O equilíbrio da dominação: dilemas da política indigenista no Ceará do século XIX

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    Revista de Histria, 4, 2 (2012), p. 43-62http://www.revistahistoria.ufa.r/2012!2/a03.pdf

    " e#ui$%rio da do&i'ao:di$e&as da po$%ti*a i'di+e'ista 'o ear do s*u$o

    oo au$o eioto osta

    Mestre em Histria do BrasilUniversidade Federal do Piau

    Resu&o:

    Nenhum poder dominante se mantm em sua posio somente atravsdo uso indiscriminado da represso. Uma anlise sore o poder polticodo imprio portu!u"s em relao # populao ind!ena $ue vivia no%ear pode ser astante e&emplar para essas re'le&(es. )ntre atos dee&tremo ri!or e a(es aparentemente *protetoras+, pretendemoscaracteri-ar neste arti!o o e$uilrio $ue havia na poltica indi!enista do!overnador da capitania do %ear, Manuel !ncio de /ampaio01213412356, diante dos ndios7 um setor de alto valor em termos de'ora de traalho, porm ainda distante do ideal civili-ado $ue sepretendia para essa re!io.

    a$avras-*have:

    %ear 8 Histria 8 /culo 99:ndios

    ;e!islao

    )ste arti!o 'a- parte da dissertao Disciplina e inveno: civilizao ecotidiano indgena no Cear (1812-1820), de'endida em 3513 naUniversidade Federal do Piau, produ-ida so orientao daPro'.< =r.< >uliana ;opes ?ra!o, com apoio do Pro!rama @)UN de?ssist"ncia ao )nsino.

    http://lattes.cnpq.br/3725710307509344
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    'troduo

    a histria que queramos construir, o vetor para onde apontava o

    poder no era uniforme, e nem se dirigia a apenas um sentido.

    A relao que Portugal sustentava com os povos indgenas de sua

    colnia americana no se resumia somente ao uso da fora e da violncia, e

    nem podia ser assim. A dependncia que a metrpole mantinha com relao a

    essa populao inciviliada! era consider"vel para os planos que

    esta#eleceu para a regio. A civiliao que era levada ao $ear" no se

    configurava somente como uma %ustificativa para a dominao, muito menos

    enquanto aval para o massacre ou a usurpao. &e por governo!

    entendemos o gerenciamento da relao de um povo com seu territrio, '

    possvel deduir que ele se dava de maneira #astante limitada naquela

    periferia do imp'rio portugus. (ntre ha#itantes nativos tidos comoe)tremamente violentos e potentados locais semi*independentes das

    autoridades centrais, os ndios, maior grupo 'tnico! da capitania e pouco

    afeitos a rece#er ordens, eram conhecidos pela sua li#erdade de transito,

    tam#'m chamada na 'poca de disperso ou vadiagem!.

    +

    o#%etivo de Portugal com os indgenas no foi simplesmente

    for"*los ao tra#alho disciplinado, mas algo #em mais profundo,

    aparentemente su#%etivo, com foco muito claro. s grupos tecnicamente

    desenvolvidos, im#udos da instalao dos valores civiliados, agiam demaneira praticamente mission"ria- era necess"rio levar esses indivduos,

    ainda #"r#aros, a mudar tal identidade, transform"*los em sditos fi'is e

    produtivos, mostrar*lhes a glria de pertencer ao mundo civiliado. Por isso,

    no era conce#vel que sua relao se caracteriasse como um confronto, %"

    que nesse %ogo ndios e governo no estavam necessariamente em lados

    opostos. Por parte dos lderes polticos, o grande desafio, ou dilema, era

    %ustamente encontrar um equil#rio entre o rigor que e)igia a disciplina e a

    #enevolncia! de proteger ou premiar aqueles povos que precisavam detutela, de conduo a um estado que superasse por completo a gentilidade.

    A historiografia tradicional, ao tratar do governo de /anoel

    0gn"cio de &ampaio no $ear", costuma caracteri"*lo como tendo sido

    marcado por um forte processo repressivo, principalmente so#re os povos

    indgenas!.1&endo intransigente com qualquer desvio ao seu pro%eto de faer

    1 2rancisco 3os' Pinheiro, +otas so#re a 2ormao &ocial do $ear"- 1456*1576, 2ortalea,2undao Ana 8ima, 7665, p. 91:.

    Revista de Histria, 4, 2 (2012), p. 43-62

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    do $ear" uma sociedade disciplinada e fiel ao rei de Portugal, o dito

    governador, segundo ;aimundo es parado)ais!, e sim con%untas. Ad%etivar de tirBnicoesse governo no o resume corretamente, se%a pelas suas limita>es ou por

    conta de seus o#%etivos. $omo %" dissemos, no era possvel aos lderes

    estatais simplesmente massacrar ou eliminar aquela populao, e no eram

    esses seus o#%etivos. Dessa forma, pretendemos no presente tra#alho,

    atrav's da an"lise documental, caracteriar a lgica desse equil#rio da

    poltica indigenista no $ear" do s'culo E0E.

    7 ;aimundo

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    o'teto i'd%+e'a 'a apita'ia do ear:i'%*io do s*u$o

    (ste artigo fa parte de um pro%eto desenvolvido no /estrado em

    Kistria do Grasil da ?niversidade 2ederal do Piau, onde analisamos a

    relao entre o governo de /anuel 0gn"cio de &ampaio no $ear" H1517 a

    1576I e os ndios dessa capitania. +ossa principal fonte emprica se

    concentrou no acervo do Arquivo P#lico do (stado do $ear" HAP($I. A

    maior parte dos documentos coletados se encontra no fundo

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    de 2ortaleaM por fim, a povoao de Almofala Hatual aldeia da etnia

    tremem#', no municpio de 0taremaI, localiada no litoral +orte da

    $apitania.J

    +otemos que a maior parte dessas localidades se encontrava nos

    arredores da capital, a @ila da 2ortalea. Nal o#servao ' um dosindicadores que mostram a grande necessidade da mo de o#ra nativa para a

    economia da regio, principalmente para tra#alhos de aluguel em

    propriedades agrcolas. Al'm dos lugares que listamos, havia outras vilas e

    povoa>es com significativa presena indgena, como Aquira, /aranguape,

    &anta $ru de ?ru#uretama Hatual municpio de 0tapa%'I, Parasinho

    Hatualmente distrito de es dos indios do Par", e /aranho, (m quanto

    sua /agestade no mandar o contrario!. 3os' scar Geoo, Leis e regimentos das misses:poltica indigenista no !rasil, &o Paulo, 8oola, 1:59, Q56 e Q55, p. 9F*94.

    Revista de Histria, 4, 2 (2012), p. 43-62

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    o#rigatoriedade da mudana dos nomes dos indivduos e dos grupos para o

    portugus.O

    A determinao legal de ocidentaliao das nomenclaturas

    estava diretamente relacionada = negao cultural e identit"ria dos grupos

    indgenas por parte do governo. &egundo /arcus $arvalho, o interesse emdistinguir as na>es por suas raes 'tnicas perdera*se na primeira metade

    do s'culo deenove!, quando os ndios passaram a ser identificados apenas

    pelo local onde estavam aldeados!.5 s nomes dos indivduos, ao serem

    #atiados em portugus, tam#'m eram utiliados com o o#%etivo de diluir

    etnicamente esses povos, na #usca de desvincul"*los cada ve mais de suas

    manifesta>es e tradi>es ancestrais. $om tais a>es, se intentava

    sistematicamente a#sorv*los enquanto sditos da coroa lusitana, com o fim

    de mistur"*los com a massa geral da populao!, mesmo que em longoprao. Do incio ao fim do s'culo E0E, podemos constatar alguns resultados,

    mesmo que ar#itr"rios e imprecisos, dessas a>es populacionais- enquanto

    na conta#iliao de Gar#a Alardo de /enees, de 151F, os ndios

    representariam menos 16R da populao na $apitania cearense,:os registros

    eclesi"sticos das localidades indgenas na 0#iapa#a dei)aram de referenciar a

    denominao nativa em 1555.16

    +o campo administrativo, as aldeias foram elevadas a vilas C

    mesmo sem as necess"rias condi>es populacionais ou comerciais C e nolugar da administrao dos mission"rios surgiu a figura do diretor,

    respons"vel pelo controle dos ha#itantes, pela #oa convivncia, pela pr"tica

    dos #ons costumes! e da moral e, no menos importante, pelo incentivo ao

    tra#alho e ao com'rcio.11

    O 0sso ' claramente notado nos documentos oficiais do incio do s'culo E0E, onde os etnnimos

    tri#ais desaparecem C como potiguaras ou paiacs C dando lugar =s referncias ligadas =svilas. Por e)emplo- o ndio de &oure!, os ndios de /onte*mor o @elho! etc.Directorio!, Q4, p. 9*F.

    5 /arcus 3. /. de $arvalho, s ndios e o $iclo das 0nsurrei>es 8i#erais em Pernam#ucoH151O*15F5I- ideologias e resistncias!, in- 8ui &"vio de Almeida, /arcos

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    Desde a instituio do Diretrio dos Lndios e o processo de

    laiciao dos espaos indgenas, o governo procurou, de forma mais intensa,

    regular a utiliao dessa populao como mo de o#ra em diversos setores

    de produo e servio. De acordo com Toster, por mais que um diretor possa

    dar, ocasionalmente, maus*tratos ao indgena, essa raa no est" escraviada. ndio no ' o#rigado a tra#alhar, para qualquer pessoa, sem o querer, como

    tam#'m no pode ser vendido!.17 De fato, essa legislao reforou a

    interdio da escravido indgena C inclusive proi#indo a utiliao do termo

    negro! para referir*se a eles C e o incentivo ao tra#alho livre.19+a an"lise

    de Geoo, a partir do Diretrio o com'rcio seria o instrumento

    fundamental! da poltica portuguesa, com a contri#uio da e)panso

    agrcola para garanti*lo e munici"*lo!.1FPara &ilva, tra#alho e com'rcio eram

    mat'rias centrais! dessa legislao, na qual os princpios do li#eralismo

    comercial esto e)plicitados, e ' a partir deles que so esta#elecidas asnormas para o desenvolvimento da atividade comercial!.1J

    Podemos concluir que, no entender do governo portugus, a

    atividade comercial, #aseada nos tra#alhos agrcolas, agiria como um #em ao

    0mp'rio de duas maneiras- desenvolveria a sua colnia americana e traria a

    civiliao aos ndios. &eria pelo tra#alho, com a devida remunerao e

    disciplina, que os nativos poderiam sair definitivamente do gentilismo e

    ingressar no mundo ocidental como vassalos dignos e fi'is. A histria da

    poltica indigenista no $ear" colonial e %oanino ' um e)emplo da intensa

    associao do Diretrio com o com'rcio, a agricultura e a tentativa de

    transformao dos nativos em mo de o#raM isto ', ao tempo em que estava

    arruinada! em diversos aspectos C inclusive econmicos C essa $apitania

    tinha forte presena de ndios em sua composio social. @*se que a questo

    do tra#alho indgena era to latente em territrio cearense que o Diretrio foi

    utiliado at' meados do s'culo E0E, enquanto, em nvel imperial, foi revogado

    em 1O:5.

    Por conta dessas necessidades comerciais e civiliatrias, o

    li#eralismo! presente nos artigos dessa legislao no instituiu plena

    17 Kenr Toster, +iagens ao nordeste do !rasil, ;io de 3aneiro, &o Paulo, 2ortalea, AG$,7669, p. 151.

    19 Directorio!, Q16, p. J.

    1F 3os' scar Geoo,Leis e regimentos das misses: poltica indigenista no !rasil , &o Paulo,8oola, 1:59, p. 174.

    1J 0sa#elle Gra Pei)oto da &ilva, +ilas de ndios no Cear /rande: din)micas locais so# o$iretrio 'om#alino, $ampinas, Pontes, 766J, p. 57.

    Revista de Histria, 4, 2 (2012), p. 43-62

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    li#erdade para os ndios. /esmo no podendo ser vendidos e tratados como

    escravos, os ndios no estavam isentos de coero e maus*tratos por parte

    de diretores e propriet"rios. $ear" do incio do s'culo E0E continuou a usar

    da coero so#re a fora de tra#alho indgena para seguir sustentando sua

    incipiente economia atrav's do aval do Diretrio. /ais do que um vaio delegislao!, a aplicao das leis pom#alinas nesta $apitania se deu pela

    continuao da importBncia e necessidade da mo de o#ra indgena.14Para

    Patrcia /elo &ampaio, a e)tino do Diretrio nos possi#ilita o#servar a

    emergncia de solu>es alternativas Hou mais adequadasI =s diferentes

    realidades locais!, ao contr"rio de reforar a ideia de um Uv"cuo legal!.1O

    $omo desdo#ramento, a reao por parte dos ndios tam#'m

    prosseguiu, com as contnuas fugas e tentativas de sada das vilas e dos

    olhares dos diretores. Nendo sido pr"tica #astante comum durante o perodoem que estiveram vigorando as 8eis do Diretrio!, segundo 3oo 8eite +eto, a

    chamada disperso populacional! pelo territrio representou, para muitos

    nativos, um dos meios de livrarem*se da su#misso ao tra#alho compulsrio

    e ao cruel %ugo das leis!, tidos pela elite poltica do 0mp'rio como caminhos

    mais indicados para a consolidao do processo de civiliao entre esses

    povos!.15

    Diante desse quadro geo*populacional, ' comple)o avaliar, mesmo

    que de forma apro)imada, qual seria a porcentagem de ndios na populaodo $ear" desse perodo. mapa produido por 8gio /aia, a partir dos

    apontamentos presentes no relato de Gar#a Alardo de /enees,1: por

    e)emplo, mostra que a populao indgena no $ear" era de apenas :,OOR do

    total, #em inferior = quantidade de pretos H15,47RI e mulatos H9O,61RI,76em

    uma capitania onde a utiliao do tra#alho escravo VWX foi historicamente

    insignificante!.71

    14 /aria /anuela 8. $arneiro da $unha, Poltica indigenista no s'culo E0E!, in- /aria/anuela 8. $arneiro da $unha Hrg.I, 0istria dos ndios no !rasil, &o Paulo, $ia. das8etras, 1::5, p. 195M 3oo 8eite +eto,"ndios e terras: Cear: 1234-1224, Nese HDoutorado emKistriaI, ?niversidade 2ederal de Pernam#uco, ;ecife, 7664, p. ::.

    1O Patrcia /elo &ampaio, Poltica indigenista no Grasil imperial!, in- Teila

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    o'tro$e, vi+i$;'*ia e represso

    $omo sa#emos, um dos grandes pro#lemas enfrentados por

    aquele governo estava na dificuldade em controlar o cotidiano da populao

    indgena, to importante aos seus planos de desenvolvimento da regio. Pela

    enorme disperso em que se encontravam C dado que naquele perodo um

    grande contingente de ndios se encontrava fora de suas vilas de origem sem

    a autoriao devida, e que por esse motivo diminua a disponi#ilidade de

    mo de o#ra e tornava mais difcil impulsionar um processo de civiliao!

    dos costumes C uma das primeiras a>es de &ampaio no $ear" foi instituir

    polticas de mapeamento e controle populacional. Para esse governador, era

    fundamental ter o e)ato registro de todos os indivduos indgenas em cada

    vila, tendo conhecimento de sua localiao e situao perante o (stado e a

    sociedade. $om isso, era possvel punir adequadamente aqueles que sere#elassem.

    +o primeiro ano de seu governo, &ampaio enviou diversos ofcios

    para os diretores das vilas de ndio e)igindo a confeco de mapas da

    populao, tratando da priso dos que estavam dispersos e mostrando, com

    tudo isso, em que sentido e com que o#%etivos se dirigia todo esse controle.77

    $omunicando*se com o diretor de &oure Hatual $aucaiaI em setem#ro de

    1517, &ampaio avisava que lhe havia ficado entregue do /appa dos 0ndios

    da sua direco!, al'm do castigo dado ao ndio 2rancisco Yuaresma e daspalmatoadas! que ordenou contra a ndia Yuit'ria.793" no ms de deem#ro

    enviou circular a cada diretor das vilas de ndio do $ear" ordenando que em

    %aneiro do ano seguinte passassem

    mostra aos 0ndios de sua Direco remettendo*me depoishuns ou mais /appas na forma do q agora lhe envio paramodello que @mce me tornar" a remetter depois de o fasercopiar afim de que eu possa faer recrutar o grande numerode 0ndios que ando dispersos. &emilhantemente e para o

    mesmo fim me remetter" @mce huma ;elao das 0ndias da

    77 De acordo com /ichel 2oucault, desde pelo menos o s'culo E@000, governar um (stadosignificava esta#elecer a economia a nvel geral do (stado, isto ', ter em relao aosha#itantes VWX uma forma de vigilBncia de controle to atenta quanto a do pai de umafamlia!. Para o autor, a partir deste perodo, a populao passa a aparecer como um dado,como um campo de interveno, como o o#%eto da t'cnica de governo!. es

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    sua Direco que ando dispersos com a declarao do lugarem q tiver noticia que ellas se acho.7F

    (ntre ordens e castigos, as a>es do governo caminhavam no

    estreitamento do espao imposto = li#erdade cotidiana dos ndios. $omo ficou

    registrado no documento citado acima, a disperso era a grande vil dosplanos civiliatrios, e o monitoramento individual se faia necess"rio para

    melhor disciplinar e punir. Nal controle, longe de ser aleatrio ou geral, era

    feito localmente, e cada vila deveria ter o registro e)ato de sua populao

    indgena, faendo chegar ao conhecimento do governo central da capitania

    quais eram os que estavam = margem da ordem.

    A comunicao de &ampaio para com#ater essa realidade tam#'m

    era feita com as autoridades dos lugares onde a#rigavam os ndios que se

    encontravam ilegalmente fora de suas vilas de origem. $om isso, era possvel

    no apenas identific"*los como tam#'m prend*los e remet*los de volta.

    A inteno dessa poltica era tanto suprir a necessidade de mo de o#ra da

    capitania C que tinham as vilas de ndios como verdadeiros celeiros! de

    tra#alhadores C como evitar os distr#ios! que eram atri#udos a eles. (m

    comunicao com o capito mor de 2ortalea, &ampaio tratou acerca do

    grande nmero de ndios aldeados! que se encontravam dispersos na

    capital, e que por isso seriam pela maior parte vadios!, pois se sustentavam

    do tra#alho dos utros! e se ocupavam unicamente em faser desordens detodos os generos contra o que determina o Directorio, e todas as rdens

    ;egias!. Por isso, ordenou que fossem presos e remetidos = cadeia.7J

    @emos aqui que a falta de um controle minucioso por parte do

    governo geraria, na perspectiva do (stado, uma situao de caos! social,

    ainda mais quando se tratava de ndios, povos que estariam num processo

    ainda incompleto de civiliao. (stando dispersos C ou se%a, fora de suas

    vilas C no poderiam ser o#rigados a tra#alhar e a reprimir seus h"#itos

    ancestrais, afastando*se assim das diretries do Diretrio dos Lndios. 8ogo, adominao agia nesses casos como um ini#idor da li#erdade desenfreada! e

    7F G; AP($,

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    danosa dos indgenas, e)ecutando pris>es e puni>es para traer de volta os

    ndios =s suas vilas e para corrigir*lhes o vcio!.

    s castigos, todavia, tam#'m precisavam ser monitorados e

    gerenciados, e tinham um car"ter educativo para a lei. Por esse motivo, o ato

    de punir no pode ser definido como uma marca da suposta truculnciadesmedida de um governo violento, correndo o risco de, com isso, passarmos

    por cima de ra>es, interesses e o#%etivos #em mais comple)os. A

    preocupao por parte de &ampaio so#re o tratamento dado pelas

    autoridades locais =queles que cometiam a>es ilcitas nos mostra esse

    direcionamento poltico. (m novem#ro de 1519, por e)emplo, o governador

    para#eniou o diretor de /onte*mor @elho Hatual Paca%sI pela sua cautela

    em relao a alguns ndios agressores, diendo*lhe que

    fes muito #em em no mandar castigar com palmatoadas ostres 0ndios Pai, filho, e genro que maltrataro outro 0ndiotam#em dessa Direco. Ke pois necessario que @/ceremetta para esta $apital com a devida segurana aquellesaggressores afim de serem aqui competentementecastigados.74

    Gem al'm do que agress>es cegas, o que queria o governo era

    corrigir as atitudes #"r#aras! dessa populao, faendo valer o que

    prescrevia a lei imperial. Por'm, sa#endo que a realidade entre asautoridades locais era #em diferente do que pretendia o poder central,

    &ampaio acompanhava de perto cada ao diante desses acontecimentos.

    que se queria, de fato, ao tentar transformar esses homens em sditos fi'is e

    disciplinados, no era a sua simples su#misso, mas a insero sincera dessa

    populao no mundo civiliado. Por isso, caracteriar esse governo de

    marcadamente violento esconde no s o car"ter su#%etivo que vimos acima,

    mas tam#'m o seu lado protetor!, ao cuidar dos ndios diante de in%ustias

    cometidas contra eles.

    74 G; AP($,

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    5 #uesto dos o's-tratos

    equil#rio que o governo pretendia manter em relao ao

    tratamento com os indgenas da capitania revela uma comple)idade #em

    maior do que a simples truculncia. $omo vimos, a represso que

    ocasionalmente era e)ecutada atingia o#%etivos #em precisos, e aliava*se

    tam#'m com o com#ate aos maus tratamentos dirigidos =quela populao e a

    favor de sua integridade fsica. &ampaio moveu o poder p#lico inclusive em

    relao ao tratamento de ndios atingidos por mol'stias, como aconteceu em

    151F, durante um surto de varola C conhecida = 'poca como #e)iga! C na

    capitania. (m maio daquele ano, o governador mandou tratar e assistir pelo

    Kospital ;eal /ilitar, o 0ndio q se acha com #e)igas e que aca#a de chegar a

    este Porto em h\a #alsa vinda de Pernam#uco!.7O

    +o ms seguinte, novaameaa- &ampaio ordenou que o Kospital ;eal /ilitar de 2ortalea rece#esse

    o 0ndio Pedro Dias famullo VcriadoM servialX de $lemente Navares da 8u,

    que se acha doente de #e)igas!, e que no seu curativo e assistencia se

    guardem as devidas cautelas afim de que esta molestia se no torne

    contagioa!.75

    +os casos apresentados acima, a necessidade da cura fsica dos

    ndios no Kospital /ilitar se soma tam#'m ao perigo que a varola poderia

    causar ao restante da capitania. Desde o s'culo E@000, o am#iente hospitalar,

    especialmente o martimo e o militar C como o que rece#eu os ndios doentes

    C passou por uma transformao, dei)ando de ser somente uma instituio

    de assistncia, de separao e e)cluso. Assim, o indivduo e a populao!

    passam a ser dados simultaneamente como o#%etos de sa#er e alvos de

    interveno da medicina!. sa#er m'dico que se formou no cidente desde

    os setecentos era tanto uma medicina do indivduo quanto da populao!.7:

    u se%a, a ateno curativa, detalhista e minuciosa que se dava ao indivduono hospital estava estritamente conectada com as consequncias que a falta

    de cuidados poderia gerar na populao, como o risco de uma epidemia.

    7O G; AP($,

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    /as a morte ou o dano fsico em um ndio na sociedade do $ear"

    oitocentista estavam atrelados tam#'m aos pre%uos econmicos e sociais

    que aquela perda poderia causar- um indgena a menos significava um

    soldado, um tra#alhador, um fiel catlico e um sdito do rei a menos. 2oi por

    essa condio que se e)plicou o tratamento prestado ao ndio 0gn"cio2rancisco, que foi encaminhado ao Kospital ;eal /ilitar em %ulho de 1514

    por ter sido gravemente ferido e maltratado pelo &oldado desta es para tra#alhar e faer

    parte do reino enquanto um sdito civiliado C gerava uma ligao que

    96 G; AP($,

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    refletia diretamente no posicionamento das autoridades frente a

    essa populao.

    Analisando a conflitante relao entre no#rea e #urguesia das

    sociedades a#solutistas europ'ias, +or#ert (lias concluiu que, por conta do

    alto grau de interdependncia e tenso! entre esses dois setores, o

    refinamento dos costumes aristocratas tendeu a aumentar. Para o autor, a

    constante presso vinda dos estratos mais #ai)os C os #urgueses C foi uma

    das mais fortes foras propulsoras VWX do refinamento especificamente

    civiliado que distinguiu os mem#ros dessa classe superior das outras!. u

    se%a, o o#%etivo ltimo dessa intensificao e aprimoramento de h"#itos

    corteses era e)atamente distinguir*se, conservar*se como uma formao

    social = parte, um contrapeso = #urguesia!.97

    Por'm, a verdadeira inteno do imp'rio portugus com os ndios

    na Am'rica, presente claramente no Diretrio dos Lndios, no era esta#elecer

    uma separao entre eles- ao contr"rio, o que se queria de fato era a total

    integrao dos indgenas na sociedade ocidental. Por isso, a necessidade de

    insero desses povos C atrav's da civiliao de seu cotidiano e da

    consequente e)tino das diferenas entre ndios e #rancos C somada =

    dependncia econmica que a metrpole lhes tinha incitavam o com#ate =

    represso e = violncia contra os ndios por parte dos poderes locais, ou de

    outros grupos que ha#itavam os sert>es do $ear". Para o governo C

    representando o rei portugus C era preciso se colocar diante dos indgenas

    como uma entidade protetora e #enevolente, mesmo com todo o rigor. &

    assim seria possvel convencer os nativos a faerem parte do corpo de sditos

    da coroa portuguesa.

    Nodavia, o pro%eto de ocidentaliao pretendido pelo governo de

    Portugal no visava esta#elecer uma igualdade entre os diferentes setoresdaquela sociedade colonial. +aquele universo, a grande maioria dos ndios

    era e)cluda de diversas formas do poder, se%a por no pertencer =

    metrpole, por no ser #ranca ou por no faer, muitas vees, parte da elite

    Hnem mesmo localI. At' mesmo as lideranas civis e militares indgenas, que

    em s'culos anteriores haviam adquirido #astante prestgio e poder por seus

    97 +or#ert (lias, 5 processo civili@ador, ;io de 3aneiro, 3orge ]ahar, 1::9, v. 00, p. 7J6*7J1.

    Revista de Histria, 4, 2 (2012), p. 43-62

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    servios = coroa, no s'culo E0E no tinham a mesma importBncia para o

    governo. +o conte)to do Antigo ;egime, a plena integrao dos ndios

    significava, ao mesmo tempo, manter as diferenas em relao aos outros

    estratos sociais e civiliar, ou se%a, faer com que eles a#sorvessem os

    costumes do mundo europeu. Ao #uscar uma igualdade C mesmo que emlongo prao C entre #rancos e ndios, o Diretrio dos Lndios no queria de

    igual forma a paridade entre ricos e po#res ou a corte e o serto, por

    e)emplo.

    (ntretanto, mesmo com todas essas divergncias, at' a periferia

    deveria ser integrada ao imp'rio como um todo, e para que isso fosse

    possvel tam#'m era preciso civiliar a sua populao. Ao tratar do processo

    civiliador nas colnias europ'ias, +or#ert (lias concluiu que a necessidadedos imp'rios metropolitanos no era apenas de terras, mas tam#'m de

    pessoas. (las tm que ser integradas, se%a como tra#alhadores se%a como

    consumidores!. 0sso significaria, para o autor, Uciviliar os coloniados!, e

    esse processo no poderia se dar e)clusivamente pela fora e ameaas

    fsicas!, mas tam#'m pelo que chamou de modelao de seu superego!.

    3unto a isso, (lias notava nas rela>es colnias uma forma primitiva de

    ascenso, no ainda do grupo nativo como um todo, mas de alguns de seus

    mem#ros!, que a#sorviam o cdigo dos grupos superiores! e passavam porum processo de assimilao!.99

    Yuando analisamos o contato dos povos indgenas com o governo

    europeu, ou com o que o autor chamou de grupos superiores!, identificamos

    uma s'rie de divergncias com esse ltimo trecho por ns e)trado da

    refle)o de (lias. (m primeiro lugar, ao inv's de assimilao!, talve se%a

    mais apropriado falar em apropriao! dos cdigos do coloniador, que era

    feita conscientemente pelos ndios. (m seguida, essa mesma apropriao no

    era praticada apenas por alguns mem#ros! da colnia, mas por todos os

    setores sociais atingidos e geridos pelo imp'rio portugus. Por fim, o

    processo civiliador! levado para as colnias americanas no era

    direcionado somente para sua elite ou para os setores em ascenso! social,

    e tais setores no eram, da mesma forma, os nicos a conhecerem os

    elementos daquele universo e a usarem deles em #enefcio prprio. /esmo

    99 (lias, 5 processo civili@ador, v. 00, p. 7J:.

    Revista de Histria, 4, 2 (2012), p. 43-62

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    constituindo estratos inferiores naquele mundo, os ndios tam#'m eram

    atingidos por essa civiliao!, tinham conscincia de suas contradi>es e

    dependncias e sa#iam se utiliar dela, apesar do pouco espao de que

    dispunham.

    s ndios, cientes dessa condio, aprenderam a transitar naquele

    universo aparentemente contraditrio C mas repleto de inten>es C e

    sou#eram usar os trBmites legais para realiar seus prprios interesses C

    que nem sempre se contradiiam com os do governo C e se proteger de

    agress>es e in%ustias que eram cometidas contra eles. Ainda no primeiro ano

    de seu mandato, no ms de a#ril de 1517, &ampaio ordenou ao comandante

    de &anta $ru de ?ru#uretama Hatual 0tapa%'I que tomasse providncias a

    favor do ndio Ale)andre 8oureno, que por meio de um requerimentoreclamou da dvida que 3ose Gernardo ?choa tinha com ele.9F +o ms

    seguinte, o pro#lema parece no ter sido resolvido, e diante dessa situao o

    governador foi rigoroso com o devedor, ao ordenar que fosse notificado para

    comparecer = presena do comandante. $aso no o#edecesse, 3ose Gernardo

    deveria ser preso no tronco por espasso de 5 dias findos os quaes o dever"

    &oltar huma ves que elle tenha &atisfeito o que deve ao 0ndio Ale)e

    8oureno!.9J

    Gasicamente, dois elementos dessa histria nos chamaram

    ateno. Primeiro, a atitude do ndio em produir um requerimento

    encaminhado =s autoridades reclamando dos danos que lhes causavam foi

    uma mostra de como essa populao, mesmo sendo dominada pelos

    ocidentais, sa#ia utiliar dos elementos daquele universo. A dominao

    #uscava constantemente um equil#rio %ustamente pelo fato de que os ndios

    no eram pacificamente su#metidos, e mesmo faendo parte de uma

    con%untura em que no poderiam ir a#ertamente de encontro, encontravam

    meios para utiliar as situa>es em seu favor. (m segundo lugar, o devedor

    no levou vantagem no conflito por estar contra um indgena- muito pelo

    contr"rio, a pena a que estava su#metido caso no saldasse a dvida seria

    impiedosa, sendo colocado no tronco por mais de uma semana. &ampaio,

    9F G; AP($,

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    conhecedor daquele conte)to e do lugar dos ndios na sociedade, agia em

    favor deles naquele momentos, #uscando configurar uma situao onde,

    mesmo com toda a disciplina, controle e vigilBncia, os nativos pudessem

    visualiar no reino portugus a nao da qual deveriam faer parte.

    /esmo na questo do tra#alho a que os indgenas estavam

    su#metidos, faendo servios de aluguel a propriet"rios, o governo da

    capitania tam#'m se impunha em sua defesa contra possveis

    irregularidades. u se%a, o am#iente onde era mais visvel a imposio do

    controle e da disciplina no poderia se transformar em lugar de suplcio para

    os ndios, e muito menos que l" fossem tratados como escravos. ?m caso que

    nos chamou ateno pelo tamanho da ao movida pelo governador

    aconteceu por conta da denncia de maus tratos, ocorridos na casa de ummorador da vila do Aquira. (m resposta, &ampaio e)pediu, al'm de um

    ofcio ao diretor de /onte*mor @elho Hatual Paca%sI, uma circular aos

    diretores de Arronches Hatual #airro da Paranga#a, em 2ortaleaI, &oure

    e /ece%ana, e)igindo a priso do propriet"rio caso ele continuasse a

    contratar indgenas-

    Nendo*me constado o mau tratamento que Antonio da &ilveiramorador na @illa do Aquira tem dado " 0ndia menor de nome

    3oana que por rdem minha @mce lhe deo a &alario.$onstando*me mais que he desta maneira que elle costumatratar todos os 0ndios, e 0ndias que tem em sua $asa de3ornal, ou &alario, e sendo to recomendado no Directorio, eem outras muitas rdens ;egias VWX deverem evitar*se portodos os modos possiveis semilhantes a#usos, e pressoesdos'o#res Indios. rdeno a vmce VWX que de forma algumade mais 0ndio ou 0ndia alguma a &alario ou de 3ornal ao ditoAntonio da &ilveira VWX e logo que a vmce $onste que oso#redito Antonio da &ilveira tem em seu poder algum 0ndioou 0ndia pertencente a essa direco o dever" vmce mandarrecrutar remettendo preso " $adeia desta 2ortalesa a minha

    rdem o dito Antonio da &ilveira fasendo para tudo uso senecessario for da minha rdem geral.94

    governador foi claro em citar o Diretrio e as ordens r'gias que

    tratavam do tra#alho o#rigatrio dos ndios. Para a lei, essa populao no

    94 G; AP($,

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    era escrava, e a o#rigatoriedade desses servios atendia ao desenvolvimento

    econmico da capitania e = sua civiliao, que sofreria grave dano caso

    fosse somada a violncias e in%ustias. $ompadecendo*se com as opress>es

    so#re os po#res ndios!, &ampaio imp>e o seu rigor contra o propriet"rio,

    ameaando*lhe, inclusive, de priso. Assim, mesmo faendo parte de umgrupo social superior C se%a em termos 'tnicos! como monet"rios C ele no

    estava livre de puni>es caso agisse de forma agressiva para com os ndios.

    $omo pudemos ver acima, a grande disparidade social que havia

    nos sert>es do $ear", somada aos grandes poderes acumulados pelos

    potentados locais, poderia provocar rela>es hostis entre ndios e #rancos.

    +essa sociedade escravista do antigo regime, havia o risco dos indgenas, por

    constiturem uma comunidade inferior! e pelos frequentes servios queprestavam, serem tratados sem a devida #enevolncia! que era prescrita

    pela lei pom#alina, ou at' de forma semelhante a um escravo. Al'm das

    agress>es, como a e)posta no documento analisado acima, era possvel

    tam#'m se desenvolver sentimentos de posse por parte dos contratantes, no

    devolvendo! =s suas vilas natais os tra#alhadores alugados. (m fevereiro de

    1515, por e)emplo, &ampaio passou ordem para que no fosse dada a licena

    pretendida pelo ca#o de milcias Antonio Pereira 2erreira, sem que ele

    mostrasse ter entregue ao Director de /ece%ana o 0ndio que lhe fora dadopor Despacho meu!.9O

    Nais atitudes possessivas por parte dos empregadores diante dos

    ndios, %untamente com outras formas de violncia, eram com#atidas pelas

    autoridades portuguesas, que #uscavam em suas legisla>es e polticas

    indigenistas esta#elecer um equil#rio na dominao que e)erciam. +a parte

    que trata da fora de tra#alho indgena, mais especificamente da sua

    distri#uio entre os propriet"rios, o Diretrio aconselhava aos diretores das

    vilas no seu Q4O que no consentissem

    que os dito /oradores retenha> em casa os referidos 0ndiosal'm do tempo, por que lhe forem concedidos- qual sedeclarar" nas mesmas 8icenas, e tam#em nos reci#os, queos /oradores devem passar aos Principaes, quando lhes

    9O G; AP($,

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    entregarem os 0ndios. ( como a escandalosa negligencia, quetem havido na o#servancia desta 8ei, que se declara nopar"grafo J tem sido a origem de se acharem quasi desertasas Povoa>es, sera> o#rigados os Directores, e Principaes aremetter todos os annos ao es que tinham

    lugar nas povoa>es por parte dos ndios estavam diretamente associadas aos

    maus tratamentos que rece#iam dos propriet"rios para quem tra#alhavam,

    especificamente quando eles os retinham em suas casas durante um tempo

    maior do que lhes era concedido. Yuanto ao QJ, este era direto e o#%etivo em

    afirmar que a civilidade dos indgenas era a principal o#rigaa> dos

    Directores, por ser propria do seu ministerio!.9: 0sto ', as agress>es,

    in%ustias e violncias cometidas contra os ndios iam a#ertamente de

    encontro ao pro%eto de civiliar aquela populao. Al'm disso, o (stado era

    rgido com aqueles moradores que fossem considerados transgressores ao

    atrapalhar esse processo, impondo so#re eles as devidas penas.

    A importBncia dos #ons tratamentos que eram recomendados pelo

    governo estava no fato de que, al'm do controle e racionaliao, era preciso

    criar naqueles indivduos novos sentimentos e atitudes. o#%etivo era faer

    com que aqueles ndios, antes #"r#aros, quisessem faer parte do corpo de

    sditos portugueses e, para isso, era preciso proteg*los de ameaas e

    conceder vantagens para os que estivessem realmente alinhados com os

    planos reais. Presente na legislao desde o perodo %esutico, quando se

    pregava que o tratamento preferencial! era recomendado para traer os

    ndios = converso e aldeamento, e para garantir alianas!, o com#ate aos

    maus tratos praticados contra os ndios tam#'m faia parte da poltica dogovernador. &egundo se acreditava, violncia e desrespeito! podiam

    resultar no a#andono das aldeias!.F6

    95 Directorio!, p. 75*7:.

    9: Directorio!, p. 9.

    F6 Geatri Perrone*/ois's, Lndios livres e ndios escravos- os princpios da legislao

    indigenista do perodo colonial Hs'culo E@0 a E@000I!, in- $arneiro da $unha, 0istria dosndios no !rasil, p. 177.

    Revista de Histria, 4, 2 (2012), p. 43-62

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    Para o Diretrio, em seu Q45, era preciso que a distri#uio dos

    nativos entre os particulares fosse o#servada com reciproca conveniencia

    dos moradores, e dos 0ndios, e estes se posso empregar sem violencianas

    utilidades daquelles!.F1A disciplina que era imposta aos ndios atrav's do

    tra#alho e o#edincia ao rei no deveria estar atrelada a maus tratamentos,pois estes atrapalhariam a transformao que se pretendia em curso.

    $onclumos que um dos grandes desafios de Portugal em esta#elecer uma

    dominao vitoriosa so#re os povos indgenas estava no fato de que ela no

    se definia pela tentativa de su#meter essa populao a partir de um regime

    de escravido. Al'm de tra#alhadores, os nativos deveriam ser transformados

    em sditos fi'is, catlicos e civiliados, atrav's de um processo que os

    livrasse da #ar#"rie dos antigos costumes.

    equil#rio que o governo lusitano #uscava instalar em sua

    colnia americana estava representado nos dilemas que envolviam a urgncia

    em disciplinar e o cuidado em no tiraniar- a civiliao condensava o rigor

    e a proteo!. /as todo esse esquema poderia ser que#rado na medida em

    que os ndios no suportassem a violncia a eles su#metida, ou no

    en)ergassem vantagens em participar do imp'rio portugus. A fal"cia da tese

    de que mundo colonial se constituiria como uma p"gina em #ranco, onde o

    querer do civiliador era escrito livremente, se e)plicava %ustamente quando

    os ndios tam#'m impunham C da forma que podiam C o seu prprio querer.

    receido em 3A5A3511 C aprovado em 5D523513

    F1 Directorio!, p. 7:.

    Revista de Histria, 4, 2 (2012), p. 43-62

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