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O ENSINO DE CARTOGRAFIA NO CONTEXTO DO ALUNO SURDO: DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA A INCLUSÃO Célia Ferreira dos Reis UFU - Universidade Federal de Uberlândia Professora da Rede Municipal de Ensino [email protected] GT 04: Educação e Diversidade Resumo: O presente trabalho é o resultado de pesquisa realizada em uma Escola Estadual no munícipio de Uberaba-MG ainda na Graduação, com alunos do 1º ano do Ensino Médio, relatando as experiências vivenciadas no contexto do aluno surdo. O objetivo geral da pesquisa foi observar e analisar as principais dificuldades enfrentadas pelos alunos surdos inseridos na rede regular de ensino, já o objetivo específico busca compreender a visão do aluno quanto ao conteúdo de Cartografia. Acompanhando como o professor trabalha a inclusão desses alunos vindos da rede especial de ensino. A metodologia empregada foi o levantamento bibliográfico, com base no método fenomenológico, visando a natureza qualitativa. Os procedimentos adotados foram a observação simples dos alunos surdos em sala de aula e com participação direta na sala de recursos auxiliando e esclarecendo nas resoluções das atividades propostas. Participaram doze alunos surdos sendo oito mulheres e quatro homens. Os resultados da pesquisa demonstram que o processo de inclusão ainda se encontra em construção e que os alunos da referida pesquisa apresentam um pouco de dificuldade quanto a interpretação de textos e atividades propostas no geral e que a Cartografia é para eles de difícil entendimento. As considerações a que a autora chegou é que a fim de estabelecer o processo inclusivo de forma plena desenvolvendo não só os saberes e conhecimento quanto aos conteúdos a serem ensinados, é preciso também da participação de todos os atores escolares, ou seja, diretor, coordenador pedagógico, professores, alunos e os pais trabalhando e cultivando valores como respeito às diferenças e o acolhimento para que os alunos surdos se sintam também parte integrante da escola. Palavra Chave: Aluno surdo; Cartografia; Inclusão Escolar

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O ENSINO DE CARTOGRAFIA NO CONTEXTO DO ALUNO SURDO:

DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA A INCLUSÃO

Célia Ferreira dos Reis

UFU - Universidade Federal de Uberlândia

Professora da Rede Municipal de Ensino

[email protected]

GT 04: Educação e Diversidade

Resumo:

O presente trabalho é o resultado de pesquisa realizada em uma Escola Estadual no

munícipio de Uberaba-MG ainda na Graduação, com alunos do 1º ano do Ensino

Médio, relatando as experiências vivenciadas no contexto do aluno surdo. O objetivo

geral da pesquisa foi observar e analisar as principais dificuldades enfrentadas pelos

alunos surdos inseridos na rede regular de ensino, já o objetivo específico busca

compreender a visão do aluno quanto ao conteúdo de Cartografia. Acompanhando como

o professor trabalha a inclusão desses alunos vindos da rede especial de ensino. A

metodologia empregada foi o levantamento bibliográfico, com base no método

fenomenológico, visando a natureza qualitativa. Os procedimentos adotados foram a

observação simples dos alunos surdos em sala de aula e com participação direta na sala

de recursos auxiliando e esclarecendo nas resoluções das atividades propostas.

Participaram doze alunos surdos sendo oito mulheres e quatro homens. Os resultados da

pesquisa demonstram que o processo de inclusão ainda se encontra em construção e que

os alunos da referida pesquisa apresentam um pouco de dificuldade quanto a

interpretação de textos e atividades propostas no geral e que a Cartografia é para eles de

difícil entendimento. As considerações a que a autora chegou é que a fim de estabelecer

o processo inclusivo de forma plena desenvolvendo não só os saberes e conhecimento

quanto aos conteúdos a serem ensinados, é preciso também da participação de todos os

atores escolares, ou seja, diretor, coordenador pedagógico, professores, alunos e os pais

trabalhando e cultivando valores como respeito às diferenças e o acolhimento para que

os alunos surdos se sintam também parte integrante da escola.

Palavra Chave: Aluno surdo; Cartografia; Inclusão Escolar

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INTRODUÇÃO:

O presente trabalho é um relato de experiência vivenciado ainda no tempo de

graduação de um dos autores durante a pesquisa realizada para conclusão do curso de

Geografia em 2013. Foram estudados e pesquisados os alunos surdos matriculados em

uma Escola Estadual do município de Uberaba-MG. Tendo como objetivo geral

observar e analisar as principais dificuldades enfrentadas pelos alunos surdos vindos da

Rede Especial de Ensino e mais especificamente os conteúdos de cartografia. Sendo que

estes alunos estão vivenciando a experiência da Inclusão na Rede Regular de Ensino.

A metodologia empregada na pesquisa foi o levantamento bibliográfico, por

meio de livros, artigos científicos e revistas especializadas em educação como forma de

fundamentação teórica. Adotou-se o método fenomenológico visando à natureza

qualitativa, os procedimentos técnicos foram a observação simples em sala de aula e

participação direta na sala de recursos como forma de refletir sobre a vivência escolar e

a adaptação do aluno surdo na rede regular de ensino.

Participaram da pesquisa 12 alunos sendo 08 (oito) mulheres e 04 (quatro)

homens distribuídos no matutino e vespertino, cursando o 1º ano do Ensino Médio.

Formam um grupo bastante heterogêneo no quis diz respeito a característica de cada

um, visto que alguns apresentam diferentes graus de surdez, podendo observar, desde

perdas moderadas, em que o aluno ainda consegue ouvir alguns sons à surdez profunda.

Essa questão está diretamente ligada ao desenvolvimento da linguagem. Com isso,

alguns dos alunos surdos são oralisados, em contra partida outros não. É importante

salientar:

Quando a surdez se instala em uma idade muito tenra, antes da

aquisição da fala, o indivíduo fica sem nenhuma experiência

auditiva, nesse caso denominado de surdez pré-lingual1, estão

comprometidos aspectos como o aprendizado da significação

das palavras e sons, ficando a criança desprovida de memória

auditiva. (DIAS; SILVA; BRAUN, 2009, p. 102).

1 Grifos das autoras.

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Por conseguinte, ao ter contato, mesmo que minimamente, com os sons e

palavras, a criança que venha a desenvolver a surdez por qualquer motivo que seja,

posteriormente ao desenvolvimento da fala, terá outras perspectivas, pois a mesma já

armazenou em sua mente os sons respectivos de cada palavra com isso, tendo menos

dificuldades que as completamente surdas desde o seu nascimento.

A maioria dos participantes da pesquisa apresentam a LIBRAS como L12. Com

isso, para efeito de pesquisa, foram todos denominados de surdos para que houvesse

uma diferenciação entre os alunos ouvintes, apenas a título de explicação, nada tendo a

haver com nenhum tipo de discriminação ou tratamento pejorativo. Segue abaixo tabela

1 demonstrativa dos graus de surdez.

Tabela 1 - Os diferentes graus de surdez

Fonte: Gesser 2009, p. 72.

Adaptado por: REIS, C. F.

Estudos relevantes sobre a aquisição da linguagem na educação dos surdos vem

sendo realizados no Brasil, podendo salientar as pesquisas de Quadros (2008), que

ressalta a importância histórica de teóricos como Chomsky introduzindo estudos sobre a

aquisição da linguagem sob o ponto de vista gerativista. "Há um módulo na

mente/cérebro dos seres humanos que é responsável pela linguagem. A natureza dessa

faculdade é o objeto da teoria linguística que objetiva descobrir os princípios e

elementos comuns das línguas humanas". (QUADROS, 2008, p. 16).

2 L1 é a primeira língua adotada pelo surdo, sendo que a L2, seria uma segunda língua no

caso do Brasil o português acompanhada de sua respectiva grafia, levando em consideração o contexto do aluno surdo. 3 Classificação por decibéis (dB).

Grau de Surdez

Normal Até 25 dB3

Leve 26 a 40 dB

Moderado 41 a 55 dB

Moderadamente severa 56 a 70 dB

Severa 71 a 90

Profunda Maior que 91 dB

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Assim, baseado nesses pressupostos entende-se que os alunos surdos passam por

processos para a aquisição da Língua de Sinais L1 e a Língua Portuguesa L2 e sua

respectiva grafia, sendo possível compreender esses processos por meio da teoria de

Chomsky. Considerando tais estudos, Quadros (2008) enfatiza que:

"[...] a Gramática Universal (GU), pode ser aplicada ao estudo da

escrita do português por alunos surdos. Com certeza há diferença

entre a aquisição do português escrito por crianças surdas e os casos

típicos de aquisição de L2."

Em função de ter que se adequarem a uma realidade muitas vezes distintas da

comunidade surda, algumas famílias, assim como alguns alunos surdos já adultos,

optam por desenvolver o oralismo que é o aprendizado da fala com base na língua oral,

ocorrendo várias sessões de fonoaudiologia.

"O oralismo é uma proposta educacional que não permite que a

Língua de Sinais (LS) seja usada nem na sala de aula nem no

ambiente familiar, mesmo sendo esse formado por pessoas surdas

usuárias da Língua de Sinais." (QUADROS, 2008, p. 22).

Percebe-se que esta proposta se traduz por meio da negação a pessoa com surdez

ignorando totalmente sua cultura impondo os padrões da sociedade ouvinte em

detrimento dos valores socioculturais da comunidade surda.

Com isso, historicamente o surdo viveu sob impasse entre teorias e propostas

educacionais embasadas no Português, sendo a LS adotada como suporte, não como

língua majoritária, ocorrendo assim o português sinalizado na tentativa de se realizar a

educação escolar da criança surda. Sofrendo assim um déficit e comprometimento na

aprendizagem do aluno. "Nas escolas brasileiras, é comum terem surdos com muitos

anos de vida escolar nas séries iniciais sem uma produção escrita compatível com a

série". (QUADROS, 2008, P.23).

Corroborando com a ideia dos autores, foi possível evidenciar por meio de

observações diretas com os alunos na Sala de Recursos a dificuldade de interpretação

dos alunos surdos, a exemplo de uma atividade proposta pelo professor de Sociologia à

turma do 1º ano do Ensino Médio que consistia na seguinte questão: "Procure em

revistas velhas e usadas, imagens que demonstrem a desigualdade social e escreva

abaixo sua relação."

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O aluno buscou as revistas e perguntou pelo que ele deveria procurar. Então o

mesmo foi instruído a ler novamente o enunciado da atividade para saber o que procurar

com o intuito de incentivá-lo a buscar a aprendizagem de forma mais autônoma, porém

ele então sinalizou que não entendeu o enunciado. Demonstrando claramente a

dificuldade de relacionar as palavras e seus significados evidenciando a falta de domínio

quanto ao conceito de desigualdade social.

Somente após dar exemplo como: fome, favela, Movimento dos Trabalhados

Rurais Sem Terra (MST), etc, é que ele conseguiu localizar algumas imagens

correspondentes, ainda assim teve dificuldade em inter-relacionar as imagens opostas

que apresentavam entre elas as desigualdades, sendo necessário auxiliá-lo.

A situação abordada acima, nos faz refletir sobre os caminhos que nortearão o processo

de ensino e aprendizagem visando o contexto do aluno surdo, e a sua forma de conceber

o mundo e construir os conteúdos trabalhados em sala de aula. "A compreensão de uma

palavra ou termo requer vários significados, que podem ser factuais ou epistemológicos,

mostrando que, a partir de um conceito, pode-se obter outro ou analisar a sua relação

com outro conceito." (CASTELLAR; VILHENA, 2010, p. 100).

A aprendizagem do aluno depende de muitos fatores que não estão somente

ligados à questão da didática ou estratégias docentes. Vai muito além, envolvendo

outros fatores como a própria vontade de o aluno querer aprender. Além disso, fatores

sociais também podem interferir direta ou indiretamente, tornando-se imprescindível

conhecer a realidade dos alunos, saber como e onde vivem, se há condições propícias

para que esse aluno estude, além da participação ativa da família, contribuindo e

incentivando para a aprendizagem das crianças e jovens.

Foi possível perceber, por meio de observação na Sala de Recurso, que alguns

pais tem dificuldade em explicar a criança com surdez as atividades que são

encaminhadas para casa. Por isso, preferem levá-las à escola para o acompanhamento

dos estudos em período contra turno para que sejam melhor orientadas.

Por conseguinte, a participação de todos os agentes envolvidos na aprendizagem

dos alunos surdos sendo os pais também responsáveis, conjuntamente com a ação

pedagógica, buscando desenvolver material adaptado ao aluno e a sua realidade podem

permitir um aprendizado significativo, pois estará proporcionando todas as condições

possíveis de aprendizagem desse aluno independente de ser ou não na rede regular de

ensino. Moretto afirma,

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"O que a sociedade espera da escola é que ensine a aprender a

aprender4, isto é, que ensine a estabelecer relações significativas no

universo simbólico5 constituído de nomes, datas, definições, fórmulas,

procedimentos." (MORETTO, 2003, p. 12).

Ao se criarem possibilidades de aprendizagem ao aluno surdo, poderão surgir

modificações na percepção e olhares quanto ao espaço geográfico e suas relações com o

meio onde vive a partir de novos significados e entendimento destes, não mais como

representações estanques, mas ativas e em constante modificação, pois elas traduzem as

produções sociais.

As ideias predominantes em um determinado recorte do espaço-tempo que são

cristalizadas, por exemplo, na arquitetura, na música, nas artes, mostrando

características intrínsecas de um povo, revelam o seu legado ao longo da história.

Aprender com significado é ver o mundo e suas inter-relações, homem-natureza,

economia-política, é perceber que os conteúdos que se aprendem em sala de aula não

são meras formalidades para se adquirir nota ou cumprir com uma grade curricular, mas

construção de conhecimento, que o aluno vai aos poucos tecendo.

A observação em sala de aula, para esta pesquisa, foi realizada durante seis

meses e revelou que o aluno surdo depende do intérprete para compreender os

conteúdos, sendo necessária algumas pausas o que diminui o rendimento provocando

certa insatisfação quanto aos alunos ouvintes. Conversando informalmente alguns

alunos ouvintes, estes disseram que não foi perguntado a eles se queriam os alunos

surdos juntos e que só os colocaram ali. O que demonstra ainda haver receio e pouca

aceitação por parte de alguns alunos ouvintes. Os alunos com surdez apresentam

dificuldade quanto as atividades propostas em sala de aula que em sua maioria são

respondidas na sala de recursos tornando para eles algo sem significado, pois a

aprendizagem fica fragmentada.

No entanto, para que seja possível esse aprendizado reitera-se a necessidade de

se pensar e criar formas de despertar no aluno a vontade de aprender, demonstrando a

ele a importância do conhecimento. Os alunos participantes dessa pesquisa foram

4 Lema educacional adotado pela corrente escolanovista, que estimula o aluno a aprender por meio da experiência e por si mesmo, recebendo o mínimo de interferência do professor.

5 Grifos do autor.

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observados em sala de aula e ajudados por meio de esclarecimentos para a resolução de

exercícios na sala recurso. Durante o semestre demonstraram, por meio de rejeição e

reclamações, que não veem aplicabilidade dos conteúdos escolares, principalmente a

Cartografia em seu cotidiano, exceto Português e Matemática, o restante são para eles

meras disciplinas a cumprir. Tornando-se esse, o desafio da prática docente.

"[...] a tarefa difícil é colocar a cultura científica em estado de

mobilização permanente, substituir o saber fechado e estático por

conhecimento aberto e dinâmico, dialetizar todas as variáveis

experimentais, oferecer, enfim, à razão para evoluir." BACHELARD,

1996, p. 24 apud CASTELLAR; VILHENA, 2010, p. 101).

Com isso, procura-se romper com a ideia de transmissão de conhecimento, e o

modo descritivo geográfico, mas buscando instigar os alunos com perguntas e desafios

que os levem a raciocinar os fenômenos espaciais e naturais como, por exemplo,

entender a construção do conceito paisagem e de que maneira pode-se analisar a cidade

onde vivem a partir desse conceito e sua relação com a natureza.

CARTOGRAFIA E O ALUNO SURDO

Trabalhar a cartografia no contexto do aluno surdo é preciso pensar estratégias

de ensino onde ele possa relacionar o conteúdo e a pratica, por exemplo, o mapa de uma

determinada cidade, sendo possível explorar por meio da linguagem cartográfica os

signos e símbolos ali representados. Possibilitando identificar, relevo, vegetação,

hidrografia o tipo de atividades econômicas predominantes enfim ampliando a abstração

e os olhares dos alunos para o objeto de estudo da Geografia e suas representações por

meio da síntese Cartográfica em seus diferentes recortes espaciais. Segundo

CASTELLAR e VILHENA (2010, p.103):

Ao se apropriar dos conceitos, com base em uma aprendizagem

significativa, o aluno reconhece as palavras e os símbolos e

compreende o fenômeno. Esse processo significa que houve um

nível de formulação e que o aluno assimilou e acomodou o

conceito.

Assim, os alunos surdos ao decodificar os símbolos e sua representação ampliam

gradativamente a percepção o que ocorre por meio da construção do conceito a partir do

momento em que o aluno compreende o significado e a aplicabilidade deste. O grupo de

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alunos com surdez participantes da pesquisa apresentaram rejeição pela Cartografia

explicando ser ela muito difícil. Isso ocorre principalmente, por não terem aprendido,

em parte, alguns dos conceitos básicos, além da leitura e interpretação necessárias ao

entendimento dos fenômenos espaciais que envolvem a Cartografia. Com isso, ela

realmente pode apresentar-se de difícil compreensão, não somente para o aluno surdo,

mas para qualquer pessoa que possivelmente não tenha desenvolvido a alfabetização

cartográfica ou não tenha cumprido com as etapas de desenvolvimento de sua

aprendizagem.

Por conseguinte, torna-se impossível a criança ou jovem gostar daquilo que não

se conhece, muito menos estabelecer relações cotidianas ligadas aos conceitos de

Geografia e Cartografia. Simielli (2010) apresenta um esquema demonstrando os níveis

de aprendizagem e suas correlações que necessita ser trabalhada nas séries iniciais do

ensino fundamental no tocante a alfabetização cartográfica conforme a figura 1 abaixo:

Figura 1 - Alfabetização Cartográfica

trabalhar a Cartografia visando o desenvolvimento da alfabetização cartografia, implica

em estabelecer estratégias essenciais a partir de vários recursos visuais, tais como

mapas, maquetes que possibilitam ao discente uma visão

Fonte: Simielli, 2010, p.100.

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Assim, trabalhar a Cartografia visando o desenvolvimento da alfabetização

cartografia, implica em estabelecer estratégias essenciais a partir de vários recursos

visuais, tais como mapas, maquetes que possibilitam ao discente uma visão

tridimensional da área estuda, notando a diferença ente ela e o mapa que é

bidimensional. Possibilitando também, demonstrar os diferentes pontos de vista: frontal,

vertical e oblíquo, lateralidade e proporção.

É importante salientar que o aluno irá desenvolvendo cada fase da alfabetização

de acordo com o ano/série cabendo ao docente selecionar o material adequado de

acordo com a capacidade de interpretação e habilidades que os alunos forem adquirindo,

começando pela localização daquilo que esta mais próximo dele. Para então analisar

mapas de determinadas localidades observando as características e a distribuição

espacial, partindo para outras escalas. Na figura2, Simielli (2010), esboça a relação

entre a Cartografia e o ensino de Geografia podendo corroborar com o entendimento e

reflexões a cerca dessas inter-relações com aplicação para o ensino fundamental e

médio. Na alfabetização Cartográfica Simielli (2010) desmistifica o mapa-desenho pois

eles não apresentam nenhum rigor além de não trabalhar os elementos básicos da

cartografia. Para ela os mapas mentais vão muito além de simples desenho, pois neles

podem ser analisados:

"[...] a representação oblíqua e a representação vertical, o desenho

pictórico ou abstrato, a noção de proporção, a legenda, as referências

utilizadas (particular, local, internacional, e inexistente) e o título."

(SIMIELLI, 2010, p. 107).

Autores como Lívia de Oliveira (1978), Amélia Nogueira (2010), Rosângela

Doin (2006), Sônia Castellar (2010) salientam a importância de se trabalhar os mapas

mentais como forma de valorizar a expressão e leitura de mundo por parte dos alunos,

pois trata-se de uma representação que diz muito sobre como os alunos vê e o que

pensam sobre as representações sociais, sendo possível analisar o uso das noções

cartográfica empregadas nos mapas mentais. Segue abaixo Figura 2 com a relação

Cartografia e o ensino de Geografia no ensino fundamental e médio.

Figura 2 - Cartografia e o ensino de Geografia

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Fonte: Simielli, 2010, p.101.

Nogueira (2010) apresenta o conceito de mapa mental sob o prisma de Bailly (1989)

como sendo:

“[...]a carta mental como um produto, uma representação que se tem

de seu entorno espacial, a carta mental permite fixar imagens de uma

área dada e executar os limites dos conhecimentos espaciais”.(

BAILLY 1989 apud NOGUEIRA 2010, p. 127).

Portanto, torna-se necessária uma investigação por parte do docente, de maneira

a perceber quais as dificuldades apresentadas pelos educandos na assimilação dos

conceitos trabalhados. Refletindo sobre a bagagem teórica e experiências cotidianas que

os alunos surdos apresentam, para que então possa realizar um planejamento didático

introduzindo atividades práticas que virão contemplar o conhecimento científico e

desenvolvimento das habilidades e competências que os alunos precisam apresentar ao

longo de sua vida escolar.

Sem essa atenção especial os alunos que apresentam surdez, dificilmente terão

condições de acompanhar de forma plena os conteúdos trabalhados em sala de aula na

rede regular de ensino, pois necessitam de materiais didáticos e atividades que

contemplem sua língua materna, ou seja, a LIBRAS.

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Porém, essa é justamente a questão precisa ser trabalhada na inclusão, pois

grande parte dos docentes ainda não dominam a LS, com isso a execução de um

planejamento didático que contemple alunos surdos e ouvintes dentro de uma mesma

temática acaba sendo de difícil adaptação por parte do professor, pelo simples fato de

não conhecer uma metodologia que atenda com qualidade o ensino do aluno surdo. Pois

o intérprete que acompanha os alunos surdos em sala de aula possuía a função apenas de

interpretar, ficando a cargo do professor todo planejamento.

Se não houver incentivo para a qualificação e apoio do profissional, se torna

difícil para que ambas as partes professor e aluno construam um processo de

aprendizagem satisfatório.

Pois, sem a organização de um ambiente mais favorável ao

atendimento das necessidades dos alunos que precisam de estratégias

e técnicas diferenciadas para aprender, qualquer proposta de Educação

Inclusiva não passa de retórica ou discurso político. (GLAT;

BLANCO, 2009, p. 28).

Ao participar de atividade em sala de aula e fora dela, foi possível perceber que

a aprendizagem dos alunos surdos não depende somente da vontade por eles

manifestada de desmitificar a ideia de que não sejam capazes de aprender como outra

pessoa, pelo contrário, buscam suprir suas necessidades participando ativamente nas

aulas, cumprindo regularmente com as atividades propostas pelos professores. Porém a

falta de comunicação adequada e propostas teórico-metodológicas, prejudicam o

aprendizado e a assimilação dos conceitos ficando muitas vezes sem compreender o que

foi trabalhado em sala de aula.

Mesmo com a presença do intérprete da LS, os alunos surdos reclamam da

quantidade de atividades que são encaminhadas para casa. Causando aborrecimento e

questionamento por parte dos mesmos, que não gostam da quantidade de cópias que são

sugeridas como atividade complementar. O que demonstra que as fazem apenas para

cumprir com a solicitação do docente, não vendo nenhum objetivo prático que contribua

com sua aprendizagem e conhecimento.

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Embora a LDB, capítulo V que trata da Educação Especial aborde no Artigo 59

a garantia de um atendimento por parte dos sistemas de ensino aos educandos com

necessidades especiais conforme apresenta os incisos:

"I - currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização

específicos, para atender às suas necessidades; [....] III - professores

com especialização adequada em nível médio ou superior, para

atendimento especializado, bem como professores do ensino regular

capacitados para a integração desses educandos nas classes comuns;"

A realidade enfrentada pelas escolas e profissionais é bem diferente das

garantias apresentadas pela LDB, assim entende-se que ainda há muito que melhorar

quanto ao processo inclusivo dos alunos com perdas auditivas que se encontram na rede

pública de ensino. Além de uma modificação quanto à cultura escolar no tocante a

adaptação por parte da instituição como um todo, pois se torna necessária uma

reformulação no currículo escolar bem como nos métodos adotados pelo corpo docente.

Sendo uma adaptação coletiva dos membros que fazem parte da escola inclusiva.

Uma consideração de sugestão seria a presença, em sala de aula, de um professor

intérprete, junto ao professor regular. E outro atuando na Sala Recurso. O aluno surdo

precisa ser atendido e incluído. Por ex: na Itália, em cada sala, tem 2 professores. Isso

pode no Brasil. Basta querer e ter vontade política. Dinheiro, com certeza, tem. Precisa

ser feito e tem-se que dar sugestões, como esta.

CONSIDERAÇÕES:

Estas reflexões não visam apenas criticar o sistema de inclusão vigente, mas

demonstrar que essa caminhada é longa e permeia por muitos seguimentos até chegar de

fato ao que se espera em uma escola inclusiva. Porém, não é algo impossível, pois já

existe um conjunto de leis que amparam a criança com deficiência, seja ela qual for ao

direito a educação dentro do sistema regular de ensino. Além da participação de todos

os atores escolares como diretores, coordenadores, professores, alunos e os pais

trabalhando valores como a igualdade e o acolhimento para que os alunos surdos se

sintam também parte integrante da escola.

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Reivindicações devem ser feitas quanto à possibilidade de se ter um intérprete

em sala de aula, e outro na Sala Recurso. É uma forma de o aluno surdo se sentir

incluído, "como se sentisse em uma sala normal", que, na verdade, é o que deveria

acontecer. Só isto já é suficiente para se pensar em mudanças de procedimentos.

Em países da Europa, por exemplo, a Itália existem na sala de aula 2 professores

- um para a aula regular e outro para ajudar em necessidades. E eles fazem "rodízio".

Para tanto, no Brasil precisa-se ainda trabalhar para realmente alcançar um ensino

satisfatório a todos os alunos da rede regular, proporcionando ao docente, reais

condições de capacitação e pleno exercício de suas atividades, a fim de estabelecer o

processo inclusivo de forma plena desenvolvendo não só os saberes e conhecimento

quanto aos conteúdos a serem ensinados, mas também, valores como respeito às

diferenças.

REFERÊNCIAS:

ALMEIDA, Rosângela Doin de. Do desenho ao mapa: iniciação cartográfica na

escola. 4. ed. São Paulo: Contexto, 2006.

BRASIL. Ministério da Educação- MEC. Lei Nº 10845 de 05 de março de 2004. Institui

o Programa de Complementação ao Atendimento Educacional Especializado às Pessoas

Portadoras de Deficiência. Diário Oficial da União. Disponível em:<

http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/lei10845.pdf> Acesso em: 21 de abril de 13.

_____. Ministério da Educação - MEC. Declaração de Salamanca. De 07-10 de junho

de 1994. Espanha. Defende a inclusão escolar da pessoa com deficiência. Disponível

em:< portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/salamanca.pdf >.Acesso em: 19 de agosto

de 2013.

CASTELLAR, Sônia; VILHENA, Jerusa. Ensino de Geografia. Coleção idéias em

ação. São Paulo: Cengage Learning, 2010.

DIAS Vera Lúcia; SILVA , Valéria de Assumpção; BRAUN, Patrícia. A inclusão do

aluno com deficiência auditiva na classe regular: reflexões sobre a prática pedagógica.

In: GLAT, Rosana. (Org.). Educação inclusiva: cultura e cotidiano escolar. 2. ed. Rio

de Janeiro: 7 Letras, 2009. P. 97-115.

GESSER, Audrei. LIBRAS?: Que língua é essa?: Crenças e preconceitos em torno da

língua de sinais e da realidade surda. São Paulo: Parábola Editorial, 2009.

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GLAT, Rosana; BLANCO Leila de Macedo Varela. Educação Especial no contexto de

um Educação Inclusiva. In: GLAT, Rosana. (Org.). Educação inclusiva: cultura e

cotidiano escolar. 2.ed. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2009. P. 15-35.

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