O Estado Neoliberal e Seu Impacto Sócio-jurídico

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  • 5/26/2018 O Estado Neoliberal e Seu Impacto S cio-jur dico

    NETO, Jos Affonso D. O Estado Neoliberal e seu impacto scio-jurdico. In:MACCALZ, Salete Maria et allii. Globalizao, Neoliberalismo e Direitos Sociais.So Paulo: Editora Destaque, 1997. p. 78-107.

    O Estado Neoliberal e seu impacto scio-jurdicoJos Affonso Dallegrave Neto (*)

    SUMRIO: Introduo. 1. A origem do Neoliberalismo. 2. A conjuntura scio-econmicapropcia para o iderio neoliberal. 3. A ideologia da Globalizao. 4. A flexibilizao dasrelaes de trabalho e o fim dos direitos sociais. 5. Os direitos de solidariedade e a ocupaodo espao pblico pelos entes privados. 6. O papel do Direito no Estado Neoliberal. 7. Odesemprego estrutural e os demais impactos sociais do Neoliberalismo. Concluso.

    Introduo:

    Abordamos, nesta exposio, a origem, as propostas e a repercusso social do novelparadigma Neoliberal. Mais que isto: fazemos meno a conjuntura scio-econmica que

    propiciou o seu advento, mormente a crise do Estado intervencionista e sua hiperinflaoocorrida na dcada de 80. Falamos tambm do simultneo processo de aniquilamento dosdireitos sociais consagrados nas Constituies programticas do incio deste sculo e daascenso do movimento de flexibilizao da legislao trabalhista.

    Comentamos, ainda, o surgimento da nova gerao dos direitos humanos, quais sejamos chamados direitos de solidariedade que, em conjunto com as organizaes no-governamentais (ONGs), colimam suprir as demandas sociais ocultadas pelo EstadoNeoliberal.

    Finalmente, registramos a funo do Direito no novo contexto e conclumos que estatendncia globalizante da economia alm de ensejar o desemprego estrutural e nefastosimpactos sociais, prioriza apenas os interesses da classe que atualmente detm o poder: asempresas multinacionais e as instituies financeiras.

    1. A origem do Neoliberalismo.

    O neoliberalismo teve sua gnese aps a Segunda Guerra Mundial naEuropa e na Amrica do Norte. Estribado no texto de Friedrich Hayek[1], ogrande mote deste movimento a repulsa contra a poltica intervencionista doEstado do Bem-Estar Social. Os neoliberais elegeram o poder sindical e osmovimentos operrios como os culpados da crise econmica e da altainflao[2]. Para eles, as presses reivindicatrias por melhores salrios econdies de trabalho geraram uma universalizao dos direitos sociais,

    abalando as bases de acumulao capitalista.

    A partir da passaram a defender a idia de um Estado mnimo emrelao aos direitos sociais e trabalhistas e um Estado passvel em relao aoslucros dos capitalistas e a lei de mercado.

    O governo Thatcher, na Inglaterra em 1979, foi a primeira mostraneoliberal. Em 1980 veio o governo Reagan nos Estados Unidos e, em 1982,Khol na Alemanha. A partir da quase toda a Europa ocidental aderiu aosistema neoliberal.

    Nascido com a prioridade de deter a hiperinflao dos anos setenta, foinos anos oitenta que se verificou sensveis efeitos do neoliberalismo, sobretudo

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    a derrota dos movimentos sindicais, queda do nmero de greves e ascensoda desigualdade social [3].

    Na atual dcada de noventa, o neoliberalismo tem avanado,principalmente aps a queda do comunismo na Europa oriental e na Unio

    Sovitica, ocorrida no interregno de 89 a 91. A preocupao mais hodierna aprivatizao das empresas estatais, a flexibilizao das relaes de trabalho ea globalizao da economia atravs dos blocos transnacionais [4].

    Foi no chamado Consenso de Washington, reunio realizada emnovembro de 1989, que o Brasil e demais presidentes eleitos da AmricaLatina aderiram a este movimento e as diretrizes impostas pelo Banco Mundial,FMI (Fundo Monetrio Internacional) e Banco Interamericano deDesenvolvimento.

    Dentre estas diretrizes estava a reforma estrutural para a estabilizao

    da economia atravs das privatizaes, desregulamentao dos mercados,descentralizao e retomada do desenvolvimento. importante lembrar que area social, propositadamente, no foi tratada neste Consenso de Washington[5]. A propsito, a partir desta reunio houve significativos cortes oramentrioscom sade e educao, caindo pela metade os gastos de 1989 at a presentedata.

    De forma lcida, Francisco de Oliveira nos expe[6] que, aps a ditaduramilitar liberal, veio o governo Sarney que deixou o pas com uma inflaogigantesca. Depois foi eleito o populista Fernando Collor que elegeu osmarajs como bodes expiatrios dos problemas sociais e da m distribuio

    da renda. Paradoxalmente, nesta poca a sociedade civil organizou-se e reagiuao ataque neoliberal que ora se iniciava. Exemplos reluzentes desta respostaforam a formao das trs grandes centrais de trabalhadores [7] e oimpeachment deste presidente.

    J no governo Itamar Franco, a perversa hiperinflao constituiu-se emconveniente funo pedaggica para produzir frtil terreno para o adventoneoliberal. Manoel Eduardo Camargo, diante deste quadro, constata que, almde apresentar soluo para a alta inflao, faz parte do jogo dos neoliberaissatanizara figura do Estado do Bem-estar social, como Estado ineficiente ecorrupto, em contraposio ao Neoliberal, eficiente e gil.

    O Estado que tudo prometia e pouco cumpria deslegitimado paralegitimar um Estado que to pouco promete e, por isso, aparenta tudocumprir.[8]

    Finalmente, no atual governo Fernando Henrique Cardoso a receita doneoliberalismo aplicada em sua ntegra: contrai-se a emisso de moeda;elevam-se taxas de juros; baixam-se impostos sobre os rendimentos altos;abre-se o mercado e cria-se alto nvel de desemprego. Isto tudo com o apoioda mdia que, manipulando a opinio pblica, faz com que o povo acredite queo aumento salarial e os gastos com polticas sociais vo trazer de volta a

    hiperinflao.Depreende-se, diante deste cenrio, que a capacidade de luta ede organizao da sociedade civil, mormente a dos trabalhadores, est

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    sensivelmente abalada. Tal fato vem ensejando a consolidao da ideologianeoliberal em nosso pas.

    2. A conjuntura scio-econmica propcia para o iderio neoliberal:

    Indubitavelmente o quadro da crise da Amrica Latina, desenhado apartir da dcada de oitenta, propiciou e vem legitimando o discurso neoliberal.Segundo Weffort[9], o Estado passa por trs espcies de crises: degovernabilidade; econmica e poltica.

    A crise de governabilidade decorre do total descrdito da sociedade paracom o Estado e sua incapacidade de reorganizao em favor do bem-estarsocial e da consolidao da democracia. Neste diapaso Wilson Ramosacrescenta que [...] esse descrdito no se limita ao Estado, mas segeneralizou em desconfiana ante a todas as instituies, inclusive nossindicatos e nos partidos polticos de esquerda. Isso traz a conseqncia de

    gerar a compreenso, quase que generalizada, do anacronismo da forma atualde Estado [10].

    Veja-se que esta crise de governabilidade poderia ser uma questomeramente poltica se no implicasse na impotncia do Estado em responderaos anseios sociais e econmicos que abalam a nossa sociedade.

    A chamada crise econmica alm de afetar o carter regressivo dadistribuio da renda, caracteriza-se pela incapacidade do Estado latino-americano definir e defender interesses econmicos nacionais em face donovel iderio da globalizao do capital. A soberania econmica nacional v-se

    ameaada pelas irresistveis imposies das entidades financeirasinternacionais.

    Finalmente a crise poltica, decorrente das duas anteriores, configura-sepela falta de respostas do Estado em suas funes elementares, tais como:arrecadar impostos de forma eficiente e suficiente a garantir segurana e vidadigna aos cidados no que tange aos direitos sociais bsicos (sade,previdncia, emprego, salrio, educao, etc.).

    A atual conjuntura scio-econmica, manifestada pela crise do EstadoSocial [11], favorvel legitimao e propagao do discurso neoliberal.

    Contudo, se perquirirmos as reais causas desta instabilidade estatal,concluiremos que estamos diante de manifesta contradio e paradoxo.

    Conforme assinala Schiochet, a contradio reside no fato de que asconseqncias das polticas neoliberais tm reforado os sintomas sociaisdestas crises[12]. Segundo este socilogo inegvel que o advento desta criseest relacionado com a insero submissa das sociedades latino-americanasna economia mundial.

    Aps a dcada de setenta, que foi marcada pelos emprstimos degrande monta para os pases perifricos, veio a dcada de oitenta onde estes

    devedores passaram a pagar os altos juros do dinheiro emprestado. Da surgiua crise da dvida externa, onde os organismos financeiros internacionais

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    sentiram-se a vontade para traarem as suas diretrizes de limitao interveno do Estado Social.

    Nascia, pois, o comprometimento dos pases da Amrica Latina com asdiretrizes do neoliberalismo.

    Assim, dos dois pilares que tornam vivel um Estado (a Acumulao deRiquezas e a Legitimao), no Estado Providncia vimos um endividamentopblico externo e interno, de um lado, e, a satisfao dos interesses sociais, deoutro[13]. J no Estado Neoliberal, ocorre o inverso: de um lado a preocupaoem deixar o Estado acumulado de riqueza e, de outro, o desprezo legitimao em face do pouco-caso com as demandas populares.

    o iderio da Globalizao que se preocupa to somente com aeconomia de mercado.

    3. A Ideologia da Globalizao:

    A globalizao um processo que colima perpetuar o sistema capitalistaem sua acepo mais ortodoxa. Para tanto propugna pela unificao de todosos mercados do mundo, sob a articulao das empresas e corporaestransnacionais em detrimento da soberania dos estados nacionais. Nestequadrante, as regras de mercado sobrepem-se s regulamentaes editadaspelos governos de cada pas.

    Com razo Maurcio Birgin quando assevera que a poltica econmicaneoliberal conduzida para modificaes estruturais ditadas pelos verdadeiros

    detentores do poder, as empresas multinacionais, que comandam 50% daproduo industrial e 60% do comrcio internacional; os planos de ajuste soseguidos de acordo com as receitas monetaristas que implicam umacompreenso da demanda global.[14]

    Importante lembrar que a globalizao j fora captada por Marx e Engelscomo parte da lgica do sistema capitalista, ainda na primeira metade do sc.XIX, quando em seu Manifesto do Partido Comunista asseveraram:

    Impelida pela necessidade de mercados sempre novos, aburguesia invade todo o globo. Necessita estabelecer-se em toda parte,

    explorar em toda parte, criar vnculos em toda parte. Pela explorao domercado mundial, a burguesia imprime um carter cosmopolita produo e ao consumo de todos os pases. [...] Em lugar do antigoisolamento de regies e naes que se bastavam a si prprias,desenvolvem-se um intercmbio universal, uma universalinterdependncia das naes.

    Joaci Cunha adverte que as novidades no sistema neoliberal so osmovimentos econmicos articulados entre si e que formam uma face aindamais perversa explorao capitalista, quais sejam [15]:

    a) o gigantismo do movimento de financeirizao da economia (eaqui includo o processo de privatizao das estatais);

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    b) a formao de blocos regionais e,

    c) a reestruturao produtiva.

    Tem-se chamado de GLOBALIZAO a articulao destes trsmovimentos simultaneamente potencializados pela comunicao instantneaconseguida pela automao da telecomunicao.

    Em verdade, trata-se de uma construo terica que tenta expressaresta nova faceta do capitalismo, sua tentativa de superao da crise estruturaldo perodo fordista e sua aparente tendncia de mundializao da economia.

    Comentemos, pois, cada um destes movimentos luz dos esclios deJoaci Cunha.

    O movimento da FINANCEIRIZAO DA ECONOMIA diz respeito aoprocesso de acumulao de riqueza que gera uma massa gigantesca de

    recursos cada vez mais independente do processo de produo demercadorias. Enquanto at os anos 70, o movimento financeiro internacionalestava diretamente vinculado ao comrcio e circulao mundial de bensmateriais, a partir de ento, o capital meramente especulativo que impera noatual modelo.

    A propsito veja-se a ronda ininterrupta dos capitalistas, 24 horas pordia, em busca de taxas de juros vantajosas ou diferenas cambiais. Nestediapaso so os chamados mercados de derivativos, to em voga naatualidade.

    Trata-se de uma novidade no capital financeiro e que se constitui nomaior exemplo de desmaterializao ou financeirizao da economia. A prpriaa alcunha mercado de derivativos, deve-se ao fato dos investimentos nessesetor derivarem das diferenas de preos de aes nas Bolsas de Valores ouda taxa de cmbio nos vrios pases. O Brasil h apenas dez anos ligado aesse mercado, j possui a terceira maior Bolsa de Derivativos [16].

    Neste quadrante de financeirizao da economia, vemos tambm, oprocesso de PRIVATIZAO que, em verdade, tem em mira a valorizao daeconomia globalizada.

    A razo simples: para que haja bom investimento do capital

    estrangeiro no Brasil, o governo impelido a valorizar os seus ttulos pblicos.Com efeito, os papis desvalorizados precisam ser revigorados para agradaros investidores internacionais. Da vem a privatizao das estatais compradascom estes ttulos pblicos que de moedas podres convertem -se em reais evalorizadas aes de empresas estatais lucrativas [17].

    Assim, a referncia dos pases latinos americanos torna-se mais slida eatraente para os especuladores internacionais (atuais detentores do poder). oque vem ocorrendo no Brasil, Argentina e Mxico, pases submissos estapoltica imposta pelo FMI, Banco Mundial e demais credores da dvida externa.

    Veja-se que o discurso oficial tenta esconder esta razo, justificando aprivatizao como forma de adquirir receita patrimonial e reduzir tais dvidas.

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    Contudo, verifica-se que apenas 10% do preo total das aes vendidasconstituem-se em dinheiro vivo, o resto (90%) mero ttulo pblicopodre[18].

    Quanto aos BLOCOS REGIONAIS, estes constituem-se em estratgia

    econmica do grande capital. Em face das novas tecnologias e aumento daprodutividade das empresas, as principais potncias (EUA, Alemanha, Japo)viram-se na necessidade de formao de blocos para, unidos, ampliarem seumercado potencial, protegendo-se da concorrncia e marginalizando outrasregies do mundo como a frica e grande parte da Amrica Latina.

    Veja-se que, para as grandes foras econmicas, o objetivo destesblocos em nada tem a ver com a globalizao, em seu sentido tericoneoliberal de abertura indiscriminada dos mercados nacionais. Trata-se, emverdade, de propositada estratgica de integrao regional auto centrada.

    Enquanto isto, o plo passivo deste processo - os pases doMERCOSUL, Pacto Andino, OPEP, Austrlia e Mxico - regionalizam-se para,de forma submissa, atender aos interesses do grande capital internacional.

    Finalmente, a REESTRUTURAO PRODUTIVA, tem-se dado a partirde dois processos combinados: a introduo de novas tecnologias e aaplicao de novos mtodos gerenciais de recursos humanos que, em face daalta produtividade exigida, impe um novo perfil para o trabalhador.

    O empregado, no contexto neoliberal, precisa ser verstil, atualizado eatomizado. No cotidiano das empresas reestruturadas, a definio de metasde produo se d por clulas, ou seja, o empregado visto individualmente

    como trabalhador polivalente (apto a desempenhar mltiplas funes e operarvrias mquinas, simultaneamente). Isto tudo gera a precarizao do trabalho,haja vista a acelerao desumana do ritmo de trabalho, e ainda estimula a crisedo desemprego estrutural.

    Joaci Cunha bem arremata sua linha de raciocnio quando conclui:

    A reestruturao produtiva, acentua assim, uma velhacontradio do capitalismo. Enquanto amplia a produo demercadorias, reduz a quantidade potencial de consumidores particularesatravs do crescente desemprego estrutural. [19]

    Some-se a estas conseqncias malficas a tendncia de flexibilizaodas relaes de emprego e a desuniversalizao dos direitos sociais, tidascomo necessrias e indispensveis pelos sequazes do iderio da globalizao.

    4. A flexibilizao das relaes de trabalho e o fim dos direitos sociais:

    Com o chamado Estado Providncia (welfare state), no incio destesculo, sobreveio o fenmeno da universalizao dos direitos sociais. Foi entoque as chamadas constituies programticas passaram a garantir em seubojo inmeros direitos sociais e trabalhistas. O que outrora ficava a cargo deleis esparsas, a partir de ento foi guindado a um status constitucional.

    Destacaram-se, nesta poca, a Constituio de Weimar e a Constituio doMxico (1917).

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    Estas cartas influenciaram as demais naes ocidentais a tambmassegurar direitos sociais em suas constituies, passando a ser sinnimo depas avanado aquele que melhor contemplava seu povo com direitoshumanos, polticos e sociais.

    A atual proposta do Neoliberalismo propugna pela desuniversalizaodestes direitos sociais. Ocorre que as alteraes, emendas e reformasconstitucionais no so to facilmente conseguidas, gerando, assim, umasituao inusitada de transio.

    Exemplo tpico o Brasil que atualmente tem em vigor uma CartaPoltica avanada, sob o ponto de vista da enumerao de direitos sociais epolticos, contudo, ineficaz em relao a viabilidade destes direitos.

    O processo de globalizao, enquanto paradigma poltico e econmico,impe verdadeira desmontagem das conquistas sociais. Da surge umparadoxo: de que adianta termos assegurado constitucionalmente aSeguridade Social, a Sude, o Trabalho se, efetivamente, os poucosprogramas sociais so refratrios letra da nossa Carta Me?

    Trazendo o tema para a rbita trabalhista: de que adianta o trabalhadorter garantido o direito participao nos lucros da empresa se no h normaregulamentadora que o viabilize? E ainda: de que adianta o empregado terdireito frias, 13 salrio, anotao em CTPS e horas extras, se o Estado nodispe de organismos suficientes para fiscalizar a inadimplncia destescomezinhos direitos?

    Particularmente pensamos que neste atual estgio seja oportuno aplicar

    o positivismo de combate de que fala Amilton Bueno de Carvalho, um dosgrandes panegiristas do movimento Direito Alternativo. Assim que devemosbuscar a eficcia dos direitos positivados, porm sonegados, posto que noaplicados, quando do interesse das classes populares. [20]

    O pior que diante da atual ideologia neoliberal, os direitos sociais estocom seu tempo de vida marcado. Na primeira oportunidade de reforma oureviso constitucional teremos o ocaso destes direitos sociais.

    Este progressivo processo de aniquilamento se d em razo do modernomovimento denominado Flexibilizao da Relao de Trabalho que para os

    neoliberais a panacia para o desemprego estrutural [21] e, para opositoresmais lcidos, um discurso perigoso que colima acabar com as garantiasconquistadas pelos trabalhadores sem atacar as reais causas do desemprego.

    Mas o que vem a ser este movimento?

    Para ns a flexibilizao da relao de trabalho uma correntedoutrinria desenhada por juristas do novo paradigma neoliberal, patrocinadapor empresrios e organizaes financeiras mundiais, que visa basicamente:

    a)- desregulamentar a legislao trabalhista; b)- estimular formasflexveis de contratao de empregados e rescises sem nus e c)- acabar

    com o princpio de proteo ao empregado - introduzido pelo paradigma doEstado Social Intervencionista, no incio deste sculo.

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    Busca-se, assim, uma reaproximao do Direito do Trabalho com oDireito Civil.

    Para Robortella, as novas funes e tcnicas do direito do trabalho [...]despertam para uma revalorizao de institutos do direito civil, antes

    desprezados, vistos agora como categorias jurdicas plenamente funcionais nocampo trabalhista [22].

    Mais quais so estes institutos civilistas que a flexibilizao querreimplantar no Jus Laboral: trata-se dos velhos dogmas da autonomia privada edo pacta sunt servada. Com efeito, passa-se, neste quadrante, a ver oempregado no mesmo p de igualdade jurdica que o empregador, no maisjustificando falar em proteo parte mais frgil.

    Passa-se a ter valor jurdico a chamada palavra empenhada do obreiro,ainda que volitivamente viciada ante o temor reverencial e o estado desubordinao. Por conseguinte, nesta esteira da doutrina flexibilizante, nomais se aplicar a premissa de que os direitos trabalhistas so legalmenteirrenunciveis.

    A nosso ver, a proposta absurda se considerarmos que no h comotratar com igualdade os desiguais. Em verdade, o trabalhador continua, agoramais do que nunca, sendo a parte frgil do Contrato de Trabalho, submetendoas mais variadas propostas de trabalho, em face do desemprego estrutural edas poucas vagas que tem que disputar no mercado.

    Estou convencido que a imiscuio estatal deve permanecer nestaseara contratual. No podemos ir, de forma desenfreada, na onda da

    modernidade europia para defender, como alguns mais afoitos, a totaldesregulamentao da relao capital-trabalho[23].

    Por outro lado, o economista Jos Pastore, um entusiasta do movimentoneoliberal, diz que o mundo da competio exige agilidade e flexibilidade [...] OBrasil no est fora do mundo. As novas condies econmicas determinadaspela revoluo tecnolgica, pelo aumento da competio mundial vmdemandando estmulo para uma reduo da legislao sobre o mercado detrabalho.

    O magistrado trabalhista, Ricardo Sampaio, com autoridade, rebate o

    economista, quando assim assevera:Pastore, por exemplo, sada o instituto como a resposta

    moderna para o aumento da competio, mas no nega que o felizoperrio da sia, flexibilizado, desfruta de condies at desumanas,onde as pessoas trabalham longas horas, com pouca proteoprevidenciria e, muitas vezes, envolvendo crianas e outros parentesna tarefa de produzir. ... evidente que no se pode remar contra osnovos ventos, mas cabe ... redobrada ateno para evitar o alastramentoda fraude e o advento de tempos ainda piores para os trabalhadores.[24]

    No Brasil de hoje, a palavra de ordem dos empresrios a flexibilizaonegociada com a entidade sindical. Todavia, o contexto atual acena para um

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    total enfraquecimento da representao sindical, vez que o empregado, noatual paradigma ps-fordista, visto como um verstil tomo polivalente e nomais como uma classe ou categoria profissional.

    A propsito, o ministro do TST, Orlando Teixeira da Costa, chama a

    ateno para a decadncia dos sindicatos tradicionais, em face do sistemaflexvel, contribudo, com isso, para reduzir o poder poltico da classetrabalhadora em seu conjunto. O resultado tem sido a eroso progressiva dossalrios dos trabalhadores, tendo como contrapartida o crescimento doscentros de produo que adotam um procedimento flexvel. [25].

    Ainda, quanto a tentativa de mitigar o princpio de proteo, o ministroadverte que esta experincia no parece ser inteiramente confivel, face aosresultados concretos que tem gerado nos principais pases de economia demercado [26].

    Portanto, estamos diante de verdadeira cilada. De um lado o discurso deque o empregado, diante da assistncia sindical, estar com fora paranegociar de forma igualitria com o patro. De outro, temos a realidade quedemonstra o inverso: uma representao sindical impotente, desacreditada esem poder de representao em face da total desarticulao do movimentooperrio.

    Diante deste quadro sintomtico inferir que a propalada flexibilizaoatravs da assistncia sindical vai beneficiar to somente os empregadores.Por outro lado, no ser diferente a flexibilizao negociada diretamente entrea empresa e o trabalhador, pois neste caso o empregador acabar impondo, aoseu talante, as condies de trabalho, tendo o obreiro que aceit-las para noperder a vaga de trabalho.

    Registre-se que com o desemprego estrutural e a frustrao dasociedade em no ter suas demandas sociais atendidas, o iderio neoliberal,numa engendrada compensao - ou trade-offs na expresso deMacpherson[27] -, propiciou o surgimento dos direitos de solidariedade dochamado terceiro setor (organizaes no-governamentais que vem atuandonos programas que envolvem direitos sociais).

    Ambos absorveram, em parte, o nefasto impacto social causado pelapoltica de corte de gastos pblicos com programas sociais e acabaram

    concorrendo, ainda que por via oblqua, para dar vazo ao fenmeno daglobalizao da economia.

    5. Os direitos de solidariedade e a ocupao do espao pblico pelosentes privados:

    Como vimos a acumulao de riqueza e o corte de gastos comprogramas sociais so os principais escopos do programa de implantao doneoliberalismo. Com efeito, o Estado, para ser vivel, tem que aparar osimpactos sociais e diminuir a massa de excludos, sob pena de por em risco asua prpria legitimao.

    Ocorre que a luta contra a misria no se exaure na questo dos direitoshumanos. preciso mais: preciso dignidade humana. Lembremos que

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    enquanto no Estado Liberal, os direitos do homem cingiam-se noo deliberdade pblica (de pensamento, poltica, de imprensa, ensino, religio etc.),hoje se infere que esta propalada liberdade incua, na medida em que noh meios de exerc-la.

    Com o Welfare State, os direitos humanos ampliaram-se, alcanando oschamados direitos sociais (direito ao emprego, sade, seguridade, aoseguro-desemprego, a um salrio mnimo digno, etc.).

    Hoje estamos vivendo a era do nascimento e aperfeioamento dosdireitos de solidariedade[28], tambm conhecidos como direitos de fraternidade(direito paz; qualidade de vida; ao meio ambiente, ao patrimnio comum dahumanidade, etc.).

    A proliferao desta espcie de direitos humanos se d, basicamente,por duas causas: a um, porque de interesse do prprio iderio globalizador; adois, porque a prpria sociedade, ao constatar que o Estado no mais vemsuprindo as suas mnimas demandas, sentiu-se premida a criar alternativasprprias de soluo.

    Surge, ento, o chamado Terceiro Setor que segundo RubensFernandes envolve um conjunto de organizaes e iniciativas privadas quevisam produo de bens e servios pblicos[29]. , pois, a ocupao pelasentidades privadas do espao pblico desprezado pelo Estado Neoliberal.

    Veja-se que a partir dos anos oitenta, o mundo inteiro viu crescer onmero de organizaes sem fins lucrativos (os chamados nonprofict sector)que vo desde as tradicionais entidades filantrpicas, passando pelas ONGs

    (organizaes no-governamentais), at chegar s modernas fundaesempresarias e aos NMS (novos movimentos sociais).

    Estas entidades movimentam milhes de dlares anualmente na buscade satisfazer os anseios sociais e as conquistas ps-materiais (meioambiente, direitos difusos, do consumidor, lazer, etc.). Atente-se, contudo, queo Estado no pode alijar-se deste setor que embora privado ,indubitavelmente, enquadrado como de interesse pblico. Os programas hode ser de parceria entre governo e setores sem fins lucrativos.

    No se pode tambm deixar que entidades privadas, beneficiadas pela

    poltica de retorno ao Estado mnimo, aproveitem-se desta conjuntura paraficarem livres em suas prticas abusivas e de usuras, como vemos muitasvezes [30]. Entendemos que o Estado no pode perder de vista o controledestes setores sociais prioritrios, como a sade, a poltica de emprego, aprevidncia, a educao e a segurana, sob pena de mercantilizarmos osdireitos sociais, obstaculizando o acesso igualitrio da populao.

    Esta precauo que o Estado deve ter passa, necessariamente, pelocampo jurdico.

    fundamental termos leis que cobam os abusos econmicos. Se oEstado no tem mais capacidade de responder aos anseios bsicos dasociedade, propiciando a volta da poltica liberal do laissez faire, que ao menosaprenda a histrica lio de outrora (o caos que levou Revoluo Industrial do

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    sc. passado) e imponha certas diretrizes a estas entidades que, muitas vezes,adentram na esfera pblica sem qualquer escrpulo, mas apenas com o fitocomercial.

    6. O papel do Direito no Estado Neoliberal:

    A interdependncia entre o Direito, o Estado e a Economia umaunanimidade entre alguns socilogos de renome, tais como: Marx, Weber eDurkheim. Assim que a considerao do Estado Neoliberal como novoparadigma poltico e econmico, produz forte eco no campo do Direito.

    E no de agora que o Direito vem servindo para atender aosinteresses daqueles que esto no poder. Para o prof. scar Correas o prprioconceito de Direito traduz-se num discurso de carter prescritivo, produzidopor quem detm o poder ... [31]. No caso, hoje, o poder est na mo dosneoliberais e, assim, as transformaes pretendidas por estes passam,necessariamente, pelo campo jurdico.

    Neste sentido, mencionamos algumas diretrizes neoliberais quepassaram, passam e passaro pela rbita da legislao:

    - a ocupao do espao pblico pelos entes privados;

    - a revogao de direitos trabalhistas;

    - a implementao de programas que visam salvar as entidadesfinanceiras deficitrias[32];

    - a regulamentao das privatizaes das estatais;

    - a mudana de prioridades nas diretrizes da educao;

    - o fim da estabilidade e a exonerao de funcionrios pblicos;

    - implementao das exigncias do FMI e BIRD, tais como o corte nooramento pblico com o funcionalismo pblico;

    - o fim de programas sociais e a extino de seus rgos oficiais [33];

    Manoel Camargo e Gomes prevem que o fenmeno da globalizaoimplicar num estrangulamento espacial do Direito Pblico e um alargamento

    das relaes privadas.

    Aps perceber que o neoliberalismo restringir o processo de formaode tutelas jurdico-polticas, este socilogo adverte:

    a racionalidade estritamente econmica no processo deproduo de tutelas jurdico-polticas parece retomar o vigor do incio dosculo, reduzindo as clusulas do pacto entre sociedade civil e Estado[...] O Poder Pblico deixa sua condio de inadimplente, no pelocumprimento de suas obrigaes, mas pela modificao compulsria eleonina do contrato aps o pagamento antecipado do preo pela outra

    parte, o povo, vitimado por uma ideologia suficientemente capaz deencobrir os danos da decorrentes.[34]

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    Sem dvida que a tendncia de retorno poltica do laissez faire,laisser passer, devendo o Direito estimular o velho dogma da igualdade jurdicados signatrios, do pacta sunt servanda e da autonomia privada. Da que aslegislaes que colimam proteger o trabalhador, o aposentado e o cidado, emseus comezinhos direitos sociais, tendem a minguar-se.

    Reflexo disto, como vimos, a tendncia de flexibilizar as relaes deemprego e sepultar os direitos sociais contemplados nas chamadasconstituies programticas.

    Da mesma forma, o Direito Administrativo sofrer sensvel reduo deseu objeto, em face da poltica do Estado mnimo, das privatizaes dasestatais e enxugamento do funcionalismo pblico.

    Por outro lado ser majorado o campo de atuao do DireitoInternacional Privado, do Direito Comercial e do Direito Civil, em face,respectivamente, da globalizao da economia, da fora dos contratos firmadoscom as empresas multinacionais e com o retorno aos direitos individuais dacamada mais favorecida economicamente (e to bem servida pelo modeloneoliberal).

    O Direito das informaes e das decises. A partir desta exigncia, oatual modelo judicirio tornou-se arcaico e anacrnico.

    Com outras palavras: os neoliberais no admitem um Judicirio tomoroso para decidir a dissoluo de uma empresa ou para declarar vivel ouno (inconstitucional) uma medida econmica, por exemplo. Passa-se, ento, aestimular as chamadas medidas de auto-composio da lide (mediao, pactos

    coletivos, validade dos pactos individuais trabalhistas; fim do Poder Normativo,etc.) ou mesmo as formas de soluo extrajudicial (arbitragem, cmaras deconciliao, etc.).

    Finalmente, urge registrar que tambm passa pelo campo do Direito adiminuio e a mitigao do impacto social ensejado pelas medidaseconmicas ortodoxas do neoliberalismo.

    Este impacto se d, principalmente, por dois motivos: um - porque asdemandas populares no mais esto sendo atendidas pelo Estado, propiciandoverdadeira crise de legitimao; dois - porque a lgica do capitalismo

    diferente da lgica democrtica. Enquanto a primeira imediatista e preocupa-se apenas com a eficaz acumulao de riqueza, a lgica do espao pblicoprocura questionar, consultar, programar, projetar para, posteriormente,deliberar. Tudo com escopo na legitimao de seus atos.

    O Direito , pois, fruto deste confronto entre a eficcia econmica e alegitimao do Estado. Ocorre que com o advento da ideologia neoliberal, hum superdimensionamento do quesito acumulao em detrimento do itemlegitimao.

    Jos Eduardo Faria lembra que o conflito entre esses dois imperativoscategricos excludentes afeta o espao pblico, as diferentes formas de aopoltica e o prprio alcance da democracia [36].

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    Neste diapaso, Manoel Camargo preconiza:

    ... as diferentes demandas produzidas socialmente, para seremrecepcionadas no mbito das polticas pblicas ou do ordenamentojurdico estatal, teriam que consubstanciar uma das seguintes situaes:

    a) representar uma imediata e substancial vantagem para a expanso daacumulao privada; b) apresentar um ganho relevante na minimizaodo dficit de legitimao poltica do Estado; c) atender importantesinteresses corporativos da burocracia estatal; d) ou ainda, no possuindoesta requerida importncia em uma desta opes, apresentar umarazovel vantagem, concomitante ou alternativamente, no mbito dastrs situaes. [37]

    Em suma, o Direito tende a ser tanto mais necessrio quanto maisdeficientes sejam os processos de internalizao dos valores normativos naconscincia dos indivduos. Esta significante lio de Bobbio [38] oportuna,

    quando nos deparamos com o papel da mdia que vem induzindo a sociedadea aceitar o paradigma neoliberal atravs de argumentos falaciosos e dedissimulao de seus nefastos impactos sociais. Neste sentido a funo doDireito tem um aliado.

    7. O desemprego estrutural e os demais impactos sociais doNeoliberalismo:

    O sucesso da poltica econmica neoliberal implica no desprezo dapoltica social. Assim, para que o governo possa deixar frtil o terreno para aglobalizao da economia, deve abdicar dos programas sociais e destinar seusrecursos pblicos na remunerao do capital aplicado no ttulo das dvidaspblicas.

    Veja-se, a propsito, alguns nmeros do governo FHC:

    - em 1995, a receita arrecadou mais 43% se comparado com o anoanterior;

    - neste mesmo perodo, o governo reduziu:

    a) 83% os gastos na rea de assistncia social e defesa dos direitos dascrianas;

    b) 20% nos programas de apoio educao e ao ensino fundamental;

    c) 35% nos programas de sade pblica; e

    d) 41% nos programas de gerao de emprego. [39]

    Esta economia de dinheiro, propiciada pelos cortes nos programassociais, destinaram a cobrir os servios das dvidas. Contudo, conforme bemobserva o historiador Joaci CUNHA, o governo esconde estes nmeros einsiste em imputar a culpa da falncia do Estado nos gastos com o

    funcionalismo pblico[40], previdncia social e outras falcias do tipo. [41]

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    o desemprego, indubitavelmente, o problema que mais assola omundo na atualidade. No Brasil, segundo idneos dados do DIEESE opercentual de desempregados em relao populao economicamente ativa(PEA) gira, hoje, em torno de 13,2%. [42]

    O modelo neoliberal, que prioriza apenas os interesses dos empresriosem detrimento do empregado, implicou no surgimento do desempregoestrutural. No bastasse a implantao de tecnologias que fazem com que asmquinas substituam o trabalho humano, os neoliberais querem flexibilizar asrelao de trabalho daquele pequeno contingente de trabalhadores queconseguiram manter-se no emprego.

    Esta exigncia de versatilidade, aprimoramento, polivalncia e aumentodo ritmo de trabalho est gerando ansiedade, temor e depresso notrabalhador. Segundo Massao Umeda, o Brasil, entre os pases do mundo,talvez seja o que mais gera estresse nos trabalhadores devido a tentativa de

    aplicar, em intervalos muito curtos, conhecimentos novos na busca daQualidade Total. Os empresrios querem tirar o atraso e no do tempo aseus colaboradores para digerir as novas informaes. [43]

    Outro impacto ensejado pelo novel paradigma traduz-se nas atuaispolticas de assistncia sociais altamente reducionistas, alcanando apenassituaes extremas, com elevado grau de seletividade, direcionada aosestritamente miserveis.

    Conforme Selma Schons, trata-se de uma ao humanitria coletiva, eno mais uma poltica dirigida justia social e igualdade, uma poltica social

    que passa a ser pensada de modo residual, apenas para complementar o queno se conseguiu via mercado ou ainda atravs de recursos familiares e/ou dacomunidade . [44]

    Veja-se que piorou o ndice de desenvolvimento humano, que mede osnveis de renda, escolaridade e expectativa de vida, aferido pela ONU no seurelatrio de 1996 em comparao com o do ano anterior. Segundo esteorganismo internacional, um em cada trs brasileiros esto vivendo abaixo dalinha de pobreza, ou seja, 41,9 milhes de pessoas. [45]

    Com efeito, constata-se que esta poltica neoliberal de idolatria do

    mercado relega a questo social a um plano secundrio, reduzindo-a meroscustos. Esta opo mercadolgica implica no aceleramento do processo dem-distribuio da renda, na medida em que os programas sociais limitam-se aatingir to somente os indigentes. No h, pois, tica, nem dignidade notratamento dos problemas sociais.

    Os sequazes da globalizao entendem que os pobres devem ficar sobo cuidado das entidades filantrpicas e do iderio da sociedade solidria. [46]

    O problema to srio que chegamos ao ponto de nos indagar: o quefazer com os pobres da nossa sociedade? Eles no mais interessam como

    reserva de mo-de-obra, no so consumidores, no tm qualificao

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    profissional e, portanto, no tm nenhuma utilidade nesta fria ticamercadolgica.

    O desemprego estrutural gera o aumento da massa dos excludos e, porconseguinte, dos consumidores. As novas formas de tecnologia e

    desenvolvimento cientfico, fazem com que os grandes centros capitalistaspassem cada vez mais a prescindir da explorao do trabalho humano. Hojevendemos a nossa fora de trabalho para o mundo inteiro, em face do preoaviltante (ou competitivo na acepo dos proselitistas da economiaglobalizada).

    Em breve, o Terceiro Mundo no servir mais para nada, nem mesmopara ser explorado! Teremos um comrcio voltado apenas para os ricos e seusmaquinrios. Ser a poca dos Shoping Center das Mquinas e dosComputadores onde as boutiques vendero apenas acessrios para osequipamentos cibernticos, enquanto a grande massa de indigentes, proibidas

    de adentrarem nestes recintos especiais, ficaro disputando vagas deinternamento em nosocmios e entidades no-governamentais.

    O prprio Robortella, em seu Moderno Direito do Trabalho, obra que fazapologia flexibilizao da legislao trabalhista, registra em momento delucidez:

    O capitalismo moderno est exageradamente penetrado pelaconcepo neoliberal, sem se dar conta de suas reais conseqncias naeconomia e no trabalho. H observadores alertando para os sinais dacrise. J se nota, aps estes poucos anos de experincia, que os

    prprios pases ricos encontram dificuldades em conciliar as concepeseconmicas neoliberais com o crescente desemprego; em ajustar aflexibilidade do mercado de trabalho com o efetivo bem-estar dasociedade. [47]

    Depreende-se que, infelizmente, a lio da Revoluo Industrial dosculo XVIII, ensejada pelo Liberalismo e sua poltica do laisser faire no foisuficiente. A histria ora se repete!

    Concluso:

    1) O iderio neoliberal teve sua origem aps a 2a. Guerra Mundial na Europa ena Amrica do Norte;

    2) O mote neoliberal a defesa de um Estado mnimo, em contraposio aoEstado intervencionista do Welfare State;

    3) O governo Thatcher, Inglaterra/1979, foi o primeiro neoliberal. Em 1980 veioReagan/EUA e em 1982, Khol/Alemanha. A partir de ento quase toda aEuropa Ocidental aderiu s diretrizes neoliberais;

    4) Foi no Consenso de Washington, reunio realizada em 11/89, que o Brasil e

    os demais pases latino americanos aderiram s diretrizes neoliberais impostaspelo FMI e BIRD;

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    5) A hiperinflao deixada pelo governo Sarney propiciou a adeso doneoliberalismo pelo governo Collor. Contudo, no atual governo FHC quenitidamente o Brasil tornou-se um pas submisso ideologia da globalizaoeconmica;

    6) O advento do neoliberalismo na Amrica Latina foi ensejado pela crise doEstado do Bem-Estar Social que se deu em trs nveis: crise degovernabilidade; econmica e poltica;

    7) A crise de governabilidade decorre do descrdito da sociedade em relaoao Estado e suas instituies;

    8) A crise econmica configura-se pela incapacidade do Estado defenderinteresses nacionais em detrimento da soberania nacional;

    9) A crise poltica do Estado intervencionista decorre das duas anteriores, ou

    seja, pela falta de resposta estatal em suas funes elementares;10) O Estado Social props-se satisfazer as demandas sociais e acabouendividado. J o Estado Neoliberal preocupa-se apenas com a acumulao deriquezas, sem se importar com os direitos sociais e com a legitimao popular;

    11) A ideologia da Globalizao visa perpetuar o sistema capitalista em suaacepo ortodoxa, unificando os mercados mundiais sob a articulao dasempresas multinacionais e organismos financeiros mundiais;

    12) A Globalizao resultado da articulao de trs movimentos simultneos:a) Financeirizao da Economia; b) Blocos Regionais; c) ReestruturaoProdutiva;

    13) Por Financeirizao (ou desmaterializao) da Economia se entende aacumulao de riquezas ensejada pela mera especulao do capital, ou seja,independente da circulao de mercadorias. Ex: o vigoroso mercado dederivativos (das diferenas de preos) das aes das Bolsas de Valores;

    14) O processo de privatizao das estatais dos pases latino americanos fazparte do processo de fortalecimento da economia globalizada, deixandoatraente os investimentos estrangeiros, a partir da converso dos podresttulos pblicos em valorizadas aes de empresas lucrativas;

    15) Por Reestruturao Produtiva entenda-se o processo de introduo denovos mtodos e tecnologias de produtividade que influem no gerenciamentode recursos humanos (RH), exigindo um novo perfil do trabalhador: verstil,atomizado, atualizado, produtivo ( e por corolrio: desesperado e estressado);

    16) O neoliberalismo propugna pela desmontagem dos direitos sociaiscontemplados e universalizados nas Constituies programticas do EstadoSocial;

    17) Hoje vivemos uma situao paradoxal e inusitada: os inmeros direitossociais (sade, trabalho, previdncia social, participao nos lucros, etc.), em

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    que pese assegurados na Carta-Me, so ineficazes ante a falta deregulamentao legal e de implementao de programas de viabilizao;

    18) O iderio neoliberal prega a flexibilizao da relao de trabalho que visa adesregulamentao do Direito do Trabalho, o fim do princpio protetivo ao

    trabalhador e o estmulo de formas flexveis para resciso sem nus econtratao de empregados;

    19) Atualmente no Brasil, os empresrios e seus juristas correligionrios vmdefendendo a flexibilizao negociada com a assistncia dos sindicatosprofissionais. O curioso que isto se d justamente agora em que estasentidades esto desacreditadas e sem poder de representao, haja vista apoltica de atomizao e o temor do empregado em perder o emprego;

    20) Numa engendrada compensao (trade-off), o iderio neoliberal propiciou eestimulou o surgimento dos direitos de solidariedade e do chamado terceiro

    setor como forma de absorver o impacto social sofrido pela poltica de corte degastos pblicos com programas sociais;

    21) Por direitos de solidariedade entenda-se os direitos de fraternidade, ouseja, o direito paz, ao meio ambiente, ao patrimnio comum da humanidade;

    22) Por terceiro setor entenda-se as iniciativas privadas, que vo desde astradicionais filantrpicas e religiosas, as ONGs, at as fundaes empresariaise os NMS (novos movimentos sociais), que esto ocupando os espaos sociaispblicos desprezados pelo Estado;

    23) No Liberalismo, os direitos do homem limitavam-se liberdade pblica. NoEstado Intervencionista, alcanaram os direitos sociais. Hoje, noNeoliberalismo, vive-se a era do nascimento e aperfeioamento dos direitos desolidariedade;

    24) O Estado no pode se alijar da responsabilidade destas demandas sociais.O correto o implemento de programas de parceria: governo x ONGs.Ademais, deve o Estado intervir para coibir os abusos e as usuras que algunsoportunistas do terceiro setor tiram, quando do desempenho destas atividades;

    25) A interdependncia entre o Direito, o Estado e a Economia uma

    unanimidade entre socilogos como: Marx, Weber e Durkheim. Assim que asdiretrizes impostas pelo Estado Neoliberal passam pela rbita do Direito que,segundo scar Correas, o discurso prescritivo produzido por quem detm opoder;

    26) Com o Neoliberalismo, haver uma reduo do Direito Pblico, mormente odireito administrativo, e um alargamento do direito privado, principalmente doDireito Civil, Comercial e Internacional Privado. O Direito do Trabalho vai seaproximar do Direito Civil, devendo ser por este incorporado;

    27) A instantaneidade das decises, nsita Globalizao, repele o modelo

    judicirio e processual tradicional. A tendncia da auto composio da lide, aarbitragem e o afastamento do Estado em relao aos conflitos de interessesdos cidados;

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    28) A lgica econmica diferente da lgica democrtica. Assim, o sucesso dapoltica econmica neoliberal implica no desprezo da poltica social einvestimentos no capital especulativo e naquele que est a servio da dvidaexterna;

    29) O modelo neoliberal, que prioriza apenas os interesses dos empresriosem detrimento do empregado, implicou no surgimento do desempregoestrutural, o grande problema mundial da atualidade;

    30) O pequeno contingente de trabalhadores que conseguiram manter-se noemprego devero ter suas relaes jurdica flexibilizadas e seus direitostrabalhistas minguados;

    31) O iderio da globalizao est a exigir versatilidade, aprimoramento,polivalncia e aumento do ritmo de trabalho do empregado. Por conseguinte,este est cada vez mais ansioso, temeroso, estressado e deprimido;

    32) Com o Estado Neoliberal, as atuais polticas de assistncia sociais soaltamente reducionistas, alcanando apenas situaes extremas e direcionadaaos estritamente miserveis. No h, pois, tica, nem dignidade no tratamentodos problemas sociais;

    33) Os nefastos impactos sociais do Neoliberalismo aceleram o processo dem-distribuio da renda;

    34) Pela fria perspectiva mercadolgica do Neoliberalismo, em breve a grandemassa de excludos no interessar mais para nada: nem como reserva de

    mo-de-obra, nem como consumidores e nem mesmo para serem explorados.Ser o caos social!

    (*) O autor professor de Direito do Trabalho da APEJ - Academia Paranaense de EstudosJurdicos; advogado e mestrando da UFPR em Direito das Relaes Sociais.

    [1] O caminho da servido, 1944.

    [2] conforme Perry Anderson, in: ...

    [3] Perry Anderson registra que boa parte dos pases que compem o OCDE (OrganizaoEuropia para o Comrcio e Desenvolvimento) conseguiu diminuir em 20% a tributao sobreos salrios mais altos e quanto aos valores das bolsas, verificou-se um aumento quatro vezesmaior se comparado com os salrios dos trabalhadores.

    [4]isto sem falar no aumento de classes economicamente desiguais que, para os neoliberais,constitui-se num valor positivo.

    [5] cf. Maria Carmelita Yazbeck, in A poltica social brasileira nos anos 90: Refilantropizaoda questo social. , Salvador, Caderno do CEAS, n. 164, jul/ago/96, p. 37.

    [6] in PS-NEO************* Wilson Ramos Filho complementa sua exposio, chamando-nosa ateno para o curioso fato de que ao contrrio do que se poderia inicialmente supor, o

    questionamento do Estado Moderno [...] feito no s pelos setores do capitalismo avanado(aqueles realmente integrados ao mercado global, s grandes corporaes, etc.), mas,paradoxalmente, pelas instituiesda sociedade civil de um modo geral, nestas includos os

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    movimentos sociais, os sindicatos, as centrais sindicais, os partidos polticos de corte popularou socialistas, dentre outras., in obra citada, p. 82.

    [12] SCHIOCHET, Valmor. Neo-liberalismo e proteo social na Amrica Latina. Salvador, inCaderno do CEAS n. 160 - nov/dez/1995, p. 39.

    [13] temos que reconhecer que houve, no mnimo, uma preocupao do Estado Providnciacom a educao, sade, previdncia, segurana, direitos trabalhistas, etc.

    [14] apud: Luiz Carlos Amorim Robortella. O moderno Direito do Trabalho, p. 70.

    [15] CUNHA, Joaci de Souza, Reestruturao capitalista e seus reflexos no mundo do trabalhoe no Estado. Salvador, in: Caderno do CEAS, n. 165 - set/out/96, p. 44.

    [16] trata-se da BM&F, Bolsa de Mercadorias e Futuros, cf. entrevista de John Hull in: Folha deSo Paulo, 26/05/96, p. 2-16.

    [17] Neste sentido, somente as estatais lucrativas interessam. comum, portanto, o governo,antes de vender as estatais, assumir parte de suas dvidas. Ex: US$ 2 bilhes da CSN, US$ 3

    bilhes da Fepasa, etc.

    [18] Dos R$ 9 bilhes conseguidos com a venda das empresas siderrgicas e petroqumicasbrasileiras, apenas 20% foram em dinheiro. No caso da COPENE na Bahia o governoarrecadou apenas 10% em dinheiro vivo. Isto tudo sem falar que o governo, antes de venderestatais, assume parte de suas dvidas: U$ 2 bilhes da CSN; US$ 3 bilhes da FEPASA. Nalight (SP), antes do leilo o governo investiu US$1bilho e elevou as taxas eltricas em 58%.Fontes: Foha de SP, 28/05/96, p.2-2; NEP, anlise semanal de conjuntura econmica, n. 215,p. 17, 15/09/95, apud: Joaci Cunha, ob. citada.

    [19] in obra citada, p. 50.

    [20] cf. CELSO LUIZ LUDWIG, in A alternatividade jurdica na perspectiva da libertao: umaleitura a partir da filosofia de Enrique Dussel., p. 133.

    [21] aqui enquadram-se ROBORTELLA, MAGANO, JOS PASTORE, ROSITA NASSAR,dentre outros.

    [22] ROBORTELLA, Luiz Carlos Amorim. O moderno Direito do Trabalho. p. 44.

    [23] DALLEGRAVE NETO, Jos Affonso, in: Tribuna do Judicirio, n.04/95, p. 1.

    [24] in: Crise do sistema de relaes do trabalho no Brasil - ano 494. Gnesis, Revista deDireito do Trabalho, 01/95, p. 46.

    [25] in Reflexes Preliminares sobre a Renncia e a Transao num processo de flex ibilizaolaboral, p.18

    [26] Obra citada, p. 19.

    [27] Macpherson, Crawford Brough. Ascenso e queda da justia econmica e outros ensaios.Trad. Luiz Alberto Monjardim. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991.Segundo o autor a essnciada troca compensatria (trade-off), tpica do Liberalismo, consiste na incompatibilidade de duasalternativas a exigir escolha.

    [28] esta expresso foi utilizada por Karel Vasak em 1979 na abertura dos cursos do InstitutoInternacional dos Direitos do Homem, cf. informa Robert Pelloux in Revue du Droit Public et dela Science Politique en France et ltranger, Paris, Lib. Gnrale, 1981, n. 1, p. 58.

    [29] in Privado porm Pblico: o Terceiro Setor na Amrica Latina, Rio de Janeiro, Relume -Dumar, 1994.

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    [30] exemplo eloqente aconteceu recentemente quando o Executivo teve que intervir natentativa abusiva de fixao de mensalidades por parte de setores (privados) da medicina degrupo.

    [31] in Introduo Sociologia Jurdica, p. 11.

    [32] Aps duas semanas da criao do PROER (Programa de Estmulo Reestruturao e aoFortalecimento do Sistema Financeiro) fora liberado R$ 5,89 bilhes para salvar o BancoNacional que foi transferido ao UNIBANCO. S no periodo de 11/95 a 06/96, o Banco Centralemitiu R$ 11,18 bilhes para atender os banqueiros. Fonte: Folha de So Paulo de 27/05/96, p.1-6.

    [33] neste sentido a Medida Provisria 813 de 01/01/95 que extinguiu a LBA, a CBIA e oMinistrio do Bem Estar Social.

    [34] CAMARGO e GOMES, Manoel Eduardo. ob. citada, p. 133.

    [35] A propstio a recente Lei de Arbitragem sancionada em 09/96.

    [36] in: Direito e Globalizao Econmica: implicaes e perspectivas., p. 154.

    [37] in obra citada, p. 123.

    [38] apud: Fernando Noronha. O Direito dos Contratos e seus princpios fundamentais. p. 24.

    [39] Fonte: Folha de SP, 16/03/96, p. 1-6. S em educao os cortes atingiram R$ 427 milhese R$ 172 milhes em sade.

    [40] veja-se que enquanto nos EUA o funcionalismo pblico representa 20% da PEA(populao economicamente ativa) e na Europa varia de 15% a 37%; no BRASIL de apenas10%, conforme Estado de SP, 14/12/95, p. A-2.

    [41] in obra citada, p. 62.

    [42] registre-se que este nmero mais que o dobro do ndice oficial trazido pelo IBGE que de 5,09%.

    [43] apud Krein, J.D. e Neutzling, I; Perfil do novo trabalhador. Cadernos do CEPAT, Curitiba,1995. In Quinzenas, CPV, SP, n. 226, p. 14.

    [44] SHONS, Selma. Seguridade Social: A assistncia na perspectiva do Neoliberalismo, in VIIICongresso Brasileiro de Assistentes Sociais, 1995.

    [45] o governo FHC, encomendou pesquisa do IPEA que aponta uma reduo dos pobres de

    42,24 para 28,74%, quando do aniversrio do Plano Real. Contudo, os critrios adotados napesquisa no so os mais precisos para aferir a realidade.

    [46] neste sentido ver valioso texto de Maria Carmelita Yazbeck. A Poltica Social Brasileira nosanos 90, Caderno do CEAS, n. 164, Salvador, Jul/Ago/96.

    [47] in obra citada, p. 70 e 71.