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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE LINGUAGENS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE LINGUAGEM MARKI LYONS O ENSINO DE LÍNGUA INGLESA NUMA ESCOLA PÚBLICA DE MATO GROSSO: A RELAÇÃO CRENÇA - CONTEXTO CUIABÁ - MT 2009

O ENSINO DE LÍNGUA INGLESA NUMA ESCOLA … FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE LINGUAGENS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE LINGUAGEM MARKI LYONS O ENSINO DE LÍNGUA INGLESA

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE LINGUAGENS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE

LINGUAGEM

MARKI LYONS

O ENSINO DE LÍNGUA INGLESA NUMA ESCOLA

PÚBLICA DE MATO GROSSO: A RELAÇÃO CRENÇA -

CONTEXTO

CUIABÁ - MT

2009

MARKI LYONS

O ENSINO DE LÍNGUA INGLESA NUMA ESCOLA

PÚBLICA DE MATO GROSSO: A RELAÇÃO CRENÇA -

CONTEXTO

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Estudos de Linguagem da Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Estudos de Linguagem. Área de Concentração: Estudos Lingüísticos Linha de Pesquisa: Paradigmas de Ensino de Línguas Orientadora: Profa Dra. Ana Antônia de Assis-Peterson

CUIABÁ - MT

2009

iv

DEDICATÓRIA

Aos meus avós, Virginia Belle Lyons, Janet Whiteside

Harkins e John Harkins, por terem dedicado tanto tempo e

amor à minha formação, ofereço-lhes essa obra como

símbolo da minha gratidão.

v

AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a minha orientadora, Ana Antônia de Assis-

Peterson, pelo apoio e estímulo constantes e pelas constribuições valiosas que

auxiliaram na concretização deste trabalho. Aos professores que compõem a

banca, Hilário Ignácio Bohn e Maria Inês Pagliarini Cox, agradeço a leitura

atenciosa e as sugestões que contribuíram para este trabalho. Também não

poderia deixar de agradecer aos professores do Programa de Pós-Graduação

em Estudos de Linguagem – Mestrado, por me encaminharem nos estudos

com paciência e carinho. Reconheço também a participação da diretora,

professores e alunos que participaram desta pesquisa, em especial, da

professora de LI, que abriu a sua sala de aula para minha participação, e sem

os quais este trabalho não poderia ter-se realizado. Finalmente, a minha

família, agradeço sua paciência e compreensão, especialmente nos momentos

em que minha dedicação aos estudos tomava o lugar de atividades familiares.

vi

RESUMO

LYONS, Marki. O ensino de língua inglesa numa escola pública de Mato Grosso: a relação crença – contexto. Dissertação (mestrado). Universidade Federal de Mato Grosso. Instituto de Linguagem. Programa de pós-graduação em estudos de linguagem, 2009 Esta dissertação tem como objetivo mostrar a relação entre crenças e contexto, enfocando as crenças que embasam a atuação de uma professora de Língua Inglesa (LI) e a maneira como são relacionadas às crenças de outros atores da escola como alunos e administradores (direção e coordenação). A pesquisa em que se baseia esta dissertação se concretizou no segundo semestre de 2007, numa escola pública de ensino fundamental, localizada na periferia de Várzea Grande – MT. Os resultados apresentados aqui são oriundos de uma pesquisa qualitativa, de cunho etnográfico em que fiz o papel de observadora participante. Por meio da observação e interação com alunos, professores e administradores da escola, busquei compreender o contexto da escola e as crenças de seus atores. Os dados coletados incluem anotações de observação, o diário da professora participante, entrevistas e conversas gravadas em áudio, dois questionários aplicados aos alunos e um depoimento de uma professora da escola que aconteceu durante o evento anual da APLIEMT (Associação de Professores de Língua Inglesa de Mato Grosso), gravado em vídeo. As crenças não foram definidas a priori, mas surgiam como temas recorrentes que criaram repercussões em vários níveis da escola, referentes aos alunos, professores e administradores. Partindo do ponto de vista da professora participante, três crenças se destacaram como influentes na sua atuação, especialmente em relação à metodologia de ensino-aprendizagem. Estas crenças são: (1) os alunos não têm uma base linguística e/ou educacional adequada para aprender a LI, (2) o ensino-aprendizagem de LI é contemplado em segundo lugar comparado à necessidade de enfocar a cidadania e as boas maneiras, e (3) falta apoio em vários níveis dentro do sistema educacional para planejar e desenvolver atividades que auxiliam o ensino-aprendizagem dos alunos. Essas crenças são representativas de desafios encontrados na escola pública brasileira na contemporaneidade onde baixas expectativas por parte de professores e administradores podem influenciar negativamente o rendimento do aluno – a LI como disciplina é pouca respeitada e a falta de compromisso com o sistema educacional afeta quem precisa mais de recursos educacionais para se inserir na sociedade com dignidade. Uma releitura das crenças, utilizando a técnica de processamento metafórico permitiu visualizar as crenças dos atores da escola como um movimento centrípeto-centrífugo, demonstrativo das tensões entre forças conservadoras e renovadoras que existem na escola e, ao mesmo tempo, de espaços favoráveis à introdução de melhorias na escola e no ensino-aprendizagem de LI. Palavras-Chave: crenças, contexto escolar, ensino/aprendizagem de língua

inglesa.

vii

ABSTRACT

LYONS, Marki. Teaching English in a public school in Mato Grosso: the relationship between beliefs and context. Master’s thesis. Universidade Federal de Mato Grosso. Language Institute. Master’s Program in Language Studies, 2009. The objective of this Master´s thesis is to show the relationship between beliefs and context, focusing on the beliefs upon which a teacher of English as a foreign language (EFL) bases her practice as well as the way in which these beliefs are related to those of others in the school context, such as administrators and students. The research upon which this thesis is based took place in a public school on the periphery of Várzea Grande, Mato Grosso during the second semester of 2007. The findings presented here are the result of qualitative research based on ethnographic methodology and participant observation. Through observation and interaction with students, teachers and administrators, I aimed to comprehend the school context and the beliefs of those pertaining to it. Data collected includes notes based on observations, the participating English teacher's journal, interviews and conversations with school actors recorded in audio, two questionnaires applied to participating students and a teacher's public testimony that was given during the annual event held by the English Teacher's Association of Mato Grosso (APLIEMT) and recorded on video. The beliefs presented here were not defined a priori, but emerged as recurrent themes that had repercussions throughout various levels within the school, in reference to students, teachers and administrators. Starting from the participating teacher's point of view, three beliefs were identified as influential on the teacher's practice, especially in relation to teaching methodology. These beliefs are: (1) that the students do not have an adequate linguistic and/or educational basis to learn EFL, (2) that teaching EFL takes second place to the necessity to focus on citizenship and good manners, and (3) that there is a lack of support to plan and develop teaching activities specifically aimed at helping students that exists on various levels within the educational system. These beliefs are representative of the challenges faced within the Brazilian public school system today, where low expectations on the part of teachers and administrators negatively influence students' performance – EFL as a school subject receives little respect and the lack of compromise with the educational system affects those who most need educational resources to integrate with society with dignity. A second interpretive reading was given to the beliefs, based on metaphoric processing, which allowed the beliefs related in this thesis to be seen as a centripetal-centrifugal movement, demonstrating tensions between conservative and renovative forces that exist in the school and, at the same time, as spaces that are favorable to introducing positive changes in the school and in teaching EFL.

Key words: beliefs, school context, teaching/learning English as a foreign language.

viii

LISTA DE TABELAS

Docentes e alunos, participantes da pesquisa ................................................ 63

Matriz SWOT ................................................................................................... 68

ix

SUMÁRIO

DEDICATÓRIA ………………………..……………………………………………. IV

AGRADECIMENTOS …………………...………………………………………….. V

RESUMO ………………………………….....……………………………………… VI

ABSTRACT …………………………………..…………………………………….. VII

LISTA DE TABELAS ..................................................................................... VIII

SUMÁRIO ………………………………………………………………………….... IX

1 INTRODUÇÃO ….......................................................................................... 01

1.1 Apresentação do tema …......…..................................................... 01

1.2 Alinhamento entre o prescrito e o real ........................................ 04

1.3 O professor de língua estrangeira ............................................... 06

1.4 Percurso como professora de LE ................................................ 09

1.5 Justificativa, objetivos e perguntas da pesquisa …....................13

1.6 Contribuições da pesquisa …........................................................15

1.7 Organização da dissertação ….....................................................16

2 ENSINO DE LINGUA ESTRANGEIRA: REVISÃO DA LITERATURA ….... 18

2.1 Introdução ….................................................................................. 18

2.2 Do ensino de LE no Brasil …........................................................ 22

2.3 Das imagens em torno do professor de inglês .......................... 30

2.4 Ensino-aprendizagem de LE e crenças …................................... 31

2.5 Do contexto …................................................................................ 41

3 DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA ….................................................... 45

3.1 Introdução ...................................................................................... 45

3.2 Da pesquisa etnográfica ............................................................... 46

3.3 Da pesquisadora e da professora participante …..................... 49

x

3.4 Do percurso da pesquisa ….......................................................... 53

3.5 Do bairro e seus moradores …..................................................... 58

3.6 Da escola ….................................................................................... 61

3.7 Dos atores da escola …................................................................. 62

3.8 Do procedimento analítico …........................................................ 63

3.9 Das limitações da pesquisa …...................................................... 64

4 ANÁLISE DE DADOS: CRENÇAS EM CONTEXTO …............................... 66

4.1 Crenças e contexto escolar …...................................................... 66

4.1.1 Crença 1: “os alunos não têm uma boa base” ….......................... 67

4.1.2 Crença 2: “tenho que ajudá-los a ser cidadãos e boas pessoas” 77

4.1.3 Crença 3: “falta...suporte” …......................................................... 89

4.2 Processamento metafórico …..................................................... 100

4.3 Crenças e ensino de LI no contexto atual …............................. 104

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ….................................................................... 108

5.1 Resumo da pesquisa …............................................................... 108

5.2 Contribuições da pesquisa à LA …............................................ 113

5.3 Implicações para pesquisas futuras …...................................... 115

5.4 Desafios pessoais e profissionais …......................................... 117

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ….......................................................... 120

1 INTRODUÇÃO

Neste capítulo, introduzo algumas premissas chaves ao

desenvolvimento desta dissertação, por meio de uma exposição de conceitos e

teorias que a embasam. Assim, tento fazer uma ligação entre o ensino-

aprendizagem de Língua Estrangeira (LE), mais especificamente, de Língua

Inglesa (LI), o contexto escolar e as crenças dos atores desse contexto,

examinando o que dizem os autores da área de Lingüística Aplicada (LA), área

em que esta dissertação se insere. Além disso, narro minha própria experiência

como agente propulsor do empreendimento da pesquisa aqui apresentada.

Com base na minha experiência prévia como professora, descrevo as

inquietações que me levaram a fazer esta pesquisa. Finalmente, apresento os

objetivos e as perguntas da pesquisa, bem como a organização desta

dissertação.

1.1 Apresentação do tema

As instituições educacionais têm algo em comum: a missão de formar

cidadãos que possam contribuir à sociedade a que pertencem. Para que isso

seja feito, requisitos básicos de conhecimento são estabelecidos, delimitando

as disciplinas a serem incluídas no currículo da escola. Cabe a cada instituição

estruturar-se física e administrativamente para que possa oferecer essas

matérias à comunidade que serve.

Apesar das semelhanças entre as instituições educacionais, não há

como generalizar a ‘escola’, pois cada uma tem sua história, sua

particularidade. Generalizar o que acontece numa escola seria estereotipá-la,

pois é preciso levar em consideração os fatores que compõem o contexto

escolar para compreender as necessidades locais em relação às necessidades

nacionais, e até globais (Erickson, 2001, p. 10). Assim, situando-me na

localidade, com um olhar na especificidade de uma escola pública de ensino

fundamental, pretendo enfocar quais aspectos do contexto escolar influenciam

o ensino-aprendizagem de língua inglesa (LI), tais como a interação entre os

atores da escola e a construção da imagem dos mesmos. Para tal, empreendo

2

uma pesquisa de natureza qualitativa e etnográfica, acompanhando o trabalho

de uma professora de LI em uma escola pública com o intuito de compreender

a relação entre crenças e contexto escolar. De interesse particular são os

aspectos do cotidiano que de tão comuns entre os protagonistas da escola

passam despercebidos. Desta maneira, focalizo as crenças dos atores da

escola (professor, aluno, administrador1) em relação ao ensino de LI, e o

contexto escolar.

Essa investigação justifica-se pela necessidade de rever o processo de

ensino-aprendizagem de LI à luz de um paradigma de ensino ainda emergente

no Brasil, o paradigma construtivista, presente nos documentos oficiais que

servem como guia ao professor. Esse paradigma coexiste com o outro que tem

regido o processo de ensino-aprendizagem desde a popularização da

educação no fim do século XIV (Murphy, 2000), o paradigma de transmissão de

conhecimento.

O paradigma construtivista tem sido impingido aos professores por meio

de documentos oficiais como, por exemplo, os Parâmetros Curriculares

Nacionais, considerados herméticos, distantes do conhecimento do professor.

Assim, a presença deste paradigma nos documentos oficiais implica a

necessidade de ressignificar a prática docente, para que o professor possa

participar mais ativamente no debate sobre políticas educacionais. Se o

paradigma construtivista tem por objetivo a construção de conhecimento tanto

em sala de aula quanto fora dela, no espaço da escola, significa buscar

métodos de ensino que forneçam as ferramentas que levam os alunos a testar

suas próprias hipóteses, baseados no conhecimento prévio que trazem para a

sala de aula, além de ressignificar o espaço da escola para que seja permeável

às mudanças da sociedade.

Para tal, o paradigma construtivista visa um deslocamento dos papeis

tradicionais do professor e do aluno. Sob o paradigma de transmissão de

conhecimento, o professor é central ao processo de ensino-aprendizagem,

como detentor de conhecimento. Tudo que os alunos precisam saber reside na

mente do professor (ou, é assim que parece), à espera de ser repassado ao

aluno. O papel do aluno se reduz à memorização de ‘fatos’ para ser aprovado 1 Nesta dissertação, os termos “professor”, “aluno” e “administrador” são utilizados de forma abrangente quando não há referência a um indivíduo específico, referindo-se aos dois gêneros, masculino e feminino.

3

nas avaliações aplicadas pelo professor. Ao contrário, sob o paradigma de

construção de conhecimento, valoriza-se a posição e as necessidades do

aluno. A sala de aula é vista como lugar de interação e descobrimento, o que

propicia a construção de conhecimento. Reivindica-se a transformação do

papel do professor e sua maneira de atuar, desde sua posição em sala de aula,

até os métodos empregados por ele, para ressaltar a importância da

participação dos alunos na sua própria aprendizagem. Sob o paradigma

construtivista, o conhecimento não reside mais na cabeça do professor, mas

forma um tipo de ‘rede virtual’, compartilhada por todos que compõem a sala de

aula e a comunidade educacional maior.

Moraes (1997) e Murphy (2000) salientam que o paradigma

construtivista se manifesta como reação às inquietações da comunidade

científica em relação às premissas que embasam o paradigma de transmissão

de conhecimento, modelo que parece inadequado a responder às

necessidades educacionais da atualidade. Além do mais, Moraes (1997)

destaca que os profissionais da área educacional devem voltar sua atenção à

importância da interação, fatores socioculturais e questões espirituais que

afetam o processo de ensino-aprendizagem2.

Enfatizar que os paradigmas de construção e transmissão de

conhecimento coexistem no espaço educacional demonstra que as instituições

educacionais também se encontram em processo de mudança, porém de

velocidade mais lenta do que a mudança de teorias que embasam o processo

de ensino-aprendizagem. As estruturas físicas e administrativas dessas

instituições não são facilmente mudadas para alinharem-se a novos

paradigmas, pois precisa-se de tempo para que as novidades sejam filtradas

pelos variados níveis institucionais e ações dos indivíduos. Muitas vezes há

impedimentos ao processo: confusão sobre como se alinhar às novas teorias,

resistência à mudança, falta de recursos e tempo, e necessidade de formação

continuada para todos envolvidos na instituição educacional. Esses obstáculos

fortalecem indevidamente o apego ao velho e conhecido modo de operar. No

entanto, momentos de confusão e incerteza indicam a percepção de um

2 A autora denomina esse paradigma de “construtivista, interacionista, sociocultural e transcendente” (Moraes, 1997, p. 197).

4

problema e podem implicar em reflexão, que, por sua vez, pode levar a

mudança.

Ao enfocar a relação entre ensino-aprendizagem de LI, contexto

escolar e crenças, espero evidenciar alguns dos fatores particulares que se

convertem em empecilhos para a mudança. Embora esta pesquisa represente

uma reflexão sobre o estado do ensino de LI num local específico e a influência

do contexto nas crenças dos atores da escola pesquisada, eu espero contribuir

para a discussão sobre como superar a lacuna entre paradigmas e instituir

mudanças necessárias no cenário educacional.

1. 2 Alinhamento entre o prescrito e o real

Para superar a lacuna entre a proposta dos documentos oficiais (PCN,

OCEM) e a atuação do professor na sala de aula, é necessário investir no

sistema educacional e na formação dos professores, seja na formação inicial,

seja na formação continuada. Vale lembrar que, para muitos professores,

alinhar sua prática com o paradigma construtivista significa uma grande

mudança, pois incorporar os pressupostos desse paradigma ao seu dia-a-dia

implica em ressignificar o que é ser professor e como ensinar. Além disso,

políticas atuais estabelecidas pelo Ministério de Educação (BRASIL, 2006)

responsabilizam o professor pela instituição de mudanças que ressignificarão

sua atuação em sala de aula, por meio da formação continuada, enquanto

pode haver pouca mudança no contexto em que atua. Ao mesmo tempo em

que os órgãos educacionais cada vez mais responsabilizam o professor para

efetivar essas mudanças, efetivamente, há uma crescente

desresponsabilização do Estado em relação à educação formal da criança

(Nóvoa, 2001).

Para Nóvoa (2001), isso acontece porque existe um paradoxo em

relação às exigências impostas pela sociedade ou à escola ou ao professor.

Segundo este autor, a sociedade não tem uma visão clara na atualidade do

que a escola deve representar e os objetivos que deve cumprir. Além disso, a

sociedade encarrega à escola “missões”, tarefas que a sociedade não

consegue cumprir, levando o professor a ter de cumprir tarefas e papéis

excessivos, e de ser o enfoque de críticas públicas. Por isso, é possível que o

5

professor se defronte com resistência – de alunos, pais, outros professores,

administradores – à mudança no contexto escolar, resultando em conflito.

Outros obstáculos, como a falta de materiais, a estrutura física da escola, a

duração ou freqüência das aulas, e acontecimentos imprevistos, também

podem representar um empecilho ao processo de mudança.

Para se alinhar ao paradigma construtivista, o professor necessita dispor

de amplo conhecimento dos seus alunos e do conhecimento prévio deles. É

imprescindível que seja capaz de selecionar material, abordagens e métodos

de ensino e avaliação em congruência com as necessidades levantadas pela

observação e avaliação inicial dos alunos. Isso requer que o professor se

engaje num processo reflexivo contínuo sobre sua atuação, além de uma

reflexão sobre o resultado desejado em sala de aula, relacionado ao

desempenho dos seus alunos. Resta perguntar: o professor, sobrecarregado

pela complexidade de sua profissão, dispõe do tempo necessário para engajar-

se na reflexão?

Embora pareça que o professor tome essas decisões individualmente,

ele atua numa instituição educacional, entidade complexa, em que o indivíduo

se defronta com o coletivo. Raposo e Maciel (2005, p. 311), que pesquisaram

os processos co-construtivos na interação entre professores, constatam que o

contexto tem uma grande influência no desenvolvimento do indivíduo. Como

conseqüência, podemos inferir que, além da interação professor-professor, alvo

da pesquisa acima citada, a interação entre os demais atores da escola tem

grande influência nos projetos desenvolvidos nela.

Os colegas, administradores e outros atores da escola fazem parte do

contexto escolar e, em conjunto, constroem a atmosfera organizacional, sob a

influência de forças institucionais e governamentais. Esses indivíduos tanto

podem apoiar empreendimentos novos, quanto podem impedi-los. O espaço

escolar é um lugar de negociação e mediação entre os desejos e necessidades

dos indivíduos e do coletivo. Consequentemente, se esse processo for

negociado colaborativamente, pode-se caracterizar a atmosfera organizacional

como saudável, pois cria as condições necessárias para apoiar a atuação do

professor. Porém, se for caracterizado isoladamente e/ou por excesso de

confrontos, provocando fragmentação, divisão dos atores e conflito, a

6

atmosfera organizacional representará um empecilho para o professor

equilibrar seu ensino entre o requisitado e o desejado.

Dessa maneira, a dimensão organizacional influencia as decisões

tomadas pelo professor. Elementos, como a presença ou falta de

equipamentos e materiais, e tempo para planejar atividades escolares, têm

efeito na qualidade do ensino. Outros fatores, como interrupções durante a

aula, e (a falta de) recursos, como biblioteca e sala de informática, podem ser

citados como influentes na qualidade de trabalho feito pelo professor. Além

disso, fatores aparentemente ‘insignificantes’, como a qualidade da merenda,

as atividades do intervalo e as condições de abrigo contra o tempo (chuva,

calor, etc.) influenciam o clima organizacional e podem ter impacto no ensino.

1.3 O professor de língua estrangeira

Na atualidade, entende-se que o indivíduo está em constante formação.

Por isso, há uma expectativa de que os profissionais estejam constantemente

buscando aprimorar-se. Na área educacional, não é diferente. Para o professor

de LE, além do incentivo para aprimorar-se que provém do MEC (Brasil, 2006),

há também a chamada à mudança que se irradia do campo de Lingüística

Aplicada (Almeida Filho, 2005; Gimenez, 2002), área científica na qual esta

pesquisa se inscreve. Enquanto encoraja-se o professor de LE a participar de

cursos voltados à formação continuada e a se engajar na reflexão sobre o

processo de ensino-aprendizagem, também há incentivo para empreender

pesquisas em sala de aula, tomando os conflitos do cotidiano como base de

questionamento. Pode-se constatar que essa posição está em consonância

com o paradigma que visa à construção de conhecimento em sala de aula,

embora não seja necessariamente voltado à inclusão dos alunos no

empreendimento. Segundo o MEC (Brasil, 2006), a formação continuada não

deve se restringir unicamente a cursos, palestras e outras atividades fora de

sala de aula. Contudo, observa-se que, no documento desenvolvido pelo MEC,

não haja inclusão de uma política que sirva de base para a promoção do

professor no plano de carreira, na forma de aquele professor se engajar numa

pesquisa de sala de aula.

7

Segundo a literatura produzida na LA, o professor de LE deve buscar

oportunidades de expandir, além do conhecimento dos seus alunos, seu

próprio conhecimento por meio do empreendimento de pesquisas no seu

contexto de atuação. Empreender uma pesquisa em sala de aula requer

engajar-se num processo dinâmico. Depende não só da interação e

negociação entre professor e aluno, mas da mediação de todo o contexto

escolar.

Para determinar o sucesso da formação continuada, é necessário,

portanto, levar em consideração esse contexto. Isto é, é preciso associar a

atuação do professor ao contexto em que exerce sua profissão. Esse contexto

é o lugar onde ocorrem suas experiências com o processo de ensino-

aprendizagem, experiências que criam, confirmam ou refutam as “noções” que

o professor carrega sobre esse processo. Essas noções se enraízam nas

circunstâncias que precedem sua história como professor, entre elas o que

vivenciou como aluno.

Almeida Filho (2005) denomina essas noções como teorias implícitas.

Implícitas porque, se o professor não refletir sobre suas crenças relacionadas

ao ensino-aprendizagem, essas noções podem permanecer nas entrelinhas do

seu fazer, dirigindo suas decisões e ações de maneira inconsciente. Conseguir

explicar o quê o professor faz em sala de aula, mas não conseguir explicitar o

porquê de sua atuação é um dos indícios que apontam para as teorias

implícitas, salienta Almeida Filho. Entender a importância dessas teorias em

relação à formação continuada do professor de LE faz-se relevante ao campo

de LA. Ao preocupar-se com a qualidade da educação lingüística, é necessário

estender o escopo das investigações para levar em consideração fatores que

tanto podem aumentar o sucesso da renovação da prática docente quanto

podem impedi-la. Investigar as crenças, as teorias implícitas ou explícitas do

professor de LE, em relação à formação continuada e ao contexto escolar, se

apresenta como oportunidade de compreender a complexidade do processo de

renovar a prática docente.

Dentro da área de LA, existem outras pesquisas que relacionam as

crenças do professor de LE ao processo de ensino-aprendizagem (Barcelos,

2000; 2004). Enquanto várias pesquisas trataram as crenças como entidades

mentais individuais, mais recentemente, as crenças têm sido redefinidas para

8

levar em consideração o aspecto social na formação delas. Para dar conta da

complexidade das crenças, agora elas são compreendidas como dinâmicas,

em vez de ser caracterizadas como estáticas. Enquanto antes as crenças não

foram relacionadas ao contexto em que se formam, agora se entende que as

crenças surgem em referência à experiência, à interação e ao meio social. Por

isso, as pesquisas mais recentes têm levado em consideração o contexto em

que aparecem.

Definir o que são crenças, no entanto, não é tarefa fácil. Barcelos (2000;

2004) relata que desde que pesquisadores da área de LA se interessaram em

estudar as crenças relacionadas ao ensino-aprendizagem de LE, tem-se

utilizado uma pletora de termos para denominá-las. Aqui não cabe uma

discussão sobre as implicações dessa proliferação de terminologia, mas é

importante salientar que as crenças parecem ser mais facilmente

caracterizadas do que definidas. Barcelos (2006, p. 18-20), citando Barcelos e

Kalaja (2003), caracterizam as crenças como sendo:

• dinâmicas; há a possibilidade das crenças mudarem através do

tempo;

• emergentes, socialmente construídas e situadas contextualmente; se

desenvolvem e se modificam na interação;

• experienciais; resultam da experiência social;

• mediadas; funcionam como ferramentas de aprendizagem e/ou para

resolver problemas;

• paradoxais e contraditórias; com a mudança de situação de

interação, as crenças também podem mudar, ainda que

temporariamente;

• relacionadas à ação de maneira indireta e complexa; as crenças não

necessariamente influenciam as ações de maneira linear;

• não tão facilmente distintas do conhecimento; as crenças não podem

ser separadas dos processos de cognição.

Levando essas características em consideração, defino crenças como redes

semánticas que ajudam o indivíduo a construir e interpretar suas experiências,

sejam pessoais ou profissionais, ao longo de sua vida.

9

Por isso, a ênfase no contexto é de grande importância para a pesquisa

relatada nesta dissertação. Segundo Barcelos (2000; 2004), pesquisas

baseadas em metodologias que valorizam a perspectiva do indivíduo e a

maneira em que constrói seu conhecimento do mundo inserem-se na

abordagem que considera o contexto como fator principal na criação das

crenças. Assim, enfocar as crenças presentes no contexto escolar a partir de

uma abordagem etnográfica estaria de acordo com essa perspectiva, e

proporcionaria a vantagem de poder entender o processo complexo pelo qual

elas são formadas, sustentadas ou até mudadas.

1.4 Percurso como professora de LE

Ainda criança, tive muita curiosidade em conhecer as histórias,

costumes, comidas, línguas e outros aspectos culturais de povos distantes do

meu. Eu me afogava em livros de contos e mitos, alterava minha maneira de

falar para produzir um sotaque diferente, e acreditava ter nascido no país

errado. Com oito anos, li um romance de Agatha Christie, enfeitado de frases

em francês; fiquei encantada. No ensino médio, comecei a estudar o espanhol,

e fiquei ainda mais encantada com as múltiplas formas da linguagem humana.

Esse encanto me levou a sair do meu país natal (Estados Unidos) para buscar

oportunidades em que pudesse experimentar outras culturas. Quando tinha

dezesseis anos, agarrei a oportunidade de fazer intercâmbio na Itália, onde

morei durante dez meses. A experiência foi muito positiva e me marcou

profundamente, especialmente porque a convivência com pessoas de outro

país ajudou a quebrar estereótipos construídos pela convivência no meu país.

De volta para os Estados Unidos, no último ano de ensino médio, já tinha

decidido que na faculdade buscaria uma área que relacionava língua e cultura.

Na faculdade fiz Languages and Linguistics: French3, que corresponde

ao curso de Letras no Brasil. Além de estudar francês, estudei espanhol, e

cumpri os requisitos para ganhar um certificado em Latin American Studies

(Estudos Latino-americanos). Optei pela a licenciatura nos dois idiomas, e me

empenhei para passar os exames estaduais que comprovaram competências

3 Florida Atlantic University, the Dorothy F. Schmidt College of Arts and Letters, Boca Raton, Florida.

10

comunicativas e culturais nas duas línguas. Minha escolha foi guiada pelas

recordações boas que eu tinha de professores do ensino fundamental e

médio4. Eu queria mostrar minha gratidão, devolvendo algo à sociedade como

professora. Mas, ser professora é muito mais difícil do que parecia, e no

período de dez anos, tinha mudado de opinião.

Após dez anos de atuação como professora de LE numa única escola,

sentia a necessidade de renovar-me. Sempre gostei de novos começos, então,

quando mudei para o Brasil, tive como objetivo fazer mudanças relacionadas

tanto à minha vida pessoal quanto à minha vida profissional. Na verdade, o que

mais queria era mudar de profissão. Esse impulso era muito forte. O idealismo

de recém-formada tinha se tornado em ceticismo de professora experiente.

Não sei exatamente quando aconteceu, pois não foi de um momento para outro

que comecei a me sentir assim. A mudança aconteceu por meio de um

processo prolongado, de anos de duração.

Como professora, vivi momentos de altas e baixas emoções. Os bons

momentos fluíam de experiências que mostravam que consegui tocar a vida de

um aluno, como quando convenci uma aluna minha a não desistir da escola.

Outros momentos eram mais tensos. Às vezes havia conflito entre meus alunos

e eu, especialmente quando eles não alcançaram as minhas expectativas

como professora, o que gerava frustração da minha parte. Outros momentos

eram marcados por perigo, como quando a escola recebia ameaças de

bombas implantadas no campus e tínhamos de evacuar os alunos, ou quando

havia alunos baleados ou esfaqueados durante o dia escolar.

Pouco a pouco, comecei a me sentir frustrada e desgastada. Entre as

razões incluíam-se: o baixo salário em comparação a profissionais de outras

áreas com as mesmas qualificações; o pouco tempo destinado ao

planejamento de aulas durante o dia escolar; turmas lotadas; o comportamento

dos alunos e a falta de relacionamento mais próximo a eles; a violência e o

conflito; a exigência de ser sempre mais eficiente; a instituição de exames

4 O que correspondem a “elementary”, “middle” e “high school” nos Estados Unidos (EU). Enquanto pode haver pequenas variações dependendo do município ao qual pertence a escola, o ensino fundamental nos EU normalmente se divide entre “elementary” e “middle school”. “Elementary school” começa com o jardim de infância, ou “kindergarten” e segue até o sexto ano escolar (antiga quinta série). “Middle school” começa com o sétimo ano escolar e vai até o nono ano. “High school” se compõe dos últimos quatro anos de ensino obrigatório.

11

estaduais para medir o desempenho dos alunos e das escolas5; a falta de

flexibilidade no dia escolar; e a quantidade de trabalho que precisava ser

levada para casa. A lista de reclamações poderia se lastrar por muitas páginas.

Não é que não reconhecia os benefícios que a profissão me proporcionasse,

como emprego garantido, feriados prolongados, e ser/fazer parte de uma

comunidade especial, mas a complexidade da profissão pesava em mim.

Eu me questionava se estava lidando bem com a integração do currículo

que tinha que cobrir durante o ano escolar e as necessidades e vontades dos

meus alunos. A pressão era alta, pois não havia só esse currículo a cobrir, mas

metas e objetivos relacionados ao exame estadual em que todos os alunos de

ensino médio tinham que ser aprovados para formar-se. Às vezes, eu me

retirava emocionalmente do processo de ensino-aprendizagem para reduzir o

estresse que sentia. Parte desse estresse relacionava-se a minha insatisfação

com um modelo educacional antiquado, ainda em uso. Embora pudesse haver

experimentação com outros modelos de ensino, o mais comum era a adoção,

por parte dos professores, do modelo de ensino semelhante ao sistema de

produção de uma fábrica de carros (Murphy, 2000), o que não emula um lugar

de construir conhecimento. Por isso, às vezes sentia-me igual a um robô; eu

deixava a rotina me levar. Rotina necessária, que garantia a eficiência do

trabalho feito. Rotina esmagadora, que impedia a criatividade e a inovação.

Ainda assim, pergunto-me se me faltava certo compromisso pessoal de renovar

minha prática e buscar outras maneiras de relacionar o ensino com a vida fora

da escola.

Outro fator que influenciava minha experiência como professora, ora

positiva, ora negativa, era a dimensão organizacional da escola, que incluía a

organização das turmas e aulas6 e mudanças nas políticas pedagógicas da

5 Aqui, me refiro ao Florida Comprehensive Assessment Test (FCAT), imposto pelo governo estadual sob a conseqüência de o aluno não poder se formar se não passasse, e de a escola perder uma porcentagem do investimento do governo estadual referente aos recursos financeiros para o ano letivo se não conseguisse um desempenho adequado no exame, medido pelo desempenho de sua população discente. 6 Normalmente, o número de alunos por turma variava entre vinte e cinco e trinta e cinco por professor. No entanto, às vezes o número de alunos por turma chegava até quarenta e cinco, alguns sem carteiras para se sentar. As turmas se reuniam com os professores todos os dias da semana letiva, sendo que a escola seguia um horário de sete períodos de cinqüenta e dois minutos por dia, além do horário de almoço e tempo entre cada período para os alunos se locomoverem até a próxima sala de aula. O professor tinha a obrigação de ensinar durante cinco períodos durante o dia, e ajudar a administração de alguma forma durante um dos períodos “livres”. O outro período “livre” se dedicava ao planejamento, contato com os pais e

12

escola. Com mudanças administrativas e no corpo docente, a atmosfera

organizacional oscilava de ano em ano. Era difícil predizer como a atmosfera

escolar poderia impactar a sala de aula, pois as mudanças ocorriam tanto na

diretoria e coordenação quanto em cada departamento da escola. Apesar de

participar de reuniões, comitês, planejamento com colegas, atividades

extracurriculares, e cursos de formação continuada de curta duração (nem

sempre voltados à minha área de atuação), às vezes eu sentia que não tinha

voz, pois mudanças eram raras, a resistência abundante.

Às vezes, opiniões individuais, ou de departamentos inteiros, eram

tratadas como inconsequentes. Cito como exemplo a falta de incluir salas de

aula e de planejamento para o departamento de línguas estrangeiras durante a

reforma da estrutura física da escola, mesmo depois de a chefe do

departamento ter participado de reuniões sobre o assunto conosco e com os

diretores da escola. Outras decisões eram tomadas sem consultar o corpo

docente. O posicionamento do setor administrativo da escola apontava que,

para o bem da escola e dos alunos, seria necessário aceitar as decisões

tomadas em nível administrativo. Quem não se conformasse tinha a opção de

transferir-se para outra instituição dentro da rede pública ou, em caso extremo,

demitir-se. Além desses conflitos, havia conflitos entre departamentos quanto a

políticas pedagógicas, além de competição para recursos. Havia até conflitos

pessoais entre professores que dividiam o corpo docente em campos

oponentes. Nesses momentos, a meu ver, o acúmulo dos atributos negativos

do contexto escolar pesava mais do que os benefícios de ser professora.

Outra frustração veio de minha vida pessoal, com impacto em minha

vida profissional. Era a inviabilidade de continuar meus estudos. Desde jovem

dei muito valor à educação formal. Sabia que estudar me levaria a uma vida

melhor. Já havia acontecido ao me formar na faculdade. A Licenciatura me

assegurara uma carreira e uma vida bastante independente, financeiramente.

Contudo, quando decidi fazer o mestrado percebi que a carga própria do meu

trabalho tanto quanto a do meu esposo, não me permitiria aproveitar da

oportunidade. Enquanto eu trabalhava aproximadamente quarenta horas por

semana, fora o que levava para casa, meu marido trabalhava entre setenta e

responsáveis, quando necessário, e desenvolvimento de materiais de ensino e provas, entre outras atividades docentes.

13

noventa horas semanais. Além disso, o valor do mestrado não era muito

acessível. Não havia como incluí-lo no orçamento familiar. Com uma filha

pequena e uma casa para cuidar, fazer mestrado era um sonho que estava

longe de poder ser realizado.

Pode parecer que esteja “derramando lágrimas de crocodilo”, pois essas

reclamações não são nada fora do comum para muitos professores. No

momento em que cheguei ao Brasil, no entanto, eu encarei a mudança como

oportunidade de mudar minha vida e conquistar novos objetivos. Tinha decido

trocar de profissão, procurando uma carreira ou em administração ou turismo.

(In)felizmente, não estava qualificada para nenhuma dessas áreas, e não me

sentia suficientemente confortável com a língua portuguesa para fazer um

curso de aperfeiçoamento. Então, para não ficar parada, comecei a dar aulas

de inglês num centro de idiomas particular. Depois de dois anos, ao sentir-me

pronta, optei por um “meio” caminho: matriculei-me num curso de Gestão

Educacional, uma ponte entre o ensino e a área administrativa.

Durante o curso, continuei a dar aula. Comecei a gostar de novo de

minha profissão. A visão administrativa que ganhei com a pós-graduação

complementou os conhecimentos que tinha sobre o ensino, proporcionando-me

outra perspectiva do que é ser professora. Questionei meus motivos quanto à

mudança de profissão. Sem resposta firme, decidi continuar a atuar como

professora. Dei-me conta de que, enquanto a mudança era importante para

mim, o real valor veio não de uma troca de circunstâncias, mas da perspectiva

que a mudança me proporcionou. Tinha entendido que qualquer profissão tem

seus pontos fortes e fracos. Além disso, lembrei-me de que novos começos

nascem de retomadas e hibridizações, onde a legado do passado encontra a

possibilidade do futuro, e pode mudar o presente. Foi então que fui aceita como

mestranda, solidificando minha decisão de continuar nessa profissão.

1.5 Justificativa, objetivos e perguntas da pesquisa

O percurso pessoal descrito acima me levou a questionar o que é ser

professor, especialmente professor de LE, matéria muitas vezes vista como

menos importante do que as outras na grade curricular da escola. Como

professora iniciante, tinha começado a dar aula com a crença de que o

14

professor podia impactar positivamente a vida do aluno. Pouco a pouco,

contudo, comecei a sentir que não era sempre possível, que, para a maioria, o

impacto parecia ser mínimo. Também vivenciei que o professor não tinha muito

impacto no desenvolvimento do contexto escolar. Até cheguei a crer que

precisava mudar de profissão porque não me sentia eficaz como professora,

para, em seguida, mudar novamente de opinião, ao decidir não abandonar a

profissão. Novas experiências tinham apagado sentimentos negativos muito

fortes que guardava, e oportunidades de aperfeiçoamento tinham me

fortalecido profissionalmente.

Refletir sobre essa reviravolta de sentimentos me levou a querer

entender a relação entre o ensino-aprendizagem de LE, o contexto escolar e as

crenças do professor. A minha participação num curso de formação continuada

teve um grande impacto na maneira como vejo minha profissão e o contexto

escolar hoje, proporcionando a possibilidade de reler minha experiência sob

outro ângulo. E, a participação no programa de mestrado intensificou esse

olhar, levando-me a ressignificar o meu papel de professora. De certa maneira,

o processo de desenvolvimento profissional, embora lento e árduo, foi, e ainda

é, emancipador.

O tema a ser abordado nesta dissertação relaciona os aspectos

descritos acima no meu percurso pessoal como professora, bem como na

discussão introdutória deste capítulo. Compreender a complexidade da relação

entre crenças de professores de LE e seu ambiente de trabalho implica ser

necessário entender o cotidiano da escola, inclusive a maneira como o

professor ensina e se relaciona com os outros atores da escola. Os objetivos

específicos da pesquisa consistem em:

a) Investigar as crenças da professora participante, e de outros atores da

escola, quanto ao ensino-aprendizagem de inglês como LE, e o contexto

escolar;

b) Investigar de que maneira essas crenças são mediadas pelo contexto

em que a professora atua.

15

Com base nesses objetivos, as seguintes perguntas norteiam esta

pesquisa:

• Que crenças norteiam a prática de uma professora de LI na sala de aula

de uma escola pública?

• Qual a relação entre essas crenças e o contexto escolar (comunidade,

instituição, administradores, colegas e alunos)?

Para realizar a pesquisa, optei por um método qualitativo, de cunho

etnográfico, e tive como objetivo estabelecer uma parceria com um(a)

professor(a) de língua inglesa que atuasse na escola pública. Os métodos

específicos da pesquisa incluíram a observação participativa, conversas

colaborativas, entrevistas, questionários semi-abertos, e o uso de um diário,

por parte da professora colaboradora, para registrar seus pensamentos sobre o

projeto. Os dados coletados incluem anotações das aulas observadas;

gravações de conversas, entrevistas, e algumas aulas; o diário da professora

colaboradora; cópias de documentos oficiais relacionados à escola; e um

questionário respondido pelos alunos, além de dois trabalhos desenvolvidos

por eles durante o projeto.

Conforme procurei demonstrar neste primeiro capítulo, acredito que as

crenças dos atores da escola estão diretamente relacionadas ao contexto em

que atuam, seja qual for o papel que desempenhem: professor, aluno ou

administrador.

1.6 Contribuições da pesquisa

Por meio desta pesquisa, espero contribuir para a compreensão da

relação entre crenças, e contexto escolar, no ensino-aprendizagem de LI.

Considerando o contexto como o lugar da interação e a interação como a base

da experiência cotidiana, também espero contribuir para os estudos da área de

LA que enfocam a dialogicidade entre indivíduo e mundo, para melhorar o dia-

a-dia do professor de LI.

16

1.7 Organização da dissertação

Neste primeiro capítulo, expus alguns conceitos que orientam esta

pesquisa, relacionados ao professor de língua estrangeira, e às crenças,

descrevendo a minha própria experiência como agente propulsor do tema e

desta pesquisa. Apresentei minha definição de crenças e os objetivos e

perguntas que nortearam a pesquisa desenvolvida. Defino crenças como redes

semánticas que balizam a construção e interpretação de experiências sociais,

enquanto os objetivos da pesquisa consistem em investigar as crenças dos

atores da escola, em especial da professora colaboradora, e a maneira como

as crenças do indivíduo são influenciadas pelo contexto ao seu redor.

No segundo capítulo, apresento uma breve revisão de literatura

relevante 1) ao ensino-aprendizagem de LE/LI no Brasil, 2) à imagem do

professor de LE, 3) às crenças e ao contexto escolar. O ensino-aprendizagem

de LE/LI no Brasil tem sido apresentado por pesquisadores e pesquisados

como ineficiente e ineficaz. Acredita-se que não se aprende inglês na escola

pública. A explicação desse fenômeno se baseia nos processos sócio-

históricos que criaram as condições de ensino-aprendizagem em relação à

escola pública. Inclui-se nesse contexto a imagem do professor e os

paradigmas de ensino-aprendizagem de LI que influenciam o que acontece na

sala de aula e no espaço escolar.

No terceiro capítulo, discuto o desenvolvimento da pesquisa a partir de

um enfoque etnográfico, em que a colaboração entre esta pesquisadora e uma

professora da rede pública foi de grande importância. A decisão de empreender

uma pesquisa a partir de uma abordagem qualitativa traz conseqüências ao

desenvolvimento da pesquisa, e fatores contextuais tais como o bairro onde se

localiza a escola, os moradores do bairro e o espaço escolar impactam os

possíveis resultados, pois esses fatores, em conjunto com os atores da escola,

ajudam a criar as condições de interação no espaço escolar.

No quarto capítulo, respondo às perguntas de pesquisa pela

interpretação dos dados coletados. Para este fim, o capítulo se divide em duas

seções. Na primeira, as crenças inferidas pelas ações, atitudes e opiniões dos

atores da escola são apresentadas, analisadas e interpretadas na tentativa de

mostrar a relação que mantém com o contexto escolar. Na segunda seção,

17

apresento uma releitura das crenças pelas metáforas que os atores da escola

constroem referente à escola e ensino-aprendizagem de LI, seguindo o modelo

analítico discutido por Kramsch (2003).

No quinto capítulo, apresento uma reflexão sobre a pesquisa como um

todo. Apresento neste capítulo algumas das possíveis ramificações dos

resultados da pesquisa, tais como o impacto das crenças e do contexto escolar

nas instâncias de formação continuada do professor de LI, as condições que

influenciam a retenção de professores de LI no sistema educacional público e o

que significa aprender inglês nesse contexto. A esperança desta autora ao

enfocar a relação crenças-contexto é de contribuir à literatura na área de LA

que considere o contexto como fator primordial na investigação das crenças,

além de contribuir para a melhoria do cotidiano do professor de LI.

2 ENSINO DE LÍNGUA ESTRANGEIRA: REVISÃO DA LITERATURA

Neste capítulo apresento teorias e conceitos balizadores desta pesquisa

em relação ao ensino-aprendizagem de LI na escola pública no Brasil, à

imagem do professor de LI, à investigação de crenças na área de LA e ao

contexto escolar.

2.1 Introdução

Antes de entrar em sala de aula, o professor se depara com a

necessidade de fazer várias escolhas, entre elas: qual matéria ensinar, que

método utilizar, como avaliar o progresso do aluno? Ademais, escolhas feitas

com base na formação e experiência prévia do professor, a maneira como se

relaciona com seu aluno, os equipamentos e outros materiais disponíveis para

uso, e as expectativas dos outros (aluno, pai, administrador) em relação ao

currículo são componentes que integram o cenário cotidiano do professor e o

espaço escolar. Neste capítulo, apresento um resumo seletivo da literatura

relativo ao ensino-aprendizagem de LE/LI. Focalizo principalmente os conceitos

de crenças e contexto escolar, e fatores tais como a construção sócio-histórica

do aluno da escola pública e do professor de LI para demonstrar que as

escolhas feitas pelo professor de LE/LI não são aleatórias, mas fazem parte do

um complexo processo educacional. Para tanto, situo a relevância da literatura

em quatro áreas de conhecimento:

1) caracterização do ensino de língua estrangeira na escola pública no

Brasil,

2) imagens que circundam o professor de LI,

3) investigação das crenças relevante ao ensino-aprendizagem de LE na

área de LA, e

4) contexto escolar.

A área de ensino-aprendizagem de LE/LI se encontra em processo de

mudança de paradigma. Os documentos oficiais (Parâmetros Curriculares

19

Nacionais – PCN, 1998; Orientações Curriculares para o Ensino Médio –

OCEM, 2006) clamam por essa mudança. Afinados com esse paradigma,

autores da área de educação (Moraes, 1996; Zeichner, 2000; e Nóvoa, 2001) e

de LA (Almeida Filho, 2005; Cox e Assis-Peterson, 2002; Gimenez, 2002), que

se encontram em posição de formadores de professores, têm discutido o

ensino voltado às necessidades do aluno, com ênfase na construção de

conhecimento. Esse paradigma representa uma mudança de enfoque na arena

educacional, do ensino para a aprendizagem (Murphy, 2000), do professor para

o aluno.

Para Moraes (1996), essa mudança decorre de uma insatisfação com

um modelo científico que concebe os fenômenos da vida e do mundo

primeiramente de maneira estática, como se fossem partes de uma grande

máquina, que funciona sempre da mesma maneira. A base filosófica de

pensamento, segundo essa autora, passou a seguir um modelo cartesiano, que

divide a mente, valorizando o raciocínio e desprezando questões espirituais,

ligadas aos sentimentos do indivíduo. Isso implicou que a investigação de

fenômenos seguia um modelo científico que valorizava o observável e

mensurável e reduzia, segundo a autora, os fatos sociais “às suas dimensões

externas” (Moraes, 1996, p. 41). Citando Boaventura dos Santos (1988),

Moraes salienta que no século XIX,

“o modelo de racionalidade se estendeu às ciências sociais emergentes, dando origem a um modelo global de racionalidade científica que admitia variedades internas, mas se defendia ostensivamente de duas formas de conhecimento não-científico: o senso comum e as chamadas humanidades” (Moraes, 1996, p. 41).

Uma das conseqüências de seguir esse modelo científico, segundo

Moraes, era a de excluir “o pensador do seu próprio pensar” (Moraes, 1996, p.

42). Então, a mudança de paradigma na arena educacional, para esta autora,

representa resgatar uma visão holística dos fenômenos sociais, dos quais a

educação formal faz parte. Isso quer dizer que o aluno não pode ser mais visto

como uma tábula rasa e o professor não pode mais agir como mero

transmissor de conhecimento. Porém, para Moraes, o novo paradigma

educacional vai além do deslocamento transmissão-construção de

conhecimento. Além de enfocar a construção de conhecimento, o paradigma

20

advogado pela autora inclui um enfoque na interação, em aspectos sócio-

culturais e na transcendência7 (Moraes, 1996, p. 197-207).

Para Zeichner (2000), a mudança de paradigma educacional ajuda o

professor a buscar meios de integrar-se ao conhecimento da comunidade a

qual o aluno pertence e, subsequentemente, valorizá-lo. No entanto, salienta

que “muitos professores não estão aprendendo a observar e aprender com as

comunidades e a incorporar, de modo positivo, os recursos culturais que as

crianças trazem para a escola. Há ainda uma visão de déficit cultural8”

(Zeichner, 2000, p. 6). Isso acontece, segundo esse autor, porque ainda há um

descompasso entre a universidade, a escola e as comunidades. Ainda assim,

a tradicional separação entre Formação de Professores e prática, assim como a idéia de que os professores são meros implementadores, e não produtores de conhecimento, estão sendo repensadas. É preciso superar a visão, historicamente dominante, do professor como mero técnico (Zeichner, 2000, p. 11).

Já Nóvoa (2001) destaca o paradigma de professor reflexivo como o

paradigma dominante na formação de professores. Acredito que esse

paradigma esteja em concordância com o paradigma sob discussão, pois o

autor destaca que as competências requeridas do professor atual são as da

organização e da compreensão do conhecimento. Diz esse autor: “não basta

deter o conhecimento para o saber transmitir a alguém, é preciso compreender

o conhecimento, ser capaz de reorganizá-lo, ser capaz de reelaborá-lo e de

transpô-lo em situação didática em sala de aula” (Nóvoa, 2001, p. 2).

A formação inicial do professor pela universidade deve oferecer a

oportunidade de desenvolver essas competências, além de construir uma

concepção holística da relação entre a prática e o contexto onde ocorre. Não é

possível esperar que o professor em formação, seja inicial ou continuada,

simplesmente se torne seguidor do novo paradigma. O processo requer

reflexão e ação por parte do professor, e isso requer que haja algum estímulo e

tempo necessário para a mudança. 7 Moraes (1996, p. 205) explica o conceito de transcendência como “ir... além, ultrapassar, superar”, além de incluir uma dimensão espiritual. Para essa autora, a transcendência reúne as “realidades internas e externas do indivíduo como partes integrantes de uma mesma unidade... que reflete assim um ser que, além de sua dimensão humana, também tem uma dimensão espiritual, na qual o espírito desempenha um papel ativo e organizador, essencial para o desenvolvimento da ação e para a construção do conhecimento”. 8 Grifos meus.

21

Cox e Assis-Peterson (2002, 2008) estão de acordo que a mudança de

paradigma precisa ser encorajada em todos os níveis educacionais. É preciso

que os próprios professores universitários que apregoam as inovações as

incorporem também à graduação, nos cursos de Letras e demais licenciaturas.

Não há como esperar que novos professores atuem de uma maneira que

valorize a posição do aluno se falta exemplo na universidade. Nesse sentido,

visando melhorar o perfil do professor de inglês, Cox e Assis-Peterson frisam

que é necessário destacar na graduação que “tão importante quanto conhecer

teorias e abordagens de ensino, é criar um contexto que favoreça a

aprendizagem, um contexto em que professores e alunos possam se engajar

efetivamente em trocas múltiplas de significados” (2002, p. 19). Destarte, os

formadores de professores desempenham um papel importante na busca de

alinhar teoria e prática docente com o cotidiano escolar.

Mais recentemente, essas autoras salientaram que ainda há um

descompasso entre a teoria e prática no ensino de LI. Frisam elas,

no atual sistema de educação brasileiro, entre o ensino universitário (que forma os professores) e o ensino básico há uma muralha. Primeiro, os cursos universitários são predominantemente teóricos. Os graduandos são submetidos a uma overdose de teorias e, quando chegam à sala de aula, têm de dar conta sozinhos da transposição didático-pedagógica dos conteúdos. Como não é uma tarefa simples, não raro recaem no ensino de gramática com algumas pinceladas do método comunicativo. Segundo, a estrutura 3 + 1 (três anos de conteúdo disciplinar mais um ano de estagio docente) faz da prática uma mera aplicação de conteúdos. Precisamos, pois, derrubar as muralhas e construir pontes entre os cursos que formam professores e a prática docente efetiva no ensino básico; a travessia, o ir e vir de um ao outro, deve ocorrer ao longo de todo o período de graduação e perdurar além dele, quer como formação continuada, quer como pesquisa colaborativa (Cox e Assis-Peterson, 2008, p. 50-51).

Outros autores da área de LA, como Almeida Filho (2005) e Gimenez

(2002) também reconhecem a necessidade de o professor já em serviço

renovar sua prática, por meio da formação continuada. A formação continuada

se define como, mas não se limita a, “cursos, palestras, seminários, [e]

atualização de conhecimentos e técnicas“ (Brasil, 2006, p. 24), além de uma

prática reflexiva por parte do professor. Assim, o professor que volte seu olhar,

de maneira crítica, para sua própria sala de aula, encontra um terreno fecundo

do qual possa tirar inspiração para a renovação da sua prática.

22

O rumo da formação continuada depende muito da formação inicial, da

experiência ganha em serviço e do contexto em que o professor atua. Se faltar

incentivo para refletir sobre a prática docente, dificilmente haverá avanços. É

necessário advogar, como fazem Cox e Assis-Peterson (2002, 2008), a favor

de uma ligação mais estreita entre universidade e professor, formação inicial e

continuada, para que o professor possa examinar as “teorias pessoais”, que

muitas vezes permanecem no nível inconsciente e embasam sua prática

(Almeida Filho, 2005). Uma ligação que pode proporcionar a oportunidade para

o professor de LE refletir sobre suas escolhas voltadas à ação docente.

2.2 Do ensino de LE no Brasil

Para entender melhor a relação entre ensino-aprendizagem de LE e a

mudança de paradigma didático-pedagógico, portanto, é necessário entender

as condições históricas que permeiam o ensino de LE no Brasil. A primeira

condição é a imagem persistente de fracasso que acompanha o ensino de LE

no Brasil, construída historicamente por discursos de professores, pais, alunos,

diretores, coordenadores da escola, retratados em artigos acadêmicos (ver

Almeida Filho, 2005; Cox e Assis-Peterson, 2002, 2008; Paiva, 2004) e pela

mídia nacional.

O ensino de LE, especialmente língua inglesa, no Brasil tem sido

caracterizado por pesquisadores e/ou pesquisados como precária (Cox e

Assis-Peterson, 2002; Dias e Assis-Peterson, 2006; Felix, 2005; Gasparini,

2005; Paiva, 1997, 2004; Santos, 2005). Entre as razões associadas à

precariedade são citadas: a) a formação inicial inadequada do professor de LE;

b) alunos “sem base”; c) uma carga horária inadequada ao ensino de LE na

escola pública; d) a falta de materiais; e) a falta de tempo para planejamento; e

f) o desprezo pela matéria pela própria instituição escolar e por agências

governamentais, entre as razões pelas quais as aulas de LE não tenham

alcançado o efeito desejado. Fala-se do insucesso do ensino-aprendizagem de

LE.

Outro fator contribuinte a essa imagem negativa centra-se ao redor do

paradigma que atualmente rege a teorização do ensino-aprendizagem de LE,

advogando a Abordagem Comunicativa como a maneira mais eficaz de ensinar

23

o indivíduo a comunicar-se em LE. Essa abordagem é resultado das várias

mudanças teóricas que aconteceram no campo de LA desde a popularização

da educação não só em contexto brasileiro como no mundo. Em outras

palavras, desde que houve uma abertura para que mais jovens pudessem

freqüentar a escola, no século XIX, os métodos de ensino de LE têm variado,

iniciando com o método de gramática-tradução, passando no século XX para o

método direto, e o método áudio-lingual (Murphy, 2000).

Ainda assim, a Abordagem Comunicativa não constitui um método per

se. Consoante Murphy (2000), a Abordagem Comunicativa enfoca as seguintes

características: a construção de sentidos, a competência comunicativa, a

aceitação de que erros fazem parte da aprendizagem lingüística, a inabilidade

do professor saber a priori de quais formas da linguagem o aluno fará uso, a

interação, a fluência como objetivo primordial, o uso da linguagem como ato

criativo e o professor como mediador do processo de aprendizagem. Isso

significa que a postura do professor de LE, sob o prisma da Abordagem

Comunicativa, se alinha melhor com o paradigma de construção de

conhecimento do que transmissão de conhecimento. O enfoque, na

Abordagem Comunicativa, não se centra unicamente no conhecimento da

estrutura de língua a ser utilizada durante a comunicação, mas também em

competências que indicam conhecimento das “regras do discurso específico da

comunidade em qual se insere” (Silva, 2004)9 que se aprende na interação.

O insucesso do ensino-aprendizagem de LE tem sido ligado ao estado

inadequado de formação inicial do professor de LE, com o curso de Letras na

mira das críticas. Segundo Paiva (2004), a grade curricular do curso de Letras

precisa ser reestruturada para que possa se alinhar com o paradigma de

construção de conhecimento que dirige as políticas educacionais brasileiras

hoje. Criticando o currículo do curso de Letras por ainda estar organizado de

maneira tradicional, sem abrir espaço para a incorporação de discussões e

conhecimentos da área de Lingüística Aplicada, a autora enfatiza:

É comum a existência de ementas e programas que se apóiam em bibliografia desatualizada e teorias que não dialogam com a prática. A metodologia é ainda muito centrada no professor, dentro do modelo tradicional de transmissão de conhecimento (Paiva, 2004, sem paginação).

9 Artigo sem paginação.

24

Em outro trecho ressalta que, no curso de Letras,

“conteúdos de formação de professor de língua estrangeira são, geralmente, ignorados, e é raro o curso que oferece atividades curriculares que estimulem reflexões sobre a aquisição, ensino e aprendizagem de língua estrangeira” (Paiva, 2004, sem paginação).

A crítica de Paiva se constrói sobre o pilar de uma história de críticas

que a precederam. Por exemplo, Almeida Filho (1992, p. 78) denominou a

situação da formação do professor de LE de “ciclo vicioso”. O ciclo inicia com a

má formação do professor de LE, se estende à má qualidade do ensino de LE

na escola pública, e volta para a universidade quando o ingressante do curso

de Letras se defronta com habilidades subdesenvolvidas na língua-alvo. O

autor reivindicava, mais de uma década antes do estudo acima citado,

melhorias no curso de Letras, além de cursos de formação continuada para o

professor já em serviço. Segundo Félix (2005, p. 95-96), outros autores da área

de LA também clamaram para mudanças naquela época. Anota-se que a

preocupação com a qualidade da formação inicial do professor tem uma longa

história no Brasil (ver Cox e Assis-Peterson, 2002, 2008).

Embora a formação inicial tenha sido culpabilizada, em grande parte,

pelo estado do ensino de LE no Brasil como um todo, se voltarmos o olhar para

regiões periféricas, como Mato Grosso, estado onde esta pesquisa foi

realizada, há outra explicação para o quadro negativo que circunda essa área

educacional. Conforme Cox e Assis-Peterson (2002, p. 16-17), pesquisas

desenvolvidas nas regiões metropolitanas do país

pressupõem um professor já... graduado/habilitado, apontando, apesar disso, problemas de formação de ordem lingüística e pedagógica que emergem na pratica... não podemos partir do principio de que o problema do quadro de professores de inglês em Mato Grosso esteja apenas relacionado com a qualidade da formação universitária (Cox e Assis-Peterson, 2002, p. 16-17).

Um dos problemas, segundo essas autoras, é que a demanda por professores

de LI supera o número de professores habilitados. Isso resulta na contratação

de professores que tenham feito alguns semestres de cursos livres de inglês,

ou pior, de professores de outras áreas de atuação que assumem a disciplina

de LI para complementar sua carga horária semanal. Cox e Assis-Peterson

25

(2002, p. 5-6) observam que “uma vaga de inglês é vista como uma vaga

qualquer a ser preenchida por qualquer um, um buraco a ser tampado, mesmo

que seja com uma tradução de música ou de texto, ou com o verbo to be”10, o

que demonstra o descaso por parte dos administradores da escola pública e de

agências governamentais com a qualidade do ensino-aprendizagem de LE.

A despreocupação com a qualidade de ensino de LE em Mato Grosso

pode ser ligada a processos educativos construídos historicamente no Brasil.

Segundo Moll (2000, p.162), o quadro da escola pública está relacionado a

interesses do poder político que depende do “patrimônio de ignorância”,

herança das camadas populares. Em outras palavras, a inteligência das

famílias servidas pela escola pública está ligada às condições econômicas

delas, pois existe, no Brasil, uma imagem do aluno da escola pública estar

“sem base” para aprender.

Santos (2005, p. 93-94) se deparou com essa concepção, ao investigar

as crenças que circundam a inclusão do ensino de LI no Ensino Fundamental I,

que se compõe dos primeiros quatro anos de ensino formal. A autora

demonstrou que as diretoras da escola acreditavam que os alunos da quinta

série enfrentavam problemas ao se depararem com a necessidade de aprender

a LI por não terem sidos familiarizados anteriormente com algumas

características da LE. Na forma mais extrema dessa concepção, pode-se dizer

que o aluno da escola pública é concebido como “herdeiro” da escolaridade

dos seus pais, primariamente descrita como “baixa”. A sua vez, esses

indivíduos são (des)qualificados por outra frase muita repetida popularmente,

ou seja, como sendo “sem cultura”. A (des)qualificação, nesse caso, é de duplo

sentido. Primeiro, insinua-se que a população de baixa escolaridade/renda gera

crianças sem fundamentação intelectual porque essa população é inferior,

intelectualmente. Segundo, insinua-se que a população de baixa

escolaridade/renda não obtém sucesso porque falta a habilidade de se

organizar, impedindo a formação de uma cultura compartilhada que possa

fornecer as ferramentas com quais possa construir conhecimento. No entanto,

é preciso ressaltar que embora o conhecimento que se valoriza nas

comunidades de baixa escolaridade/renda seja diferente do conhecimento

valorizado pelos altos níveis da sociedade, há produção de conhecimento.

10 Grifos das autoras.

26

Assim, para Moll (2000), a dicotomia entre quem tem e não tem não se

restringe simplesmente pelas condições sócio-econômicas do indivíduo, mas

está interligada com a classificação intelectual das camadas sociais. O

fracasso do ensino de LE/LI nas escolas públicas espelha o fracasso do ensino

público em geral. Frisa Moll

[as] representações acerca do fracasso escolar – construídas historicamente e legitimadas por diferentes discursos culturais e pedagógicos – ratificam a idéia de uma certa superioridade de alguns grupos sociais sobre outros: os que têm sucesso versus os que não têm (Moll, 2000, p. 88) 11

.

De maneira semelhante, Gasparini (2005) assinala que o estado do

ensino de LE/LI na escola pública perpetua desigualdades na sociedade

brasileira. Em seu estudo, buscou entender os sentidos dados por alunos do

curso de Letras ao ensino-aprendizagem de inglês como LE na escola pública.

Concluiu que há uma configuração do

ensino de língua inglesa no contexto escolar como deficiente e precário, configurando também os cursos particulares de idiomas como os únicos lugares onde o inglês pode ser aprendido... [e que] professores e alunos de língua inglesa na escola são com freqüência construídos como incapazes e ineficientes (Gasparini, 2005, p. 173).

Dias e Assis-Peterson (2006, p. 110), citando o trabalho de Santos

(2005), apontam que a crença de que alunos demonstram dificuldades na

aprendizagem leva à predição do “insucesso dos alunos”. A lacuna entre

familiarização e a falta de conhecimento da língua inglesa também figurou na

pesquisa de Dias (2006, p. 113). A autora se deparou com duas realidades de

mundo, dicotomia relatada em entrevistas com pais, alunos e atores da escola

onde sua pesquisa foi feita. Na sua pesquisa, Dias encontrou uma concepção

que divide o mundo: de um lado, há o “mundinho” do bairro, de outro, o mundo

globalizado. Nessa concepção, o bairro não pertence ao mundo globalizado, o

que se explica pela descrição de distâncias físicas e imaginadas, relacionadas

ao bairro onde a escola pesquisada se encontra. Dias conta que a diretora da

escola apontou para esse distanciamento, invocando indícios de

subdesenvolvimento no bairro:

11

Grifos da autora.

27

o bairro está muito distante do centro e a escola está cercada por ‘mato’. As condições das casas da comunidade são tão precárias que parecem ‘estar na idade de pedra’, ‘o pessoal ainda cozinha em fogão de lenha’, ‘falta água’ e é comum ver mulheres com ‘lata na cabeça’12 (Dias, 2006, p. 114).

Como apontam Dias e Assis-Peterson (2006), a distância real entre o bairro e o

centro da cidade serve de metáfora para a distância entre as classes sociais.

Essa distância vai além das condições sócio-econômicas, construindo uma

visão inferior da população que a escola serve.

Desta maneira, a precariedade do ensino de LE no Brasil pode estar

ligada à maneira de pensar sobre os alunos e suas condições de vida.

Delamont (1983, p. 64) salienta que a perspectiva que o professor tem dos

seus alunos é essencial13, pois as crianças podem internalizar

inconscientemente essa concepção, criando um ciclo vicioso de não-

aprendizagem. Além do mais, acreditar na ideologia do déficit intelectual e

enfatizar que os alunos não têm “base” para aprender LE serve de desculpa

para evitar mudanças que podem levar a melhorias no ensino e nos resultados

dos alunos. É um discurso imobilizador que põe a culpa na vítima do processo

educacional.

Se o professor e os administradores da escola não acreditam na

capacidade intelectual do aluno, qual o incentivo para instituir políticas que

apoiem o ensino baseado na construção de conhecimento? De maneira

semelhante, se o aluno não receber a confiança do professor e dos

administradores, qual o incentivo para se engajar no processo educativo? Além

disso, acreditar no “patrimônio da ignorância”, discutido por Moll (2000), em

que o aluno é caracterizado segundo a escolaridade de seus pais, e de acordo

com suas condições de vida, cria um abismo entre a escola e a comunidade

que serve. A resistência à mudança do currículo do curso de Letras perpetua

essa dicotomia. Nas entrelinhas permanece a seguinte mensagem: não é

possível ensinar os alunos que freqüentam a escola pública a comunicar-se em

LE. É preciso perguntar: a “manutenção da ignorância” (Moll, 2000, p. 72) serve

a quem?

12 Grifos da autora; demonstram a demarcação das palavras da diretora da escola. 13 Nós podemos inferir, então, que o mesmo se aplique à perspectiva que os administradores e outros atores da escola também têm dos alunos, conforme autores tais como Moll (2000), Santos (2005), Dias (2006) e Dias e Assis-Peterson (2006).

28

O quadro pessimista do ensino-aprendizagem de LE/LI também se

perpetua em documentos oficiais. Como exemplo, pode-se citar um dos

documentos que serve para orientar o professor de LE/LI, os PCN (Brasil,

1996). Nos PCN, está claro o favorecimento do ensino de uma habilidade

comunicativa, a leitura. O raciocínio para posicionar-se teoricamente dessa

maneira é que o uso das outras habilidades, em especial a fala, está fora da

realidade da maioria da população brasileira:

considerar o desenvolvimento de habilidades orais como central no ensino de Língua Estrangeira no Brasil não leva em conta o critério de relevância social para a sua aprendizagem. Com exceção da situação específica de algumas regiões turísticas ou de algumas comunidades plurilíngües, o uso de uma língua estrangeira parece estar, em geral, mais vinculado a leitura de literatura técnica ou de lazer (Brasil, 1996, p. 19).

Os autores dos PCN continuam nesse vertente, ao apontar que a

habilidade mais requerida num exame formal é a da leitura, para o vestibular ou

para o indivíduo ser admitido a um curso de pós-graduação. No entanto, essas

colocações generalizam a situação educacional de LE no Brasil. Qual brasileiro

não tem sido tocado por instâncias em que outras habilidades foram

requisitadas? Por exemplo, a cultura popular, como música, filmes e vídeo

games tem-se infiltrada em todas as camadas sociais, exposta na televisão, no

radio, e em lan-houses (lembra-se que a internet ainda está dominada pelo uso

de inglês), entre outros lugares que permitem acesso a essas mídias. Qual

espectador não tem vontade de reproduzir ou compreender a língua em que

essas manifestações culturais estão produzidas? E, para aqueles que tentam

uma vaga nos programas de pós-graduação no país, muitas universidades

aplicam uma prova escrita de LE, dependendo do curso a ser administrado, o

que implica a necessidade de ter desenvolvido certo grau de proficiência na

língua.

Os PCN, como documento oficial, se revestem de autoridade, o que

proporciona poder às ideias expressas neles. Ao não advogar mais

veementemente para um ensino de LE equilibrado em relação às habilidades

comunicativas, põem em jogo a questão do (não)empoderamento do aluno,

pois aprender uma língua estrangeira propicia ao aluno certo grau de

emancipação. Abre-se um mundo de conhecimento. Propor limitar o ensino de

LE, baseado apenas no critério da utilidade, limita o horizonte educacional do

29

aluno. Se o processo de ensino-aprendizagem de LE for concebido como mera

decodificação dos sinais da língua, ou restrito apenas a uma habilidade (no

caso, a leitura), pode impedir que o aluno participe ativamente do processo de

ensino-aprendizagem. Isso não acontece em outras disciplinas, como ciências,

matemática ou língua portuguesa. O grau de complexidade aumenta em cada

uma dessas disciplinas conforme o passar do tempo dentro do contexto

educacional. No entanto, parece que o ensino de LI não passa de uma

tradução de música, de um texto, ou do ensino do verbo “to be” (Cox e Assis-

Peterson, 2002, p. 6).

Outros problemas ressaltados quando se fala na precariedade do

ensino de LE são aqueles que se referem às condições tangíveis, como a

insuficiência da carga horária ou a falta de materiais. Segundo os PCN, esses

fatores, em conjunto com outros, criam um empecilho para o professor que

deseja trabalhar com a Abordagem Comunicativa. Os autores dos PCN frisam

que é necessário considerar “o fato de que as condições de sala de aula da

maioria das escolas brasileiras... podem inviabilizar o ensino das quatro

habilidades comunicativas” (Brasil, 1998 p. 20). Além de apontar o mal preparo

do professor de LE, citam a redução da carga horária dessa matéria, a relação

do número de alunos por professor em sala de aula, e a pobreza do material

didático, que se reduz ao giz, quadro e livro didático. Aqui Cox e Assis-

Peterson (2002, P. 2) adicionariam a disponibilidade de um livro didático doado

à escola pelo MEC14.

A realidade do ensino de LE na escola pública se encontra em

condições completamente contrárias ao que se encontra nas escolas livres de

idiomas, reforçando a dicotomia entre aqueles que têm condições financeiras

favoráveis à aprendizagem e aqueles que não têm, questão que se remete à

discussão sobre o (in)sucesso desses grupos sociais. Mas, em vez de “medir”

(Cox e Assis-Peterson, 2002) o sucesso de a escola pública ensinar LE pelo

sucesso das escolas livres de idiomas, o que deve ser feito é zelar pela

qualidade de ensino na escola pública. No entanto, a renovação da escola

14 Foi anunciado pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educaçãao (FNDE), no dia 18 de dezembro de 2008, que, “a partir de 2011, os alunos da rede pública dos anos finais do ensino fundamental (6º ao 9º ano) receberão livros didáticos de língua estrangeira (inglês e espanhol)”. Disponível em < http://www.fnde.gov.br/home/index.jsp?arquivo=/noticias/releases/ 2008/12_18.html> Acesso em 24 de dezembro, 2008.

30

pública depende de muitos fatores, entre eles a melhoria da formação inicial do

professor de LE e da formação continuada.

2.3 Das imagens em torno do professor de inglês

Ser professor é desempenhar um papel na formação de jovens. No

entanto, o ofício de professor muitas vezes é visto como tendo um único

requisito: que o professor ensine. A imagem desse professor tem mudado

pouco ao longo dos anos. É um professor em controle de sua turma e sua

aprendizagem, pois é ele que detém o conhecimento e o poder de administrar

sua aula. Resta ao aluno estar presente, bem comportado, e ‘aprender’ o

conteúdo. A maneira de o professor ensinar e de o aluno aprender é mecânica,

basta reduzir o conhecimento a fórmulas e regras básicas para que o aluno

assimile esse conhecimento. O aluno não é encorajado a empregar esse

conhecimento na prática. Do aluno, requer-se que reproduza esse

conhecimento exatamente como foi apresentado a ele pelo professor. Essa é a

imagem histórica do professor.

Essa imagem persiste ainda hoje, especialmente colada ao professor de

LI. A persistência dessa imagem decorre do descompasso entre formação

inicial e continuada, e teoria e prática. Como apontado anteriormente, a má

formação do professor de inglês faz parte de um ciclo vicioso que se

retroalimenta. Autoras como Cox e Assis-Peterson (2002, 2008), Santos (2005)

e Dias (2006) têm demonstrado as dificuldades com as quais o professor de LI

atual tem de lidar, entre elas a visão de que: não se aprende inglês na escola

pública; não é necessário ter habilitação em língua inglesa para dar aula de

inglês; o aluno não tem base suficiente para aprender uma LE; o professor

habilitado em inglês não é necessariamente fluente no idioma, entre outros.

Isso faz com que o ensino de inglês na escola pública priviligie a estrutura da

língua, pois a estrutura gramatical é a parte mais tangível para o professor e o

aluno, no sentido de já haver uma descrição que pode ser repassada ao aluno

por fórmulas e regras transpostas no quadro negro. A estrutura, quando

transmitida por escrito, não é tão efêmera quanto os sentidos construídos pela

linguagem oral, que evaporam na interação.

31

Um estudo feito por Barcelos (2005) demonstra que há uma crença, por

parte de alunos de graduação, de que aprender uma língua é ter conhecimento

da estrutura gramático-lexical do idioma, relacionada à experiência anterior do

professor em formação. Segundo Barcelos, essa experiência

é calcada apenas em exercícios gramaticais repetitivos que estimulam a “decoreba” de regras, não abrindo espaço para o desenvolvimento de uma concepção mais holística da linguagem. Apesar de todo o conhecimento e teoria a respeito do movimento comunicativo de ensino de línguas, na prática, os alunos (de graduação), com raras exceções, não tem oportunidade de conviver com modelos comunicativos de ensino de línguas (Barcelos, 2005, p. 166).

Assim, tanto quanto existe uma visão do ensino-aprendizagem de LI na

escola pública como ineficaz, há uma imagem do professor de LI como inepto a

responder às novas demandas da sociedade, por se apegar a sua formação

inicial, que não lhe proporcionou as ferramentas para lidar com novas

concepções do ofício de professor. Esse apego à formação inicial se reforça

pelo contexto em que o professor atua, um contexto ao qual o professor precisa

se adequar, que não se adapta facilmente às mudanças teóricas relativas ao

processo de ensino-aprendizagem.

Conforme Barcelos (2005), Santos (2005) e Dias (2006), é importante,

então, compreender a relação crenças-contexto. A seguir, discuto a relevância

das crenças ao ensino-aprendizagem de LE, além do conceito de contexto

escolar, e sua relevância a esta dissertação.

2.4 Ensino-aprendizagem de LE e crenças

O estudo de crenças faz-se relevante ao ensino-aprendizagem de LE

por vários motivos. Barcelos e Abrahão (2006, p.9) consideram que “o

desvelamento das crenças de professores e alunos permite uma melhor

adequação de objetivos, conteúdos e procedimentos e, conseqüentemente,

chances de maior eficácia do processo ensino e aprendizagem”. Considerando

o estado precário atribuído ao ensino-aprendizagem de LE, discutido

anteriormente, a compreensão das crenças dos atores da escola pode ajudar a

reverter esse quadro negativo.

32

Barcelos (2004) aponta que o interesse em investigar as crenças surge

da ligação que a LA compartilha com outras disciplinas das Ciências Humanas

e Sociais, como antropologia, sociologia, psicologia, educação e filosofia. Na

área de LA, as crenças têm sido investigadas com várias finalidades, desde os

anos oitenta do século passado. As concepções das crenças passaram por

várias fases, com implicações na maneira de pesquisá-las. Na primeira fase, as

crenças foram conceituadas como entidades abstratas, passivéis de serem

descobertas por meio de questionários fechados, em que o respondente

escolhia a resposta mais próxima aos seus próprios sentimentos. Na segunda

fase, a investigação se centrou na busca de entender como as crenças

participavam da habilidade de formular estratégias de aprendizagem. Às

crenças, classificadas a priori, foram atribuídas características de causa e

efeito linear. Isto é, o pesquisador determinava anteriormente que tipo de

crença iria investigar, demonstrando que havia uma ligação direta entre a

crença e a maneira de o pesquisado agir.

Nessas duas primeiras fases, as crenças do indivíduo em relação ao

ensino-aprendizagem de LE foram caracterizadas pelos pesquisadores como

‘errôneas’. No entanto, na terceira e atual fase, há uma mudança significativa

na maneira como as crenças são concebidas e investigadas para dar conta da

sua complexidade. Assim, pesquisas recentes têm se baseado em métodos

que dão conta da complexidade da interação humana, como métodos

etnográficos e discursivos, dando relevo ao contexto de interação e às nuances

de linguagem que surgem nele, sem definir categorias de interpretação a priori.

E, embora até recentemente as crenças tenham sido teorizadas como

estruturas cognitivas relativamente estáveis que residem na mente do indivíduo

(Barcelos, 2006), as pesquisas mais recentes têm apontando para a

necessidade de compreender melhor os conceitos de cognição e mente

(Watson-Gegeo, 2004), e de incorporar uma dimensão social ao conceito de

crenças.

Watson-Gegeo (2004), argumentando a favor da adoção do paradigma

sócio-interacional da linguagem15, aponta para a necessidade de reconsiderar

os conceitos de mente, linguagem e epistemologia, para que se possa

compreender melhor como o indivíduo aprende a comunicar-se pela

15 No original: “Language socialization paradigm”.

33

linguagem. A autora destaca que a cognição – que inclui a capacidade

simbólica, a noção de si mesmo, a vontade, as crenças e o desejo – tem sua

origem na interação social, não no indivíduo, e que a maioria dos processos

mentais (pensamento) ocorrem no nível do inconsciente. Isso implica que se

adquire o conhecimento cultural e lingüístico de maneira implícita, por meio da

interação social.

A premissa central do paradigma advogado por Watson-Gegeo (2004) é

que o conhecimento linguístico-cultural se constrói em conjunto, num processo

contínuo, mas não necessariamente linear, ou sem contradições, isto é,

“linguagem, cultura e cognição se modulam interativamente por meio de

práticas interativas e pelo discurso”16 (Watson-Gegeo, 2004, p. 339). Outros

aspectos desse paradigma incluem o reconhecimento da natureza política da

linguagem, a complexidade do conceito de contexto, a transmissão de cultura

por meio de eventos linguisticamente marcados, e a construção da cognição

pela experiência, enquanto situada num contexto sócio-histórico-político.

Por meio desse paradigma, destaca-se a necessidade de considerar a

relevância da aprendizagem à experiência do aluno, no sentido de abrir espaço

para investigar fatores que contribuem para seu sucesso na arena educacional.

Isso, segundo Watson-Gegeo, implica na necessidade de repensar

radicalmente o ensino-aprendizagem de linguagem, seja língua materna ou

língua estrangeira. Nesse sentido, pesquisas que valorizam o contexto em

relação à linguagem contribuem para uma compreensão maior da construção

social do conhecimento. Pesquisas que destacam a necessidade de entender

as crenças de alunos, professores e outros atores da escola, desenvolvidas a

partir de um olhar etnográfico ou discursivo, inserem-se nessa perspectiva.

As pesquisas que focalizaram as crenças de atores da escola, até há

pouco tempo, levavam em consideração o ponto de vista de um grupo isolado

de outros grupos da escola e/ou do contexto de atuação. Assim, não levavam

em consideração a miríade de fatores que intervêm na formação, sustentação

ou mutação das crenças. No entanto, estudos mais recentes se baseiam em

premissas muito próximas àquelas discutidas por Watson-Gegeo. Aqui,

apresento algumas das pesquisas de destaque que estão abrindo novos

16 No original: “language, culture and mind interactively shape each other through interactive processes and discourses”.

34

caminhos para a compreensão desse conceito e sua relevância para o ensino-

aprendizagem de LE/LI.

Barcelos (2000) investigou a relação das crenças de professores e

alunos, a partir do ponto de vista etnográfico. A relevância dessa pesquisa para

o avanço do conhecimento sobre crenças dentro da área de LA se justificou

pela falta de um número significante de pesquisas que mostrassem como as

crenças de professores e alunos interagem, particularmente de uma

perspectiva êmica. A escolha de uma metodologia de natureza etnográfica

permitiu investigar de que modo os atores sociais atribuem sentidos às suas

ações. Barcelos considera que as crenças fazem parte da interação humana,

premissa essa inspirada em Dewey, filósofo estadounidense, que, nos idos de

1930, já afirmava que crenças não podem ser separadas da identidade, ações

ou experiência social do indivíduo.

A pesquisa de Barcelos foi realizada nos Estados Unidos e focalizou

alunos brasileiros que estavam estudando inglês num curso universitário

voltado a alunos vindos do exterior para aprimorar seu inglês. Segundo a

autora, as crenças de professores e alunos permitiam-lhes interpretar a

interação no contexto imediato da sala de aula. Isso indica que as crenças

representam uma ferramenta que ajuda o indivíduo a adaptar-se à situação em

que está inserido, negociar sua posição e identidade, tomar decisões baseado

em experiências prévias e agir de maneira apropriada. Barcelos salienta que as

crenças são incongruentes, às vezes, porque emergem em resposta ao

contexto e ao problema a ser resolvido. Há, então, uma interação entre crenças

e contexto, em que esses dois fatores se alimentam de maneira mútua.

Mais especificamente, Barcelos desenvolveu perguntas de pesquisa

relativas ao tipo de crenças os professores participantes tinham e se essas

crenças formavam a base da sua prática; o tipo de crenças que os alunos

tinham e a semelhança delas às crenças dos professores; a maneira como as

crenças dos professores e a prática de sala de aula, e/ou discurso, influenciava

as crenças dos alunos relativo ao ensino-aprendizagem de LI; a maneira como

as crenças e ações dos alunos influenciava as crenças e ações dos

professores; e a maneira como as crenças de alunos e professores mudam

através do tempo. A autora concluiu que todos os professores investigados

demonstraram crenças relativas aos papéís do professor e aluno, influenciadas

35

pela abordagem comunicativa, em que o professor é visto como facilitador e

tem a expectativa de o aluno ser ativo na sua busca de aprimorar suas

habilidades linguísticas. Além disso, as crenças dos professores demonstraram

ser interdependentes, o que valida a hipótese de que as crenças pertencem a

sistemas, ou redes interrelacionadas. Os alunos demonstraram crenças

relacionadas a sua experiência prévia com o ensino-aprendizagem de LI e, em

especial, que essa experiência no Brasil foi visto negativamente, enquanto a

experiência nos Estados Unidos foi visto positivamente. Os alunos atribuíram

essa positividade/negatividade ao número de aulas e ao contato direto com a

língua-alvo num país onde se fala o inglês como língua oficial (Barcelos, 2000,

p. 283-286).

A influência entre as crenças dos professores, a prática de sala de aula

e discurso é relatado pela autora em termos de influência positiva, negativa e

neutro. Salienta a autora que a influência positiva acontece quando há

congruência entre as crenças de professores e alunos. De modo semelhante, a

influência será negativa quando professores e alunos demonstram crenças que

divergem. A influência neutra indica que o professor não influenciou o aluno

nem positiva, nem negativamente. Curiosamente, não há indicação nesse

trabalho de que a influência neutra pode referir-se à influência das crenças do

aluno no professor (Barcelos, 2000, p. 294-298).

Quanto a questão da maneira como as crenças e ações do aluno

influenciam as crenças e prática do professor, Barcelos admite que é difícil

responder, pois o professor pode não estar ciente das crenças do aluno. Isto é,

o professor só pode interpretar as ações do aluno. Ainda assim, há três fatores

que parecem servir como fonte dessa interpretação: experiência própria (e

prévia) como aluno; a maneira como o professor percebe as ações e interpreta

os comentários do aluno; e a leitura feita pelo professor sobre teorias na área

de LA que servem de base para fazer comparações entre a teoria e as ações

do aluno (Barcelos, 2000, p. 298-300).

Finalmente, relativo à questão da maneira como as crenças de alunos e

professores evolvem através do tempo, a autora concedeu que o período de

investigação foi muito curto, de oito semanas, e que a participação de alguns

alunos foi só de até quatro semanas. Desta maneira, não houve mudanças

significativas para alguns dos participantes. No entanto, uma professora indicou

36

que mudou sua crença relativa ao ensino de gramática, para tentar equilibrar

mais a ênfase entre ela e a construção do significado numa situação

comunicativa. Essa mesma professora também mudou seu modo de pensar

sobre a correção em sala de aula. Enquanto antes pensava que não devia

corrigir os erros dos alunos, as suas experiências como mãe e professora

mostraram para ela que seus alunos estavam no seu direito de querer a

correção de erros. Alguns dos outros participantes também demonstraram

mudanças de crenças, que variavam da sua própria concepção relativo às suas

habilidades em inglês ao ensino-aprendizagem de LI no Brasil (Barcelos, 2000,

p. 303-304).

Murphy (2000) investigou as crenças de professores de francês com o

objetivo de identificar como elas refletem perspectivas sobre o ensino-

aprendizagem de francês por meio de contextos educacionais on-line. O estudo

foi conduzido num ambiente on-line, e, por conseqüência, houve participação

internacional de professores de francês. Apesar de enfocar um único grupo

social, a autora buscou compreender de que maneira essas crenças refletem

as diferentes abordagens de ensino de LE, teorias sobre ensino-aprendizagem,

e o uso de tecnologia no ensino no século XX.

Murphy empregou a metáfora de uma terra nova e estranha para melhor

representar o que o ambiente on-line significa para professores experientes.

Salienta a autora,

“ambientes de aprendizagem tradicionais têm garantido uma estabilidade considerável aos professores. Esses ambientes são predizivéis e relativamente imunes à perturbação e até às influências que vêm de fora. Contrariamente, os ambientes on-line representam ambientes radicalmente diferentes que muitas vezes desafiam formas tradicionais de aprendizagem e conhecimento… para alguns professores, as suas experiências com ambientes on-line têm resultado em experiências em congruência com suas crenças ou que os têm encorajado a mudar e redefinir suas crenças para acomodar os ambientes novos”17 (Murphy, 2000, Capítulo 7, p. 2)18

17 No original: “Traditional learning environments have provided considerable stability to teachers. They are predictable and relatively imune to perturbation, to change and even to outside influences. In contrast, OLEs (on-line learning environments) represent radically different environments that often challenge traditional ways of learning and knowing...for some teachers, their encounters with OLEs have resulted in experiences that have suited their beliefs or that have encouraged them to change and shift their beliefs in order to accomodate the new environments”. 18 O trabalho da Murphy está disponível na internet (ver referências bibliográficas), no formato PDF. No entanto, cada capítulo precisa ser baixado individualmente e começa novamente com a paginação.

37

Isso significa que outros professores que participaram da pesquisa de Murphy

não conseguiram adaptar-se ao uso de ambientes on-line. Segundo a autora,

os motivos pelos quais esses professores rejeitaram esse modo de ensino-

aprendizagem se relacionam a várias crenças, que incluem as crenças de que

não haja sites suficientes em francês, os alunos acessarão sites em inglês em

vez daqueles indicados pelo professor, o nível de francês nos sites seja muito

além do nível dos alunos e não seja produtivo aprender habilidades linguísticas

e de informática ao mesmo tempo (Murphy, 2000, Capítulo 7, p. 5-6). Murphy

ainda destaca que quando há aceitação da utilização de ambientes on-line pelo

professor, o docente pode se deparar com outros obstáculos que dificultam o

uso desses ambientes. Assim, quatro tipos de conflito foram delineados como

resultado da pesquisa: a) conflito com o sistema de crenças do professor, b)

conflito com convenções institucionais, c) conflito com as crenças de colegas e

d) conflito com as crenças de alunos (Murphy, 2000, Capítulo 7, p. 7).

Finalmente, Murphy (2000), ao relacionar as crenças dos professores

que participaram do estudo com o contexto histórico-social maior, a autora

mostrou a relação entre conhecimento científico, na forma de teorias oficiais, e

conhecimento pessoal, na forma de teorias implícitas. Concluiu que a relação

entre conhecimento científico e pessoal é dinâmica e dialógica, o que reforça a

constatação de Watson-Gegeo (2004) de que os processos cognitivos e,

portanto, o conhecimento, nascem no meio social.

Para a pesquisa aqui apresentada, desenvolvida em Várzea Grande,

Mato Grosso, os estudos feitos por Santos (2005) e Dias (2006) são de grande

interesse, por terem sido realizadas na mesma região. No contexto brasileiro,

considera-se Mato Grosso um estado periférico, por estar longe dos grandes

centros comerciais e por compartilhar uma fronteira com a Bolívia. Assim, as

pesquisas de Santos e Dias servem de pano de fundo para compreender

melhor as especificidades desta região. As duas autoras voltaram seu olhar

para as crenças dos atores da escola pública, pais, alunos e professores.

Desviando-se da prática comum de pesquisar apenas as crenças de alunos e

professores, essas pesquisadores abriram espaço para uma voz muitas vezes

esquecida, a dos pais. Tendo em vista que a escola não está fora do mundo,

mas faz parte dele, a decisão de ouvir os pais levou em consideração o

contexto maior em que a escola está situada.

38

Santos (2005) e Dias (2006) realizaram suas pesquisas a partir de uma

abordagem de observação participativa. Santos (2005) realizou sua pesquisa

em Sinop, Mato Grosso, e teve como objetivo investigar as crenças dos atores

da escola relevantes à inclusão do ensino de LI nas séries iniciais de

escolarização. Segundo essa autora, quatro crenças circundam a oferta de LI

nas séries iniciais: beneficia o aluno ao progredir nos seus estudos; deve dar

“uma base” e despertar o interesse do aluno; há desvalorização da disciplina e

do professor de LI; e é importante aprender LI. Santos considera que essas

crenças indicam a necessidade de discutir mais profundamente as políticas que

embasam o ensino-aprendizagem de LE na escola pública, em relação à

formação de indivíduos capazes de atuar na sociedade contemporânea.

De maneira semelhante, Dias (2006) realizou sua pesquisa em Várzea

Grande, Mato Grosso, buscando compreender quais sentidos foram atribuídos

ao ensino-aprendizagem de língua inglesa no contexto de uma escola pública

localizada na periferia da cidade. Também buscou fazer a ligação entre essas

crenças e o contexto maior por meio de uma discussão sobre aspectos sócio-

culturais nelas refletidos. Segundo Dias, o processo de globalização faz os

atores da escola sentir, de maneira mais aguda, a vontade e a necessidade de

ter acesso a bens culturais, muitos inacessíveis por causa de distâncias reais e

imaginadas entre sua localização e pólos culturais e econômicos, além de

distâncias entre suas condições econômicas e um nível socioeconômico mais

propício para o consumo desses bens. A autora salienta que a desqualificação

do ensino-aprendizagem de inglês na escola pública por parte dos

administradores da escola faz crescer a distância entre o “mundinho” local e o

mundo globalizado.

As quatro pesquisas acima citadas utilizaram princípios da etnografia ou

observação participativa para desvendar não só as crenças, mas a maneira

como essas crenças são socialmente construídas. Para fazer isso, é

necessário voltar a atenção à linguagem dos indivíduos-participantes, o meio

pelo qual as crenças se expressam. Autores como Kalaja (2003) e Kramsch

(2003) têm seguido abordagens que privilegiam a análise linguística em vez de

métodos mais participativos de investigar as crenças. Esse enfoque não é

menos válido. Demonstra que a experiência humana é variada, portanto, há

necessidade de mais de uma maneira de estudá-la, pois nenhum método de

39

pesquisa dá conta da totalidade de nossa realidade. Ambas autoras

pesquisaram as crenças a partir de uma abordagem sócio-construtivista. As

autoras, ainda que difiram no seu enfoque, enfatizam que a linguagem não só é

uma representação da realidade, mas a constrói. Nessa concepção, a

linguagem equivale à ação, pois como explica Kramsch (2003, p. 109), “não se

esgota o significado da linguagem no que ela diz sobre a realidade social; ela

deve ser examinada para desvendar a maneira em que constrói a realidade

social”19.

Kalaja (2003, p. 87), que abordou a investigação das expectativas de

sucesso de alunos relativo à sua performance nas provas aplicadas durante o

percurso de estudo desde uma perspectiva discursiva, salienta que quando o

indivíduo se expressa, suas crenças se fazem diretamente observáveis como

ações representadas pela linguagem. A abordagem discursiva enfoca a

maneira como a linguagem utilizada pelo indivíduo constrói expectativas e

possibilidades para a ação. Nesse sentido, o contexto imediato tem grande

influência na maneira como se constrói linguisticamente a realidade daquele

momento. A autora coletou diários e gravou discussões com alunos que tinham

se matriculado para fazer uma prova oficial de inglês e identificou quatro

repertórios interpretativos utilizados pelos alunos para explicar sua

performance: Sr. Trabalhoso, Sr. Hábil, Sr. `Legal´, Sr. Chance20 (Kalaja, 2003.

p. 101). Kalaja concluiu que as maneiras como o aluno se expressa

relativamente à sua performance pode variar de uma situação para outra,

dependendo da maneira como o aluno opta para se construir frente à situação

imediata. Portanto, as crenças são muito mais variáveis do que estáveis.

Kramsch (2003) voltou seu olhar para as metáforas. As metáforas

funcionam para mapear conceitos, que tanto podem ser congruentes como

incongruentes. Por isso, segundo Kramsch, investigar as crenças através das

metáforas privilegia a investigação do deslizamento que pode ocorrer na

formação delas de um contexto para outro. A autora discute duas maneiras de

abordar a investigação de crenças através das metáforas. Na primeira

abordagem, o investigador elicita metáforas de indivíduos-participantes sobre

um assunto específico para análise de crenças que surgem na sobreposição de 19 No original: “The meaning of language is not exhausted in what it says about social reality; it has to be examined for the way it constructs social reality. 20 Tradução minha de “Mr. Hard Work, Mr. Skilled, Mr. Cool and Mr. Chance”.

40

imagens que compõem a metáfora. Essa abordagem, segundo a autora,

demonstra sua utilidade por desvendar a maneira como o indivíduo constrói um

sistema de crenças (Kramsch, 2003, p. 121). Na segunda abordagem, o

processamento metafórico, o objetivo é investigar e interpretar a maneira por

meio de que o indivíduo constrói sua experiência metaforicamente, enfocando

os modelos cognitivos da realidade construídos pela linguagem (Kramsch,

2003, p. 112).

As abordagens expostas aqui – etnográfica, de observação participante,

discursiva e metafórica – estão em congruência com o paradigma sócio-

interacional da linguagem advogado por Watson-Gegeo (2004). Todas

valorizam, embora com intensidade diferente, o contexto e a linguagem na

construção de crenças, que fazem parte da cognição do indivíduo. Watson-

Gegeo conceitua a cognição na comunidade. O papel da comunidade é de

introduzir o iniciante ao conhecimento e cultura que a permeia, trazendo o

aprendiz da periferia do conhecimento a um lugar legitimado dentro da

comunidade (Watson-Gegeo, 2004, p. 341).

No entanto, esse processo de inclusão pode ser invertido e utilizado

para excluir o indivíduo da comunidade. Voltando esse conceito para a escola

pública, é necessário contemplar a denúncia de Moll (2000) que, citando Ferrari

(1987), aponta para “um duplo processo de exclusão: a exclusão da escola e a

exclusão na escola” (Moll, 2000, p. 77). Segundo Moll,

a escolarização pública e estatal estendida às camadas urbanas pobres em idade regular... consolida práticas escolares excludentes que mantêm o analfabetismo, e produz um discurso que aprofunda a legitimação social acerca da incapacidade dos ‘pobres’ para as aprendizagens escolares (Moll, 2000, p. 77).

A autora chega a essa conclusão ao levar em consideração o alto índice de

repetição de ano e evasão21 escolar que ainda ocorre no Brasil.

As constatações, tanto de Watson-Gegeo (2004), quanto de Moll (2000),

relacionadas à educação lingüística têm implicações não só para o ensino de

língua materna, mas também para o ensino de LE. No Brasil, parece haver

uma cultura de negatividade que permeia a maneira como se pensa a escola

21 Entende-se por “evasão escolar” a falta de o aluno assistir às aulas por períodos prolongados, ou a desistência dele da educação formal.

41

pública e seu aluno. Estudos de cunho etnográfico e discursivo, como aqueles

citados acima, têm um importante papel em desvendar o impacto que o

contexto tem no processo de ensino-aprendizagem de LE.

2.5 Do contexto

Delimitar o contexto escolar quer dizer enfocar aspectos da instituição

que se encontram ou no nível micro (sala de aula, espaço físico da escola) ou

no nível macro (institucional). Segundo Delamont (1983), o nível micro se

compõe de um contexto temporal e físico. O contexto temporal refere-se ao

momento histórico em que o trabalho educativo se desencadeia na sala de

aula, e à idéia de que a sala de aula não é estática. Delamont (1983, p. 30-31)

adverte que é necessário compreender o contexto temporal para melhor

compreender os sentidos construídos dentro de sala de aula . O contexto físico

refere-se a aspectos tais como local, divisão espacial do prédio escolar, e inclui

também o formato e decoração da sala de aula.

O nível macro, conforme Delamont (1983, p. 39-46), se compõe do

contexto institucional, em que a escola se organiza ao redor de políticas

negociadas, reafirmadas, modificadas e/ou aceitas de forma conformista.

Nesse contexto, há graus diferentes de controle institucional que penetram a

sala de aula e influenciam o clima estabelecido entre professor e aluno. Nesse

nível, há também o contexto educacional, que se estabelece na forma do

sistema educacional ao qual a escola pertence. No nível do contexto

educacional, políticas educacionais mais abrangentes, como o currículo oficial,

são estabelecidas.

Erickson (1990, p. 102) constata que a sala de aula é um lugar onde

sistemas de interação formal e informal interagem. Pode-se ampliar essa visão

para incluir o todo da instituição educacional, pois, como discutido

anteriormente, é um lugar onde o indivíduo se defronta com o coletivo, nessa

circunstância, com a comunidade escolar. O sistema formal, portanto, se forma

pelas políticas estabelecidas para o funcionamento da instituição. Essas

políticas dirigem vários fatores que, por sua vez, influenciam o contexto

escolar: a escolha e implementação do currículo, a escolha e compra de

materiais, a divisão do dia escolar, as regras de comportamento a serem

42

seguidas, e a merenda a ser oferecida aos alunos, entre outros. O sistema

informal se constitui e se influencia por ações, atitudes, opiniões, e crenças,

além de outros fatores, que se baseiam na experiência do indivíduo e que

interagem no contexto escolar. Desta maneira, o sistema informal também

influencia o contexto escolar. Os dois sistemas interagem de maneira dinâmica,

dialógica, nem sempre de maneira explícita. André, ao teorizar o cotidiano

escolar, enfatiza que

o que acontece dentro da escola é muito mais o resultado da cadeia de relações que constrói o dia-a-dia do professor, do aluno e do conhecimento; e muito menos a atitude e decisão isolada de um desses elementos. Os anéis dessa cadeia se ligam de várias maneiras aos anéis que compõem o todo institucional, o qual se articula de muitas maneiras com as várias esferas do social mais amplo (André, 1992, p. 35)

Acredito que essa descrição do cotidiano escolar proposta por André

(1992) esteja de acordo com aquilo que venho chamando de contexto escolar.

O contexto escolar, então, não se compõe unicamente do espaço físico

delimitado por quatro paredes. Enquanto esse espaço tem influência no

desencadear da prática educacional, por limitar a maneira como o professor

pode construir sua aula metodologicamente, e construir um tom ambiental que

reflete a preocupação da sociedade com a qualidade do ensino, inferida pela

preocupação com condições físicas da escola, o contexto escolar precisa ser

pensado em relação à sociedade.

Também compartilho com Gomes (2005) a perspectiva de que para se

conseguir a efetividade da educação, é necessário entender os fatores que

influenciam a educação nos níveis macro e micro. Gomes emprega a metáfora

da cebola para explicar a complexidade do sistema educacional. Assim,

o sistema educacional está dividido em camadas: primeiro, abrem-se as diversas redes, depois as órgãos gestores regionais e locais; em seguida, as diferentes escolas e, nestas, as diversas turmas, com os seus variados professores e, por fim, os grupos de alunos, com adesão maior ou menor aos objetivos da escola (Gomes, 2005, p. 283).

Essas camadas não são facilmente penetráveis, o que remete à dificuldade de

instituir políticas voltadas à melhoria do processo de ensino-aprendizagem,

ainda que benéficas, como por exemplo, a formação continuada de professores

do ensino fundamental. Isso implica também que é difícil o professor intervir

43

para que o aluno seja bem sucedido, por ter de procurar meios adequados que

se perdem na burocracia do sistema educacional.

Gomes aponta que as escolas com maior sucesso, ainda que raras, se

apóiam numa “atmosfera de encorajamento, altas exigências, tratamento

pessoal, [e] liderança” (Gomes, 2005, p. 290). Indica a necessidade de

trabalhar colaborativamente para construir condições propícias ao ensino-

aprendizagem, o que volta o olhar para o professor e os administradores da

escola. Raposo e Maciel (2005, p. 310), ao salientar a posição de Zeichner

(apud Passos, 2001), apontam para a necessidade de valorizar a interação

para que os professores (e aqui, seguindo a linha de raciocínio, adicionarei os

administradores) possam “se apoiar mutuamente, sustentar o crescimento uns

dos outros e olhar para os seus problemas compreendendo que têm uma

relação com os de outros professores, com a própria estrutura da escola ou do

sistema educativo”. Isso implica que o contexto influencia e tem impacto no

desenvolvimento de todos os atores da escola, desenvolvimento esse que

acontece em dois níveis interligados para os professores e administradores: o

nível profissional e o nível pessoal. Como consequência, Raposo e Maciel

(2005, p. 311) sugerem que “a atualização e a produção de novas práticas de

ensino só surgem de uma reflexão partilhada entre os colegas, que tem lugar

na escola e nasce do esforço de encontrar respostas para problemas

educativos”. No entanto, para que isso aconteça, é necessário construir um

espaço seguro para a colaboração em que o respeito e a consideração de um

pelo outro sirvam de premissa para a interação. Isso não exclui o conflito, mas

oferece ferramentas para lidar com incongruências que surgem no cotidiano

escolar.

Neste capítulo, abordei o ensino-aprendizagem de LE a partir um ponto

de vista que inclui aspectos sócio-histórico-econômicos como pano de fundo

para compreender o atual estado em que se encontra no Brasil. Argumentei

que não há uma ligação direta entre fatores que compõem esse pano de fundo,

pois o sistema educacional se compõe de maneira complexa, e não de maneira

isolada do meio social mais abrangente. A construção de um quadro negativo

relativo ao ensino-aprendizagem de LE tem conseqüências para a

implementação de políticas voltadas à melhoria das condições sob as quais

44

esse processo acontece. Se não houver intervenção em todos os níveis do

sistema educacional, as tentativas individuais de melhorias serão marcadas

pelo mesmo insucesso que atinge as escolas públicas hoje.

Uma maneira de intervir é investigar fatores, como as crenças, que

podem influenciar não só o ensino-aprendizagem de LE, mas outros aspectos

do cenário educacional. As crenças refletem mais do que o estado atual das

coisas. Refletem a maneira como o indivíduo concebe sua realidade e servem

de base para a ação, emergente e possivelmente paradoxal, pois se ancoram

no contexto.

3 DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA

Neste capítulo, primeiramente, apresento as premissas que balizaram a

pesquisa relatada nesta dissertação, além das circunstâncias que influenciaram

seu desenvolvimento. Posteriormente, apresento mais detalhadamente as

premissas da pesquisa etnográfica; a importância e construção da colaboração

no empreendimento; dados relativos às professoras colaboradores, esta

pesquisadora e sua parceira da escola pública; o desenvolvimento da

pesquisa; dados relativos ao bairro, seus moradores e escola; uma introdução

aos atores da escola; a metodologia de interpretação; e algumas limitações da

pesquisa.

3.1 Introdução

A pesquisa aqui apresentada foi construída com base em métodos

qualitativos, de cunho etnográfico. Buscou-se fazer interpretações de uma

realidade social específica – a relação entre o ensino de LE na escola pública e

o contexto escolar, vista do ângulo da construção, manutenção e mutação das

crenças de atores sociais (professores, alunos, administradores, etc.). A

pesquisa se baseou na observação participante. Segundo Agar (1996, p. 9), a

observação participante permite ao pesquisador entrar no mundo dos

indivíduos que colaboram com a sua investigação. O objetivo da observação

participante é buscar compreender as práticas cotidianas desses indivíduos, e

a maneira como essas práticas estão construídas do conhecimento comum

entre eles, além de outros fatores que são relevantes ao momento vivenciado e

registrado durante a investigação. Esta pesquisa foi desenvolvida com a

colaboração de uma professora da rede pública do município de Várzea

Grande – MT como participante principal, e incluiu a participação de outros

atores da escola. A observação de eventos que compõem o cotidiano escolar

foi imprescindível para compreender a ligação entre as crenças desses atores

e o contexto escolar.

Nesta dissertação, busca-se explicitar elementos do cotidiano escolar

que impactam, direta ou indiretamente, a atuação do professor de LE no

46

contexto escolar, com possíveis implicações para a formação continuada, uma

vez que a atuação em sala de aula e a formação continuada são duas

atividades que fazem parte do mesmo processo (Brasil, 2006, p. 15). A ação

docente alimenta as condições para a formação continuada, que, por sua vez,

retro-alimenta a ação docente. Não devem ser pensados como duas ações

separadas, mas ações que compõem um contínuo processo de

desenvolvimento profissional. No entanto, as experiências vividas pelo

professor no espaço escolar tendem a fracionar essa concepção, além de

reforçar, inconscientemente, crenças, atitudes e ações, às vezes conflitantes,

que viram empecilhos a uma concepção de ensino mais alinhada com as

exigências da sociedade contemporânea.

3.2 Da pesquisa etnográfica

A etnografia é um método de pesquisa interpretativo. Segundo Erickson

(1990, p. 86-87), a pesquisa interpretativa se desenvolveu na Europa do século

XVIII de um interesse nas vidas e nas perspectivas de pessoas que não tinham

voz na sociedade. Durante o século XIX, o interesse em estudar o mundo

social das populações menos favorecido cresceu e se estendeu ao

conhecimento folclórico delas, na busca de resgatar a imagem do indivíduo

comum e propiciar reformas sociais. A etnografia, como metodologia

interpretativa, se desenvolveu, subseqüentemente, no final do século XIX. Foi

nessa época que as descrições da maneira de viver de povos desconhecidos e

iletrados da África e da Ásia, territórios coloniais controlados pela Europa,

ganharam mais detalhes e, conseqüentemente, a atenção de antropólogos. O

início do século XX até a Segunda Guerra Mundial é considerado como o

período tradicional da pesquisa qualitativa, em que os pesquisadores

“escreveram relatos colonialistas, 'objetivos', das experiências de campo”22

(Denzin e Lincoln, 2006, pg. 26). A validade, confiabilidade e objetividade

desses relatos não foram questionadas pela comunidade científica nessa

época.

Denzin e Lincoln (2006, p. 26-32) apontam que a pesquisa qualitativa

tem passado por várias fases desde então. Cada fase é marcada por

22 Grifos do autor.

47

características que refletem as inquietudes da época, como, por exemplo, no

segundo período, em que os pesquisadores trabalharam para formalizar as

formas de investigação e o pesquisador qualitativo foi visto como um romântico

social; ou seja, como um pesquisador que valorizava “os vilões e os

outsiders23, considerando-os heróis da sociedade dominante” (Denzin e

Lincoln, 2006, pg. 29). No momento atual, a objetividade do pesquisador é

posta em questão, pois “não existem observações objetivas, apenas

observações que se situam socialmente nos mundos do observador e do

observado” (Denzin e Lincoln, 2006, pg. 33). Assim, reconhece-se que as

histórias de vida de todos os participantes da pesquisa, inclusive o

pesquisador, influenciam a interpretação de dados, e, conseqüentemente, os

resultados finais da investigação.

Reconhecer esta influência é importante, pois o pesquisador, como

membro de uma comunidade científica, tem o poder de influenciar políticas

sociais. Denzin e Lincoln (2006, p. 37) consideram que o pesquisador

qualitativo pode “isolar as populações-alvo, mostrar os efeitos imediatos de

certos programas sobre esses grupos e isolar as restrições que agem contra as

mudanças das políticas nesses cenários”. A etnografia, como instrumento que

dá voz ao outro, mas que não pode negar a voz do pesquisador, é uma obra

híbrida. É também uma obra política, que pode abrir espaço para a

compreensão dos valores, crenças, necessidades, desejos, e significados da

população-colaboradora da pesquisa. Para Bohn (2005, p. 11), pesquisar é

desencadear várias atividades políticas, entre as quais esse autor destaca a

produção de sentidos, a procura da compreensão do outro, a construção do

saber, a administração de tensões e a tomada de posição axiológica do

pesquisador, entre outras. O pesquisador carrega uma responsabilidade ética

para com a população pesquisada que não pode ser ignorada.

Voltada à educação, Erickson (1990, p.79) considera que a etnografia,

como metodologia interpretativa, tem um importante papel na investigação dos

contextos educacionais. Segundo o autor, esse tipo de investigação oferece a

vantagem de compreender e desvendar: a natureza da sala de aula vista como

um microcosmo organizado cultural e socialmente; a variedade de aspectos do

contexto educacional em que o ensino representa só um deles; e as

23 Pessoas de fora. Grifos dos autores.

48

perspectivas e a maneira de o professor e de o aluno construírem sentidos,

intrínsecos ao processo de ensino-aprendizagem. A esse último, nós

poderíamos adicionar que o posicionamento filosófico do indivíduo, expresso

de maneira consciente ou não, impacta esse processo. As crenças, ações e

atitudes são ao mesmo tempo base e produto desse posicionamento.

Manifestam-se de maneira congruente ou incongruente com as crenças, ações

e atitudes dos outros indivíduos que compõem o contexto escolar.

A pesquisa etnográfica envolve a participação e interação do

pesquisador no âmbito do grupo a ser pesquisado, o que fornece a

oportunidade de coletar dados em contexto natural (Erickson, 1990; Agar,

1996; Denzin e Lincoln, 2006). A coleta de dados normalmente se baseia em

anotações de campo e entrevistas, sem definir a priori categorias de

observação. Nesse sentido, o etnógrafo observa o processo dialógico entre o

contexto e os indivíduos que o compõem, buscando entender quais sentidos e

práticas se desenvolvem de maneira significante na interação. O objetivo,

especialmente quando o grupo pesquisado tem algo em comum com o

pesquisador, é de estranhar o óbvio e de questionar o comum. Salienta

Erickson,

parte da responsabilidade do etnógrafo é ir além do que os atores locais entendem explicitamente, identificando os sentidos que estão fora do alcance da consciência dos atores locais, e revelando o currículo oculto a fim de que esse possa ser encarado criticamente por professores e doutos (Erickson, 2001, p. 13).

No entanto, é importante destacar a impossibilidade de o etnógrafo

captar tudo o que acontece no contexto pesquisado. Agar (1996) aponta que o

etnógrafo de hoje entra em campo com objetivos de pesquisa já perfilados.

Esses objetivos são influenciados por múltiplos fatores que dependem dos

interesses da sociedade em geral e do pesquisador em específico. Quer dizer

que o pesquisador não entra em campo sem ponto de vista, sem

posicionamento teórico-filosófico. Isto porque o pesquisador, tanto quanto os

indivíduos pesquisados, também trazem ao estudo seu conhecimento e

experiência prévia (Agar, 1996, p. 97). O etnógrafo, portanto, entra em cena

com filtros culturais e pessoais que funcionam como um prisma, ampliando a

visão de alguns aspectos do contexto pesquisado, enquanto deixa de enfatizar

49

outros. Por isso, Agar (1996) enfatiza a necessidade de o etnógrafo entender

bem seu próprio posicionamento.

Na área de LA, estudos de cunho etnográfico têm sido desenvolvidos

para estudar crenças de alunos e professores. De destaque são as pesquisas

de Barcelos (2000), Murphy (2000), Kramsch (2003), Kudiess (2005), Santos

(2005) e Dias (2006), alguns já citados no capítulo dois. Barcelos (2004)

destaca que o empreendimento de pesquisas etnográficas, voltadas ao estudo

de crenças, se desenvolveu em reação a métodos em que as crenças de

alunos e professores eram definidas a priori e listadas em questionários, sem

levar em consideração o contexto em que aparecem.

Como aponta Dufva (2003, p.154), o uso de um questionário fechado

para investigar crenças limita nosso entendimento delas, pois não consegue

demonstrar pontos de vista tácitos que embasam o que ela chama de

“expressões formulares”. Assim, esses pontos de vista permanecem ocultos.

Segunda a autora, o pesquisador que não leva o contexto em consideração

corre o risco de propagar “estereótipos e clichês em vez de encorajar alunos e

professores a exercer sua habilidade de reflexão” (idem).

Erickson (1990) e Agar (1996) apontam que o contexto é o lugar

privilegiado da interação. Para que o processo educacional funcione, é

necessária a colaboração dos atores da escola. Mas quando falamos da

investigação etnográfica, também há necessidade de colaboração. O

pesquisador precisa de uma porta de entrada para o cenário a ser pesquisado.

Por isso, deve construir rapport (Agar, 1996, p. 137), ou um bom

relacionamento, com um (ou mais) dos indivíduos que pertencem à

comunidade a ser pesquisada.

3.3 Da pesquisadora e da professora participante

No primeiro capítulo, introduzi algumas informações pessoais e alguns

casos profissionais que embasam minha busca de aperfeiçoamento

profissional. Brevemente, retomo aqui minha experiência como professora, que

consiste em dez anos de atuação na rede pública de Palm Beach County,

Flórida, nos Estados Unidos, ensinando francês e espanhol, e dois anos e meio

numa escola particular de idiomas de Cuiabá – MT, ensinando minha língua

50

nativa, o inglês. Nessa época, não me considerava um ser político, pois política

no contexto escolar, para mim, significava a burocracia do sistema escolar e as

políticas públicas voltadas à educação. Ou seja, não reconhecia

conscientemente o papel político que o professor desempenha, ou, às vezes,

deixa de desempenhar. Embora tivesse me empenhado em participar da vida

escolar por meio de várias atividades (ver página 11), eu não sabia

“desempenhar o duplo papel de professor e de político” (Leffa, 2005, pg. 207).

No entanto, entendia que existem forças no contexto escolar e na sociedade

que podem influenciar os acontecimentos de sala de aula.

Antes de entrar em campo, embora não tivesse tido qualquer

experiência de ensinar na escola pública no Brasil, certamente tinha uma

concepção de escola pública neste país, devido às reportagens em jornais e

revistas, além das opiniões expressadas por parentes, amigos e colegas. Ainda

assim, não conhecendo nenhuma escola pública brasileira de perto, por

também ter tido experiência em escolas públicas nos Estados Unidos, possuía

concepções do que fosse uma escola pública, podia “julgar” o que considerava

uma boa escola, um bom ensino, bom professor, bom aluno. Quer dizer

formulara imagens baseadas em minha experiência prévia, traçando

conclusões sobre o que parecia semelhante ou completamente diferente do

que conhecia da escola pública dos Estados Unidos, influenciada por

informações indiretas provindas das fontes acima citadas.

Era evidente que seria necessário equilibrar minhas próprias

formulações com as concepções de quem conhece bem o espaço escolar que

eu pretendia estudar. Assim, me aproximei de uma colega, Joyce24, que

conhecera quando trabalhava numa escola particular de idiomas. Joyce, além

de dar aula na escola particular de idiomas, também era professora efetiva da

rede pública de Várzea Grande, Mato Grosso. Na hora que apresentei a idéia

de desenvolver uma pesquisa, que naquele momento perfilei uma pesquisa

colaborativa, a Joyce me informou que não pretendia continuar a dar aula na

escola particular de idiomas. Tinha decidido concentrar seus esforços na

escola pública, onde ensinava inglês para alunos do quinto ao oitavo ano no

período matutino, que lhe proporcionaria mais tempo para estudar à tarde em

preparação para os variados concursos anunciados pelo governo naquela

24 Todos os nomes de pessoas e locais citados neste capítulo e adiante são fictícios.

51

época. A esperança da Joyce era de poder conciliar a profissão de professora

com outra, após ser aprovada em outro concurso, para melhorar suas

condições de vida.

Joyce tinha sete anos de experiência na rede pública de Várzea Grande

em 2007. Ela é formada em Letras, com habilitação em inglês e português, e

possui especialização em Metodologia da Língua Portuguesa. Ao contrário do

estereótipo do professor de inglês com habilidades orais subdesenvolvidas, a

Joyce fala inglês muito bem. Ela me relatou que tinha freqüentado um centro

de idiomas particular durante a adolescência, que lhe proporcionou essa

habilidade.

Joyce e eu conversamos sobre o projeto que eu queria desenvolver

como mestranda. Expliquei-lhe que queria desenvolver uma pesquisa

colaborativa. Considera-se que a colaboração entre profissionais da mesma

área proporciona muitos benefícios aos envolvidos. Autores como Atay (2006),

Bailey et al. (1998), Clarke et al. (1998), Cornish et al. (2007), Erickson (1989),

Nieto (2002) e Raposo e Maciel (2005) citam o apoio profissional como um dos

benefícios mais importantes da colaboração, pois, ao criar vínculos com o

outro, o indivíduo se fortalece. Ainda assim, é necessário criar a sensibilidade

de que os participantes podem desempenhar papéis bastante diferentes na

colaboração, por ocupar posições profissionais diferentes, e trazer consigo uma

história de experiências, além de pontos de vista, que influenciam o

desenvolvimento do empreendimento.

Trabalhar em conjunto implica negociação constante entre os

integrantes do grupo, segundo vontades e necessidades que são, ao mesmo

tempo, individuais e coletivos. É importante salientar que o processo de

negociação também se restringe pelo contexto. O contexto é definido como o

lugar da interação, portanto fornece as ferramentas para construir projetos em

conjunto. A interação e a construção de projetos podem ser influenciadas tanto

pelo clima organizacional da escola, quanto pelas condições físicas, como o

estado do prédio e disponibilidade de recursos e equipamentos. A colaboração,

como processo, pode ser caracterizada como complexa e não-linear. Há uma

contínua necessidade de renegociação e superação de obstáculos para que

haja sucesso.

52

O objetivo da investigação, portanto, seria enfocar o processo de

negociação durante o desenvolvimento da pesquisa colaborativa. Sugeri que

desenvolvêssemos um projeto de formação continuada baseado nas

necessidades de Joyce, como profissional, e seus alunos, como aprendizes de

LI. A Joyce indicou que lhe interessava ajudar seus alunos a melhorar a

habilidade de leitura em língua inglesa. Ela lamentou, então, que era difícil sem

material didático, pois ela possuía um único livro, que servia como fonte de

conteúdo a ser trabalhado em sala de aula. Portanto, seria necessário montar

material didático para uso em sala de aula.

Joyce estava preocupada com os recursos financeiros que seriam

necessários pelo desenvolvimento do projeto. A escola não dispunha de

recursos financeiros para desenvolver materiais para uso em sala de aula.

Decidimos, então, que enquanto trabalharíamos em conjunto para montar o

material necessário para o desenvolvimento do projeto, eu, seria responsável

por financiar os materiais25, que incluíram principalmente cópias de textos para

todos os alunos. Eu seria responsável, também, pelo fornecimento dos textos

teóricos a serem estudados por nós, relevantes à metodologia de ensino-

aprendizagem de leitura, e ao conceito de gêneros discursivos, a partir de um

enfoque construtivista de ensino-aprendizagem. Seria imprescindível ler e

discutir esses textos para nortear o planejamento do projeto, assim como o

desenvolvimento do material didático. Ademais, decidimos que a seleção do

material didático a ser utilizado em sala de aula, assim como o

desenvolvimento do planejamento, exercícios e outras atividades relevantes ao

projeto, seria feita colaborativamente. Assim, a Joyce consentiu em participar, e

nós combinamos desenvolver o projeto durante o segundo semestre de 2007.

Desta maneira, Joyce se posicionou como a insider, a pessoa

responsável para me guiar no contexto escolar “pouco familiar e singular”, na

concepção etnográfica. Em outras palavras, quer dizer que é necessário

reconhecer que aparentes semelhanças entre uma escola e outra, ou entre

duas salas de aula de uma mesma escola, só existem na superfície, e que é

necessário entender esse contexto do ponto de vista dos indivíduos que aí

25

Como bolsista da CAPES, achei justo investir uma porcentagem desse recurso para o desenvolvimento de materiais para uso em sala de aula. Ao terminar o semestre, também presenteei os alunos participantes com cópias próprias de gibis (em língua portuguesa), para agradecer sua colaboração com o projeto e estimular ainda mais o interesse deles pela leitura.

53

exercem sua profissão ou estudam. Desta maneira, ainda que eu tenha

experiência como professora, não havia como presumir que eu conhecesse o

contexto particular da escola pesquisada. Diz Erickson a esse respeito,

nossa crença de que já conhecemos as salas de aula – como futuros professores, professores experientes, administradores educacionais e técnicos educacionais – cega-nos para as nuances da particularidade na construção local da interação cotidiana como ambiente de aprendizagem. De uma sala para outra, há diferenças sutis na organização da interação entre os vários participantes e na organização da interação deles com os materiais educacionais. Tais sutilezas fazem diferenças no tom e na morale

26 – na postura e no comprometimento em relação à aprendizagem e ao ensino de uma sala para outra, mesmo quando as salas adjacentes são frequentadas por alunos da mesma idade e da mesma comunidade, de origem linguística e socioeconomicamente semelhante (Erickson, 2001, p. 10).

Considero que a participação da professora Joyce foi essencial ao

desenvolvimento da pesquisa apresentada nesta dissertação, para que

pudesse compreender a interação no contexto escolar de um ponto de vista

êmico. Ainda assim, é importante salientar que como pesquisadora, eu entrei

em campo com objetivos a serem alcançados – objetivos que certamente

influenciaram o desenvolvimento da pesquisa e desta dissertação.

3.4 Do percurso da pesquisa

A pesquisa, baseada em metodologias etnográficas, foi construída a

partir de minha participação no contexto escolar, primeiramente por meio de

observações de aula, e conversas e entrevistas com a professora participante e

outros atores da escola, entre eles, professores, administradores e alunos.

Além de observar aulas e ouvir atores da escola, também apliquei dois

questionários a alunos de LI, pesquisei documentos oficiais da escola e

participei de vários eventos para compreender melhor o contexto da escola. Os

eventos dos quais participei incluem a caminhada pela paz, o festival de

Halloween, o lançamento de livros paradidáticos de uma editora de livros

educacionais que se concretizou em uma escola de outro bairro, uma gincana

e um jogo entre os times de futebol da escola pesquisada e de outra escola de

ensino fundamental do bairro.

26

Grifos do autor.

54

A minha entrada na escola aconteceu no dia 31 de julho de 2007.

Observei as primeiras aulas, e durante a ‘janela’, ou período livre, da

professora, nós combinamos os dias em que eu participaria de suas aulas.

Seguindo a sugestão da professora Joyce, em relação ao desenvolvimento do

projeto de formação continuada, decidimos inicialmente trabalhar mais

intimamente com os alunos do oitavo ano (antiga sétima série), por eles terem

tido mais contato com a língua inglesa. A maioria das turmas do oitavo ano se

encontrava com a Joyce nas terças e quintas-feiras. O período livre da Joyce

também caiu numa terça-feira. Assim, nós teríamos tempo para discutir a

prática de Joyce e as teorias e métodos de ensino, com a finalidade de

desenvolver um projeto sobre ‘textos’, tema que interessava à Joyce para

aprimorar as habilidades de leitura dos seus alunos. Desta maneira, sugeri

trabalhar com um gênero discursivo27, a ser definido após levantar informações

relativas aos alunos que participariam, para escolher um gênero que seria do

interesse deles.

Nos primeiros momentos da minha participação no contexto escolar,

poucos indivíduos me questionaram diretamente sobre minha presença. A

direção me aceitou na escola como pesquisadora, mas o contato nessa época

foi breve, o necessário para entender minhas pretensões e perguntar um pouco

sobre minha carreira de professora. A maioria dos professores ficou satisfeita

com a explicação que a Joyce oferecia, de que estávamos desenvolvendo um

projeto em conjunto. Alguns alunos, no entanto, ficaram preocupados com a

minha presença. Olharam na minha direção, sussurando entre eles. Os mais

corajosos me abordaram, olharam para meu caderno e perguntavam se estava

anotando o comportamento deles. Presumiram que minha presença fosse uma

forma de vigilância. Tive de assegurá-lhes que essa não foi a minha intenção

ao participar das aulas deles.

27 O conceito a que me refiro é o de Bakhtin. Esse autor denomina a variedade do tipo de enunciados relativamente estáveis de “gêneros de discurso” (Bakhtin, 2003, pg. 262) e considera que “a diversidade de gêneros é determinada pelo fato de que eles são diferentes em função da situação, da posição social e das relações pessoais de reciprocidade entre os participantes da comunicação” (Bakhtin, 2003, pg. 283). O desenvolvimento de seqüências didáticas baseadas nesse conceito aconteceu primeiramente na França e foi documentado por pesquisadores tais como Schneuwly e Dolz (2004). Os PCN de Língua Portuguesa (Brasil, 1998) adotam a “noção bakhtiniana de gênero de discurso como objeto de ensino” (Barbosa, 2000, p. 150). Ainda que esta concepção não seja tão clara nos PCN de Língua Estrangeira (Brasil, 1998), várias pesquisas têm sido feito sobre os modelos didáticos para ensinar leitura na LE a partir do enfoque nos gêneros discursivos (ver Cristovão, 2002a, 2002b).

55

Uma rotina se instalou, mas não uma rotina corriqueira, vazia de sentido

para esta participante. Foi uma rotina de observação, participação e

colaboração ativa que durou até dia 06 de dezembro de 2007. Ativa porque,

consoante Erickson (2001, p. 10), como apontado anteriormente, “a aparente

similaridade observada entre salas de aula é enganadora”. Nenhum dia no

contexto escolar se desencadeou de maneira igual ao outro, ainda que a

matéria das lições dadas a cada turma pela professora fosse a mesma. Cada

turma demonstrava-se única, mesmo havendo semelhanças entre elas. Os

alunos também tinham sua maneira única de enfrentar o dia escolar. Eles se

engajaram no processo educativo com graus de interesse diferentes,

demonstrando uma gama de comportamentos e interações complexas que

surgiram na construção de cada instante dentro do espaço da escola, seja na

sala de aula, no pátio ou nos corredores.

Após aproximadamente um mês de participação no cotidiano da escola,

houve uma mudança nos meus objetivos de pesquisa. Se antes me interessava

enfocar as sutilezas da negociação do trabalho colaborativo, comecei a

entender que havia algo mais que estava influenciando o trabalho entre a

professora participante e esta pesquisadora. Ao iniciar minha participação na

escola, Joyce concordou em ler alguns artigos sobre o conceito de gênero

discursivo e a metodologia de ensino baseado nesse conceito, para discutir

comigo e trocar idéias sobre como desenvolver esse projeto com seus alunos.

No entanto, Joyce sempre se desculpava por não ter lido os artigos, dizendo

que não encontrava o tempo necessário para esse exercício. Joyce estava

fazendo um cursinho no seu tempo livre, estudando em preparação para os

concursos que iam ser realizados durante aquele semestre. Como apontado

anteriormente, ela esperava passar num concurso que, embora de outra área,

pudesse conciliar com seu trabalho como professora. Depois de vários

encontros em que ela admitiu não ter lido o material escolhido, ficou evidente

que a pesquisa colaborativa não ia se concretizar da maneira como eu

esperava.

Além do mais, uma conversa com Joyce, em que estávamos falando

sobre a formação continuada e seus efeitos na sala de aula, se comprovou

bastante reveladora, pois parecia explicar, ao menos parcialmente, a aparente

falta de compromisso por parte dela. Ao falar da importância da formação

56

continuada, ela me informou que a administração da escola deixa a

implementação de novos conhecimentos à “ética” do professor. Em outras

palavras, não existe uma política, além da contagem de pontos na avaliação

anual, em que a administração da escola busca conhecer a relação entre a

formação continuada do professor e a sala de aula. Parecia-me haver um

descompasso entre o professor e a administração, entre a sala de aula e a

formação continuada. Formulei uma hipótese de que a ligação entre o que

acontece no contexto escolar poderia influenciar as ações dos professores e

estar na raiz do sucesso dos empreendimentos do professor junto com seus

alunos. Nesse sentido, perguntei-me se essa influência se limitava às ações

dos atores da escola. Comecei a enfocar as crenças desses indivíduos para

poder compreender melhor as incongruências entre o que se espera que

aconteça na sala de aula e o que realmente acontece.

Assim, meus objetivos mudaram, influenciados pela atitude e (falta de)

ação da professora participante e o que eu via como omissão por parte da

administração escolar num processo importante para o desenvolvimento

contínuo do professor. Foi nesse momento que eu comecei a entender o papel

político do professor no espaço escolar e a obrigação de engajar-se

conscientemente nos processos políticos que influenciam a educação (Leffa,

2005). Conforme Agar (1996, p. 184), o pesquisador etnográfico trabalha sob

um constante processo de “aprendizagem e averiguação do que aprendeu”28.

Ele continua, salientando que o foco da investigação se estreita, às vezes

devido ao interesse a priori do pesquisador, ou porque o que o pesquisador

aprendeu durante o período inicial de investigação sugere a necessidade de

mudança. Interessava-me saber qual a influência do contexto nas crenças dos

indivíduos que o compõem, e vice-versa, sendo que a relação contexto-

indivíduo é dialógica, evidenciada pela interação (Moraes, 1997). Então, me

empenhei em buscar respostas às seguintes perguntas de pesquisa, já

apresentadas, no capítulo um:

1. Que crenças norteiam a prática de uma professora de LI na sala de

aula de uma escola pública?

28 No original: “learning and checking what you have learned”.

57

2. Qual a relação entre essas crenças e o contexto escolar (comunidade,

instituição, administradores, colegas e alunos)?

Continuamos a desenvolver o projeto de ensino baseado no gênero

discursivo de histórias em quadrinhos, ou tiras cômicas. Mas, para que a Joyce

entendesse alguns conceitos chaves sobre esse trabalho, sendo que ela não

realizara as leituras esperadas, meu papel mudou de interlocutora para

“tradutora” da literatura, papel que me deixava numa posição desconfortável,

pois minha intenção não era de impor outro objetivo de ensino à professora,

mas ser parceira dela num empreendimento de descoberta. O material didático

foi retirado de fontes na internet. Restou a mim, também, a função de buscar e

montar o material, pois a Joyce dizia que não utilizava a rede mundial

frequentemente, especialmente porque não tinha tempo, devido aos estudos já

mencionados. Foi outra situação que me deixou desconfortável, pois queria

que a Joyce participasse da escolha para guiar a seleção segundo as

necessidades dos seus alunos.

A pesquisa permaneceu flexível, no sentido de eu, como pesquisadora

etnográfica, não tentar controlar situações e acontecimentos para comprovar

minhas hipóteses. Portanto, havia outros fatores que influenciaram o

desenvolvimento da pesquisa. Por exemplo, as escolas municipais de Várzea

Grande tinham participado de uma greve no final do primeiro semestre, o que

atrasou o começo oficial do segundo. Aulas foram canceladas por causa do

mau tempo, e eventos culturais foram organizados com pouco tempo de aviso

durante o semestre. Também houve uma mudança na minha rotina como

pesquisadora no final de outubro, quando o trabalho com o gênero “histórias

em quadrinhos” começou. A Joyce escolheu pilotar este projeto numa turma

que se encontrava nas quartas e quintas-feiras. Desta maneira, eu comecei a

frequentar as aulas desses dias, deixando de participar das aulas de terça-

feira.

Durante os primeiros dois meses da pesquisa, procurei entender mais

sobre o bairro, seus moradores e a escola, com o intuito de entender as

necessidades dos alunos para melhor desenvolver o projeto sobre gêneros

com a Joyce. Os alunos do oitavo ano consentiram em responder um

questionário sobre as atividades que desempenhavam fora da escola, o

58

trabalho dos seus pais, e a importância do inglês na vida deles, entre outras

perguntas. Também recolhi alguns documentos oficiais, tais como o Projeto

Político Pedagógico (PPP), e o Projeto de Desenvolvimento Escolar (PDE),

pertencentes à escola, e o planejamento anual da professora Joyce. Estes

documentos ajudaram a preencher e realçar a imagem do bairro, dos

moradores e da escola, vistos pelos olhos desta pesquisadora. Com a ajuda

desses documentos, em conjunto com as minhas observações, relato a seguir

informações que julgo relevantes a esta pesquisa.

3.5 Do bairro e seus moradores

O bairro que abriga a escola pesquisada está localizado na periferia de

Várzea Grande, aproximadamente 9 quilômetros do centro da cidade. Tem

acesso a uma rodovia federal, e está perto do Trevo de Lagarto, que conecta

várias rodovias que cortam o estado e o país. O bairro tem duas entradas. Ao

entrar numa, o visitante se depara logo em seguida com um mercado pequeno,

onde os moradores devem fazer suas compras semanais. Ao adentrar o bairro

pela segunda entrada, o visitante se depara com empreendimentos menores.

As duas entradas estão asfaltadas, mas a maioria das ruas que as cortam

perpendicularmente ainda é de terra. Os ônibus que servem o bairro circulam

pelas ruas asfaltadas e passam na frente da escola, localizada numa das

únicas ruas perpendiculares que também é asfaltada. O bairro não parece

muito grande. É cercado em dois lados por terrenos que parecem ainda ter a

agricultura como finalidade. O bairro foi formado em 1996, “a partir de invasões

(grilagem)” (PPP, sem ano, p. 12). Porém, “os organizadores da invasão

impuseram a condição de que para se conseguir lotes no bairro, as

construções teriam que ser somente de alvenaria” (PPP, p. 11), o que explica a

falta de construções de materiais inferiores, como de madeira, no bairro.

A pesquisa populacional em que o PPP da escola se baseia foi feita em

2001 (PPP, p. 11). Segundo este documento, naquele ano, havia em torno de

3000 famílias morando no bairro. Dessas famílias, 159 foram pesquisadas para

fazer a “leitura de mundo” incluída no documento. O tamanho das famílias varia

bastante. Portanto, não é possível estabelecer o número de indivíduos

59

pesquisados. Doze29 por cento das famílias entrevistadas se compunha de até

três pessoas, em quase trinta por cento das famílias havia até quatro pessoas

convivendo na mesma casa, trinta e três por cento tinha até cinco co-habitantes

e quase vinte e seis por cento das famílias se compunha de entre seis e onze

pessoas. Por meio dessa “leitura de mundo”, os autores do PPP procuravam

conhecer profundamente os educandos, seu contexto, suas carências, suas necessidades, potencialidades, expectativas, bem como estabelecer o justo equilíbrio de forças e representatividade dos diversos sujeitos coletivos da escola na gestão e definição das políticas que [conduziriam] as questões administrativas, financeiras e pedagógicas (PPP, p. 10).

Dessa maneira, a leitura de mundo feito pelos autores do PPP inclui

informações sobre: a formação do bairro (já citado); a origem dos moradores;

as atividades econômicas desenvolvidas no bairro; a situação econômica das

famílias entrevistadas; a escolaridade das famílias; as opções de lazer no

bairro; e os problemas que afetam a população, entre outros aspectos do

cotidiano dos moradores desse bairro (PPP, p. 10-15).

O bairro é formado por moradores oriundos de Várzea Grande, além de

famílias de Paraná, Rio Grande do Sul, São Paulo, Santa Catarina e Minas

Gerais (PPP, p. 11). A atividade econômica do bairro se baseia em pequenos

comércios. No PPP, citam-se comércios como “bares, mercearias, oficinas

mecânicas, bicicletarias, farmácias, [e] açougues” (p. 11). O número de famílias

pesquisadas que possuem casa própria é alto, noventa e um por cento. Ainda

assim, muitos não possuem documentos legais que comprovam a posse,

sendo um contrato de compra e venda o comprovante mais comum (PPP, p.

11-12).

Dos chefes de família entrevistados para compor o PPP (p. 12-13)30, só

trinta e oito por cento tinham emprego fixo, dos quais trinta e três por cento

recebia três salários mínimos, e treze por cento recebia quatro salários

mínimos. Dos outros, três por cento eram aposentados, vinte e três por cento

trabalhavam informalmente, e trinta e seis por cento estavam desempregados.

Dos alunos entrevistados, quinze por cento admitiram colaborar

“sistematicamente” com a renda familiar.

29 As cifras citadas pelos autores do PPP somam mais de cem porcento. 30 As cifras citadas pelos autores do PPP somam menos de cem porcento.

60

Segundo o PPP (p. 13-14) da escola, o nível de escolaridade dos pais

entrevistados é baixo. Quarenta e sete por cento dos pais terminaram o ensino

fundamental de I a IV e trinta e quatro por cento conseguiram terminar o ensino

fundamental de V a VIII. Só treze por cento concluíram o ensino médio. Seis

por cento dessa população está classificada como analfabeta. Não há menção

no PPP de moradores adultos com escolaridade superior ao ensino médio. As

conseqüências dessa baixa escolaridade, segundo os autores do PPP, são a

falta de mão-de-obra qualificada que reduz “a expectativa de obtenção de

melhores empregos e melhores salários”, a falta de “grandes manifestações

culturais”, e a “falta de atitude crítica e reflexiva por parte da maioria dos

moradores” (PPP, p. 13-14).

A questão da escolaridade dos alunos também é levantada no PPP (p.

14), com a constatação de que a evasão e reprovação dos alunos são altas. No

ano em que os autores do PPP pesquisaram essas taxas, concluíram que

quase um quarto dos alunos entrevistados ou abandonaram a escola ou foram

reprovados, e que trinta e sete por cento já reprovaram anteriormente. Explica-

se o alto índice de evasão e reprovação dos alunos segundo dois fatores: a

migração da população e a dificuldade em trabalhar com a heterogeneidade

dos alunos e seus problemas, relacionados à educação formal. Citam-se

também o despreparo dos professores e a falta de uma “metodologia definida

por todos e para todos” (PPP, p. 14).

Quanto ao lazer, o PPP (p. 12) cita que o bairro “não dispõe de área de

lazer e de esporte... ficando a cargo das duas escolas do bairro disponibilizar

suas quadras”. Outras atividades que promoviam o lazer entre os moradores

incluíam a realização de gincanas, corridas, torneios e bingos. As

manifestações culturais, acima citadas como faltando entre os moradores do

bairro, surgiam, segundo o PPP (p. 13), “em atividades promovidas pelas

escolas do bairro e pelas igrejas”.

As condições econômicas, a evasão, reprovação e baixa escolaridade, a

falta de opções de lazer, a migração de moradores, entre outros fatores, podem

ser inferidos como fatores que levaram cinqüenta e sete por cento dos

moradores considerarem o bairro violento (PPP, p. 13). Essas condições de

vida penetram o muro e as paredes da escola e influenciam na interação dentro

do espaço escolar.

61

3.6 Da escola

A Escola Municipal de Educação Básica Várzea Grandense (EMVG)

abriu suas portas em 1998. Nessa época, segundo o PPP (p. 9) da escola, a

diretora foi designada. Só houve uma eleição para o cargo de diretor da escola

em 2001 e um único candidato – a Dona Cida. E, em 2007, ano em que esta

pesquisa foi realizada, a Dona Cida ainda era a diretora.

O Projeto de Desenvolvimento Escolar (PDE)31 de 2005/2006 informa

que a EMVG serve uma população de 532 alunos, moradores do bairro e

bairros vizinhos. A escola opera em dois períodos como escola municipal, e

num terceiro turno como escola estadual. A escola estadual funciona no

período noturno, com outro nome, e tem seu próprio diretor e coordenadores, o

que não inibe alguns professores que trabalham na escola municipal nos

períodos matutino e vespertino de também darem aula nesse terceiro período.

Nesta pesquisa, as aulas observadas ocorreram no período matutino, enquanto

o espaço escolar pertencia ao município de Várzea Grande.

A grande maioria dos professores possui licenciatura plena (PDE, 2005-

2006), e é considerada efetiva por ter passado em concurso para ser aprovada

para o cargo. No semestre em que esta pesquisa foi feita, havia apenas dois

professores substitutos. Uma foi contratada para dar aula de inglês e

português, e o outro para dar aula de matemática. Vários professores

trabalhavam em mais de uma escola. Muitos discutiam os mais variados

concursos lançados pelo governo que prometiam uma vida profissional

considerada por eles mais tranqüila do que a vida do professor. De destaque

nessas conversas foi o concurso da Policia Rodoviária Federal, que oferecia

um salário muito além do salário do professor.

A escola, como já indicado, se localiza numa das poucas ruas asfaltadas

do bairro. Está cercada por um muro e tem uma pequena horta onde os alunos

plantaram uma muda de pequi e algumas flores. Tem um pátio no fundo onde

há uma cantina pequena, uma quadra esportiva (sem cobertura) com cestas

para jogar basquetebol, e uma área coberta onde se realizam a oferta da

merenda escolar e atividades extracurriculares, como gincanas. Há banheiros

para meninos e meninas. No entanto, o banheiro das meninas não possui

31 Sem paginação.

62

portas para garantir a privacidade das alunas ao utilizarem as instalações

sanitárias32. O abastecimento de água da escola foi feito com caminhões pipa

até os meados do segundo semestre, quando o prefeito de Várzea Grande

inaugurou um novo poço artesiano. Antes dessa data, havia dias em que

faltava água, o que inibia a utilização adequada das instalações sanitárias.

A escola possui 20 salas de aula, uma sala para os professores, e uma

área contígua a essa sala para o uso dos coordenadores. A sala dos

coordenadores abre-se para uma biblioteca pequena que funciona também

como dispensa para materiais escolares e equipamentos, como um televisor.

Há um escritório para o diretor e outra sala ocupada pela secretaria. A escola

possui dois corredores compridos onde se encontram as salas de aula.

A maioria das salas tem espaço amplo. Ainda assim, em algumas salas,

havia dificuldade em acomodar todos os alunos adequadamente. As salas mais

velhas tinham um piso liso de cor escura, e foram pintadas de cinza até

aproximadamente dois metros de altura, e branca até o teto. As salas mais

novas tinham o mesmo piso, mas as paredes foram cobertas com pequenos

azulejos de cor branca, e pintadas de branca até o forro. Todas as salas

dispunham de janelas grandes de um lado, uma porta do outro, um quadro

negro na frente33, carteiras e cadeiras para os alunos, uma mesa pequena para

a professora, e, no mínimo, um ventilador para movimentar o ar. Uma das

salas, em particular, se destacou por ter um mural pintado em cores vivas,

mostrando casas, flores, borboletas e outras figuras que lembravam uma

ilustração de um livro infantil na parede de fundo no lugar dos azulejos.

3.7 Dos atores da escola

Os atores da escola que se prontificaram a colaborar com esta pesquisa

incluem: a professora participante; os alunos das turmas observadas, em

especial a turma 8D, que ajudou a pilotar o ensino de LE baseado num gênero

discursivo específico; a diretora da escola; os dois coordenadores e alguns

32 Não investiguei, por ser mulher, o banheiro dos meninos. 33

Curiosamente, essa descrição aparece muito com o que Erickson diz em relação às salas de aulas, salientando que “há aproximadamente 140 anos, as salas de aula típicas são construções retangulares, com janelas de um lado, um quadro-negro na frente e uma porta, perto da frente, na parede oposta à das janelas” (Erickson, 2001, p. 10).

63

professores que consentiram em expressar suas opiniões e pontos de vista

sobre a escola e seus atores.

Porém, eu não consegui me aproximar suficientemente de todos os

atores da escola para que pudessem ser incluídos neste relato. Senti que

alguns desconfiaram da minha presença e dos meus objetivos por não fazer

parte da escola. Até mesmo Joyce se referiu a mim várias vezes como uma

pessoa “de fora”. Os alunos desconfiaram dos meus objetivos em fazer

anotações durante as aulas, perguntando freqüentemente porque eu estava

escrevendo num caderno e se eu estava anotando o comportamento deles. A

Joyce, às vezes, reforçava essa imagem, quando, ao sair da sala, o que

acontecia com frequência, pedia em alta voz para eu “vigiar” a turma. Assim,

alguns atores não consentiram em conversar ou fazer uma entrevista comigo.

Outros pediram para que essas conversas e entrevistas não fossem gravadas,

o que me levou a fazer anotações e escrever vinhetas para análise posterior.

Os atores da escola citados nesta pesquisa são:

Docentes Alunos

Joyce Professora de inlgês Álvaro Aluno do 7o ano

Magda Professora de história Roberta Aluna da turma 8D

Maíra Professora de português Vitória Aluna da turma 8D

Gleice Professora de inglês e português

Fabiano Aluno da turma 8D

Cida Coordenadora Cristina Aluna da turma 8D

Wilson Coordenador Raíssa Aluna da turma 8D

Diane Diretora Rodrigo Aluno da turma 8D

Aluno não identificado

Aluno da turma 8D

3.8 Do procedimento analítico

Moraes (1997, p. 26-27) frisa que nós estamos na “era de relações”,

indicando que “tudo que existe coexiste e que nada existe fora de suas

conexões e relações”. Consoante com esta autora e autores da área de

etnografia e de LA, a interpretação dos dados coletados durante a pesquisa

aqui apresentada se baseia em tecer as conexões entre as atitudes, opiniões e

64

ações de indivíduos no contexto escolar que possam mostrar compassos e

descompassos entre as crenças dos atores pesquisados. Assim, para Erickson

(2001, p. 14), “a análise dos dados é como ‘amarrar sapatos’34”. De acordo com

esse autor, recentemente, pesquisadores na área de LA têm buscado mostrar

as conexões que existem entre o contexto imediato e as crenças das pessoas

(ver Barcelos, 2000; Murphy, 2000; Dufva, 2003; Kramsch, 2003; Kudiess,

2005; Santos, 2005; e Dias, 2006). Considera-se, para fins desta pesquisa, que

a interação entre indivíduos dentro do contexto escolar funciona para construir

uma base para a formulação de crenças e ações, lembrando que Barcelos

(2006, p. 25-32) indica que esta relação, não necessariamente seja, linear.

Desta maneira, no primeiro instante, a análise de dados se baseia em

uma leitura que busca demonstrar (in)congruências nas atitudes, opiniões e

ações dos atores da escola pesquisada que possam impactar o ensino-

aprendizagem de LI. Na segunda instância, toma-se como modelo de análise o

método de processamento metafórico35 empregado por Kramsch (2003, p.

121), que considera que o pesquisador possa fazer a leitura de dados,

enfocando o modo como o indivíduo pesquisado constrói seu mundo por meio

da linguagem. Apesar de Kramsch ter trabalhado unicamente com narrativas

escritas pelos participantes da pesquisa, acredito que os dados compilados por

meio da observação e triangulados pelos dados relatados no diário da

professora Joyce, e em entrevistas e conversas com outros atores da escola

possam ser analisadas com o fim de construir metáforas do contexto escolar

pertinentes ao ensino-aprendizagem de LI na atualidade.

3.9 Das limitações da pesquisa

Nesta pesquisa certamente há limitações. Duas, a meu ver, são de

destaque: o fato, por parte desta pesquisadora, de não envolver atores que não

se encontravam no espaço da escola, e a gravação de algumas entrevistas e

aulas de inglês que se comprovaram difíceis de serem incluídas na análise e

interpretação dos dados. Esta pesquisa poderia ter incluído outros atores

sociais, tais como pais e/ou responsáveis dos alunos e outros membros da

34 Grifos do autor. 35 No original: “metaphoric processing”.

65

comunidade que circunda a escola. Pesquisas feitas por Santos (2005) e Dias

(2006) são exemplos de uma inclusão maior desses atores que influenciam o

ensino-aprendizagem de inglês na escola pública. Ainda assim, há pesquisas

que se limitam mais aos indivíduos que se encontram dentro da escola, como a

de Barcelos (2000). Esta pesquisa está mais de acordo com essa segunda

tendência, pois no caso da escola pesquisada, os pais freqüentavam a escola

só nos momentos em que eram chamados a comparecer por causa de algum

problema acadêmico ou comportamental de seu filho. Julguei que essas

situações poderiam comprovar-se bastante estressantes e/ou constrangedoras

para todos envolvidos, e que seria melhor não abordar os pais nessas

condições.

Em relação à coleta de dados, algumas entrevistas e conversas

gravadas em áudio se comprovaram de baixa qualidade, em conseqüência do

barulho alto que permeava o espaço escolar e de os indivíduos entrevistados

falarem baixo. Esta situação mostrava uma incongruência do espaço escolar:

quando o indivíduo agia de maneira “normal”, seguindo sua rotina cotidiana,

falava em voz bastante alta. No tocante aos alunos, muitas vezes falaram aos

berros! Mas, ao tentar gravar uma conversa ou entrevista, parece que a

desconfiança, ainda que inconscientemente, regulava o tom da voz do

participante. De maneira semelhante, gravações feitas de aulas de inglês se

comprovaram inúteis, pois o barulho da conversa dos alunos e o arrastar das

carteiras atrapalhavam até a professora Joyce, que, frequentemente, forçou

sua voz para ser ouvida.

Neste capítulo, foram apresentados conceitos e informações relevantes

à pesquisa empreendida por esta pesquisadora e relatada nesta dissertação.

Baseada na pesquisa qualitativa e interpretativa, de cunho etnográfico, a

pesquisa se desenvolveu para enfocar as crenças dos atores da escola que

possam se mostrar influentes no ensino-aprendizagem de LI e a maneira em

que essas crenças são ligadas ao contexto escolar. Para tal, apresentou-se a

relevância da pesquisa etnográfica ao estudo das crenças, e discutiu-se a

significância de dados que ajudam a explicitar o contexto escolar e a interação

entre seus atores.

4 ANÁLISE DE DADOS: CRENÇAS EM CONTEXTO

Neste capítulo, apresento a análise de dados a partir das conexões

entre as crenças de atores da escola e o contexto escolar, inferidas pelas

atitudes, opiniões e ações observadas durante a pesquisa. O capítulo se divide

em três seções. Na primeira seção, apresento a maneira como a escola se

representa em relação ao bairro e seus moradores, o que serve de pano de

fundo para o que acontece dentro de seu espaço. Mostro a relação entre

crenças e o contexto escolar, enfocando e discutindo fatores específicos que

influenciam a congruência dessas crenças e resultados sensíveis ao espaço

escolar. Na segunda seção, por meio do processamento metafórico,

metodologia analítica utilizada por Kramsch (2003), discuto a maneira como os

atores da escola ajudam a construir o contexto escolar e também são

influenciados por ele por meio das interações que aí acontecem. Na última

seção, apresento a relevância das crenças apresentadas nesta dissertação, em

relação ao estado atual do ensino-aprendizagem de inglês no Brasil.

4.1 Crenças e contexto escolar

A seguir, apresento três crenças que impactaram a escola pesquisada. A

Crença 1 – “os alunos não têm base”36 – mostra que ainda existe uma

concepção negativa do aluno da escola pública atrelada a sua posição

socioeconômica. Tal crença desdobra-se de várias maneiras no contexto

escolar, mas principalmente pela fala de professores e pela construção de

documentos oficiais da escola. A Crença 2 – “tenho que ajudá-los a ser

cidadãos e boas pessoas” –, relativa ao comportamento dos alunos e à

construção de um espaço democrático que visa ao exercício da cidadania,

revela a dificuldade em equilibrar uma visão pessimista dos alunos com seus

direitos como cidadãos. Finalmente, a Crença 3 – “falta... suporte” – evidencia

um dos obstáculos que o professor enfrenta no contexto onde exerce seu

36 O uso de aspas neste e nos próximos parágrafos sinaliza o uso de termos proferidos pelos participantes da pesquisa e presentes nos documentos analisados.

67

trabalho, a falta de apoio dos vários níveis de governo, além da administração

escolar e de seus colegas.

Cada crença apresentada aqui é parte da visão da professora

participante e se entrelaça com as palavras, ações e atitudes de

administradores, colegas e alunos, além de documentos oficiais que ajudam a

construir o contexto escolar.

4.1.1 Crença 1: “os alunos não têm uma boa base”

(Joyce, sem data, diário de participação)

No capítulo dois, discutiu-se a concepção do aluno brasileiro estar “sem

base”, conforme pesquisas empreendidas por Moll (2000), Santos (2005), Dias

(2006) e Dias e Assis-Peterson (2006). No capítulo três, apresentou-se a

concepção dos docentes da escola pesquisada relativa à escolaridade e

manifestação cultural dos moradores do bairro onde se localiza a escola,

consideradas baixas conforme o PPP, documento que serve como guia para o

desenvolvimento do trabalho educacional na instituição. O PDE (2005-2006) da

escola, que serve para o desenvolvimento de ações para combater problemas

percebidos pela escola, traz uma “síntese da análise situacional”, dividida em

quatro sub-itens: o perfil e funcionamento da escola, fatores determinantes da

eficácia escolar, a avaliação estratégica da escola e fatores críticos de sucesso

da escola. Sob o sub-item de perfil e funcionamento da escola, o documento

identifica dados de desempenho acadêmico da escola, as disciplinas com baixo

desempenho, alguns outros problemas detectados na escola e os problemas

que “devem ser atacados prioritariamente” (ver p. 25 desta dissertação). Das

quarenta e duas turmas listadas no documento, doze turmas demonstraram

desempenho menor do que esperado referente ao ensino-aprendizagem de

inglês, o que representa vinte e oito por cento das turmas que a escola abriga.

Dos outros problemas, a distorção idade-série, que provém do “alto índice de

reprovação” e “aprendizagem dos alunos”, é um dos mais preocupantes, pois

pode estar na raiz do “abandono temporário das aulas pelos alunos” que

preocupa os autores do documento.

Os atores da escola que ajudaram a compilar o PDE (2005-2006)

percebem que a escola não está desempenhando um papel eficaz na vida dos

68

seus alunos. Na secção “avaliação estratégica da escola”, os autores do

documento fizeram uma avaliação estratégica da escola, baseada na Matriz

SWOT – Matriz de Strengths (forças), Weaknesses (fraquezas), Opportunities

(oportunidades) e Threats (ameaças). A Matriz SWOT auxilia as instituições a

analisar suas forças e fraquezas, representadas por atributos característicos da

instituição, e possíveis oportunidades e ameaças, que emergem do contexto

maior no qual a instuição está inserida.

A avaliação estratégica da escola identifica quatro combinações de

características internas e externas da instituição que “apresentam interação

alta”:

1) força X oportunidade • escola bem vista pela comunidade X acesso às novas tecnologias • docentes qualificados X recursos de PME/FNDE/Prefeitura • docentes qualificados X acesso às novas tecnologias

2) fraqueza X ameaça

• elevado índice de reprovação X alunos carentes e pouco preparo • elevado índice de reprovação X violência no bairro

3) força X ameaça

• docentes qualificados X alunos carentes e pouco preparo • escola bem vista pela comunidade X violência no bairro

4) fraqueza X oportunidade

• espaço inadequado para atender a demanda X acesso às novas tecnologias

Seguem as caracteristícas visualizadas na Matriz SWOT:

Características que ajudam a instituição alcançar seus objectivos

Características que possam dificultar o alcance de objectivos institucionais

Características internas

Forças (strengths) • escola bem vista pela

comunidade • docentes qualificados

Fraquezas (weaknesses) elevado índice de reprovação espaço inadequado para

atender a demanda

Características externas

Oportunidades (opportunities) • recursos de

PME/FNDE/Prefeitura • acesso às novas tecnologias

Ameaças (threats) • alunos carentes e pouco

preparo • violência no bairro

69

As “fraquezas X ameaças” são percebidos pelos autores do PDE (2005-

2006) como “combinações desfavoráveis para a implementação de futuros

planos de ação”. Destacam o “elevado índice de reprovação” duas vezes, uma

vez justaposto ao estado educacional dos alunos (“carentes e pouco preparo”),

e outra justaposto à violência no bairro. As forças são percebidas como

características que podem “neutralizar o efeito das ameaças”. Desta maneira,

ao justapor os “docentes qualificados” aos “alunos carentes e pouco preparo”,

os autores do PDE (2005-2006) reforçam a insuficiência da escolaridade dos

alunos. Insuficiência educacional que se repete em outras instâncias no

contexto escolar, primariamente pelo trabalho docente.

O trabalho que o professor desempenha com o aluno centra-se em torno

dos alunos, e é influenciado pela percepção de suas necessidades e carências

(Barcelos, 2000, p. 298-300). A interpretação dessas necessidades e

carências, ainda que individual, nesse caso, é influenciado pelo contexto

descrito anteriormente. A professora Joyce, ao descrever as dificuldades que

ela enfrenta no processo de ensino-aprendizagem com seus alunos no seu

diário de participação, reafirma a crença de que ensinar LI fica mais difícil

porque os alunos não possuem habilidades linguísticas suficientemente

desenvolvidas para lidar com uma LE:

Joyce (sem data, diário de participação)

É muito difícil o trabalho da Língua Inglesa em escolas públicas, pois os alunos não têm uma boa base nem da Língua Portuguesa! Em algumas matérias, eu uso como base a Língua Portuguesa, ou mesmo, nominações como: sujeito, verbo, preposição… E isso eles não têm bem solidificado. Com esse tipo de dificuldade, é natural que eles demorem bem mais para assimilar o inglês...

Pelo fato de Joyce perceber que os alunos não “têm bem solidificado” a

metalinguagem, a maioria das aulas dela consiste de algum tipo de explanação

gramatical, referente ao conteúdo a ser ensinado. Isso indica que ela se situa,

como professora, dentro do paradigma de transmissão de conhecimento, em

que o conhecimento se equivale ao domínio da gramática tradicional, e,

portanto, que suas aulas devem tomar a forma da exposição de regras

gramaticais. Nesse excerto, encontramos duas outras suposições: primeiro,

70

que os alunos têm alguma dificuldade de aprendizagem patológica; segundo, a

capacidade de aprender LI é diminuída em virtude de os alunos não

demonstrarem habilidades completamente desenvolvidas na sua língua

materna. Joyce atribui a falta de conhecimento metalinguístico a uma

dificuldade de aprendizagem, como se a capacidade dos alunos aprenderem LI

fosse menor por ainda não poderem se expressar sobre a língua com precisão.

Podemos citar uma aula dada aos alunos do sétimo ano (antiga sexta

série), observada por mim e descrita no meu caderno de observações, em que

Joyce explica o “simple present” aos seus alunos. Nesse excerto, o paradigma

de transmissão de conhecimento e a concepção de que o conhecimento

linguístico se traduz em domínio da gramática de LI estão indiscutivelmente

presentes na maneira como a professora apresenta a lição. Além de explicar o

tempo verbal, Joyce explica aos alunos uma estratégia para melhor lembrar

como escrever frases utilizando-o, limitando antecipadamente a constituição de

uma fase intermediária de aprendizagem LI, em que os alunos possam

descobrir maneiras de expressar-se na língua-alvo.

Vinheta de observação de aula (14/08/07)

A professora escreveu “Simple Present” no quadro, logo seguido pela sua definição: “O simple present é um tempo verbal que indica que uma ação acontece no presente”, destacando as palavras sublinhadas com giz amarelo. Após dar alguns exemplos de frases curtas em português e inglês, coloca a “fórmula” que os alunos podem seguir para também criarem frases curtas em inglês. A “fórmula” é a seguinte: Fórmula → Subj. + verbo + … Simple Present A professora continuou a escrever no quadro, colocando duas listas de verbos, uma em inglês, a outra a tradução dos verbos em português. Ao terminar, ela disse “Vamos lá” e começou a explicar o conteúdo, pedindo para os alunos lerem em alta voz a definição do tempo verbal. A professora pediu alguns exemplos orais dos alunos. Um aluno disse, “Eu estou estudando.” A professora confirmou que o verbo estava no presente, mas não no presente simples, explicando que o tempo “presente simples” indica algo de rotina, habitual. Outros alunos deram exemplos, dessa vez na forma correta, ainda que em português. Então, a professora explicou porque fornece a “fórmula” aos alunos. Disse que é “a ordem” das palavras e que se os alunos souberem a fórmula, eles não vão “errar nunca” ao escrever uma frase em inglês.

71

A escolha de Joyce, ao nomear a estrutura sintática de uma frase como

“fórmula” nesse contexto, confirma a percepção de que os alunos não

compreendem o funcionamento da língua e que ela como professora precisa

auxiliá-los nessa compreensão. Ao mesmo tempo, a professora reafirma para

si mesma, ao ter de corrigir um aluno, que há alunos que não têm

conhecimento total da metalinguagem que ela utiliza em sala de aula. No

entanto, a professora, ao empregar a “fórmula” e ao enunciar as palavras “errar

nunca”, também limita o horizonte educacional do aluno, ensinando que não há

lugar para a criatividade lingüística na sala de aula. Ao aluno é negado o

espaço para errar e aprender com seus erros, o espaço de buscar meios de se

comunicar, ainda que não fluentemente na língua-alvo. Isso faz com que a

capacidade de o aluno construir sua experiência educacional seja menor, o que

implica a repetição do status quo expresso pelo PDE da escola: “docentes

qualificados” versus “alunos carentes e pouco preparo”.

Joyce não percebe que alguns alunos têm conhecimento de LI além do

que muitas vezes se ensina em sala de aula. Em certo momento, um aluno em

particular, Álvaro, se destacou pela maneira como relacionou o material sendo

ensinado com outras instâncias do uso de inglês. Joyce estava ensinando os

particípios passados de verbos irregulares, e Álvaro percebeu que não existe

regra definitiva para formá-los. Ainda assim, ele perguntou, para verificar, se

não havia regra, então seria posível formar esses particípios de qualquer

maneira? A essa pergunta, Joyce respondeu que não, que seria necessário

aprender os particípios da maneira em que apareceram na lista que ela estava

providenciando no quadro. A lista incluía vinte verbos no presente do indicativo,

os particípios passados correspondentes e a tradução do infinitivo de cada

verbo. Ao olhar a lista, Álvaro tomou iniciativa de novo e perguntou se um dos

verbos, feel (sentir) não significava “gasolina” em inglês, confundindo o verbo

com fuel (gasolina). Ainda que esse aluno tenha errado no uso da palavra, ou

seja, tomou um verbo por um sustantivo, ele criou uma associação entre duas

palavras em inglês e sua língua materna ao supor que feel e fuel fossem

palavras relacionadas, demonstrando conhecimento. Durante essa aula, ele

continuou fazendo outras junções entre a lição com o que já sabia da língua

inglesa. Por exemplo, durante a repetição dos verbos como prática oral, ao

pronunciar a forma verbal ate (“comeu”), que tem a mesma pronúncia da

72

palavra eight (“oito”), Álvaro logo começou a contar em voz alta: nine, ten,

eleven, twelve (“nove, dez, onze, doze”). Ao ouvir made (“feito”), respondeu in

China (“em China”). E quando a professora disse take a bus, Álvaro exclamou

Buzz Lightyear!37 A pergunta sobre feel-fuel-gasolina foi a única contribuição do

Álvaro reconhecida pela professora Joyce naquele dia, que ao ignorar as

outras contribuições de Álvaro, deixou de construir uma relação mais estreita

com os alunos e seu conhecimento prévio (ou até além) da matéria.

Outros professores reafirmaram a visão do aluno carente e sem preparo.

Numa conversa com a professora Joyce e outra professora, Magda, que ensina

história, compartilhei uma observação que tinha feito enquanto trabalhava com

a turma 8D, no projeto que envolvia o gênero “histórias em quadrinhos”.

Comentei que os alunos não pareciam estar acostumados a dar sua opinião

em sala de aula. Isso porque, até eu trabalhar junto com os alunos, a aula de

inglês consistia em aulas expositivas, em que a Joyce, como apontado acima,

explicava um ponto gramatical, normalmente seguido de exercícios para

praticar as regras gramaticais subsequentes. Eu queria discutir os temas que

apareciam nas histórias em quadrinhos, seguindo assim os PCN (Brasil, 1998),

que recomendam discutir “temas transversais”, ou temas que afetam a vida

cotidiana dos alunos. Achei que os alunos reconheceriam alguns temas

expostos nas histórias em quadrinhos por refletirem temas frequentemente

abordados em outras áreas da vida social, mas muitos dos alunos sinalizavam

que não entendiam como responder às questões voltadas ao reconhecimento

de temas. Assim, Joyce me ajudou reforçar que um dos objetivos do projeto de

ensino-aprendizagem era debater os assuntos apresentados nas histórias em

quadrinhos, que incluíam o meio ambiente, o relacionamento entre amigos, a

mentira e a violência, entre outros. A Magda, então, me falou da dificuldade

que tinha na aula de história, expondo a sua visão dos alunos. A Joyce

concordou com a opinião que a Magda deu sobre os alunos, a de que os

alunos “não são críticos”, “não sabem”, “são alheios a tudo”, “são vazios de

conhecimento”, “são desatentos” e demonstram “uma preguiça de pensar”.

37 Buzz Lightyear é um dos personagens principais do filme Toy Story (do mesmo título em português).

73

Conversa (14/11/07)

Marki: Sabe o que eu vejo tentando fazer esse projeto, os alunos não estão acostumados a formular opiniões. Magda: Não (incompreensível - risos de alguém no fundo) é uma das regras didáticas que eu mais imponho (incompreensível)... não são críticos. Tá? Coisas assim do cotidiano. Por exemplo, eu fui trabalhar a Grécia antiga, falando da democracia em Atenas. Então, eh, já em Atenas, se criticava a questão da demora (incompreensível)... dos processos, né? Então daí eu instigando eles, perguntando “e aquilo não é tão parecido com aqui?” (incompreensível) Eles não sabem, eles são alheios a tudo... (incompreensível)... são aqueles que pensam um pouquinho mais longe, que enxergam, é eles que sabem dar opinião, mas é difícil, é difícil, muito complicado mesmo. E olha, é trabalhado (incompreensível). Eu trabalhando a Grécia antiga, a Roma, eu faço ponte hoje, Brasil (incompreensível), tentando fazer uma ligação, com o Brasil, hoje, com as civilizações mais antigas (incompreensível). Mas olha, é complicado. Complicado porque parece que são vazios de conhecimento. Eu fico muito triste com isso. Às vezes você fala, fala, insiste, insiste... (incompreensível). Uma das maiores dificuldades que eu encontro é uma falta de atenção, falta de criticidade. Sei lá, é uma preguiça de pensar. Joyce: É... preguiça de pensar

Conforme as palavras da Magda, em que constata que tenta “fazer uma

ligação” entre o Brasil de hoje e as civilizações estudadas na sua aula, pedindo

as opiniões de seus alunos, parece que a professora tenta empregar métodos

que podem conduzir os alunos a construírem conhecimento38. No entanto, na

conversa acima transcrita, Magda representa a maioria dos alunos de maneira

negativa em vários momentos. Pelas frases “não são críticos”, “são vazios de

conhecimento” e “falta de criticidade”, a professora propaga a visão de aluno

“sem base” expressada também por Joyce e pelos PPP e PDE da escola.

Apesar de tentar fazer a ligação entre o Brasil de hoje e as civilizações antigas,

ela não conseguia despertar o interesse da maioria dos alunos em participar da

aula por meio do compartilhamento de suas idéias39. A professora Magda

baseou sua visão de aluno “vazio de conhecimento” na falta de o aluno

participar nas discussões às quais ela, como professora, dava valor.

38 Não posso afirmar sobre os métodos de ensino empregados por Magda por não ter observado as aulas dela. 39 Vale admitir que eu também tive dificuldade em encorajar os alunos a expressarem suas opiniões. Ainda assim, a minha intenção, ao falar com as outras professoras sobre isso, era compartilhar uma observação e não rotular os alunos.

74

É evidente que na aula descrita por Magda existe uma tensão entre sua

vontade de envolver seus alunos e a resistência deles em participarem. Por

exemplo, ao contrário da maioria de alunos “vazio de conhecimento”, Magda

concede que há alguns alunos que conseguem participar das suas aulas.

Segundo a professora, “são aqueles que pensam um pouquinho mais longe,

que enxergam, é eles que sabem dar opinião”. Essa justaposição de alunos

“alheios a tudo” e alunos que “enxergam” demonstra a dificuldade que a

professora tem em lidar com a construção de conhecimento em sala de aula. A

opinião de que os alunos “são alheios a tudo” e que têm “preguiça de pensar”

também pode ser indicador de processos, ainda que contra-produtivos, postos

em ação pelos alunos para “boicotar” um ensino que lhes parece alheio à vida

cotidiana deles, apesar do esforço da professora tentar envolvê-los. Isso pode

acontecer, conforme apontou Delamont (1983), pelos alunos perceberem no

nível inconsciente que pouco importa o que fazem dentro do espaço escolar se

não houver mudanças palpáveis na vida deles fora da escola.

A voz de outra professora da escola, Maíra, serve de contrapartida às

opiniões expressas acima. Eu tinha conversado com Maíra no final de

novembro de 2007. Ela não quis gravar uma entrevista comigo, mas

confidenciou para mim que tinha outra visão do que era dar aula na escola

pública. Segundo ela, ainda que tivesse começado a dar aula de português na

escola somente dois meses antes do término daquele semestre, estava

decidida a não dar uma “aula típica”. Para Maíra, isso queria dizer não seguir o

mesmo formato de aula, dia após dia, como se fosse uma receita que não

podia falhar.

Curiosamente, a professora Maíra participou do XI Encontro de

Professores de Inglês, realizado em conjunto com o III Encontro de Professores

de Língua e Literatura, em agosto de 2008, promovido pela Associação de

Professores de Língua Inglesa do Estado de Mato Grosso (APLIEMT). Nesse

encontro, ao final de uma mesa redonda cujo tema era de literatura, ela deu um

depoimento público que consegui gravar em vídeo. Nesse depoimento, ela

desabafou, repetindo muito do que havia me confiado há quase um ano, mas

com outros detalhes. Ela falou da visão do aluno que muitos dos professores

da escola pesquisada têm. Ainda que essa professora concordasse que os

75

alunos têm uma carência de conhecimento, ela disse que sofrem de outro tipo

de carência, a de alguém acreditar neles:

Depoimento (06/08/08)

Maíra: Então eu mostro que é capaz, que são capazes, eles são carentes sim, mas não é carente só de leitura, é carente de dar tapinha nas costas, “Cara, cê conseguiu! É isso aí! Menina, cê é linda, cê é inteligente também, sabia?” Não adianta ser só bonitinha. Então, eu acho que falta incentivo de dentro pra fora.

Para Maíra, o papel do professor vai além de ensinar. Consoante

Moraes (1996), na era de relações, a transcendência, ou a busca de superar

obstáculos e a inclusão do afetivo devem fazer parte do paradigma

educacional. Na concepção da professora Maíra, um dos obstáculos dos

alunos é a falta de alguém encorajá-los e festejar suas conquistas, o que forma

uma linha tênue entre o sucesso e insucesso e pode ser ligado à visão de

déficit cultural (Zeichner, 2000). Segundo Watson-Gegeo (2004), a

aprendizagem é social e funciona quando a comunidade investe nas novas

gerações. Este investimento, portanto, tem de acontecer em dois níveis para

que haja sucesso na aprendizagem: no nível de educação formal e no nível de

apoio emocional. Talvez por isso Maíra ache importante encorajar as meninas,

em particular, a buscar mais na vida do que as coisas materiais efêmeras,

como a beleza, e destaca a importância de salientar a inteligência delas.

No próximo excerto, Maíra se posiciona como a líder de torcida dos seus

alunos e reage à complacência deles:

Depoimento (06/08/08)

Maíra: Mas eu falo para os meus alunos, “Olha, eu tô aqui. Eu vou ficar até meio dia. Alguém quer ficar comigo hoje? Eu preciso de iniciativa. Vamos! Alguém fala”! Os alunos ficam olhando assim. “Olha, eu vou ligar para o pai e mãe de vocês para pôr vocês na cama às 8 horas da noite. (incompreensível) bocejando aqui dentro, não”. Aí começo a contar piadinha para ver se eles alegram.

Nesse trecho, Maíra se disponibiliza para ficar após as aulas, com a

intenção de oferecer a ajuda necessária para apoiar a aprendizagem de seus

alunos. Quando ela vê que os alunos não se comprometem para ficar na

escola um pouco mais tarde, ela não desiste. Incita seus alunos a tomar

76

“iniciativa” com as palavras “Vamos! Alguém fala!” e com a possibilidade de

ligar para os pais para pedir que seus alunos durmam cedo para evitar bocejos

em plena aula. Maíra também age contra o que ela percebe como tédio por

parte dos seus alunos, contando piadas para recuperar sua atenção e poder

continuar com a lição.

Em outro trecho, ela explica porque sente a necessidade de ir além do

papel do professor tradicional, ou seja, aquele que se preocupa exclusivamente

com a matéria a ser ensinada, sem preocupar-se com as pessoas a quem se

destina o conteúdo da lição e suas necessidades específicas. Do seu papel

como professora ela diz, “eu me sinto uma segunda mãe”. Mais adiante ela

repete a sua posição diante do desafio de envolver seus alunos no ato

educativo,

Depoimento (06/08/08)

então, eu me sinto mãe, no horário que não é meu; eu sou da escola. E é isso que eu acho que nós professores temos que fazer. Nós temos que dedicar (incompreensível) nossa alma.

Ao conceber-se como a mãe substituta de seus alunos, Maíra tenta aproximar-

se deles, o que figurativamente corta a distância entre professor e aluno. O

posicionamento dela diante do desafio de educar os alunos parece ser

congruente com a posição ideológica expressa no PPP da escola. Os autores

do documento salientam que

o conhecimento não se dá no tempo e da mesma forma para todos os educandos, a preocupação não será apenas com a quantidade de conteúdos ministrada e sim, com a permissão de incorporar novas referências aos seus conhecimentos, re-significando esses conteúdos. Haverá respeito aos comportamentos, experiências, trajetórias pessoais, contextos familiares, valores e níveis de conhecimento de cada um (PPP, p. 22).

Assim, a professora Maíra busca meios e formas de conectar-se com

seus alunos, e incluí-los no processo de ensino-aprendizagem, seja pela oferta

de apoio instrucional após as aulas, seja contando piadas para chamar a

atenção deles para que possa continuar com a lição. Para ela, a dedicação

para melhorar a qualidade de ensino é profunda, pois vem da sua própria

77

“alma”. De maneira semelhante, o depoimento que ela deu durante o encontro

da APLIEMT serve como uma chamada aos professores para se juntarem a ela

na luta para a melhoria na educação.

Sentir-se como mãe substituta e demonstrar respeito pelos seus alunos

serve como ponte entre a primeira crença e a segunda a ser apresentada a

seguir. Como demonstrado acima, o ideal da escola é de se construir como

espaço onde se demonstra respeito por uma população heterogênea,

composta de alunos que variam no seu nível de conhecimento e maneira de

interpretar o mundo, baseada nas suas trajetórias de vida. Isso implica uma

crença nos processos democráticos e na construção da cidadania.

Entretanto, os documentos oficiais que pertencem à escola (PPP e PDE)

vacilam entre uma leitura dos alunos, seus pais e o bairro que cria uma lacuna

entre a posição docente-discente, e a exigência de compreender as condições

sociais que circundam a escola e afetam a população que serve. Talvez por

isso, como será demonstrado a seguir, os professores têm certa dificuldade em

conciliar uma visão democrática que visa à construção da cidadania e do

conhecimento, como apregoado no trecho do PPP acima citado, e a maneira

de dar aula.

4.1.2 Crença 2: “tenho que ajudá-los a ser cidadãos e boas pessoas”

(Joyce, sem data, diário de participação)

Embora a professora Joyce visse seu papel como professora também

em termos de ser uma espécie de mãe substituta, conforme a posição da

professora Maíra, o motivo seria outro, na concepção de Joyce. Para ela, seu

papel como mãe substituta está ligado à questão de disciplina na sala de aula.

No seu diário de participação, a professora Joyce explica porque não se arrisca

a ir além das aulas expositivas. Ela cita a falta de material didático e o grande

número de alunos por turma, o que lhe obriga a “passar no quadro os pontos

gramaticais básicos da Língua Inglesa” (Joyce, sem data, diário de

participação). Na concepção de Joyce, a aula expositiva dá a sensação de

poder controlar melhor o comportamento dos seus alunos. Diz ela:

78

Joyce (sem data, diário de participação)

a conversação acaba ficando em segundo plano; até porque trabalhar numa sala com 35 a 40 alunos não é nada fácil!... Não gosto, sinceramente, de trabalhar dessa forma (mais gramática, menos conversação), mas é muito difícil controlar tantos alunos se fosse uma aula mais dinâmica. Aí entra também o problema: DISCIPLINA (grifos da autora). Eles (os alunos) não têm muita consciência do comportamento correto em sala de aula, comportamentos básicos como: educação, respeito, solidariedade, atenção… e isso faz com que eu acabe me prendendo bastante nesse ponto com eles (pois antes da Língua Inglesa, tenho que ajudá-los a ser cidadãos e boas pessoas).

Assim, para a Joyce, há uma ligação estreita entre o modo de ensinar, o

comportamento dos seus alunos e o que ela considera ser cidadão e uma boa

pessoa. No entanto, baseada em minhas observações de aula, pude constatar

que ensinar com uma ênfase na gramática não se traduz automaticamente em

um alto nível de disciplina em sala de aula. Enquanto a professora ensinava,

desencadeavam-se comportamentos muito além do desejado, na maioria das

aulas. Os alunos falavam entre si, muitas vezes tão alto que a Joyce tinha de

aumentar sua voz para ser ouvida; falavam com pessoas fora da sala de aula

(pela janela ou pela porta); escutavam música em aparelhos eletrônicos,

escondendo os fios dos fones de ouvido embaixo da roupa ou dos cabelos;

faziam barulho ao bater palmas ou lápis na carteira; batiam um no outro; faziam

gestos obscenos; jogavam papel; liam livros que não pertenciam ao conteúdo

da aula; amarravam o papel das balinhas que chupavam nas carteiras;

mudavam-se de lugar, arrastando carteiras e cadeiras; e pegavam materiais

emprestados, às vezes sem a permissão de seus colegas; entre outras ações

não previstas na visão do comportamento ideal e condizente à aprendizagem

em sala de aula.

Em outra ocasião, Joyce continua sua reflexão sobre seu dever diante

do comportamento dos seus alunos. Ela explica que falta o apoio/exemplo dos

pais nessa questão, pois eles ocupam seu tempo com o trabalho. O efeito,

segundo a Joyce, é que os pais não têm conhecimento da necessidade de

ensinar seus filhos como comportar-se numa situação formal, nesse caso, na

escola. Pode-se inferir que para Joyce, ela ocupa o papel de pai e mãe no

contexto escolar, um papel que ela acredita mais importante do que o papel de

professora de língua inglesa, como apontado acima. Ela escreve:

79

Joyce (sem data, diário de participação)

“a minha intenção é educá-los. Eu prezo muito pelos bons costumes, respeito, educação e bom senso, e tento transmitir isso p/ as crianças. É muito difícil, pois eles não têm esse apoio ou exemplo em casa (a maioria passa o dia com o vizinho ou brincando na rua). Os pais estão sempre fora trabalhando, e assim, eles aprendem tudo que não é bom e poucos pais percebem para corrigir!”

Nesse trecho do seu diário de participação, a Joyce, ao mesmo tempo

em que reforça sua expectativa de comportamentos condizentes à atuação

ideal em sala de aula, reforça a distância entre ela e seus alunos. Na seção

sobre a primeira crença, a distância entre aluno e professor se expressa pela

justaposição de “docentes qualificados e alunos carentes e pouco preparo”, ou

seja, na qualificação acadêmica do professor em relação aos estudos

inacabados e/ou insuficientes do aluno. No trecho acima citado, porém, a

distância entre professor e aluno ganha outra característica, ou seja, o

professor se veste de bons costumes, respeito, polidez e bom senso, enquanto

o aluno parece não ter herdado essas qualidades dos seus pais, pois segundo

Joyce, os pais não dão um exemplo apropriado em casa. Assim, a distância

metafórica entre o docente e aluno descrita pelo PDE da escola ganha uma

dupla face nas palavras de Joyce. Do aluno descrito nesse trecho não só falta

o conhecimento considerado básico pela escola, que forma a base da

experiência educacional, mas também os comportamentos necessários de

etiqueta social adequada para que aprenda em situação formal. Curiosamente,

após ter pedido a cooperação dos alunos para completarem um questionário

para melhor entender seus desejos, necessidades e expectativas relevantes ao

ensino-aprendizagem de inglês, respondido no dia 16 de agosto pelos alunos,

a professora continua sua avaliação do comportamento de seus alunos:

Joyce (sem data, diário de participação)

Deu para entender melhor também muitos comportamentos, pois ficamos sabendo sobre a família, como viviam, quem trabalhava... A criança é o “espelho” (grifos da autora) da estrutura familiar!

A questão do questionário à qual a professora Joyce se refere é esta:

“Sobre a sua família: quem mora junto com você, quem de sua família trabalha,

e qual a profissão deles?” Várias questões relacionadas à vida cotidiana dos

80

alunos foram incluídos no questionário para ter uma visão mais ampla dos

interesses e necessidades deles, especialmente porque, ao planejar o projeto

de ensino-aprendizagem baseado num gênero discursivo, achei pertinente

entender os recursos de que os alunos dispunham.

Para a professora Joyce, a ligação entre o que acontece em casa e o

comportamento de sala de aula é direta: aos pais, por serem de uma camada

social popular, faltam os recursos sociais que embasam os bons costumes.

Como conseqüência, seus filhos, uma vez alunos, não aprendem a se

comportar adequadamente na escola. A Joyce não leva em consideração que

os seus alunos, freqüentadores do ensino fundamental da quinta à oitava série

da escola, já passaram por vários anos de educação formal e informal, e,

portanto, já deviam ter sido influenciados por muitas pessoas ao longo desse

tempo. Também não leva em consideração que os pais dos seus alunos

possam também demonstrar bons costumes. Isso pode acontecer em

decorrência do contato que ela, como professora, tem com alguns dos pais,

que comparecem à escola quando são convocados pela direção ou pelo

conselho tutelar em conseqüência de comportamento inadequado, notas

baixas ou falta às aulas por parte do aluno, o que confere um ar de

negatividade à visita dos pais à escola. Das minhas observações, posso

constatar que o contato com os pais durante o dia escolar quase sempre

aconteceu de forma negativa, e os pais demonstravam alto nível de estresse

ao se encontrarem com os docentes. Apesar de eu não ter entrevistado esses

pais, por julgar que não seria apropriado abordá-los nessas circunstâncias, nas

reuniões que eu testemunhei, ainda que indiretamente, havia, às vezes, choro

e gritaria por parte dos pais, que demonstravam o desespero deles ao serem

chamados a comparecer à escola.

Julgar os alunos pela aparente omissão da parte dos pais em ensinar

“bons costumes” aos seus filhos não parece ser congruente com outro trecho

do PPP da escola, relativo à cidadania, que está descrita em termos de

convivência democrática:

a escola deverá ser espaço de vivência da democracia, um espaço para expor idéias... deve começar por ela mesma a se organizar como campo de relações democráticas que antecipam uma ordem social mais coletiva, mais participativa, mais igualitária, mais

81

comprometida com a construção de uma sociedade mais justa... deverá fomentar a autonomia para que os alunos adotem as crenças e adotem posições que lhes sejam mais coerentes, eliminando todas as formas de intolerância e de exclusão. Deverá ajudar a combater o racismo, a indiferença em relação aos menos favorecidos, a falta de solidariedade, [e] as atitudes machistas ou excludentes (PPP, p. 18).

A professora Joyce parece encontrar dificuldades em equilibrar seu

método de ensino e o que vê como sua verdadeira missão na escola com o

ideal de “eliminar todas as formas de intolerância e exclusão”, exposto pelo

PPP. Enquanto se coloca na posição de mãe substituta para poder ensinar aos

seus alunos o comportamento que ela julga como correto em sala de aula, ela

constrói uma lacuna entre ela como professora e a posição social dos seus

alunos. Isso reflete de certa maneira o conflito inerente aos documentos oficiais

pertinente à escola, pois não conseguem conciliar uma visão negativa dos

alunos e sua posição social com uma visão proativa que visa à construção de

conhecimentos e habilidades condizentes ao pleno exercício da cidadania por

eles.

Esse conflito também está evidente no seguinte excerto do diário de

participação de Joyce. Ela relata uma surpresa que teve ao entrar na sala de

aula, um dia após termos feito mudanças na maneira como arranjar as

carteiras dos alunos:

Joyce (sem data, diário de participação)

Nesta segunda aula com a sala em círculo, nem precisei pedir para se arrumarem. Quando entramos em sala, já estavam todos em ordem (em círculo), esperando o nosso comando para continuarmos o debate sobre as histórias em quadrinhos.

Fica evidente nesse trecho que os alunos têm disciplina. Arranjaram as

carteiras espontaneamente para poder continuar com o novo formato da aula, o

de um debate. No entanto, Joyce ainda atribui aos alunos a necessidade de

esperar o “comando” do professor antes de poder retomar a aula anterior, o

que reforça a imagem do professor como o único detentor de conhecimento e

líder incontestável (quase militar) da sala de aula. Quanto ao formato das

aulas, alguns alunos da turma 8D proferiram opiniões bastante reveladoras.

Para esses alunos, a mudança no formato da aula durante o período do projeto

82

baseado no gênero histórias em quadrinhos foi vista positivamente. A seguir,

alguns dos comentários coletados por meio de um questionário, em que a

primeira questão era, “O que você está achando do projeto?” :

Questionário (22/11/07)

Fabiano: Eu estou achando ótimo, porque é uma nova forma de aprender e debater um assunto.

Cristina: Bom porque a gente sai um pouco da rotina e isso faz a gente se divertir um pouco.

Aluno não identificado40: Super legal. Ajuda mais na participação.

Esses comentários revelam alguns dos desejos e necessidades dos

alunos relativos ao processo de ensino-aprendizagem: aulas diferenciadas,

prazer em estudar e a interação condizente à aprendizagem. Porém, alguns

alunos envisionam uma aula ainda melhor. Em resposta à questão, “Você acha

que o projeto pode ser melhorado de alguma maneira? Como?”, responderem

assim:

Questionário (22/11/07)

Raíssa: Eu acho que sim porque alguns alunos ainda não se acostumaram à idéia nova. Mas com uma conversa talvez se abrirão mais porque essa é a chance de expor suas opiniões. Cristina: Sim, porque pode termos mais atividades, brincadeiras com as palavras, descobrir se está certo ou se está errado, etc. Roberta: Eu acho que sim. Nós podemos aprender a fazer quadrinhos na aula de artes, quadrinhos legais.

Vitória: O projeto já é melhor eu acho que não precisa ficar mudando porque ele já esta melhor.

No primeiro exemplo acima, a aluna Raíssa se preocupa com os seus

colegas e o aproveitamento que estão tirando do projeto. Ela levanta a

necessidade de alguns alunos entenderem melhor os objetivos do projeto e nos

aconselha a conversar com os alunos que parecem não terem se envolvido

mais ativamente. Cristina, por sua vez, pede atividades lúdicas que possam

40

Alguns alunos optaram por não se identificarem.

83

ajudar os alunos a desenvolverem suas habilidades linguísticas, de maneira

divertida. Roberta vislumbra o ensino-aprendizagem do ponto de vista

interdisciplinar, em que os professores de LI e artes se juntam para aprofundar

o projeto. Finalmente, Vitória diz, de maneira simples e eficaz, que o projeto já

representa uma mudança positiva na aula. Isso reforça a idéia de que a aula

tradicional, enquanto não pode ser descartada completamente pelo professor,

talvez não seja suficiente para envolver os alunos no processo de ensino-

aprendizagem quando repetido dia após dia. Escutar as vozes desses alunos

revela que não são “alheios de tudo”. Embora fosse uma minoria que

respondeu tão sucintamente ao questionário, esses alunos podem ser vistos

como porta-vozes daqueles que ainda não conseguiram achar sua própria voz

na luta para melhorias nos métodos utilizados em sala de aula.

Essas vozes contrastam com as opiniões e ações dos professores nos

exemplos a seguir. Embora reflitam a mesma dificuldade da professora Joyce,

de evitar todas as formas de intolerância e exclusão, esses professores

parecem levar a relação entre o comportamento dos seus alunos e o método

de dar aula a uma dimensão mais radical do que a professora Joyce. Enquanto

Joyce via sua missão como professora em termos de ser um exemplo para

seus alunos, outra professora demonstrava sua infelicidade com o

comportamento de seus alunos de maneira mais extrema. A professora Gleice,

que ocupava o lugar de professora substituta e dava aula de português e

inglês, demonstrava uma atitude bastante negativa em relação aos alunos da

escola. Essa atitude, segundo ela, decorria do fato de ela achar que os alunos

não tinham nenhum interesse em estudar (que também reforça a posição da

professora de história, Magda, discutida acima), o que impactou sua maneira

de ensinar.

Durante um evento cultural promovido pela escola, Gleice testemunhou

o comportamento de alunos que ela julgou inadequado à situação, e ao ficar

irritada, me procurou para conversar. Eu anotei essa conversa na forma de

uma vinheta, pois as circunstâncias não me permitiram fazer anotações

naquele momento ou gravar a conversa. Ainda assim, duas frases que ela tinha

o costume de dizer ao se referir aos seus alunos se destacaram: os alunos

“não querem nada com nada” e “só merecem giz e quadro”. Durante o evento,

84

Gleice repetiu essas duas observações e adicionou que isso influenciava seu

modo de dar aulas:

Vinheta de observação e participação de um evento cultural (20/11/07)

Uma das professoras da escola, que ensinava português e acumulava também algumas das aulas de inglês, ficou irritada durante a caminhada pela paz, da qual os alunos e outros professores também participavam. Enquanto andávamos pelas ruas do bairro, alguns dos alunos do oitavo ano (antiga sétima série) aproveitaram a oportunidade de estourar os balões que os alunos menores estavam levando consigo. A professora se aproximou de mim e desabafou. Na concepção dela, os alunos não tinham interesse nas aulas (“não querem nada com nada”) e, portanto, não mereciam aulas diferenciadas, no sentido de variar seu modo de ensinar (“só merecem giz e quadro”).

Enquanto a professora Joyce interpreta o ensino baseado na

apresentação de gramática e vocabulário, sempre apresentado e trabalhado no

quadro negro, como uma rotina que ajuda no policiamento do comportamento

dos alunos, a professora Gleice leva essa rotina ao nível da mecanização,

castigando seus alunos com aulas chatas e repetitivas. Ela não interpreta o

mau comportamento dos seus alunos como um desafio a ser encarado e

superado, buscando meios de demonstrar bons costumes, conforme a atitude

da professora Joyce. Ao contrário, ela se posiciona contra seus alunos, e os

pune com seu método de ensino, “giz e quadro”. Isto é, ao conceber os alunos

como não querendo “nada com nada”, indicado pelo comportamento deles,

Gleice deixa sua interpretação do comportamento deles interferir na sua

maneira de dar aula. Na concepção dela, se os alunos não demonstram

interesse, porque gastar tanto tempo planejando uma aula mais dinâmica?

Resta perguntar: se os alunos não têm interesse nas aulas, não temos a

obrigação de buscar métodos para reverter esse quadro?

Havia outras instâncias em que a professora Gleice ostentava uma

atitude extremamente desagradável em relação aos seus alunos. Falava de

maneira agressiva e demonstrava comportamento defensivo. Como professora

substituta, se sentia prejudicada pela sua posição na escola, e achava que até

as merendeiras a discriminavam, oferecendo-lhe o que percebia como sendo

as sobras da merenda. Um dia, ela culpou os alunos, sem provas, pelo pneu

furado de seu carro. Outra hora recusou ajudar a turma que ela orientava a

85

preparar-se para a festa de Halloween. Assim, a sua turma foi a única que não

participou das festividades. Repetia com freqüência que queria mudar para um

assentamento para trabalhar com alunos que, na concepção dela, não teriam

sido influenciados pela programação da televisão e do rádio, e que não teriam

tido, e nem teriam, acesso à internet, telefones celulares e aparelhos do tipo

mp3, para poder controlar melhor o comportamento deles. Se pensarmos no

professor, conforme a visão da professora Joyce, como modelo de bons

costumes, a professora Gleice não ocupou esse cargo.

Segundo a professora Maíra, outros professores da escola pesquisada

exibem uma atitude parecida com a da Gleice perante seus alunos. Ao falar de

sua própria posição diante do desafio de educar seus alunos, a de que os

alunos mereciam ter professores comprometidos com a qualidade da

educação, ela se destacou dos demais professores da escola. Maíra explicou

que entrara na escola dois meses antes do término do ano letivo. Salientou que

não queria “empurrar as aulas com a barriga” (vinheta, 29/11/07) por ter

entrado na escola pouco antes de as aulas acabarem. Sua intenção era não só

começar a dar suas aulas a partir do lugar onde a antiga professora havia

terminado, mas diagnosticar possíveis problemas de aprendizagem para ajudar

seus alunos a solucioná-los. No encontro da APLIEMT, em agosto de 2008, ela

explicou a dificuldade que encontrou ao procurar outro professor de português

para conversar sobre as aulas:

Depoimento (06/08/08)

Maíra: Então eu cheguei a outro professor de língua portuguesa também e perguntei a ele, “o que você trabalhou já nessa escola (incompreensível) seus alunos?” “Larga a mão. Não vale a pena não. Pega logo o conteúdo gramatical aí, coloca para eles, dá uma coisinha, um textinho, para deixar eles felizes, põe um filme, eles adoram filme”.

Nesse trecho, fica bem explícita a atitude do professor a que Maíra

recorrera em busca de ajuda. Segundo ele, não vale a pena se esforçar para

planejar uma aula mais dinâmica. Esse professor nem discrimina que tipo de

exercício dar para os alunos; qualquer coisa é suficiente para poder anotar a

aula como “dada” no seu diário de classe, até passar um filme, porque os

alunos “adoram” assisti-lo. Não importa, segundo esse professor, se o filme

86

tem a ver com o conteúdo a ser ensinado. O que importa é deixar os alunos

felizes, para que não atrapalhem a aula. No entanto, essa forma de domínio

sobre o comportamento dos alunos tem consequências negativas para o aluno.

Ao não se preocupar com a sequência e/ou relevância do conteúdo a ser

ensinado, o professor atrapalha e prejudica a aprendizagem do aluno.

Ademais, a apatia e/ou o descrédito do professor perante seus alunos oferece

outro mau exemplo de comportamento, pois se o professor não se importa com

o seu trabalho, com o que faz na aula, como se pode esperar que os alunos

levem o processo de ensino-aprendizagem a sério e façam a conexão entre os

saberes da escola, inclusive a propalada cidadania e os bons costumes, e a

vida cotidiana?

Ao destacar a disciplina, a cidadania e os bons costumes, os atores da

escola também estão tentando se insular de acontecimentos no bairro que são

fora do seu controle, como a violência, uma das ameaças à escola apontada no

PDE (2005-2006) na sua avaliação estratégica. No entanto, sendo que a escola

não está fora do seu contexto maior, também é tocada por momentos

ameaçadores. Ocorreram três incidentes no decorrer do semestre em que

conduzi minha pesquisa: no final do dia da festa de Halloween houve uma briga

entre dois alunos; uma aluna foi ameaçada de morte por uma colega dela por

ter cobrado o pagamento de um pedido de Avon que valia quinze reias; e um

aluno trouxe dois pedaços de cano PVC amarrados por fita adesiva preta, que

de longe parecia uma pistola, e ameaçava outros alunos de morte também. A

primeira ocorrência rapidamente saiu dos muros da escola e foi tratada pela

polícia. As outras duas ocorrências foram tratadas pela Coordenação da

escola. A aluna ameaçada de morte foi aconselhada a não cobrar o pedido, e o

aluno que trouxe a arma falsa para a escola voltou para a aula depois de

conversar e entregá-la à Coordenação.

Um aluno, em entrevista, falou sobre um ato violento do qual ele foi

vítima. Rodrigo estudava na EMVG há dois anos quando conversei com ele.

Ele explicou que mudou para o bairro de uma cidade do interior do estado

porque seu pai tinha encontrado um serviço melhor em Várzea Grande.

Rodrigo disse que percebeu uma grande diferença entre os alunos da nova

escola e da escola onde estudava antes de chegar ao bairro. Baseou esta

constatação no que aconteceu com ele após começar frequentar a escola:

87

Entrevista (14/11/07)

Marki: Você testemunhou algo que aconteceu na escola?

Rodrigo: Já. Já me pegaram aqui na escola. Pegaram as cadeiras e me bateram. E eu nem sabia porque.

Marki: Ah, então é muito triste, né? Você não entendeu o que foi? Foi quando você chegou ou foi este ano?

Rodrigo: Foi uma festa aqui na escola. Daí, eu entrei numa sala, “tavam” lá uns colegas meus. Sem fazer nada, chegaram e bateram.

As palavras do Rodrigo mostram como a falta de disciplina, desta vez

durante uma festa escolar, pode escalar em violência. Segundo Rodrigo, os

indivíduos encarregados da disciplina durante a festa não conseguiram evitar o

ato relatado por ele. O acontecimento não foi resolvido, pois nunca soube

quem perpetrou esse ato violento (me pegaram”, “chegaram e bateram”),

apesar de sua mãe se queixar à Coordenação. Rodrigo atesta que foi um ato

insensato, pois ressalta que “nem sabia porque” aqueles indivíduos o

escolherem como o alvo da sua agressão.

De outro ponto de vista, vagas na escola EMVG são procuradas por

professores. Um dos motivos é a imagem boa que ela tem (a escola é “bem

vista pela comunidade). Numa entrevista com a coordenadora Cida, perguntei-

lhe porque a escola era tão procurada. Ela situou sua resposta em relação a

outra escola municipal que já foi considerada, segundo a coordenadora, uma

das melhoras, mas que se encontra em estado de decadência, em parte por

causa da violência no bairro:

Entrevista (23/10/07)

Marki: A senhora disse que aquela escola já era melhor. Cida: Nossa, aquela escola era uma das primeiras escolas. Ali era a escola de, como que diz, um espelho. A escola tinha tudo, tudo, tudo. Os cursos, tudo que era feito, era feito lá. Tudo era lá. Aquela quadra ali, era bonita. Aquela quadra lá, era muito bonita aquela quadra. Tudo ali. Tinha tudo, tudo, tudo, tudo de bom. Marki: Mas, o que mudou naquela escola que não ficou tão boa? Cida: Acho que é o bairro.

88

Marki: O bairro? Cida: Ficou muito perigoso… Ali é o bairro. Muitos marginais. Inclusive, agora, a semana passada, a professora que está aqui de manhâ, agora essa nova, ela é daqui. Só que ela foi prestar serviço lá… (incompreensível)… e pegou uma turma lá também porque há duas cadeiras, né. E ela teve de ir embora porque… primeiro, porque simplesmente deu parte, chamou a polícia. E na semana que nós fomos lá, o diretor e o (incompreensível) foi falar com o aluno e o aluno de lá chegou com revolver…

Encontrar um aluno com uma arma de fogo na escola pode ter sido o

motivo da forte presença policial no dia em que acompanhei Joyce, Cida e

alunos da quinta série à escola para um evento patrocinado por uma editora de

materiais didáticos. Mais adiante na nossa conversa, Cida adicionou o seguinte

comentário, que explica porque os professores estão atraídos pela escola

EMVG. Ainda falando da escola que uma vez foi vista como “espelho” e o

bairro que serve, ela diz:

Entrevista (23/10/07)

Cida: Ali é perigoso de tudo. Marki: E aqui é mais tranquilo. Cida: Nossa, aqui, tudo mundo que chega aqui, que vem ao bairro, diz que nós estamos no céu.

Para Cida, o fato de uma escola “espelho” encontrar problemas,

inclusive a violência, em decorrência de mudanças no bairro coloca em

perspectiva problemas semelhantes que a EMVG tem vivenciado. Ou seja, os

problemas da EMVG apontados acima são pequenos relativamente aos

problemas de outras escolas, porque ali, estão “no céu”. Assim, uma escola

que tinha muito mais, no sentido de estrutura física e organização, de que a

EMVG não resistiu aos avanços de pessoas “marginais”, destruindo a imagem

de escola “espelho”.

Embora Cida admita que a escola EMVG encontra problemas, inclusive

a violência, o fato de que a escola seja procurada como lugar de trabalho é

visto como um fator que favorece um clima organizacional positivo, um tema a

ser explorado na próxima seção. Ainda assim, é necessário constatar que

89

proporcionar um ambiente seguro, disciplinado e democrático conduz a

expectativas altas relativas ao processo de ensino-aprendizagem. Mas, como

aponta Nóvoa (2001), a escola se encontra clivada. De um lado, tem de ensinar

às novas gerações o conhecimento acumulado pelo ser humano até a

contemporaneidade; de outro lado, tem de reforçar os valores da sociedade,

nesse caso valores democráticos que clamam pela inclusão de todos. Assim, a

disciplina é um fator importante a ser considerado. Como não há soluções

prontas e fáceis para os problemas que professores, alunos e administradores

enfrentam no contexto escolar, o processo de aprimorar políticas eficazes para

a solução de problemas é lento, e às vezes, frustrante e doloroso. É importante

destacar atitudes, como a dos alunos “porta-vozes”, que contribuem para a

melhoria da escola.

4.1.3 Crença 3: “falta...suporte”

(Joyce, sem data, diário de participação)

O apoio da sociedade em relação ao ensino-aprendizagem é de grande

importância. No entanto, Joyce e outros atores da escola EMVG indicam que

esse apoio nem sempre está no nível necessário para desempenhar seu papel

no cotidiano da escola. Segundo Joyce, os alunos já não têm o apoio dos pais

para aprenderem os “bons costumes”, que pode ser interpretado como uma

falta de apoio, ainda que indireto, da sua posição como professora. Porém, o

que preocupa Joyce ainda mais é a falta de apoio no nível institucional:

Joyce (sem data, diário de participação)

Uma outra grande dificuldade existente é a falta de livro didático. O governo “patrocina” os livros das escolas públicas, mas ele acontece somente para as matérias de Português, Matemática, Ciências, História e Geografia. A Língua Inglesa fica de fora. Trabalhar a língua inglesa é principalmente trabalhar com figuras, cores, textos e outros mecanismos que ajudem na assimilação. Pela falta de livros e falta de suporte da escola para a confecção desses materiais tais como: Xerox, slides..., fica muito mais complicado desenvolver algo assim em sala de aula. Na falta do livro, tenho que passar no quadro os pontos gramaticais básicos da Língua Inglesa...

90

A falta de suporte apontada por Joyce acontece em vários níveis

institucionais: no nível federal, pela falta de “patrocinar” livros para o professor

e os alunos de LI; no nível da rede educacional local, por não por em prática

políticas que apoiam as necessidades materiais dos professores, como por

exemplo, horários de trabalho que contemplam tempo remunerado suficiente

para o planejamento e a confecção de materiais; e no nível da escola, por não

apoiar o professor na confecção de materiais, que leva não só tempo, mas

requer investimento financeiro. Para Joyce, a falta de materiais é significativa,

pois os professores de outras áreas de conhecimento têm o privilégio de ter o

“patrocínio” do governo. O tratamento desigual pelo governo federal faz a

professora sentir que “a língua inglesa fica de fora”, criando uma lacuna entre

ela e os outros professores da escola e reforçando a idéia de que a LI não é

uma matéria importante e levando alguns à conclusão de que qualquer um

pode ensinar LI (Cox e Assis-Peterson, 2002). A propagação desta lacuna

impede que os direitos dos alunos sejam exercidos plenamente, pois “a

aprendizagem de uma língua estrangeira, juntamente com a língua materna, é

um direito de todo cidadão” (Brasil, 1998, p. 19) e contraria a filosofia

democrática e não-excludente exposta pela escola EMVG por meio do PPP

(veja p. 81 desta dissertação). Além do mais, a falta de materiais e suporte

para confeccioná-los, no ponto de vista de Joyce, restringe o que pode ser feito

em sala de aula. Ela se sente forçada a “passar no quadro os pontos

gramaticais básicos da Língua Inglesa”, uma colocação que reforça ainda mais

o posicionamento dela dentro do paradigma de transmissão de conhecimento.

No entanto, um aluno da turma 8D, Fabiano, reforçou a necessidade de

possuir algum tipo de material didático. Diz ele em resposta a várias das

perguntas do questionário aplicado à turma:

Questionário (22/11/07)

Você acha que o projeto está te ajudando a aprender melhor a língua inglesa?

Fabiano: Sim, porque deste modo, com as tiras, a gente pode prestar mais atenção nas falas, escrita e tudo mais.

Você acha que o projeto pode ser melhorado de alguma maneira? Como?

91

Fabiano: Sim, ao invés de tiras, livrinhos ou apostilas.

Se quiser, faça algum comentário sobre o projeto que não foi lhe perguntado.

Fabiano: Eu acho que esse projeto muda muito a maneira de aprender o inglês, porque assim as pessoas podem prestar mais atenção, porque o aluno tem as tiras na mão, os alunos têm o material de estudo alí, só para entender.

O fato de poder manipular materiais, ainda que na forma de folhas

xerocadas de histórias em quadrinhos (“tiras” na fala de Fabiano), parece ser

muito importante para esse aluno, pois ele ressalta que “com as tiras, a gente

pode prestar mais atenção” nas formas de expressar-se, não só em LI, mas

visualmente, pelo uso de desenhos, também. A combinação de formas

expressivas nas “tiras” ajuda o aluno a entender melhor o conteúdo de uma

história em quadrinhos. Porém, Fabiano não está satisfeito com só esse

material. Ele divisa materiais tais como “livrinhos ou apostilas” para que os

alunos tenham “o material de estudo ali, só para entender” melhor o que estão

aprendendo. A falta de materiais para apoiar a aprendizagem de LI deixou sua

marca na história educacional desse aluno.

Do ponto de vista da Direção, poder fornecer materiais didáticos aos

seus alunos é importante. No entanto, não só faltam esses materiais quanto

faltam também uma biblioteca, uma área de lazer coberta, uma caixa de água

nova e grama para melhorar a aparência da escola, entre outras melhorias

estruturais e ambientais. Segundo a diretora, Diane, falta maior compromisso

da Secretaria de Educação, especialmente financeiro, para que a escola possa

melhorar a qualidade da experiência eduacional para seus alunos. Numa

entrevista que incluiu o coordenador Wilson, ela explicou o dilema com a ajuda

de Wilson:

Entrevista (21/11/07)

Diane: Nós temos problemas na administração, temos, porque não temos o apoio (incompreensível), o que está vendo. Nós temos a biblioteca. Nós já pedimos. Já. Já mandaram notícias. Já. Nós queremos essa quadra. Já pedimos, já está prometida, já está, nossa história já está na lista, primeira na lista para a construção dessa quadra. Por quê não começou essa construção? Nunca começa …

92

As frases curtas e a repetição da palavra “já” mostram a frustração com

a falta de apoio da rede educacional local, além da urgência com que os atores

da escola esperam essas mudanças, que nunca vem apesar da diretoria da

escola fazer a sua parte por ter pedido “já” as melhorias. Palavras como

“prometida” e estar “primeira na lista” revelam o discurso dos representantes da

Secretaria de Educação, palavras interpretadas como vazias de sentido, pois a

obra “nunca começa”. Se o ensino de LI é deixado “de fora”, então de certa

forma a escola EMVG também está de fora. Ainda falta muito para ser um

contexto educacional repleto de recursos, tão necessários para que possa

cumprir sua missão.

Mais adiante continua a falar da construção de uma nova biblioteca para

substituir o pequeno espaço que servia de biblioteca e dispensa de materiais

didáticos. A Direção da escola conseguiu arrecadar quase dois mil reais para a

construção do novo espaço, pela organização de um festival para a

comunidade. A diretora fala da dificuldade em ter de escolher a melhor maneira

de gastar o dinheiro arrecadado:

Entrevista (21/11/07)

Diane: Vamos gastar muito mais com a mão de obra do que com o próprio material … Marki: É, mão de obra é caro. Diane: Mil e pouco. Esse mil e pouco, se jogasse no material, não vai dar também, né? Agora tem de pagar mil de material, oito, novecentos de mão de obra, né. Já é difícil. Por quê? Na verdade, minhas colegas falam assim, ´Nós não estamos aí para construir. Nós estamos aqui para administrar.´ Apenas o órgão público. Né? Eu não faço isso. Eu não faço moleza (incompreensível) … está contando com melhorias. É televisão, é biblioteca, é bola, não pára. (Incompreensível). Aí você vai e volta. Na verdade, elas têm razão. Porque com esse dinheiro nos poderíamos estar melhorando a educação de nossos alunos. Wilson: (incompreensível) material didático. Diane: Material pedagógico (incompreensível). Tem aluno que não tem caderno (incompreensível) E aí? Wilson: (Incompreensível) melhorar a qualidade de ensino, a gente pensa num lugar para eles fazer o trabalho, pesquisa, né? E ali naquele ambiente não dá.

93

Além de ter de se preocupar com a melhor maneira de gastar os

recursos que a escola arrecadou, a diretora tem de enfrentar as críticas das

colegas dela, possivelmente outras diretoras e coordenadoras de escolas

públicas, que lembram a ela que a sua função é apenas administrar os

recursos que vêm do “órgão público”. Mas Diane percebe que para administrar

bem sua escola, é preciso ir além da definição básica de “administrar”. Ela não

tem o conforto de poder esperar que a Secretaria cumpra as suas promessas.

A necessidade dos alunos se desencadeia em tempo real, no presente. Então

a decisão a ser tomada baseia-se entre duas opções: uma biblioteca para o

bem de toda a comunidade escolar ou materiais didáticos para alguns.

Joyce, Fabiano, Diane e Wilson criticam a falta de suporte em vários

níveis institucionais relativa ao fornecimento de materiais didáticos e a

melhorias nas condições físicas da escola. Mas o papel que o professor

desempenha na escola também recebe críticas. No PPP, a falta de

solidariedade e compromisso dos professores é levantada:

As experiências revelam que a comunidade interna da escola apresenta limites quanto a participação na realização de trabalhos coletivos e até individuais. Não porque haja um impedimento por parte de alguém, mas porque, alguns profissionais que trabalham na escola, também desempenham outras atividades cujo horário é incompatível para essa participação. O espírito de colaboração do corpo docente deixa a desejar, pois existem profissionais tomando decisões alheias às decisões dos demais membros do grupo. Há dificuldades em conciliar horário para o trabalho coletivo e grandes problemas de comunicação entre os turnos. Quanto ao planejamento ainda acontece o improviso, pois, nem todas nossa atividades são planejadas (PPP, pg. 15).

Os autores do PPP sinalizam que o clima organizacional da escola se

encontra em estado grave. A escola encontra barreiras que muitas vezes ficam

nas entrelinhas do fazer da escola. Isto é, o professor, mal-remunerado e

sobrecarregado, não encontra as forças e/ou o tempo para desempenhar um

trabalho negociado em grupo. Isso os conduz a agir de uma maneira que pode

iniciar um ciclo vicioso de tomar decisões individuais, possivelmente

incongruentes com os objetivos da instituição como um todo, e na pior da

hipóteses, alienar seus colegas.

94

Enquanto os professores são culpados por essas ações pelos autores

do PPP, é necessário remeter essa discussão à falta de apoio institucional no

nível federal e local, que criam as condições macros sob as quais os

professores exercem sua profissão. Ou seja, há a necessidade de oferecer

condições de trabalho que incluem remuneração e horários decentes para que

os professores não tenham que desempenhar “outras atividades cujo horário é

incompatível” com as atividades da escola.

Maíra, durante seu depoimento na APLIEMT, também levanta a questão

da solidariedade e compromisso do professor. Porém, antes de falar sobre os

outros professores, ela admite ser uma dos professores que toma atitudes

“alheias”, o que tem como consequência o sentimento de alienação de seus

colegas:

Depoimento (06/08/08)

Maíra: Eu sou muito briguenta. Eu tenho a fama de ser de estopim curto. Por quê? Porque eu não aceito as coisas que me mandam fazer. Eu gosto de pegar e fazer… [a] nossa escola… É uma escola maravilhosa para trabalhar... muitos amigos, assim, digamos... “eu posso contar com você?” “Pode sim”. Mas na hora de arregaçar as mangas, são poucos que ligam com a situação.

Maíra, pelo emprego do verbo “mandar”, que tem a conotação de

“exercer autoridade”, ressalta que não aceita fazer um trabalho que não seja

negociado. O exercício de autoridade, nesse caso provavelmente pela

Coordenação da escola, exclui os professores do processo democrático da

construção de um ambiente condizente ao ensino-aprendizagem. No entanto, o

ato de “pegar e fazer” é mutuamente exclusivo. Maíra defende sua atuação

alheia “às decisões dos demais membros do grupo”, qualificando sua decisão

no fato de que não na hora de precisar do apoio dos colegas, são poucos que

mostram solidariedade.

Ela continua seu depoimento, salientando, porém, que os professores

não devem se dividir em campos concorrentes. A alienação que ela sente

pelas atitudes dos demais professores é palpável:

95

Depoimento (06/08/08)

Maíra: E eu queria falar isso pra vocês, colegas, que nós não somos concorrentes, nós somos colegas. A gente tem que abrir mão de algumas coisas para poder dar certo… porque na hora que eu vou ter uma dúvida, não vou ter medo de chegar e perguntar ao meu colega de língua portuguesa [simulando uma conversa], “Eu tô com dúvida aqui com os “porquês”. Esse conteúdo aqui me deixa confusa. Vem aqui me ajudar.” “Se esqueceu das regras?” “Eu sou humana, né? Eu erro também. Mas não deixa os alunos saber … fala só nós dois aqui.” Então eu acho assim, que, se a gente mostrar menos orgulho e mostrar mais trabalho, falar menos, e mostrar mais trabalho, eu acho que aos poucos a gente vai sendo reconhecida.

Apesar de tomar atitudes que a professora Maíra admite serem

excludentes dos seus colegas (“pegar e fazer”), ela também admite a

necessidade de sentir-se parte de um grupo apoiador em que possa até expor

suas fraquezas, sem temer reprovação. Ao contrário, segundo esse trecho do

depoimento, o corpo docente da escola EMVG se encontra num estado clivado

entre a individualidade e a coletividade, criando condições que impedem a

melhoria do clima organizacional. Como ressalta Maíra, o problema maior entre

o corpo docente é o “orgulho”, sentimento individualista que impede a

negociação de como desempenhar um trabalho mais eficaz, dificultando o

reconhecimento de um trabalho bem feito.

Ao trabalho individualista dos professores, se justapõe a disposição dos

mesmos para organizar festas, bingos e outros eventos culturais com várias

finalidades. Enquanto eventos como festas e bingos tinham como alvo

arrecadar dinheiro para melhorias na escola, festividades como “Halloween” e

passeios a Sesi Park e ao Museu do Índio visavam a inclusão social e a

aprendizagem sobre outras culturas. Nessas ocasiões, os professores se

dispunham (com a exceção da professora Gleice no festival de “Halloween”) a

ficar no local de trabalho após o términio do dia escolar para preparar

decorações, brindes e gincanas ou ensaiar danças e desfiles. No festival de

“Halloween”, os professores negociaram a melhor data para participar do

evento cultural. É interessante contrastar a solidariedade dos professores,

coordenadores e diretora nessas ocasiões com a crença de que falta esse

compromisso relativo ao planejamento didático. Talvez a diferença seja que

96

nesses momentos, o “orgulho” pela escola e o que ela representa para a

comunidade soasse mais forte do que “orgulho” individualista salientado por

Maíra.

Ainda assim, a idéia de que os colegas se encontram em estado de

concorrência ecoa na voz da professora Joyce. Numa entrevista, perguntei-lhe

sobre as exigências da Direção da escola em relação à formação continuada

dos professores, pois estava curiosa para saber por quê uma das professoras,

Gleice, me perguntava com frequência se tinha alguma informação sobre

cursos que ofereciam certificados. Também queria saber quais às exigências

de formação continuada para um professor aprovado em concurso, pois

entendi que esse status confere mais segurança, quanto ao emprego, do que a

contratação de funcionários.

Entrevista (04/09/07)

Marki: Sobre a Direção, o que exige sobre a atualização … assim, porque você é “concursada”, né? Então você tem muitas exigências … ou é só a Gleice que está sentindo a pressão porque ela não é “concursada”, é contratada?

Joyce: Não, ela exige. Para a gente, ela exige. Só que não comparada com os “não-concursados”. Porque é assim: essa atualização, que é a continuidade de cursos, de seminários; que é aquele não-parar, não-se acomodar, só como professor – aprender outras coisas; isso existe também para a gente, porque querendo ou não querendo, no final do ano, a gente tem o que [se] chama de “contagem” de pontos. Então eu vou reunir todos os certificados que eu tenho, e vou ver quantos pontos que eu tenho. Se na escola tem outro professor de inglês “concursado”, eu vou competir com ele, né. Aí eu tenho quarenta pontos e ele tem quarenta e dois pontos. Isso interfere em quê: ele vai ficar na minha frente pra escolher a sala de aula. É essa que é a diferença, né? É muito difícil achar que se vai perder… o seu lugar aqui na escola. Pode acontecer. Às vezes (incompreensível) muitos professores da mesma matéria, pode acontecer. Então, (incompreensível) não é uma coisa de eu vou aprender, não vou aprender, vou usar isso na sala, não vou usar. É mais assim: que colocação vou ficar. Marki: Ah. Entendi. Joyce: Entendeu? Esses cursos… por isso que você vê que as (incompreensível) “tem certificado, tem certificado?”. Porque certificado sempre ajuda para você ficar lá em primeiro lugar para você não ficar sem turma.

97

Marki: Então, não importa o que você está aprendendo, exatamente, no curso, se você vai aplicá-lo depois ou não? Joyce: É, isso não é tão cobrado. Isso é mais do professor. Vai da ética profissional, você saber que você está fazendo por seu crescimento e pelo crescimento dos seus alunos. Mas, o que a Direção, a Coordenação … não é nem a Direção, é o sistema, né? Faz é que isso seja usado para você, para sua posição na escola.

A distinção entre professores aprovados em concurso e professores

contratados, sentida e interpretada de maneira aguda pela professora Gleice

(ver p. 85), se confirma nesse trecho. Joyce utiliza a expressão “a gente” várias

vezes, criando uma distância entre ela e os professores que não têm a

segurança equivalente a de seu cargo na rede educacional. Assim, segundo

Joyce, os professores contratados sofrem mais pressão para participar de

cursos e outros eventos que concedem certificados para segurar sua posição

na escola para o próximo ano. Fica evidente, também, que há concorrência

entre professores aprovados em concurso quando há mais do que um que

ensina uma matéria na mesma escola. Nas palavras da Joyce, esses

professores “competem” entre si por meio da contagem de pontos que

acontece durante a avaliação anual do professor. O resultado da competição é

que o professor “ganhador” se encontra “lá em primeiro lugar para… não ficar

sem turma”.

Outro resultado, segundo Joyce, é que a influência da formação

continuada, na pior das instâncias, possa ser vista como um fim de ganhar a

vantagem dos professores “adversários”, em vez de ser contemplado em

relação à ação docente, o que “vai da ética do professor”. Joyce atribui tal

concepção ao “sistema”, ou seja, à rede educacional e aos mecanismos postos

em funcionamento para assegurar que os professores se aprimorem. Porém,

parece haver um descompasso entre essa exigência, interpretada pela

professora como a maneira como o professor possa assegurar sua “colocação”

na escola, para que possa completar sua carga horária sem ter de se

desdobrar entre horários disjuntos, e a concepção da formaçao continuada

como aprimoramento profissional, nos níveis teóricos e práticos. Isto é, a

formação continuada do professor, vista desse ângulo, contribui pouco ao que

acontece na sala de aula se não houver compromisso por parte do professor.

Além do mais, pode parecer que o professor não conta com o apoio da Direção

98

atinente à incorporação de novos conhecimentos e/ou métodos provindos da

formação continuada, pois a única exigência para a contagem de pontos é a de

que o professor apresente um certificado, comprovante de que participou de

algum evento ou curso que caia sob o termo guarda-chuva de “formação

continuada”.

A existência da concorrência para ficar com as melhoras vagas e

horários é corroborada pelo coordenador Wilson. Eu queria saber se existe

essa concorrência e qual o efeito na prática de sala de aula. Ao perguntar

sobre a formação continuada dos professores, ele contou que o professor

passa pela avaliação anual, que se compõe em parte pela contagem de

pontos. Eu queria saber se existir essa concorrência, então qual o efeito na

prática de sala de aula. Enquanto Diane acredita que há uma ligação positiva

entre a formação continuada e o ensino, ela também admite que a

concorrência na contagem de pontos é uma questão que precisa levar em

consideração. É Wilson, no entanto, que toma a palavra e explica para quem a

formação continuada, ancorada na contagem de pontos, não funciona.

Entrevista (22/11/07)

Marki: O professor está interessado nos pontos para assegurar sua vaga. Mas isso traduz numa melhoria no ensino?

Diane: (Incompreensível). Isso. Tem que ver também isso. Eu acho que ajuda bastante.

Wilson: Tem aqueles que só fazem [cursos de formação continuada] visando a contagem de pontos. Tem que ficar em primeiro lugar. Ele não utiliza aquilo que ele adquiriu de conhecimento para aplicar na prática pedagógica do dia-a-dia. A gente vê muito disso aí. É aquele que fala, ´Ah, tem um curso lá. Vai dar um certificado de quarenta horas.´ É pago. `Tem de pagar quanto?´ Ele vai lá, paga, faz a inscrição dele, vai o primeiro dia (incompreensível), conversa com seu colega, `Coloca meu nome aí.´ E não vai mais. Ele quer só o certificado para contar os pontos. Porque quem não é efetivo, quando é no caso dos interinos, eles dependem muito disso, da contagem de pontos. Tem de ficar em primeiro lugar lá na classificação. Então esses interinos, muitos deles, fazem isso. É no estágio que é muito difícil. Eles querem a pontuação para ficar em primeiro lugar para escolher a escola que eles querem mais próximos da casa ou já têm conhecimento, né? Então isso acontece.

99

Para Wilson, os professores que pensam na contagem de pontos como

competição que oferece vantagens ao vencedor são aqueles que não estão

bem estabelecidos na rede educacional, os “interinos”. Assim, a concorrência

para vagas toma a forma de “vale tudo”, inclusive pedir para colegas assinarem

a lista de presença do curso ao qual está inscrito. Não existe a atitude para

essas pessoas que a formação continuada deve fornecer uma oportunidade

para rever a prática docente. O que vale é sair em primeiro lugar.

Mas, se a Direção da escola não toma uma posição mais ativa relativa à

formação continuada é porque acredita no profissionalismo do professor.

Enquanto o “sistema” exige que o professor comprove sua participação em

eventos voltados à formação continuada, do professor exige-se também uma

autoavaliação do seu desempenho durante o ano escolar. A autoavaliação, por

sua vez, deve ser aprovada pela Direção da escola. Na dúvida, a Direção

reserva o direito de conversar com o professor para resolver possíveis

problemas. A diretora adicionou que, se à Coordenação é atribuido o cargo de

apoiar o professor na sua busca para aprimoramento, então falta tempo, pois

os coordenadores, assim como os professores, se encontram sobrecarregados

de trabalho. Falta maior apoio da Secretaria de Educação, especialmente apoio

financeiro para contratar funcionários que possam ajudar a aliviar a situação.

Enquanto tentei, como pesquisadora, equilibrar as vozes e opiniões

apresentadas aqui, as três crenças exploradas neste capítulo podem parecer

construir uma representação negativa da escola e seus atores. Contudo, ao

contrário do que possa parecer, quero argumentar que elas demonstram que a

escola, ainda na sua infância como instituição, se encontra em processo de

crescimento e que tenta responder às necessidades atuais da comunidade a

que serve. As possibilidades se constroem e encontram limitações em vários

níveis, num processo contínuo, criando tensões a serem resolvidas. Esse

processo, baseado numa filosofia democrática e de inclusão, não se

desencadeia de maneira linear. Se existem deslizes e desvios nesse processo,

também há a procura de melhorias e de um caminho próprio. A experiência que

tive como pesquisadora nesse contexto pode ser caracterizada como positiva,

pois a EMVG se constrói como lugar acolhedor, abrindo espaço para o exame

minucioso de uma, nas palavras de Agar (1996), “estrangeira-profissional”.

100

Na seção a seguir, faço uma releitura dos dados, com enfoque na

maneira como as crenças, que aparecem momentaneamente fixas na

linguagem, ajudam a construir o contexto escolar, e vice-versa. Entende-se que

esse processo é dialético (Dufva, 2003) e que não escapa das contradições de

um sistema aberto e complexo (Moraes, 1997). A interpretação a seguir é

somente uma dentro de uma miríade de possibilidades (Kalaja, 2003) e

depende tanto dos dados quanto das leituras e experiências desta

pesquisadora. Ainda assim, a esperança é a de que essa interpretação ajude

na compreensão da relação entre crenças e contexto.

4.2 Processamento metafórico

O processamento metafórico é um método interpretativo que parte do

pressuposto de que os textos que o indivíduo constrói servem para representar

crenças até então inarticuladas (Kramsch, 2003). Tomando crenças como

redes semánticas que ajudam o indivíduo a construir e interpretar suas

experiências, e, portanto, seu mundo, então os “textos” produzidos pelos atores

da escola EMVG, sejam na forma escrita ou oral, podem ser vistos como

representações do contexto escolar. Embora haja semelhanças entre essas

representações, há divergências e incongruências também. Essas

características tomam a forma de forças opostas e criam tensões que clamam

para serem resolvidas. Desta maneira, pode se dizer que existe uma dualidade

de forças – centrípetas-centrífugas, ou conservadores-renovadores – dirigidas

pelas açôes dos atores da escola. Essas forças buscam o equilíbrio, ou o bem

da escola. A escola EMVG encarna um dilema: defender o espaço educacional

que criou ou responder às exigências cada vez mais crescentes da sociedade

(Nóvoa, 2001). A escola e seus atores sofrem frustrações e buscam o equilíbrio

novamente. Avançam, renovam, deslizam, desviam, começam de novo.

Quais são as forças conservadores e renovadores do contexto escolar,

então? As foças conservadoras incluem todas as opiniões, atitudes, ações e

crenças dos atores da escola que representam os “outros”, seja aluno,

professor o administrador, de maneira negativa e limitada, e que atribuem o

mesmo significado a outras características do contexto escolar, como por

exemplo, o método de ensino como modo de controlar o comportamento dos

101

alunos. As forças renovadoras incluem as opiniões, atitudes, ações e crenças

que representam os atores e o contexto escolar de forma promissora, ainda

que o trabalho naquele sentido seja inacabado. Sob essa categoria se

encontram os atores que clamam por mudanças e que criam espaço para

relacionar-se melhor com os outros atores da escola.

Ainda que as crenças apresentadas nesta dissertação possam ser

vistas como justaposições, dando-lhes uma qualidade bidemensional, elas

também podem ser vistas como multifacetadas ou multidemensionais ao

observar as ligações entre elas. Cada uma das três crenças parte da

perspectiva de Joyce. Qual a ligação entre elas para Joyce? Como constroem

o contexto escolar de Joyce? De que maneira se representa a relação entre as

crenças dos outros e a experiência de Joyce como professora de LI nesse

contexto?

Partindo das Crenças 1 e 2, Joyce costrói uma atitude eu versus meu

aluno que a coloca, como professora, intelectualmente e culturalmente acima

do discente. De fato, a inteligência e a base cultural dos alunos é questionado,

pois eles “não têm base”, nem “boas maneiras”, o que dficulta a aprendizagem

e reduz a chance dos alunos terem êxito na matéria. Ao expressar essa atitude,

Joyce não percebe que está construindo uma atitude que se estende além de

eu versus meu aluno. Essa atitude se expande para incluir todas as pessoas

com as quais os alunos já tiveram contato significativo. O espaço figurativo no

qual ela exerce sua profissão vira uma divisa que pode ser anunciada como eu

versus a comunidade, pois os alunos não chegaram ao Ensino Fundamental II

sem terem interagido com seus pais, parentes, amigos, professores e diretoria

do Ensino Fundamental I, e outros indivíduos pertencentes à comunidade.

Joyce também não percebe a relevância de pequenos atos dos seus

alunos como a insistência de Álvaro fazer ligações entre o que já sabe de

inglês, o que está aprendendo e sua própria língua, ou a iniciativa dos alunos

da turma 8D de arranjarem as carteiras em círculo para que a turma pudesse

continuar o debate sobre histórias em quadrinhos. Isso faz com que ela tenha

de se esforçar mais para manter disciplina em sala de aula, quando talvez

outra maneira de perceber os alunos abriria outras oportunidades de interagir e

aprender. Em vez de isso, a professora se distancia metaforicamente das

oportunidades que possam fornecer uma forma de suporte tão importante

102

quanto o suporte material que ela tanto deseja (Crença 3), o suporte emocional

dos próprios alunos e seus pais.

Relevante a essas três crenças, a escola é mais do que o contexto em

que Joyce exerce sua profissão. É o lugar de frustações e trabalho não

realizado, pois com as limitações atribuídas aos seus alunos e ao suporte

institucional, pouco mais pode ser esperado dela como professora do que

aderir a um modelo de ensino formulaico que não admite questionamento. As

respostas vem na forma de sim ou não. Não há espaço para a discussão de

temas relevantes à vida de seus alunos. Isso os leva a vivenciar dificuldades ao

tentar se acostumarem a outro método de ensino. Ficou evidente que as

dificuldades surgiram da falta de entender o motivo da mudança, e da

subsequente inexperiência com o método novo. Essas dificuldades põem em

relevo a necessidade de variar o método de ensino, conforme apontaram

alguns alunos.

A presença das crenças expressas por Joyce no contexto da EMVG foi

confirmada por outros atores da escola. Embora vários atores tenham

compartilhado as mesmas crenças, essas, contudo, não foram expressas

necessariamente com a mesma intensidade. Outros demonstraram

divergências em relação às crenças de Joyce. Isso corrobora a idéia de que as

crenças não residem na mente de indivíduos, mas que são socialmente

construídas e, portanto, interrelacionadas. Simplesmente, as crenças permeiam

o contexto.

A crença de que os alunos não têm uma base linguística na sua língua

que seja suficiente para poder aprender LI está fortemente ligada à concepção

de alunos que são vazios de conhecimento, que lhes falta criticidade, e que

têm preguiça de pensar. Pode-se dizer que as crenças de Joyce e Magda se

aproximam quanto às habilidades intelectuais de seus alunos. As

circunstâncias sob as quais apareceram também apresentam semelhanças.

Cada crença emergiu como resultado de reflexão sobre uma situação

educacional. A crença de Maíra, enquanto confirma a crença de outros

professores de que os alunos são carentes, serve de contrapartida. Maíra tenta

combater a noção de que os alunos não tenham a capacidade de superar os

limites sob as quais se engajam no processo de ensino-aprendizagem. A

crença de que os alunos conseguem ter êxito não parece ser muito comum

103

entre os professores, pois os alunos têm pouca voz no contexto escolar. Isso

confirma que ainda existe pessimismo relativo ao trabalho que pode ser feito na

escola pública, mesmo se há evidências contra esse sentimento.

As crenças deslizam-se da falta de conhecimento científico à falta de

conhecimento de padrões comportamentais dos alunos aos métodos de

ensino, à emergência da violência e à falta de suporte no contexto escolar.

Joyce emprega a metáfora de espelho de estrutura familiar para justificar a

estrutura de sua aula, a primeira estrutura percebida como mais fraca do que a

segunda. Porém, a professora gasta muito tempo, paciência, e às vezes

desgasta sua voz para por ordem na sala de aula. Ao tentar incluir os alunos no

seu mundo em que a expectativa é de alunos quietos e comportados, ela os

exclui por meio da lacuna que constrói entre professor-detentor-de-

conhecimento-e-bons-costumes e alunos-sem-base-sem-disciplina. Quem leva

essa construção ao extremo é Gleice, que até esquece de seus “bons

costumes” ao planejar a punição de seus alunos com aulas que vão além da

chatice e incitam os alunos a continuar o círculo vicioso que começa com o

sintoma do mau comportamento. Outros professores nem conseguem a

energia necessária para planejar uma aula chata; já largaram de mão a

esperança de que possam ajudar seus alunos a superaram dificuldades e a

solidariedade entre professores. Por sua vez, a falta de solidariedade pode

resultar na concorrência forte entre professores, criando outras situações em

que o indivíduo constrói uma concepção do contexto escolar como um espaço

que permita a divisão eu versus o outro.

Deslizes, desvios, avanços, renovação. Espera-se que os ideais de

profissionalismo, inclusão, tolerância e solidariedade, entre outros, consigam se

infiltrar ainda mais no espaço escolar e criar oportunidades futuras. Encontrar

maneiras de providenciar mudanças, tais como a construção de uma biblioteca

ou a instalação de uma nova caixa de água renovam o espírito da escola. E, ao

deixar o espaço da escola aberto à comunidade por meio de festivais, eventos

culturais e até esta pesquisa, a escola combate o pessimismo que circunda a

educação em geral no Brasil. Ainda assim, nas palavras de Maíra, é necessário

arregaçar as mangas, mas com a esperança de que os desafios a serem

enfrentados no processo de amadurecimento da escola sejam outros que

aqueles que preocupam tanto aqui.

104

Na próxima seção, retomo os pontos-chave relativos ao ensino-

aprendizagem de LE no Brasil, apresentado no capítulo dois. Relaciono esses

pontos com as crenças apresentadas, enfocando especificamente o ensino-

aprendizagem de LI.

4.3 Crenças e ensino de LI no contexto atual

Historicamente existe uma imagem de fracasso que persegue o ensino-

aprendizagem de LI no Brasil. Essa imagem permeia o contexto escolar e se

perpetua pelo discurso de professores, alunos, diretores, coordenadores, pais e

até acadêmicos que pesquisam fatores que influenciam o ensino-aprendizagem

de LI. Das condições citadas com frequência como sintomas da precariedade

do ensino-aprendizagem de LI, várias se refletiram nas crenças da professora

participante: alunos “sem base”; a falta de materiais; e a falta de suporte nos

vários níveis institucionais. Além do mais, a professora Joyce demonstrou que

o ensino-aprendizagem de LI, na prática, ainda não avançou na sua

metodologia, se identificando fortemente com o paradigma de transmissão de

conhecimento e evitando métodos comunicativos.

O modo de ensinar observado em decorrência desta pesquisa mostra

também que não há espaço para a construção de sentidos na LI, pois não se

permite que o aluno tenha a possibilidade de errar. O professor dirige a aula

com a expectativa de que o aluno “assimile” passivamente o ponto gramatical

ensinado. O aluno que tenta desviar a aula corre o risco de ser ignorado. Mas

no caso da escola EMVG, isso não acontece necessariamente porque houve

falha na formação inicial da professora, ao menos relativamente, a suas

habilidades comunicativas em LI, que são excelentes. Talvez a falha tenha

acontecido no nível teórico. Ou talvez as experiências prévias e as crenças, ou

teorias implícitas relativas ao ensino-aprendizagem de LI, da professora

participante sejam suficientemente fortes para reforçar o paradigma de

transmissão de cohecimento. O efeito é que um visitante que tenha passado

cinquenta anos fora da sala de aula poderia entrar na sala de LI e não

estranhar o método e sua finalidade: aprender sobre o sistema linguístico para

poder reproduzir orações curtas, mas sem grande relevância à sua vida

cotidiana.

105

Outro problema a ser superado ainda é a formação e retenção de

professores. Ou seja, se o número de professores formados pela universidade

não supre a demanda na área, torna-se imprescindível melhorar as condições

de trabalho daqueles já em serviço. As melhorias tem de vir na forma de

salários e horários de trabalho decentes, num patamar equivalente ao que

outros profissionais com o mesmo nível de formação recebem. Outras

melhorias, como o fortalecimento do apoio ao professor, se fazem

imprescindíveis.

Ao explorar as crenças dos atores da escola, é possível entender quais

são os fatores que subjazem às opiniões, atitudes e ações dos mesmos.

Revelar onde e como é preciso enfocar ações que possam visar melhorias

nesse contexto. Por exemplo, para retomar a história de Joyce, ela relatou que

a experiência de trabalhar com “textos” (histórias em quadrinhos) e materiais

em mão a convenceu a fazer algumas mudanças nas suas aulas no primeiro

semestre de 2008. No dia 2 de julho de 2008, nos encontramos para conversar

sobre a experiência. A conversa não foi gravada porque Joyce disse que queria

sentir-se livre para conversar. Concordamos que eu tomaria nota dos pontos-

chave caso houvesse alguma dúvida futura e que mandaria uma cópia para ela

via e-mail, combinando também que ela poderia adicionar outros comentários

ou até editar o resumo a ser enviado para que ficasse mais verossímil. No

entanto, nenhuma mudança foi feita às anotações por parte da Joyce.

Ela relatou que os alunos gostaram muito do “projeto”. Essa avaliação

positiva, segundo Joyce, a encorajou a investir numa impressora nova para

poder levar outros tipos de texto para interpretação à sala de aula, inclusive

música. Ainda assim, ela confessou ser da opinião de que seria mais fácil se

trabalhasse unicamente com a língua portuguesa. Joyce continou a preocupar-

se com a disciplina dos alunos em sala de aula.

As experiências de Joyce no contexto escolar não foram suficientemene

fortes para convencê-la de que pudesse encontrar satisfação no ofício de

professor, especialmente porque ela também relatou que o clima

organizacional da escola tinha piorado após as eleiçóes para a diretoria da

escola. Wilson, que era coordenador, se elegeu segundo Joyce, pelo apoio dos

alunos e da comunidade, mas sem muito apoio dos professores. Joyce não

estava satisfeita com o resultado e relatou que o novo diretor era mais

106

autoritário do que Diana, conhecida como uma administradora que preferia

resolver problemas por meio da conversa. Segundo Joyce, ao novo diretor

faltavam habilidades interpessoais. Citou três acontecimentos que a levou a

essa conclusão: ele não queria renovar o contrato de uma funcionária por

razões pessoais; os anúncios passaram a serem pregados nas paredes das

salas de aula durante a lição, sem cumprimentar a turma; e os professores

estavam sendo pressionados para repor um dia de aula em que participaram

de uma paralisação.

Joyce continuou a participar de concursos, e no segundo semestre de

2008, foi aprovada no concurso público para técnico-administrativo em

educação, da Universidade Federal de Mato Grosso. Joyce foi aprovada para o

cargo de assistente em administração, que pede como requisito o nível médio

de ensino, um nível muito inferior do que já tinha concluído, sendo que ela

possui pós-graduação em metodologia do ensino de português. Não houve

como conciliar os dois cargos. Num e-mail pessoal, ela explicou ainda que

tenha ficado triste por ter escolhido sair da escola, ela considerava essa

descisão melhor para seu crescimento pessoal. Ela escreveu:

… tenho uma notícia triste: tive que sair da escola para poder assumir o concurso… Não pude ficar com os dois empregos. Meu último dia na escola foi sexta-feira (24/10/08) e já estou começando [a trabalhar no novo cargo]. Chorei tanto… mas optei por ficar [com o novo cargo]. Será melhor para o meu crescimento. Por outro lado, foi gratificante ver o comportamento dos alunos quando disse que ia sair. Eles fizeram uma festinha de despedida para mim na sexta-feira e todos choraram muito… Vou sentir muitas saudades.

A notícia enviada por Joyce realmente é triste. Representa falhas em

vários níveis do sistema educacional, a perda de uma profissional que poderia

crescer ainda na profissão de professor e a perda pela sociedade de uma

professora promissora, ainda em fase de formação, que demonstrou vontade

em participar desta pesquisa.

O estado do ensino-aprendizagem de LI na escola pública, para pegar

emprestada uma metáfora empregada por vários atores da escola EMVG,

“espelha” o estado do ensino-aprendizagem em geral. Isto é, a maioria das

dificuldades encontradas no contexto dessa escola é compartilhada por outros

107

professores e atores da escola. Indica a necessidade de pensar além das

disciplinas individuais e “arregaçar as mangas” para efetivar melhorias que

beneficiam a todos. Partir do pressuposto de que dificuldades representam

oportunidades é um bom começo. O desafio é engajar a sociedade nessa luta.

Neste capítulo, apresentei três crenças que partiram do ponto de vista

da professora participante, relacionadas às crenças de outros atores da escola.

Além da voz da professora de inglês, as vozes de alunos, outros professores,

os coordenadores e a diretora da escola foram ouvidas. As três crenças

funcionaram como temas para delimitar os desafios enfrentados no contexto

escolar, mas em especial, em relação ao ensino-aprendizagem de inglês na

escola pública. A forte relação crenças-contexto ficou ainda mais evidente

quando as três crenças apresentadas nesta dissertação são postas em

relação. Essa relação é ao mesmo tempo bidimensional, na forma de forças

conservadores e renovadores, e multidimensional, pois traços de cada uma

dessas crenças aparecem nas palavras de vários dos atores da escola EMVG.

A relação crenças-contexto se faz relevante ao estado atual de ensino-

aprendizagem de LI, pois é reveladora dos desafios a serem superados se

envisionarmos melhorias no processo educacional.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Dedico este capítulo a uma reflexão sobre a pesquisa relatada aqui,

além de algumas considerações que espero não sejam verdadeiramente finais.

Ao contrário, acredito que indicam oportunidades relativas ao ensino-

aprendizagem de LI no Brasil. O enfoque de minha pesquisa foi um contexto

específico, com desafios específicos. Desta maneira, receio fazer grandes

generalizações que talvez não se apliquem a outros contextos. Ainda assim, a

escola é representativa da nossa sociedade, o que indica que haverá

semelhanças entre esse contexto e os desafios a serem enfrentados em outros

contextos escolares. As paredes da escola não protegem aquele espaço dos

discursos e crenças que circulam na sociedade. O que fica claro é que a luta

para melhorias no contexto escolar não pode ser uma luta individual. É

necessário (re)conhecer as crenças dos atores da escola e sua função como

ferramentas de interpretação que embasam as opiniões, atitudes e ações

desses indivíduos. Além do mais, é preciso entender que as crenças do

indivíduo estão relacionadas às crenças do coletivo. Algumas crenças

dominam o espaço escolar; outras fazem a contrapartida e desafiam a maneira

dominante de pensar sobre esse contexto. É nesse espaço, entre as crenças

dominantes e as crenças desafiantes, que se abrem oportunidades para

mudanças que podem levar a melhorias na escola pública brasileira, e, espera-

se, no ensino-aprendizagem de LI.

5.1 Resumo da pesquisa

Ao empreender esta pesquisa, eu quis entender quais são as crenças

que embasavam a prática de uma professora de LI que atuava na escola

pública e a maneira como suas crenças se relacionavam com o contexto

escolar, que inclui os outros atores, e reflete o contexto maior da sociedade.

Por meio de uma pesquisa qualitativa, de cunho etnográfico, três crenças que

embasaram a atuação da professora participante foram identificadas e

interpretadas por meio do processamento metafórico (Kramsch, 2003): a

crença na falta de base educacional/intelectual dos alunos, a crença na

necessidade de ajudar os alunos a serem bons cidadãos e a crença na falta de

109

apoio no contexto escolar. Ao relatar as descobertas sobre essas crenças,

tomei como ponto de partida as palavras da professora participante,

relacionando-as às palavras de outros atores da escola. Alguns atores da

escola apresentaram crenças que refletiam as crenças da professora

participante, embora de forma mais ou menos aguda. Outros atores

apresentaram crenças contraditórias, representativas de tensões presentes

nesse contexto escolar. Pode-se dizer também que as crenças identificadas

nesta pesquisa refletem discursos que circulam na sociedade brasileira, e que

se tornam temas abordados em documentos oficiais e pesquisas.

Autores como Moll (2000), Santos (2005) e Dias (2006) mostraram que a

crença que desqualifica a habilidade de alunos aprenderem é uma crença que

circula em vários contextos escolares, em Mato Grosso e no Brasil. No

contexto específico da EMVG, Joyce, a professora participante, se preocupava

com a habilidade de seus alunos entenderem a metalinguagem que ela

empregava ao ensinar sobre o sistema gramatical da LI, pois segundo ela, os

alunos não tinham esse conhecimento na sua própria língua, o que

representava para ela uma dificuldade de aprendizagem por parte deles. Essa

crença está relacionada às forças e ameaças indicadas no PPP da escola, em

que docentes qualificados estão justaposicionados a alunos carentes com

pouco preparo para o ensino formal, e ao discurso de outra professora, Magda,

que vê os alunos como sem criticidade, desatentos e alheios a tudo. A ligação

entre essa crença e o método de ensino de Joyce, baseado no paradigma de

transmissão de conhecimento, em que o professor é visto como o ator central

na sala de aula e que a levava a ensinar “fórmulas” para evitar que os alunos

errassem, era suficientemente forte para que ignorasse a tentativa de um

aluno, Álvaro, relacionar o que estava aprendendo ao que já sabia da LI.

De contrapartida, a voz da professora Maíra serviu para mostrar que

essa crença, enquanto dominante, não foi compartilhada por todos no contexto

da EMVG. A carência dos alunos, segundo ela, é que eles não recebem

incentivo suficiente para estudar, o que indica, de certa maneira, uma ligação

com a terceira crença, de que faltava apoio em vários níveis no contexto

particular da EMVG. Sendo que uma das funções da educação formal é formar

cidadãos para atuar na sociedade contemporânea, pode-se questionar se

também não faltava o exercício da cidadania por parte dos professores em

relação aos alunos, em relação à falta de incentivo expressa por Maíra, e a

110

outro trecho do PPP da escola que salienta a necessidade de respeitar

diferenças individuais de aprendizagem.

A cidadania é tema abordado por autores como Moll (2000) e Dias

(2006), e em documentos oficiais como os PCN (Brasil, 1998) e o PPP da

escola pesquisada, especialmente em referência à inclusão social. Moraes

(1997) constrói a questão da cidadania em relação ao que chama da era de

relacionamento. Porém, Joyce citou a cidadania como preocupação por outros

motivos. Para ela, ensinar bons costumes e como agir em situações formais,

como a sala de aula, não significa a inclusão social de seus alunos, mas

representa a disciplina em sala de aula. Na visão de Joyce, controlar a turma

era mais importante de que ensinar a própria matéria pela qual foi responsável.

A “fórmula” da aula expositiva representava, metaforicamente, disciplina e

controle. E, de maneira semelhante à primeira crença, Joyce desqualifica os

alunos, adicionando agora suas famílias como possuidoras de conhecimentos

apenas básicos. Os alunos “espelham” a falta de bons costumes de suas

famílias. A falta de disciplina é tomada de forma mais aguda pela a professora

Gleice, que interpreta as ações de seus alunos como um desinteresse total no

processo educacional. A crença dela, enquanto se relaciona à crença de

Magda de que os alunos são alheios a tudo, é mais preocupante. A crença de

Gleice também se reflete no método de ensino escolhido. No entanto, esse

método não visa à aprendizagem dos alunos, e sim, ao castigo deles. De

maneira semelhante, Maíra denuncia que outros professores já desistiram de

ensinar seus alunos e como consequência, pouco planejam, pois qualquer

coisa que deixa os alunos felizes é suficiente para a aula. Cria-se um ciclo

vicioso de desinteresse entre os alunos e professores, em que alunos se

ausentam psicologica ou fisicamente das aulas e em que professores não se

empenham em planejar aulas que convidam os alunos a se engajarem no

processo de ensino-aprendizagem.

No entanto, a experiência na EMVG mostrou que os alunos podiam ser

disciplinados e que estavam interessados no que acontecia na sala de aula.

Assim como Álvaro demonstrou interesse em conectar seu conhecimento

prévio ao que estava aprendendo; os alunos da turma 8D, que participavam do

projeto de ensino baseado em histórias em quadrinhos, demonstraram

interesse em se organizarem para fazer discussões, sair da rotina da aula

expositiva, descobrir a linguagem e fazer projetos interdisciplinares, como

111

também expressaram preocupação em relação aos alunos que não tinham se

engajado no projeto. Esse posicionamento, por parte dos alunos, apoia o ponto

de vista de Maíra, que talvez só falte um pouco mais de incentivo, e indica que

há muito mais que pode ser feito na escola pública.

O tema de cidadania inclui a questão da violência escolar. Como em

qualquer área da sociedade, a EMVG não é imune a problemas que podem

culminar em atos violentos. Os atos relatados nesta dissertação ocorreram

entre alunos, alguns mais intensos de que outros. Entre os atos violentos

relatados, um aluno foi espancado por alunos que não conhecia; outra aluna foi

ameaçada de morte por uma colega dela. Ainda assim, em comparação a

outras escolas, a coordenadora, Cida, ressaltou que os problemas da EMVG

eram menores. Segundo ela, muitos professores procuravam trabalhar naquela

escola porque era como estar no céu em relação aos problemas enfrentados

por professores de outras escolas. Porém, o fato de os professores sentirem

que trabalham numa escola segura não diminui a falta de segurança para os

alunos que parece vir de seus próprios colegas.

O ciclo vicioso entre professor e aluno apontado acima reflete, porém em

outro nível, o ciclo vicioso descrito por Almeida Filho (1992), em que a

formação inicial de professores na área de LA é designada como deficiente, o

que impede o professor de fazer um trabalho bem feito em sala de aula, e,

portanto, impede que o aluno aprenda LI. A tensão entre professor e aluno,

assim como a violência, são sintomas da falta de apoio que aflige vários níveis

do contexto da EMVG. A preocupação de Joyce, no entanto, é a falta de

material que sofre por ser professora de uma área de conhecimento

desvalorizado. Ela se sente duplamente esquecida, primeiro pelo governo

federal e segundo, pela Direção da escola. A “inclusão social” da disciplina de

LI é negada; quem ensina e aprende LI fica nas margens do apoio recebido

pelas outras disciplinas. Um aluno, Fabiano, também destacou a necessidade

de ter materiais didáticos que pudesse manipular e que o ajudaria a entender

melhor a LI. Mas se o governo federal não pode responder imediatamente a

essa falta, a Direção da escola pode explicar porque faltam materiais.

Simplesmente falta o apoio da Secretaria de Educação local, que promete

recursos, especialmente na forma da ampliação do espaço escolar, mas não

cumpre suas promessas. Consequentemente, a Direção da escola se

112

responsabiliza para construir o que falta na escola, como uma biblioteca

adequada à pesquisa de alunos.

A falta de apoio no contexto da EMVG não é só material. Segundo Maíra

e o PPP da escola, também falta apoio mútuo entre os professores. Enquanto a

Maíra vê os próprios professores como “alheios” aos desafios da profissão e

sente que os professores devem agir mais rapidamente sobre eles, os autores

do PPP reconhecem que isso não é sempre possível, pois há professores que

precisam complementar a renda familiar trabalhando em outros períodos. Os

autores do PPP concedem, entretanto, que falta comunicação e um senso de

comunidade entre os professores, pois alguns tomam decisões sem consultar o

grupo. A Maíra se coloca na posição de um desses professores, salientando

que no momento em que ela mais precisa de apoio, ela pode contar com

poucos colegas. Segundo ela, há professores que vêem seus colegas como

concorrentes, o que atrapalha o trabalho coletivo.

Joyce também levantou a questão da concorrência entre professores,

embora relacionada à avaliação anual do professor, que depende na contagem

de pontos e está relacionada também à formação continuada do professor. Ela

indicou que a formação continuada serve para acumular pontos para poder

ficar em primeiro lugar após a contagem de pontos, para que o professor possa

escolher as melhoras horas e turmas. Segundo ela, é o profissionalismo do

professor que rege a “aplicação” do que o professor aprendeu no percurso da

formação continuada. Ou seja, não existe nenhuma política que apoia o

professor na sua busca de melhorar seu método de ensino ou buscar outros

meios de introduzir melhorias na sala de aula. O coordenador da EMVG,

Wilson, confirmou a existência desta concorrência, embora tenha destacado

que acontece mais entre professores não-efetivos. Ele, e a diretora da escola,

Diane, acreditavam que o professor, como profissional, levaria a formação

continuada a sério, salientando que a autoavaliação do professor seria

suficiente para garantir isso. Ainda assim, admitiram que mesmo se a

Coordenação da escola quisesse avaliar o professor em sala de aula, estariam

sobrecarregados de funções, pois faltavam profissionais na escola para

desempenhar todos os papéis que a Coordenação acumulou.

A interpretação de dados se baseou no processamento metafórico

(Kramsch, 2003). O que se destacou após identificar as crenças que pareciam

embasar a atuação da professora participante foi a tensão que existe entre

113

opiniões, atitudes e ações conservadores e renovadores. Assim, acredito que

foi importante ouvir não só a opinião da professora participante, mas de outros

atores da escola, além de pesquisar documentos oficiais pertencentes à

escola, para ter uma visão mais ampla da maneira em que essas crenças se

relacionam com o contexto em que se apresentam. As três crenças

apresentam fatores interrelacionados. Podem ser descritas como existindo em

rede (Barcelos, 2000), mas também sofrem um movimento centrípeto-

centrífugo, às vezes inclinando-se ao lado mais conservador, outras vezes

oscilando-se ao lado renovador. É nesse movimento que se pode levantar as

inquietações dos atores da escola e buscar as oportunidades para responder a

elas.

5.2 Contribuições da pesquisa à LA

As três crenças levantadas por meio desta pesquisa refletem

inquietações ao mesmo tempo individuais e coletivas. Assim, essas crenças

podem ser vistas como representantes de alguns dos problemas que o ensino-

aprendizagem de LI enfrenta na escola pública atual. Conforme apontado no

Capítulo 2, vários autores da área de LA se preocupam com a imagem precária

que o ensino-aprendizagem de LI carrega. Por meio desta pesquisa, fica

evidente que vários problemas que o professor de LI enfrenta não são

facilmente remediados, pois o trabalho docente depende da qualidade de

relacionamento entre o professor e o aluno, entre colegas, entre o professor e a

administração da escola e assim adiante. Embora o professor seja deixado ao

seu profissionalismo para desempenhar seu trabalho baseado no que

aprende(u) durante sua formação, e, embora a atuação em sala de aula seja

vista como um trabalho individual, o trabalho que o professor desempenha

sofre influência do contexto em que atua. Isso implica que qualquer

empreendimento do professor sofrerá esta influência.

Como consequência, duas questões relativas ao estado atual de ensino-

aprendizagem de LI na escola pública se destacam: a da retenção de

professores na profissão e a da relevância da formação continuada. As três

crenças apontadas por Joyce, se não podem ser indicadas como o motivo de

desistir da profissão após entender que não teria como conciliar sua atuação

como professora e as responsabilidades do novo cargo, podem ser listadas

114

como fatores que certamente a levaram a preferir mudar de profissão. Assim, a

questão da retenção de professores tem de levar em consideração, além de

melhorias nas condições de trabalho, inclusive horário e salário, as condições

interpessoais presentes no contexto em que o professor atua. É uma questão

que abrange tanto a área de LA quanto a área de Gestão Educacional, e,

portanto, deve ser reconhecida como uma preocupação legitima. Quer dizer, é

preciso valorizar o professor e a matéria que ensina, seja qual for, fornecendo

as condições necessárias para que o professor possa desenvolver seu trabalho

com dignidade. O papel da administração escolar nesse empreendimento é

imprescindível.

A formação continuada oferece ao professor a oportunidade de

aprimorar-se de várias maneiras, dependendo do tipo de evento de que decide

participar. As oportunidades abrangem seminários, congressos, cursos de curta

ou longa duração e pesquisa em sala de aula, entre outras. No entanto, ainda

há fatores que impedem que a formação continuada tenha um impacto maior

na sala de aula. Professores enfrentam dificuldades em participar de eventos

que acontecem durante o dia escolar, como seminários, ou tem de se

desdobrar para assistir a aulas no seu tempo livre. O professor que empreende

uma pesquisa em sala de aula, se não se inscrever num evento para

comunicar suas descobertas, não receberá nenhum certificado que possa ser

entregue para a contagem de pontos. Além do mais, empreender uma

pesquisa pode tomar muito tempo e se tornar uma opção inviável para muitos.

Entretanto, o que pode representar um empecilho maior do que esses

são as crenças de outros atores da escola. A maneira de pensar sobre a escola

e o que aí acontece influencia a atuação do professor. Assim, adequar os

conceitos da formação continuada à sala de aula pode ser mais do que uma

questão do profissionalismo do professor. Por isso, é importante entender a

relação entre crenças e contexto, para que o professor possa avaliar a

viabilidade de projetos profissionais. Mais uma vez, o papel da administração

escolar no apoio ao professor é imprescindível se visar a melhorias no

processo de ensino-aprendizagem.

A identificação de crenças compartilhadas no contexto escolar auxilia no

entendimento de onde existem tensões e limites que influenciam a retenção de

professores e a formação continuada. Talvez pareça óbvio, mas no sentido do

senso comum, o que um indivíduo pensa (acredita) influência os outros ao seu

115

redor. Assim, acreditar, por exemplo, que o aluno não tem condições de

aprender pode ter consequências desastrosas para o aluno. O professor que

vê seu aluno desta maneira corre o risco de negar ao seu aluno, ainda que

inconscientemente, a oportunidade de provar que é capaz de aprender. Uma

mudança de ponto de vista, proporcionada pela formação continuada, pode ser

a chave para enfrentar os desafios do contexto escolar e auxiliar na retenção

de profissionais já capacitados. Ou seja, a adoção de uma atitude otimista, em

que os problemas que surgem no contexto escolar são vistos como

oportunidades, pode ser um passo importante para a implementação de

mudanças na escola pública e no ensino-aprendizagem de LI. Uma

proximidade maior entre a escola e a universidade, por meio da formação

continuada, pode amenizar os desafios, deslocando os limites do que pode ser

feito na escola pública, especialmente se for levada em consideração a

importância de entender a relação crenças-contexto.

5.3 Implicações para pesquisas futuras

Recentemente, a pesquisa de crenças na área de LA tem levado o

contexto em consideração como fator importante para a formação, manutenção

e possível mutação de crenças (Barcelos, 2006). Nesta pesquisa, a

investigação da relação entre crenças e contexto foi primordial para melhor

entender o que significa ser professor de LI no Brasil, além de entender as

escolhas metodológicas da professora participante. Ser professor de LI no

Brasil, hoje, significa trabalhar sob condições que tem sido descritas como

precárias e altamente desafiantes. Não é fácil superar os obstáculos

enfrentados no contexto escolar. Assim, o professor que atua de maneira

tradicional, oferecendo aulas expositivas com pouca interação entre alunos,

pode encontrar bastante dificuldade em introduzir atividades que incidam sob o

paradigma de construção de conhecimento, que requer bastante interação. O

“controle” da turma pode ser, como apontado por Joyce, uma preocupação

legitima quando o professor não é mais visto como o único detentor de

conhecimento. Encorporar práticas que visam à construção de conhecimento

pode ser desconfortável para professores que estudaram sob a égide do

paradigma de transmissão de conhecimento, pois descentraliza o poder na sala

de aula.

116

Assim, além de sugerir temas de pesquisa que incorporam a

investigação de crenças, julgo pertinente adicionar alguns que questionam o

posicionamento do professor e/ou a escola como um todo, frente aos desafios

atuais do ensino-aprendizagem. Uma possibilidade reside em levantar o que

tem sido feito na escola pública, em relação ao ensino-aprendizagem de LI e

ao paradigma de construção de conhecimento, ultimamente. Quem são os

professores que estão planejando suas aulas, priorizando a construção de

conhecimento? O que significa uma aula tradicional para eles? Quais são os

desafios que enfrentam? Quais crenças estão relacionadas à escolha de

paradigma?

Outra possibilidade é investigar como os alunos se adaptam a um

paradigma de ensino diferente. O ponto de vista do aluno é ignorado muitas

vezes, ainda que ele seja o motivo pelo qual existe uma escola. Desta maneira,

seria esclarecedor entender quais crenças auxiliam ou impedem alunos a

aceitarem mudanças metodológicas em sala de aula, além do papel das

crenças do professor, dos colegas e outros atores da escola em influenciar a

aceitação ou rejeição dessas mudanças.

Ainda que a escola seja vista atualmente como um espaço

democrático, sua gerência depende da hierarquização de funções, com a

Direção da escola no topo dessa hierarquia. Quando existem crenças

incongruentes que criam obstáculos ao funcionamento da escola, como

resolvem esses conflitos para que aqueles com menos poder dentro do espaço

escolar se sintam valorizados? Qual é a influência no ensino-aprendizagem de

LI nesse contexto?

O MEC (Brasil, 2006) instituiu uma política nacional de formação

continuada e publicou um catálogo de cursos desenvolvidos por universidades

que pertencem à Rede Nacional de Formação Continuada de Professores de

Educação Básica. Quais desses cursos são desenvolvidos especificamente

para o professor de LI? De que maneira são definidos e desenvolvidos esse

cursos? Levam em consideração a relação crenças-contexto com que o

professor se depara no seu quotidiano? Que tipo de apoio adicional é ofertado

ao professor depois de terminar um curso oferecido por uma universidade

dessa rede?

Esses temas representam reflexões e questionamentos que foram

levantados durante esta pesquisa, mas que não cabem aqui. São temas que se

117

voltam ao ensino de LI, ao paradigma de construção de conhecimento, às

crenças no contexto escolar e à formação continuada do professor de LI, todos

temas relevantes à compreensão de fatores que possam influenciar a atuação

do professor de LI.

5.4 Desafios pessoais e profissionais

O empreendimento da pesquisa apresentada aqui foi uma escolha ao

mesmo tempo pessoal e profissional. Como tal, considero que as repercussões

desta pesquisa me tocaram nos dois níveis. Enquanto minhas perguntas de

pesquisa enfocaram as crenças que nortearam a prática de uma professora de

LI na escola pública e a relação dessas crenças com o contexto, elas serviram

para que eu pudesse refletir sobre o que significa ser professor de LI no

contexto brasileiro, algo que antes não era prioridade minha. Assim, com o

decorrer da pesquisa, comecei a questionar como eu agiria se estivesse no

lugar de Joyce. Será que eu seria capaz de lutar para melhorias no contexto

escolar ou de resistir a crenças que impedem essas melhorias? Será que eu

não escolheria a abandonar a profissão, se conseguisse um cargo melhor

remunerado, sendo que quase abandonei a profissão uma vez? Será que eu

poderia responder às necessidades dos meus alunos? São três perguntas

entre muitas sobre as quais eu reflito diariamente.

Por enquanto, não tenho respostas fixas a todas minhas inquietações. À

primeira questão, acho que minhas tentativas anteriores de me envolver na

vida escolar, nos Estados Unidos, são representativas da luta para melhorias,

ainda que eu tenha sentido na pele que nem sempre houvesse sucesso. À

segunda questão, posso afirmar que eu me identifico muito com a profissão de

professora e acho muito improvável, hoje, que eu a abandone, embora mudar

de profissão tenha sido minha intenção anteriormente. A oportunidade de

participar de dois cursos de formação continuada, um lato sensu e o outro

stricto sensu, me fortaleceu profissionalmente e me propiciou ferramentas para

enfrentar os desafios da profissão. À terceira questão, eu diria que minha

expectativa é de poder responder às necessidades mais agudas de meus

alunos, embora saiba que seja impossível responder a todas elas. Espero ter a

sabedoria de poder identificar e lidar com essas necessidades. Outros

questionamentos meus, no entanto, terão de esperar respostas mais concretas,

118

pois só poderão ser respondidos de dentro de um contexto escolar. O desafio é

de não ficar acomodada com a maneira como as coisas estão. Isso requer um

posicionamento tanto profissional quanto político (Leffa, 2005) em relação ao

ensino-aprendizagem de LI, algo que a formação continuada também

proporcionou para mim.

Voltando a atenção para a pesquisa apresentada aqui, enfrentei alguns

desafios e tive de tomar decisões que não tinha certeza que fossem certas. Por

exemplo, ao iniciar minha pesquisa, pretendia desenvolvê-la de forma

colaborativa. No entanto, quando percebi que a pesquisa estava tomando uma

direção diferente daquela desejada, optei para desenvolver uma pesquisa de

cunho etnográfico, em que faria o papel de observadora participante. Essa

escolha mudou o rumo da minha pesquisa, levando-me a elaborar novas

perguntas. Podia ter resistido e produzido uma pesquisa completamente

diferente daquela apresentada aqui. Após ter mudado a concepção inicial da

pesquisa, outra opção teria sido incluir, como Dias (2006), a voz de pais na

pesquisa. Entretanto, situei minha pesquisa dentro do espaço escolar, onde se

encontravam poucos pais. Aqueles que estavam presentes, como explicado

anteriormente, estavam lá sob condições que podiam ter causado

constrangimento, portanto julguei melhor omitir essas vozes. Finalmente,

admito que houve problemas com o registro de dados, no sentido de não poder

cumprir um dos meus objetivos, que era gravar, senão todas, algumas aulas de

LI em vídeo para reflexão posterior, em conjunto com a professora participante.

Uma tentativa nessa direção foi feita. No entanto, problemas com equipamento

impediram a possibilidade de gravação em vídeo.

Neste capítulo, resumi as descobertas da pesquisa relativas ao ensino-

aprendizagem de LI. A relação entre crenças e contexto mostrou ser uma forte

influência na atuação da professora participante, o que indica a necessidade de

levar essa relação em consideração ao levantar os desafios que o professor

dos dias atuais enfrenta. Na área de LA, é necessário focalizar a relação

crenças-contexto escolar com vistas à retenção e à formação continuada do

professor. Vários temas para pesquisas futuras também foram levantados

durante a pesquisa e apresentados aqui. A investigação desses temas pode

enriquecer o conhecimento que temos sobre o estado atual do ensino de LI no

Brasil. Finalmente, apresentei alguns desafios pessoais e profissionais que

119

enfrento(ei) como professora-pesquisadora que têm servido e continuarão a

servir para reflexão sobre o que é ser professor de LI nos tempos atuais.

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