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O ENSINO MÉDIO DA REDE PÚBLICA NO VALE DO RIBEIRA/PARANÁ:

Realidade Social e o Trabalho Pedagógico no Colégio Estadual Princesa Isabel

em Cerro Azul.

Autor: Luiz Augusto Alves Barbosa1

Orientador: Gracialino da Silva Dias2

Resumo

Este trabalho aborda a relação do projeto pedagógico do Ensino Médio com o

desenvolvimento local. Pesquisou-se sobre as condições de trabalho nesse nível de

ensino, a partir da perspectiva dos estudantes, quanto à continuidade dos estudos e

aos processos de desenvolvimento social do município. Verificou-se entre os

professores qual era o entendimento sobre a relação do projeto pedagógico do

Colégio com outras políticas públicas de desenvolvimento local. A investigação

abrangeu também os segmentos: pais de alunos e gestores locais de políticas

públicas. Partiu-se da compreensão que a educação precisa articular-se com os

processos socioetécnicos e das relações sociais de produção para poder,

efetivamente, cumprir o seu papel de formadora com base nos conhecimentos

científicos, técnicos e culturais. Os estudos comprovam que o Colégio apresenta

dificuldades para se articular, em termos da sua proposta pedagógica, com a

dinâmica social, política, produtiva e cultural da comunidade. A defesa teórica de um

projeto político-pedagógico, articulado com o desenvolvimento local,

correspondendo aos vínculos da educação com o mundo do trabalho, a prática

social e o exercício da cidadania, é o que indica a produção deste artigo, como uma

modesta contribuição para a qualidade da educação pública do Estado do Paraná.

Palavras-chave: Conhecimento Científico; Compromisso Social; Formação

Humana.

Introdução

1 Licenciado em Educação Física, Especialista em Processos, Ensino e Aprendizagem. Professor Participante do Programa de Formação Continuada – PDE, da Secretaria de Estado da Educação do Paraná, pela Universidade Federal do Paraná.

2 Historiador; Mestre em Educação e Trabalho; Doutor em Educação: Estado, Política e Sociedade. Professor Associado I do Departamento de Planejamento e Administração Escolar do Setor de Educação da Universidade Federal do Paraná.

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Este artigo é resultado de uma pesquisa realizada no Colégio Estadual

Princesa Isabel, da rede pública do Paraná, localizado no município de Cerro Azul,

na Região Metropolitana de Curitiba. É parte das investigações e dos estudos

realizados na Universidade Federal do Paraná no desenvolvimento do Programa de

Desenvolvimento Educacional – PDE, da Secretaria de Estado da Educação, no

período 2010-2012. Esses estudos caracterizam-se como uma pesquisa realizada

pela junção de vários meios, compreendendo: estudos exploratórios; análise de

documentos; pesquisa de campo; pesquisa-ação; observação participante e vivencia

com os sujeitos e o ambiente pesquisado.

Em cumprimento às definições legais, Lei 9394/96, à escola cabe a

construção e o desenvolvimento do seu Projeto Político Pedagógico - PPP, em

correspondência com os planos e diretrizes da educação. Esse compromisso facilita

a implantação de um processo de ação-reflexão, que exige o esforço conjunto e a

vontade política da comunidade escolar. Ou seja, são necessários instrumentos

democráticos que criem uma relação dialógica entre os diversos segmentos, tanto

os que trabalham quanto aqueles para os quais se destinam a escola.

Esse é outro princípio definido pela mesma Lei, o da gestão democrática da

escola. Uma gestão sem a qual a escola não será capaz de cumprir a sua função

essencial: socializadora dos conhecimentos científicos e culturais acumulados pela

humanidade. Uma instituição será formadora somente se os seus membros têm

consciência disso, ou seja, do trabalho que realizam destinados ao fim da formação.

A democracia, o diálogo franco, a crítica e a auto-crítica são, portanto, categorias

que podem explicitar o método da realização democrática.

Ao realizarmos este trabalho, partimos da compreensão registrada em vasta

literatura (VEIGA e RESENDE, 1998); (LIBÂNEO, 2001); (PARO, 1996);

(VASCONCELLOS,1996), dentre outros, que o projeto político pedagógico deve ir

além dos conteúdos, competências e habilidades, ali inseridos, é um rumo, uma

direção. É uma ação intencional, com sentido, com compromisso definido

coletivamente.

Sendo, portanto, uma ação de caráter político, o PPP não pode ser construído

de modo alheio em relação à realidade social na qual a escola está inserida. Dessa

realidade faz parte o desenvolvimento social, ou a falta deste. A escola precisa estar

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engajada com este desenvolvimento, ou seja, com a dinâmica social, política e

produtiva e cultural da comunidade.

Partindo dessa compreensão, esta pesquisa procurou investigar a

participação e o envolvimento dos docentes com relação ao PPP, articulando-o com

o desenvolvimento local, identificando os possíveis vínculos, ou a falta destes, da

proposta pedagógica com o mundo do trabalho, a prática social e o exercício da

cidadania.

Para uma ação eficiente e eficaz, uma escola necessita de ideias pra realizá-

las na prática e processos de planejamento para que esta realização seja o mais

exata possível, dentro das possibilidades e limites, considerando, como essencial o

processo de busca, e, portanto, a presença de acertos e erros.

Não há outra Instituição mais habituada às condições de trabalho do que a

escola, em qualquer dos seus níveis e independente de sua natureza jurídica. A

relação do sujeito com o ambiente escolar faz parte do cotidiano, define o clima de

reuniões diversas de caráter pedagógico, é presença constante nas salas de aula e

marca os momentos decisivos do tempo institucional por meio dos rituais das provas

e exames. Não é desse acompanhamento regular e sem tréguas do rendimento de

cada estudante isoladamente a que normalmente se dedicam as escolas, não é

apenas da relação do trabalho, do compromisso social, mas da formação humana e

da aprendizagem que se trata o texto em si. A realidade social e o trabalho

pedagógico que é o objeto central deste texto ultrapassa amplamente a questão das

aprendizagens individuais e busca a compreensão das relações e das estruturas.

A realidade social e o trabalho pedagógico deve ser um empreendimento

coletivo que busca compreender os sentidos dos múltiplos e até mesmo

contraditórios processos relacionais que produzem a avaliação. Um PPP que leve a

uma orientação qualitativa, fundamentado sobre a realidade concreta do mundo real

e alimentado por uma teoria científica que sustente as concepções de aprendizagem

e educação, ou seja, sem perder de vista os valores humanos universais da ética e

da solidariedade, perdidos em função da lógica da mercadoria quem se apodera da

subjetividade e da alma das pessoas sob o capitalismo.

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É importante insistir que o PPP não é instrumento de medida de atividades de

indivíduos isolados, nem de trabalhos descolados de seus meios de produção; não é

mecanismo para exposição pública de fragilidades ou ineficiência de profissionais

individualizados. Ele é construído na realidade social deve ser promovido como um

processo de caráter essencialmente pedagógico há que reconhecer as formas e a

qualidade das relações na instituição, mas também constituir as articulações,

integrar as ações e relacionar às estruturas internas do contexto escolar a realidade

inserida.

Partindo desses pressupostos, o desenvolvimento deste Artigo está

estruturado três partes. A primeira corresponde à análise de base teórico-conceitual,

enfocando: algumas características do tipo de capitalismo brasileiro e sua relação

com a educação; e a relação entre educação e trabalho. Na segunda parte disserta-

se sobre a problemática da relação da organização escolar e da educação com o

desenvolvimento local. Nesta parte são aborda-se uma breve análise sobre os

indicadores sociais da Região onde o Colégio está inserido e sobre a realidade, do

ponto de vista da estrutura e do funcionamento, do Colégio. Na terceira e última

parte, são apresentados os principais resultados da pesquisa de campo e da

inserção prática no processo de desenvolvimento pedagógico realizada durante o

Curso do PDE. Nela contém o relato da pesquisa com os professores, os estudantes

e os pais de alunos do colégio. Por fim, nas considerações finais são apresentadas

as sínteses do autor sobre a relevância do estudo realizado, bem como são

indicados outros temas, estimulados dentro por este trabalho, para a realização de

estudos e pesquisas mais aprofundados no futuro.

1. Pressupostos Teóricos do Estudo

1.1 Capitalismo brasileiro e educação

A realidade da sociedade brasileira ao concluirmos a primeira dúzia de anos

do Século XXI é marcada por profundas desigualdades sociais. O Brasil embora seja

objeto de noticiários como a 5ª Economia do Mundo tem um dos mais baixos

salários entre todos os países do planeta, tem uma das mais altas taxas de

concentração de renda do mundo, grande parte da sua população sofre ainda de

doenças pré-capitalistas como dengue, malária, etc. e a pior de todas as doenças 4

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que é a fome que atinge quase um terço da sua população subnutrida e desnutrida,

exposta a um conjunto muito grande de doenças infectocontagiosas; conta com mais

de um milhão de crianças em idade escolar fora da escola. Se há muito avanços em

alguns polos, há um enorme atraso em outros. Isso serve tanto do ponto de vista

científico, tecnológico, como produtivo, de consumo, etc. Enquanto a classe dos

mais ricos pode usufruir de altos recursos tecnológicos em suas condições materiais

de vida, saúde, educação, etc. o povo trabalhador brasileiro sofre, por vezes, a

humilhação perante a ausência de políticas públicas de saúde, educação, trabalho e

renda.

Essa situação é produto dos cinco Séculos e tantos de história, desde a

conquista efetuada pelos portugueses sobre os povos nativos, passando pelo

sistema de colonização escravista em passado mais distante e semicolonização nos

períodos mais recente, inclusive nos dias atuais, em face do regime de dominação

imperialista à qual o nosso país se encontra subordinado. O nosso grande país se

limita à produção de bens de commodities para a exportação tais como madeira,

minérios de ferro, café, fumo, açúcar, soja, carne, etc. Para isso opera-se um

verdadeiro saque da natureza com a imposição do monocultivo em detrimento da

biodiversidade, destruída, associada à concentração da terra e a manutenção do

sistema latifundiário, operando uma reforma agrária ao contrário, com a expulsão

dos camponeses pobres, sem terra ou com pouca terra, do campo, indo, em muitas

ocasiões, formar o “exército de miseráveis” nas periferias das cidades.

Este é um pequeno retrato em preto e branco que oferecemos aos críticos da

leitura deste trabalho. Essa realidade pode ser constatada em todo o território

nacional e se mostra bastante concreta na região metropolitana norte de Curitiba,

principalmente sob o recorte do Vale do Ribeira no Paraná, onde fica situado o

Colégio palco da pesquisa que sustenta a realização deste trabalho.

Essa situação não afeta todos os brasileiros da mesma forma, visto que a

sociedade se encontra dividida em classes sociais. Sobre a educação, por exemplo,

pode-se afirmar a tese da divisão dualista entre dois tipos de organização escolar e

de ensino em geral: de um lado a “boa” escola para formar dirigentes; de outro, a

escola “pobre” para adestrar a mão de obra para servir ao tipo de capitalismo que

concretamente existe no país. Cunha (1995), Kuenzer (1995), dentre outros autores

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da pedagogia crítica, sustentam essa tese da dualidade educacional, a qual tem a

sua origem na divisão da sociedade em classes sociais. Esperar que no capitalismo,

as classes dominantes e exploradoras do povo e do trabalho alheio garantissem

uma escola igual para todos seria o mesmo que acreditar em estórias de fadas e

outras lorotas. A divisão do trabalho tem como consequência a divisão da educação.

Essa é a tese central da obra de Aníbal Ponce (2005).

É claro que esse processo é contraditório. A mesma escola criada pelas

classes dominantes para reproduzir socialmente e ideologia dominante, pode levar o

oprimido à conscientização e inclusive a rebelar-se contra o sistema. Essa

compreensão pode dar-se desde que ela seja claramente assumida pelos docentes

e desenvolvida por meio do PPP de uma escola, podendo assim conferir à educação

por ela desenvolvida um caráter libertador.

A educação institucionalizada em qualquer sociedade e em qualquer tempo

histórico das sociedades de classes sempre será a educação das classes

dominantes, como afirma PONCE (2005, p. 170-171): “Ligada estreitamente à

estrutura econômica das classes sociais, a educação, em cada momento histórico,

não pode ser outra coisa a não ser um reflexo necessário e fatal dos interesses e

aspirações dessas classes”.

Por contingências históricas, no entanto, quem opera a educação são os

membros das classes oprimidas pelo sistema, são os trabalhadores em educação

constituídos por professores, pedagogos e demais técnicos educacionais, os quais

sofrem as mesmas formas de exploração do sistema. Falta-lhes, no entanto, essa

consciência como consciência de classe. Em lugar de servir a sua classe leva uma

vida inteira de trabalho dentro da escola servindo aos seus inimigos de classe que

mantém o sistema de opressão, exploração, pautado pela conjugação do binômio:

acumulação versus miséria.

Resta a esperança de que os trabalhadores em educação no Brasil

compreendam, em bases científicas, as leis objetivas que regem o tipo de

capitalismo que domina a nossa sociedade e atuem sobre ela com o compromisso

ético, moral, político e pedagógica pela sua transformação.

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1.2 A relação entre educação e trabalho

A pedagogia crítica, sustentado pela teoria científica do materialismo histórico

e dialético, isto é, pelo marxismo, concebe a educação não como um fenômeno

“neutro”, isolado em si, desvinculado da realidade social e histórica da qual ela é

parte, como fazem os positivistas e os idealistas. Pelo contrário, o marxismo,

concebe a educação, e também a escola como instituição propriamente dita para a

realização da educação, como parte de um todo articulado e contraditório.

Partido desse entendimento, tal qual formulado por Saviani (1991), (2003), e

por Manacorda (1991), concebemos a educação como um processo social,

historicamente estabelecido, que tem a sua racionalidade determinada pela forma de

organização da sociedade.

Como a sociedade brasileira se encontra dividida em classes sociais, tal como

vimos na parte anterior deste Artigo, podemos afirmar seguramente que a educação

brasileira oferecida pelo sistema escolar está constituída de acordo com os

interesses das classes dominantes. As mesmas classes dominantes, que são

dominantes porque controlam os meios de produção e a riqueza, controlam

igualmente os instrumentos políticos representados pelo Estado. Controlam, desse

modo, as secretarias de Estado, todas elas, inclusive as da educação,

independentemente de quem quer que seja o/a secretária ou o governo, e por meio

dessa instituição, operam a educação para manter as estruturas do sistema intactas.

Uns governos apresentam formas diferentes querendo se passar como “avançados”,

porém todos seguem a mesma lógica: uma educação pobre para pobres e uma

educação rica para os ricos.

De onde vem essa determinação social da educação? Vem exatamente da

divisão da sociedade em classes sociais, cuja natureza pode ser encontrada na

divisão social e técnica do trabalho e da consequente divisão da sociedade em

classes sociais.

O princípio educativo do trabalho é base da organização curricular da

educação, desde a educação infantil até os cursos superiores, atingindo igualmente

a organização da pós-graduação. A fragmentação do conhecimento que está

presente na forma de organização curricular, por curso, de acordo com as ciências

disciplinares, tem a sua origem na divisão técnica e social do trabalho tal como

ocorre nas “linhas de montagem” da organização fabril.

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A pedagogia crítica conclama os educadores a verem além da aparência. Os

fatos isolados não têm explicação. A vida é multidimensional em todos os seus

aspectos, ou como afirmam os defensores da organização escolar mais coerente, o

aprendizado é interdisciplinar ou não é aprendizado.

Tomá-lo de modo isolado significa contradizer a natureza humana. É

domesticação, adestramento. Pelo contrário, tomá-lo de modo integrado é partir do

que é essencial na vida do ser humano e da natureza da qual ele faz parte.

Mas o que é essencial na vida do ser humano? Do ponto de vista marxista o

que é essencial na vida do ser humano é o trabalho. Trabalho não como mercadoria,

nem como “sacrifício”, nem como imposição de um conjunto de homens (classes

sociais) parasitas sobre outro conjunto de outros homens (classes sociais) que

vivem do seu próprio trabalho e sustentam os parasitas. O trabalho como essencial

na vida do ser humano é o trabalho livre, exercido sobre a natureza com o intuito de

produzir a vida, exercido com intercâmbio (troca) entre o homem e a natureza da

qual o homem é a sua extensão viva e precisa respeitá-la. Esse trabalho é exercido

tanto no ato de transformar a natureza para construir uma casa, no ato de

domesticar uma planta ou outro ser vivo para produzir alimento, como no ato de

produzir uma poesia uma composição musical para satisfazer o espírito humano.

Esse trabalho livre, que pode ser entendido como fonte da hominalidade do

homem; como fonte das linguagens matemáticas, físicas, sociais, artísticas, etc.

construídas pelo homem no ato de se relacionar com a natureza, é também a fonte

de todo o conhecimento. É, portanto, o princípio educativo do homem.

À pedagogia emancipadora cabe, portanto, lutar para assegurar as condições

materiais, sociais, políticas e culturais para que esse tipo de trabalho livre possa ser

realizado. O trabalho livre, como princípio educativo, como estamos sustentando,

não se realiza sob o reina da propriedade privada dos meios de produção, da lógica

da mercadoria domesticando a vida, da competição e da violência da opressão e da

exploração do homem pelo homem como é a lógica de funcionamento do

capitalismo.

Não se trata de regredir a história para a fase anterior à sociedade sem

classes. Trata-se sim de superar a sociedade de classes por uma sociedade sem

classes a partir de tudo o que de mais avançado a humanidade produziu em termos

científicos e técnicos. Essa sociedade só será constituída a partir da destruição do

modo de produção capitalista e do seu sistema de dominação e exploração do

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homem pelo que converte tudo em mercadoria inclusive a vida das pessoas do

nascimento à morte.

A ciência emancipa. A escola tem a função de socializar os conhecimentos

científicos, como formulamos na Introdução deste trabalho. Qual ciência emancipa?

A ciência verdadeira, despida de mito e magias. A ciência que possibilita o ser

humano “ler o mundo; ler-se no mundo; posicionar-se em face do mundo e

transformar o mundo” Dias (2011).

2. Desenvolvimento Local e Educação

O verdadeiro sentido da educação seria o desenvolvimento humano,

compreendendo o ser humano na sua historicidade. Um ser humano herdeiro de

toda a cultura e de todo o conhecimento produzido pela humanidade.

Compreendemos, portanto, neste artigo, a noção de desenvolvimento local

associando essa dimensão sociocultural, histórica e universal, com as

especificidades do cotidiano e da realidade local de cada comunidade: o local onde

vivem as pessoas. O local onde as pessoas produzem e reproduzem a sua vida

material, social e cultural. Não há, portanto, sentido falar em “desenvolvimento local”

sem levar em conta a situação mundial das condições de vida das pessoas de todas

as regiões do planeta, cultura, história e sociabilidade. Falar em “desenvolvimento

local” despido dessa compreensão universal, calcada na solidariedade, não passa

de egoísmo e corporativismo tribal, local, ou de algum grupo localista xenófobo.

Coloca-se sob essa perspectiva a noção de desenvolvimento produzida por

Castro (1968); (1969), para quem só há um desenvolvimento: “o desenvolvimento

humano”. Essa noção de desenvolvimento sofre uma contundente mutilação pelo

capitalismo – um regime do ódio, da competição, do individualismo e da

concorrência entre as pessoas, países, corporações comerciais e regiões: um

regime da lógica da mercadoria dominando a ética das pessoas. A ideologia do

capitalismo é incompatível com a noção de desenvolvimento humano, visto que

procura incutir para cada ser humano a condição de uma mercadoria. É sobre a

condição de mercadoria que os seres humanos se relacionam na sociedade

capitalista. Isso os impede de ver além do imediato, da “aquisição das mercadorias”,

a potencialidade do desenvolvimento humano.

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Sob esse contexto ideológico, político, econômico e cultural os educadores

encontram uma grande dificuldade em trabalhar o conceito de desenvolvimento, no

geral, e de desenvolvimento local, de modo particular.

O que seria o desenvolvimento local? Como esse conceito poderia ser

trabalhado no currículo da educação na escola básica?

Ao realizarmos este estudo em uma localidade, dentro de uma das regiões

mais pobres do Estado do Paraná, deparamos com a necessidade de articularmos o

trabalho curricular do ensino e da aprendizagem na escola – com os estudantes do

Ensino Médio – com a natureza do tipo de desenvolvimento local, ou da falta deste.

De acordo com registros do IPARDES (2007), “total de famílias pobres no território

do Ribeira, em 2000, era de 9.587, ou seja, 38% do total das famílias – indicador

bastante superior á média paranaense, de 20,9%. De modo geral, todos os

municípios apresentam taxas de pobreza extremamente elevadas, que chegam a

alcançar o dobro da média estadual” (p. 25).

Os dados, no mesmo documento, sobre o município de Cerro Azul, onde fica

localizado o Colégio pesquisado para a realização deste trabalho, revelam que de

um total de 4.502 famílias, 1.853 vivem no meio rural e apenas 337 são urbanas,

sendo que o total de famílias em situação de pobreza chega a 48,7%. Dentre os

habitantes no meio rural a taxa de pobre é bem maior, atingindo 84,6%. Pergunta-se:

qual é o sentido de desenvolvimento local no seio dessa população. Como o PPP de

um colégio de Ensino Médio pode “cativar” um aluno seu para permanecer vivendo

sob essa situação?

A Região em referência tem uma população trabalhadora, envolvendo mais

de 100 mil habitantes, tem uma situação climática favorável à fruticultura e à

produção de alimentos e um solo de boas qualidades para o plantio, rico em água e

floresta, e tem um grande potencial agrícola, principalmente da pequena propriedade

rural em função da natureza acidentada.

O que a faz, portanto, uma região pobre, de população empobrecida?

O atraso desta Região, como de outros territórios brasileiros em situação

semelhante, é parte orgânica da necessidade do tipo de capitalismo que temos em

nosso país. A educação e a escola não têm, de modo isolado, condições de

protagonizar o desenvolvimento de uma localidade assim. Os conjuntos das políticas

públicas, de agricultura, moradia, saúde, saneamento, trabalho e renda, dentre

outras, se articulados com a educação, poderiam sim contribuir para o

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desenvolvimento local, cuja natureza verdadeiramente desenvolvimentista teria que

considerar o desenvolvimento humano como principal tomado na perspectiva

universal.

A escola não tem o poder de realizar esse protagonismo. Tem, no entanto, o

dever de problematizar essa situação.

Não podemos ter na escola um conhecimento disciplinar que desconsidere a

realidade da vida da população no entorno da mesma, de modo em geral, e de

modo muito particular a realidade dos seus alunos, seus sonhos e perspectivas.

Uma educação transformadora, sob esse entendimento, seria uma educação que

permitisse aos alunos apreender, em bases científicas, essa leitura da realidade, do

mundo. Não pode se limitar a uma condição de órgão do Estado emissor de

cerificados: O “isso vale nota” ou o “aquilo não vale” só servem para ocupar a mente

das crianças e domesticá-las para viver inutilmente servindo à reprodução social.

A verdadeira educação escolar transformadora deve permitir ao aluno ler,

compreender, interpretar e transformar a realidade local, tendo como perspectiva a

realidade universal.

2.1 Caracterização social da região onde o Colégio está inserido

Localizado na parte norte da Região Metropolitana de Curitiba, no vale do Rio

Ribeira, o município de Cerro Azul faz fronteira com os municípios de Dr. Ulisses,

Castro, Rio Branco do Sul, Bocaiúva do Sul, Tunas do Paraná, Adrianópolis e com o

Estado de São Paulo, cujos dados sociais apresentamos na parte anterior.

De acordo com IPARDES (2011) o município de Cerro Azul teria sido criado

em 1897. O município teria a sua origem já desde a emancipação da Província do

Paraná, quando, por volta de 1860, “a princesa Isabel teria enviado agrônomos à

região”, que era habitada por povos indígenas e já com a presença de colonizadores

portugueses, “com a finalidade de avaliar a qualidade do solo, ficando constatada

aptidão das terras para o plantio de café, cana de açúcar e cítricos”.

A região atualmente guarda um grande potencial na produção de laranja,

maracujá, mandioca, arroz, feijão, pêssego, tangerinas, rebanhos bovinos, etc.,

embora esse potencial, bem como de outras culturas alimentares, tem sido

drasticamente reduzido pelo cultivo, com base na monocultura, do pinus para servir

à indústria madeireira e de celulose.

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A monocultura da floresta industrial é fonte e base de atraso social e

econômico, impedindo qualquer perspectiva de desenvolvimento local, pelo

contrário, contribui para expulsar muitas pessoas da região. Muitos daqueles que

atualmente são alunos no referido colégio, amanhã poderão estar vivendo outras

realidades longe do território onde nasceu. Isso sem perder de vista o desastre

ambiental para a flora e para a fauna nativas, causado por essa lógica de uso

econômico da região para atender o tipo de capitalismo: produzir madeira para a

indústria predatória ou para a exportação de commodities para exportação.

2.2 A realidade do Colégio

O Colégio Princesa Isabel, campo da realização deste estudo e de atuação

profissional do autor no período de desenvolvimento do Programa (PDE) pelo

mesmo, está localizado na sede do município de Cerro Azul, atendendo alunos de

famílias urbanas e rurais da municipalidade.

A base da constituição dessa instituição escolar data de 1956, originado de

uma “escola particular” na época, instalado por ordem religiosa destinada a amparar

“menores desamparados”, tornando-se Grupo Escolar em 1960.

A partir de 1978 ganhou a atuação denominação – Colégio Estadual Princesa

Isabel. Atualmente, de acordo com o PPP da instituição, conta com 1.750 alunos

matriculados em 47 turmas, sendo destes 1.261 no Ensino Fundamental e 478 no

Ensino Médio.

Como dissertamos anteriormente sobre a população local, constata-se que a

grande maioria desses alunos pertence a famílias que residem no meio rural, as

quais estudam em turmas distribuídas principalmente nos turnos da tarde e da noite.

A fonte principal da renda familiar da maioria desses alunos está ligada a um tipo de

trabalho com pouca proteção legal, muitos sem se quer ter a Carteira de Trabalho

assinada; um trabalho sazonal; com salários precários, tendo como principal fonte

desse tipo de emprego o setor madeireiro, desde o cultivo, até o corte da matéria-

prima. A colheita da safra da laranja também é parte desse trabalho temporário de

baixa remuneração.

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3. A Articulação do Projeto Pedagógico do Colégio com o desenvolvimento

local

Cabe aos educadores o desafio da constituição, elaboração e

desenvolvimento do PPP do colégio sobre as condições socioeconômicas como as

que descrevemos anteriormente, relacionadas com a região.

A Lei 9394/96 estabelece em seu Art. 12 que “os estabelecimentos de ensino”

têm a “incumbência” de “elaborar e executar sua proposta pedagógica”. A mesma

Lei afirma no Art. 13 que “os docentes incumbir-se-ão de: I – participar da

elaboração da proposta pedagógica de ensino; II – elaborar e cumprir plano de

trabalho, segunda a proposta pedagógica do estabelecimento de ensino; III – zelar

pela aprendizagem dos alunos; IV – estabelecer estratégias de recuperação para os

alunos de menor rendimento; V – ministrar os dias letivos e horas-aulas

estabelecidos, além de participar integralmente dos períodos dedicados ao

planejamento, à avaliação e ao desenvolvimento profissional; VI – colaborar com as

atividades de articulação da escola com as famílias e a comunidade.”

O quer seria articular a escola com a família e a comunidade? Essa

articulação passa, primeiramente pelo conhecimento sobre a realidade concreta

sobre as condições de vida dessa comunidade e da disposição da escola em mediar

a sua proposta pedagógica de acordo com essa mesma realidade, de acordo com

as necessidades e as perspectivas dos membros dessa comunidade. Só assim essa

escola seria uma escola cuja proposta pedagógica poderia ser considerada

transformadora. Do contrário seria mera emissora de diplomas para manter a

sociedade com os seus mandos e desmandos com está atualmente: seria uma

escola cuja proposta pedagógica seria conservadora.

Essa vinculação implica formação científica, formação pedagógica e formação

e compromisso social, qualificado como compromisso político, por parte dos

trabalhadores na educação com a classe trabalhadora e com o desenvolvimento

humano.

Acontece que a formação e as condições de trabalho desses mesmos

trabalhadores não favorecem atingir esse estágio, fazendo com que só uns poucos

se arriscam andar na “contracorrente” assumindo a aplicando esse compromisso. O

futuro da nossa sociedade depende desses poucos, mas compromissados com o

povo. Da mesma forma o sentido da educação será conferido por esses mesmos

agentes. Ademais esperar pelos governantes ou por aqueles que, mesmo sob uma

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condição de trabalhadores explorados, se rendem aos governantes seria o mesmo

que acreditar em contos de fadas para assegurar uma educação que sirva ao povo.

A educação que sirva ao povo só transformando a sociedade, portanto ela deve ser

desenvolvida agora e já a serviço dessa transformação social.

3.1 Professores

O Colégio onde a pesquisa foi realizada conta com um quadro de docentes

formado por 66 profissionais distribuídos nos turnos da manhã, tarde e noite, sendo

36 QPM (Quadro Próprio do Magistério) e 30 PSS (Processo Seletivo Simplificado).

A existência de quase metade dos docentes sobre a condição “simplificada”,

conferindo-lhes uma condição de contrato de trabalho sob a forma precarizada,

caracteriza uma situação da educação pública pouco valorizada por parte dos

governantes. Esse é um processo histórico, que perpassa os vários governos, e que

remete à falta ou a insuficiência de concursos públicos para assegurar que cada

escola tenha um quadro docente com estabilidade e condições de trabalho de modo

permanente, ao contrário da situação temporária e instável dos trabalhadores

contratados pelo instrumento denominado “PSS”.

A pesquisa com os professores foi realizada com o emprego de um

questionário montado em cinco questões abertas, o qual foi entregue a todos os

docentes, não sendo necessário fazer a identificação do respondente. De um total

de 66 respondentes apenas 11 entregaram suas respostas no instrumento de

pesquisa, colaborando com a investigação.

As questões a serem respondidas no questionário buscaram verificar como os

docentes concebiam: o sentido e a natureza da avaliação dos alunos; a dimensão

emancipadora da escola; e, a avaliação das políticas públicas realizadas no

município e a relação das mesmas com a educação.

Sobre a avaliação dos alunos o conjunto das respostas foi bastante

homogêneo ao conceber a avaliação com a apropriação dos “conteúdos” do

currículo, ou seja, “se os alunos aprenderam” o que era para ser ensinado, bem

como para reorientar o trabalho docente. As respostas demonstraram uma clareza

pedagógica muito precisa por parte dos docentes, sendo que em duas respostas,

ficou evidente a necessidade de que a avaliação serve para constatar, ou não, se o

aprendizado contribuiu para o aluno “conhecer a sua realidade”, ou a sua “condição

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cidadã”. Em uma resposta o docente descreveu ainda que ao avaliar o aluno ele

estaria também se “auto-avaliando” enquanto docente.

Em relação ao conceito de emancipação, ou da condição “emancipadora” da

escola, as respostas dos docentes expressaram uma natureza crítica,

principalmente em relação ao nível de determinação que sofre por parte da

mantenedora – SEED e o seu Núcleo – deixando explícito que falta à escola mais

autonomia para que ela possa desenvolver-se sob o princípio da emancipação. Em

nenhuma resposta os docentes fizeram alguma auto-crítica sobre o seu trabalho,

bem como se quer reivindicasse melhores condições de trabalho ou da sua

formação para o exercício de práticas educativas que sustentassem um trabalho

pedagógico verdadeiramente crítico, capaz de despertar consciências e de oferecer

uma formação humanística-histórica, científico-técnica e política dos alunos. Sequer

as demandas de melhores condições de trabalho da infraestrutura da escola ou de

horas de estudo e de preparação dos próprios docentes, como hora-atividade, por

exemplo, foram citadas como condição para a realização de um trabalho pedagógico

de aspecto emancipador. Pelo que foi respondido, embora todos tenham afirmado a

defesa do caráter “emancipador” da escola, ficou também, dito, mesmo que forma

latente, isto é, pelo não dito, que seria como se a escola e a formação que os

professores têm se bastasse.

A nossa compreensão sobre o aspecto emancipador da escola, pelo contrário,

entende que a escola que temos hoje não bata; que a formação que nós docentes

temos hoje também não basta; que as condições de trabalho, inclusive as formas de

contratação dos docentes e seus salários, não bastam. Somente com uma real

valorização da educação em todos os seus aspectos poderíamos reivindicar e

desenvolver um trabalho pedagógico verdadeiramente emancipador. Emancipador

em relação a um mundo alienado, marcado sob as mais variadas formadas de

fetichismo, de drogadição, de entorpecentes de diversas ordens social, política,

econômica. Ser emancipador implica, portanto, em cumprir as quatro máximas da

educação citadas anteriormente: ler o mundo, ler-se no mundo, posicionar-se em

face do mundo e transformar o mundo. Essa é uma forma de leitura cuja conjugação

verbal é tanto dos alunos como dos docentes da escola pública e de todo cidadão

que viva do próprio trabalho e que não se encontra anestesiado por algum tipo de

alienação que o exclua do pensamento crítico.

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Sobre o caráter da relação da escola com as demais políticas públicas, na

localidade onde o Colégio está localizado, pôde-se constatar pelas respostas dos

docentes que a região não é beneficiada por amplas políticas, como pudemos

dissertar ao apresentarmos os indicadores sociais da região. Os comentários dos

docentes ficaram restritos aos programas educacionais, revelando um entendimento

da pergunta limitada às políticas educacionais. Mesmo que esse entendimento fosse

o único, não houve referências a demandas de políticas de trabalho e renda, de

industrialização, de infraestrutura, de desenvolvimento social e econômico da região.

Ou seja, a concepção pedagógica demonstra uma visão estreita. De certa forma o

questionário apresentado contribuiu para essa limitação.

Ao analisarmos essa situação, no entanto, acrescentamos a visão, de modo

autocrítico, afirmando que sem um conjunto de políticas públicas nenhuma escola

será capaz, sozinha, de se impor com um caráter transformador. A escola não é uma

ilha. Ela é determinante, isto é, transforma a realidade. Mas a realidade condiciona e

transforma a escola, portanto, a escola é também determinada. Como conjugar,

portanto, esse caráter ora determinada, ora determinante da escola? Essa resposta

só será encontrada pela prática, ou seja, pela mediação e pela forma como a escola,

o seu currículo, os seus trabalhadores se interagem e se relacionam com o conjunto

da sociedade na qual ela está inserida.

3.2 Os estudantes

Para a pesquisa com os discentes também foi utilizada a aplicação de

questionário, com cinco questões abertas. Optou-se por pesquisar os alunos do

Ensino Médio que estão cursando último ano (3º Ano) e também os alunos do 2º

Ano, em 2012, dos três turnos nos quais esse ensino é ofertado. Desses,

correspondendo a 478 alunos matriculados, 150 responderam às questões do

instrumento de pesquisa.

As questões do questionário dirigido aos alunos buscaram verificar sobre

como eles concebem a continuidade dos estudos após a conclusão do Ensino Médio

e a situação atual de trabalho exercido pelos mesmos.

As respostas sobre o projeto de estudos pós Ensino Médio revelam a busca

de uma “profissão”, para “ter um emprego melhor”, “ter uma independência”. Ou

seja, as respostas deixam claro que a futura formação, seja em curso superior ou

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em curso técnico, está relacionada como a inserção social pautada em melhoria das

condições de vida.

Essa inserção social, no entanto, pelo que se caracterizam a economia e a

sociedade local, não poderia, para a grande maioria desses jovens, ser realizada no

seu próprio município. Essa é uma verdade inconteste: a educação é boa se

contribui para mudar a realidade de ruim para boa. De nada adiantaria fazer um

curso de irrigador, por exemplo, para o sujeito destinado a viver no deserto. A menos

que se desenvolvam outras formações para transformar o deserto.

A falta de perspectiva dos jovens estudantes em relação ao desenvolvimento

local fica evidente quando eles responderam onde trabalha. A grande maioria

trabalha com os seus familiares, ou são mantidos pelos seus familiares para estudar,

no caso de uma minoria dos estudantes principalmente do turno da manhã. O que

eles fazem (trabalham) com os seus familiares? Desenvolvem principalmente

funções relacionadas com a produção doméstica para sustento ou para produção de

algum bem comercial como criação de pequenos rebanhos, leite, fruticultura,

pequeno comércio local, etc. Como essas são economias subalternizadas ou em

declínio frente ao monocultivo, denominado por “reflorestamento”, as perspectivas

desses jovens potencializar a produção dos seus familiares vinculando atual

atividade econômico-produtiva com a atual ou futura formação parecem distante.

Com isso fica evidente a baixa ou nenhuma vinculação do projeto político

pedagógico do Colégio em estudo, por meio do seu currículo, com o

desenvolvimento local.

3.3 Pais e Responsáveis Alunos

Com os pais e responsáveis dos alunos a pesquisa foi realizada mediante o

envio para suas residências, num total de 150 participantes, de um questionário

composto por cinco questões abertas. Desse universo para o qual a pesquisa se

destinou, 100 pais responderam o instrumento de investigação. As questões

procuraram capitar dados que permitissem a caracterização da principal atividade

econômica exercida pelos familiares dos alunos, bem como a escolarização dos

mesmos. Procurou também identificar a percepção dos familiares em relação ao

processo formativo dos seus filhos no que diz respeito à escolarização e o seu futuro

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profissional. Essas questões tinham o fito de examinar até que ponto o projeto

pedagógico da escola trabalha a realidade dos alunos e seus familiares no currículo.

A escolarização média dos familiares corresponde ao Ensino Fundamental

incompleto.

De acordo com as respostas obtidas, como a própria caracterização

socioeconômica e demográfica da região já apontaram, a grande maioria dos pais

de alunos exerce a sua principal atividade econômica na produção rural, como

pequenos e médios produtores ou como assalariados. Todos consideram que a

principal atividade econômica do município de Cerro Azul está ligada à agricultura.

Além das atividades agrícolas o setor público é o maior agente empregador,

assegurando uma maior estabilidade de emprego dos seus funcionários.

Configurou-se entre as respostas uma tendência entre os pais que revela uma

grande confiança na escolarização dos seus filhos, como possibilidade dos mesmos

lograrem com uma maior formação e uma situação social e econômica melhor.

Percebe-se entre as respostas que os pais concebem a escolarização não

como forma de afirmação do seu mundo produtivo rural, mas como uma “outra”

possibilidade de “saída” dos seus filhos para “algo melhor”. A escola, portanto, não

tem trabalhado a noção de desenvolvimento local.

Com isso fica evidente que a escola, ou o currículo da formação escolar,

pouco problematiza a realidade dos seus alunos e dos familiares dos mesmos.

Considerações Finais: contribuições teóricas na defesa da educação pública

que interessa à classe trabalhadora

Com base nos estudos realizados pelo Curso do PDE sintetizados neste

artigo, concluímos que, embora admitissem não ter oferecido uma grande

contribuição teórica sobre o tema, oferecemos ao leitor crítico algumas reflexões

sobre a necessidade da apropriação teórica da pedagogia crítica, sem a qual a

escola se limita ao aspecto meramente reprodutivista das relações sociais.

A reprodução social torna a escola uma instituição petrificada, insensível,

destituída da própria função para a qual ela foi criada: a formação. A escola

petrificada torna o trabalho pedagógico no seu interior também petrificado, ou como

se expressa filosoficamente: reificado ou coisificado.

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Dar sentido e vida ao trabalho pedagógico torna-se a grande esperança

suscitada com a realização deste trabalho.

Por dar vida ao trabalho pedagógico compreendemos aqui como vincular a

escola com a realidade social na qual ela está inserida sem nunca perder de vista

aquilo que não está em lugar nenhum, mas que guia a busca do conhecimento, ou

seja, a utopia. A busca da emancipação humana.

O currículo escolar que não possibilite a apropriação da ciência para

compreender a realidade e desenvolver métodos, caminhos, vias que conduzam a

outra realidade não é um currículo emancipador.

Concluímos, portanto, indicando pela necessidade de aprofundarmos os

estudos, a partir desse trabalho, que avancem teoricamente desvendando campos e

apontando fundamentos teóricos e práticos sobre a relação do currículo com a

realidade local e a realidade por vir. Defendemos, portanto, uma pedagogia da

prospecção a partir do real e não dos sonhos e devaneios.

As pesquisas científicas que recomendamos da vinculação do currículo com a

realidade dada e com a realidade por vir, ensejam, desse modo, a necessidade da

investigação em todas as ciências, ou ciências disciplinares estadas e ensinadas

pela educação básica. Por exemplo: como vincular a ciência do movimento à

realidade dada das condições de vida dos alunos a realidade por vir da vida desses

mesmos alunos e da sociedade em geral? Ou seja, como conferir a essa disciplina

uma dimensão transformadora, ou emancipadora? Essa questão formulada sobre a

ciência do movimento serve e cabe para todas as demais disciplinas científicas.

AGRADECIMENTOS

Aos cidadãos trabalhadores do Vale do Rio Ribeira, no Estado do Paraná.

Aos Professores, equipe pedagógica, estudantes e pais dos estudantes do Colégio Estadual Princesa Isabel, em Cerro Azul Paraná.

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