ateliês, e fora do contexto democrático da
educação em questão, esse novo estilo ou maneira de entender a atividade artística vai
influenciar também na maneira de instruir os novos artistas.
Entretanto, a maior influência na escola, tanto da inclusão das linguagens
artísticas como conteúdo de formação quanto da nova forma de pensar a infância foi de
Rousseau, ao enfatizar a importância dos sentidos na educação infantil. Antes de
Rousseau, a criança era considerada um pequeno adulto, foi ele um dos primeiros a
considerar que a criança apreende o mundo em primeira instância por meio dos
sentidos. Ou seja, a primeira leitura a ser proporcionada à criança deve ser a leitura do
mundo, a qual deverá ser feita pelos sentidos.
Como tudo o que entra no entendimento humano vem pelos sentidos, a primeira razão do homem é a razão sensitiva; é ela que serve de base para a razão intelectual: nossos primeiros mestres de filosofia são nossos pés, nossas mãos, nossos olhos. Substituir tudo isso por livros não é ensinar a raciocinar, é nos ensinar a nos servir da razão alheia; é nos ensinar a crer muito e nunca saber nada. (ROUSSEAU, 1999, p. 141)
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Nessa afirmação, Rousseau considera a educação dos sentidos essencial para
que a criança aprenda de forma contextualizada e concebe a educação como um
processo de apropriação e formação. Em sua visão, o homem não nasce pronto, mas
se constrói e essa construção não lhe deveria ser imposta. Identificamos aqui uma clara
oposição ao racionalismo que imperava no século XVIII.
Essa nova idéia de educação infantil abriu caminhos para inserção dos
elementos fundamentais das linguagens artísticas no processo de alfabetização infantil.
A arte entrou na escola como um meio e não como um fim. Entretanto, o artista também
estava mudando sua visão sobre a criação artística e a nova perspectiva no mundo da
arte propiciava as primeiras discussões sobre a importância do ensino da arte na
formação do indivíduo. Tal relevância, porém, não será entendida de imediato, pois
como o próprio processo de implantação da escola pública, a arte terá vários
significados no processo de ensino, de acordo com as tendências pedagógicas de um
determinado período histórico, ora ensinada em uma perspectiva tecnicista para
adestramento da mão de obra ora enfatizada como espontaneidade.
Porém tudo isso deve ser entendido dentro do processo de universalização do
ensino, o que para Alves (2001), tal processo não se fez de imediato, ou seja, a simples
idéia da criação de um Sistema Nacional de Ensino não significa sua concretização,
esta só seria possível mediante condições concretas amadurecidas. O desenvolvimento
da tecnologia e as transformações nas relações de trabalho determinariam a
necessidade da criação de uma escola única e não mais dualista como a anterior, a
qual separava a educação do dirigente e do trabalhador, além de definir também a
clientela escolar. Por isso, trataremos, em seguida, as idéias que circularam no
pensamento educacional brasileiro e as primeiras iniciativas de implementação do
sistema de educação em âmbito nacional e a educação estética durante a Primeira
República.
2. A EDUCAÇÃO NA PRIMEIRA REPÚBLICA DO BRASIL. O Sistema Nacional de Educação começou a ser idealizado já no início do
período republicano, porém as primeiras idéias não se concretizaram por causa das
condições materiais da época e às necessidades constituídas no bojo dessa realidade.
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Ao se instalar o regime republicano no Brasil, as condições econômicas e
políticas regionais eram heterogêneas, de modo que as transformações ocorreram de
forma lenta e desigual. As oligarquias que se configuravam nas bases econômicas e
políticas das regiões se diferenciavam em sua forma, no Nordeste prevalecia o
latifúndio e o patriarcado e em São Paulo, a agricultura mercantil, as quais constituíam
as classes dominantes do país. No início da República, poucas eram as províncias que
se encontravam em situação econômica favorável, como era o caso de São Paulo,
Minas Gerais e o Rio de Janeiro. No âmbito social, o processo de urbanização
proveniente do fortalecimento da economia agrário exportadora, se configurava em uma
crescente diferenciação entre negros e brancos, imigrantes e novos profissionais que
surgiam nas áreas urbanas, como profissionais liberais e as mais variadas formas de
trabalho assalariado.
Essa época foi marcada pelas Exposições Internacionais que ocorreram de 1851
até 1920. Nessas exposições, os países apresentavam todos os seus produtos de
indústria, comércio, arte e cultura. Esses eventos proporcionavam a circulação de
idéias,conhecimentos e conceitos, pois era uma forma de conhecer o que cada nação
estava produzindo, se constituindo também, em uma forma pela qual os intelectuais
tomavam conhecimento do que estava acontecendo no mundo.
O ano de 1870 foi marcado pelo acirramento das discussões em torno da
abolição da escravatura, da Proclamação da República e também da educação escolar.
Nos congressos agrícolas, iniciavam-se os debates em torno da substituição do
trabalho escravo pelo trabalho livre. Ao mesmo tempo, ocorriam experiências, por meio
de iniciativas não estatais, para o ensino de ofícios como as Colônias Orfanológicas,
por exemplo, em locais onde agregavam ex-escravos e ensinavam os primeiros ofícios.
Em contrapartida, a fragilidade da identidade nacional era proeminente. A vinda
dos imigrantes era uma das principais preocupações entre os intelectuais e os
dirigentes. A preparação massificante de mão de obra considerada desqualificada para
o novo modelo de produção que surgia, juntamente com a necessidade de se criar uma
Identidade Nacional, ameaçada pelo contingente de estrangeiros localizados em
regiões distantes, em virtude da grande extensão territorial do país, resultaram nas
primeiras iniciativas de criação da escola primária e da organização do Sistema
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Nacional de Ensino. Assim, em 1894, foi criado o primeiro Grupo Escolar em São Paulo
com o objetivo de oferecer a escolarização primária.
A escola pública primária do final do século XIX tinha as seguintes adjetivações:
laica, gratuita, estatal e obrigatória, destinada a toda população. Neste momento,
iniciava-se o debate em torno da educação e, especialmente, da educação escolar,
pois, a partir daí, haveria uma disseminação da instituição escolar e,
conseqüentemente, desencadearia uma série de debates e discussões em torno da
organização institucional, método didático, formação de professores, espaço físico,
entre outros.
Saviani (2006) descreve o processo gradual de organização da educação que
ocorreu no século XIX, o qual passou do método individual para o ensino mútuo e deste
para o simultâneo e finalmente para o método intuitivo. O aumento da demanda escolar
culminou na necessidade de se construir locais específicos para realização das
atividades de ensino. Dessa exigência resultou na construção de grupos escolares e.
sob a responsabilidade financeira do Estado, foram construídos prédios específicos
para o funcionamento de escolas.
A organização do ensino de arte no Brasil surgiu em primeiro lugar em nível
superior, sendo concretizado com a criação da Academia de Belas Artes com a vinda
dos artistas da Missão Francesa, trazida por Dom João VI, no início século XIX somente
muito tempo depois é que se começou a pensar em inserir a arte no ensino primário.
3.1 O ENSINO DA ARTE NO BRASIL
Segundo estudos realizados por Barbosa (1984), a preocupação com o ensino
de arte no Brasil teve início com o primeiro surto de industrialização no final do século
XIX. Antes disso, as atividades ligadas à arte eram consideradas essencialmente
femininas destinadas às moças de boa criação, com o objetivo de conseguir realizar um
bom casamento dentro de uma sociedade aristocrática, na qual as mulheres se
ocupavam do ócio elegante.
Barbosa (2002) explica ainda que o preconceito formado em torno do ensino da
arte está diretamente ligado as circunstanciais que levaram a criação da Academia
Imperial de Belas Artes no início do século XIX, e a vinda da Missão Francesa para o
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Brasil. Os artistas que aqui chegaram, estavam diretamente ligados à figura de
Napoleão, o qual nessa época já vinha recebendo críticas acirradas pela imprensa
local. “Portanto, a oposição política foi uma das influências na configuração do
preconceito contra o ensino de arte no Brasil” (BARBOSA, 2002, p.18).
Outro preconceito de ordem estética estaria ligado a vinda de artistas franceses,
afirma ainda Barbosa (2001), devido ao fato de que tais artistas traziam para o Brasil o
estilo neoclássico em voga na Europa e aqui iriam se deparar com o estilo barroco,
consagrado como uma arte genuinamente brasileira e ligada ao povo. O estilo
neoclássico que na Europa estava ligado às tendências revolucionárias chegou ao
Brasil como um estilo ligado ao adorno da aristocracia. O que resultou em uma
elitização da arte. A arte como adorno e luxo. Outro aspecto é a forte influência dos
jesuítas na educação que separavam o fazer manual do trabalho intelectual, o que
levava a uma desvalorização das artes plásticas e uma valorização da literatura.
O final do século XIX foi marcado por profundas mudanças no plano político e
social, alterando as formas de relação de trabalho com a abolição da escravatura e a
necessidade de preparar esse contingente de pessoas para o trabalho industrial,
urbano e assalariado.
Na perspectiva de preparação para o trabalho, as propostas de ensino de arte no
Brasil foram influenciadas pelo ideário norte americano, especialmente, as idéias de
Walter Smith, diretor de arte-educação em Massachusetts, por sua identificação com a
formação profissional, que enfatizava o ensino de desenho. Segundo Barbosa (1984,
p.13), Abílio César Pereira Borges, “foi o responsável pela implantação dos métodos de
Walter Smith, que se tornaram a base para o ensino de desenho na escola primária e
secundária no Brasil por quase trinta anos”. Esses métodos só vieram a ser contestado
depois da Semana de Arte Moderna de 1922. Esta visão modernista da arte exerceu um efeito profundo sobre arte – educação. As crianças nascem num estado alegremente ingênuo, e quando elas se dirigem para arte, é responsabilidade do professor cuidar para que elas não se contaminem pelas influencias de arte do passado. Nas escolas, a arte deveria ser um alimento natural, não instrução. (WILSON, 2005, p.90)
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A influência do liberalismo americano e do positivismo francês permeou a criação
das leis educacionais após a Proclamação da Republica. A inclusão do desenho
geométrico no currículo escolar tinha o objetivo de desenvolver a racionalidade e,
juntamente com a cópia, foram os elementos da linguagem artística que permaneceram
na educação das crianças entre 1890 e 1920. Após essa data, o ensino de arte passou
a ter uma nova finalidade que era desenvolver o impulso criativo. Esse princípio
desenvolveu-se primeiramente nos Estados Unidos, com a influência da Escola Nova e
depois ganhou força também no Brasil.
Na avaliação de Barbosa (2001, p.34), “[...] nada mais natural para os brasileiros
que vencer o preconceito contra o ensino da arte, reduzindo-o ao ensino do desenho e
procurando valorizá-lo pela sua equivalência funcional com o escrever”. No primeiro
momento, o ensino de desenho fora adotado no ensino primário e secundário e também
na formação de professores. Era pautado na valorização do resultado e dirigido de
forma autoritária, centrada sempre na autoridade absoluta do professor.
Os estudos desenvolvidos a partir do método intuitivo, já estavam presentes nas
concepções educacionais européias e norte-americanas, o qual era balizado nas
propostas de desenvolvimento dos sentidos, mas ainda não havia uma proposta para
fundamentar do ensino da arte. Somente após o movimento modernista, o ensino de
arte passou por mudanças significativas em suas acepções.
3. O MÉTODO INTUITIVO.
As discussões em torno da consolidação do ensino público, gratuito e laico,
tiveram em grande repercussão a partir da segunda metade do século XIX, como
explica Souza (2006 p.69):
[...] tratados, congressos e debates sobre a melhor forma de confinar crianças para melhor educá-las mobilizaram educadores, médicos, higienistas, arquitetos e intelectuais europeus e norte-americanos. Os Pareceres de Rui Barbosa trazem inúmeros exemplos detalhados sobre discussões em torno da organização física, material e pedagógica da escola primária.
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No entanto, salientamos que entre os debates que mobilizaram a comunidade
acadêmica e a implementação efetiva do sistema escolar, havia uma grande distância
imposta pelas dificuldades materiais e políticas, fatores contundentes que acabavam
por frear o ritmo dessas mudanças. Nesse movimento, quais seriam as regiões
priorizadas para construções de salas de aulas e estabelecer os grupos escolares? Os
centros urbanos e os estados mais desenvolvidos ditavam as regras para os demais
estados nesse processo de construção da escola pública, como foi o caso do estado de
São Paulo.
O Método intuitivo ou lições de coisas se constituiu no método mais apropriado
para educação das classes populares, o qual se generalizou num cenário mundial.
Sabemos hoje que a dimensão da arte é determinante para consolidação da cultura de
um povo, mas naquele momento não se pensava no ensino de arte por essa
perspectiva de formação. A arte tinha uma conotação aristocrática. Era ensinada nos
ateliês e a formação profissional na Academia de Belas Artes. O modelo de ensino era
individualizado, numa relação de mestre e discípulo que se arrastava desde a Idade
Média. Como pensar o ensino de arte para uma sala que agora freqüenta até quarenta
alunos de uma vez? Esta não é uma questão que se restringe somente à arte, mas é
um desafio atual para todas as áreas do conhecimento. Por isso os debates sobre
prédios, mobiliários, horários de funcionamento e outros quesitos, começavam a se
configurar como uma cultura escolar nacional mantida intacta até os dias de hoje.
Mais especificamente no que diz respeito à arte, a urgência era de uma
educação que priorizasse a agilidade das mãos para o trabalho e que moldasse as
mentes para o espírito de nacionalidade, para formação de eleitores e para a
constituição do cidadão.
Schelbauer (1998) faz uma analise a partir do verbete intuição e método intuitivo do Dicionário de Pedagogia e Instrução Primária organizado por Buisson no
início da década de 1880, que entende a intuição como um meio de conhecimento
natural do ser humano. Dentro da intuição, a intuição dos sentidos é o mais comum e
simples entre todos, e assim deve ser o meio pelo qual a educação se iniciará. Ou seja,
os sentidos equiparam as condições iniciais de aprendizagens e coloca a todos em
condições de igualdade. Destarte o método intuitivo consistia na forma de se aprender
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tudo por meio da experiência sensitiva. A observação e a experimentação seriam a
garantia de uma efetiva compreensão e não da memorização. Valdemarin (2006, p. 90)
afirma que “[...] o método intuitivo é entendido por seus propositores europeus como um
instrumento pedagógico capaz de reverter a ineficiência do ensino escolar.” Essa
ineficiência seria fruto de uma educação pautada na memorização que resultava em
uma repetição de conceitos sem compreensão.
O movimento de renovação pedagógica reuniu argumentos para interferir contra
o caráter abstrato e pouco utilitário da instrução, propondo novos métodos e novos
materiais, que possibilitaria ampliar a percepção e as experiências empíricas como
mediação da aprendizagem. Essas inovações foram divulgadas em vários países por
meio de exposições universais realizadas em cidades como: “Londres (1862), Paris
(1867), Viena (1873), Filadélfia (1876)” (Valdemarin, 2006a, p.91).
Entre os materiais e exercícios propostos por esse método estão as caixas para
ensino de cores, formas, gravuras, coleções e objetos variados de madeira, aros linhas,
papéis e figuras geométricas. Valdemarin (2006a, p.98) afirma que o fundamento do
método idealizado por Froebel e Pestalozzi está na
[...] proposição de que a aprendizagem tem seu início nos sentidos que operam sobre os dados do mundo para conhecê-lo e transformá-lo pelo trabalho e que a linguagem é a expressão desse conhecimento. No processo de elaboração e reelaboração do conhecimento, vai evidenciando-se a necessidade de introduzir as ciências naturais e o desenho como conteúdos escolares essenciais, a preocupação com a educação corporal, instrumento de conhecimento e de trabalho, as séries lógicas de exercícios que permitem a progressão e o direcionamento da aprendizagem disciplinada. Desses princípios e da introdução de novos conteúdos decorre a necessidade de criação de novos materiais didáticos, a utilização do canto e da ginástica concebidos como meios de efetivá-los.
Podemos notar que a utilização do desenho como um meio de sintetizar o
conhecimento, era um recurso utilizado com o objetivo de verificar a aprendizagem,
além de ser direcionado a aplicações industriais e também artísticas, ou seja,
destinava-se tanto a ornamentação quanto à construção de objetos. E ainda o desenho
no início da educação infantil consistia “numa preparação para a diversidade de suas
aplicações a serem posteriormente desenvolvidas, possibilitando ao mesmo tempo
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educar o olho e a mão” (Valdemarin, 2006a, p.95). A educação do olho era para
desenvolver a percepção e o adestramento da mão como um eficaz instrumento de
trabalho.
O exercício do desenho e da interpretação de formas no método intuitivo
destinava-se a desenvolver as competências de abstração e de generalização, de
combinação e de idealização integrando formas geométricas às artísticas. Justifica-se a
cópia, uma vez que nem tudo era inventado e que muitas das realizações humanas
partiram da cópia, destarte era fundamental que a criança aprendesse a copiar bem. O
trabalho do artista consistia em criar a partir do que já existe. Era transformar, era ser
criador, era trabalhar.
Outro fator que contribuiu para configuração do significado das aulas de arte
daquele período os quais se estenderam até hoje, era a questão da formação de
professores. O método tornava-se o manual no exercício de ensinar.
O método sintetiza todos os elementos próprios da tarefa educativa, uma vez que os procedimentos didáticos e os passos metódicos para a sua prática são traduções da teoria do conhecimento, aplicadas a uma faixa etária, desenvolvida sobre um conteúdo sancionado socialmente e concretizadas nos objetos didáticos. (VALDEMARIN, 2006b, p.176)
O professor deveria ter uma boa formação com sólida base de conhecimentos
gerais e deveria também observar atentamente a prática e a regência dos professores
mais velhos e experientes. As maiores dificuldades, segundo Valdemarin (2006a), eram
as reais condições materiais das várias realidades singulares para a efetivação das
generalizações do método intuitivo, instituídas em forma de decretos e leis
educacionais da época, como exemplo o Decreto n. 7.247, de 1879 de Leôncio de
Carvalho que prescrevia o método intuitivo como o método a ser utilizado na educação
elementar. Outras dificuldades para aplicação desse método eram causadas pela falta
de material didático e ausência de formação de professores.
Barbosa (1985) relata que no Brasil o desenho geométrico e a cópia estiveram
sempre presentes na educação escolar de nossas crianças, o qual permaneceu até os
dias de hoje, enquanto nos Estados Unidos de 1890 a 1920, os novos métodos de
ensino de arte foram propostos, na Lei Federal de 1899 (EUA), que apontava como
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principal finalidade da arte na Educação, o desenvolvimento do impulso criativo. Nesse
momento, naquele país, os estudos da Psicologia começaram a enfatizar a relação
entre o processo cognitivo e o afetivo. Essa tendência abriu caminho para as teorias de
John Dewey, as quais tiveram grande influência no Brasil por meio de Anísio Teixeira,
Fernando Azevedo e Lourenço Filho. Esses educadores buscavam inovações nos
sistemas de ensino, que precisavam responder às necessidades de uma sociedade
democrática, apoiadas no discurso do desenvolvimento científico e tecnológico para
garantir o progresso da nação. Tal inovação e modernização deveriam sanar os
problemas emergentes naquela época, como o analfabetismo, ampliar o tempo de
escolaridade, preparar professores, favorecimento da teoria em detrimento da prática
nas escolas normais. A proposta pedagógica de Dewey, segundo Valdemarin (2006b),
valoriza a experiência e a pesquisa no laboratório para levar o aluno a reflexão, porém
o conhecimento não teria mais como ponto de partida o conhecimento dos objetos, mas
o uso dos sentidos na solução de problemas. O professor estaria agora em condições
de igualdade com o aluno, e não mais como aquele que detém o conhecimento ou o
método. Valdemarin (2006b, p. 197) comparou o método intuitivo em vigor no início do
século XX e as concepções de Dewey que vigoraram também nesse século e concluiu
que houve uma inflexão na função docente: não seria mais o professor o único
responsável pela aprendizagem do aluno, e nem o detentor absoluto do método de
ensino. O ambiente, a escola, a comunidade e o próprio aluno são determinantes nesse
processo. E explica, [...] na medida em que deter conhecimentos sobre o processo metódico de provocar aprendizagem no aluno coloca o professor como agente responsável por esse processo de modo mais seguro – a garantia do método –, ao passo que deter conhecimentos sobre o processo cognitivo e sobre o meio no qual se insere a instituição escolar coloca-o na posição indiferenciada de participante desse mesmo meio sem garantias de qual elemento determina a aprendizagem.
Outra análise realizada por Valdemarin (2006b) aponta para os pré-requisitos
que são determinantes para a efetivação da concepção pedagógica de Dewey, na qual
se fundamenta no modelo de democracia da sociedade norte-americana, não apenas
no aspecto político, mas uma forma de vida em que os problemas comuns da
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comunidade tenham soluções apontadas pelo conhecimento que possibilitem uma ação
nesse contexto social. Entretanto, a sociedade brasileira nesse período, convivia com
uma acentuada desigualdade de condições de vida e também de acesso às
experiências culturais. Uma aprendizagem que tome como ponto de partida um sistema
doutrinário pautado no conceito de experiência em uma sociedade carente de
experiências culturais significativas seria cair em um mecanismo reducionista e
simplista das proposições originais formulados há cem anos.
A partir de 1920, com a Reforma de Sampaio Dória e depois reforçado pela
Escola Nova, começou um movimento no Brasil para a inclusão do ensino da arte na
escola primária como atividade integrativa, a qual tinha a função de expressar o que se
tinha aprendido nas outras aulas, como geografia ou história. Porém como observa
Barbosa (1985, p.44), os métodos não se modificaram “prevalecendo a cópia do
material visual usado como motivação”.
CONSIDERAÇÕES
É possível verificar que o desenho, o qual é uma das linguagens da arte, é
amplamente usado pelo método intuitivo, com a finalidade de adestrar para o trabalho.
O trabalho artístico quando é realizado com conhecimento de seus códigos busca
apreender o real e recriá-lo, resultando em uma reflexão crítica desse real, porém sem
essa contextualização acaba por esvaziar o seu sentido e se torna mera repetição
mecânica. Foi nesse sentido que linguagem da arte começou a ser inserida na vida
escolar de nossas crianças.
A influência do Modernismo que se materializou na Semana de Arte Moderna e
provocou a primeira grande renovação metodológica no ensino de arte, o interesse
pelas teorias expressionistas e a teoria psicanalítica de Freud, além da valorização da
expressão artística de comunidades primitivas, levou a uma valorização da Arte Infantil.
A função da educação estética naquele momento confrontava-se com a própria
natureza da arte que se constitui em um meio de análise crítica da realidade. Dessa
forma, propõe e provoca mudanças. Ao considerar a arte apenas pelo aspecto
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espontaneista e sensitivo esvazia a arte de seu conteúdo histórico, e não viabiliza o
esclarecimento e a visão crítica da realidade.
O método intuitivo foi um avanço na educação escolar que apontou para a
possibilidade de uma educação democrática na qual o aluno passou a ser o foco no
processo ensino aprendizagem. No entanto, não o levou a realizar uma análise crítica
das ações humanas e das relações do homem, com a natureza e com a sociedade,
inseridos em um processo histórico. Os elementos fundamentais dos códigos de
linguagens artísticas eram trabalhados como forma de adequar e conformar o indivíduo
à ordem social estabelecida pela classe dominante, sem que se conhecesse seus
fundamentos e a suas diferentes manifestações.
A arte era vista como adorno e dispensável na vida das pessoas, embora seus
elementos de linguagem fossem difundidos como instrumentos de aprendizagem. No
caso do desenho, não foi o professor artista responsável pelo ensino de arte naquele
momento e sim, o estudante das escolas normais, que associavam a arte à
aprendizagem e à psicologia. Sua formação era descontextualizada dos elementos da
história da arte e de seus fundamentos. Ou seja, disseminou-se a idéia de que “a arte
não deve ser ensinada, mas expressada” (Barbosa, 1985, p.45).
Finalmente podemos concluir que o ensino da arte quando exercido pelos
artistas até o século XVIII ocorria de forma individual e restrita somente aos
interessados como atividade intelectual, vista assim especialmente depois do
Renascimento. Com o desenvolvimento tecnológico, a atividade artística passou ser
vista como uma categoria do trabalho manual para executar tarefas ou criar objetos. Daí
surgiu a necessidade de qualificar o trabalhador para essa tarefa, exigindo a criação de
locais específicos para a educação desse indivíduo, o qual teria um ensino pautado nos
sentidos e no desenvolvimento da percepção. Ou seja, no momento em que a escola se
abre para os sentidos e para percepção que são dois princípios fundamentais da
criação e do trabalho artístico, tais preceitos se transformam em instrumentos de
treinamento e adestramento das habilidades para o trabalho manual, esvaziando seu
conteúdo, deixa de ser intelectual para ser mecânico. Quando a expressão passou a
permear o fazer artístico, o intelectual foi negado e em seu lugar privilegiou-se a livre
expressão e, assim, transformou a atividade artística desenvolvida na escola em
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atividade de lazer sem fundamento, ou com a função utilitarista de qualificação para o
trabalho. As conseqüências disso estão ainda hoje nas escolas.
No entanto, o movimento para um ensino da arte como uma categoria do conhecimento
humano, em uma perspectiva histórica, voltado para a valorização da cultura, ganhou
espaço e culminou com a aprovação da Lei 9394/96 que determinou a obrigatoriedade
do ensino de arte em todas as séries da Educação Básica no Brasil. Sabemos que as
determinações legais, na maioria das vezes, expressam o desejo e o movimento de
uma categoria da sociedade, mas não garante sua efetiva realização, porque depende
de condições materiais e de situações específicas de cada realidade. Assim tem
ocorrido com ensino de arte, ainda é precário o número de cursos destinados à
formação de professores nessa área. O que é pior, a disciplina de arte é ministrada por
leigos e, na maioria das vezes, tratada como lazer sem nenhuma fundamentação
teórico-metodológica.
Com a universalização da escola pública ou escola para todos, o processo
educativo tem se caracterizado por buscar soluções teóricas e metodológicas que
permitam unificar o ensino e viabilizar uma aprendizagem em massa. Porém,
verificamos que as diferenças culturais, regionais e individuais, podem ser muito ricas
no diálogo da convivência escolar por meio dos elementos estéticos, para a formação
da subjetividade e do conhecimento do aluno enquanto agente de sua própria história.
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