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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE COMUNICAÇÃO SOCIAL CHRISTIAN FARIAS DE ÁVILA O ESTUDO DA EVOLUÇÃO TÉCNICA E CULTURAL DO CINEMA DE CHAPLIN A PARTIR DE SUAS OBRAS NA ESSANAY Porto Alegre 2009

O estudo da evolução técnica e cultural do cinema de Chaplin a partir de suas obras na Essanay

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Trabalho científico que comprova a evolução das películas de Charles Spencer Chaplin a partir de 1915 até 1957, passando pelas companhias Essanay, Mutual, First National e United Artists. O estudo faz uma comparação técnica e social, visando a vida e a arte de um gênio das artes cinematográficas.

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL

FACULDADE DE COMUNICAÇÃO SOCIAL

CHRISTIAN FARIAS DE ÁVILA

O ESTUDO DA EVOLUÇÃO TÉCNICA E CULTURAL DO CINEMA

DE CHAPLIN A PARTIR DE SUAS OBRAS NA ESSANAY

Porto Alegre 2009

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CHRISTIAN FARIAS DE ÁVILA

O ESTUDO DA EVOLUÇÃO TÉCNICA E CULTURAL DO CINEMA

DE CHAPLIN A PARTIR DE SUAS OBRAS NA ESSANAY

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Jornalismo, pela Faculdade de Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

Orientador: Prof. Dr. Carlos Gerbase

Porto Alegre

2009

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CHRISTIAN FARIAS DE ÁVILA

O ESTUDO DA EVOLUÇÃO TÉCNICA E CULTURAL DO CINEMA

DE CHAPLIN A PARTIR DE SUAS OBRAS NA ESSANAY

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Jornalismo, pela Faculdade de Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

Aprovado em ____ de ______________________ de _________.

BANCA EXAMINADORA:

Prof. Dr. Carlos Gerbase – PUCRS

__________________________________

Profª. Drª. Cristiane Freitas Gutfreind – PUCRS

__________________________________

Prof. Me. Fabiano Grendene de Souza – PUCRS

__________________________________

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Dedico este trabalho à minha família, a base de meus

princípios e de minha sede por conhecimento.

Principalmente à minha mãe; Dilce Rosane. Nem a mais

bela obra chapliniana explicaria o amor que sinto.

E a Charles Spencer Chaplin. Personagem supremo de

meus pensamentos e protagonista eterno de minhas

alegrias. Um pequeno homem em forma de gênio. Um

gênio de ideias coletivas.

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AGRADECIMENTOS

Ao meu orientador Carlos Gerbase pela importante ajuda e pela oportunidade de aprendizado. Também agradeço ao mesmo por apoiar um sonho meu: um estudo sobre Charles Chaplin, e transformá-lo em realidade com este projeto.

À professora Glafira Bartz pelo carinho e, principalmente, pela direção na preparação do anteprojeto deste trabalho.

Ao meu grande colega Fernando Martinez, que hoje não é mais um colega apenas, mas sim um grande amigo e companheiro.

À minha dinda Dulce Rejane por me ajudar sempre e por acreditar em mim. Aos meus amigos pela amizade sincera e verdadeira.

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RESUMO

Charles Spencer Chaplin é um grande representante do cinema mudo do início do

século XX. Além de figurar nesta categoria, foi um cineasta com comprometimentos

sociais e políticos em muitas de suas obras. O presente estudo detecta a evolução

de suas comédias a partir de uma análise de conteúdo de sua vida e das suas

obras, passando pelas empresas Essanay, Mutual, First National e United Artists.

Nesta análise estão seus personagens, entre eles, o mais famoso: Carlitos.

Palavras-chave: Cinema. Comédia. Filmes. Charlie Chaplin e Carlitos. Essanay.

Mutual. First National. United Artists.

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ABSTRACT

Charles Spencer Chaplin is a great representative of the early silent film in the XX

century. In addition to figure this category, was a filmmaker with social and political

commitments in many of his works. This study detects the evolution of his comedies

from a content analysis of his life and his works, including enterprises Essanay,

Mutual, First National and United Artists. This analysis includes its characters,

among them, the most famous: the Tramp.

Keywords: Cinema. Comedy, Movies. Charlie Chaplin and The Tramp. Essanay.

Mutual. First National. United Artists.

Page 8: O estudo da evolução técnica e cultural do cinema de Chaplin a partir de suas obras na Essanay

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................

2 A TRAJETÓRIA DE CHARLES SPENCER CHAPLIN ....................................

2.1 O INÍCIO NA INGLATERRA ...........................................................................

2.2 OS CURTAS E OS MÉDIAS ..........................................................................

2.3 OS LONGAS METRAGENS ..........................................................................

3 A LINGUAGEM UNIVERSAL DE CHAPLIN ....................................................

3.1 A COMÉDIA NO CINEMA MUDO ..................................................................

3.2 AS PRODUÇÕES DE CHAPLIN ....................................................................

3.3 A BUSCA DA PERFEIÇÃO ............................................................................

4 QUESTÕES SOCIAIS E POLÍTICAS ...............................................................

4.1 CONTEXTO HISTÓRICO DAS PRINCIPAIS OBRAS ...................................

4.2 OS PROBLEMAS PESSOAIS .......................................................................

5 O LEGADO DE CARLITOS ..............................................................................

5.1 O VAGABUNDO .............................................................................................

5.2 A COMÉDIA E O DRAMA ..............................................................................

5.3 A EVOLUÇÃO DE SEUS FILMES .................................................................

CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................

REFERÊNCIAS ....................................................................................................

ANEXOS A ...........................................................................................................

ANEXOS B ...........................................................................................................

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1 INTRODUÇÃO

Trabalhando o cinema como uma arte de extensão dos sonhos, que

possibilita a sua complexidade, é como o autor desta monografia projeta suas

análises. Como afirma Nazário (1999, p.15): “O homem sempre desejou

compartilhar seus sonhos e, deste modo, o cinema sempre existiu: o avanço das

técnicas apenas tornou possível a exteriorização mecânica do sonho”. Com o tema

principal de A linguagem cinematográfica de Carlitos, o estudo aqui realizado busca

realçar a importante contribuição dada por Charles Spencer Chaplin ao cinema

mundial, desde seus curtas até, suas grandes obras contempladas no mundo todo.

Como uma arte recente, o cinema possui nomes consagrados que ajudaram

a erguer esta ferramenta midiática. Um dos grandes nomes do início de seu

surgimento é Charles Spencer Chaplin. Com suas comédias de curta metragem, ele

dominou desde cedo as artimanhas da arte da pantomima. Conhecer mais deste,

que foi, além de um grande ator, produtor, diretor, roteirista e músico, é uma forma

de conhecer mais sobre a história do cinema e sobre períodos sociais e políticos

que foram retratados nas análises fílmicas que seguem neste documento.

O autor coloca como fundamental na delimitação do tema: O estudo da

evolução técnica e cultural do cinema de Chaplin a partir de suas obras na Essanay.

Descartam-se nos registros que seguem esta obra os primeiros filmes de Carlitos

(de sua fase na Keystone, em 1914). Possui em vista que aos primeiros curtas do

analisado comediante não exprimem nada além de perseguições e gags comuns,

características de um período em que Chaplin aprendia nos bastidores a arte de

dirigir e escrever filmes. O autor toma como ponto de partida os filmes rodados pela

Essanay, segunda empresa importante na carreira de Chaplin. As obras Casamento

ou Luxo (A Woman of Paris) e A Condessa de Hong Kong (A Countess From Hong

Kong) também não integram a lista, pois Chaplin não participa destas obras

efetivamente como ator, portanto a linguagem de seu personagem principal não se

faz presente.

Aqui o ponto de vista do autor é dar prioridade à arte cinematográfica com

conteúdo histórico e comprometida com valores políticos, técnicos e sociais. Por

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isso, os filmes de Chaplin serão analisados pelo autor como grandes obras que

atravessaram o tempo e possuem, por muito, grande quantidade de dados e

riquezas que serão exploradas e identificadas em meio à análise fílmica,

bibliográfica e documental.

Com a exclusão das obras já citadas, utilizam-se todos os outros documentos

audiovisuais de Chaplin. Começa com os filmes da Essanay Films, de 1915 a 1916,

quinze curtas que resultam em trinta rolos fílmicos. A fase Mutual Films será a

segunda a ser analisada, tendo doze curtas e ao todo vinte e quatro rolos fílmicos

de 1916 a 1918. Em seguida, a fase First National Films, nove películas que ao todo

constituem vinte e cinco rolos e meio de produção, de 1918 a 1923. Para finalizar, a

fase United Artists Films, com oito longas metragens, de 1925 a 1957.

Para compor a análise de conteúdo o autor utilizou documentários fílmicos,

películas do acervo pessoal da família Chaplin e outros. Como exemplo, temos os

DVD’s: A vida e a arte de Charles Chaplin (Charlie: The Life and Art of Charles

Chaplin) e Chaplin Desconhecido (Unknown Chaplin), dois documentários válidos

pelos depoimentos de grandes profissionais que participaram da vida de Chaplin, e

pelas imagens de arquivo que retratam a maneira como Chaplin conduzia suas

produções.

Este documento baseia-se em uma análise consistente e de um estudo de

caso, configurando a pesquisa em arquivos citados anteriormente pelo autor.

Segundo Yin (2001, p. 33): “O estudo de caso como estratégia de pesquisa

compreende um método que abrange tudo – com a lógica de planejamento

incorporando abordagens específicas à coleta de dados e à análise de dados.”

Por fim, deve-se utilizar esta obra como uma constante estruturação da

trajetória de Charles Chaplin, assim como uma organização de dados da vida deste

grande gênio das artes audiovisuais. Por trás destas questões técnicas, devemos

olhar para o indivíduo Chaplin, traçando um paralelo de seus personagens

(principalmente o Vagabundo) com suas ideias culturais e sociais, a qual tenta

exprimir mensagens com suas produções. Trata-se de uma pesquisa explicativa

desenvolvida mediante técnica de pesquisa bibliográfica e documental.

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De acordo com Gil (1999, p. 44): “A pesquisa explicativa é aquela que tem

como preocupação central, identificar os fatores que determinam ou os que

contribuem para a ocorrência dos fenômenos. Também será utilizada a técnica de

pesquisa bibliográfica e documental.”

Quanto à técnica de pesquisa bibliográfica, trata-se de um estudo para

conhecer as contribuições científicas sobre determinado assunto. Tem como

objetivo recolher, selecionar, analisar e interpretar as contribuições teóricas já

existentes sobre determinado assunto. (LAKATOS E MARCONI, 2007).

Já a pesquisa documental, tem por finalidade reunir, classificar e distribuir os

documentos de todo o gênero dos diferentes domínios da atividade humana.

Assemelha-se muito à pesquisa bibliográfica. A diferença essencial entre ambas

está na natureza das fontes. Enquanto a pesquisa bibliográfica utiliza-se

fundamentalmente das contribuições de diversos autores sobre determinado

assunto, a pesquisa documental vale-se de materiais que não receberam ainda um

tratamento analítico ou que ainda podem ser reelaborados de acordo com os

objetivos da pesquisa. (LAKATOS E MARCONI, 2007).

A análise dos filmes se dá baseada nos seguintes autores: Jacques Aumont

(2004, 2006) e David Mamet (2001). Conforme a segmentação e as características

presentes nas obras Estética do Filme, A Imagem e Os Três Usos da Faca.

O referencial teórico desta monografia constará dos seguintes autores:

Charles Chaplin (1965), Eduardo de Souza Soares (2008), Carlos Heitor Cony

(1967), Nilo André Piana Castro (1999), que sustentarão as prerrogativas da vida de

Charles Chaplin, suas características pessoais e sua vida profissional e política.

Subsidiarão as discussões de análises técnicas das obras de Chaplin os

seguintes autores: Goliot Francis Vanoye e Anne-lété (1992), Luiz Nazário (1999),

Walter da Silveira (1970) e André Bazin (2006).

Os textos escolhidos estão de acordo com o processo de estruturação teórica

e analítica desta obra, destaca-se por meio destes o processo de configuração da

vida profissional de Chaplin e de seus filmes e roteiros.

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O contato do autor desta pesquisa com as obras de Chaplin deu-se no final

da década de noventa. Ao assistir os principais filmes, dedicou-se a ler algumas

obras básicas sobre o cineasta. A ligação foi tamanha que um ano antes de cursar a

disciplina de monografia I já estava comprando os filmes e os livros da pesquisa

sobre o determinado tema. A preocupação foi criar problemas de pesquisa com

muita análise de conteúdo, e por isso, o início prévio das pesquisas e das análises

(pela grande quantidade de filmes). Outra preocupação foi a verificação anterior de

outros trabalhos científicos sobre o tema, para que este seja dotado de abordagem

relevante. Vale lembrar que os filmes The Tramp (1915) e The Vagabond (1916)

possuem o mesmo nome no Brasil, O Vagabundo, portanto todas as vezes que é

citado segue-se a definição ao lado entre parênteses.

Esta monografia será desenvolvida em quatro capítulos. No primeiro, o

caminho de Charles Chaplin desde sua infância sofrida na Inglaterra, seus trabalhos

em teatros e suas aventuras até sua chegada na América. A partir disso começa a

revisão de suas produções fílmicas, desde seus curtas e suas passagens pelas

empresas Keystone, Essanay, Mutual, First National e United Artists.

O segundo capítulo abordará as formas encontradas por Chaplin para

disseminar sua arte: A comédia no cinema mudo, e como este seguimento

fortaleceu-se no início do século XX. As produções Chaplinianas, retratando os

processos de produção de Chaplin em suas obras, desde as mais simples até as

mais elaboradas. Com isso, o tema da busca da perfeição: horas de gravações e

edições, ensaios repetitivos e exaustivos que faziam com que a história dos filmes

fosse mudada diversas vezes.

O terceiro capítulo traz o lado político e social de Chaplin. Primeiramente o

contexto histórico de onde se apresentam seus principais filmes, e com isso, nota-

se suas preocupações e motivações sociais para a produção destes. Sua

determinada mensagem, que perdura em suas obras, e as consequências que

essas premissas tiveram em sua carreira, motivos os quais foi investigado e

perseguido por ideias políticas.

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No quarto, a ênfase dada é a herança cultural de sua produção

cinematográfica: o personagem Vagabundo, imortalizado pelas feições corporais de

Charles Chaplin, mostra a face de um homem miserável que luta todos os dias por

razões sociais comuns; arranjar o que comer e conquistar a mulher amada,

trabalhar, casar, ter filhos, viver mais um dia. Chaplin lida com Carlitos misturando

drama com comédia, fazendo-o passar ao expectador a comicidade de uma vida

sofrida. Desta forma, seus filmes foram se tornando mais complexos tecnicamente e

seus roteiros se moldando com o passar dos anos, demonstrando amadurecimento

do diretor e roteirista Chaplin, assim como de seus personagens.

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2 A TRAJETÓRIA DE CHARLES SPENCER CHAPLIN

2.1 O INÍCIO NA INGLATERRA

Charles Spencer Chaplin nasceu às oito horas da noite do dia 16 de abril de

1889, em Walworth, Inglaterra. Seu pai, Charles Chaplin, de origem francesa

conheceu sua mãe, Hannah Dryden, judia irlandesa, pela proximidade de profissão

de ambos: artistas de music-halls. Logo após seu nascimento, a família, que

possuía bom nível financeiro, viu-se em decadência. A separação do casal tornou-

se iminente, Hannah não conseguia suportar o alcoolismo do marido. Com isso,

Chaplin e seu irmão Sydney, filho de um primeiro casamento de Hannah e quatro

anos mais velho que o caçula, foram morar com a mãe em um bairro precário:

Lambeth.

Com cinco anos, Chaplin entrou no palco em uma apresentação pela primeira

vez, devido aos problemas vocais de sua mãe. O evento é contado pelo próprio

Charles Chaplin em sua autobiografia:

Naquela confusão toda, recordo-me do homem a me levar pela mão e, depois de algumas palavras de explicação ao público, deixar-me sozinho no palco. Sob a luz dos refletores e diante das caras da plateia envolta em fumaça, comecei a cantar acompanhado pela orquestra que arranhou os violinos até acertar com meu tom. (CHAPLIN, 1965, p. 38-39).

Devido à ótima atuação do menino, moedas de diversos valores foram

ateadas no palco. Chaplin parou de cantar e foi juntá-las rapidamente, o que acabou

gerando gargalhadas da platéia, que logo em seguida via o menino imitando

singelamente sua mãe cantando com a voz rouca. Com problemas de saúde,

Hannah nunca mais cantaria nos palcos.

A situação se agravou. Sem condições de novas apresentações, com fortes

dores de cabeça, Annah trabalhava penosamente como costureira para ganhar

poucos Xelins. Com as dívidas, e a máquina de costura confiscada, a família

recolheu-se ao asilo de pobres de Lambeth. Os três foram separados no local, e a

convivência diária foi rompida.

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Este período ficou marcado pelas diversas vezes que os irmãos mudaram de

abrigo. Annah conseguiu liberação para trabalhar e arranjar dinheiro suficiente para

alugar um quarto. Os dois meninos voltaram a morar com a mãe novamente, por um

curto período, até que esta enlouqueceu. Annah foi internada no asilo de alienadas

de Cane Hill, deixando as crianças com a guarda provisória do pai.

A convivência com Louise, esposa de seu pai, era pesada, e o enteado mais

velho tinha sua moral escorraçada pelas ofensas que era obrigado a ouvir

frequentemente. Sydney completou onze anos e decidiu servir à marinha.

Novamente a morar com a mãe, Chaplin começou a estudar. Certa vez fez

uma imitação em aula, que acabou por chamar a atenção de professores e colegas,

tendo que apresentar-se, a pedido de seu mestre, de sala em sala. Os estudos

foram interrompidos quando entrou em uma trupe de danças: Os oito rapazes do

Lancashire.

Com trinta e sete anos, Charles Chaplin (pai) se entregara definitivamente ao

vício do álcool. Era um moribundo, mesmo debilitado teve de ser embebedado para

a internação hospitalar, mas já era tarde, morrera de hidropisia (acúmulo de líquido

nas cavidades ou tecidos do corpo).

Mais uma vez, Hannah fora internada em estágio grave de loucura, Chaplin

ficava bom tempo pelas ruas analisando a rotina da vizinhança e dos trabalhadores.

Segundo Cony (1967, p. 36): “O espetáculo preferido, a sua grande fascinação,

continua a ser a rua, os vendedores de salsichas, os pregadores evangélicos, os

bares, a música das ruas”. Muitas destas características foram utilizadas no

decorrer de sua trajetória fílmica.

Entre um emprego e outro, Chaplin realizava visitas periódicas à Agência

Teatral de Blackmore. Fez isso até ser contratado para um papel de ajudante de

Sherlock Holmes.

Os elogios da imprensa facilitaram os convites para papéis posteriores em espetáculos como Repairs e Casey’s Count Circus. Ao completar dezessete anos, interpretou o papel de um galã juvenil em O Alegre Major, peça muito fraca que acabou ficando somente uma semana em cartaz. (SOARES, 2008, p. 21).

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Enquanto isso, Sydney, que havia voltado da marinha, trabalhava em uma

famosa companhia de teatro, a Fred Karno. Chaplin arriscou mais algumas

apresentações em grupos de pequeno porte, sendo por vezes vaiado e tendo de

esconder sua decepção das pessoas que apostavam nele. Certa ocasião, Sydney

alertou Chaplin de que Fred Karno queria conhecê-lo, estava procurando um

substituto para atuar ao lado do famoso Harry Weldon, cômico de grande

popularidade na época.

Fred Karno era o rei do music-hall londrino. Tinha o monopólio absoluto do gênero. Sua companhia era conhecida como a fábrica de gargalhadas – pois não podemos esquecer que a fábrica era a grande obsessão, o orgulho e a verdade daquele tempo e daquele país. Assim, Karno não era considerado um artista, mas um industrial, o industrial da palhaçada. O seu gênero influenciaria decisivamente o adolescente Chaplin. (CONY, 1967, p. 37).

Karno era um homem baixo, de cor bronzeada e olhos agudos. Era excelente

cômico, segundo Chaplin, pois criava diversas peças de pantomimas e comédias.

Sua companhia era muito conhecida nos Estados Unidos e em boa parte da

Europa. Chaplin recebera a proposta de teste, com a duração de duas semanas.

Em sua estreia, Chaplin se saíra melhor do que esperava.

No momento em que pisei no palco senti-me aliviado, tudo clareou. Entrava de costas para o público – idéia minha. Pelas costas parecia impecável, de fraque, cartola, bengala e polainas – um típico vilão eduardiano. Aí me virava, mostrando o nariz vermelho. Houve risos. Tornei-me assim simpático ao público. Encolhi os ombros, melodramaticamente, estalei os dedos e atravessei o palco, tropeçando num haltere. Minha bengala enganchou-se num punching bag que foi lá e veio, e na volta me bateu no rosto. Rodopiei, e a bengala me atingiu no lado da cabeça. O público gargalhava. (CHAPLIN, 1965, p. 126-127)

Chaplin descobriu o que o público gostava de ver, e foi assim que conseguiu

destaque em suas apresentações pela companhia. Foi neste período que acabou se

envolvendo pela primeira vez em um relacionamento amoroso. Uma bailarina que

caíra durante uma apresentação, acabou chamando sua atenção. Era Hetty Kelly de

quinze anos. Chaplin se encantou pela moça, e, mesmo quatro anos mais velho,

mantinha encontros frequentes com ela. Foi o primeiro namoro de Chaplin, a

primeira paixão. Mesmo jovem, Chaplin, já demonstrava sua inconstância com

mulheres. Os dois haviam se encontrado apenas cinco vezes, e o pedido de

casamento foi feito por Chaplin, assustando a menina, que negou,ocasionando o fim

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do relacionamento precoce dos dois.

Chaplin viajou com a companhia para fazer alguns espetáculos nos Estados

Unidos, deixando o irmão Sydney na Inglaterra. Aproveitava os momentos livres

para aprimorar sua prática musical, diariamente de quatro a seis horas por dia tirava

aulas de violino, com a intenção de virar concertista ou apenas usar a música em

seus números.

Pouco antes de deixar os Estados Unidos, Chaplin recebeu um telegrama

que requisitava sua visita a um determinado local. O endereço era do escritório de

Kessel e Bauman, produtores de filmes. Kessel, um dos donos da Keystone

Comedy Film Company comentou com Chaplin que Mack Sennett, diretor

cinematográfico da empresa, o tinha visto atuar imitando um bêbado no teatro,

chamando sua atenção. Seria convocado a substituir Ford Sterling na empresa,

ganhando o dobro do que ganhava com Karno. Chaplin achava as comédias da

Keystone um misto de grosseria e trambolhões, mas aceitou o convite, tinha certeza

da chance que teria de alavancar sua carreira profissional.

2.2 OS CURTAS E OS MÉDIAS

Chaplin viajou imediatamente para Los Angeles, palco de sua nova jornada.

Informado de que Sennett esperava-o no estúdio de gravação, em Edendale, não

perdeu tempo e foi conhecer as instalações. Seu novo chefe se apresentou, e pediu

para que Chaplin apenas observasse, nos primeiros dias, a rotina na indústria da

comédia cinematográfica. A propriedade da Keystone era arruinada. Composta de

uma cerca verde em torno de uma área de oitenta metros quadrados. A entrada era

um jardim, e nos fundos ficava um casebre.

O estilo de filme da Keystone era o pastelão, humor de perseguição. Chaplin

estranhou o aproveitamento dos atores em correrias e empurrões:

Os ‘pastelões’ da Keystone eram ingênuos, maliciosos, irresponsáveis, sem compromisso com a arte. Eram cinematográficos em sua essência, pois pouco devia ao teatro; não tinham outra pretensão além daquela, prática e imediata, de arrancar gargalhadas da platéia. (NAZÁRIO, 1999, p. 52).

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A montagem cinematográfica chamou a atenção do jovem Chaplin, que

entendeu o cinema e seus cortes, como um quebra-cabeça. Os filmes não

possuíam roteiros, rodados na base da improvisação. Os primeiros minutos eram

pretextos para que ao fim do curta acontecessem perseguições.

Chaplin observou as filmagens por nove dias, sem participar. Sem Sennett no

estúdio, foi chamado pelo diretor substituto, Henry Lehrman, para fazer o papel de

um repórter em Carlitos Repórter (Making a Living). Chaplin realizou diversos

elementos cômicos em sua primeira oportunidade, sendo observado atentamente

pelos colegas que o elogiaram. Para a produção de seu segundo curta, Mack

Sennett pediu que Chaplin procurasse uma caracterização cômica.

Eu não tinha a menor idéia sobre a caracterização que iria usar. Mas não tinha gostado da que apresentara como repórter. Contudo, a caminho do guarda-roupa, pensei em usar umas calças bem largas, estilo balão, sapatos enormes, um casaquinho bem apertado e um chapéu-coco pequenino, além de uma bengalinha. Queria que tudo estivesse em contradição: as calças fofas com o casaco justo, os sapatões com o chapeuzinho. Estava indeciso sobre se devia parecer velho ou moço, mas lembrei-me de que Sennett esperava que eu fosse mais idoso e, por isso, adicionei ao tipo um pequeno bigode, que, pensei, aumentaria a idade sem prejudicar a mobilidade da minha expressão fisionômica. (CHAPLIN, 1965, p. 178-179).

Chaplin começou a arrancar risos. Com apenas vinte e cinco anos, sua

confiança estava nas alturas. Tinha intimidade com Sennett, e assim, maior

liberdade para improvisar. Ficou aborrecido quando algumas de suas gags foram

cortadas bruscamente pela edição. Com isso, começou a fazer trapalhadas logo

que entrava em cena, ou em sua saída, e impossibilitou o processo de corte.

Em seu tempo livre, Chaplin costumava ir ao laboratório de edição. Foi uma

prática rotineira do jovem ator, que aprendeu muito sobre o processo de corte dos

filmes. Assim que se habituou, começou a dar ideias ousadas de gags para Sennett,

e este, por vezes, se irritou com a audácia do jovem.

Nesta empresa, Chaplin conheceu a bela atriz Mabel Normand, namorada de

Sennett. Apesar de jovem, vinte anos apenas, Mabel começou a dirigir seus

próprios filmes. Chaplin discordava de determinadas ordens dadas por ela e

acabavam discutindo. Para o ator, era preciso piadas mais inteligentes e, portanto,

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mais engraçadas. Sennett repreendeu-o, e deixou as portas abertas para seu

pedido de demissão. Chaplin ficou abalado com a situação, e no outro dia foi no

estúdio para conversar. Sennett o recebeu com outra proposta, estava sereno e

com um jeito totalmente diferente de tratá-lo. Chaplin começou a dirigir e escrever

seus curtas, a convite do próprio Mack Sennett. Descobriu, tempos depois, que

Mack agiu de maneira diferente após receber diversos telefonemas de Nova York

pedindo maior demanda de películas do jovem ator. Chaplin precisou se sair bem

em seu primeiro curta como diretor, pois Sennett avisou-o que qualquer fracasso

nas vendas sairia de seu bolso.

A Keystone vendia para os Estados Unidos, em média, vinte cópias por filme.

Trinta cópias era um enorme êxito. Chaplin em sua quarta película vendeu quarenta

e cinco. Fez de dois a três filmes por semana, com baixo orçamento. Os curtas de

maior destaque desta fase são Vinte minutos de amor (Twenty minutes of Love),

Carlitos dentista (Laughing Gas) e Dinamite e pastel (Dough and dynamite). Chaplin

participou de trinta e cinco filmes da Keystone, todos estes produzidos em 1914.

Para agregar qualidade ao grupo, Sennett contratou Sydney, por indicação

do próprio Chaplin. Sydney contou ao irmão que suas obras eram sucesso na

Inglaterra. Com isso, pouco antes de acabar seu prazo na Keystone, Chaplin pediu

mil dólares de salário (ganhava na época duzentos dólares). Sennett não aceitou, e

Chaplin amigavelmente cumpriu o restante do contrato.

Em um novo contrato, Chaplin assinou por um ano com a empresa Essanay

(nome que abrevia as iniciais de “Spoor and Anderson”, os donos). O contrato

confirmou-o como diretor e escritor das películas. Gilbert M. Anderson, conhecido

como Bronco Billie, realizava filmes de aventura em seu estúdio. Chaplin ficou

pasmo com a falta de estrutura de sua nova companhia, além da falta de recursos

financeiros, que fizeram com que não recebesse suas luvas em dia. Seu outro

patrão, George Spoor, após alguns filmes cumpriu com o combinado: 1.250 dólares

por semana, total de 65 mil dólares no ano, o que gerou um lucro para a empresa

de um milhão, e 300 mil dólares.

Chaplin deixou Chicago. Achou melhor se mudar para a Califórnia, onde tinha

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maior comodidade para a realização dos filmes. Escolheu, portanto, novos atores e

ajudantes para compor sua equipe. Para ser a atriz principal, convidou uma moça

muito bela que conheceu; Edna Purviance (que acompanhou Chaplin até 1923)

trabalhava de secretária e não era atriz. Com a falta de recursos, de cenário e

estúdio, deslocou sua equipe para Los Angeles, onde via seguidamente seu irmão,

que ainda trabalhava na Keystone. Na Essanay Chaplin começou uma amizade que

se estendeu muitos anos. Para fotografia dos filmes contratou Rollie Totheroh, que

o acompanhou até Luzes da Ribalta (Limelight de 1952).

Tão logo alguns curtas da Essanay foram lançados e Chaplin viu seu nome

em diversos produtos: canetas, bonés, brinquedos, roupas e cigarros. Sydney

deixou a Keystone e se dedicou exclusivamente aos negócios do irmão. Com vinte

e seis anos Chaplin foi considerado o comediante mais rico do cenário mundial.

Ganhou algumas bonificações de 10 mil dólares por filme, ao final de seu contrato

com a Essanay. Produziu quinze curtas, entre estes estão Campeão de Boxe (The

Champion), O Vagabundo (The Tramp), e Os Amores de Carmen (Carmen), este

último foi uma paródia de Carmen do diretor De Mille.

Sydney se ausentou do estúdio por semanas, e avaliou propostas de

diversas empresas interessadas em contratar Chaplin. Em janeiro de 1916 ocorreu

a negociação: Chaplin foi contratado pela Mutual, para a realização de doze curtas,

por 670 mil dólares.

Chaplin consolidou seu personagem nesta fase. Com muito dinheiro, e ampla

fama, contratou diversos profissionais para cuidar de seus recursos pessoais

(motoristas e secretárias). Seu representante, Sr.Caufield, homem que administrou

seus negócios, alugou um estúdio no centro de Los Angeles. O elenco competente

contou com a participação de Edna Purviance, Eric Campbell, Henry Bergman,

Albert Austin, Lloyd Bacon, John Rand, Frank Jo Coleman e Leo White. O primeiro

curta: Carlitos no Armazém (The Floorwalker) foi afortunadamente um grande êxito.

Nesta fase começou sua amizade com Douglas Fairbanks e Mary Pickford, atores e

diretores de cinema.

Na Mutual, Chaplin enfrentou suas primeiras crises de criação. Por vezes,

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Page 21: O estudo da evolução técnica e cultural do cinema de Chaplin a partir de suas obras na Essanay

ficou a pensar em soluções para problemas de roteiros e histórias durante semanas

inteiras. Confirmou o seu contrato, filmou uma comédia a cada mês, em duas

partes. Seu perfeccionismo ficou evidente nas filmagens, quando em O Imigrante

(The Immigrant) pediu aos atores que repetissem determinadas cenas centenas de

vezes. O filme usado nas gravações teve vinte e cinco vezes o tamanho da película

final.

Chaplin considerou este o melhor momento de sua carreira. Com a empresa,

Chaplin lançou os clássicos como Carlitos Bombeiro (The Fireman), Carlitos

Patinador (The Rink), Rua da Paz (Easy Street), além do polêmico O Imigrante (The

Immigrant). Ao final de seu contrato, Sydney realizou negociações com a First

National. Chaplin assinou por um milhão e duzentos mil dólares para a realização

de oito comédias.

Com situação financeira favorável, Chaplin comprou um grande terreno em

Hollywood para a construção de seu próprio estúdio. A estrutura contou com uma

ampla unidade de produção, com cenários, instalações para revelação, corte e

montagem de filmes, além de escritórios. Sua primeira comédia pela First National

foi o média metragem Vida de Cachorro (Dog’s Life). Gastou dinheiro além do

orçamento, mas o retorno foi excelente.

Em Junho de 1918, Chaplin se vê na obrigação de viajar com outros artistas,

para a divulgação das vendas de Bônus da Liberdade. A arrecadação de fundos aos

Estados Unidos serviu para financiar os esforços de guerra, além de apoiar o

patriotismo. Com a guerra em pauta, Chaplin realizou o média Ombros, Armas!

(Shoulder Arms) em que o Vagabundo participa da guerra como soldado de uma

tropa. Foi uma película polêmica, pois muitos condenavam abordar a guerra em

uma comédia.

Em uma reunião de Chaplin, Mary Pickford, David Griffith e Douglas

Fairbanks, surgiu a ideia da criação de uma nova companhia. Com a intenção de

vender seus filmes no mercado aberto, com independência, foi criada a United

Artists. Chamada também de Big Four (Os quatro grandes), chamou a atenção dos

jornais, que destacaram o grande feito. Neste mesmo período, Hanna Chaplin (mãe

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Page 22: O estudo da evolução técnica e cultural do cinema de Chaplin a partir de suas obras na Essanay

de Chaplin) foi morar nos Estados Unidos.

Após conhecer uma garota de 16 anos de idade (Mildred Harris), Chaplin

casou-se em segredo. O casamento estremeceu sua vida particular e profissional,

tirando-lhe a paz e a criatividade. Preparou algumas películas com menor custo de

produção ao fim do ano, e começou a produção de um de seus maiores clássicos:

O garoto (The Kid).

Após assistir a apresentação de um bailarino em um teatro, Chaplin viu um

menino entrar no palco a dançar. Jackie Coogan, de apenas quatro anos, chamou a

atenção de todos com danças e passos engraçados. Chaplin ficou pensando no

menino por dias, até que tomou a iniciativa de contratá-lo:

Costumam dizer que crianças e cachorros são os melhores atores em filmes. Ponham um garoto de doze meses numa banheira com o sabonete e, quando ele tentar agarrá-lo, as gargalhadas espocarão. Todas as crianças de uma forma ou de outra, têm gênio. O truque consiste em fazê-lo manifestar-se. Com Jackie isso era fácil. Há poucas regras básicas no aprendizado da pantomima e Jackie rapidamente as dominou. Ele sabia conjugar a emoção com a ação e a ação com a emoção, podendo repetir uma cena tantas vezes quantas fossem necessárias, sem nada perder da espontaneidade inicial. (CHAPLIN, 1965, p. 276).

Mildred engravidou. O primeiro filho de Chaplin (Norman Spencer) morreu

com três dias de vida por má formação. O casamento entrou em crise, e Chaplin

descobriu que Mildred o traía. A separação aconteceu, e Mildred acionou seus

advogados para pedir seus direitos. Nesta época Chaplin estava montando O

Garoto. Com medo de perder o filme para a ex-mulher, Chaplin fugiu para um hotel

em Salt Lake City, lá montou o filme em segredo. A estréia foi êxito total, marcando

esta obra como uma das mais belas da carreira de Charles Chaplin. Depois deste,

vieram outras películas até 1923: Os Clássicos Vadios (The Idle Class), Dia de

Pagamento (Pay Day) e O Peregrino (The Pilgrim), acabando com sucesso sua fase

contratual na First National.

2.3 OS LONGAS METRAGENS

Em 1922, Chaplin encontrou a celebridade Peggy Joyce, que lhe rendeu boa

companhia por alguns dias. Deste encontro surgiu a ideia para um filme, um drama

romântico. Casamento ou Luxo (A Woman of Paris) contou com Edna Purviance no

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papel principal. Chaplin apareceu poucos segundos, mas participou de toda a

elaboração de roteiro e produção. Para a crítica, foi um sucesso. Para o público

não. As pessoas não estavam habituadas a ver uma obra sem Carlitos.

Em outubro de 1923, na casa de Douglas Fairbanks e Mary Pickford, Chaplin

viu uma coleção de mapas de montanhas geladas. Passou a tarde analisando com

cuidado e lendo as informações que Douglas possuía em sua biblioteca pessoal.

Quando estava saindo, comentou com os amigos que havia bolado uma história.

Chaplin se inspirou em garimpeiros de Klondike, e leu um livro sobre o desastre do

grupo Donner, em 1846: Quando imigrantes perdidos na serra Nevada comeram

seus sapatos e os corpos de amigos mortos para sobreviverem. Registrou o roteiro

com o nome: Em Busca do Ouro (The Gold Rush), e pediu para que sua equipe

construísse o cenário.

Em março de 1924, Chaplin reencontrou a atriz Lita Gray, garota que fez uma

ponta em O Garoto. Ela ficou com o papel principal do filme, e acabou tendo um

caso com Chaplin. Com apenas 16 anos, Lita engravidou e teve de ser substituída

no elenco por Georgia Hale. A produção parou, e Chaplin casou-se com Lita

secretamente, em razão da sua gravidez.

A equipe de produção montou uma estrutura imensa para a gravação das

cenas no gelo. Em Hollywood foi construída uma montanha em miniatura, de quase

oito quilômetros de largura, com telas metálicas, gesso, sal, massa e farinha.

Em junho de 1925, nasceu Charles Spencer Chaplin Jr. Dois meses depois,

em Nova York, Em Busca do Ouro estreou. O filme teve enorme êxito, deu cinco

milhões de lucro para a United Artists. A Dança dos pãezinhos, cena de Chaplin,

empolgou tanto que, em muitas salas de cinema o projecionista tinha de parar,

enrolar o filme, e rodar de novo.

Sidney Earle, segundo filho de Chaplin com Lita, nasceu em trinta de outubro

de 1926. Foi em janeiro, deste mesmo ano, que Chaplin escreveu e produziu seu

próximo filme: O Circo (The Circus). Foi um dos períodos de maior turbulência na

sua vida. Antes de rodar a película, um vendaval destruiu todo o cenário montado.

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Na quarta semana de gravação, foram descobertas falhas nos equipamentos, o que

tornou o trabalho já feito inutilizável. Em meio ao projeto, novamente o cenário foi

destruído, desta vez por um incêndio. Ao fim da produção, as caravanas usadas no

filme foram roubadas por jovens arruaceiros.

Com tantos problemas, Chaplin viu-se atormentado em um casamento

decadente. Após a separação, Lita Gray procurou arruinar sua carreira e causou

grande repercussão na imprensa. Sua casa e seu estúdio foram lacrados em

fevereiro de 1927. Chaplin entrou em uma depressão, a situação resolveu-se em

junho, quando seus advogados conseguiram êxito nas negociações com Lita. Neste

período, Chaplin foi alvo de críticas e declarações de sua ex-mulher, que afirmou

que o ator não pagava seus impostos.

Em 1928 estreou O Circo, que rendeu entre dois e meio e três milhões de

dólares. Em agosto deste ano morreu sua mãe, devido a crises nervosas graves.

Chaplin entrou em uma depressão profunda que durou semanas.

Chaplin começou, portanto, a pensar em uma nova película. Cogitou contar a

história de Jesus ou Napoleão, mas acabou arquivando estes projetos. Pensou em

uma história de um palhaço que perdia a visão. O que havia fantasiado tornou-se a

base de Luzes da Cidade (City Lights). A história foi invertida, e o vagabundo foi o

encarregado de ajudar uma moça que sofre de cegueira.

Luzes da Cidade foi a obra mais difícil e demorada da carreira de Chaplin,

levou dois anos e oito meses de trabalho. Chaplin acreditou em mais um filme

mudo, e investiu pesado. Neste período o cinema falado já estava consolidado.

Para o papel da cega, Chaplin contratou a atriz Virginia Cherrill. Foi a única atriz a

trabalhar com Chaplin sem envolvimentos afetivos.

Foram muitos os problemas com Cherrill, atriz que não possuía bom

relacionamento com Chaplin. Após rodar a película, Chaplin se dedicou à

composição da música que acompanhou o filme: 40 mil dólares gastos somente

neste elemento. Einstein foi presença ilustre na estréia de Luzes da Cidade, e com

lágrimas nos olhos, de tanto rir, elogiou o trabalho de Chaplin. A produção rendeu

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Page 25: O estudo da evolução técnica e cultural do cinema de Chaplin a partir de suas obras na Essanay

mais de cinco milhões de dólares.

Chaplin decidiu fazer uma viagem pela Europa, para divulgar seu filme.

Encontrou-se com Mahatma Gandhi em Chartwell, e desta conversa saiu a ideia

para o filme Tempos modernos (Modern Times). Chaplin perguntou a Gandhi

questões referentes à automatização, abordando questões políticas. Neste

continente, encontrou-se com diversas personalidades, entre elas: Bernard Shaw,

Lloyd George, Winston Churchill e H. G. Wells.

Em 1932, depois de visita ao Japão, Chaplin voltou para Hollywood. Uma

crise econômica abatia os Estados Unidos, e Chaplin foi convidado a escrever

diversos ensaios para jornais sobre o tema. Com a cabeça em um novo projeto,

Chaplin encontrou a atriz Paulette Goddard, que despertou seu interesse

profissional e pessoal. Com base nos problemas sociais que acompanhou em sua

viagem pela Europa e Ásia, Chaplin escreveu Tempos Modernos. O filme contou o

período posterior à grande depressão, quando o desemprego cresceu, e a

mecanização das fábricas aumentou.

Chaplin casou-se com Paulette Goddard em junho de 1933. Insistiu no

cinema mudo para sua nova obra, mas escreveu com cuidado todos os diálogos

dos atores. Para tema do filme criou a canção Smile, que se tornou mundialmente

famosa, e foi regravada por diversos artistas. Tempos Modernos rendeu perto de

dois milhões de dólares nos Estados Unidos, sendo sucesso imenso no resto do

mundo.

Em 1937, Chaplin começou a escrever o roteiro de O Grande Ditador (The

Great Dictator). Pensou na imensa semelhança de seu personagem Vagabundo

com Hitler. Foi nesta ocasião que recebeu diversos avisos, de amigos e conhecidos

políticos, de que não devia realizar a película. Chaplin decidiu dar prosseguimento

ao trabalho, e em 1940 lançou a obra, com um discurso político ao final, que ele

mesmo escreveu. Foi um sucesso de público, mas ao mesmo tempo, proibido em

diversos países. Chaplin começou a ser vigiado por possuir idéias socialistas.

Em 1942, Chaplin divorciou-se de Paulette Goddard. Começou um pequeno

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Page 26: O estudo da evolução técnica e cultural do cinema de Chaplin a partir de suas obras na Essanay

caso com a atriz Joan Barry. Joan bebia muito e o perseguiu por um longo tempo.

No ano seguinte, conheceu Oona O’Neill, jovem que lhe pediu ajuda para entrar no

cinema. Começou um romance com a garota, que na época possuía dezoito anos.

Casou-se com Oona, e logo em seguida foi chamado a depor por não reconhecer a

paternidade de uma filha que Joan Barry estava esperando.

Neste período, Chaplin passou seu momento mais incômodo em sua carreira.

Os jornais estamparam manchetes agressivas, com ênfase nas acusações de

Barry. Após os exames de sangue, foi comprovado que Chaplin não era pai da

criança, sendo inocente. Pouco tempo depois, Barry voltou aos tribunais e

contestava que Chaplin deveria ajudar na criação da criança. Por pressões políticas,

Chaplin foi designado a pagar pensão para a filha de Barry.

Em meio a este caso, Chaplin começou a escrever um novo filme. A ideia foi

de Orson Welles, para a realização de um documentário sobre o Serial Killer Henry

Landru, executado em 1922, após matar dez esposas. Chaplin demorou quatro

anos para escrever a adaptação, após comprar a ideia de Welles. As filmagens

duraram apenas três meses, e em abril de 1947 o filme estreou. A película foi mal

acolhida pela crítica, e pelo público.

Após o lançamento de Monsieur Verdoux, Chaplin viaja novamente e começa a preocupar-se com um novo filme: Limelight. Mais uma vez o vagabundo é esquecido, embora não de todo. Calvero ressuscita alguma coisa do vagabundo. Mas o filme é todo de Calvero, o palhaço decadente a alcoolizado. (CONY, 1967, p. 50).

Em 1951, Chaplin deu início às filmagens de Luzes da Ribalta (Limelight). O

filme foi rodado em 55 dias, momento em que a mídia fez grande pressão política

sobre Chaplin. Foram criados inquéritos contra Chaplin, alegando que o ator era um

instrumento de oposição ao governo americano. No ano seguinte, Chaplin foi para a

Europa com a família, para o lançamento de seu filme. O governo aproveitou a

ocasião, e avisou Chaplin de que não podia mais retornar aos Estados Unidos.

Chaplin foi morar com Oona e filhos na Suíça. Idealizou em 1954 um novo

enredo, que ficou pronto somente dois anos depois. Criou uma história para criticar

a intolerância política americana no período da guerra fria. Durante anos, filmou

com grandes equipes de confiança e estúdios próprios. Em Um Rei em Nova York

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Page 27: O estudo da evolução técnica e cultural do cinema de Chaplin a partir de suas obras na Essanay

(A King in New York), lidou com estúdios alugados e caros, além de equipes

desconhecidas.

Chaplin viveu seu melhor período emocional. Encontrou em Oona sua

parceira e companheira, e com ela tiveram oito filhos. Com 77 anos, Chaplin

recuperou um roteiro que escreveu anos antes, e produziu A Condessa de Hong

Kong (A countess from Hong Kong). Para os personagens principais escolheu

Sophia Loren e Marlon Brando, que desempenharam com comicidade um casal de

amantes. Chaplin apareceu em apenas uma ponta no filme, limitou-se basicamente

em dirigir e escrever.

Mais tarde, em 1972, foi convidado pelo governo americano a retornar, por

alguns dias, para receber suas premiações na Academia de Artes e Ciências

Cinematográficas (Oscar). Chaplin foi agraciado com um prêmio de melhor canção

original por Luzes da Ribalta (que ganhou em 1952, mas por causa do exílio não

recebeu) e pelo conjunto de sua obra (Oscar honorário). Durante a cerimônia, foi

aplaudido de pé pelo público, por mais de cinco minutos.

Chaplin morreu em sua casa, na Suiça, em 25 de dezembro de 1977.

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3 A LINGUAGEM UNIVERSAL DE CHAPLIN

3.1 A COMÉDIA NO CINEMA MUDO

Os filmes de comédia surgiram no início do século XX, derivados dos

espetáculos de teatro. As famosas gags (piadas) eram a base dos curtas-

metragens. Desde seu princípio, a destruição de cenários e os empurrões foram

admitidos como fundamentais no processo burlesco, surgindo assim a Slapstick

Comedy, que atacou não só o ser humano, como as instituições.

A primeira piada visual do cinema já continha o princípio: em L’Arrouseur Arrosé (1895), de Louis Lumière, um jardineiro não percebe que um garoto interrompeu o fluxo de água de sua mangueira, pisando nela; quando olha pelo cano para ver o que aconteceu, o menino solta o pé e a água esguicha em seu rosto. Toda a slapstick comedy já estava contida na cena: a burla, o mal-entendido, a intenção perversa, a estupidez disfarçada de esperteza, a catástrofe liberadora do riso, a divertida humilhação da vítima. (NAZÁRIO, 1999, p. 49).

Os filmes primitivos de Robert Paul (Inglaterra) e de Zecca (França) serviram

de inspiração para o primeiro grande cômico fílmico. Com a arte da pantomima, o

francês Max Linder “mudou o estilo de comédia, e em vez de uma gag visual

prematura, começou a usar o cômico da situação” (PONCE, 1994, p. 43). Com um

personagem elegante e sofisticado, vivia embaraços vestindo fraque e cartola. Max

rodou uma série de películas que chamou a atenção do mercado americano. Foi

contratado pela Essanay, empresa que havia perdido Chaplin. Alguns fracassos

pessoais fizeram com que Max Linder voltasse a produzir seus próprios filmes, e

mais tarde, retornasse à Europa. Linder suicidou-se em 1925, após matar a esposa.

Deixou uma herança primitiva e essencial para a história do cinema cômico. As

características principais de Linder foram absorvidas por Mack Sennett.

Sennett foi um dos criadores do cinema subversivo, além de um grande

descobridor de talentos. Criou histórias com mulheres bonitas, policiais trapalhões e

cenários simples (porém, eficientes). Com sua empresa, a Keystone, contratou

diversos nomes que ficaram registrados na história do cinema burlesco.

Sua companhia foi a escola de Chaplin e Lloyd (mas não de Keaton, como erroneamente afirmam tantos historiadores), que assimilaram as regras básicas do ‘pastelão’, para só mais tarde desenvolver estilos próprios. Eles vinham, é certo, do teatro de variedades, e desde criança possuíam extraordinárias habilidades de acrobatas, mas o novo veículo para o qual

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se deslocaram requeria outras habilidades, especialmente em relação às posições e movimentos de câmera, e todos aprenderam a nova linguagem com Sennett. (NAZÁRIO, 1999, p. 51).

Sennett criou o grupo Keystone Cops, constituído de policiais atrapalhados.

Harry Langdon, Fatty Arbuckle, Bem Turpin e Hal Roach, são alguns nomes que

interpretaram estes papéis, futuras estrelas da sétima arte. Nas obras da Keystone

eram exploradas as perseguições, as pancadas, as tortadas e as destruições dos

cenários.

Chaplin, como já se falou neste trabalho, foi o grande expoente deste grupo

de principiantes. Por anos, concorreu em bilheterias com outro grande ator: Harold

Lloyd, ambos da mesma escola cômica. Lloyd demorou a se afirmar com um

estereótipo em seus filmes. Quando começou, atuou imitando o Vagabundo de

Chaplin, até encontrar os óculos redondos e o jeito ingênuo e heróico. Possuía uma

característica destrutiva imensa. Em seus filmes passava por diversas situações de

perigo, sem utilizar dublês, como em O Homem Mosca (Safety Last). Assim como

Chaplin, Lloyd soube sobreviver ao cinema sonoro, criando uma vasta listagem de

filmes, cerca de quinhentos curtas e cinquenta longas. Na maioria de suas obras,

quando foi diretor e ator, misturava a comicidade e o suspense, em uma corrida

contra o tempo.

Entre 1910 e 1930, os Estados Unidos usou o sucesso de seus filmes

cômicos para propagação de uma imagem americana. Devido ao grande sucesso

de público, começaram a surgir as grandes corporações.

As principais eram: a Universal, fundada em 1915 por Carl Laemmle; a Paramount, criada em 1914 pela associação de Jesse Lasky e Adolph Zukor, que constituíram a Famous Players; a Fox Film Corporation, de William Fox (1915); a Metro-Goldwyn-Mayer, resultado da fusão de duas companhias, uma dirigida por Marcus Loew e Louis B. Mayer, a outra por Samuel Goldwyn; a Warner Bros, empresa familiar dos quatro irmãos Warner – Harry, Albert, Sam e Jack, cujo sucesso lhes permitiu absorver, em 1924, a velha Vitagraph e a First National; e a Columbia, surgida em 1924. (JEANNE, 1966, p. 232-233).

Este crescimento, na indústria cinematográfica, favoreceu diretamente os

comediantes talentosos, que esperavam uma oportunidade para o sucesso. Cada

companhia possuía seu estilo próprio, suas metas e seus recursos financeiros

distintos, mas todas com uma intenção clara de investimentos em boas comédias.

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Harry Langdon foi outro comediante importante da época. Dono de

uma característica altamente americanizada; criou uma personagem infantil e

moralmente correta. Começou sua carreira em 1926, fez alguns filmes para Frank

Capra, na Keystone. Seu estilo não mudou em sua pequena carreira. Interpretou um

tímido e atrapalhado jovem, que por vezes, mostrou-se dono de uma imagem

feminina e frágil. Langdon não resistiu ao cinema falado, e encerrou sua carreira em

1930, com apenas oito filmes produzidos.

Joseph Frank Keaton foi um dos grandes nomes do cinema mudo. Com o

nome artístico de Buster Keaton, criou um personagem com uma peculiaridade: não

sorria em nenhuma hipótese. Atuou em diversos curtas juntamente com Fatty

Arbuckle (que foi vítima de acusações de assassinato, e por isso, desapareceu do

cinema). Depois do afastamento de Arbuckle, Keaton começou a gravar películas

como personagem principal. Com uma característica forte do humor negro, suas

obras possuem um visual estético diferente do que já havia sido feito. Era capaz de

brincar com a morte e provocar um grande acidente, além de salvar a moça e, ao

mesmo tempo, exterminar policiais e mocinhos. Buster atuou diversas vezes como

milionário, diferentemente de Chaplin, mas sempre com um comportamento

explosivo, trabalhando com o impulso humano. Mesmo com papéis diferentes, os

dois comediantes trabalhavam de maneira semelhante, como afirma o próprio

Keaton:

Trabalhamos duro. Acompanhamos a história até o fim. Em épocas antigas, todos nós - Chaplin, Lloyd, Harry Langdon, e eu - trabalhamos com nossos escritores desde o dia em que começavam a história. Checávamos o cenário, o elenco, os locais – e frequentemente, viajamos com os gerentes da unidade para escolhermos nós mesmos, e ter certeza de que eram adequados. (KEATON; SAMUELS, 1960, p. 94).

Em seu principal filme, A General (The General) de 1927, Keaton demonstrou

grande maturidade. Com alto orçamento de produção (pelo preço dos objetos

destruídos, incluindo um trem) e com grande investimento na técnica da filmagem, A

General marcou a carreira do comediante. Como produtor, Buster Keaton sempre

foi rígido com os planos e as tomadas de câmera. Possuía uma criatividade imensa

para criar situações cômicas em suas obras.

Havia muitas facetas na personalidade de Keaton, fora de cena, que afetaram seus filmes. Quando o seu estilo burro-palhaço foi estranhamente convincente, algumas pessoas, especialmente produtores, pensavam que o

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ator poderia ter a mesma personalidade simples e descomplicada. Às vezes, ele desempenhou esse papel, porque, como muitas pessoas, ele tentou cumprir a imagem atribuída a ele. Mas, por dentro, Buster era um homem brilhante - um feixe de energia, inovação e sensibilidade. (McCAFFREY, 1968, p. 84).

Buster Keaton não conseguiu fazer filmes falados, e seu contrato com a

Metro, em 1928, determinou o início de seu declínio. Seus filmes, então, foram

feitos com a supervisão técnica da empresa, que não permitiu sua liberdade de

criação. Com a crise em sua carreira, Keaton começou a beber, o que o levou a

fazer pontas em filmes sem representatividade.

Em 1927, após o filme O Cantor de Jazz (The Jazz Singer), as comédias

mudas tiveram suas mudanças. Alguns atores aderiram facilmente o cinema falado,

como Harold Lloyd, e outros relutaram para aceitar a mudança (caso de Chaplin).

Interessante salientar que o legado que a Slapstick Comedy deixou vai além do

cinema mudo. Depois destes comediantes já citados, vieram Os Irmãos Marx,

Jacques Tati, Laurel e Hardy (Gordo e Magro), Os Três Patetas, Lucille Ball, Jerry

Lewis, e outros que usaram as características básicas, do antigo pastelão, para uma

nova forma de comédia no cinema falado.

3.2 AS PRODUÇÕES DE CHAPLIN

Em seus contratos pela Essanay e Mutual, Chaplin criou e dirigiu seus filmes.

Ainda não era produtor de suas obras, e com isso perdia a renda da exploração de

suas comédias pelo mundo. Em 1918 criou a Chas. Chaplin Filme Co para obter o

domínio sobre a produção de suas películas. Neste período, sessenta e um filmes

seus estavam, praticamente, em domínio público.

Para Chaplin, o processo de produção estava inteiramente ligado a diversas

etapas. Sempre gastou muito dinheiro em atores, estúdios e empregados, e com o

sucesso de suas películas, investia pesadamente no planejamento da próxima.

Entre 1914 e 1915 Chaplin produziu dois (às vezes três) filmes por semana. Na First

National a média caiu para oito películas em seis anos. “Seu personagem

comparece menos às telas: o criador opta pela perfeição à presença.” (SILVEIRA,

1970, p. 18).

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Não me parece lógico realizar um filme em seis ou oito semanas. Um bom filme, um verdadeiro filme, necessita um ano de trabalho. E ainda assim não haverá muita arte nele; indago-me se seu próprio autor gostaria de revê-lo seis ou oito anos mais tarde. Se houvesse tempo – e dinheiro – para tanto, o método ideal seria fazer um filme com rapidez, ver o que resultava, e refazê-lo definitivamente. (CHAPLIN apud SILVEIRA, 1970, p. 100).

Em seus primeiros anos como cineasta, Chaplin afirmou, diversas vezes, que

para realizar um filme precisava apenas de uma praça, um policial e uma bela

moça. Com a evolução de suas produções, esta premissa acabou perdendo sua

força. A evolução nas produções não corresponde precisamente à sua fotografia.

Chaplin e seu fiel fotógrafo, RoIlie Totheroh, não mudaram muito o estilo durante os

anos.

Quero que a minha câmera seja como o proscênio dum teatro, que esteja próxima dos atores, que lhes mostre os contornos, que os ponha em contato com o público. Em toda a minha obra se encontra este desejo de economia da ação. Muita gente pensa que o cinema deve ser complicado, em grande escala, espetacular. Talvez tenham razão num sentido, mas eu prefiro atribuir mais importância ao indivíduo, do que mostrar precipícios num écran panorâmico. (CHAPLIN apud SENNETT et al., 1969, p. 167).

Com seu estúdio, em Hollywood, Chaplin começou a investir pesado em

cenários e equipamentos. Sua equipe ganhava salários diários, mesmo sem

gravação. Por vezes, o estúdio ficou parado meses, esperando que Chaplin tivesse

inspiração. Assim, movimentava todos os funcionários para realização do que

queria, e quando queria. Para o filme Em Busca do Ouro, sua equipe montou uma

montanha fictícia com mais de sete quilômetros de largura, uma produção de

quinhentos mil dólares, mas que correspondeu aos projetos da pré-produção. Seus

filmes eram velozes, aparentemente improvisados, mas cada vez mais complexos

estruturalmente.

Em Rua da Paz, Chaplin mostrou os bairros pobres da Inglaterra, que fizeram

parte de toda sua infância. Os casebres foram construídos conforme os vilarejos

que Chaplin conheceu, e desta produção surgiu uma história, em que os problemas

da rua foram resolvidos por um Carlitos policial.

Depois de seu contrato com a Mutual, Chaplin realizou seus filmes com o

tempo indeterminado para acabá-los, e repetiu suas filmagens até conseguir os

resultados. Com a chegada do cinema falado, não hesitou em continuar suas

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comédias mudas, e sua opinião veio a público:

De quando em quando, punha-me a pensar na possibilidade de fazer um filme falado, mas essa ideia me enjoava, dando-me conta de que não conseguiria realizar coisa à altura dos meus filmes silenciosos. E significaria abandonar inteiramente o meu tipo de vagabundo. Sugeriram-me que eu o fizesse falar. Era inadmissível, pois a primeira palavra que pronunciasse transformá-lo-ia noutra pessoa. Além disso, era figura de cena muda, que lhe deu vida e o vestiu com seus farrapos. (CHAPLIN, 1965, p. 420).

Chaplin realizou Luzes da Cidade em meio ao dilema: “O falado, sem

precisar sua linguagem. O silencioso, morto pela nova técnica” (SILVEIRA, 1970b,

p. 33). Mesmo com o sucesso de seus filmes, Chaplin foi dado como primitivo pela

crítica da época. Chaplin se dedicou às trilhas sonoras, da mesma maneira que

produzia e escrevia, buscando a perfeição. Com isso, deu o ritmo musical que

queria para suas películas.

Carlitos é um individualista sem limites e a sua posição diante da realidade não lhe permite aquela utilização da câmera – de perto e de muito perto – que só pode ter aquele que crê e ama a vida. Além do mais, Carlitos é argumentista, o roteirista, o gagman, o diretor e o ator de seus filmes. O seu processo criador não é aquele processo normal do cinema: ele é só, e os seus meios excepcionais permitiram-lhe permanecer só. Pode seguir a sua inspiração livremente, pode ser poeta sem a qualidade integrativa, indispensável aos cineastas, da autocrítica constante. (CONY, 1967, p. 176).

Mesmo sem falas, Tempos Modernos foi escrito e produzido como um filme

falado, com testes de elenco com falas, ensaios e roteiros detalhados. Nesta

produção, em uma cena em que trabalha de garçom, Chaplin fez uma sátira do

filme O Cantor de Jazz. Cantando uma música em um idioma inexistente, tentou

mostrar que a qualidade não estava no filme falado em si, e sim no conteúdo

fílmico. Este protesto já aconteceu em Luzes da Cidade, quando Chaplin modificou

a voz dos políticos (na cena da estátua, no início), deixou-os com cornetas no lugar

das falas.

Outra forma de caracterizar seus filmes foi moldá-los conforme a velocidade

que o convinha. Chaplin filmou Tempos Modernos em vinte e quatro frames por

segundo. Mudou para 18, e até 16 em algumas cenas. Assim, deu maior rapidez

aos movimentos de Carlitos. Tudo foi produzido com total consciência, Chaplin

idealizou músicas com andamentos específicos para combinar com a edição. E

gastou quinhentos mil dólares somente com a máquina que o engoliu, na principal

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Page 34: O estudo da evolução técnica e cultural do cinema de Chaplin a partir de suas obras na Essanay

cena do filme

Chaplin produziu O Grande Ditador, e se entregou ao cinema falado. Antes

de começar um filme, Chaplin treinava e criava passos e gags em frente à sua

câmera pessoal, geralmente em sua casa. Para esta produção, criou a dança com o

globo, que se imortalizou, devido à perfeição do resultado final. Chaplin decidiu não

filmar a película colorida, e a produção custou dois milhões de dólares.

Em suas últimas películas, Chaplin dedicou-se mais à produção. Em Luzes

da Ribalta “Chaplin reconstituiu, com fidelidade, a Londres de 1914, com seus

cenários da casa de pensão e do restaurante, a linguagem popular do music-hall,

determinados personagens secundários” (SILVEIRA, 1970, p. 66) e convidou Buster

Keaton para contracenar em algumas cenas.

Para a realização de Um Rei em Nova York, Chaplin gastou com novos

funcionários e estúdios diferenciados. Foi o último investimento de Chaplin para

atuar como protagonista.

3.3 A BUSCA DA PERFEIÇÃO

A busca da perfeição foi uma forte característica das produções de Chaplin.

Desde suas obras na Essanay, as mais simples gags eram repetidas e ajustadas

diversas vezes. Chaplin trabalhou em seus curtas com um método peculiar;

começava a filmar quando uma situação cômica vinha na sua cabeça, sem roteiro.

Tornou-se para muitos atores um chato, pelo seu rigor. Para outros, foi um

precursor de uma linhagem de diretores que pregavam a repetição como forma de

aproximação da perfeição.

A perfeição para Chaplin era subjetiva. Sabia que era inalcançável, mas

sempre a almejou. Todas as vezes que Chaplin utilizou a repetição, em suas

gravações, estava incitando a naturalidade dos gestos (premissa, considerada por

ele, muito importante na Slapstick Comedy). Foi muito feliz em sua passagem pela

Mutual, onde teve o apoio de uma equipe de atores muito eficiente: Eric Campbell

era o vilão grande e forte; Edna Purviance fazia a moça bela, que geralmente

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Page 35: O estudo da evolução técnica e cultural do cinema de Chaplin a partir de suas obras na Essanay

despertava paixões em Carlitos; e Albert Austin e Henry Bergman foram os grandes

coringas de Chaplin, fizeram diversos papéis com extrema perfeição. Com esta

trupe, Chaplin criou grandes histórias, mas também excluiu milhares de rolos

fílmicos com cenas cortadas.

Quando chegava a hora de filmar, mais curtos eram os dias de trabalho. No entanto, mais longo resultava na imagem do que no papel o pensamento, gastando cem mil metros de película para um final de dois mil, até atingida a perfeição da simplicidade. (SILVEIRA, 1970, p. 89).

A diversidade de piadas nos filmes sempre foi um chamativo para o público

assistir às comédias no cinema mudo. Para Chaplin, era preciso sempre buscar

inspirações nas mais diversas situações do cotidiano. E Chaplin sabia muito bem

fazer isso, como em seu filme Carlitos no Armazém, onde Chaplin criou as mais

variadas gags em uma escada rolante. Em outra oportunidade, Chaplin montou uma

cena em que Carlitos ficava rodando sem parar em uma porta giratória. Nos testes,

a bengala acabou trancando na porta, e inutilizou as filmagens. Com este

imprevisto, Chaplin criou uma gag sensacional, onde sua bengala trancou a porta

giratória com diversas pessoas dentro. Tudo isso aconteceu devido ao grande

número de testes e repetições que Chaplin fazia para cada película, e sua

percepção para mudar o percurso das filmagens.

Outros cuidados que Chaplin sempre tomou foram nas cenas de empurrões e

socos, onde tudo era meticulosamente ensaiado e combinado.

Nenhum elemento do meu elenco sofreu qualquer acidente durante as minhas filmagens. As cenas de violência eram cuidadosamente ensaiadas e tratadas como se fosse uma coreografia. Uma bofetada no rosto era sempre o resultado de um truque. Não importa quão intensa fossem as escaramuças: todos os elementos que participavam da ação sabiam o que estavam fazendo e tudo estava cronometrado. (CHAPLIN, 1965, p. 228).

O processo repetitivo de Chaplin rendia frutos. Como em uma cena em um

bar: Carlitos estava sentado ao lado de um homem que estava tomando sopa. O

garçom rabugento se aproximou, e exigiu que Carlitos tirasse o chapéu. O pequeno

vagabundo não entendeu o pedido, e por diversas vezes teimou em ficar com o

objeto na cabeça. Depois de setenta tomadas, Chaplin decidiu trocar o ator que

fazia o papel de garçom, colocou Henry Bergman no lugar e realizou as refilmagens.

Rodou então, algumas cenas de Carlitos comendo de maneira grosseira, ao lado do

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Page 36: O estudo da evolução técnica e cultural do cinema de Chaplin a partir de suas obras na Essanay

companheiro de mesa. Depois de ver Carlitos comer, o homem saía bravo, e o

vagabundo chamava Edna Purviance (que estava na mesa ao lado) para comer

com ele. Chaplin teve a ideia de uma briga no bar, que começou quando um bêbado

não pagou a conta. Vendo a situação, Carlitos ficava nervoso, pois tinha perdido a

moeda que estava no seu bolso, e não tinha como pagar a conta. Logo mais, depois

de achar a moeda, Carlitos descobriu que ela era falsa.

Como continuação desta sequência, depois de 427 tomadas, Chaplin pensou

em como adaptar o que havia rodado em uma história. Pensou em dar uma

procedência à personagem de Edna Purviance, tornou-a uma imigrante e, com isso,

criou uma história que se passava em um barco, um romance de Carlitos e a moça

imigrante. Nesta história, para dar maior realidade aos movimentos do barco,

Chaplin pendurou um pendulo na base da câmera, deixando a imagem com os

movimentos de uma navegação. Ao final de quase 800 tomadas, Chaplin montou o

alicerce do que seria O Imigrante, um grande sucesso de bilheterias.

Desejo muitas vezes poder seguir todo o desenrolar dum filme desde a sua ideia até ao momento de a por em prática, fotografá-la, revelá-la e tirar daí partido. Fico muitas vezes assustado pelo total considerável de película que é necessário gastar para obter uma única cena. Tenho rodado bem 60.000 pés de filme para obter dois mil para o público. É necessário aproximadamente 20 horas para projetar no écran os 60 mil pés de filme. E toda esta película deve ser impressionada para chegar aos 20 minutos de projeção. (CHAPLIN apud SENNETT et al., 1969, p. 119).

Chaplin tinha uma capacidade incrível de criar uma história a partir de uma

gag, ou uma única situação. Mas, com o acesso aos seus filmes caseiros, fica claro

que, como diretor, deixou diversas cenas cômicas de fora de seus filmes. Chaplin

afirmava que “Se um efeito cômico interferia com a lógica dos fatos, por mais

engraçado que fosse, teria que ser posto de parte. Não poderia ser usado”

(CHAPLIN, 1965, p. 250). E assim o fazia, deixou filmes completos de lado, por

achar que não possuíam linearidade suficiente.

Chaplin foi um grande criador. Criou cenas incríveis para seus filmes,

improvisações, e até mesmo belas canções, mas nunca isso foi fácil. Da mesma

forma que exigia de seus atores, Chaplin exigia de si mesmo. Logo que ganhou

seus maiores salários, comprou uma câmera onde filmou ideias de gags em sua

casa. Em seus arquivos pessoais podemos ver a essência de diversas cenas

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Page 37: O estudo da evolução técnica e cultural do cinema de Chaplin a partir de suas obras na Essanay

célebres, como a dança com o globo em O Grande Ditador, Chaplin criou a cena no

jardim de sua casa.

Os filmes mais primitivos, de 1914 pela Keystone, foram um aprendizado

para Chaplin, e um treinamento que teve para seu personagem. Na Essanay

Carlitos já era, praticamente, uma definição de personalidade. A fama e o rigor de

cobranças fizeram com que Chaplin se aperfeiçoasse pessoalmente também.

Do slapstick à longa-metragem, passando antes pelas médias-metragens, tudo foi lento na evolução processual de Chaplin. Como lenta foi a assimilação de alguns clássicos da literatura, que só aos poucos iam atraindo o ator e diretor para vôos mais altos e ambiciosos. (CONY, 1967, p. 29).

Chaplin sabia que sua responsabilidade aumentava, com isso cobrava mais

de todos, e pensava mais em suas histórias. Com algumas amizades de

intelectuais, teve o acesso a obras que o fizeram pensar e refletir em problemas,

não só de Carlitos, mas do mundo todo. O menino pobre da Inglaterra agora

possuía uma grande responsabilidade em mãos. Chaplin tinha total conhecimento

da importância do cinema para as massas, e com isso idealizou obras como

Ombros, Armas!, Tempos Modernos, O Grande Ditador e Um Rei, em Nova York.

Nestes filmes, os processos foram demorados, mas com a pura identidade de

Chaplin. As músicas, a fotografia, as gags, o roteiro, tudo foi planejado e

meticulosamente criado por Chaplin, que pensou em transpor seu rigor e seu

perfeccionismo em registros históricos do cinema mundial.

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Page 38: O estudo da evolução técnica e cultural do cinema de Chaplin a partir de suas obras na Essanay

4 QUESTÕES SOCIAIS E POLÍTICAS

4.1 CONTEXTO HISTÓRICO DAS PRINCIPAIS OBRAS

Diversos acontecimentos históricos inspiraram Chaplin. Sabendo que seu

personagem rendia frutos, começou a utilizá-lo como recurso em tramas políticas,

históricas e sociais. Em algumas dessas películas, Chaplin apenas pontuou

assuntos importantes, mas em outras, Carlitos foi o protagonista que carregou os

ideais políticos do seu criador.

Chaplin rodou Carlitos Marinheiro (Shanghaied) em 1915, pela Essanay.

Neste filme, Carlitos cai em mãos de marinheiros que o forçam (com pancadas) a

trabalhar como escravo em um navio. Chaplin utilizou a técnica do pêndulo na

câmera, e captou imagens como o balanço de uma embarcação (o sucesso disso o

inspirou, mais tarde, a realizar O Imigrante). Chaplin utilizou neste filme diversas

gags com recursos do próprio barco, como o guincho que Carlitos aciona para

derrubar os marinheiros. Por fim, o vagabundo salva todos os tripulantes de uma

bomba a bordo, e consegue fugir com sua amada: Edna Purviance.

O termo Shanghaiing refere-se ao ato de recrutar trabalhadores do mar por

meio de violência, coerção. Esta prática teve seu ápice no final do século XIX e

início do século XX, principalmente no Noroeste dos Estados Unidos. Com os

tripulantes ameaçados, e muitas vezes atordoados pelas punições, os donos das

embarcações forçavam a assinatura de contratos. O verbo “To Shanghai” em inglês

tem sua origem da cidade chinesa de Xangai, destino da maioria das tripulações

que praticavam este ato. O termo ficou conhecido como sinônimo de sequestrar ou

induzir algo por meio de força.

Em 1915, mesmo ano do lançamento do filme, a prática teve seu fim. Com

uma lei criada pelo senador americano Robert La Follette, a circulação de

trabalhadores forçados diminuiu consideravelmente. A obra de Chaplin retratou o

período do ápice desta e, tornou-se um registro destas ações clandestinas.

O Imigrante de 1917, da empresa Mutual, retrata a chegada de imigrantes

Page 39: O estudo da evolução técnica e cultural do cinema de Chaplin a partir de suas obras na Essanay

nos Estados Unidos. Neste filme, Carlitos conhece Edna, na embarcação, ambos

são imigrantes que tentarão a vida na América. Depois de chegar, Carlitos vê Edna

em um restaurante, os dois acabam se reencontrando e ficando juntos. A obra é de

extrema importância na carreira de Chaplin: é o primeiro filme que trouxe uma

conotação política forte, e uma de suas mais engraçadas realizações.

O impacto causado pelo filme deve-se à primeira parte. Era uma época em que de todos os cantos acorriam aventureiros para os Estados Unidos. E as autoridades tratavam a todos, indistintamente, como aventureiros. As cenas a bordo, diante da Estátua da Liberdade, tiveram o caráter de uma denúncia formal. Marcou o início de uma luta aberta entre Chaplin e o governo norte-americano. (CONY, 1967, p. 87).

A primeira guerra mundial foi o tema principal da película Ombros, Armas! de

1918, ano do fim da primeira grande guerra. Chaplin decidiu mostrar a linha tênue

entre a tragédia e a comédia: Carlitos é um recruta que passa pelos desafios das

trincheiras na primeira guerra mundial. Com atitude e oportunismo, invade as terras

inimigas e captura o Kaiser alemão, fato que dá fim ao evento no mundo e traz a

paz novamente à sociedade. No fim da película, Carlitos descobre que estava

sonhando, e que tudo não passa de imaginação.

Apesar de sua visceral fobia a tudo que veste farda, Chaplin faria um filme dedicado ao soldado. Não ao soldado aliado, mas ao soldado, ao homem-soldado, independente de sua pátria e de sua missão. Diante de Shoulder Arms, Elie Faure e Louis Delluc afirmam que Chaplin atingira um plano a que somente Shakespeare chegara. A revolta contra os aproveitadores do sentimento patriótico, que impelem chefes de família a matar outros chefes de família – é cruelmente analisada e ridicularizada. [...] Honra seja feita ao cinema, em um todo. Depois de Shoulder Arms firmou-se uma tradição pacifista e antibélica no cinema. Cineastas maiores e menores dedicaram-se ao problema, e a quase totalidade dos filmes sobre a guerra é uma repetição do filme pioneiro de Chaplin: todos condenam a guerra, independentemente de sua eventual utilidade ou oportunidade. (CONY, 1967, p. 44).

O Kaiser capturado por Carlitos no filme é Friedrich Wilhelm Viktor Albert, o

Guilherme II da Alemanha. Guilherme foi considerado um dos responsáveis pelo

início da guerra, em 1914, e pela desintegração do Império Alemão em 1918.

Em Tempos Modernos, a realidade do personagem Vagabundo difere muito

da deixada para trás em sua criação, 20 anos antes. Em um mundo com grandes

problemas, ocasionados pela grande depressão, o desemprego em massa crescia

juntamente com a mecanização e a automação. De acordo com o Prefácio de David

Robinson do filme Tempos Modernos, este é o momento que Chaplin utilizou uma

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Page 40: O estudo da evolução técnica e cultural do cinema de Chaplin a partir de suas obras na Essanay

nova consciência política adquirida com a experiência na Europa (com amigos como

Einstein e Gandhi). Chaplin escreveu artigos sociais, e com eles criou uma teoria

para a salvação da humanidade: um idealismo utópico, baseado na divisão de

riquezas e de trabalho. Misturando suas ansiedades e convicções, criou o roteiro

básico de Tempos Modernos, mesclando o drama e a comédia social.

Todos os problemas sociais foram retratados em Tempos Modernos: fome,

greve, miséria, desigualdade social, desemprego, violência, autoritarismo,

intolerância e a automação. Usando os recursos necessários, Carlitos se tornou

uma peça fundamental na luta por condições dignas para o trabalhador. Para o

papel de patrão da fábrica, Chaplin escolheu um ator com aspecto semelhante a

Henry Ford, criador das linhas de montagem e alvo das críticas do filme.

Com a pressão pela mobilização operária na década de 30, o Congresso

Americano aprovou a lei que admitia o direito de associação dos trabalhadores e de

submissão de contratos coletivos de trabalho com os empresários. Com isso

surgem as greves dos operários, com passeatas e bandeiras. Chaplin utilizou este

fato no filme, incluindo Carlitos como líder de um protesto na rua (ao tentar mostrar

ao caminhão que havia deixado a bandeira cair, ergue-a e começa a balançá-la).

Com o tempo, Chaplin aplicou suas ideias sociais, políticas, de maneira

natural em seus filmes. Isso tornou suas obras mais elaboradas, com características

que o diferenciavam de outros comediantes e de suas obras primitivas. Logo após a

realização de Tempos Modernos, Chaplin começou seu novo projeto.

E enquanto se fermentava uma nova guerra, ia eu tentando escrever um argumento cinematográfico para Paulette; mas não conseguia tocar a coisa adiante. Como absorver-me em caprichos femininos ou pensar em assuntos romanescos e problemas de amor quando a loucura estava sendo, provocada por um horrível personagem grotesco, Adolf Hitler? (CHAPLIN, 1965, p. 450-451).

O Grande Ditador conta a história de dois personagens, um ditador com

ideias atrozes e um pacato barbeiro judeu. Servindo à Primeira Guerra, o homem

judeu acaba sofrendo um acidente de avião, que o faz perder parte da memória

recente. Depois de acordar, já não sabe da realidade do gueto, e nem imagina o

que acontece com a situação política e social de sua cidade (que sofria com a

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Page 41: O estudo da evolução técnica e cultural do cinema de Chaplin a partir de suas obras na Essanay

discriminação e violência dos soldados de Hynkel). Por fim, para resistir aos campos

de concentração, foge com a roupa dos soldados, e é confundido com o ditador

Hynkel. No fim do filme, foi chamado a falar para uma multidão. O homem judeu

discursa pela paz, pela igualdade de raças e pela importância do homem.

“Mais do que um filme que enfoca o nazismo, a obra de Chaplin pode ser

considerada fonte primária a respeito do tema: concluído em 1940, o início de sua

produção é ainda anterior” (CASTRO, 1999, p.37). Em outubro de 1938, Chaplin

anunciou a produção de seu novo filme. Além de amigos e companheiros de

trabalho, sócios da companhia tentaram dissuadi-lo da ideia. Chaplin produziu o

filme como único investidor, e as filmagens começaram (em sigilo) seis dias depois

do início da segunda guerra (nove de setembro de 1939). Quando produziu O

Grande Ditador, Chaplin não tinha a real noção das atrocidades cometidas em

campos de concentração nazistas.

A ficção de Chaplin imitou os fatos. Algumas observações devem ser feitas

para maior entendimento da obra: a Tomânia, país derrotado na Primeira Guerra

Mundial no início da trama, é uma alusão à Alemanha de Hitler, este que toma

forma de Hynkel (um ditador atrapalhado, mas ao mesmo tempo cruel). Hynkel

resolve invadir uma nação fronteiriça: Osterlich, uma paródia da Áustria. Neste meio

tempo, Napaloni (uma sátira de Mussolini), ditador de Bactéria (alusão à Itália) trava

uma batalha pessoal com Hynkel pelas fronteiras. Até mesmo o canhão utilizado por

Carlitos no início do filme, O Big Berta, é uma referência ao primeiro grande canhão

usado pelos Alemães, na Primeira Guerra Mundial, para bombardear Paris.

Por trás da obra, alguns fatos impressionam: Chaplin e Hitler nasceram no

mesmo ano, no mesmo mês, na mesma semana. Hitler passou sua juventude em

abrigos, depois da morte de seus pais, e tinha o sonho de ser artista. Chaplin, com

a loucura da mãe, teve o mesmo destino. Segundo o documentário O Vagabundo e

o Ditador (The Tramp and the Dictator), de Kevin Brownlow e Michael Kloft, Chaplin

foi o homem mais adorado do século XX e Hitler, que em sua conta contabilizou 55

milhões de mortes, foi o mais odiado.

Hitler virou combatente, e seu Kaiser foi o mesmo retratado por Chaplin em

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Page 42: O estudo da evolução técnica e cultural do cinema de Chaplin a partir de suas obras na Essanay

Ombros, Armas! Guilherme II fez apologia contra a popularidade de Chaplin, e

pregou isso abertamente. Na década de vinte, Chaplin era mundialmente

conhecido, Hitler estava ingressando na política. Como seu modelo, Hitler encontrou

o fascista Benito Mussolini. Juntos utilizaram o desespero de um povo assolado por

miséria, e criaram a condição favorável a extremistas. Com a crise de 1929, o Crack

da bolsa, Hitler utilizou a desesperança do povo alemão para uma nova forma de

governar, onde a democracia era inutilizável. Com o cinema falado, Hitler ampliou

suas ideias e se aproveitou deste para alçar voos maiores, utilizando o poder da

palavra e de seus discursos de persuasão. Cursou teatro, para dar maior impacto

em suas aparições, era um apaixonado por cinema. Chaplin era o rei da pantomima,

já havia consagrado um personagem com suas feições e gestos imortalizados.

Chaplin classificou Hitler como um ator que jamais vira. Por ser considerado

judeu, Chaplin foi odiado pelos Nazistas, que viam nele um homem de grande

influência para o povo. Em 1940, em visita a Berlim, Chaplin foi aclamado pela

população.

Mussolini sempre foi contra Chaplin. Além dele, Henry Ford (alvo de críticas

de Chaplin em Tempos Modernos) que apoiava Hitler e era antisemita. As

apresentações e cerimônias nazistas em Nuremberg, na década de 30, eram um

espetáculo à parte. Chaplin retratou igualmente estes eventos em sua obra.

Outro ponto a resgatar do filme é a crítica mordaz à arte nazista, arte monumental que pretende recuperar a pureza clássica, mas que na verdade faz com que o homem desapareça diante de sua onipotência. (CASTRO, 1999, p.39).

Como cena de maior impacto, Hynkel dança em sua sala uma coreografia

com um globo nas mãos. É uma ideia de Chaplin, que percebeu (em fotos) que este

objeto se fazia presente na chancelaria de Hitler. Com a queda do domínio de Hitler

em 1945 e seu suicídio, sua chancelaria foi destruída. Em meio às ruínas, o único

objeto que se pode ver em imagens de arquivo é um grande globo intacto. Ao

contrário de Hynkel, o mundo não explodiu nas mãos de Hitler.

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Page 43: O estudo da evolução técnica e cultural do cinema de Chaplin a partir de suas obras na Essanay

4.2 OS PROBLEMAS PESSOAIS

Em sua vida, Chaplin teve diversos conflitos pessoais que influenciaram

diretamente na sua arte. Direta, ou indiretamente, estes acontecimentos refletiram

em seu processo criativo, em seus filmes, em seu comportamento como diretor e

em seu personagem (O Vagabundo).

Quando criança, Chaplin teve o contato direto com a pobreza, a miséria, a

desigualdade. Morando com a mãe e com seu irmão, teve a triste experiência de

viver nos bairros pobres da Inglaterra, onde aprendeu muito sobre condições sociais

suburbanas.

A sua infância foi triste, pobre, não raras vezes miserável. Kennington era o bairro da sua infância, um bairro popular inglês, escurecido pelas chaminés das fábricas, casas assombradas, com fachadas de tijolos, calhas pelas paredes externas, amontoadas entre si, soturnas, impenetráveis à alegria, à vida, ao amor. (CONY, 1967, p. 34).

Ainda criança, Chaplin guardou a imagem da polícia, que invadia sua casa

repetidamente para ver se as crianças eram bem tratadas. Algumas vezes Chaplin

foi recolhido, e o propósito da polícia era dar-lhe melhores condições, coisa que sua

idade não o fazia compreender. Mais tarde, inspirou-se nestas ocasiões para

realizar a cena em O Garoto, onde o menino é levado à força para a assistência

social.

Mais tarde, quando sua mãe foi para o asilo de loucos, Chaplin descobriu a

vida na rua. Andava perambulando pelas ruelas, e nestas via homens ricos e bem

apresentados saindo completamente bêbados dos bares. Ficava até anoitecer nesta

experiência, e no futuro pode utilizar tudo isso para criar seu maior personagem.

Carlitos, o Vagabundo, nasceu de todas as experiências que Chaplin teve

quando jovem. A miséria, a fome, a luta por mais um dia, tudo isso foi acrescentado

ao personagem que tomava sua forma, mas que parecia ter nascido semipronto.

Quando jovem teve suas primeiras experiências sexuais e amorosas

trabalhando no teatro. Foi neste ambiente que algumas características de Chaplin

afloraram. Com a convivência das meninas do teatro e do bailado, conheceu Hetty

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Page 44: O estudo da evolução técnica e cultural do cinema de Chaplin a partir de suas obras na Essanay

Kelly, e com dezenove anos teve sua primeira paixão. Chaplin pretendeu casar-se

com Hetty, chegou a pedi-la em casamento. Esta atitude brusca foi a primeira de

várias desse tipo em sua vida, em âmbito amoroso. E na juventude começou um de

seus grandes problemas futuros: a atração por mulheres mais novas. Com a fama,

Chaplin conheceu jovens atrizes, e teve grande número de amantes no meio

artístico. Geralmente tinha relações afetivas com as atrizes principais (de seus

filmes) na vida pessoal. Chaplin era extremamente vulnerável às mulheres.

A individualidade de Chaplin o motivou a seguir sempre pensando grande.

Teve a coragem de tentar a vida nos Estados Unidos, aprendeu muito com essa

experiência. Depois de entrar para a Keystone, utilizou todos os recursos burlescos

que sabia do teatro. Na Essanay, os problemas pessoais se agravaram:

Neste mesmo ano, o drama particular de Chaplin começa também a viver lado a lado com a sua obra. Os Zepelins de Hindenburg faziam devastação em Londres e Chaplin procura trazer sua mãe para junto de si. As autoridades de emigração dos Estados Unidos não consentem. Para o governo norteamericano, uma mulher de mais de cinquenta anos, judia, semilouca, é uma boca e um peso apenas para sustentar, sem nada dar em troca. (CONY, 1967, p. 39-40).

Este processo com sua mãe refletiu diretamente em suas atitudes no futuro.

Quando Chaplin foi acusado de não aceitar a cidadania americana, estava

condizente com a premissa de que não era necessário, uma vez que sua mãe foi

descriminada anteriormente. Chaplin gerava um lucro enorme para os Estados

Unidos, e, portanto, achou que não era obrigado a se alistar por um país que

faturava milhões em suas obras e que não era sua terra de origem. Disse na época,

em entrevistas coletivas, que o que sempre fez para provar a dedicação aos

Estados Unidos não devia ser explorado para sua publicidade ou de outros. Queria

que o povo tivesse olhos para suas obras, e não desviasse o olhar para o homem

Charles Chaplin.

Com Ombros, Armas! Chaplin obteve um patamar espetacular. Deteve-se a

retratar a situação de um soldado, o homem soldado: seus medos, seus receios e

seus sonhos. O filme consagrou o tema, que para Chaplin era necessário ser

abordado, quando diversos soldados lutavam por um valor patriótico valorizado pela

nação.

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As divergências amorosas de Chaplin em sua vida sempre o afligiram. Por

vezes, ele ficou meses sem filmar quando rompia seus casamentos. Em 1924,

depois de rever Lita Gray (que havia trabalhado com ele em O Garoto) Chaplin

apaixonou-se, e se casou com a menina secretamente (Lita tinha 16 anos na

época). Os romances de Chaplin com mulheres mais novas renderam diversas

páginas de jornal, e com isso sua vida pública ficou completamente exposta.

Depois do lançamento de O Grande Ditador, Chaplin foi acusado de

favorecer os comunistas. Os jornais o atacaram diretamente e começaram a

bombardeá-lo com críticas. Aproveitaram que Joan Barry, atriz que Chaplin tinha

relação pessoal, estava grávida e a usaram para um escândalo. O ator foi acusado

de engravidar Barry e de não assumir a paternidade. Depois de provar, com testes

de sangue, que não era o pai da criança, Chaplin foi condenado a pagar pensão

alimentícia. Era inocente, mas teria de pagar por uma grande promoção da

imprensa da época.

Chaplin foi rotulado de comunista por apoiar uma segunda frente americana

para auxiliar o exército da União Soviética na Segunda Guerra. Com isso, em um

discurso em São Francisco, deixou clara sua posição para o público que o ouviu:

Não sou comunista; o que sou é um ser humano, e penso conhecer as reações dos seres humanos. Os comunistas não são diferentes das outras pessoas; se perdem um braço ou uma perna, sofrem tanto como qualquer um de nós; e morrem como todos nós morremos. A mãe comunista é igual às outras mães. Ao receber a trágica notícia de que seus filhos não voltarão, choram como chorariam outras mães. Não é necessário que eu seja comunista para saber disto. Basta que seja uma pessoa humana. E nesse momento são muitas as mães russas que choram e muitos os seus filhos que morrem. (CHAPLIN, 1965, p. 470).

Chaplin conheceu Edgar Hoover em um jantar. Conversaram por muito

tempo, e Chaplin achou-o bastante agradável. Ficou agraciado em ouvir as ideias

de Hoover para um projeto próprio. Anos depois, como chefe do Federal Bureau of

Investigation (FBI), Hoover montou a maior perseguição a Chaplin já realizada. A

ficha documental de Chaplin no FBI possuía mais de 1.900 páginas. Foi primordial

para que fosse expulso dos Estados Unidos.

Suas frustrações amorosas e suas inquietações políticas formaram o roteiro

base de Monsieur Verdoux. “Pois a opinião pública foi a primeira a se encarregar de

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Page 46: O estudo da evolução técnica e cultural do cinema de Chaplin a partir de suas obras na Essanay

fazer de Chaplin um Barba Azul, antes mesmo que ele criasse Monsieur Verdoux”

(BAZIN, 2006, p. 53). Neste filme, interpretando um serial killer, Chaplin comparou

os assassinatos em massa com os homicídios isolados, fazendo uma ligação com

as grandes guerras e as armas atômicas. No papel de Um Barba Azul, matou

diversas mulheres com a intenção póstuma de roubá-las.

A batalha entre Chaplin e o governo americano acabou. O ator e diretor foi

para a Europa, um exílio para toda a família (incluindo Oona, sua última esposa).

Sem permissão para voltar, Chaplin estabeleceu-se na Suiça. Baseado neste tema

escreveu o roteiro de Um Rei em Nova York (A King in New York), onde um Rei é

exilado por problemas políticos pessoais.

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Page 47: O estudo da evolução técnica e cultural do cinema de Chaplin a partir de suas obras na Essanay

5 O LEGADO DE CARLITOS

5.1 O VAGABUNDO

O Vagabundo é a gênese de todo o trabalho de Charles Chaplin. Para

satisfazer os pedidos cômicos de Mack Sennett, Chaplin cria um estilo estranho:

Calças largas, Chapéu coco pequeno, bengala, paletó abotoado e apertado, bigode

em formato trapézio, estilo desajeitado, maltrapilho, e com um andar característico.

“Possui uma tal arte de caminhar que o seu pé direito é um país e o esquerdo é

outro, sem visto ou certificado de pureza racial” (SENNETT, et al., 1969, p. 42-43).

O estilo de Carlitos, como é chamado no Brasil, inspira seu criador, que começa a

designar as mais diversas gags, histórias, conflitos e caminhos para este eterno

personagem. Chaplin cria peculiaridades em Carlitos que atrai diversas raças,

idades, classes e nacionalidades. “É a humanidade inteira que se equilibra nas

pernas frágeis de Carlitos, um crítico escreveu que seus filmes mostram o homem

como malabarista diante da vida” (MERTEN, 2007, p. 60).

Carlitos começa a ganhar vida em 1914. Nos filmes da empresa Keystone,

suas características ainda são testadas, não há um personagem completo. Seu

caráter e seus ideais se misturam com as características do teatro burlesco da

época. Já na Essanay, Carlitos toma forma e assume sua personalidade. “Mas,

além das suas aventuras, Carlitos adquiriu gestos, modos, expressões, mímicas

que bastam por si sós para revelar todo o mundo que representa, isto é, uma atitude

eterna e universal do espírito humano.” (CONY, 1967, p. 200).

O Vagabundo não expõe nas películas o seu passado: quem são seus pais,

se possui irmãos, quais suas frustrações, porque de suas condições sociais. O que

se sabe é que Carlitos faz parte do mundo ao natural. Suas inquietações são

visíveis à medida que seus filmes surgem. Carlitos não procura algo específico.

Dizer que o Vagabundo busca a felicidade é muita pretensão, o que ele deseja é

viver seus instantes da maneira mais branda possível neste mundo de

desconfiança.

Felicidade? Talvez não: a palavra tem força demasiada; procura apenas a estabilidade, mínima que seja nas pequenas coisas da vida. Os seus desejos mais não são, afinal, do que as aspirações do homem da rua. Com

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uma simplicidade pueril, põe este problema a todos os que encontram; mas, invariavelmente, depara-se sempre uma recusa. E, não obstante todo o esforço despendido, essa estabilidade foge-lhe sempre. (SENNETT, et al. 1969, p. 35).

A luva de couro rasgada, a ponta de cigarro achada no chão, o fósforo que

acende em seu sapato, características de uma reprodução burguesa falsa. Carlitos

tenta ser algo que não é, e muitas gags surgem disso. Ao mesmo tempo em que se

veste como um cavalheiro, um bom e clássico inglês, para parecer de uma classe

alta, Carlitos se sente perdido na multidão que o despreza. Em, Em Busca do Ouro,

na cena do baile, o Vagabundo entra com o pé direito enfaixado com panos, e fica

invisível para o povo que dança e se diverte. Parado de costas para a câmera, sem

nenhuma pretensão, Carlitos acompanha o ritmo da música com a mão, batendo na

cintura; simples e bucólico. A bela moça do baile olha para ele e sorri. Carlitos

responde o gesto, com muita afeição. A moça se aproxima e Carlitos levanta seu

chapéu como gesto de educação, mas descobre que ela estava flertando com o

cavalheiro atrás dele. Sua ingenuidade, maldade e malícia são aceitáveis. Carlitos é

ingênuo, pois está sozinho no mundo. Os roubos para comer, os chutes no traseiro

que desfere nos inimigos, a bebida em exagero, são subterfúgios encontrados para

contornar situações: a fome, a violência e a rejeição da mulher amada.

Os problemas com a polícia fazem parte do mundo de Carlitos, que

representa a liberdade do homem frente os mais diversos desafios do mundo. Tanto

que preso, Carlitos tem tudo o que quer (como em Tempos Modernos): comida,

roupas, cama e sossego. Mas carlitos não pode se habituar a nada disso, pois é um

componente de reflexão do homem, e por isso deve ser visto por todos. É o espelho

da alma, uma paródia perfeita de erros e acertos, maldades e inocências.

Suas fugas, seus disparates, a mobilidade pantomímica de seu corpo são meios de que se serve para proteger-se da opressão dos outros e pleitear a satisfação dos desejos mais simples e imediatos do homem desnudo. O estrago de sua vestimenta não se estende à pureza de seu coração, é apenas a marca exterior da miséria. (CONY, 1967, p. 213).

Nos primeiros curtas pela Essanay, Carlitos faz um estilo fanfarrão e

desorientado. Em Carlitos no Parque (In the Park) fica arranjando brigas atrás das

mulheres dos outros. A partir de O Vagabundo (The Tramp), Carlitos começa a ter

sua figuração definitiva. Alguns elementos são adicionados, principalmente as

decepções amorosas, que interferem no comportamento do personagem nas

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próximas películas. Carlitos não é mais o rei dos empurrões e tapas, agora toma

atitudes diferentes, não menos engraçadas, portanto, mais elaboradas.

É em O Vagabundo (The Tramp) que aparece uma das características

marcantes nas películas de Chaplin: A estrada deserta no final dos filmes. A fuga do

personagem Carlitos (pela estrada) é o que designa seu mito como infinito, dando

perspectiva a um caminho próprio. Ele aparece, cativa o espectador, compartilha

emoções e foge na estrada, mantendo a imagem do vagabundo eternizada. É,

também, a sensação de perseverança do Vagabundo. Carlitos não sabe quais

desafios virão, mas continua em frente, como no fim de Tempos Modernos, quando

pede para Paulette Godard não desistir, e tentar sorrir sempre.

Em inúmeras películas Carlitos possui um emprego e, mesmo preguiçoso,

tenta manter-se nele. Em Seu Novo Emprego (His New Job) é ator, em O Campeão

de Boxe é boxeador, em O Vagabundo (The Tramp) torna-se ajudante na fazenda,

em Carlitos na Atividade (Work) é pintor, em O Banco (The Bank) é faxineiro, e

assim sucessivamente até culminar em um operário de fábricas (Tempos Modernos)

e um barbeiro (O Grande Ditador). Sua vida não é a mesma dos tempos da

Keystone, Carlitos alcançava sua consagração. “A consagração chegava cedo –

talvez cedo demais. E logo o personagem geraria o mito. Carlitos não era mais

objeto de estudo e, sim, de exegese.” (CONY, 1967, p. 9).

A partir de O Vagabundo (The Tramp) Carlitos começa a dominar mais o

mundo ao seu redor, o que não acontece perfeitamente com os objetos. Todos os

objetos são um enigma para Carlitos, e isso é explorado comumente em suas

películas.

Neste mundo, o nosso, os objetos são utensílios mais ou menos eficazes, dirigidos para um objetivo preciso. Mas os objetos não servem a Carlitos como a nós. Assim como a sociedade se integra a ele provisoriamente apenas por uma espécie de mal-entendido, sempre que Carlitos quer fazer uso de um objeto segundo sua forma utilitária, isto é, social, ele age como um desajeitado ridículo (particularmente à mesa), ou são os próprios objetos que se lhe recusam, a rigor, voluntariamente. (BAZIN, 2006, p. 14).

Os objetos contracenam com Carlitos. Em Dias de Prazer tenta ligar o seu

carro, que para de funcionar sempre que ele se afasta do motor. Em A Casa de

Penhores (The Panwshop) retira todas as peças de um relógio, e o examina como

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Page 50: O estudo da evolução técnica e cultural do cinema de Chaplin a partir de suas obras na Essanay

se fosse um médico (com estetoscópio e contando as pulsações). Em Ombros,

Armas! Pendura um ralador na parede, que lhe ajuda a coçar as costas. Para

agradar às moças de seus sonhos, realiza em Em Busca do Ouro a dança dos

pãezinhos; uma sincronia perfeita representada na mesa de jantar com dois garfos

presos a dois pães (representando as pernas de um dançarino).

Carlitos se apaixona facilmente. E suas paixões geralmente acabam em

decepções amorosas, com isso Chaplin mostra a realidade de um homem que não

consegue ser amado. Mesmo com as desilusões, Carlitos continua em frente, sem

se apegar ao passado. Um exemplo disso é o conhecido pontapé que o Vagabundo

desfere para trás, como um coice nos problemas.

Por um lado, Carlitos não gosta de encarar, se assim posso dizer, a dificuldade; gosta mais de atacá-la de surpresa, virando-lhe as costas; por outro lado, e, sobretudo, quando deixa de ter uma utilidade precisa (ainda que a de simples vingança), esse pontapé para trás exprime perfeitamente a preocupação constante de Carlitos de não se vincular ao passado, não arrastar nada atrás de si. Esse admirável pontapé torna-se, aliás, capaz de exprimir mil nuances, desde a vingança despretensiosa até a expressão lépida do ‘enfim livre’, a menos que ele não sacuda o pé para se livrar de algo inoportuno. (BAZIN, 2006, p. 19).

Outras peculiaridades de Carlitos são a feminilidade e o sorriso

despretensioso. Em O Balneário (The Cure) o pequeno Vagabundo está em um

provador trocando de roupa, quando um homem abre a cortina da cabine Carlitos

aparece fazendo uma dança feminina e sutil. Na verdade Carlitos usa em situações

de perigo este recurso, a maneira delicada de chamar a atenção, e com isso fugir

de suas trapalhadas.

Em outra característica própria, o Vagabundo usa o sorriso deliberado em

ocasiões cômicas. Quando vê um inimigo em maus lençois, Carlitos não hesita em

olhar para o espectador diretamente e lançar uma grande gargalhada. É a conexão

com a câmera e com a sociedade, Carlitos ri e compartilha seu riso.

Com o tempo, Carlitos adquire responsabilidades. Em O Garoto, possui um

menino para criar. Em, Um Dia de Prazer possui uma família, uma mulher e dois

filhos. A responsabilidade individual de Carlitos passa aos poucos a ser coletiva.

Assim acontece com a responsabilidade social do personagem. Chaplin passa do

sofrimento pessoal de Carlitos para o coletivo: as dores do mundo, “Só podia

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Page 51: O estudo da evolução técnica e cultural do cinema de Chaplin a partir de suas obras na Essanay

compreender a miséria individual depois que fosse compreendida a coletiva”

(SILVEIRA, 1970, p. 47).

Sendo assim surge Tempos Modernos. Os créditos do filme demonstram a

nova responsabilidade do antigo Vagabundo: O papel interpretado por Charles

Chaplin é O Operário. Carlitos é o mesmo Vagabundo, mas a designação

(Vagabundo) não se enquadra mais nos planos de Chaplin. Carlitos agora é um

operário, não só trabalhador de uma fábrica, mas um combatente por causas

maiores: o automatismo e a desigualdade.

“Com Tempos Modernos, a integração na sociedade, sua condição de

operário, tentará libertá-lo da fantasia e da existência errante, fornecer-lhe uma

perspectiva pessoal dentro do mundo.” (SILVEIRA, 1970, p. 35).

Em O Grande Ditador, Chaplin interpreta dois personagens distintos, assim

como em Os Clássicos Vadios. Agora Carlitos é um barbeiro judeu, possui seu

negócio e sua casa. Hynkel é o oposto de Carlitos, um ditador com ódio no coração.

Em Clássicos Vadios a duplicidade é semelhante: Chaplin faz o Vagabundo e

também um homem rico, esnobe e sem escrúpulos. Carlitos já possui seu destino

traçado na eternidade do cinema, e o discurso final de O Grande Ditador é a

confirmação do nível máximo que um personagem pode chegar de

excepcionalidade. Carlitos é convocado a falar pelo mundo, e para o mundo.

Futuramente, em Monsieur Verdoux, Chaplin não interpreta mais o

Vagabundo. Agora resta apenas a parte negativa de Carlitos, o oposto de seu

personagem. Como se estivesse interpretando as personagens antíteses de

Clássicos Vadios e O Grande Ditador, mas sem o protagonista carismático.

Depois de diversas histórias, Carlitos caminha na rua deserta. Não morreu,

continua vivo nas películas e na história. Chaplin transformou um mero Vagabundo

em um símbolo de perseverança e resistência.

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Page 52: O estudo da evolução técnica e cultural do cinema de Chaplin a partir de suas obras na Essanay

5.2 A COMÉDIA E O DRAMA

A linguagem cinematográfica de Charles Chaplin possui uma fusão de dois

gêneros teatrais clássicos do final do século XIX: O drama e a Comédia. Chaplin

não atuava em dramas na companhia de Karno, antes de entrar para a indústria de

filmes. Aos poucos implantou esta vertente em suas películas, criando situações

para seu personagem Carlitos, e gerando novas reações em seu público.

Em O Vagabundo (The Tramp) pode-se ver as primeiras reações dramáticas

de Carlitos. Depois de uma decepção amorosa, o Vagabundo escreve uma carta

para sua amada (Edna), deixa o documento em cima da mesa na casa da moça, e

vai embora pela estrada deserta. A estrada é um elemento dramático que Chaplin

inseriu em seus filmes. Os finais em que este componente aparece dão a sensação

de uma solidão de Carlitos. Representa a vontade do protagonista de continuar em

frente, mesmo sozinho.

Em O Banco, Chaplin utiliza o sonho e a imaginação do Vagabundo para

preparar uma situação dramática. Carlitos trabalha em um banco e se apaixona pela

secretária. Consegue conquistá-la e ainda salva o banco de um assalto. Ao final da

película, Carlitos acorda na dispensa do banco, e percebe que tudo era um sonho.

Sua realidade volta ao normal, conquistar a secretária é um objetivo distante.

As conjunturas dramáticas de Chaplin começam a se mesclar com o

burlesco. Na Essanay essa fusão tem componentes fundamentais. Além dos filmes

citados anteriormente, outras películas abordam tristezas e alegrias, de maneira

bem peculiar. Em O Vagabundo (The Vagabond) Carlitos salva Edna de uma família

de ciganos que a trata como escrava. As cenas em que Edna sofre convivendo com

os ciganos remete dramaticidade. Logo após Carlitos levar Edna embora, os dois

começam uma vida juntos em uma casa simples. Carlitos a trata como um filho, e

de forma engraçada ensina à moça os princípios básicos de higiene. Um artista

descobre Edna e se apaixona por ela. Pinta o rosto da moça e coloca em uma

exposição. Carlitos sofre, pois a mulher amada está enamorada de outro. Uma

mulher reconhece o rosto no quadro pintado e fica chocada; a face é de sua filha

desaparecida. O pintor do quadro leva a mulher até Edna, as duas se reencontram

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com muita emoção e Edna vai embora de carro com sua família, deixando o

Vagabundo só. Logo em seguida, Edna sente falta de seu companheiro e volta para

buscá-lo. Este filme mescla diversos atos dramáticos e cômicos, que ao final

resultam em uma história intensa.

Como se nota, The Vagabond é uma ampliação do tema de The Tramp. Gradativamente, a intriga sentimental vai se desenvolvendo na obra de Chaplin, até atingir o clímax de City Lights ou o melodrama de Limelight. O ritmo do filme, com exceção das cenas de briga, não é mais histérico. Nasce o Chaplin campestre e idílico. (CONY, 1967, p. 80).

A maneira com que uma história e um roteiro são elaborados demonstra uma

determinada situação cômica ou dramática. Muitas cenas de Carlitos são baseadas

em fracassos pessoais, e destes fracassos surgem os risos da platéia. Em outras

cenas, as experiências de Carlitos tornam-se tristes e melancólicas para o

expectador, por componentes de significação em sua elaboração. A visão que

Chaplin explora em suas histórias são definitivas para o sentido assimilado pelo

expectador. Depois de O Vagabundo (The Vagabond), Chaplin divide de maneira

inteligente as situações cômicas e dramáticas dos seus filmes em intervalos de

tempo. O público agora não apenas ri, mas também entra em contato com os

conflitos de Carlitos por intermédio do drama.

O evidente dramatismo de seus argumentos, fazem sempre absurdo contraste com a comicidade de seu desenvolvimento. Este contraste, às vezes, não é mais que um método, uma estilística própria de Chaplin. Sua tendência – e quase diríamos: sua preocupação – é a de impedir que o espectador fique muito tempo à mercê das reações cômicas ou dramáticas. Respeitando as proporções entre a emoção e o riso, a elaboração cômica do argumento dramático é um sintoma inteiramente orgânico do seu estilo. (CONY, 1967, p. 30).

Em, Em Busca do Ouro (The Gold Rush). Carlitos sofre com a fome e se vê

obrigado a comer o próprio sapato. Na cena, o Vagabundo, cozinha seu sapato em

uma panela com água, enquanto Big Jim (companheiro de Carlitos), espera aflito.

Em um plano Carlitos confere com o garfo se a bota está pronta, logo em seguida

faz sinal com a cabeça de negativo para Big Jim e aponta o numero dois com os

dedos (representando o número de minutos restantes). Big Jim força-o a servir logo.

Carlitos antes de servir limpa uma sujeira que vê no prato que está segurando.

Depois de servir, derrama cuidadosamente com a concha um pouco da água que

está na panela por cima da bota, como um molho. Afia a faca e começa a cortar a

refeição. Desprende a sola do resto do calçado. Por fim, Carlitos fica com a sola,

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Page 54: O estudo da evolução técnica e cultural do cinema de Chaplin a partir de suas obras na Essanay

enquanto Big Jim se encarrega de comer a parte de couro do sapato.

O drama da cena está submerso em uma abordagem cômica. A fome é um

tema que Chaplin encontra para obter diversas gags neste filme. A maneira com

que Carlitos come a sola do sapato é hilária: enquanto Big Jim come com receio a

sua parte, vê Carlitos devorando a sua. Quando Big Jim percebe, Carlitos parece

estar comendo um banquete; o Vagabundo enrola o cordão do calçado com o garfo

como um espaguete, e chupa os pregos da sola como ossos de galinha (inclusive

sugere jogar com o prego, colocando-o no meio dos dedos, assim como se faz com

o osso do peito de frango).

Esta cena poderia ter outro enfoque. Chaplin decidiu que a comédia seria

relevante, e realmente foi. A cena é muito bem organizada, e os elementos, por

mais dramáticos que fossem em outra abordagem, tomam forma de comicidade

intensa. Em Em Busca do Ouro, Luzes da Cidade e O Grande Ditador a essência é

a mesma; “o fato vivido pelo personagem, enquanto carregado de tragicidade para

ele, para o espectador resultava num motivo de comicidade” (SILVEIRA, 1970,

p.69).

Em O Garoto Chaplin usa os recursos do cinema mudo para dar maior

impacto. Na principal cena, onde os oficiais do governo levam o menino para a

assistência, Chaplin utiliza planos fechados, acentuando os gestos e o sofrimento

do menino. O garoto grita e implora pelo pai, seu desespero é visível, em um

cinema sonoro a cena seria exagerada.

É inegável a força dramática da sequência. O detalhe das mãos suplicantes do garoto, pontuam a ênfase melodramática (principalmente com o comentário musical preparado, anos mais tarde, pelo próprio Charles Chaplin). Apesar dessa eficiente articulação, com efeitos catárticos inesquecíveis, deve-se ressaltar que tudo é precisamente encenado sob a ótica do cinema mudo. (CAPUZZO, 1999, p. 58-59).

Em outras oportunidades Chaplin utiliza os detalhes da imagem para dar

maior ênfase ao drama do Vagabundo. Em Luzes da Cidade, a cena da moça cega

que descobre que seu benfeitor é Carlitos é mais um exemplo de utilização dos

gestos e da aproximação da câmera. Carlitos com a flor na mão, e com uma

fisionomia de timidez, e a florista com um olhar de decepção tímido. Em Luzes da

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Ribalta, depois de um número cômico no palco e da decepção de estar sem platéia,

Calvero acorda e percebe que está tendo um pesadelo. A câmera se aproxima

lentamente do rosto de Calvero, as rugas e a aparência de decepção mostram ao

público as frustrações de um palhaço que não possui mais graça.

A magnitude das películas de Chaplin se deve muito a essa fórmula: a

comédia, que é sua base principal, e o drama. Os problemas do personagem

representam comicidades ou dramaticidades, conforme a ótica dada por Chaplin em

suas composições. “A tragédia é a celebração não do nosso triunfo eventual, mas

da verdade; não é uma vitória, mas uma resignação.” (MAMET, 2001, p. 26).

Com a resignação de seguir sempre o seu caminho, Carlitos compartilha

suas emoções diretamente com o público. O personagem e seu criador evoluem, na

medida em que o espectador absorve as emoções do Vagabundo, compartilhando-

as de maneira intensa.

5.3 A EVOLUÇÃO DE SEUS FILMES

A evolução das obras de Chaplin é proporcional à evolução de seu

personagem, de sua linguagem, e de suas experiências pessoais. As boas atuações

em espetáculos de variedades levam Chaplin para o cinema, e é a linguagem

cinematográfica que Chaplin utiliza para atingir o posto de mito.

Nos filmes da Essanay (1915), sua segunda empresa, onde começa a sua

evolução, Chaplin dirige e produz seus filmes. Seu herói, Carlitos, começa a tornar-

se mais versátil, e além das perseguições e das trapalhadas do cinema burlesco,

Chaplin começa a criar histórias interessantes para o personagem. “O poder de

resistência torna a jornada do herói afetiva. E para que a platéia empreenda essa

jornada é essencial que o autor a empreenda” (MAMET, 2001, p. 24). Nesta fase

Chaplin molda Carlitos, mas Carlitos faz Chaplin pensar e refletir sobre sua

responsabilidade como ator, diretor e produtor, que a cada dia aumentava.

Nos primeiros filmes que dirigiu, pela Keystone, Chaplin precisou aprender

sobre as posições dos atores em frente à câmera, além das saídas e entradas de

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Page 56: O estudo da evolução técnica e cultural do cinema de Chaplin a partir de suas obras na Essanay

cena. Na Essanay Chaplin já está habituado com estes recursos básicos. Nessa

fase encontra seu grande companheiro, o diretor de fotografia Rollie Totheroh.

Seu primeiro filme pela Essanay, Seu Novo Emprego (His New Job), é uma

comédia pastelão simples. Carlitos troca de lugar com um ator de filmes, e acaba

arruinando as filmagens. Neste curta já estão presentes os traços estilísticos

básicos do eterno Carlitos: o cigarro e a roupa de gala (modo que Carlitos encontra

para se integrar à alta sociedade da época) e o pontapé no traseiro dos inimigos

(que Carlitos desfere para menosprezar aqueles que não o convém). Em Uma Noite

Fora (A Night Out), Chaplin utiliza Edna Purviance pela primeira vez juntamente

com Carlitos. Esta parceria rende frutos, e Edna se torna a representação feminina

perfeita para o Vagabundo. Aos poucos, Carlitos busca sua harmonia, e suas

características vão se transformando.

“Mas a continuidade e a harmonia da existência estética de Carlitos só

poderiam ser apreendidas através dos filmes por ele vividos” (BAZIN, 2006, p. 13).

E desta forma Carlitos se arrisca como boxeador em Campeão de Boxe (The

Champion), juntamente com seu companheiro, um cachorro de rua. Neste curta são

evidentes alguns traços da saga do herói: Carlitos não vence de maneira fácil uma

batalha, geralmente os méritos estão em algo inesperado, um fator externo. O

Vagabundo não tem a mínima chance como lutador, mas ao colocar uma ferradura

dentro da luva acaba ganhando a disputa. Logo após, sem poder utilizar o

acessório, Carlitos é beneficiado por seu cão, que invade a luta para morder o

adversário, dando a vitória para o Vagabundo novamente. Nesta película Chaplin

utiliza pela primeira vez um plano composto de alta criatividade. Carlitos e seu rival

são registrados no ringue, ambos em cantos opostos, com ações peculiares, se

preparando para o próximo assalto. Enquanto Carlitos está acabado, e sendo

reanimado pela sua equipe no canto esquerdo, seu rival está intacto e com ar

superior do lado direito do plano.

Em O Vagabundo (The Tramp), Carlitos começa sua transformação

psicológica e moral. É neste filme que Chaplin realiza uma história completa, com

começo, meio e fim, bem definidos. Carlitos se apaixona por Edna, e com a

decepção amorosa acaba indo embora, ao fim do filme, pela estrada deserta. Assim

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como Chaplin, Carlitos não tem reciprocidade sentimental em suas relações com as

mulheres. “Chaplin nutre Carlitos da mais minuciosa observação da vida e das suas

experiências diretas” (CONY, 1967, p. 198).

Carlitos Quer Casar (The Jitney Elopement) é uma película com maior

duração que as anteriores, com 26 minutos. Nesta obra, Carlitos arranja problemas

com a polícia por roubar Edna de sua família para ficarem juntos. Destaque para a

grande perseguição de carros ao final, onde Carlitos utiliza um jogo de planos

longos e médios, dando maior emoção e ação à cena. Em, Carlitos na Atividade

(Work), mais uma vez Chaplin utiliza a câmera para dar maior intensidade à ação de

Carlitos. Com planos gerais, em ângulos inclinados, Carlitos carrega uma carroça

pesada em um morro. Esta obra possui perseguições características, e outras gags

mais elaboradas como a do cofre: Carlitos vê que a dona da casa desconfia dele e

de seu companheiro. A mulher guarda seus pertences de valor em um cofre e

tranca com cuidado. Carlitos, ao ver esta atitude, retira alguns míseros pertences (a

corrente de pescoço, o relógio fajuto), coloca no bolso do colete e fecha com

cuidado com um alfinete.

Com O Banco (The Bank), Chaplin testa sua mistura, do drama e da

comédia, de maneira mais intensa. Nesta obra Carlitos se torna um sonhador, e

suas aspirações são simples; conquistar a mulher amada e ser respeitado por

todos. Chaplin experimenta a sobreposição de imagens: Carlitos está fazendo

carinho nos cabelos de Edna, percebe estar sonhando, e se vê fazendo carinho em

uma vassoura.

Chaplin descobre uma maneira fácil de ter o movimento semelhante ao de

uma embarcação: Colocando um pêndulo a balançar embaixo da câmera, é a

maneira que realiza Carlitos Marinheiro (Shanghaied). Carlitos já está namorando

Edna, e salva o barco de um grande desastre (uma bomba). Estas atitudes heróicas

de Carlitos, pequenas que sejam, marcam o início de atitudes maiores em O

Grande Ditador e Tempos Modernos. Neste filme começa a preocupação política e

social de Chaplin com sua linguagem cinematográfica.

Em The Police (Roubo Frustrado), Carlitos faz uma associação entre religião,

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crime e polícia. Começa o filme sendo iludido por um pastor que o faz chorar

enquanto rouba seu dinheiro (o pouco que tem nos bolsos). Em mais um deslize de

Carlitos, este acaba invadindo a casa de Edna para roubar alguns pertences

juntamente com outro homem. Após se voltar contra a atitude do companheiro de

roubar, Carlitos é protegido por Edna frente à polícia. Mais uma vez Carlitos sai pela

estrada apaixonado e arrependido do que fez. Este filme traz como principal tema O

Pecado, tanto das instituições, como pessoais. Aos dez minutos de filme, Chaplin

experimenta um recurso novo em seus curtas. Para dar a sensação de que Carlitos

e seu companheiro estavam fazendo algo às escuras (indo roubar uma casa)

Chaplin utiliza um plano de uma parede com a silhueta dos dois homens

caminhando temerosos antes da invasão.

Depois de Carlitos no Teatro (A Night in The Show), uma homenagem aos

espetáculos de variedades, Chaplin ingressa em sua nova companhia, a Mutual. Em

dois anos Chaplin realiza doze filmes, e é nessa empresa que Chaplin encontra seu

modelo definitivo de arte e atuação. Em Carlitos no Armazém (The Floorwalker), sua

primeira película na Mutual, Chaplin cria gags sensacionais em uma escada rolante.

A história se passa em um armazém. Desta vez Carlitos é dado como ladrão,

erroneamente. E a perseguição final do filme se dá em uma escada rolante. Pela

primeira vez, Eric Campbell fica com o papel de vilão, demonstrando excelente

atuação.

Em Carlitos Bombeiro (The Fireman) Chaplin adiciona aventura e emoção ao

filme. Edna está sozinha em um prédio em chamas. Carlitos, como bombeiro, vai

até o terceiro andar escalando a parede do edifício para salvá-la, esta cena foi

gravada em plano único seqüencial. Chaplin começa a utilizar um recurso

importante em suas películas: utiliza algumas cenas reversas (do fim para o

começo). Essa alternativa faz com que algumas cenas fiquem muito bem

estruturadas, e algumas manobras difíceis se tornam realizáveis.

O Vagabundo (The Vagabond) é um protótipo de O Garoto. Chaplin cuida de

Edna, como fará com John (Jackie Coogan) no futuro, e lhe ensina coisas básicas

do cotidiano. Ao final é resgatado pela nova família de Edna para morar junto com

ela. Carlitos vai amadurecendo seus princípios e cada vez atingindo uma vida social

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mais estruturada. “Chaplin não parou de avançar no desconhecido, de inventar o

cinema em relação a si próprio.” (BAZIN, 2006, p. 86).

À Uma da Madrugada (One AM) é uma comemoração da boa fase de

Carlitos. Esta película conta com a presença única do Vagabundo, e sua história é

simples: Carlitos entra bêbado em sua casa e tenta ir dormir. De uma ideia simples

Chaplin cria a base de uma comédia recheada de gags inteligentes. Todos os

objetos da casa estão contra Carlitos, e para chegar ao seu quarto, no segundo

andar, ele precisa passar pela janela (pois perdeu a chave da porta), pelo tapete

escorregadio, pela onça empalhada que enfeita a sala, pela escadaria e pelo grande

pêndulo de um relógio ao lado da porta do quarto, que insiste em derrubá-lo de volta

para o primeiro andar. Quando entra no quarto, Carlitos ainda trava uma disputa

com a cama (embutida na parede) que não quer abrir.

A Casa de Penhores (The Pawnshop) é a uma continuação da criatividade de

Chaplin em gags com objetos. Carlitos examina um relógio, como um médico

examina um paciente, e logo em seguida realiza uma operação, retirando as peças

de dentro do objeto. Mais uma vez Carlitos salva os companheiros, desta vez de um

assalto, mostrando sua importância para aqueles que trabalham com ele e para sua

amada (Edna). Em Carlitos Patinador (The Rink) Carlitos trabalha em um

restaurante, e também patina no seu tempo livre. As perseguições de Carlitos e de

Eric Campbell são muito bem executadas, com planos abertos e grande

movimentação dos artistas na pista de patinação. Mais uma vez Carlitos inova,

compondo gags com movimentações em patins.

E então se viu onde estava a superioridade de Chaplin em relação à época, fator de sua originalidade e permanência: mais do que na técnica de representar, que levara para o cinema com sua experiência teatral, ela repousava numa profunda observação da vida e em sua transfiguração pela arte. Se Carlitos usava o corpo como expressão dramática, desejando aparecer por inteiro na imagem – e daí sua insistência por planos médios - porque até seus pés participavam da representação e completava seu retrato, essa expressão servia para comunicar a vida tal qual ela era, numa flagrância de humanidade. (SILVEIRA, 1970, p. 17).

A expressão corporal e a vivacidade de Carlitos chegam a um patamar

altíssimo em Rua da Paz (Easy Street) de 1917. A obra é uma crítica à polícia, e

suas atitudes em bairros desfavorecidos. Carlitos arranja emprego de policial e

acaba vigiando a rua de maior violência da região. A polícia omissa permite que os

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desocupados tomem conta da rua, favorecendo os crimes e as agressões. Carlitos

impõe ordem e trava briga com um bandido que não aceita as represálias do

pequeno policial. Mesmo de estatura e de força inferior que o inimigo, Carlitos

consegue vencer a briga ao usar o gás de um poste de iluminação para desmaiá-lo.

Neste mesmo filme, Carlitos ajuda em uma instituição de assistência social e se

nega a prender uma moça que flagra roubando um alimento para matar a fome.

Esta obra pode ser considerada um marco para Chaplin. Carlitos trava suas brigas

rotineiramente com a polícia, e agora trabalha como tal. Serve como crítica à

omissão de organizações que zelam pela proteção da sociedade.

O Imigrante (The Immigrant) possui uma conotação política particular.

Chaplin retrata a chegada dos estrangeiros nos Estados Unidos, e uma cena em

particular foi motivo de críticas; após a legenda (A chegada na terra da liberdade),

os imigrantes se levantam para ver a estátua da liberdade, um plano retrata a

estátua passando pelo barco, e em seguida, os imigrantes são tratados aos

empurrões pelos oficiais americanos.

A ambição de Chaplin ainda não ultrapassa, contudo, os limites do cômico. Mas, no espaço de alguns anos, de 1913 a 1915, dá o passo em frente. Exprimiu o cômico sob as suas formas mais sutis e mais ricas, indo do burlesco à sátira, da pantomima à dança, criando um cômico puramente cinegráfico e seguinte, na série da Mutual, com O Vagabundo ou O Imigrante, a emoção dramática infiltra-se no cômico, suspende subitamente o riso, abre caminhos novos à arte de Chaplin. (SENNETT, et al, 1969, p. 49).

Para finalizar sua boa fase na Mutual, Chaplin realiza O Aventureiro (The

Adventurer). Este filme possui três momentos distintos. Em sua primeira parte,

Carlitos, um foragido da cadeia, é perseguido por policiais em uma praia. Diversas

gags acontecem e Carlitos acaba fugindo pela água, até chegar a um cais. Nesta

segunda parte, Carlitos salva algumas pessoas que caíram na água e que estavam

se afogando. Após roubar as roupas de um homem, Carlitos vai para a casa de

Edna, e neste terceiro ato acontecem mais perseguições e gags com Carlitos. É

nesta película que Chaplin cria algumas gags compostas. Quando está comendo

um sorvete na sacada do segundo andar, Carlitos deixa-o cair para dentro de sua

calça. Ao balançar a perna, para que o sorvete escorra, Carlitos deixa-o cair para o

andar de baixo, onde uma mulher está sentada. O sorvete cai dentro do vestido da

mulher, e Chaplin consegue encaixar duas gags em apenas uma cena.

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Em 1918 começa sua fase pela First National. Em Vida de Cachorro (A Dog’s

Life) Carlitos adota um cão de rua para cuidar. Sucata (como Carlitos o chama) é

protegido por Carlitos; se tornam companheiros, ambos moram na rua, e passam

por dificuldades. A trama é muito bem elaborada. O Vagabundo, tenta recuperar um

dinheiro que achou enterrado em um terreno vazio, mas que está em mãos de

ladrões. Por fim, uma cena demonstra a dimensão exata dos sonhos de Carlitos;

Chaplin utiliza um plano bem aberto e mostra um terreno de grades proporções.

Carlitos aparece plantando sementes, neste terreno que agora é seu, uma a uma

com o dedo indicador. A obra termina com Carlitos e Edna casados.

Ombros, Armas! (Shoulder Arms) reflete o ótimo momento de criação de

Chaplin. Carlitos é um soldado que está na Primeira Guerra Mundial, e sem as

habilidades necessárias para ser um guerreiro, acaba tendo de contribuir à sua

maneira. A cena principal desta obra destaca a coragem de Carlitos em surpreender

seus inimigos. O Vagabundo é enviado para uma missão especial, deve se vestir de

árvore, como armadilha para golpear os inimigos que se aproximam. Chaplin, com

magnífica pantomima, encara os perigos da guerra e amplia os horizontes políticos

de Carlitos. “Assim, Carlitos, pouco a pouco, de uma simples maquete que era, se

humaniza e se enriquece com as experiências e observações de Chaplin; vai

adquirindo uma personalidade própria e autônoma.” (CONY, 1967, p. 198).

No início de Idílio Campestre (Sunnyside) de 1919, uma placa na parede da

casa de Carlitos representa uma mensagem que Chaplin difundirá em suas

próximas produções: Amarás o próximo. Um Dia de Prazer (A Day’s pleasure)

mostra Carlitos casado com Edna e com dois filhos. Esses curtas preparam o

espectador para uma grande obra que estava por vir.

Um filme com um sorriso, e talvez uma lágrima. Com esta legenda Chaplin dá

início ao clássico O Garoto (The Kid). Este filme recupera o espírito mundano do

Vagabundo e transforma-o, mais uma vez, em algo superior. Carlitos começou as

filmagens desta obra poucos dias depois de seu filho com Mildred Harris morrer. A

história retrata a vida do Vagabundo após adotar uma criança que é abandonada

pela mãe. Chaplin expõe sua genialidade, criando gags em um ambiente

semelhante às ruas de sua infância. Ao mesmo tempo, John, o menino adotado por

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Page 62: O estudo da evolução técnica e cultural do cinema de Chaplin a partir de suas obras na Essanay

Carlitos, se transforma em um mini Vagabundo, que ajuda o pai nos serviços de

casa e nas ruas. Chaplin realiza uma mistura fina de drama e comédia, com ênfase

na cena onde os oficiais tiram John da guarda de Carlitos. A exaustão da repetição

nas filmagens deixa a cena mais dramática, e pode-se ver claramente o choro do

menino Jackie Coogan. Assim como em Vida de Cachorro, Carlitos arranja um

amigo fiel. Uma criança e um cachorro são as únicas amizades que Carlitos

consegue ver como verdadeiras no seu mundo.

É em torno desse desajustamento entre uma figura humana até ao absurdo, e a sociedade indiferente até a crueldade, que o gênio de Charles Chaplin organizou a epopéia de Carlitos. Essa epopéia começou como simples farsa de um clown que surgiu na tela com alma de Pierrô a praticar inconveniências. As platéias o receberam a princípio com gargalhadas; depois, com um sorriso triste (já não era mais um clown); e, finalmente, com um soluço ambíguo (era um símbolo humano). Três fases da reação do público marcando o sentido crescente da obra antes dela se igualar às mais altas criações da arte em todos os tempos. (CONY, 1967, p. 214).

Em Clássicos Vadios (Idle Class) mais uma vez Chaplin representa dois

papéis: um rico alcoólatra e o Vagabundo. Destaque para a cena em que o homem

rico é deixado pela mulher (Edna). Em uma carta, Edna promete voltar somente

quando ele largar a bebida. Após ler o documento, o homem se vira de costas

aparentemente triste e começa a sacudir-se, como em um pranto descontrolado.

Quando se vira novamente, pode-se ver que ele estava preparando um drinque em

um copo.

Os objetos servem de parâmetro para o potencial criativo de Chaplin; em

Uma Noite Fora Carlitos improvisa uma escova de dente com o caule de uma

folhagem. Em O Vagabundo (The Tramp), depois de se sujar com a poeira da

estrada, Carlitos utiliza um pequeno espanador de bolso para se limpar

calmamente. Em Carlitos Bombeiro, com apenas uma mão, consegue encher cinco

xícaras de café para os companheiros. O Vagabundo (The Vagabond) traz a cena

célebre onde Carlitos prepara uma mesa para o café: a toalha é uma camisa, as

mangas são os guardanapos. Em Carlitos no Estúdio, o Vagabundo carrega onze

cadeiras nas costas, as cadeiras moldam seu corpo, e Carlitos se transforma em um

porco espinho.

Dia de Pagamento (Pay Day) é uma comédia recheada de gags com objetos.

Chaplin realiza esta obra com um ritmo alucinante. Carlitos é um pedreiro, e

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Page 63: O estudo da evolução técnica e cultural do cinema de Chaplin a partir de suas obras na Essanay

trabalha em uma obra. A grande criatividade está no efeito reverso da cena em que

Carlitos apanha os tijolos alçados para ele no segundo andar. Chaplin utiliza este

efeito novamente (já havia utilizado em Carlitos Bombeiro), e com muito sucesso, a

cena se torna um balé de Carlitos com os tijolos.

Pastor de Almas (The Pilgrim) é uma evolução do tema de Roubo Frustrado.

Neste filme Carlitos se passa por pastor, e acaba trabalhando em uma igreja repleta

de fiéis. Em sua primeira missa, no momento do sermão, conta a história de Davi e

Golias. A pantomima desta cena é encantadora, Chaplin aplica dedicação corporal e

a história contada ganha inenarrável força. Após ser descoberto pela polícia como

impostor, Carlitos é deixado entre o México e os Estados Unidos. O filme acaba

com Carlitos correndo com um pé em cada país (uma analogia à Chaplin, que dizia

não ter nacionalidade). Vale ressaltar que nos filmes de Chaplin em que aparecem

pastores, padres, policiais, oficiais de justiça, todos são representados pelos

mesmos atores. Assim Chaplin demonstra sua insatisfação com estas

organizações, e idealiza todos como errantes e iguais.

Em 1925 Chaplin lança uma obra prima da comédia muda: Em Busca do

Ouro (The Gold Rush). Agora em diante sem Edna Purviance, Chaplin teria diversas

opções para os papéis femininos principais de seus filmes, para este escolheu

Georgia Hale. Mais uma vez Chaplin salienta um tema interessante; a exploração

das montanhas do Alaska por ouro. Para este filme Chaplin investiu pesado na

produção dos cenários.

Carlitos vive emoções sitiado pela neve em uma cabana com seu

companheiro Big Jim. Apaixona-se por Georgia, e esta paixão transforma-o em um

sonhador. Em uma cena antológica, Carlitos realiza a dança dos pãezinhos; uma

coreografia perfeita que Chaplin adicionou ao filme após testar em suas gravações

caseiras. No fim da trama, Carlitos fica milionário e convida Georgia para se

casarem. Mesmo rico Carlitos se veste como Vagabundo para aparecer nos jornais.

É a simplicidade da alma sendo representada pelas roupas.

Com efeito, o personagem de Carlitos seguiu, das primeiras fitas da Keystone até Em Busca do Ouro e O Circo, uma evolução moral e psicológica. O primeiro Carlitos é uma criatura de má índole, que distribui incontáveis pontapés no traseiro de seus protagonistas desde que estes não estejam em condição de devolvê-los. (BAZIN, 2006, p. 46).

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Page 64: O estudo da evolução técnica e cultural do cinema de Chaplin a partir de suas obras na Essanay

Em O Circo (The Circus) Carlitos integra-se a uma trupe circense. Desta

junção surgem inúmeros feitos cômicos. Chaplin arquitetou maior realidade às

cenas com animais e com espetáculos, por isso, aprendeu a andar na corda bamba

e realizou a cena com o leão dentro da própria jaula do animal. Carlitos não sabe

que é engraçado, e essa ingenuidade traz alegria para toda a companhia do circo

que ele acompanha. Ao mesmo tempo, se apaixona pela filha do dono, em mais

uma paixão não correspondida. Chaplin experimenta novos planos e imagens, como

a cena em que o picadeiro e os bastidores são vistos do alto em plano longo,

enquanto Carlitos, em primeiro plano, é tomado num ângulo da imagem, preso à

corda bamba, e a cena da fuga de Carlitos em uma sala de espelhos, onde a

câmera parada retrata os diversos Carlitos fugindo do inimigo em uma perseguição

esteticamente inusitada. “No desfecho, quando o circo partia, o Vagabundo ficava

sozinho no circulo em que estivera o picadeiro. Metáfora evidente de que toda a

importância dramática resumia-se à sua presença” (SILVEIRA, 1970, p. 41).

Quando Chaplin gravou Luzes da Cidade (City Lights), em 1931, a técnica do

cinema falado já existia. Chaplin abdica desta mudança e lança sua nova película.

Nela Carlitos conhece uma florista cega, acaba se apaixonando, e a ajuda a

recuperar a visão. Em meio a essa história, Carlitos conhece um milionário

alcoolatra, e o impede de cometer suicídio. Os dois travam amizade, mas o homem

rico só reconhece Carlitos como amigo quando está bêbado. Carlitos não dá

importância para isso. Em sua ingenuidade, o que importa é ter a amizade de

alguém que o trata bem, nem que seja por algumas horas.

Luzes da Cidade marca uma concepção inversa das obras chaplinianas;

enquanto os outros partem de uma realidade para um sonho, este parte de um

sonho para a realidade. E é assim que Carlitos começa a ver a vida, juntamente

com a florista. Para alcançar seus objetivos Carlitos começa a sair da inércia, a

batalhar por aquilo que acha necessário. A cegueira da jovem e a bebedeira do

milionário são os equívocos que iludem Carlitos, mas não permitem que se deixe

desistir. A cena em que Carlitos vira boxeador é uma evolução do filme Campeão

de Boxe. Nesta cena, Carlitos executa uma coreografia intensa e muito bem

composta.

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Que enorme engano a vida: a dançarina não vai à ceia de ano novo que ele prepara, conquanto prometesse; a jovem do circo não está olhando para seu corpo desengonçado, como ele pensava, seus olhos de amor se dirigem ao atleta elegante; a florista cega julga-o um milionário. Que importa? Carlitos as protege, defende o namoro, paga a operação que, destruindo a cegueira, destrói a fantasia. Ingênuo e desarmado, encarnava o homem anterior à Segunda Guerra Mundial, submisso, limitado, estranho à realidade. Homem comum que, apesar da outra guerra e da crise econômica desencadeada em 1929, ou da virtude delas, tateava direções, no desespero de não achá-las. (SILVEIRA, 1970, p. 48).

Chaplin começa a atuar como um mensageiro. Um homem que se sente

forçado a expor suas ideias e suas experiências em seus filmes. Carlitos é o

portavoz desta mensagem social. O relógio representa a engrenagem, o controle

dos homens pelo tempo de trabalho. E é com um relógio que se inicia Tempos

Modernos (Modern Times) de 1936. Nas cenas iniciais, a contraposição de

imagens: um rebanho de ovelhas e um grupo de operários saindo da fábrica,

representando a servidão dos homens frente à máquina. Em meio às ovelhas

brancas da imagem está uma preta. Esta ovelha negra é Carlitos, o rebelde que se

volta contra o sistema em que está submetido.

Neste filme Carlitos é um operário, e trabalha com movimentos mecânicos. A

repetição é a alma do serviço das fábricas, e o tempo é o inimigo íntimo dos

operários.

A evolução da arte de Chaplin parece, portanto corresponder a uma mais completa expressão de si mesmo. É significativo que o autor de O Circo tenha retomado em algumas das suas grandes obras – especialmente em Tempos Modernos, alguns, gags dos seus primeiros filmes. A sua evolução progrediu em todos os sentidos. (SENNETT, et al, 1969, p. 51).

Chaplin revive algumas ideias utilizadas em seus filmes primitivos. A parceria

com Paulette Goddard em uma casa de madeira é a evolução do tema central de O

Vagabundo (The Vagabond). Assim como as cenas em que Carlitos patina de olhos

vendados são uma referência aprimorada de Carlitos Patinador (The Rink).

“A sua arte vai até além do tipo que criou, apesar de ter posto nele tudo o que

podia e queria exprimir” (SENNETT, et al, 1969, p. 52), e mesmo sendo acusado de

comunista, Chaplin não se intimidou em lançar seu olhar social pelo mundo. Carlitos

exprime a voz do povo, e agora trava uma luta contra tudo aquilo que vai contra o

homem, seja ele de qualquer raça, etnia ou classe social.

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De Pastor de Almas, e mesmo de Ombro, Armas! (1918) – que, ainda assim, não trata a guerra com suficiente seriedade, em Tempos Modernos, a evolução do estilo é evidente: como da pantomima ao balé. É estarrecedor que alguém tenha sido capaz de criticar a direção de Tempos Modernos, de ver nela inabilidade e acanhamento quando o que choca hoje é, ao contrário, o despojamento, o rigor e a naturalidade. (BAZIN, 2006, p. 26).

Chaplin pensa grande, como muitos de seus amigos da época. Sob influencia

de Einstein e Gandhi, teve experiências culturais e sociais antes não alcançadas.

Com essas novas acepções, criou teorias sociais e escreveu artigos com ideias de

auxílios sociais. “E que a fábula de Tempos Modernos, divertindo embora como

todas as fábulas, como estas trouxe a sua moral. A de que acima do valor do

progresso se coloca o valor do homem. Contra a engrenagem, seja de que ordem

for, o humanismo” (SILVEIRA, 1970, p. 44). Suas ideias foram criticadas, e com as

acusações de comunismo, os Estados Unidos começa sua guerra contra Chaplin.

Com a visão profética de que algo terrível estava por acontecer, Chaplin

lançou O Grande Ditador (The Great Dictator). Esta obra representa mais um

documento social deixado por Chaplin para a eternidade. Pode-se falar da história

do barbeiro e do ditador (já citado neste trabalho), mas acima de tudo este filme

coloca o público do mundo inteiro de frente com Carlitos. Na cena final, no discurso

do barbeiro (que ainda é Carlitos, e o vagabundo, porém em sua evolução) Carlitos

é Chaplin. Chaplin invade sua criação, para dar um recado ao mundo e para fazer

um confronto com ninguém menos que Hitler. A metáfora de Hynkel ser trocado por

Carlitos é a mesma quando Chaplin invade a sua criação. “Porém, o caráter mais

pessoal das confidências de Chaplin constitui um progresso, uma prova de

maturidade de sua arte.” (BAZIN, 2006, p. 82).

Nesta obra está presente a cena da dança com o globo. Esta dança está

registrada em filmes caseiros de Chaplin, de maneira primitiva, mas com a ideia

básica do que viria a ser esta incrível coreografia.

Continuando sua missão política e social, e sem o menor constrangimento

pelas críticas e pressões sofridas nos Estados Unidos, Carlitos lança Monsieur

Verdoux, em 1947. Nesta obra, Chaplin faz uma crítica àqueles que glorificam os

fins, mesmo que os meios sejam destrutíveis.

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Por isso, se Verdoux mata algumas mulheres, ricas e inúteis, portanto se manifesta um criminoso, e então pratica um mal, não lhe perturba os sentimentos o assassínio, porque deste ato decorre um bem, o tratamento de sua mulher presa a uma cadeira de rodas. O sacrifício de ser um delinquente em Verdoux, a fim de curar Mona, corresponde ao de Carlitos em ser um Boxeador, por exemplo, a fim de curar a florista cega de Luzes da Cidade. (SILVEIRA, 1970, p. 57).

Esta obra traz à tona o assunto de guerra, como a bomba atômica. Verdoux é

a antítese de Carlitos, e por isso representa os males de uma sociedade sem

escrúpulos para alcançar os objetivos. Desta forma, Verdoux mata as mulheres que

se relaciona, para lhes roubar e pagar o tratamento da esposa verdadeira, que é

enferma. Ao fim, Verdoux é condenado à morte, e faz uma alusão dos seus

assassinatos com as mortes em massa causadas pelas guerras.

Verdoux usa calças justas, gravata larga, bigode fino e chapéu branco.

Verdoux é adorado pelas mulheres, é conquistador, é frio e cruel. As características

demonstram a diferença entre Verdoux e Carlitos, e a clara intenção de Chaplin em

diferenciá-los.

Com sessenta e três anos, Chaplin lança Luzes da Ribalta (Limelight); um

testamento registrado de suas eternas vivências como vagabundo e de suas

desilusões. Carlitos está velho, agora se chama Calvero, e com este pseudônimo

Chaplin aviva a angústia de um velho comediante que não consegue mais fazer rir.

Este filme é carregado de semelhanças com a vida pessoal de Chaplin. A bailarina

que Calvero ajuda a se recuperar, e que acaba se apaixonando pelo seu benfeitor,

representa os amores da vida de Chaplin; as moças com idades inferiores, que

muitas vezes confundiam a admiração com o amor.

Antes de ensaiar uma cena, Chaplin mandava tocar a partitura, de forma a se impregnar de seu conteúdo musical. Assim, o tempo de Luzes da Ribalta não seria essencialmente o do drama, mas a duração mais imaginária da música; um tempo que, por outro lado, exige mais estritamente do espírito, e, por outro, deixa-o mais livre das imagens que o alimentam; um tempo sobre o qual ele pode divagar. (BAZIN, 2006, p. 78).

Calvero consegue voltar à ativa, para mais uma apresentação: a última. As

cenas finais são lindas, e dotadas de uma simplicidade artística e técnica gritantes.

No palco de um teatro, Buster Keaton e Calvero (Carlitos) dividem as atenções do

público. É a referência do passado, a comédia que envelhece e que deixa suas

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Page 68: O estudo da evolução técnica e cultural do cinema de Chaplin a partir de suas obras na Essanay

marcas eternas. Após a apresentação, Calvero morre ao lado do palco. Mas a

bailarina segue dançando a música que não para. E desta forma, a bailarina é o

legado de Carlitos, representa suas obras e seu passado, que continuam joviais e

eternos a dançar no mundo da arte e do cinema. Para esta obra, Chaplin contrata

Karl Struss para auxiliar na fotografia. Por isso a diferença em planos sequenciados

e arrojados.

Um Rei em Nova York (A King In New York), lançado em 1957, é uma

comédia peculiar de Chaplin. Chaplin agora mora na Europa e guarda grandes

ressentimentos da perseguição sofrida nos Estados Unidos por suas ideias

políticas. A história do filme demonstra claramente isso; o rei da Estróvia é deposto

e afastado de seu país, indo morar nos Estados Unidos. Com isso, acaba

trabalhando de garoto propaganda em comerciais americanos. Conhece um menino

com ideais socialistas, e este o conquista. O menino vai morar juntamente com o rei

em seu país.

A ideia principal desta história está na sátira realizada por Chaplin aos

costumes americanos:

Chaplin denuncia-os, um a um, valendo-se dos constrangimentos de Shadhow. O ruído que está em toda a parte, como no cinema o violento espocar dos revólveres. A publicidade, que, para vender um desodorante, utiliza versos shakespearianos. O pragmatismo pedagógico que, para progredir a mentalidade infantil, automatiza a memória e o raciocínio. A massificação que tem na TV o gigantismo da tolice sob formas sedutoras. E as perseguições políticas, que se organizam em comissões de antiatividades, condenando secretamente os suspeitos. (SILVEIRA, 1970, p. 80).

As aspirações de Chaplin, e consequentemente do seu personagem Carlitos,

são visivelmente evolutivas. É notável que as obras com maior conteúdo político e

social, como Tempos Modernos e O Grande Ditador, sejam as mais lembradas por

todos, mas com uma análise pode-se concluir que nestas obras estão a síntese do

passado de Carlitos e da obra e vida de Chaplin. A estrada ao final das obras de

Chaplin retrata o infinito de sua linguagem, suas obras caminham como Carlitos:

rumo à eternidade.

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Page 69: O estudo da evolução técnica e cultural do cinema de Chaplin a partir de suas obras na Essanay

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A obra de Charles Spencer Chaplin é eterna, dotada de tal riqueza em sua

composição que ninguém até hoje se atreveu a fazer uma releitura (refilmagem).

Chaplin criou uma linguagem própria e inédita, e neste trabalho científico estes

aspectos se tornaram notórios. A vida pessoal de Chaplin foi uma sucessão de altos

e baixos, derrotas e êxitos, que influenciaram diretamente em sua obra e em seus

pensamentos. O perfeccionismo e a exigência pessoal de Chaplin fizeram com que

suas obras se tornassem cada vez mais complexas, e esta complexidade se torna

evidente nos aspectos analisados: sociais, políticos e técnicos.

Este trabalho encontrou as devidas respostas para as perguntas prévias, e

com isso confirmou-se a evolução de seus filmes. Os temas principais, os

componentes que formam o caráter do seu personagem (Vagabundo), as tramas,

tudo evoluiu conforme Chaplin foi adquirindo experiência e conhecimento. Para que

isso se confirmasse, o autor deste trabalho utilizou concomitantemente a obra

fílmica de Chaplin e os períodos analisados de sua vida pessoal e profissional.

Mostrou-se eficiente esta analogia, uma vez que se tornam claros os motivos que

levaram Chaplin a adicionar os determinados temas em suas obras. Chaplin, que

por muitas vezes carregou a fama de individualista, com a evolução de suas obras

levantou a bandeira dos problemas sociais e da coletividade intelectual.

Com a precariedade da infância, Chaplin aprendeu verdadeiramente como

era a miséria que representa Carlitos. Com a intenção de explorar a carreira de ator,

Chaplin viajou para os Estados Unidos, assim como na cena final de Pastor de

Almas, Chaplin fica com um pé em cada país, sem desmerecer sua nova pátria e

sem esquecer a Inglaterra.

Assim como a comédia, base de seu trabalho, o drama se torna alicerce de

uma vida de perseguições políticas. Chaplin não aceitou os pedidos de

personalidades políticas e públicas para que não realizasse Tempos Modernos e O

Grande Ditador. Com isso, travou a maior batalha de sua vida; a batalha de suas

obras contra uma ideologia política americana. Mesmo assim Chaplin achou

Page 70: O estudo da evolução técnica e cultural do cinema de Chaplin a partir de suas obras na Essanay

necessário que sua obra tivesse continuidade, e realmente teve. Os filmes lançados

em sequência Monsieur Verdoux, Luzes da Ribalta e Um Rei em Nova York,

retratam não só a passagem do clown clássico a outras facetas do personagem,

mas também a realidade de um homem que fez o mundo rir, e que agora estava

impedido de realizar seu trabalho com liberdade.

Todos os documentos raros utilizados pelo autor, as imagens de arquivo

pessoal, os documentários, os testes, os ensaios, tudo serviu para que o tema fosse

esclarecido e aprofundado ainda mais. Tendo em vista a dificuldade que é trabalhar

um nome tão conhecido de maneira inédita, o autor atesta a maneira encontrada

para uma análise do conteúdo fílmico. As obras foram vistas e revistas diversas

vezes, e desta maneira o autor encontrou as ligações entre as diferentes épocas.

Em uma época em que o cinema engatinhava, Charles Chaplin obteve a

independência na produção de suas películas. Diferentemente de companheiros de

cinema mudo como Buster Keaton, Chaplin resistiu às mudanças da mesma forma

que explorava novas concepções culturais em suas películas. Dos curtas aos

longas metragens, Chaplin dirigiu, atuou, escreveu, criou as trilhas e divulgou suas

obras. Foi um dos primeiros artistas a investir pesadamente em Hollywood,

montando um estúdio com grandes recursos técnicos quando esta estava

engatinhando no cenário cinematográfico mundial.

Chaplin soa como exemplo de determinação e de criatividade, em tempos

onde a comédia era um produto com a simples intenção de entreter o público por

alguns minutos. Com uma análise minuciosa, pode-se comprovar que muitos

problemas sociais do século XX estão retratados em suas obras como parte do

cotidiano de um Vagabundo que vive na miséria, mas com a singela esperança de

condições melhores no fim da estrada.

Alguns problemas encontrados nesta pesquisa foram contornados. Um deles

foi a nomenclatura dos filmes antigos: os curtas. A grande maioria dos curtas possui

mais de um nome no Brasil, por causa da distribuição desorganizada dos filmes no

início do século XX. Os nomes escolhidos para representação neste documento

foram os mais utilizados pela indústria cinematográfica brasileira.

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Page 71: O estudo da evolução técnica e cultural do cinema de Chaplin a partir de suas obras na Essanay

Outro grande problema é a falta de livros recentes sobre Chaplin. A maioria

dos documentos com conteúdos importantes são da metade do século XX, mas

mesmo assim a pesquisa se deu de maneira intensa e enriquecedora. Alguns

documentários e imagens inéditas foram adquiridos diretamente da Itália, além de

outros países, o Brasil ainda carece de material mais aprofundado em conteúdo

chapliniano.

A importância histórica de Chaplin propicia diversos seguimentos e diversas

extensões para outros trabalhos. Uma vertente importante a ser abordada é a

influência de Chaplin no cinema americano, uma vez que seus filmes abriram

caminho para outros grandes comediantes e atores do século XX. Também se pode

abordar, em um trabalho futuro, a construção do mito Carlitos em proporções

mundiais. O que foi preponderante para que um comediante instaurasse no mundo

uma imagem caricata de um homem com um chapéu coco, uma bengala e o bigode

em formato trapézio. E quais conseqüências positivas e negativas sua imagem

resplandece ao público (consciente e inconscientemente).

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Page 72: O estudo da evolução técnica e cultural do cinema de Chaplin a partir de suas obras na Essanay

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ANEXO A - FILMOGRAFIA UTILIZADA

SEU novo emprego (His new job). Direção: Charles Chaplin. Produção: Charles Chaplin. Roteiro: Charles Chaplin. Fotografia: Rollie Totheroh. Intérpretes: Charles Chaplin, Bem Turpin, Charlotte Mineau, Leo White, Charles Insley. Estados Unidos. Essanay, 1915. UMA noite fora (A night out). Direção: Charles Chaplin. Produção: Charles Chaplin. Roteiro: Charles Chaplin. Fotografia: Rollie Totheroh. Intérpretes: Charles Chaplin, Bem Turpin, Edna Purviance, Leo White, Bud Jamison. Estados Unidos. Essanay, 1915. CAMPEÃO de boxe (The Champion). Direção: Charles Chaplin. Produção: Charles Chaplin. Roteiro: Charles Chaplin. Fotografia: Rollie Totheroh. Intérpretes: Charles Chaplin, Bem Turpin, Edna Purviance, Lloyd Bacon, Broncho Billy. Estados Unidos. Essanay, 1915. CARLITOS no parque (In the park). Direção: Charles Chaplin. Produção: Charles Chaplin. Roteiro: Charles Chaplin. Fotografia: Rollie Totheroh. Intérpretes: Charles Chaplin, Edna Purviance, Lloyd Bacon, Leo White, Bud Jamison. Estados Unidos. Essanay, 1915. CARLITOS quer casar (The jitney elopement). Direção: Charles Chaplin. Produção: Charles Chaplin. Roteiro: Charles Chaplin. Fotografia: Rollie Totheroh. Intérpretes: Charles Chaplin, Bud Jamison, Paddy McGuire, Fred Goodwins, Edna Purviance, Lloyd Bacon, Leo White. Estados Unidos. Essanay, 1915. O vagabundo (The tramp). Direção: Charles Chaplin. Produção: Charles Chaplin. Roteiro: Charles Chaplin. Fotografia: Rollie Totheroh. Intérpretes: Charles Chaplin, Edna Purviance, Bud Jamison, Lloyd Bacon, Paddy McGuire, Billy Armstrong, Leo White, Fred Goodwins. Estados Unidos. Essanay, 1915. CARLITOS à beira-mar (By the sea). Direção: Charles Chaplin. Produção: Charles Chaplin. Roteiro: Charles Chaplin. Fotografia: Rollie Totheroh. Intérpretes: Charles Chaplin, Edna Purviance, Billy Armstrong, Bud Jamison, Bem Turpin, Margie Reiger, Charles Insley, Leo White e Paddy McGuire. Estados Unidos. Essanay, 1915. CARLITOS na atividade (Work). Direção: Charles Chaplin. Produção: Charles Chaplin. Roteiro: Charles Chaplin. Fotografia: Rollie Totheroh. Intérpretes: Charles Chaplin, Edna Purviance, Charles Insley, Billy Armstrong, Marta Golden, Leo White, Paddy McGuire. Estados Unidos. Essanay, 1915.

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A senhora carlitos (A woman). Direção: Charles Chaplin. Produção: Charles Chaplin. Roteiro: Charles Chaplin. Fotografia: Rollie Totheroh. Intérpretes: Charles Chaplin, Edna Purviance, Charles Insley, Marta Golden, Margie Reiger, Billy Armstrong, Leo White. Estados Unidos. Essanay, 1915. O banco (The bank). Direção: Charles Chaplin. Produção: Charles Chaplin. Roteiro: Charles Chaplin. Fotografia: Rollie Totheroh. Intérpretes: Charles Chaplin, Edna Purviance, Carl Stockdale, Billy Armstrong, Charles Insley, Leo White, John Rand, Fred Goodwins. Estados Unidos. Essanay, 1915. CARLITOS marinheiro (Shanghaied). Direção: Charles Chaplin. Produção: Charles Chaplin. Roteiro: Charles Chaplin. Fotografia: Rollie Totheroh. Intérpretes: Charles Chaplin, Edna Purviance, Wesley Ruggles, John Rand, Billy Armstrong, Paddy McGuire, Leo White, Fred Goodwins, Phyllis Allen. Estados Unidos. Essanay, 1915. CARLITOS no teatro (A night in the show). Direção: Charles Chaplin. Produção: Charles Chaplin. Roteiro: Charles Chaplin. Fotografia: Rollie Totheroh. Intérpretes: Charles Chaplin, Edna Purviance, Bem Turpin, Dee Lampton, Leo White, May White, Bud Jamison, James T. Kelly, John Rand, Paddy McGuire, Fred Goodwins. Estados Unidos. Essanay, 1915. CARMEN (Carmen). Direção: Charles Chaplin. Produção: Charles Chaplin. Roteiro: Charles Chaplin. Fotografia: Rollie Totheroh. Intérpretes: Charles Chaplin, Edna Purviance, Bem Turpin, Leo White, Jack Henderson, John Rand, May White, Bud Jamison, Wesley Ruggles. Estados Unidos. Essanay, 1916. ROUBO frustrado (Police). Direção: Charles Chaplin. Produção: Charles Chaplin. Roteiro: Charles Chaplin. Fotografia: Rollie Totheroh. Intérpretes: Charles Chaplin, Edna Purviance, Wesley Ruggles, James T. Kelly, Leo White, John Rand, Billy Armstrong, Bud Jamison, Fred Goodwins. Estados Unidos. Essanay, 1916. CARLITOS no armazém (The floorwalker). Direção: Charles Chaplin. Produção: Charles Chaplin. Roteiro: Charles Chaplin. Fotografia: Rollie Totheroh e William C. Foster. Intérpretes: Charles Chaplin, Edna Purviance, Eric Campbell, Albert Austin, Lloyd Bacon, Charlotte Mineau, Leo White, Henry Bergman, James T. Kelly. Estados Unidos. Mutual, 1916. CARLITOS bombeiro (The fireman). Direção: Charles Chaplin. Produção: Charles Chaplin. Roteiro: Charles Chaplin. Fotografia: Rollie Totheroh e William C. Foster. Intérpretes: Charles Chaplin, Edna Purviance, Eric Campbell, Albert Austin, Lloyd Bacon, John Rand, Frank Rand, Frank Coleman, James T. Kelly. Estados Unidos. Mutual, 1916.

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O vagabundo (The vagabond). Direção: Charles Chaplin. Produção: Charles Chaplin. Roteiro: Charles Chaplin. Fotografia: Rollie Totheroh e William C. Foster. Intérpretes: Charles Chaplin, Edna Purviance, Eric Campbell, Albert Austin, Lloyd Bacon, Charlotte Mineau, John Rand, Frank Coleman, Leo White, Henry Bergman, James T. Kelly. Estados Unidos. Mutual, 1916. À uma da madrugada (One A.M). Direção: Charles Chaplin. Produção: Charles Chaplin. Roteiro: Charles Chaplin. Fotografia: Rollie Totheroh e William C. Foster. Intérpretes: Charles Chaplin. Estados Unidos. Mutual, 1916. O conde (The count). Direção: Charles Chaplin. Produção: Charles Chaplin. Roteiro: Charles Chaplin. Fotografia: Rollie Totheroh. Intérpretes: Charles Chaplin, Edna Purviance, Eric Campbell, Albert Austin, Charlotte Mineau, Frank Coleman, Leo White, Henry Bergman, May White. Estados Unidos. Mutual, 1916. A casa de penhores (The pawnshop). Direção: Charles Chaplin. Produção: Charles Chaplin. Roteiro: Charles Chaplin. Fotografia: Rollie Totheroh. Intérpretes: Charles Chaplin, Edna Purviance, Eric Campbell, Albert Austin, John Rand, Frank Coleman, Henry Bergman, James T. Kelly. Estados Unidos. Mutual, 1916. CARLITOS no estúdio (Behind the screen). Direção: Charles Chaplin. Produção: Charles Chaplin. Roteiro: Charles Chaplin. Fotografia: Rollie Totheroh. Intérpretes: Charles Chaplin, Edna Purviance, Eric Campbell, Albert Austin, John Rand, Frank Coleman, Henry Bergman, James T. Kelly, Leo White, Lloyd Bacon, Charlotte Mineau, Wesley Ruggles. Estados Unidos. Mutual, 1916. CARLITOS patinador (The rink). Direção: Charles Chaplin. Produção: Charles Chaplin. Roteiro: Charles Chaplin. Fotografia: Rollie Totheroh. Intérpretes: Charles Chaplin, Edna Purviance, Eric Campbell, Albert Austin, John Rand, Charlotte Mineau, Lloyd Bacon, James T. Kelly. Estados Unidos. Mutual, 1916. RUA da paz (Easy Street). Direção: Charles Chaplin. Produção: Charles Chaplin. Roteiro: Charles Chaplin. Fotografia: Rollie Totheroh. Intérpretes: Charles Chaplin, Edna Purviance, Eric Campbell, Albert Austin, Charlotte Mineau, Henry Bergman, James T. Kelly. Estados Unidos. Mutual, 1917. O balneário (The cure). Direção: Charles Chaplin. Produção: Charles Chaplin. Roteiro: Charles Chaplin. Fotografia: Rollie Totheroh. Intérpretes: Charles Chaplin, Edna Purviance, Eric Campbell, Albert Austin, John Rand, Frank Coleman, Henry Bergman, James T. Kelly, Leota Bryan. Estados Unidos. Mutual, 1917. O imigrante (The immigrant). Direção: Charles Chaplin. Produção: Charles Chaplin. Roteiro: Charles Chaplin. Fotografia: Rollie Totheroh. Intérpretes: Charles Chaplin,

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Edna Purviance, Eric Campbell, Albert Austin, Stanley Sanford, John Rand, Frank Coleman, Henry Bergman, James T. Kelly, Leota Bryan. Estados Unidos. Mutual, 1917. O aventureiro (The adventurer). Direção: Charles Chaplin. Produção: Charles Chaplin. Roteiro: Charles Chaplin. Fotografia: Rollie Totheroh. Intérpretes: Charles Chaplin, Edna Purviance, Eric Campbell, Albert Austin, John Rand, Frank Coleman, Henry Bergman, James T. Kelly, May White. Estados Unidos. Mutual, 1917. VIDA de cachorro (A dog’s life). Direção: Charles Chaplin. Produção: Charles Chaplin. Roteiro: Charles Chaplin. Fotografia: Rollie Totheroh. Intérpretes: Charles Chaplin, Edna Purviance, Tom Wilson, Sydney Chaplin, Albert Austin, Henry Bergman, Charles Riesner, Billy White, James T. Kelly. Estados Unidos. First National, 1918. OMBROS, armas! (Shoulder arms). Direção: Charles Chaplin. Produção: Charles Chaplin. Roteiro: Charles Chaplin. Fotografia: Rollie Totheroh. Intérpretes: Charles Chaplin, Edna Purviance, Sydney Chaplin, Henry Bergman, Albert Austin. Estados Unidos. First National, 1918. IDÍLIO campestre (Sunnyside). Direção: Charles Chaplin. Produção: Charles Chaplin. Roteiro: Charles Chaplin. Fotografia: Rollie Totheroh. Intérpretes: Charles Chaplin, Edna Purviance, Tom Wilson, Albert Austin, Henry Bergman, Tom Terris, Tom Wood. Estados Unidos. First National, 1919. UM dia de prazer (A day’s pleasure). Direção: Charles Chaplin. Produção: Charles Chaplin. Roteiro: Charles Chaplin. Fotografia: Rollie Totheroh. Intérpretes: Charles Chaplin, Edna Purviance, Babe London, Jackie Coogan, Henry Bergman, Mack Swain, Sydney Chaplin, Tom Wilson, Albert Austin. Estados Unidos. First National, 1919. O garoto (The kid). Direção: Charles Chaplin. Produção: Charles Chaplin. Roteiro: Charles Chaplin. Fotografia: Rollie Totheroh. Intérpretes: Charles Chaplin, Edna Purviance, Tom Wilson, Albert Austin, Charles Riesner, Henry Bergman, Lita Grey, Nelly Bly Baker, Phyllis Allen, Sydney Chaplin. Estados Unidos. First National, 1921. CLÁSSICOS vadios (The idle class). Direção: Charles Chaplin. Produção: Charles Chaplin. Roteiro: Charles Chaplin. Fotografia: Rollie Totheroh. Intérpretes: Charles Chaplin, Edna Purviance, Tom Wilson, Mack Swain, Allan Garcia, Loyal Underwood, Henry Bergman, Rex Story, John Rand, Lita Grey. Estados Unidos. First National, 1921.

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DIA de pagamento (Pay day). Direção: Charles Chaplin. Produção: Charles Chaplin. Roteiro: Charles Chaplin. Fotografia: Rollie Totheroh. Intérpretes: Charles Chaplin, Edna Purviance, Phyllis Allen, Mack Swain, Sydney Chaplin, Allan Garcia, Henry Bergman, Albert Austin, John Rand, Loyal Underwood. Estados Unidos. First National, 1922. PASTOR de almas (The pilgrim). Direção: Charles Chaplin. Produção: Charles Chaplin. Roteiro: Charles Chaplin. Fotografia: Rollie Totheroh. Intérpretes: Charles Chaplin, Edna Purviance, Kitty Bradbury, Mack Swain, Tom Murray, Charles Rieser, Loyal Underwood, Dinky Dean, May Wells, Sydney Chaplin, Monta Bell, Henry Bergman, Raymond Lee, Edith Bostwick, Florence Latimer, Phyllis Allen. Estados Unidos. First National, 1923. EM busca do ouro (The gold rush). Direção: Charles Chaplin. Produção: Charles Chaplin. Roteiro: Charles Chaplin. Fotografia: Rollie Totheroh e Jack Wilson. Intérpretes: Charles Chaplin, Mack Swain, Henry Bergman, Tom Murray, Georgia Hale, Betty Morrissey, Malcolm Waite. Estados Unidos. United Artists, 1925. O circo (THE circus). Direção: Charles Chaplin. Produção: Charles Chaplin. Roteiro: Charles Chaplin. Fotografia: Rollie Totheroh, Jack Wilson e Mark Marklatt. Intérpretes: Charles Chaplin, Allan Garcia, Merna Kennedy, Betty Morrissey, Harry Crocker, Stanley Sanford, John Randy, George Davis, Henry Bergman, Steve Murphy, Doc Stone. Estados Unidos. United Artists, 1928. LUZES da cidade (City lights). Direção: Charles Chaplin. Produção: Charles Chaplin. Roteiro: Charles Chaplin. Fotografia: Rollie Totheroh, Gordon Pollock e Mark Marklatt. Música: Charles Chaplin. Intérpretes: Charles Chaplin, Virginia Cherril, Harry Myers, Florence Lee, Allan Garcia, Hank Mann, Henry Bergman, Albert Austin, Stanhope Wheatcroft, John Rand, James Donnelly, Eddie Baker e Robert Parrish. Estados Unidos. United Artists, 1931. TEMPOS modernos (Modern times). Direção: Charles Chaplin. Produção: Charles Chaplin. Roteiro: Charles Chaplin. Fotografia: Rollie Totheroh e Ira Morgan. Música: Charles Chaplin. Intérpretes: Charles Chaplin, Paulette Goddard, Henry Bergman, Chester Conklin, Allan Garcia, Stanley Sanford, Hank Mann, Louis Natheaux, Lloyd Ingraham, Wilfred Lucas, Heinie Conklin, Edward Kimball, John Rand, Murdock McQuarie. Estados Unidos. United Artists, 1936. O grande ditador (The great dictator). Direção: Charles Chaplin. Produção: Charles Chaplin. Roteiro: Charles Chaplin. Fotografia: Rollie Totheroh e Karl Struss. Música: Charles Chaplin. Intérpretes: Charles Chaplin, Jack Oakie, Henry Daniell, Billy Gilbert, Grace Hayle, Carter de Haven, Reginald Gardiner, Paulette Goddard, Maurice Moscovitch, Bernard Gorcey, Paul Weigel, Chester Coklin, Eddie Gribbon, Hank Mann, Leo White, Lucien Privel, Esther Michelson, Florence Wright, Robert O. Davis, Eddie Dunn, Peter Lynn, Nita Pike. Estados Unidos. United Artists, 1940.

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MONSIEUR verdoux (Mounsieur Verdoux). Direção: Charles Chaplin. Produção: Charles Chaplin. Roteiro: Charles Chaplin. Fotografia: Curt Courant, Rollie Totheroh e Wallace Chewing. Intérpretes: Charles Chaplin,Mady Correl, Allison Rodan, Robert Lewis, Audrey Betz, Martha Raye, Ada-May, Hellen Heigh, Isobel Elsom, Marjorie Bennett, Margaret Hoffman, Marilyn Nash, Irving Bacon, Edwin Mills, Virgínia Brissac, Almira Sessions, Eula Morgan, Bernard J. Nedell, Charles Evans, William Frowley, Fritz Leiber, Barbara Slater, Wheeler Dryden, Arthur Hohl, John Harmon, Vera Marshe, Christine Ell, Pierre Watkin, Lois Conklin, Barry Norton, Tom Wilson.. Estados Unidos. United Artists, 1947. LUZES da ribalta (Limelight). Direção: Charles Chaplin. Produção: Charles Chaplin. Roteiro: Charles Chaplin. Fotografia: Rollie Totheroh e Karl Struss. Música: Charles Chaplin. Intérpretes: Charles Chaplin, Claire Bloom, Sydney Chaplin, Nigel Bruce, Norman Lloyd, Buster Keaton, Marjorie Bennett, Snub Pollard, Geraldine Chaplin, Michael Chaplin, Josephine Chaplin. Estados Unidos. United Artists, 1952. UM rei em Nova York (A king in New York). Direção: Charles Chaplin. Produção: Charles Chaplin. Roteiro: Charles Chaplin. Fotografia: Georges Périnal. Música: Charles Chaplin. Intérpretes: Charles Chaplin, Dawn Addams, Michael Chaplin, Oliver Johnston, Jerry Desmonde, Maxine Audley, Joan Ingram, Harry Green, John McLaren, Allan Gifford, Sidney James, Robert Arden, Lauri Lupino Lane, Shani Wallis, Joy Nichols, Phil Brown, Hugh McDermott, Eddie Constantine. Reino Unido. United Artists, 1957. UNKNOWN, Chaplin. Roteiro: Kevin Brownlow e David Gill. Estados Unidos. A&E. 1986. THE tramp and the dictator. Roteiro: Kevin Brownlow e Christopher Bird. Estados Unidos. MK2. 2002. CHARLIE: a vida e a arte de Charles Chaplin (Charlie: The life and art of Charles Chaplin). Roteiro: Richard Schickel. Estados Unidos. MK2. 2003.

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ANEXO B – DVD COM CENAS DE CHAPLIN

Este anexo traz algumas cenas citadas neste trabalho, e serve como apoio para

o estudo da evolução das obras chaplinianas.