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Mauricio Godinho Delgado Lorena Vasconcelos Porto organizadores

O Estado de Bem-Estar Social Nos Países Nórdicos

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  • Mauricio Godinho DelgadoLorena Vasconcelos Porto

    organizadores

  • Stein Kuhnle'"!

    CAPTULO 7

    o ESTADO DE BEM-ESTAR SOCIALNOS PASES NRDICOS(')

    1. INTRODUO

    No incio do sculo XX, os pases nrdicos'!' encontravam-seentre os mais pobres da Europa. Mas no desenrolar do referidosculo, essa situao sofreu uma reviravolta, graas a uma mistura- que se mostrou muito bem-sucedida - entre economia de mer-cado, democracia, organizaes no-governamentais e polticas in-tervencionistas do Estado.

    Todos os pases europeus podem ser, em linhas gerais, classi-ficados como Estados de Bem-Estar Social. Mas o modelo nrdicose distingue dos demais em razo do papel dominante do Estadona formulao da poltica social e n desenvolvimento de um ex-tenso setor pblico para a sua implementao. Nos demais pases

    (') A verso original do presente artigo foi escrita em ingls, em maro de 1998. Atraduo para o portugus foi feita por Lorena Vasconcelos Poria.(U) Noruegus, tem formao acadmica nas reas de Cincias Polticas, Adminis-trao Pblica e Sociologia. Professor de Polticas Sociais Comparadas na Univer-sidade de Bergen (Noruega) e na Hertie School of Governance (Alemanha).(1) A expresso "pases nrdicos", de acordo com o autor, abrange Sucia, Noruega,Dinamarca, Finlndia e Islndia. Eles possuem em comum determinadas caracters-ticas, que permitem inseri-Ios em um mesmo grupo, tais como: geografia; religioluterana; fortes laos entre a Igreja e o Estado; lngua; uma longa tradio democrti-ca; conceitos bsicos de justia; economia mista; nvel avanado de igualdade entrehomem e mulher; Estado de Bem-Estar Social; cooperativismo institucional.

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    europeus, o Estado tambm assume uma funo scio-poltica im-portante, mas o setor privado, as organizaes no-governamentaise a famlia exercem um papel de maior relevncia, quando confron-tados com os pases nrdicos.

    2. A CRIAO DA SEGURIDADE SOCIAL

    A Seguridade Social - que constitui o pilar do moderno Es-tado de Bem-Estar Social- foi uma criao europia. Substituindoa legislao "pobre" da Europa, os programas nacionais de segu-ridade propiciaram uma resposta mais humana e efetiva para osproblemas da velhice, doena, acidente de trabalho e desemprego.

    Um dos primeiros programas estabelecidos foi a indenizaocompensatria paga aos trabalhadores das minas na oruega, em1842. Alguns outros planos limitados de Seguridade Social foramdesenvolvidos na Europa durante as dcadas seguintes, mas a mu-dana fundamental veio a ocorrer com a introduo de um sistemaassecuratrio nacional na Alemanha de Bismarck, ao longo da d-cada de 1880. A inovao mais significativa, verdadeiro legado dosistema germnico, foi o princpio do seguro social obrigatrio, con-trolado pelo Estado. Tal princpio foi duramente discutido poca,mas foi sendo incorporado, desde ento, pela maioria dos sistemasde Seguridade Social.

    O Seguro Social, criado na Europa, veio a se espalhar pelo restodo mundo. Em 1995, cerca de 165 pases tinham j adotado algumaforma de Seguridade Social; aproximadamente todos eles assegu-ram proventos de aposentadoria e penses aos dependentes, bemcomo indenizaes por acidente de trabalho. O seguro-desempre-go, todavia, menos difundido, existindo atualmente apenas emcerca de 60 pases.

    3. O PAPEL DO ESTADO

    Nos estgios iniciais de desenvolvimento dos sistemas de Se-guro Social na Europa, o debate central relacionava-se ao papel doEstado. Surgiu, ento, uma variedade de modelos, cujas linhas prin-cipais se fazem presentes ainda hoje. Com efeito, pode-se ainda, de

  • Quando comparados com o restante da Europa, os Estados deBem-Estar Social nrdicos apresentam doze caractersticas peculia-res, que, consideradas em seu conjunto, podem ser vistas como um"modelo" nrdico especfico. So elas:

    1. Um maior grau de interveno estatal do que em outrospases. A ttulo de exemplo, o Estado garante penses bsicas e ser-

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    forma genrica, estabelecer uma distino entre o modelo da Europasetentrional - que d nfase cidadania nacional e a uma estrutu-ra institucional coordenada - e um modelo continental - caracte-rizado por instituies mais fragmentadas e pela maior dependn-cia do papel da famlia.

    Existem fatores histricos que ajudam a entender por que oscidados dos pases europeus setentrionais em geral - e dos pasesnrdicos em particular - tendem a esperar mais dos seus Gover-nos do que as pessoas da Europa meridional e dos Estado Unidos.O feudalismo na regio nrdica foi menos rgido do que na Europacontinental e, embora mantendo a distino entre classes, as socie-dades nrdicas eram comparativamente mais igualitrias no perodopr-industrial. Tais pases sempre tiveram populae relativamentepequenas, com um alto nvel de homogen idade cultural em ter-mos de lngua, religio, comportamento social, etc.

    Em todos os pases nrdicos, por influncia da Reforma Pro-testante, construiu-se uma slida fuso entre a Igreja e o Estado, oque ajudou a fortalecer e legitimar o Governo central. Na Europameridional, por sua vez, os servios sociais em geral, tais como asade e a educao, permaneceram sob o domnio da "supra-nacio-nal" Igreja Catlica Romana, at uma poca relativamente recente.

    A crescente fora do movimento trabalhista e as lutas de clas-ses da era industrial resultaram em compromissos polticos, queassentaram as bases para a construo dos atuais sistemas de Segu-rida de Social, universais e igualitrios, dos pases nrdicos. a vi-rada dos sculos XIX/XX, a noo de um "seguro de pessoas" jestava assentada, mas foi apenas nas dcadas de 1950 e 1960 queaqueles sistemas vieram a se estabelecer na regio.

    4. O MODELO NRDICO

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    vios de sade gra tuitos ou aItamente subsidiados para todos osresidentes, embora a prestao desses servios seja em regra admi-nistrada pelos governos provinciais ou locais.

    2. Considerando os padres internacionais, tais pases tm amaior proporo de fora de trabalho empregada nos setores so-cial, de sade e educao, a saber, cerca de 30%.

    3. Grande dependncia do setor pblico para prover os servi-os educacionais e sociais; cerca de 90% do quadro de pessoal des-ses setores composto por servidores pblicos. A percentagem emquesto nos demais pases europeus varia de 40 a 80%; nos EstadosUnidos de 45%.

    4. A organizao da Seguridade Social ocorre por meio de sis-temas nacionais coordenados, que tm total responsabilidade pelopagamento de benefcios relativos a licenas de sade, ao custeiode despesas com os filhos, penses e pelos servios de sade.

    5. Um nvel comparativamente alto de confiana entre cida-dos e Governos. As sociedades nrdicas so mais "aliadas aoEstado" do que nos demais pases europeus.

    6. Os sistemas de Seguro Social so abrangentes ou univer-sais, cobrindo populaes inteiras ou sub-grupos. Por exemplo: todocidado residente tem direito a receber um provento bsico de apo-sentadoria por velhice, quando alcana a idade prevista em lei,mesmo na ausncia de qualquer trabalho remunerado anterior; osbenefcios para o custeio das despesas com os filhos so pagos atodas as famlias, independentemente do seu nvel de renda; todosos residentes tm direito aos melhores servios mdicos dispon-veis, independentemente da sua renda, status social ou outras ca-ractersticas pessoais. Isso contrasta com a maioria dos pases euro-peus, onde o gozo desses direitos condicionado a uma efetivaparticipao no mercado de trabalho.

    7. Um nvel avanado d igualdade entre homens e mulheres,resultante, sobretudo, de leis promulgadas desde a dcada de 1970;todos os benefcios so essencialmente "neutros" com relao aosexo, de modo que as mulheres so tratadas como indivduos comnecessidades e direitos prprios, e no apenas como vivas e mes.Os mercados de trabalho nrdicos so caracterizados por altos In-

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    dices de ocupao feminina, nveis remuneratrios quase iguais parahomens e mulheres que exercem a mesma funo e um sistema bem-estruturado de suporte s trabalhadoras-mes.

    8. Os sistemas de Seguro Social so desvinculados de aspectosocupacionais ou de classe social. Assim, os que recebem salriosaltos encontram-se includos no mesmo sistema que aqueles comremunerao baixa ou mesmo inexistente.

    9. A tributao generalizada constitui o principal meio de fi-nanciamento do Estado e tem o efeito de redistribuir a renda. Comoresultado dos sistemas de Seguro Social universais e redistributi-vos dos pases nrdicos, as suas taxas de pobreza encontram-sedentre as menores no mundo. Os benefcios mnimos no so eleva-dos, mas generosos se comparados com aqueles presentes na maio-ria dos outros pases.

    10. H uma maior nfase no provimento de servios - ao in-vs da transferncia direta de renda - em comparao com osdemais pases europeus. Tais servios incluem uma extensa rede decreches, asilos e assistncia domiciliar para idosos e doentes emestado grave.

    11.A nfase, tradicional e forte, no pleno emprego constitui umameta em si mesma e uma condio necessria para gerar os recursoseconmicos necessrios ao custeio do Estado de Bem-Estar Social.

    12. Um forte apoio popular. Questes como bem-estar dascrianas, sade pblica, proteo dos idosos, dentre outras, soapontadas como prioritrias nas pesquisas de opinio e nos pero-dos eleitorais. Nenhum partido poltico que almeje um amplo su-porte popular pode se dar o luxo de ignor-Ias.

    O fato de os pases nrdicos poderem ser descritos atravsdas caractersticas acima elencadas no significa que eles se torna-ram "parasos do bem-estar". Como ocorre com qualquer nao,eles se deparam com uma srie de velhos e novos desafios. Mas emcomparao com outros pases desenvolvidos, eles enfrentam n-veis bem menores de criminalidade, uso abusivo de lcool e dedrogas, pobreza e questes relacionadas. Alm disso, problemas as-sociados mono-parentalidade e ao desemprego tornam-se menosgraves, em virtude do suporte dado pelas sociedades nrdicas spessoas por eles atingidas.

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    Essa conjuntura comparativamente favorvel uma conse-qncia das instituies e polticas sociais fortes das regies e dosgovernos centrais. Demais disso, o esprito comparativamente igua-litrio dos pases nrdicos - expresso, por exemplo, em suas pol-ticas de redistribuio de renda - certamente contribui para umamaior estabilidade e coeso social.

    5. DESAFIOS ATUAIS

    A dcada de 1990 foi um perodo de considervel turbulnciaeconmica, resultando, inusitadamente, em altas taxas de desem-prego e crescente estrangulamento dos sistemas de SeguridadeSocial. A Sucia e a Finlndia foram atingidas mais severamente,enquanto que a oruega obteve maior xito no enfrentamento des-ses problemas, graas, em parte, s substanciais receitas advindasda explorao do petrleo e do gs. Islndia e Dinamarca ocupamuma posio intermediria nesse contexto.

    Nos ltimos anos, todos os Governos nrdicos intensifica-ram os seus esforos para ajudar os desempregados a reencontra-rem um trabalho remunerado. Algumas pessoas podem ser leva-das a interpretar essa tendncia como uma concesso ideologianeoliberal. No entanto, ela est em total consonncia com a tradi-cional nfase nrdica no valor do trabalho e na intensa participa-o na sociedade. Os polticos que tocam demasiadamente alto otrompete do neoliberalismo tendem a encontrar resistncia nospases nrdicos. Desse modo, as estruturas bsicas dos Estadosde Bem-Estar Social nrdicos permaneceram intactas, em grandeparte graas aos amplos compromissos polticos e ao suporte sufi-ciente dos eleitores.

    A essa altura, impossvel dizer se as pequenas modificaesnos sistemas de Seguridade Social na Sucia e na Finlndia, e, emextenso ainda menor, na Dinamarca, podem prenunciar uma esp-cie de mudana fundamental. Todavia, at o presente momento asinstituies e os programas dos Estados de Bem-Estar Social nrdi-cos tm permanecido quase intactos, no obstante os srios desa-fios dos ltimos anos. Dessa forma, ainda apropriado falar-se do"modelo nrdico" de sociedade.

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    6. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

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