O "ESSE" NA ÉTICA DE RAIMUNDO LÚLIO (RAMON LLULL)

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    O esse na tica de Raimundo Llio (Ramon Llull) *

    Esteve Jaulent**

    A conhecida sentena de Pndaro, "homem, torna-te o que s", estimulando pessoa a

    elevar-se no seu prprio ser segundo as leis que nele se encontram impressas, constitui, de

    fato, um exato resumo da lei moral.

    Certamente, tornar-se aquilo que se coincide com chegar plenitude do prprio ser;

    consiste em possuir plenamente o seu ser, de tal modo que no lhe falte nem se lhe possa

    acrescentar mais nada. Eqivale a estar completamente feito. E justamente este o objetivo

    da moral.

    Ora, expressar o contedo da moral dizendo "torna-te o que s" supe aceitar uma

    noo de ser que, entre outras coisas, admita que o homem possa exercer o seu ser segundo

    graus diferentes de perfeio sem deixar de ser, em nenhum momento, aquilo que ele .

    Pretende-se nestas linhas, que necessariamente tero um contedo sinttico -mas que

    se mantero sempre na tica da filosofia do ser1 na qual o realismo moral solidrio e

    dependente do gnoseolgico -[EJP1], mostrar:

    1) que as realidades bsicas da moral harmonizam-se apenas com aquelas metafsicas

    denominadas do ser, que concebem o ser como a primeira perfeio, que contm e origina

    todas as outras. Qualquer afastamento, por pequeno que seja, dessas metafsicas do ser,

    assim entendidas, conduzir, mais cedo ou mais tarde, imploso do sistema moral que

    tivesse pretendido assentar-se numa noo de ser diferente;

    2) que a noo do ser implcita nos escritos de Toms de Aquino, ao reduzir todas as

    perfeies ao ser, supera a concepo formalista do ser e permite uma compreenso

    adequada das realidades bsicas da vida moral. O posterior abandono da noo tomista de

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    ser, de fato, mergulhou o homem moderno numa ciso entre pensamento e vida, causador

    de graves problemas de ordem moral e social;

    3) e que a noo do ser que se extrai da obra de Raimundo Llio no difere

    essencialmente daquelas apresentadas pelas metafsicas do ser, e por isso a moral lulianasobre ela assente uma moral permanente e adequada pessoa humana.

    I

    Afirmar que um ente pode aperfeioar-se sem deixar de ser aquilo que , supe

    abandonar, j de entrada, qualquer postura essencialista, pondo o contedo do ente no

    domnio do ato de ser, e no da esscia, e afirmando que um ente ser tanto mais perfeitoquanto mais ser tiver.

    Esta a perspectiva inicial da filosofia do ser. Dos dois coprincpios intrnsecos

    constitutivos do ente -a essncia e o ato de ser- considera este ltimo o mais perfeito. A

    essncia, por si mesma, mera possibilidade de ser. No ente real, j constitudo, a essncia

    se encontra atualizada pela atualidade do ato de ser, mas continua sendo possibilidade de

    ser. Se o ente real ainda no estiver constitudo, ento a possibilidade de ser da essncia se

    encontrar ainda em potncia. O ato de ser tem, pois, uma legtima primazia no ente real.

    As realidades metafsicas bsicas da moral.

    A primeira realidade metafsica, suporte de toda a ordem moral, o ente.

    O ente emerge pelo ato de ser. Todavia, esse emergir no deve ser entendido como

    um mero manifestar-se, um mostrar-se ou patentear-se do ente. O ato de ser estrutura

    intrinsecamente tudo o que se encontra no ente. Convm, portanto, distinguir entre uma

    primeira atualizao pela qual o ato de ser realiza a essncia, fazendo surgir assim a

    substncia -o ato de ser como ato da substncia-, e as sucessivas atualizaes que

    fundamentaro toda a operatividade do ente.

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    O ato de ser no , contudo, um mero actus essentiae, bem mais:

    Repare-se que no ente se encontram muitos atos: o ato fundamental e primeiro, pelo

    qual o ente ; e todos os outros atos suplementares, ou segundos, isto , os atos entitativos

    acidentais e os operativos, pelos quais o ente j constitudo opera de um ou outro modo. Oato de ser, o ato primeiro do ente, distingue-se de todos eles, porque faz que o ente seja

    ente.

    justamente pelo seu ato de ser que o ente participa do ser. O ser ato, e de por si,

    tem uma plenitude infinita; e o ente, pelo seu prprio ato de ser, recebe em parte, isto , de

    um modo limitado, essa plenitude do ser. Ao participar do ser, o ente no arranca uma parte

    do ser, pois o ser no tem partes. O que ocorre que o ser restringido na sua plenitude, de

    por si infinita, segundo a fora de apreenso da essncia receptora. Todo o contedo real do

    ente provm do ato de ser; a potencialidade da essncia restringe e d a medida desse

    contedo. Por isso deve dizer-se que o hHo de ser actus essentiae por ser ato de ser. As

    caractersticas reais do ser vivo -o viver-, do ser inteligente -o pensar e o amar-, etc. por

    exemplo, no tm sua causa eficiente na essncia, mas no ser, no ato de ser.

    Como conseqncia dessa origem no ser do contedo do ente, embora possa dizer-se

    que o ente tem o ser medida da essncia, o certo afirmar que os diferentes graus de ser

    que se encontram nos entes se originam na participao no ser2.

    Mais ainda. O extremado dinamismo intrnseco ao ser, sua riqueza -de por si infinita-,

    alm de constituir o ente, constitui, ao mesmo tempo, suas potncias e os atos

    correspondentes. A ltima das sucessivas atualizaes que realizar o ato de ser a de

    tornar reais os atos que o ente pe mediante suas potncias operativas.

    Entra-se assim na considerao de outra das realidades metafsicas bsicas da vida

    moral: a causalidade eficiente.

    A operatividade do ente tem tambm origem no ato de ser.

    Ao atualizar a essncia, realmente distinta dele, e originar deste modo o ente, ou a

    substncia, a ao infinita que prpria ao ser permanece assim como que limitada pela

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    essncia que o recebe e, por este motivo, denomina-se essa ao finita de operatividade,

    isto , o conjunto de capacidades, faculdades ou potncias operativas, no identificadas

    com a substncia.

    Por conseguinte, a operatividade da substncia -o conjunto de potncias operativas-,realmente distinta dela, causada por ela. Nem a potncia operativa, nem sua operao, so

    propriamente criadas -pois no so algo subsistente-, so obra da substncia. a prpria

    atualidade do ato de ser que constitui as potncias operativas, como acidentes, na linha da

    essncia. Por isso, embora sejam tambm distintas da essncia, admite-se dizer que fluem

    dos princpios da essncia, isto , da atualidade do ser.

    Aplicando ambos aspectos desta doutrina para o caso concreto do ser humano, dir-se-

    em primeiro lugar que suas caractersticas prprias -o viver, o entender, o amar, etc.- lhe

    advm de seu ser espiritual. por esse motivo que o ente humano denominado de pessoa.

    Em segundo lugar, suas potncias operativas, no possuindo ser prprio -tm apenas o ser

    do sujeito ou pessoa-, apenas pertencem3 pessoa humana, e por isto esta deve assumir a

    responsabilidade de seus atos livres.

    A oporatividade pressupe, pois, a atualidade da substncia ou ente. H operao na

    medida em que, pela atualidade do ato de ser, a essncia . Mas as potncias operativas

    comportam tambm um certo grau de passividade -potncia passiva, capacidade de ser

    movido ou alterado por outro- na medida em que essa atualidade estiver limitada pela

    essncia. As potncias operativas, por conseguinte, tm necessidade de serem atuadas pelo

    sujeito. A pessoa, pelo seu ato de ser, pois a causa eficiente de todo o seu operar.

    Recorrendo-se a uma tosca analogia, pode-se dizer que as potncias operativas so

    como as velas de um veleiro. Na medida em que existam, o barco tem capacidade de ser

    movido por um fator externo: o vento. Alm do mais, a forma, o tamanho, a posio decada vela delimitaro essa influncia do vento. Contudo, o patro da barca ter sempre

    necessidade de estender as velas. Da mesma maneira, na medida em que a riqueza do ser

    estiver limitada pela essncia, haver possibilidade de receber influncia externa; mas essa

    influncia ser limitada s caractersticas das potncias passivas. E sempre o sujeito

    assumir a responsabilidade de seus atos.

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    Continuando a descrever a completa plenificao do ente realizada pelo ato de ser,

    deve-se avanar agora um pouco mais e dizer que no basta afirmar que o ato de ser o

    primeiro de todos os atos do ente e o princpio de toda a sua operao. Dele provm

    tambm a atualidade de todos os outros atos. o ser-ato de todos os atos postos pelo ente.

    Um ato de pensar ou de querer sero atos da pessoa na medida em que neles se expresse o

    seu ser. O ato de ser , portanto, a fonte da mudana do ente, isto , a causa eficiente

    intrnseca de todos os seus atos.

    Uma vez j considerado o ser dos atos humanos, resta agora examinar sua explicao,

    e esta vem dada pela causa final. Note-se que o fim da operao s pode ser o ato primeiro

    do ente, isto , o ato de ser, porque a operao se realiza por ele. Fim significa perfeio e

    trmino intencional. Toda ao parece ordenar-se de algum modo ao ser; quer para

    conserv-lo, quer para adquiri-lo de novo4. Se verdade que a operao aperfeioa o

    sujeito, ento o contedo do que se aperfeioa ser mais perfeito e mais prprio depois da

    operao do que antes; portanto, o prprio ato de ser, que d foras e energia ao ente para

    operar, que se completa e aperfeioa com a operao. Da que nada possa aperfeioar-se

    por algo completamente distinto de si.

    O contedo do ato de ser.

    Tem se dito nestas linhas que pelo seu ato de ser que o ente participa do ser. E logo

    a seguir, j se afirmava que o ser ato, de por si infinitamente pleno. Convm, pois,

    guardar essa distino. Ser, no idntico a ato de ser. Ser mais amplo. A essncia, por

    exemplo, tambm , mas possibilidade. As filosofias do ser dizem que pelo ato de ser

    que os entes tm realidade, isto , participam do ser.

    Poder-se-ia perguntar agora: qual o contedo do ser? O que se encontra no ser como

    tal, no como ato de ser de um ente finito, mas enquanto ser? o mesmo que desejar saber

    em que consiste o seu ncleo ntimo, sua perfeio.

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    Na tentativa de responder a estas perguntas, Heinrich Beck, a partir da obra de Toms

    de Aquino, apresenta5 um caminho que, comeando pela operao -ato segundo-, se

    remonta ao ato primeiro do ente, o ato de ser, para chegar finalmente ao ato imvel de ser.

    Sua investigao comea, porm, a partir de uma forma de operao no primitiva,mas derivada e posterior, que possa assim cair sob os nossos sentidos: a mobilidade fsica

    dos corpos. Mas a mobilidade entendida no como mudana de lugar, mas como

    movimento do ser: o trnsito temporal de um estado de ser a outro: de um certo grau

    potencial de ser para um grau mais atual.

    V-se assim, por analogia entre o ato segundo e o ato primeiro, que este ltimo

    comporta tambm movimento, num sentido mais geral e supra-temporal. Se o movimento

    em sentido prprio -que expressa um trnsito temporal-, o ato do que imperfeito, o ato

    do ente enquanto se encontra em potncia, o movimento, em sentido geral, seria o ato do

    perfeito. E quanto mais perfeito for o ser, mais espiritual ser seu ato e mais concentrado

    em si seu movimento.

    De qualquer maneira, a natureza do ato expressa-se por ambas as formas de

    movimento e, portanto, pode-se dizer que a atualidade, enquanto tal, comporta uma

    analogia do movimento. O conceito de ato anlogo ao de movimento. Ora, como a

    operao brota do ser e nele se baseia, lgico relacionar o conceito de ser com o

    movimento.

    Costuma-se chamar de perfeio a esse movimento caracterstico da atualidade do

    ser. Quanto mais atualidade um ente tiver, maior movimento ter e maior perfeio: sua

    maior atualidade consistir num obrar mais em si mesmo e, ao mesmo tempo, num estar

    mais perfeitamente em si.

    Em outras palavras, preciso ver a perfeio contida no ser como algo sempre atual,

    algo que se atualiza, se realiza. Em Deus, como pura operao subsistente; no ser finito,

    como uma realizao e atualizao do ente, dentro dos limites da essncia.

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    Portanto, essa perfeio de por si infinita que tem o ser no algo esttico mas

    dinmico, e nesse dinamismo pode-se ainda vislumbrar uma certa estruturao ou

    ordenao transcendental.

    Dentre todas as propriedades que caracterizam esse dinamismo, principalmente duas,por terem carter operativo, revelam da melhor maneira o contedo do ser em seu aspecto

    universal: o ser verdadeiroe o ser bom6. Ser verdadeiro ser cognoscvel7, e ser bom ser

    apetecvel. O autntico dinamismo -movimento perfeito- do ser do homem, por exemplo,

    tem que ser algo cognoscvel e apetecvel pela sua pessoa. E tudo quanto possa enriquecer o

    ser do homem tem de ser primeiro conhecido, isto , encontrar-se na alma -no segundo o

    seu ser prprio, mas segundo o ser espiritual da alma-, e depois amado, isto , a alma

    dever inclinar-se a ele segundo esse ser espiritual que o conhecido tem nela. H, portanto,

    no ser do homem um movimento circular de conhecimento e amor -do ente objetivado para

    o esprito e do esprito para o ente objetivado-, e tanto mais perfeito ser o ser quanto mais

    conhecimento e amor comporte.

    Todavia, esse movimento circular no caracterstico apenas do ser do homem, mas

    de todo ser, dentro dos limites da essncia. Deus, ato puro de ser, o prprio ato vital do

    conhecer e do amar. Por outro lado, embora o conhecimento, na acepo estrita do termo,

    se encontre s no mundo espiritual, pode-se ampliar a sua noo considerando a ao doente material tambm como um certo conhecimento, na medida em que de alguma maneira

    nela se combinam o agente e o paciente. E o mesmo pode dizer-se do amor. Agostinho,

    aps dizer-nos que o azeite colocado sob a gua, situa-se sobre ela, e que derramada esta

    em cima do azeite, submerge-se debaixo, cada corpo tendendo assim para o seu lugar pelo

    seu peso, afirma: meu peso o amor. Pode-se denominar tambm de "amor" a inclinao

    que revelam todos os seres quando se dirigem para o seu fim.

    Conclui-se, portanto, que a estrutura e a forma interna do ser um movimento

    baseado na verdade e na bondade do ente. O ser se revela nesse movimento, que expressa

    assim sua natureza ou ndole transcendental. Trata-se, claro, de um movimento entendido

    em sentido anlogo, do ato do perfeito. A atualidade do ser vem a significar como que um

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    embalo circular em si mesmo, que justamente o que d estabilidade e firmeza aos entes.

    Aquilo pelo qual subsistem.

    O essencialismo.

    De modo diverso, o essencialismo acentua a importncia da essncia no ente, e

    considera o ser -que os essencialistas denominam de existncia- como um mero estado da

    essncia8. A essncia, nessa viso essencialista, seria o ser possvel, e a existncia, o ser

    real, e o passo de um estado a outro realizar-se-ia de uma s vez, por meio da causalidade

    eficiente extrnseca da criao. J se tornaram clssicas suas expresses essentia in potencia

    e essentia in actu, que revelam a origem formalista do essencialismo. Com efeito, o

    essencialismo encaixa-se na linha platnico-aviceniana que atribui essncia a origem dos

    graus de ser que encontramos nos entes.

    Essa desvirtuao do esse -que em si um ato e por tanto um princpio metafsico,

    causa eficiente intrnseca- realizada pelo essencialismo, ao convert-lo num resultado -o

    fato de ser real- sem nenhuma influncia na estrutura ntima de cada ente, torna difcil a

    compreenso de muitos aspectos da metafsica. Para o tema da moral, que o que interessa

    nestas linhas, suficiente dizer que na perspectiva essencialista no se consegue

    compreender adequadamente nem a operatividade do ente nem a essncia do conhecimento

    e de seu correlato, o amor.

    Para demonstrar esta ltima afirmao, tenha-se em conta o seguinte:

    De onde a potncia operativa receberia a atualidade para operar? Como explicaria

    uma metafsica essencialista os atos dos entes? Apenas se compreenderia a operao, se

    esta fosse semelhante a uma nova essncia posta na existncia pela causalidade eficiente

    extrnseca.

    O essencialismo, ao atualizar a essncia apenas "por fora", acaba fragmentando a

    realidade do ente em partes que s consegue manter articuladas pela causalidade eficiente

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    extrnseca: Deus, que d a "existncia" essncia e tambm aos atos das potncias

    operativas.

    Com relao ao problema do conhecimento, o essencialismo, ao pr a realidade no

    domnio da essncia, situa l tambm a verdade. Confere assim primazia verdade sobre oser; mas faz consistir a verdade na objetividade e coerncia dos conceitos apreendidos pelo

    entendimento. Para o essencialismo -por mais que este insista em afirmar que a verdade se

    baseia no ser- o ser do juzo um ser recebido da razo. V-se assim, de novo, a

    necessidade que o essencialismo tem de apelar continuamente para a causalidade eficiente

    extrnseca: se antes utilizava-se esta para explicar a composio do ente real, agora, de

    novo, a causalidade eficiente extrnseca da razo que d o "ser copulativo" ao juzo

    verdadeiro9.

    Esta postura conduz necessariamente a afirmar que o ente ente por ser verdadeiro,

    isto -pois nessa opinio a mesma coisa-, por ser apto para ser entendido. Define-se

    assim o ente a partir do conceito, que dizer que se conhece o que as coisas so a partir de

    sua verdade, quando o que ocorre de fato que se conhece a verdade quando conhecemos o

    que as coisas so10.

    Ora, essa concepo essencialista da verdade invalida o conhecimento das coisas

    singulares pois este s possvel atravs dos princpios, numericamente unos, das

    mesmas11. O conhecimento das coisas singulares seria impossvel se seus princpios fossem

    apenas unos por espcie, e justamente isto o que faz o essencialismo ao dar primazia

    verdade sobre o ser.

    Isto posto, s resta um caminho para uma metafsica essencialista explicar o

    conhecimento: a intuio.

    Com relao ao tema que aqui nos interessa -o do conhecimento da moralidade dos

    atos humanos, que so concretos e irrepetveis- o essencialismo, ao considerar a perfeio

    que impregna o ato moral como algo sempre superior ao que pode ser dado na existncia

    emprica, se apresenta incapaz de captar o dever ser no ser. A lei moral, no essencialismo,

    postula a harmonia do nosso agir com a nossa essncia, mas habita numa ordem ideal. E

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    como para fazer o bem preciso conhecer essa lei moral, o essencialismo apela para uma

    suposta -e impossvel para o homem12- intuio intelectual13.

    Reencontra-se assim novamente a tendncia essencialista a solucionar os problemas

    atravs da causalidade eficiente extrnseca. Neste caso, a tomar o pensamento por uma luzvinda de fora, de um mundo puramente inteligvel, de um Entendimento Puro e Separado.

    Mas, como bem diz Gilson, ento seria melhor dizer que este Entendimento pensa em ns

    do que dizer que ns pensamos14.

    O essencialismo chega assim a um passo de dissolver o conceito de moral, ou ao

    menos a reduzi-la constituio pela inteligncia prtica de uma norma objetiva mediante a

    qual se dever ordenar toda a atividade livre do homem. A fragmentao do homem que o

    essencialismo implica, unida a esta concepo excessivamente formalista da moral, faze

    com que no se d a devida importncia necessidade que o homem tem de retificar sua

    vontade e sua afetividade, no apenas para ajustar seus atos regra moral concreta, mas

    sobretudo para conhec-la, pois, para o homem as condutas lhe parecem boas ou ms

    segundo aquilo que ele . Com dizia Aristteles, qualis unusquisque est, talis finis videtur

    ei. Julgamos dos fins propostos segundo a nossa prpria disposio perante os mesmos.

    Por isso, sem dvida alguma, pretender fundamentar a moral numa metafsica

    essencialista s poder alimentar a ciso entre pensamento e vida no homem, e,

    necessariamente, reduzir a moral a uma casustica.

    Alm do mais, se a funo da existncia fosse apenas pr a essncia fora do nada,

    movendo-a de um estado de pura possibilidade para um estado de realidade, ela no poderia

    admitir graus e, por conseguinte, s caberia pensar num aperfeioamento do ser pelo lado

    da essncia. Ento, "tornar-se o que uma pessoa " s poderia ser interpretado como tornar-

    se mais homem.

    O essencialismo vem sendo amplamente atacado pelos filsofos do ser que,

    caracterizando positivamente a relao entre ato de ser e essncia, no ente, como uma

    relao de ato e potncia, vo demonstrando aos poucos as suas contradies.

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    A perfeio da pessoa humana.

    Pode-se agora compreender melhor, na tica da filosofia do ser, em que radica aperfeio da pessoa humana.

    Em primeiro lugar, deve afirmar-se que se ser pessoa j supe uma certa perfeio,

    essa uma perfeio totalmente recebida, sem cooperao alguma por parte da prpria

    pessoa. A perfeita bondade do ente-pessoa, sua consolidao no ser, se alcanar quando o

    ente acrescentar, sua bondade substancial, a bondade adquirida com a sua operao

    prpria15. ento que o ente-pessoa atingir sua ltima perfeio ou bondade interna 16, seu

    fim. Ser j bom simpliciter17, por ser essa bondade uma bondade j por ele causada18.

    Afirmou-se linhas atrs que um ente ser tanto mais perfeito quanto mais ser tiver.

    Portanto, a perfeio ltima do pessoa humana, essa perfeio que ainda no se possui mas

    que a cincia moral deve indicar e a moral vivida deve atingir, corresponder perfeio do

    seu prprio ser, e se alcanar mediante atos livres de suas potncias operativas 19. Mas no

    com qualquer um deles: somente com aqueles atos que intensifiquem e como que

    condensem o ser da pessoa, ou em outras palavras: com aqueles atos que se realizem

    mediante aquelas potncias operativas que se tenham mantido ou aperfeioado na linha

    originria do ato de ser, segundo a essncia humana.

    S com esses atos a pessoa poder ao mesmo tempo expressar o que ela e conseguir

    aproximar-se de seu fim. A perfeio das potncias operativas -inteligncia e vontade-

    torna-se pois necessria para que a pessoa humana possa realizar atos ou operaes,

    completos no seu contedo, que o faam ser aquilo que ele .

    Por conseguinte, a ltima perfeio se alcanar com uma operao. Mais

    estritamente: com a ltima atuao prpria operada pelo seu ato de ser -via potncia

    operativa aperfeioada- que alcanar tambm a ltima perfeio a que o ente est

    destinado, de tal modo que se pode afirmar que os entes so para a sua operao20.

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    E no domnio da essncia, a pessoa humana estaria impossibilitada de se aperfeioar?

    Para responder a esta questo basta lembrar que a pessoa tem a natureza humana ou

    essncia apenas como parte formal. Certamente, nessa parte formal radica tambm a

    possibilidade de uma perfeio ulterior, mas qualquer perfeio que se venha a acrescentar

    a uma natureza ser sempre acidental. Alm do mais, esse acrscimo de perfeio

    acidental[EJP2] -acidente qualidade- s poder ser alcanado pelo ato de ser da pessoa -ato

    de todos os atos e de todas as perfeies-, que a integrar na unidade pessoal. O homem,

    portanto, quando se aperfeioa mediante os seus atos, no se torna "mais homem" seno

    acidentalmente, tornando-se mais prudente, mais justo, mais forte, etc. Porm, quando se

    diz de algum que um bom homem, ou que se tornou melhor, ou mais verdadeiro, etc.

    est-se falando j no domnio do ser.

    Como se v, a causalidade eficiente intrnseca domina toda a filosofia do ser.

    causalidade eficiente intrnseca de um "ato de ser" finito que, participando21 na perfeio

    infinita que o ser tem de por si -e que ao mesmo tempo o primeiro ato da essncia, emerge

    nela e a intensifica-, possibilita o dinamismo do ente e a preservao de sua unidade.

    O que a pessoa "" ou "pode" resulta da atuao do seu nico ato de ser, que, por sua

    vez, tem como causa nica e efetiva o Ipsum Esse Subsistens, O Ser por essncia.

    A noo de ser que se harmoniza com a moral.

    Resta agora relacionar as principais caractersticas da autntica noo de ato de ser de

    modo a destacar seu papel de base e fundamento da atividade moral.

    1) O ser dinmico e a profundidade desse dinamismo expressa-se justamente

    mediante a noo de ato.

    2) Deus, o ato puro de ser, com um contedo e riqueza de perfeies infinitos, causa

    exemplar, ou modelo, dos entes finitos, pois conhecendo-se infinitamente, conhece a

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    infinita imitabilidade do seu Ser e expressa em Si mesmo as idias das coisas que depois, se

    quiser, criar. Deus , portanto, o fundamento ativo da possibilidade ideal do ser finito.

    3) Deus tambm causa eficiente dos seres finitos, pois, segundo a medida de suas

    idias, faz fluir de um modo estvel o ser, comunicando-o per participationem. Os seresfinitos so reais, portanto, por serem pensados e enquanto so pensados e queridos por

    Deus.

    4) esse ato finito de ser que realiza o ente finito, atualizando tambm a essncia, os

    acidentes, as potncias operativas e os atos.

    5) O ato de ser de cada ente causa eficiente e causa final de toda a sua

    operatividade.

    6) O ato de ser ato de todos os atos do ente.

    7) No homem, o ato de ser confere uma vida espiritual cujas operaes prprias so o

    conhecimento e o amor.

    8) O ato de ser do homem tem que ser visto como uma atividade que o mantm vivo

    continuamente e, atravs das potncias operativas, se expande em atos. A unidade do

    homem e de toda a sua operao provm, pois, do seu ato de ser.

    9) O homem, pelo seu ato de ser, possui apenas num sentido limitado -dado pela

    essncia humanidade- o carter de atualidade infinita que o ser tem por si; por isso, pode

    aperfeioar-se, intensificando e condensando a sua atualidade por meio dos atos segundos

    acidentais.

    10) Os atos segundos acidentais que no intensifiquem a atualidade do ser do homem

    so imorais. com eles que o homem se transforma no que Sartre, no seu desespero,

    definia exatamente como "um ser que no o que e o que no ".

  • 8/9/2019 O "ESSE" NA TICA DE RAIMUNDO LLIO (RAMON LLULL)

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    II

    A tentativa, iniciada por Toms, de harmonizar aristotelismo e neoplatonismo numa

    sntese que superasse ambas as perspectivas, foi bem sucedida e deteve, embora

    temporariamente, a tendncia formalista que impregnava uma boa parte da filosofiamedieval. Foi justamente o paulatino abandono posterior da posio tomista que

    possibilitou o trnsito para o racionalismo moderno, que tambm compartilha da mesma

    viso essencialista do ente22 caracterstica do formalismo.

    Embora na obra de Toms de Aquino no se encontre um texto explcito sobre a

    noo completa do esse, sem dvida alguma ela um dos conceitos fundamentais e

    estruturadores de sua metafsica. Se Toms, na sua imensa obra, no lhe dedicou um texto

    exclusivo e exaustivo, porque, como diz Pieper23, o conceito de esse era uma dessasnoes to evidentes para seus autores que no acharam necessrio demorar-se na sua

    explicao: simplesmente as utilizaram. Sobre o que evidente, no se fala.

    O esse tomista.

    Naturalmente, impossvel expor nestas breves linhas a doutrina completa sobre oesse tomista, e para a finalidade deste trabalho nem algo necessrio. Bastar apresentar

    aqueles textos de Toms de Aquino que respondam s exigncias apresentadas pelo

    conceito de esse desenvolvido na primeira parte.

    Deve-se comear dizendo que Toms, sempre que emprega a expresso ser -a menos

    que explicitamente diga outra coisa-, deseja significar por este termo o ato de ser, o actus

    essendi. Ora, ato significa essencialmente perfeio: uma coisa perfeita na medida em que

    est em ato24.

    Portanto, o ser, em si mesmo considerado, a perfeio fundamental. Todas as

    perfeies esto nele includas e dele se derivam25. O ser o que h de mais nobre, de mais

    simples, de mais formal; e quanto mais imaterial for um ato, mais nobre ser26.

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    Por outro lado, o carter de ato tambm expressa a profundidade dinmica do ser,

    pois ato ao, atividade. O dinamismo do ser torna-se claro quando Toms de Aquino diz

    que todo agente age na medida em que est em ato27. Alm do mais, Toms parece

    trabalhou neste sentido uma vez que sua doutrina dos modos transcendentais do ser revela

    uma estruturao ordenada e dinmica no carter de perfeio do ser. Com efeito, dentre os

    atributos do ente enquanto ente, os chamados transcendentais, h alguns que dizem respeito

    convenincia dos entes entre si, mais precisamente convenincia do ente com relao ao

    ente espiritual, que por natureza est aberto a todos os outros. Assim, por exemplo, a alma

    humana tem toda a realidade por objeto, ou, em outras palavras, toda a realidade pode

    existir na alma com um modo de ser espiritual igual ao ser da alma; ao mesmo tempo, a

    alma pode inclinar-se para toda a realidade feita objeto nela28. Ora, essa dupla convenincia

    do ente com a alma, que possibilita que o ente se possa denominar tambm verdadeiro ebom, possui um carter de atividade.

    Toms, deste modo, v o movimento em sentido amplo, na prpria atualidade do ato

    de ser, ao menos no ato de ser do ser espiritual. Na tica da identidade entre a causa

    eficiente e a causa exemplar, no ha dvida de que Toms de Aquino afirma tambm um

    movimento circular, ao dizer que toda a realidade volta ao seu princpio: Tunc enim

    effectus maxime perfectus est quando in suum redit principium29.

    Contudo, como a causalidade provm da atualidade do ser, a insistncia de Toms de

    Aquino em salientar a estrutura circular da causalidade deixa entrever que vislumbrara ser

    esta uma expresso da estrutura circular do prprio ato de ser30.

    O esse tomista expressa, pois, movimento. um ato perfeito, espiritual, como um

    movimento estvel pelo qual as coisas subsistem em si mesmas.

    Deus, a forma perfeita de ser.

    Toms de Aquino identifica o puro esse com o prprio Deus. "Divina essentia est

    ipsum esse31". Dado que a essncia dos entes a que d a medida em que o ente tem o ser,

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    em Deus sua essncia no pode ser distinta do seu ser. Sem nenhuma composio com a

    potncia, como ato puro de ser, Deus, na concepo tomista, a forma perfeita de uma

    atividade infinita de conhecimento e de amor, subsistente em si mesma.

    O movimento circular de conhecimento e de amor, prprio da atualidade do ser, emDeus fecha-se em si mesmo, pois Deus conhece e ama tudo entendendo-Se e amando-Se a

    si mesmo32. S o Ser puro pode explicar o ser das criaturas33, que flui, na Criao, como

    um efeito conjunto do pensamento e da livre vontade divina.

    Toms, neste ponto, serviu-se de Avicena, no s ao conceber Deus como um ato

    puro de conhecimento e de amor que d o ser criatura34, mas tambm para deixar bem

    claro que a Criao no significa apenas dar o ser criatura, mas mant-la no ser. Essa

    Criao, que em Deus uma ao instantnea, imvel e eterna, nos entes finitos realiza-se

    no tempo; por isso, enquanto a criatura estiver no ser isto significa que Deus est pensando

    nela, embora o tempo s transcorra para a criatura.

    justamente por provir do Deus-eterno que o esse algo estvel no ente. E essa

    estabilidade no ser o fundamento da verdade da coisa, na clssica definio de Avicena:

    "A verdade de uma coisa a caracterstica prpria do seu ser, que lhe foi dada como

    propriedade constante.35" Trata-se da verdade transcendental da coisa, que surge da

    comparao da realidade com o pensamento divino.

    Deus , portanto, a causa exemplar, isto , o princpio mensurante ou formal da

    realidade criada. Esta, por sua vez, pelo seu ser e na medida do mesmo, semelhante

    bondade divina. Todo aperfeioamento que os entes puderem realizar em seu ser, ter a sua

    explicao na mente divina.

    Mas Deus tambm causa eficiente da criatura, no s porque fundamenta, ao pens-

    los, as essncias dos seres finitos, mas tambm porque os cria ao am-los, ou quer-los,

    fazendo-os participar do seu ser. Os diversos atos de ser que procedem do Ato Primeiro

    infinito so, diz Toms, como que uma participao sua, e so recebidos em diversas

    potncias ou essncias proporcionadas a eles36. S um ato de ser assim concebido pode

    explicar a autntica autonomia das realidades temporais.

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    Deus , portanto, o Ser primeiro, Perfeio infinita, princpio de todas as coisas, "esse

    primum est et quase principium aliorum, praebens in se omnia37". Por outro lado, no

    necessrio ao ente finito possuir o ser com todas as dimenses de sua perfeio.

    O esse finito tomista.

    Acabou-se de afirmar que o ato de ser criado atualiza a potencialidade da essncia,

    com o qual se enfatizou que a essncia mera potencia de ser 38. V-se, assim, que a

    atualizao tomista da essncia concebida em termos de ato-potncia e, portanto,

    completamente distinta da concepo essencialista.

    O esse -que em si mesmo ultrapassa todas as capacidades receptivas da essncia-

    emerge no ente atualizando tudo quanto nele se encontra. o princpio de todas as suas

    perfeies39 e ato de todos os atos do ente. Por isso, tambm causa eficiente e final de

    tudo quanto de real houver no ente.

    E tambm da operao. O atuar de um ente provm de seu ato de ser, o expressa e o

    desenvolve. Portanto, o ato de ser , em certo modo, a causa eficiente, a causa exemplar e a

    causa final que aperfeioam a operao. Assim sendo, compreende-se que o atuar humano

    expresse da maneira mais perfeita o prprio ser do homem.

    Isto posto, est aberto o caminho para examinar o aperfeioamento do ser humano,

    estritamente sob a tica do ser, na metafsica tomista.

    A unidade da pessoa humana.

    Por ser espiritual, o ser do homem s poder aperfeioar-se mediante atos que

    intensifiquem e condensem cada vez mais a atualidade do seu prprio ser. Em outras

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    palavras, mediante atos livres de conhecimento e de amor que elevem o nvel de sua

    bondade.

    E aqui radica o caracterstico da realista moral tomista. Saber se convm ou no

    realizar um ato, no uma questo de pura inteligncia, mas depender da disposio detoda a pessoa humana com relao a seu fim objetivo. Toms de Aquino no se cansa de

    repetir que s ao homem bom as aes boas parecem-lhe tais. Ao homem habituado ao mal,

    porm, a conduta boa parece-lhe m e a conduta m parece-lhe boa. E para conseguir essa

    boa disposio com relao aos fins da vida, so necessrias as virtudes ou hbitos bons,

    autntico patrimnio espiritual da pessoa, que retificam tanto as potncias espirituais

    quanto as afetivas.

    Dado o domnio que a vontade tem sobre o juzo da inteligncia prtica, os juzos

    sobre as condutas concretas sero adequados somente se a vontade estiver retificada e

    orientada para o bem. Como as aes concretas so nicas e irrepetveis -contingentes-, a

    inteligncia no terminaria nunca sua deliberao ao tentar conhec-las. Somente sob a

    presso da vontade -que quer uma determinada conduta -, a inteligncia formular seu

    ltimo juzo prtico, apresentando como bom o que a vontade deseja.

    Ora, para se conseguir essa retificao da vontade para o bem torna-se necessrio

    possuir uma sensibilidade tambm bem disposta. Educar a sensibilidade, embora possa

    custar um grande esforo, sempre possvel40, pois os sentimentos humanos, na medida em

    que so atos de uma sensibilidade humana -isto , penetrada de razo -, sero sempre atos

    voluntrios ou atos procedentes de hbitos voluntrios.

    Ser por intermdio das imagens e fantasias, resultado dos hbitos e dos costumes,

    que a sensibilidade influir sobre o juzo prtico da inteligncia, arrastando tambm a

    vontade. O mecanismo fartamente conhecido. As coisas e os comportamentos conhecem-se nas idias que o entendimento forma deles, idias que surgem das imagens que por sua

    vez vm sempre envolvidas num caldo emocional. Quando se trata de conhecimentos sobre

    o ser das coisas -saber, por exemplo, quanto perfazem dois mais dois-, a inteligncia

    dificilmente erra, porque o resultado dessa soma, alm de seguir uma regra geral com

    validade universal, no interfere nos interesses atuais, aqui e agora, da pessoa que calcula.

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    Mas quando se trata do dever ser, de algo a ser feito, de uma conduta, o juzo que a

    inteligncia deve proferir um juzo prtico, para o aqui e o agora, que sempre interfere nos

    interesses atuais. A inteligncia acabar omitindo qualquer outro pensamento a respeito do

    dever, e julgar bom o que a vontade lhe apresentar como tal41, embora objetivamente no

    o seja. Freqentemente, o impacto emocional que impulsa o surgimento do contedo

    conceitual42.

    Portanto, para realizar o bem conveniente prpria pessoa, exige-se a unificao da

    mesma; somente assim haver condies vitais para compreender o bem a ser feito, e

    vontade e paixo em faz-lo. S essa unificao possibilitar a unificao da moral objetiva

    com a subjetiva43, fazendo que o que parea bom ao homem bom, seja objetivamente bom.

    Uma moral como a tomista, fundamentada no ato de ser, permite compreender como

    que se alcana essa unificao. Nela, o fundamento metafsico do dever o prprio esse e

    no, como nas morais tocadas de essencialismo, Deus-legislador44.

    Sempre que o pensamento ocidental abandonou a tica do ser, perdeu-se a unidade do

    ente e fragmentou-se o homem e o seu operar. Como a origem do ser se encontra na livre

    criao divina, uma vez perdida a perspectiva do ser, perde-se tambm a sua origem e

    busca-se, tanto o devir como o aperfeioamento do ente na causalidade extrnseca, isto ,

    fora do ser.

    O pensamento formalista moderno tende a buscar a estabilidade do ente - aquela

    estabilidade necessria que as coisas devem ter para poderem ser objeto de conhecimento-

    no domnio da essncia. Naturalmente, tambm a encontra, porque as essncias so postas

    pelo esse concreto, mas no l onde deve buscar-se a verdade do ente -aquela parte de

    verdade transcendental das coisas que acessvel ao homem- e sim no ato de ser do ente. O

    que o homem, no conceito, capta da verdade das coisas s uma parte da verdade total, quepermanece oculta no secreto de Deus. Mas o formalismo, indevidamente, confere a essa

    verdade parcial uma necessidade total e substitui a prpria coisa por ela. O pensamento

    torna-se assim caminho do ser45.

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    Na medida em que a pessoa humana ainda no se "tornou o que ele ", como dizia

    Pndaro, existe a possibilidade de, desde a sua concreta fragmentao, perder-se nesse

    caminho para o ser atravs do pensamento e acabar confundindo "aquilo que se deve ser"

    com "aquilo que se quer ou se sente".

    III

    Raimundo Llio, alm de numerosos captulos contidos em obras mais gerais e

    enciclopdicas, escreveu diversos livros dedicados ao ser humano, seus constitutivos, suas

    potncias e sentidos46, porm sempre tendo em vista o homem existente concreto. A sua

    moral agrada justamente por isso, pelo sabor e o realismo que reflete.

    No promio do livro oitavo do Libre de Meravelles, dedicado ao homem, introduz o

    tema da moral: "Flix andou longamente por uma estrada que no o conduziu a lugar

    algum que o maravilhasse, at que finalmente encontrou num campo de relva umas ovelhas

    que estavam sendo mortas e comidas por lobos. Perto daquele prado, na sua cabana, havia

    um pastor deitado na cama. No queria levantar-se pois o tempo era ruim; chovia e fazia

    frio. Perto do local onde o pastor estava um cachorro lutava com um lobo, e o co latia

    fortemente a fim de acordar o pastor para que o ajudasse contra aquele lobo e contra o

    outro que matava as ovelhas.

    Maravilhou-se muito Flix com o pastor, to preguioso e vagabundo,

    que no ajudava o cachorro nem se incomodava pelas ovelhas que o outro

    lobo devorava (...) 'Admira-me esse cachorro, que no tendo inteligncia

    conhece e cumpre com seu ofcio, enquanto tu, pastor, no cumpres com o

    que te foi mandado.' Tais palavras e muitas outras dirigiu Flix ao pastor, o

    qual desprezava tudo quanto Flix lhe dizia, e o tinha por louco e o

    injuriava, at que comeou a amea-lo orgulhosamente de tal modo que

    Flix teve medo de que o matasse."47

    O que , de que , e por que o homem.

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    Llio concebe o homem como um ser no qual alma e corpo se unem perfeitamente.

    Nele existe o vegetar, o sentir, o imaginar, o raciocinar e o movimento. A forma e a matria

    do homem constituem o corpo no qual h sensibilidade e pela qual se possuem os cinco

    sentidos.

    V-se, portanto, o corpo humano como sujeito da sensibilidade, mas trata-se de um

    corpo todo especial, de um corpo, como Llio diz, "vegetado, sensitivado, imaginado,

    raciocinado e movido para ser corpo humano48." A unidade domina todas as potncias. Por

    exemplo, assim como a potncia sensitiva, sendo nica, diversifica-se atravs dos cinco

    sentidos corporais, da mesma maneira tambm por eles se diversifica a imaginao, retendo

    contudo a sua disposio, e influenciando no seu operar, embora de modo diferente,

    segundo o que a potncia sensitiva tiver captado.

    pela razo que a alma racional. Mas a razo tem memria, entendimento e

    vontade, e as trs juntas constituem a alma racional. Por movimento, Llio entende a

    potncia motiva, isto , o movimento no qual o vegetativo, o sensitivo, o imaginativo, e o

    racional formam um todo nico, dominando o racional todas as outras dimenses. Por isso,

    explica, diz-se que "a alma forma do corpo, porque domina sobre tudo quanto de

    vegetativo, sensitivo e imaginativo h no homem, movendo a imaginativa a imaginar, a

    sensitiva a sentir, e a vegetativa a vegetar."49

    As diversas atividades espirituais da alma radicam, como explica no livro D'home,

    em diferentes partes do crebro, mas o "homem homem" pela unio substancial dos dois

    constitutivos, a alma e o corpo. O homem, portanto, um ser composto pela unio

    substancial de uma forma e uma matria humanas que revelam a sua essncia. Llio,

    pensador independente, pe a alma como uma nica forma substancial, da qual provm

    tanto as atividades intelectuais e espirituais como as sensveis e as imaginativas.

    A vida do homem caracteriza-se pela racionalidade, porque a alma racional traz

    consigo um tipo especial de vida espiritual que consiste na memria, no entendimento e na

    vontade. E esse tipo de vida um modo especial de ser50. Por essa alma racional que

    tambm tm ser, alm dos atos estritamente espirituaisos atos corporais e os afetivos.

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    Todos os atos do homem participam, segundo o mestre maiorquino, do duplo carter

    intelectual e sensvel de sua natureza.

    O agir do homem.

    O operar humano dividido por Llio em obras naturais e artificiais51, sendo que

    neste trabalho interessa deter-nos apenas nas primeiras.

    Deve destacar-se na concepo do filsofo maiorquino o carter unitrio de todo o

    agir humano. Llio considera obras naturais tanto os atos que provm das formas ou

    perfeies que constituem o homem, quanto os atos que provm de suas potnciasoperativas. Com relao aos primeiros, cabe dizer que Llio concebe como um ato a

    conexo das formas e das matrias naturais que constituem o homem -j relacionadas

    acima: vegetar, sentir, imaginar, entender e amar...- por consider-los como atos primeiros,

    isto , realizados sem deliberao nem escolha por parte do homem. Os outros atos naturais

    originam-se nos anteriores, e so sempre acidentais. Por exemplo, a clera, que aquece o

    homem e lhe faz sentir sede, ou o ato do homem que se aquece a si prprio antes de uma

    corrida; a transformao dos alimentos em carne humana; ver as cores; o imaginar coisas,

    que denomina "imaginar segundo", por ser j elegvel, distinto portanto do primeiro

    imaginar radical que consiste na relao do objeto pensado com a coisa pensada; e o

    mesmo diz do entender e do querer52.

    Dois so os motivos pelos quais o homem realiza obras naturais, diz Llio: pela sua

    essncia e pelo seu fim. Nem a forma nem a matria substanciais do homem poderiam ser o

    que so sem tais obras naturais, sem as quais a forma no teria ao nem a matria paixo e,

    assim, a forma no seria forma, e a matria no seria matria.

    Convm ainda que haja obras naturais por razo do fim. Neste ponto, Llio aplica sua

    conhecida53 doutrina da tridimensionalidade do ente. Como sabido, a estrutura do ente,

    segundo o maiorquino, vem formada pora potncia, objeto e ato. A potncia capacidade

    de atuar ou operar. O objeto, o termo ad quem da potncia. A tenso entre potncia e objeto

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    resolve-se pelo ato, que, unindo a potncia de ser com seu objeto, constitui o ente real,

    fazendo-o ser aquilo que 54. Destarte, entende-se que no existiria o homem concreto se

    no existissem os atos de vegetar, imaginar, sentir, entender... Os atos naturais so, pois, o

    fim natural do prprio homem; e no pode ser de outro modo, pois ento o homem

    alcanaria seu fim natural nas realizaes externas a si, o que impossvel55.

    Ser, pois, pela alma espiritual que o homem alcanar o seu fim. Por ela, o homem

    ganha virtudes ou vcios, e com eles mritos para o bem ou para o mal.

    A memria, o entendimento e a vontade habituam-se a entender as coisas intelectuais,

    pondo-se em movimento pelas coisas sensveis56. Llio descreve no seu Llibre de

    Contemplaci o modo como o conhecimento humano se ergue do sensvel para o

    intelectual, e deste, de degrau em degrau, para planos intelectuais mais altos, sempre numa

    presena constante do Ser supremo, criador do ser finito e concreto. Amplamente

    comentado por muitos foi seu af de buscar nas operaes do homem, inclusive nas mais

    espirituais, e incipalmente nos seus princpios, tudo quanto o aproxima dos outros seres

    sensveis, numa viso ao mesmo tempo filosfica e mstica, que relaciona tudo com Deus, e

    que torna Llio um dos autores espirituais medievais que mais se prestaria a uma anlise

    paradoxalmente materialista57.

    Atravs da vontade e do seu querer livre, o homem pode torcer a sua inteligncia e

    dirigi-la na direo daquilo que ama. Se ama seu fim, paulatinamente ver reforar-se a

    concordncia interna que existe entre as suas potncias, inclinando-se cada vez mais ao fim

    para o qual foi criado. Assim fazendo, seu entendimento ser bom e produzir um saber

    igualmente bom, que multiplicar as boas obras.

    Se, pelo contrrio, o homem se habitua a considerar apenas os bens sensveis, aos

    poucos, entretido no que passageiro e material, ver intoxicar-se sua capacidadeintelectual, pois "to grande a conjuno que existe entre os sentidos corporais e o

    conhecimento intelectual... que o uso do sensvel feito pelos sentidos corporais , naquele

    instante, desvio e bloqueio do conhecimento intelectual.58"

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    A capacidade humana de penetrar a realidade, compreendendo-a, , pois, algo muito

    voltil. Ao perder-se a integridade interior, deteriora-se a capacidade intelectual e, muitas

    vezes, pensando acreditar numa verdade, acreditar numa falsidade; querendo fazer o bem,

    far o mal.

    O homem alcanar sua plenitude ou perfeio prpria "na medida em que, tendo

    Deus colocado nele algo de sua semelhana, quiser usar dessa semelhana59". Isto , na

    medida em que atualiza seu ser e se torna o que . E realiza esta plenitude por meio das

    virtudes, ou "costumes bons" como Llio as denomina.

    Novamente ressalta neste ponto a unidade do sujeito humano no seu operar, segundo

    a viso luliana. Proclama-se que as virtudes trazem sempre consigo a submisso da

    sensibilidade. "Quando as virtudes se encontram no homem, elas provm e derivam da

    potncia racional que usa de sua capacidade, desde que tenha submetida a si a potncia

    sensitiva60", enfatizando deste modo a necessidade das virtudes integrarem o sensvel e o

    intelectual, com o que se elimina de vez qualquer moral desencarnada e abstrata.

    Mas essa unidade um efeito do esse luliano.

    O esse luliano.

    Charles Lohr foi um dos primeiros a perceber que Llio teria introduzido um conceito

    peculiar de ser: o ser produtivo61. Com efeito, o dinamismo intrnseco ao ser, examinado na

    primeira parte deste trabalho, considerado por Llio produtivo, at o extremo de afirmar

    que as perfeies que cumulam o ser nunca esto ociosas; sempre esto ativas e produzem.

    Se a bondade no produz o bem, no bondade. Se a unidade no unifica, no unidade, e

    assim sucessivamente.

    No resta dvida de que Llio usa o termo esse para designar o ato de ser real.

    Freqentemente, usa expresses tais como "esse in esse" e "habere esse"62. No Llibre de

    Contemplaci diz: "... est certe rationabile, quod nos, qui scimus, quod Tu sis in esse,

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    laetemur in tuo esse, qui est in esse et non in privatione (...) Nam hom debet laetari, quia

    ipse est in esse, et non est privatus ipso esse; igitur nos, qui sumus certi quod simus in esse,

    laetabimur; nam quinque sensus nobis demonstram esse, in quo sumus..." 63

    Llio concebe o ser constitudo por princpios ou propriedades generalssimos -bondade, grandeza, eternidade, poder. pensamento, vontade, etc.-, nos quais se inclui tudo o

    que . Em Deus, esses princpios assumem uma modalidade superlativa e so chamados de

    Dignidades. Cada Dignidade conversvel com a essncia divina. Deus, por conseguinte,

    o Supremo Esse, o nico entre todos os seres com nobreza e perfeio suficientes para ser

    eternamente e infinitamente por Si e para Si.

    Estes princpios so causativos. Assim, por exemplo, a bondade divina causa as

    bondades extrnsecas, a grandeza divina e a eternidade divinas as grandezas e duraes

    extrnsecas. E assim com os outros princpios64. Todos os entes criados existem por esses

    princpios.

    Insiste o filsofo catalo na causalidade intrnseca, ao explicar que as bondades, as

    grandezas extrnsecas, e todos os outros princpios que constituem o ser dos entes finitos

    tm suas aes e paixes ordenadas naturalmente pelos princpios supremos. Isto significa

    que o ser de cada ente depende de causas intrnsecas diretamente dependentes das

    supremas65.

    Causa de todos os seres, Deus se reconhece bom ao produzir as bondades finitas, pois

    bom que o bem criado entenda e ame e lembre de Deus. Por isso criou a inteligncia, a

    vontade e a memria no anjo e na alma racional66.

    A estrutura dinmica do ato de ser , pois, produtiva. O ser o ato -o ato do ente-,

    natural do ente, mediante o qual se sustenta sua essncia, tornando-a concreta. Todavia,

    trata-se tambm aqui de um movimento entendido em sentido amplo, de um dinamismo

    necessrio para o ente ser o que . Sem dvida alguma, fala-nos Llio daquela estabilidade

    do ser que Toms de Aquino j descobrira. Chega a afirmar que, nesse ato, a essncia

    concreta se encontra em repouso: "In quo quidem actu (natura) est in quiete"67

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    O ente finito pode ser de trs modos: em Deus, na alma humana e em si. As idias em

    Deus, porm, no so seres reais, pois no podem ser um com o infinito Esse divino, nem

    sequer parte dEle68.

    o pensamento divino que delimita a essncia do ente finito. Deus pensa o geral e oparticular. Portanto, no seu Pensamento se encontra o fundamento da possibilidade de cada

    ente finito, isto , a essncia de cada ente singular69. Essa essncia, que em si mesma

    abstrata, torna-se concreta no ente concreto, por conta dos princpios generalssimos do

    ser70.

    Ento, cabe perguntar qual ser a relao entre essentia e ens. Llio coerentemente

    dir que a essncia se converte com a entidade -a propriedade do ente pela qual o ente

    ente e produz e opera o ente. Mas tambm o esse se converte com o ente. Est claro que

    est-se referindo j essncia singularizada no ente concreto. Llio usa o termo converter

    num sentido lgico, e portanto no significa igualdade real. De fato, Llio demonstra a

    diferena real entre a essncia e o ente, pondo a essncia no nvel conceitual e o esse no

    nvel do concreto71. "Natura est essentia, in suo naturali concreto sustentata.72"

    Finalmente, resta dizer que deve-se atribuir ao ato de ser de cada ente a unidade de

    todo o seu atuar. No caso do homem, Llio dir que se produz uma concordncia natural

    entre suas potncias quando estas se aplicam a seus objetos correspondentes, e acrescenta

    que a prpria realidade que envolve o homem ganha tambm uma nova concordncia

    quando se torna objeto sensvel, imaginvel e racional do mesmo atravs de suas potncias.

    Sendo os atos destas potncias simultneos, os objetos das potncias inferiores tornam-se

    instrumento das superiores. O sensvel instrumento do imaginvel, e este do inteligvel.

    Contudo, quando o homem atua contra o fim para o qual foi criado, quebra-se a

    ordem nas potncias, nos seus atos e nos seus objetos, que assim deixam de serinstrumentos adequados para uma boa inteleco73.

    V-se, portanto, que at mesmo a descoberta pelo homem da moralidade de uma ao

    concreta poder vir a ser prejudicada de acordo com sua disposio em relao aos seus

    fins. Neste ponto Llio, como fez Toms, seguiu Aristteles74.

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    Concluso.

    Pretendeu-se com esta Nota mostrar que se Llio concebeu o dinamismo e a produo

    como propriedades intrnsecas ao ser, tal concepo tem pouco ou nada a ver com as

    filosofias da ao, onde o movimento se concebe anterior ao ser. Ocorre que, do ponto de

    vista essencialista -e no poucas vezes essa foi a tica utilizada por alguns estudiosos do

    filsofo maiorquino-, Llio torna-se incompreensvel, pois nunca se admitiria que a

    essncia j constituda ente fosse conversvel logicamente com o ser.

    Alm do mais, como os essencialistas pem a realidade no domnio da essncia, e

    Llio faz originar toda a atividade do ente nos princpios do ser, so levados a concluir que

    Llio defendeu um movimento que se realiza sem sujeito, isto , a primazia da ao.

    Em Llio, todavia, sempre h um sujeito que se move, e justamente por mover-se, e

    por mover-se de tal maneira, que tal sujeito. Redescobre-se, assim, em Llio a

    causalidade intrnseca que origina a autonomia dos entes temporais, e ao mesmo tempo no

    se perde nunca a sua ligao com o Supremo Ser, Deus-Criador.

    O filsofo catalo realista, e atribui a origem do contedo dos entes finitos mente

    divina. Consciente da incognoscibilidade que isto acarreta, desenvolver ao longo de sua

    vida uma tcnica -as sucessivas Ars- para subsidiar o homem na sua procura da verdade dos

    entes. Essa tcnica tem sido chamada de lgica realista, porque consiste fundamentalmente

    numa combinatria dos princpios ou perfeies que se encontram em Deus de um modo

    divino e infinito, e, nas criaturas, finito e limitado. Por meio da analogia entre todos os

    seres, Llio, mediante uma srie de perguntas e de regras, combina na sua Ars as respostas,

    sempre voltando aos seres concretos -embora possam ser de distintos graus de entidade-,

    para colher exemplos que ajudem o entendimento a concluir.

    Esta Nota, cujo contedo teve de ser necessariamente sinttico, quis apenas

    apresentar rapidamente os pontos nucleares em que se entrelaam a metafsica e a moral.

    Tomara a sua ltima parte possa servir de roteiro para desenvolvimentos mais amplos e

    matizados. Muitos j aprenderam do enfoque luliano, mas ningum ainda seguiu o filsofo

    catalo at as ltimas conseqncias.

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    Notas:

    * Texto publicado emVERITAS, Porto Alegre (1995), Vol. 40, n 159, pp. 599-621 e em Idade mdia:tica e Poltica, org. Luis Alberto de Boni, EDIPUCRS, Porto Alegre, 1996, pp. 395-421.

    ** Centro de Extenso Universitria - So Paulo.

    *** As abreviaturas usadas neste trabalho sero as seguintes:BECK = Henrich Beck = El ser como acto,Ediciones Universidad de Navarra, Pamplona 1968. PIEPER = Josef Pieper, O elemento negativo nafilosofia de Toms de Aquino - a propsito de uma sentena de Avicena, traduo de Gabriele GreggersenBretzke e reviso tcnica do Prof. Dr. Luiz Jean Lauand. Revista de Estudos rabes, Ano III - N 5/6Jan/Dez 1995. CANALS = Francesc Canals Vidal, Sobre la esencia del conocimiento, PromocionesPublicaciones Universitarias, Barcelona, 1987. ANTOL = Antologia Filosfica, aos cuidados de MiquelBatllori, Ed. Laia, Barcelona, 1984. ROL = Raimundi Lulli Opera Latina, Palma de Mallorca, 1906-1950,vols. 1 a 5; Turnholt, Brepols, vols. VI em diante, em CORPUS CHRISTIANORUM, ContinuatioMediaevalis; EL = Estudios Lulianos, nova denominao a partir do vol. XXXI, 1, No. 84: SL = StudiaLulliana. MET =Toms de Aquino, In Metaphysicam Aritostotelis comentaria, Marietti, MCMXXXV.SENT = Toms de Aquino, Scriptum super libros sententiarum, Ed. Mandonnet, Sumptibus P. Lethielleux,Ed. Paris, 1929. STHEOL = Toms de Aquino, Suma Teolgica, Esc. Sup. de Teol. S. Loureno deBrindes, Univ. Caxias do Sul, Sul, 1980. CG = Toms de Aquino, Suma contra os gentios, Esc. Sup. deTeol. S. Loureno de Brindes, Univ. Caxias do Sul, Sul, 1990. POT = VER = Toms de Aquino ,Questiones Disputatae, In Lib. Cons. S. Pauli, Paris, 1883. ETHIC = Toms de Aquino, In decem librosethicorum Aristotelis ad Nicomachum, Marietti, Taurini 1934.

    1 A filosofia do ser, em gnoseologia, intelectualista: considera a atividade intelectual intimamente vinculadaao ser, que o objeto da inteligncia. Da surgem duas caractersticas dessa filosofia: em primeiro lugar, orealismo metafsico, ou seja, a afirmao de que o ser permanece ao alcance da inteligncia; e em segundo,o carter dependente ou heternomo de sua moral, com uma heteronomia que se compenetra com aautodeterminao livre do homem.

    2 Por isso, os diversos graus do ser que apresentam os entes medem-se pelas diferentes distncias at a formaperfeita de ser em que os entes se situam. Esta distncia pode tem duas medidas: 1) conforme o participadose entenda de um modo universal -o que origina a diversidade numrica dento de uma espcie- e 2)corforme os diversos modos que um participante individual participe da mesma essncia. A este segundomodo, fundamentado na participao transcendental do ser, diz respeito o problema moral.

    3 Por serem acidentes, as potncias operativas no formam parte da essncia. A essncia, ao impor suamedida ao ato de ser, apenas faz com que a potncia operativa seja tal potncia; por isso a essncia acausa formal da potncia operativa; mas a causa do ser da potncia operativa -e do seu ato prprio- o atode ser do ente.

    4 Cf. C.G. , III, Cap. 3.

    5 Cf. BECK, p. 8 a 83.

    6 As coisas so reais por serem pensadas e queridas por Deus. Esta origem divina o fundamento de suainteligibilidade e de sua amabilidade pela criatura racional.

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    7 O termo verdadeiro anlogo e pode referir-se a ser cognoscvel pelo Entendimeno divino ou pelo humano.O primeiro sentido - o ente conforme ao Entendimento divino - corresponde verdade transcendental doente e tem algo de insondvel para o entendimento humano. O segundo - o entendimento humano conformeao ente - origina o entendimento verdadeiro.

    8 A existncia, tal como concebida pelos essencialistas, no pe nem tira nada no ente. um mero factum

    indicador da presena do ente na realidade ou na conscincia, tanto faz.

    9 O juzo verdadeiro apenas um sinal do entendimento verdadeiro, que causado pelo ser da coisaconhecida. No assim no essencialismo, em que os conceitos formadores do juzo, em si mesmos algodecomposto e inerte, unem-se graas causalidade eficiente da razo que pe o ser copulativo.

    10 Cf. CANALS, p. 553-556 e PIEPER, p. 65

    11 neste ponto que entra em jogo a analogia. O conhecimento possvel porque h nos princpios das coisassingulares algo uno em muitos segundo uma noo. "Scientia autem est de his, non quia sint unum numeroin omnibus, sed quia est unum in multis secundum rationem" (Met., liv. III, li. 10, n. 463, p. 155)

    12 Para um conhecimento intelectual ser intuitivo deve terminar num objeto realmente presente no

    entendimento. Sobre as equivocidades do termo intuio, veja-se o interessante estudo CANALS, p. 83-224.

    13 Leia-se Maritain quando estuda o primeiro ato moral de uma criana que um dia se abstm de dizer umamentira, por ser a mentira uma ao m. O filsofo conclui por um lado que a inteligncia conhece adistino entre o bem e o mal; mas, por outro, ao intentar estabelecer, como fruto dessa primeira concluso,a existncia da lei moral, a situa na ordem ideal. Eis as suas palavras: "Mas, porque o valor que assimimpregna o objeto moral e o ato moral superior a tudo o que dado na existncia emprica e diz respeitoquilo que deve ser, fazer o bem pelo bem implica necessariamente que haja uma ordem ideal eindeclinvel da justa consonncia do nosso agir com a nossa essncia, uma lei dos atos humanostranscendente a toda ordem de fatos". A existncia dessa lei que transcende a toda ordem empricamanifesta, segundo Maritain, a existncia de um Bem separado, a prpria Bondade, Deus. Mas adificuldade continua sendo compreender como se pode alcanar essa lei para se ajustarem os prprios atos a

    ela. De pouco adianta dizer, como mais adiante explicar Maritain, que preciso esforar-se por alcanaraquele Bem separado e guiar a prpria vida por ele, como se o movimento pelo qual se tende ao Bemseparado fosse suficiente para dirigir -consciente ou inconscientemente- o homem por entre as infinitaspossibilidades de bondade ou malcia que apresenta cada um de seus atos imediatos. Trata-se de saber como que se conhece a moralidade de um ato concreto. No resta outro caminho ao sbio francs de definir oconhecimento dessa lei transcendente e de ordem ideal como uma noo prtica, confusa e intuitivamenteapreendida. (Cf. Jacques Maritain, Caminhos para Deus, Ed. Itatiaia Ltda., Belo Horizonte, 1962 p. 72.)

    14 E. Gilson, Lingst'`a y Filosofia, Gredos, 1974, p. 137.

    15 Chama-se virtuoso e bom o ente que se encontra bem disposto com relao sua operao prpria.

    16 H tambm o fim ltimo externo, que no outro alm de Deus, o princpio pelo qual o ente tem o ser.Unindo-se por si mesmo a Ele o ente se completa e se consolida, distanciando-se dEle, deteriora-se. ( IVSENT d.8, q.1, a.1, sol. 1 ad 1)

    17 Trata-se aqui daquela bondade propriedade transcendental do ente, uma daquelas deteminaes comunsque ultrapassam os gneros particulares do ente. uma propriedade anloga: Deus a Bondade, isto , aBondade identifica-se com o Ente divino; no ente-criatura a bondade ente apenas num certo aspecto: tantoquanto o ser medido pela essncia. Por outro lado, lembre-se que se diz que algo perfeito simpliciterquando tem a operao que convm sua forma ou essncia atualizada; em outras palavras, quando tem aoperao que convm sua potncia ativa.

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    18 Naturalmente como causa segunda.

    19 Ato causado no se ope a ato livre, que um ato originado na pessoa.

    20 A operao, portanto, aperfeioa o ente. Corresponde tanto potncia ativa, pela qual o ente atua, como potncia passiva, pela qual o ente atuado e levado sua perfeio ou fim. 21 certamente uma

    participao transcendental.

    22 "Nous devons donc admettre que, dans la faillaite de la pense occidentale dnonce par Heidegger, laposition thomiste fait exception: tandis qu'on passe sans discontinuit du formalisme mdival antithomisteau rationalisme moderne par le moyen de la perspective essentialiste commune de l'tre en ses deux tats depossibilit (essentia) et de ralit (existentia), dans la position thomiste la premire et plus intimeparticipation de l'tre est l'esse comme actus essendi qui est l'acte immanent l'essence et peut doncoprer la mdiation transcendantale entre le fini et l'Infini." (C. Fabro, Participation et causalit, Ed.Batrice-Nauwlaerts, Paris 1961, p.35)

    23 PIEPER, p. 53-75

    24 "Secundum hoc enim dicitur aliquid esse perfectum secundum quod est in actu." (STHEOL I q. 4 a 1 Resp.

    - p. 33)

    25 "Omnium autem perfectiones pertinent ad perfectionem essendi: secundum hoc enim aliqua perfecta sunt,quod aliquo modo esse habent" (STHEOL I q. 4 a 2 Resp. - p.35)

    26 "Esse... est nobilius omnibus aliis quae consequuntur esse." (I SENT dist. 17 q 1 a 2 ad 3, p. 399); "Nihilest formalius aut simplicius quam esse." ( CG I cap. 23 n. 214 - p. 61); "Quanto aliquis actus estinmaterialior, tanto est nobilior." (STHEOL I-II q. 17 a 8 ad 1 - p. 1153)

    27 "Omne agens agit secundum quod est in actu; unde oportet quod per illum modum actio alicui agentiattribuatur quo convenit ei esse in actu." (POT q. 3 a 1- p. 58)

    28 "Alio modo secundum convenientiam unius entis ab aliud; et hoc quidem non potest esse nisi accipiaturaliquid quod natum sit convenire cum omni ente. Hoc autem est anima. In anima est vis cognitiva etappetitiva. Convenientiam ergo entis ad appetitum exprimit hoc nomen bonum, ut in principio Ethicidicitur. Bonum est quod omnia appetunt. convenientiam vero entis ad intelectum exprimit hoc nomenverum... quae quidem correspondentia, adaequatio rei et intellectus dicitur." (VER q. 1 a 1, p. 4)

    29 Cf. STHEOL I q. 63 a 4, p.555 e CG II cap. 46 n. 1230 -p. 244.

    uction du monde par un Dieu ainsi ncessaire et simple est donc dee pure, qui se connait elle-mme ainsi que tout ce qui peut rsulterre, ne s'oppose pas ce que tous ces biens dcoulent" (Avicennne,v., citado por E. Gilson, Pourquoi Saint Thomas a critiqu Saint

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    35 Cf. PIEPER, p. 68 onde na nota (19) se indicam os lugares onde o prprio Toms citou o texto de Avicena:STHEOL I q. 16 a 1; CG I cap 60 e VER q. 1 a 2.

    36 "Potentia autem, cum sit receptiva actus, oportet quod actui proportionetur. Actus vero recepti, quiprocedunt a primo actu infinito, et sunt quaedam partipationes eius, sunt diversi. Unde non potest essepotentia una quae recipiat omnes actus sicut est unus actus influens omnes actus participatus." (STHEOL I

    q. 75 a 5, ad. 1, p.641)

    37 I SENT dist. 8.q 1 a 1 - p. 195

    38 "Quidditas potest habere esse." (I SENT dist. 25 q. 1 a 4, p. 612).

    39 "Esse autem est illud quod est magis intimum cuilibet et quod profundius omnibus inest: cum sit formalerespectu omnium quae in re sunt." (STHEOL I q. 8 a 1 - p. 59)

    40 "Cf. ETHIC L.III, lec. 12, n. 513 - P. 176. "Ille qui projicit lapidem, potest non projicere: non tamen inpotestate ejus est quod resumat quando projecit. Et tamen dicimus quod emitere vel projicere lapidem sit inhominis potestate, quia a principio in potestate hominis erat. Sic est de habitibus vitiorum: quia a principioin potestate hominis est quod non fiat injustus vel incontinens. Unde dicimus quod homines volentes sunt

    injusti et incontinentes: quamvis postquam facti sunt tales, non adhuc sit in eorum potestate, ut scilicetstatim desinant esse injusti vel incontinentes: sed ad hoc requiritur magnum studium et exercitium." "Quematira uma pedra, pode no faz-lo; todavia, no est em seu poder no atir-la se j a atirou. Mesmo assim,dizemos que jogar ou atirar a pedra est no poder do homem, porque no incio o estava. O mesmo acontececom os hbitos dos vcios: no comeo est no poder do homem no se tornar injusto ou incontinente. Daque se diga que os homens so injustos ou incontinentes porque o querem ser; embora uma vez tornadostais, j no se encontra neles o poder de imediatamente deixarem de s-lo; para isto requere-se grandeesforo e exerccio."

    41 Cf. STHEOL I-II, q. 9 art. 2 Resp., p. 1102: "Quod autem aliquid videatur bonum et conveniens, exduobus contingit: scilicet: ex conditione eius quod proponitur, et eius qui cui proponitur: conveniens enimsecundum relationem dicitur, unde ex utroque extremorum dependet. Et inde est quod gustus diversimodedispositus non eodem modo accipit aliquid ut conveniens, et ut non conveniens. Unde Philosophus dicit in

    III Ethic. (lect. XIII): Qualis unusquisque est, talis finis videtur ei." "Uma coisa pode parecer boa econveniente segundo duas maneiras: conforme se atenda ao que ou a quem proposta; pois aconvenincia supe relao e portanto depende de um ou outro extremo. E da provm que o gosto,diversamente disposto, no aceita de igual modo algo como conveniente ou inconveniente. Dai o dito dofilsofo: Conforme cada um , assim julga do fim."

    42 Os estudiosos da arte do teatro sabem que o ator deve esforar-se por transmitir ao pblico sobretudoemoes, mais do que conceitos ou idias. Diz Eugnio Kusnet: " raro que o espectador, atrado pela aoforte do espetculo, consiga raciocinar sobre o que v e ouve. Basta que ele sinta a ao. As emoesadquiridas, mais tarde, em casa, pouco a pouco sero transfomadas em pensamentos e concluses." Ator eMtodo, Servio Nacional de Teatro, MEC, Rio de Janeiro, 1975 Introduo.

    43 Sendo julgada a pessoa pela moralidade subjetiva de suas aes, tenha-se em conta que, embora o juzo

    prtico que possa realizar sobre uma determinada ao em si mesmo m, possa apresent-la como boa, apessoa poder ser igualmente culpada na medida em que os hbitos e afetos maus que determinaram essejuzo prtico errneo forem voluntrios. Ct. tambm nota 40.

    44 Antonio Milln Puelles faz notar, citando a G. Abb, que em nenhum lugar do texto da tica a Nicmacose encontra mencionado o legislador divino. Cf. A. M. Puelles, La libre afirmacin de nuestro ser, Rialp,Madrid, 1994, p. 544. Observe-se tambm que a lei natural est inscrita no ser racional do homem e oinclina ao ato e ao fim que lhe convm. Quando, porm, pelos hbitos de uma sensibilidade desordenada,essa lei natural se volatiliza na conscincia, a pessoa perde essa inclinao e fica sem guia para seus atos.

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    ento que ganha mais importncia a obedincia lei revelada e a todas as outras leis justas, causa extrnsecados atos humanos.

    45 C. Fabro, Participation et causalit, Ed. Batrice-Nauwlaerts, Paris 1961, p. 16-20

    46 "Llibre d'home" (Maiorca, 1310), "Llibre d'nima racional" (Roma, 1296), "Libri de intellectu, de

    voluntate, de memoria" (Montpeller, 1303), "L'Art memorativa" (Montpeller, 1289/90) e o "Liber admemoriam confirmandam"(Pisa, 1308). Cf. ANTOL, p. 45

    47 ANTOL, p. 169-170

    48 Llibre de Meravelles, Cap. XLIV. Cf. ANTOL, p.176-177.

    49 Llibre de Meravelles, Cap. XLIV, Cf. ANTOL, p.178.

    50 "Encara -dix l'ermit-, spies que nima racional s una cosa mateixa amb sa vida, car o que s nimaracional s vida, o s saber, que memria, enteniment e volentat sn de natura de vida espiritual, e llurviure s l'sser, que s l'nima." (Llibre de Meravelles, Cap. XLVII, Cf. ANTOL, p.184).

    51 As obras artificiais retemetem ao tema da esttica. Raimundo Llio classifica a obra artstica como nonatural ou artificial. Em muitas passagens da obra luliana encontram-se reflexes filosficas de alto valorliterrio sobre a criao artstica, que sinalizam os caminhos do que se poderia chamar uma esttica luliana.No que diz respeito apresentao artstica e criativa de sua filosofia, Llio ultrapassa qualquer outrofilsofo da idade mdia. Cf. ANTOL, p.55.

    52 "Llibre d'home", IV, Cap. 1e 2. Cf. ANTOL, p.200-202.

    53 Cf. Esteve Jaulent, A demonstrao por equiparao de Raimundo Llio (Ramon Llull), In Lgica elinguagem na Idade Mdia, Edipucrs, 1995, p. 149.

    54 Platzeck dizia que segundo Llio, "no h ente real sem operar, e no ha operao verdadeira sem ente

    real" Cf. PLATZECK, E. W. , Miscelanea Luliana, In: Verdad y vida, Tomo XXXI, 1973, p. 447

    55"Llibre d'home", IV, Cap. 3. Cf. ANTOL, p.203.

    56 "Assim como o espelho representa a nossa figura ou as figuras que esto na sua presena, assim tambm ascoisas sensveis so escada e demonstrao pela qual temos conhecimento das intelectuais." (Llibre deContemplaci, cap. CLXIX, n. 1. Ed. Selecta, Barcelona, p. 483). Os prximos pargrafos sero um resumodas pginas 141 a 150 de "Virtudes e Contemplao", Esteve Jaulent, em Livro do Amigo e do Amado,Leopoldianum/Loyola, So Paulo, 1989.

    57 Cf. ANTOL, p.49.

    58 Cf. Llibre de Contemplaci, cap. CLXVI, n. 2 e 3. Ed. Selecta, vol II, Barcelona, p. 475.

    59 Cf. Llibre de Meravelles, cap. LXI. Ed. Selecta, vol. I, Barcelona, p. 411.

    60 Cf. Llibre de Contemplaci, cap. CXCIV, n. 3. Ed. Selecta, Barcelona, p. 570.

    61 Cf. Charles Lohr, Ramon Llull: Christianus arabicus, In: RANDA,Curial, Barcelona, n. 19 (1986) p. 7-31 eCharles Lohr, "Les fondemanents de la logique nouvelle de Raymond Lulle." In Cahiers de Fanjeaux,22(1957) 233-259.

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    62 Cf. Walter W. Artus, Esse and the autor of L. Contemplationis, EL, XXI(1977) p. 145-171.

    63 id p. 156

    64 Cf. Liber de divina existentia et agentia, I, in ROL, VIII, p. 112-113.

    65 Cf. Liber de divina existentia et agentia, I, in ROL, VIII, p. 113. Llio nega a existncia de causasintermdias entre os princpios em grau superlativo no Esse e os princpios en grau nfimo nos entes finitos.Basta a causalidade eficiente intrnseca e a ordenao das potncias:"Bonitates, magnitudines extrinsecaeetc. dependent a causis intrinsecis in superlativo gradu permanentibus, quoniam inter causas supremas etinfimas nos est invenire medium absolutum, sub quo dependeant causae supremae; quia si sic, essetimplicare contradictionem, et ire usque ad infinitu; quod est falsum et impossibile."

    66 "Dum Deus cognoscit se bonum in producendo bonificatum, considerat, quod bonum quid est producerebonum creatum, ut intelligatur, ametur et recolatur, et laudetur per ipsum sua bonificatio intrinseca; et utDeus bonificet illas potentias, quando ab ipsis bene obiectatur. Et propter hoc creavit potentiamintellectivam, volitivam et recolitivam in angelo et in anima rationali; et per consequens omnes suasconditiones pertinentes eis, ut perfecte Deo possent frui et bonum meritum acquirere." Cr. Ars generalisultima, cap. IX, n. I.I.5, I, In: ROL, XIV p. 196.

    67 Cr. Ars generalis ultima, cap. X, n. 8, In: ROL, XIV p. 320.

    68 "Anima Martini, in quantum est idea, est Deus... et in quantum illa idea est differens ab anima Martini,anima non est de essentiae ideae, sed est de suis propriis principiis."Cf. Liber de anima rationalis, part. 3,In. W. Artus, La creacin, seal de la filosofia luliana, EL 17(1973)132-163, p. 149, 156-7.

    69 Cf. Liber de ente quod simpliciter est per se et propter se existens et agens, cap. IV dist. 9 n. 1 in ROL,VIII, p. 227: "Cum divina bonitas sit causa omnium bonitatum, et divinus intellectus sit idem cum divinabonitate, necessarium est, quod divinus intellectus intelligat omnes bonitates mundi tanquam universales etsingulares. Aliter intellectus ignoraret effectus ipsius bonitatis et sui ipsius; quod est impossibile. Ex quosequitur, quod divinus intellectus intelligit omnia singularia, quae sine bonitate singulari esse non possunt."

    70 No ente concreto essa essncia equivale pois natura in singularibus da escolstica.

    71Cf. Liber de universalibus, dist. 5, 5 e 6, in ROL XII, op 125. p. 158.

    72 Cr. Ars generalis ultima, cap. X, n. 8, In: ROL, XIV p. 320.

    73 Cf. Esteve Jaulent, "Virtudes e Contemplao", op. cit. p. 137-8.

    74 Cf. nota n. 41.