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O ESTADO E A TRANSFORMAÇÃO DA PAISAGEM NATURAL: A FUNCIONALIDADE DAS ÁREAS VERDES NA “CIDADE MARAVILHOSA” Gabriel Teixeira Barros Universidade do Estado do Rio de Janeiro [email protected] INTRODUÇÃO A cidade do Rio de Janeiro sempre teve, desde o início de seu desenvolvimento, uma relação umbilical com a paisagem natural de seu espaço, que por muitas vezes foi a principal determinante nas diretrizes da urbanização da cidade. Com seu sítio, a princípio não muito apropriado para a instalação de uma cidade, o Rio de Janeiro iniciou sua urbanização se espraiando nas planícies alagadiças (brejos) dos vales dos mares de morros, e, à medida que a técnica avançava, vencia através de aterros, desmontes e drenagens os obstáculos impostos pela natureza, como observa a geógrafa Maria do Carmo Galvão: [...] o Rio ajusta seu traçado no modelado fisiográfico com a mesma desenvoltura com que supera obstáculos de toda ordem que o meio físico antepõe ao seu crescimento e consolidação, criando soluções que marcam fortemente sua fisionomia e sua história (GALVÃO, 1992, p.17). Com o decorrer da evolução urbana, aumenta a necessidade de se entender a questão ambiental em sua plenitude, pois à medida que a cidade conquista o seu espaço frente à paisagem natural, cria o seu próprio ambiente, que relaciona não só as áreas verdes com a floresta, vista aqui como paisagem natural provedora de recursos, mas também com a sociedade com a qual divide esse ambiente. Portanto, entende-se já aqui a importância de se discutir a questão ambiental e conceitualizar ambiente de maneira mais profunda. Com mais de 3.300 hectares de floresta protegida em forma de Parque Nacional, ergue-se em meio a polis o maciço da Tijuca, conjunto montanhoso que abriga a terceira maior floresta urbana do mundo, agente ativo no desenvolvimento urbano e palco da análise referida no presente trabalho. Porém, apesar de termos nessa paisagem natural, originalmente, a mesma morfologia em todo a sua extensão, verificamos formas de urbanização e funcionalidades bem distintas dentre as áreas, tendo, por exemplo, a área do

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O ESTADO E A TRANSFORMAÇÃO DA PAISAGEM NATURAL: A FUNCIONALIDADE DAS ÁREAS VERDES NA “CIDADE MARAVILHOSA”

Gabriel Teixeira Barros Universidade do Estado do Rio de Janeiro

[email protected] INTRODUÇÃO

A cidade do Rio de Janeiro sempre teve, desde o início de seu desenvolvimento,

uma relação umbilical com a paisagem natural de seu espaço, que por muitas vezes foi a

principal determinante nas diretrizes da urbanização da cidade. Com seu sítio, a princípio

não muito apropriado para a instalação de uma cidade, o Rio de Janeiro iniciou sua

urbanização se espraiando nas planícies alagadiças (brejos) dos vales dos mares de morros,

e, à medida que a técnica avançava, vencia através de aterros, desmontes e drenagens os

obstáculos impostos pela natureza, como observa a geógrafa Maria do Carmo Galvão:

[...] o Rio ajusta seu traçado no modelado fisiográfico com a mesma desenvoltura com que supera obstáculos de toda ordem que o meio físico antepõe ao seu crescimento e consolidação, criando soluções que marcam fortemente sua fisionomia e sua história (GALVÃO, 1992, p.17).

Com o decorrer da evolução urbana, aumenta a necessidade de se entender a

questão ambiental em sua plenitude, pois à medida que a cidade conquista o seu espaço

frente à paisagem natural, cria o seu próprio ambiente, que relaciona não só as áreas verdes

com a floresta, vista aqui como paisagem natural provedora de recursos, mas também com

a sociedade com a qual divide esse ambiente. Portanto, entende-se já aqui a importância de

se discutir a questão ambiental e conceitualizar ambiente de maneira mais profunda.

Com mais de 3.300 hectares de floresta protegida em forma de Parque Nacional,

ergue-se em meio a polis o maciço da Tijuca, conjunto montanhoso que abriga a terceira

maior floresta urbana do mundo, agente ativo no desenvolvimento urbano e palco da

análise referida no presente trabalho. Porém, apesar de termos nessa paisagem natural,

originalmente, a mesma morfologia em todo a sua extensão, verificamos formas de

urbanização e funcionalidades bem distintas dentre as áreas, tendo, por exemplo, a área do

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Parque Nacional da Tijuca recebido uma infra-estrutura turística com placas de informação,

banheiros, estacionamentos e fiscalização constante da Guarda Municipal, assim como as

áreas verdes situadas na Serra da Carioca, como o Parque da Cidade na Gávea e o Parque

Lage no Jardim Botânico, e outras áreas espacialmente bem próximas, porém com uma

paisagem muito distinta, como é o caso da face ocidental da Serra da Tijuca, voltada para a

baixada de Jacarepaguá, que sofre hoje com desmatamento, invasão de caçadores

clandestinos e apropriação indevida por grupos religiosos, que abrem clareiras na floresta

desprotegida sem nenhum tipo de fiscalização e ordenamento.

Figura 1. Composição colorida de imagens de Satélite abrangendo todo o Maciço da Tijuca.

Na Figura 1, vemos o maciço separando a cidade em três grandes Zonas: Zona Sul,

vista de São Conrado até Copacabana e Humaitá no canto direito infeiror; Zona Oeste, no

canto inferior esquerdo, com a Barra da Tijuca e a região de Jacarepaguá mais ao norte,

separada da Barra pela Lagoa do Camorim; Zona Norte, na parte central e superior, com a

região da Grande Tijuca em foco, delimitada ao sul pelo próprio Maciço e ao norte pelo

Morro dos Cacacos, que a separa da região do Grande Méier. Em detalhe, podemos ver

duas faixas de urbanização que cortam a Floresta ao meio: a primeira e mais nítida situada

bem ao meio do Maciço, dividindo a Serra da Carioca, ao sul, da Serra da Tijuca, ao norte,

que é compreendida pela Estrada de Furnas, partindo do Itanhangá até a Rua Boa Vista e a

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Av. Edson Passos, que segue até o Largo da Usina, já no bairro da Tijuca; a segunda

observada por uma fina faixa clara ao norte, compreendida pela Auto-Estrada Grajáu-

Jacarepaguá que corta a Serra dos Pretos Forros e desemboca no Grajáu.

OBJETIVOS

No decorrer da pesquisa, buscaremos identificar as diferentes funcionalidades

atribuídas às áreas verdes da floresta pela máquina estatal desde o início do processo de

maior urbanização da cidade no século XVIII até os dias atuais, contextualizando

historicamente as diferentes fases de urbanização e analisando pelo aprofundamento do

conceito de ambiente, as diferentes formas e funções atribuídas à paisagem natural pelos

processos da ação cultural do homem na sociedade. Em específico, tomaremos como

recorte espacial duas regiões distintas da Floresta da Tijuca e buscaremos identificar as

diferenças e similaridades da transformação ambiental, com reflexos na paisagem, dessas

áreas, procurando entender suas funcionalidades e potencialidades nos dias de hoje.

METODOLOGIA DE PESQUISA

Para a abordagem do processo em questão nos utilizaremos do conceito geográfico

da ambiente, realizando uma revisão bibliográfica, bem como aliando-o ao que o senso

comum consagra como áreas verdes. Para a realização da pesquisa, utilizamos dados de

pesquisa documental sobre a floresta da Tijuca, mapas temáticos físicos e hidrológicos,

além de imagens geradas pelo satélite LANDSAT-5 em 2011 e 1984, trabalhadas no

software IDRISI Selva 17.00, e análises de campo realizadas no dia 15/06/2014 no Parque

Nacional da Tijuca e no dia 20/06/2014 na vertente oeste do Maciço com o objetivo de

recolher amostras fotográficas dos recortes espaciais escolhidos, para melhor

contextualização das áreas verdes investigadas, e entrevistas realizadas com agentes

públicos do Parque Nacional da Tijuca. Como recorte espacial, foram escolhidas duas áreas

distintas do maciço da Tijuca, que possuem assim a mesma morfologia natural originária,

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porém com funções totalmente distintas e processos atuando sobre eles. São elas a face

leste da Serra da Tijuca, compreendida na APA do Alto da Boa Vista, do Pico da Tijuca até

a Rua Boa Vista e a Praça Afonso Viseu, que é uma das principais entradas turísticas do

Parque Nacional da Tijuca; e a face oeste da mesma serra, compreendida em parte na APA

do Alto da Boa Vista, do Pico da Tijuca até a Auto-Estrada Grajaú-Jacarepaguá e a Estrada

dos Três Rios, onde se situa o Hospital Municipal Cardoso Fontes, e delimitando-se a oeste

pelos bairros da Freguesia e do Anil, já na Baixada de Jacarepaguá.

CONCEITUANDO AMBIENTE E ÁREAS VERDES

Abordaremos aqui os conceitos de ambiente e de áreas verdes. O primeiro,

compreenderemos não como o meio ambiente do senso comum, que o entende como a

natureza puramente do meio físico, natural, visto como mero suporte material de bens e

recursos naturais, que o homem utiliza para prover sua subsistência (GALVÃO, 1992) ou

como algo que deve ser preservado a todo custo, mas sim, tendo como base toda a

abordagem paisagística destacada nos tópicos anteriores, o qual entende a sua

transformação gerada pelo ser humano em sociedade através da evolução da técnica, que

atribui à paisagem natural significados e formas diferentes que devem ser trabalhados de

forma harmônica com a cidade e o espaço urbano. Segundo Corrêa (1992, p. 28):

[...] o meio ambiente não pode deixar de incluir o homem, mas um homem qualificado pelas suas relações sociais, sua cultura, seu ideário, mitos, símbolos, utopias e conflitos. Afinal, toda conceituação que exclua o homem em sua complexa plenitude é falha, incompleta, pois alija o agente que simultaneamente é produtor e usuário do meio ambiente, mas também, através dele, algoz e vítima.

Desta forma, o conceito de ambiente confunde-se com o de paisagem, pois não

aborda somente as formas da paisagem, ou os “fixos”, mas também os fluxos de diversas

naturezas que a permeiam, como o fluxo de transeuntes e carros e os fluxos comerciais e

econômicos. O meio ambiente agrega, assim, os fixos e os fluxos refletidos na paisagem

pelos processos culturais sociais (CORRÊA, 1992). Tendo em vista a questão ambiental, de

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suma importância na abordagem de políticas públicas de ação, a qual trabalharemos nessa

pesquisa, devemos nos postular as palavras de Galvão (1992, p. 14), que afirma:

[...] não há como negar que Ambiente é produto da relação homem-meio, sociedade-natureza, ou seja, a natureza recriada pela sociedade, a natureza da qual o homem é parte integrante e não apenas a natureza onde o homem atua como mero “agente antrópico”, dotado de capacidade de ação maior que a de outros animais. Há que repensar a concepção de ambiente como produção social que efetivamente é, com todas as interações econômicas, sociais e políticas engendradas pela sociedade no processo de sua construção histórica. Repensá-lo em termos de valorização de recursos e qualidade de vida.

Assim, “dentro desse contexto, os estudos ambientais desenvolvidos pela geografia”

– como nesse trabalho – “buscam identificar e compreender as formas e processos de ajuste

entre sociedade e natureza, o que envolve, sem sombra de dúvida, percepção, tecnologia e

mecanismos de decisão eminentemente societários e políticos” (GALVÃO, 1992, p.15).

Portanto, cabe ao Estado, na forma de principal agente representante da sociedade, o

provimento de políticas públicas de atuação no sentido de aproximar o meio ambiente da

sociedade – discutido aqui sob a égide de Áreas Verdes – por meio de sua valorização no

espaço urbano. Para concluir, devemos entender o conceito de áreas verdes como sendo a

paisagem natural remanescente que foi ou está sendo/deverá ser transformada pela

intervenção estatal – não esquecida aqui a carga simbólica que também a transforma – em

paisagem cultural, de forma harmônica com o processo de urbanização, no sentido de

valorizar o ambiente da cidade em que ela se encontra.

A FLORESTA DA TIJUCA – A EVOLUÇÃO DO PROCESSO URBANÍSTICO

A cidade do Rio de Janeiro, desde a sua fundação em 1565 sofreu com as condições

naturais impostas pelo seu sítio, e por muitas vezes foi o Maciço da Tijuca parceiro

determinante em seu desenvolvimento. Servindo no início como fortaleza na guerra contra

os rivais franceses e depois como fonte imediata de suprimentos de lenha, madeira e carvão

à população, foi a carência de abastecimento de água que catalisou o início do processo de

urbanização nas florestas do Maciço da Tijuca. Caracteriza-se aqui o primeiro momento de

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urbanização das Florestas do Maciço da Tijuca, onde ela foi provedora de recursos naturais

e principalmente hídricos para a cidade do Rio de Janeiro.

A partir do final do século XVIII, tem início o ciclo do café no Rio de Janeiro, o que

gerou o aumento do número de fazendas e culturas na região, onde muito da mata originária

da Floresta da Tijuca foi devastada. Chegando ao Rio de Janeiro em março de 1808, a

família real se deparou com grande parte do Alto da Boa Vista ocupado pelas culturas de

café, o que levou em 9 de agosto de 1817 D. João VI a proibir por decreto qualquer uso e o

desmatamento do terreno ao longo de 3 braças das nascentes da Serra da Carioca, de onde

provinha toda a água que os abastecia. A partir daí verifica-se outra forma de ocupação do

Maciço da Tijuca, com a busca por terras boas para a plantação de café, caracterizando um

segundo momento de ocupação da Floresta da Tijuca. Em 1860, reconhecida a sua

importância da floresta na região, inicia-se já uma outra forma de planejamento urbano do

maciço, com a incorporação das áreas ao patrimônio nacional, só encerrada no século atual,

caracterizando um terceiro momento das formas de ocupação dessa paisagem.

Voltando ao segundo momento, a partir de 1839, surge um novo fator que vai

permear a urbanização do Rio de Janeiro. A construção de linhas regulares de bondes ou

“gôndolas”, de início puxados a cavalo e mais tarde movidos a eletricidade, vai permitir às

classes mais abastadas a urbanização de bairros antes desvalorizados pela distância que

mantiam do centro, como Botafogo, Tijuca e Laranjeiras, e assim, essas classes mais ricas

podiam manter um melhor padrão de vida alocando-se nesses bairros que possuíam, além

de áreas verdes, riachos e nascentes de água própria para beber, encontrando ali um refúgio

do tumultuado e insalubre centro da cidade. E não só para a classe residencial, mas também

para as indústrias, que começaram a se aproveitar da força hidráulica proveniente do

maciço, como a fábrica téxtil das Chitas que se utilizava próximo a Saens Peña das águas

do Rio Trapicheiros. No fim do século XIX, com o aumento das mortes nas epidemias de

febre amarela, ganha força na cidade a questão sanitária, pois mesmo não sabendo ao certo

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as causa da doença, a população acreditava que esta tinha origem na alta insalubridade, e

que a peste vinha das valas a céu aberto. Como descreve Abreu (1992, p. 69):

[...] independente dos argumentos levantados por um ou outro lado, o importante a notar é que, a partir de então a preocupação com a qualidade do ambiente urbano passou a fazer parte do quotidiano da cidade, ou pelo menos da sua classe dominante. Abandonar a “cidade empesteada” tornou-se, então, um objetivo comum àqueles que podiam se dar ao luxo de viver fora da área central.

Logo, intensifica-se o processo de urbanização nesses bairros ao sopé da Serra da

Carioca, com o intuito de fugir das doenças e da insalubridade do centro. Assim, começam

a ser feitos diversos loteamentos nas chácaras que os permeavam. Verifica-se aqui, pela

primeira vez, a urbanização do maciço da Tijuca por uma outra característica sua, as

amenidades presentes, e pela primeira vez valorizam-se as “áreas verdes” pelo seu fator

simbólico, mesmo que em pequena escala. Após a seca de 1843, a Coroa ordenou que fosse

feito o replantio nos terrenos desapropriados, usados antes para a cultura do café, e que

fosse feito pela Inspetoria de Obras Públicas diversos estudos e levantamentos hidrostáticos

sobre a Floresta. Assim, a partir de 1860, passam a ser seguidas duas políticas públicas a

serviço da preservação dos mananciais da Floresta: uma era a medida de reflorestamento

das encostas, que o governo acompanhou dando inclusive instruções para o replantio, e

outra era a medida de desapropriações e aquisições das terras próximos aos mananciais,

sem a qual seria impossível garantir sua preservação. “Iniciava-se aí o longo processo de

consolidação territorial da área hoje pertencente à floresta da Tijuca, que só seria encerrado

em pleno século XX.” (ABREU, 1992, p. 79). Assim, com as melhorias de acesso ao Alto

da Boa Vista intensifica-se a busca pelas amenidades e um novo empreendimento na

região: o Turismo, que amparado pelas amenidades amplifica o valor simbólico das “áreas

verde”, quando temos a criação de hotéis, sanatórios e casas de saúde e até a criação da

Estrada de Ferro do Corcovado. Passados os anos de exploração material da Floresta da

Tijuca, o início da busca pelas amenidades da questão sanitária e o emergir da questão

ambiental, entramos agora no quarto e último momento de ocupação do Maciço, que

engloba também a questão social. No início do século XX intensifica-se na cidade a crise

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de moradias, onde não só havia uma classe média realizando os já citados loteamentos no

subúrbio próximo da cidade, mas também uma realocação das classes inferiores. Após a

Reforma Passos, no início do século XX, tem-se o ápice das desapropriações dos cortiços e

assim a expulsão das classes mais baixas do centro da cidade. Estas, por sua vez, vão gerar

uma nova forma de habitação na cidade: as Favelas, que vão povoar as já desmatadas

encostas do maciço da Tijuca – o Parque Nacional, onde a Floresta era protegida, ainda

estava um pouco longe fisicamente dessas áreas – numa tentativa de se manter próximo aos

locais de trabalho. Nota-se aí os morros do Salgueiro na Tijuca, da Rocinha na Gávea e da

Mangueira em São Cristóvão. Também nessa época, uma parcela da população que já tinha

acesso aos automóveis começa a se instalar em áreas longínquas de encostas buscando

ameninades e exclusividade em áreas que o transporte público não alcançava,

intensificando o processo de ocupação do Maciço da Tijuca em algumas áreas como o Alto

da Boa Vista, que já possuia há tempos um novo acesso menos íngreme do que a Estrada

Velha da Tijuca e um sistema férreo de bondes que o ligava ao Largo da Usina.

Nota-se aqui que a vertente oeste do Maciço onde encontra-se a Baixada de

Jacarepaguá ainda não estava participando desses processos. A região da Baixada de

Jacarepaguá experimentou, após um início de ocupação pelos jesuítas com Engenhos de

Açúcar no século XVII, a proliferação das fazendas de café no século XVIII, juntamente

com o Alto da Boa Vista, porém, diferentemente da face leste do maciço, é apenas na

segunda metade do século XX que vão acontecer nessas grandes fazendas da baixada os

loteamentos para classe média, após, a mando da especulação imobiliária, o Estado

viabilizar essa ocupação com a abertura da Estrada da Covanca e da Auto-Estrada Grajaú-

Jacarepaguá, assim como fez com os bairros oceânicos da Barra da Tijuca e São Conrado

com a abertura da Auto-Estrada Lagoa-Barra. Posto isso, estão definidos os fatores

viabilizantes e os agentes ativos que permearam e influem até os dias de hoje nos processos

de ocupação e nas políticas públicas que se referem hoje a área do Maciço da Tijuca, tanto

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em sua face leste quanto em sua face oeste, ambos os recortes espaciais escolhidos para a

análise de caso de nossa pesquisa.

A DESIGUAL OCUPAÇÃO NA ÁREA DA FLORESTA DA TIJUCA

Na Figura 2, podemos ver toda a área da Serra da Tijuca e os dois recortes espaciais

escolhidos para estudo. A linha verde delimita a área do Parque Nacional da Floresta da

Tijuca, parte de floresta protegida que não abrange grande parte da encosta oeste do

maciço. A linha amarela, no meio, indica a linha do divisor de águas da Serra da Tijuca,

que também é a que separa adiministrativamente a Zona Sul da Zona Oeste. O ponto azul

indica o Pico da Tijuca, ponto mais alto do Maciço. As linhas vermelhas indicam os dois

limitantes de nossa área de estudo, sendo a vermelha superior a Auto-Estrada Grajaú-

Jacarepaguá e a inferior toda a extensão da Estrada de Furnas, que começa no Itanhangá,

seguida pela Rua Boa Vista e Av. Edson Passos até chegar ao Largo da Usina. Os dois

pontos roxos indicam as bases dos recortes, sendo no recorte norte o Hospital Municipal

Cardoso Fontes, no bairro da Freguesia (Jacarepaguá) e no recorte sul a Praça Afonso

Viseu, no Alto da Boa Vista, que é a principal entrada do Parque Nacional.

Figura 2: Delimitações no Parque da Floresta da Tijuca. Fonte da figura base para as marcações:

http://portalgeo.rio.rj.gov.br/mapa_digital_rio/?config=config/ipp/basegeoweb.xml

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No recorte Sul, como já analisado em sua contextualização histórica, verificamos

um avançado processo de urbanização das encostas ao longo da Av. Edson Passos, tanto

pelas classes média e alta, com loteamentos nas partes mais baixas e mansões e casarões

nas partes mais altas, quanto pelas classes pobres, onde encontramos uma série de Favelas,

como as do Tijuaçu e outras pequenas que chegam a adentrar a área do Parque Nacional,

porém não ocupando uma área tão significativa quanto em outras Áreas verdes da cidade,

como no Parque da Cidade na Gávea, que tem seu entorno quase completamente ocupado

por ocupações irregulares. Já dentro do Parque encontramos, considerando a conceituação

de área verde, toda uma infraestrutura voltada para o turismo, concomitante ao processo de

urbanização, desde a Praça Afonso Viseu, que já trás alguns elementos importantes, como a

harmonização paisagística e aparelhos de lazer, até dentro dos limites do Parque, onde há

estacionamentos e muitas pessoas circulando, além de placas informativas, lagos e jardins.

No recorte norte encontramos uma situação totalmente diferente. Com a

intensificação do processo de urbanização da Baixada de Jacarepaguá, a partir da década de

1960, há na região um mercado aquecido para a especulação imobiliária, com cada vez

maior substituição das casas e chácaras por prédios comerciais e residenciais de classe

média alta, de até dez andares, na beira da Estrada dos Três Rios, adentrando o bairro da

Freguesia. Mais próximo à subida da Serra, encontramos ainda a ser atingido pelo processo

de especulação imobiliária, terrenos abandonados de uma antiga fábrica instalada ao pé do

Rio Sangrador, provavelmente proveniente do segundo momento de urbanização do

maciço, além de algumas poucas vilas de classe média e ocupações irregulares. Antes do

Hospital Cardoso Fontes, observamos, por detrás desses terrenos abandonados, uma grande

área de encosta desmatada, erguendo-se ao longo o maciço. Ao chegarmos no paço do

Hospital Cardoso Fontes, encontramos uma pequena área que recebeu tratamento

urbanístico, marcando o início da subida da Auto-Estrada Grajaú-Jacarapeguá.

A começar por grande parte da encosta do Maciço não estar dentro dos limites da

área de preservação, com terrenos não ocupados ou loteados, o que representa um total

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abandono por parte dos órgãos públicos, deixando-os a mercê de queimadas e crescentes

desmatamento e ocupação ilegal, a parte que está dentro da Área de Preservação não

apresenta nenhum tipo de cercamento ou proteção, muito menos algum tipo de

infraestrutura turística, servindo apenas como rota de passagem da população da Zona

Oeste para a Zona Norte, onde olhos despercebidos quase não notam que estão diante da

mesma Floresta da Tijuca que muitos vão visitar com seus filhos no fim de semana no Alto

da Boa Vista, repleta de trilhas, matas virgens e fauna e flora específicas. Em entrevista

com um vigilante ambiental do Parque Nacional da Tijuca, fomos informados da presença

de caçadores ilegais e grupos religiosos que estão abrindo clareiras na floresta dessas

regiões, que ele pôde verificar em incursões que comandou nessas áreas.

CONCLUSÕES PRELIMINARES

No presente trabalho, pudemos analisar de forma empírica dois recortes diferentes

do Maciço da Tijuca, onde, apesar da mesma forma originária da paisagem natural,

encontramos ambientes totalmente diferentes no que se refere ao tratamento dessas áreas

verdes com relação ao processo de urbanização da cidade. Apesar de os recortes terem

passado por fases de urbanização parecidas, verificamos um preocupante atraso no

tratamento ambiental no que se refere ao recorte norte, da vertente oeste da Serra da Tijuca,

pois apesar desse recorte estar em parte já dentro da Área de Preservação da Floresta, não

apresenta nenhum tipo de proteção efetiva ou atenção por parte do Estado, relegando não só

a área de preservação, mas também as outras partes da encosta do maciço a um futuro

incerto, apesar do seu grande potencial turístico e de amenidades. Levando em

consideração toda a temática ambiental discutida, é preciso que o Estado trabalhe a

urbanização dessa paisagem dentro das necessidades da cidade, de forma harmônica,

criando um ambiente urbano sadio, englobando esta área verde como acontece com o

recorte do Alto da Boa Vista, antes que o mesmo seja urbanizado sem a infraestrutura

necessária de forma a agredir a paisagem natural. Além disso, ao explorar seu potencial

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turístico, poderá não só preservar a paisagem natural, mas também gerar renda e uma maior

valorização dessa área da cidade, tornando-a também uma área de lazer e de amenidades

para a população da Baixada de Jacarepaguá e da Zona Oeste, que é hoje a região que tem o

maior crescimento demográfico na cidade do Rio de Janeiro.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABREU, M. de A. A cidade, a montanha e a floresta. In: ABREU, M.de A. (Org.). Natureza e Sociedade no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura, Turismo e Esportes / Departamento Geral de Documentos e Informação Cultural, Divisão de Editoração, 1992.

CORRÊA, R. L. O meio ambiente e a metrópole. In: ABREU, M.de A. (Org.). Natureza e Sociedade no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura, Turismo e Esportes / Departamento Geral de Documentos e Informação Cultural, Divisão de Editoração, 1992.

GALVÃO, M. do C. C. Focos sobre a questão ambiental no Rio de Janeiro. In: ABREU, M.de A. (Org.). Natureza e Sociedade no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura, Turismo e Esportes / Departamento Geral de Documentos e Informação Cultural, Divisão de Editoração, 1992.