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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E TECNOLOGIAS CAMPUS XIX – CAMAÇARI CURSO DE DIREITO PAULO ROBERTO BRASIL DE MELLO FILHO O EXERCÍCIO DE BOA-FÉ DO DIREITO DE ARREPENDIMENTO NAS RELAÇÕES DE CONSUMO: LEGISLAÇÃO E ABRANGÊNCIA CAMAÇARI 2012

O exercício de boa-fé do direito de arrependimento nas relações de consumo - legislação e abrangência

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E TECNOLOGIAS CAMPUS XIX – CAMAÇARI CURSO DE DIREITOPAULO ROBERTO BRASIL DE MELLO FILHOO EXERCÍCIO DE BOA-FÉ DO DIREITO DE ARREPENDIMENTO NAS RELAÇÕES DE CONSUMO: LEGISLAÇÃO E ABRANGÊNCIACAMAÇARI 2012PAULO ROBERTO BRASIL DE MELLO FILHOO EXERCÍCIO DE BOA-FÉ DO DIREITO DE ARREPENDIMENTO NAS RELAÇÕES DE CONSUMO: LEGISLAÇÃO E ABRANGÊNCIAMonografia apresentada ao Curso de Direito na Universidade do Estado da Bahia, c

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E TECNOLOGIAS

CAMPUS XIX – CAMAÇARI

CURSO DE DIREITO

PAULO ROBERTO BRASIL DE MELLO FILHO

O EXERCÍCIO DE BOA-FÉ DO DIREITO DE ARREPENDIMENTO NAS RELAÇÕES DE CONSUMO:

LEGISLAÇÃO E ABRANGÊNCIA

CAMAÇARI 2012

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PAULO ROBERTO BRASIL DE MELLO FILHO

O EXERCÍCIO DE BOA-FÉ DO DIREITO DE ARREPENDIMENTO NAS RELAÇÕES DE CONSUMO: LEGISLAÇÃO E ABRANGÊNCIA

Monografia apresentada ao Curso de Direito na Universidade do Estado da Bahia, campus XIX, como pré-requisito para a obtenção do título de bacharel em Direito, feita sob orientação do Prof. Alexandre Ramos de Almeida.

UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB

CAMAÇARI - 2012

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Catalogação na Fonte Bibliotecária: Gicélia Bárbara Ribeiro Santos – CRB-5/820

M527e Mello Filho, Paulo Roberto Brasil de. O exercício de boa-fé do direito de arrependimento: legislação e

abrangência./ Paulo Roberto Brasil de Mello Filho. – Camaçari, 2012. 70 págs. Orientador: Prof. Alexandre Ramos de Almeida.

Trabalho de conclusão de curso (Graduação). Universidade do Estado da Bahia. Departamento de Ciências Humanas e Tecnologias – Campus XIX. Graduação em Direito, 2012.

1. Direito de arrependimento 2. Boa-fé 3. Contratos 4. Código de defesa

do consumidor 5. Compra por impulso I. Universidade do Estado da Bahia II. Almeida, Alexandre Ramos de III. Título

CDD 343.81071

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PAULO ROBERTO BRASIL DE MELLO FILHO

O EXERCÍCIO DE BOA-FÉ DO DIREITO DE ARREPENDIMENTO NAS RELAÇÕES DE CONSUMO: LEGISLAÇÃO E ABRANGÊNCIA

Monografia apresentada ao Curso de Direito na Universidade do Estado da Bahia, campus XIX, como pré-requisito para a obtenção do título de bacharel em Direito, feita sob orientação do Prof. Alexandre Ramos de Almeida.

BANCA EXAMINADORA

________________________________ Prof. Alexandre Ramos de Almeida (UNEB)

________________________________

Prof.ª Kadja Maria Ribeiro Parente (UNEB)

________________________________ Prof.ª Márcia Santos Cerqueira (UNEB)

Examinada a monografia.

Aprovação em: 27/07/2012.

UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB

CAMAÇARI - 2012

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DEDICATÓRIA

Dedico à minha mãe, por sempre me apoiar

nos momentos em que mais precisei, incentivando-me a prosseguir.

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AGRADECIMENTO

Agradeço, primeiramente, a Deus, por todo o seu amor por mim e por fazer meus sonhos tornarem-se realidade. À minha família, em especial à meu pai, minha irmã e minha avó, e amigos, que me apoiaram e foram compreensíveis comigo, durante a elaboração deste trabalho. Ao meu orientador, Professor Alexandre Ramos de Almeida, sem o qual esta monografia não seria possível. Devo agradecê-lo por ter aceitado me orientar e ter sido paciente e atencioso, no decorrer da feitura desta. Aos demais professores, que, ao longo deste período de aprendizado, puderam compartilhar comigo o seu conhecimento. Aos meus colegas, os quais sempre estiveram dispostos a esclarecer minhas dúvidas e por termos, juntos, partilhados tantos momentos e situações que nos fizeram crescer. À Universidade do Estado da Bahia.

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RESUMO

No presente trabalho, o autor trata sobre a aplicação e abrangência do direito de arrependimento, previsto no Código de Defesa do Consumidor. São apresentados os requisitos para que o consumidor faça uso desse direito, conforme a legislação brasileira prevê, sendo eles a aquisição de produto ou serviço fora de estabelecimento comercial, e o prazo de sete dias para que ele possa refletir e, se assim decidir, mesmo que de maneira injustificada, desistir da compra, desfazendo o contrato perfeitamente acabado. Haja vista às inúmeras práticas abusivas, realizadas pelos fornecedores, para vender, como também a possibilidade de o consumidor não ter sua satisfação garantida, é apresentada a proposta de ampliação da abrangência da referida norma, expressa no artigo 49, da lei consumerista, levando em consideração os princípios aplicados à tal lei, que devem servir de base de interpretação à todas as normas previstas no sistema consumerista, que protegem o consumidor, por ser este considerado vulnerável. Para que o objetivo do trabalho seja cumprido, é feita uma análise histórica-evolutiva do direito consumerista ao longo da história mundial e brasileira, até se chegar às medidas que o legislador brasileiro adotou para garantir a proteção ao consumidor. O trabalho perpassa pelo estudo do contrato, apresentando seu conceito e as mudanças referentes à matéria contratual, e, por fim, aos avanços já conquistados em relação à abrangência aqui proposta. A pesquisa se baseia na leitura analítica de obras doutrinárias, principalmente, e entendimentos jurisprudenciais, sobre a matéria, e se vale do método dedutivo. Chegou-se à conclusão que é possível a ampliação da abrangência da aplicação do direito de arrependimento, sem que isso fira aos preceitos legais existentes, valendo-se do entendimento de que a norma do artigo 49 deve ser aplicada à luz dos princípios expressos no sistema consumerista brasileiro, os quais garantem a proteção ao consumidor, pela sua notável vulnerabilidade e hipossuficiência, a exemplo do princípio da função social do contrato e, primordialmente, do princípio da boa-fé. Palavras-chave: direito de arrependimento; boa-fé; direito do consumidor; Código de Defesa do Consumidor; compra por impulso.

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ABSTRACT

In this paper the author discusses the application and scope of the cancellation right provided for in the Consumer Protection Code. The requirements for the consumer to make use of this right are presented, as fixed by Brazilian legislation, which are the purchase of a product or service outside a business establishment, and the term of seven days for him to reflect and, if decided so, even unreasonably, desist the purchase, dissolving the contract perfectly finished. Considering the numerous abuses carried out by suppliers to sell, but also the possibility that the consumer does not have its satisfaction guaranteed, it's submitted the proposal to expand the scope of this rule, expressed in Article 49 of the consumer law, taking into account the principles applied to that law, which should serve as a basis for interpretation of all the rules of consumerist system, which protect the consumer, because this one is considered vulnerable. For the purpose of the work is accomplished, a historical analysis of the evolution of consumer law is made along the Brazilian and world history, to arrive at steps that Brazilian legislators adopted to ensure consumer protection. This paper passes through the study of the contract, presenting its concept and the changes concerning the contractual matters, and, finally, advances already achieved regarding the scope proposed here. The research is based on analytical reading, especially on works of doctrinal and jurisprudential understandings on the matter, and relies on the hypothetical-deductive method. It came to the conclusion that it is possible to expand the scope of application of the cancellation right, without hurt the existing legal provisions, relying on the understanding that the provision of Article 49 should be applied under the principles expressed in the system Brazilian consumerist, which ensure consumer protection, for their outstanding vulnerability and hypo-sufficiency the example of the principle of the social contract and, primarily, the principle of good faith. Keywords: cancellation right; good faith; consumer law; Consumer Protection Code; buying on impulse.

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LISTA DE ABREVIAÇÕES E SIGLAS

Art. – Artigo.

Arts. – Artigos.

C/c – Combinado com

CDC – Código de Defesa do Consumidor.

Nº - Número.

P. – Página.

Sp. – Sem página.

STJ – Superior Tribunal de Justiça.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 9

1 O DIREITO DO CONSUMIDOR .......................................................................... 11

1.1 BREVE HISTÓRICO ...................................................................................... 11

1.2 O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR .............................................. 15

1.3 CONCEITOS BASILARES DA LEI CONSUMERISTA ................................ 19

1.3.1 Consumidor ............................................................................................ 19

1.3.2 Fornecedor ............................................................................................. 22

1.3.3 Produto ................................................................................................... 24

1.3.4 Serviço ................................................................................................... 25

1.3.5 A relação de consumo............................................................................. 25

2 O CONTRATO ...................................................................................................... 27

2.1 CONCEITUAÇÃO .......................................................................................... 27

2.2 PACTA SUNT SERVANDA E A TEORIA CLÁSSICA DO CONTRATO .... 31

2.3 O CONTRATO DE ADESÃO ......................................................................... 33

2.4 A FLEXIBILIDADE CONTRATUAL NO DIREITO DO CONSUMIDOR .... 36

2.5 A BOA-FÉ ...................................................................................................... 41

3 O DIREITO DE ARREPENDIMENTO ................................................................. 47

3.1 PREVISÃO LEGAL NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR .......... 47

3.2 A COMPRA POR IMPULSO .......................................................................... 53

3.3 OS AVANÇOS EM RELAÇÃO AO DIREITO DE ARREPENDIMENTO .... 59

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 64

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 67

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INTRODUÇÃO

O direito de arrependimento refere-se a um direito conferido ao consumidor, no Brasil,

sendo disciplinado no Código de Defesa do Consumidor, através do seu artigo 49. O presente

trabalho buscou verificar a abrangência do referido direito, de acordo com o que a legislação

brasileira dispõe atualmente, bem como apresentar justificativas para a possível ampliação de

sua aplicação para compras realizadas dentro de estabelecimentos comerciais.

A escolha do tema é justificada pela sua relevância social e atualidade, pois as relações

jurídicas de consumo são extremamente comuns na sociedade, abarcando milhões de

brasileiros, que são considerados consumidores; sem deixar de ressaltar que, a cada dia mais,

as pessoas são estimuladas a consumir, devido à atual facilidade de aquisição de produtos ou

serviços, por diferentes meios, assim como o estímulo publicitário dos fornecedores.

No intuito de cumprir o objetivo proposto, o primeiro capítulo deste trabalho trata

sobre o direito do consumidor, mostrando que a preocupação em relação às relações de

consumo, com a devida proteção ao consumidor, existe desde as mais antigas civilizações

conhecidas; para tal, é apresentado um breve histórico do direito consumerista, no mundo e no

Brasil. Além disso, explana-se sobre a criação da lei consumerista brasileira, trazendo,

também, conceitos fundamentais para que se entenda as relações de consumo.

No segundo capítulo, o contrato é estudado, tendo em vista que as relações jurídicas de

consumo são celebradas através desses. Apresenta-se, então, as principais características desse

negócio jurídico, explanando sobre o seu conceito e requisitos de existência, validade e

eficácia. Ainda, neste capítulo, o pacta sunt servanda, um dos princípios norteadores do

contrato é abordado, o qual marca o período da clássica teoria contratual, superada

hodiernamente, haja vista a presente flexibilização dos contratos, principalmente nas relações

de consumo, que se deu por conta do advento da lei consumerista e da observância de outros

princípios, também aqui estudados, como o da função social e da boa-fé, tornando possível a

existência da norma do artigo 49.

O último capítulo foi dedicado ao estudo do direito do arrependimento, trazendo a sua

previsão legal, além das possibilidades de aplicação que a lei confere, com as suas hipóteses

de cabimento. Ademais, é deslindado o que se denomina de “compra por impulso”, a qual

pode ser realizada pelo consumidor, quando este encontra-se exposto às praticas incisivas de

publicidade, que o estimulam a comprar sem refletir devidamente sobre o ato, o que deve ser

levado em consideração para que o direito de arrependimento tenha a sua abrangência

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ampliada. Outrossim, os avanços já obtidos, quanto à aplicação do direito de arrependimento,

que ultrapassam os requisitos descritos na norma do artigo 49, decorrentes do entendimento

doutrinário e jurisprudencial, são explanados.

O autor buscou refletir sobre o tema, expondo sua opinião em diversos pontos da

pesquisa, seja criticando o posicionamento doutrinário ou legislativo, seja sugerindo

mudanças na legislação para uma melhor harmonização das relações consumeristas.

O estudo, apresentado no presente trabalho, tem caráter teórico e tem seus dados

embasados em argumentos bibliográficos, sendo estes coletados na legislação brasileira e em

obras doutrinárias, referentes ao tema. A seleção da leitura foi feita de forma analítica.

Este trabalho foi desenvolvido utilizando-se o método dedutivo.

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1 O DIREITO DO CONSUMIDOR

1.1 BREVE HISTÓRICO

Desde os mais remotos tempos, os homens têm buscado regular as suas relações

sociais, através de normas, visando diminuir os conflitos entre si. Assim, já constava na

Mesopotâmia, no Código de Hamurabi, um dos mais antigos conjuntos de normas escritos de

que se tem conhecimento, em seu prólogo, o preceito de que a legislação serviria para

proteger o mais fraco do mais forte, in verbis: “[...] para prevenir a opressão do fraco pelo

forte [...]” (CÓDIGO de Hamurabi, 2011, sp.). Na mesma codificação já constava também o

amparo em uma relação de consumo, conforme expresso no artigo 235:

Se um bateleiro constrói para alguém um barco e não o faz solidamente, se no mesmo ano o barco é expedido e sofre avaria, o bateleiro deverá desfazer o barco e refazê-lo solidamente à sua custa; o barco sólido ele deverá dá-lo ao proprietário. (CÓDIGO de Hamurabi, 2011, sp.).

O supracitado artigo visava proteger a pessoa que tivesse comprado um barco feito

com baixa qualidade, determinando que o problema no objeto fosse sanado por quem o

construiu, o qual arcaria com os consequentes custos do reparo. É interessante notar como

uma codificação tão antiga já resguardava os direitos do consumidor.

O código indiano, chamado de Manu, também bastante antigo, da mesma forma que o

citado anteriormente, previa a reparação pelos danos sofridos pelo consumidor que tivesse

adquirido mercadorias as quais tivessem sido misturadas com outras de qualidade inferior:

Art. 702º Por ter misturado mercadorias de má qualidade com outras de boa espécie, por ter furado pedras preciosas e por ter perfurado desastradamente pérolas, deve sofrer a multa no primeiro grau e pagar o dano. (CÓDIGO de Manu, 2011, sp.; grifo meu).

A preocupação com as pessoas que compravam produtos no mercado também era

expressa na Constituição de Atenas, na Grécia antiga, como aponta José Geraldo Brito

Filomeno, que também fala sobre a preocupação que Cícero, famoso político romano, tinha

sobre a defesa do comprador, o qual invocou a cláusula ex empto, a qual responsabilizava o

vendedor por quaisquer vícios ou defeitos na coisa que vendeu “[...] devendo, por isso

mesmo, ou trocar a coisa, indenizar o comprador ou, então, resilir o contrato [...]”

(FILOMENO, 2008, p. 05); as origens da garantia provem dessa cláusula.

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De igual modo:

Também na Europa da Idade Média, designadamente na França e na Espanha, previam-se normas rigorosas e vexatórias para os adulteradores de substâncias alimentícias, principalmente a manteiga e o vinho. Assim, por exemplo, “na França, em 1481, o rei Luís XI baixou um édito que punia com banho escaldante quem vendesse manteiga com pedra no seu interior para aumentar o peso, ou leite com água para inchar o volume”. (FILOMENO, 2008, p. 06; grifo do autor).

Importante é mencionar as codificações antigas, pois, através da análise delas,

verifica-se que as sociedades já preocupavam-se com as questões pertinentes ao consumo.

Atenção especial deve ser dada ao período posterior à Revolução Industrial, a qual iniciou-se

no século XVIII, na Inglaterra, proporcionando profundas mudanças sociais, principalmente

no que concerne à produção de bens.

Conforme relata Rizzatto Nunes (2011, p. 59), a partir da Revolução Industrial, passou

a haver a denominada produção homogeneizada, ou produção em série, motivada pelo

aumento populacional nas metrópoles, que, por sua vez, aumentou a demanda de produtos e

serviços, fazendo com que a indústria passasse a produzir mais, diminuindo os custos,

aumentando a oferta e, consequentemente, atingindo mais pessoas. Ele afirma que tal modo

de produção obteve êxito, espalhando-se durante os séculos XIX e XX e solidificando-se no

período da Segunda Guerra Mundial, vindo a ser implantado em todo o mundo.

A produção em série foi um dos principais fatores que colaborou para a criação de um

novo sistema econômico mundial, chamado de globalização, segundo Rizzatto Nunes (2011,

p. 59).

Com o advento das ideias neoliberais, no século XX, em conjunto com a globalização,

surgiu a sociedade de massa. Nessa sociedade, os indivíduos são preteridos aos grupos e

sociedades comerciais, que concentram os meios de produção, fazendo com que os indivíduos

sejam vistos como consumidores em potencial, pois houve, como já dito anteriormente, o

aumento considerável de pessoas aptas a consumir. Nesse sentido:

[...] o neoliberalismo reduziu o indivíduo a um mero consumidor, quando o que passa a ser priorizado não é a liberdade da pessoa, mas a liberdade econômica das grandes organizações que detêm o poderio financeiro mundial [...]. (GIRON, 2008, sp.).

Surgiu, assim, fruto do capitalismo exacerbado, o modelo de consumo atual, em que

há uma infinidade de pessoas aptas a consumir produtos e serviços produzidos,

disponibilizados em larga escala.

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Vale ressaltar que, com uma produção em grande escala, também foi convencionado

um modelo contratual planejado de maneira igual à produção, feito de forma unilateral, pelo

fabricante, produtor ou prestador de serviços, ao qual incube ao consumidor apenas aderi-lo,

conforme Rizzatto Nunes (2011, p. 60) explana. Tal contrato de massa é chamado de contrato

de adesão, que será abordado de maneira mais profunda mais adiante. Assim, o referido

contrato:

[...] é de adesão por uma característica evidente e lógica: o consumidor só pode aderir. Ele não discute cláusula alguma. Para comprar produtos e serviços, o consumidor só pode examinar as condições previamente estabelecidas pelo fornecedor e pagar o preço exigido, dentro das formas de pagamento também prefixadas. (NUNES, 2011, p. 60).

Fica evidenciado que os indivíduos, diante dos detentores dos meios produtivos e de

quem os disponibiliza, chamados de fornecedores, representam a parte mais frágil da relação

de consumo, como aponta José Geraldo Brito Filomeno:

[...] o consumidor é vulnerável. Ou seja, diante do fornecedor, aquele que oferece produtos e serviços no mercado, ele é considerado a personagem menos informada, ao contrário do fornecedor, que detém todas as informações a respeito de seu produto ou do serviço que presta. Além disso, tem pouco ou quase nenhum poder diante de um conflito que possa surgir entre eles [...] (FILOMENO, 2008, p. 03).

Diante dessa fragilidade do consumidor, fez-se necessário criar normas que pudessem

não apenas regular as relações de consumo, mas também oferecer proteção aos consumidores.

Conforme expõe Rizzatto Nunes (2011, p. 58), a proteção ao consumidor começou nos

Estados Unidos, país que tem um grande domínio econômico no globo, no ano de 1890, com

a lei antitruste americana, a denominada Lei Shermann. Apesar da vanguarda dos Estados

Unidos com uma lei que protegia o consumidor em pleno século XIX, o movimento

consumerista apenas ganhou fôlego na metade do século XX.

Os movimentos dos frigoríficos de Chicago, nos Estados Unidos da América, do final

do século XIX, vale dizer, como relata José Geraldo Brito Filomeno (2008, p. 07), foram de

suma importância para o movimento consumerista, pois através de tais movimentos, produto

da luta dos trabalhadores dos frigoríficos por melhores salários e condições de trabalho,

surgiu a Consumer’s League, em 1891, que evoluiu para a atual Consumer’s Union,

importante associação que conscientiza os consumidores sobre seus direitos e patrocina ações

judiciais individuais e coletivas, entre outras atividades.

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Na década de 60, surgiu uma grande organização, fundamental para a disseminação

dos direitos dos consumidores por todo o globo, como aponta Markus Samuel Leite Norat:

Em 1960 surgiu a IOCU – Organization of Consumers Unions, que foi inicialmente constituída por organizações de cinco países: Austrália, Bélgica, Estados Unidos, Holanda e Reino Unido. Atualmente a IOCU é designada como CI – Consumers International, uma federação mundial de grupos de consumidores que atua em 115 países distribuídos por todos os continentes do Planeta e congrega mais de duzentas e vinte associações de proteção e defesa do consumidor. Inclusive, o Brasil é representado na Consumers International através do IDEC – Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor e pelo PROCON. A organização é reconhecida pela ONU – Organização das Nações Unidas. (NORAT, 2011, sp.; grifo do autor).

Na mesma década, um importante passo para a solidificação dos direitos dos

consumidores foi dado quando John F. Kennedy, então presidente dos Estados Unidos, em 15

de março de 1962, encaminhou para o Congresso do seu país uma mensagem que reconhecia

os direitos do consumidor e afirmava que os consumidores formam o maior grupo econômico,

de acordo com Markus Samuel Leite Norat (NORAT, 2011, sp.).

Quatro direitos fundamentais foram indicados na mensagem de John F. Kennedy:

[...] direito à segurança (os consumidores devem ser protegidos da comercialização de produtos que sejam prejudiciais a sua saúde ou vida); direito à informação (os consumidores devem receber todos os dados que precisam para fazer suas escolhas, coíbe-se assim, as práticas fraudulentas ou enganosas em informações, publicidades, rotulagens, ou de outras práticas); direito à escolha (deve-se assegurar ao consumidor, sempre que possível, o acesso a uma variedade de produtos e serviços a preços competitivos; nas indústrias em que a concorrência não é exequível e os regulamentos governamentais substituíveis, uma garantia de qualidade satisfatória e serviços a preços justos) e o direito de ser ouvido (dar a devida atenção aos interesses dos consumidores na formulação da política do Governo e um tratamento justo e rápido nos tribunais administrativos). Esta declaração apresentou tal importância para o movimento consumerista que se passou a comemorar nesta data o Dia Internacional dos Direitos do Consumidor. (NORAT, 2011, sp.; grifo meu).

A referida mensagem de John F. Kennedy, chamada de Declaração dos Direitos do

Consumidor, inspirou a criação da Resolução nº 39/248, de 10 de abril de 1985, da ONU –

Organização das Nações Unidas, que trata das “[...] principais diretrizes que devem ser

adotadas, no plano universal, com vistas à defesa e à proteção efetivas dos consumidores.”

(FILOMENO, 2008, p. 08).

Conforme aduz José Geraldo Brito Filomeno, a Resolução nº 39/248, da ONU, traçou

uma política geral de proteção ao consumidor, visando proteger o consumidor quanto a

prejuízos relativos à sua saúde e segurança, seus interesses econômicos, fornecer informações

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adequadas a ele, efetivar as possibilidades de ressarcimento aos consumidores, garantir a

formação de grupos formados por estes, além de outras organizações de relevância. Ainda, foi

estabelecido no Seminário Regional Latino-Americano e do Caribe sobre Proteção do

Consumidor, também da ONU, ocorrido em março de 1987, em Montevidéu, no Uruguai,

uma lei-tipo [...] sobre o qual cada país poderia montar o seu “código de defesa do

consumidor” (FILOMENO, 2008, p. 08 e 09).

Após todos esses entendimentos, a respeito do direito do consumidor, ocorridas a

partir da segunda metade do século XX, ficou claro que tal direito é de extrema importância

no ordenamento jurídico dos Estados modernos. Bem fala Antonio Prudente de Almeida Neto

sobre a questão:

[...] pode-se afirmar que a importância do direito do consumidor como componente dos ordenamentos jurídicos nacionais – como também dos acordos internacionais firmados entre as nações desenvolvidas e as ditas ‘em desenvolvimento’ – deve ser compreendida a partir da existência de uma hegemonia inconteste do sistema econômico capitalista e, por conta disso, da necessária intervenção dos Estados no ambiente desse sistema (mercado), no intuito de corrigir o desequilíbrio existente nas relações de consumo a partir da proteção dos sujeitos mais fracos. (NETO, 2010, sp.).

1.2 O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

Apesar do Brasil, até o final da década de 80 do século XX, não ter uma lei

consumerista específica, já dispunha de algumas leis que, de certa forma, disciplinavam

questões pertinentes ao direito do consumidor, como afirma Eduardo Oliveira Ferreira (2007,

sp.), que destaca o Decreto-Lei nº 22.626, de 07 de Abril de 1933, conhecido como Lei da

Usura, o Decreto-Lei nº 869, de 18 de novembro de 1938, que versava sobre crimes contra a

economia popular, a lei Delegada nº 4, de 26 de setembro de 1962, que tratava da intervenção

no domínio econômico por parte do Estado para o asseguramento da livre distribuição de

produtos necessários ao consumo da população e a Lei nº 4.137/1962, de Repressão ao Abuso

do Poder Econômico, que trouxe alguns benefícios ao consumidor, como a criação do CADE

– Conselho Administrativo de Defesa Econômica.

Por não ter uma lei de consumo específica, o Brasil passou praticamente todo o século

XX adotando as regras do Código Civil, de 1916, baseado na tradição do direito civil europeu,

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do século XIX, para as relações de consumo, conforme a afirmação de Rizzatto Nunes (2011,

p. 58).

Nesse sentido, observa o relatório do Senado, em comemoração aos 20 anos de

vigência do CDC – Código de Defesa do Consumidor:

Antes da edição do Código, a base jurídica para a defesa ao consumidor era a mesma aplicável a qualquer contrato privado ou a qualquer relação entre pessoas, naturais ou jurídicas, submetidas às leis brasileiras. A relação de consumo não diferia de qualquer outro negócio jurídico. Havia meios para coibir as violações perpetradas no mercado de consumo, mas com fundamento tão-somente nas normas comuns de direito civil, comercial ou penal, além de diplomas esparsos sobre alguns setores específicos. (RELATÓRIO: 20 anos de vigência do Código de Defesa do Consumidor, 2010, sp.).

Uma medida crucial para a concretização dos direitos do consumidor, no Brasil, foi a

promulgação da Constituição Federal de 1988, que estabeleceu, entre inúmeras inovações

para a sociedade brasileira, no seu artigo 5º, inciso XXXII, que “o Estado promoverá, na

forma da lei, a defesa do consumidor” (BRASIL, Constituição da República Federativa do

Brasil de 1988, 2011, sp.). Importante é salientar que, por tal dispositivo estar no Capítulo I

do Título II, da Carta Magna, que trata “Dos Direitos e Garantias Fundamentais” e, mais

especificamente, dos “Direitos e Deveres Individuais e Coletivos”, é uma cláusula pétrea,

insuscetível de emenda, conforme o art. 60, § 4º, inciso IV, da mesma, como relata José

Geraldo Brito Filomeno (2008, p. 13).

A Constituição Federal, no mesmo sentido, quando trata da ordem econômica, em seu

artigo 170, enuncia que determinados princípios devem ser observados, para que seja

assegurado a todos existência digna, dentre eles a defesa do consumidor (BRASIL,

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, 2011, sp.). Para José Geraldo Brito

Filomeno (2008, p. 13), a defesa do consumidor não deve ser entendida como um dos

princípios da ordem econômica, mas como o fim que esta visa.

A Carta Magna ainda, em seu art. 175, também se refere aos direitos dos

consumidores, quando trata dos serviços públicos sob regime de concessão ou permissão:

Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos. Parágrafo único. A lei disporá sobre: I - o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão;

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II - os direitos dos usuários; III - política tarifária; IV - a obrigação de manter serviço adequado. (BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, 2011, sp.; grifo meu).

Finalmente, o artigo 48, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, dispôs

que deveria ser elaborado, dentro de 120 dias, contados a partir da promulgação da

Constituição, pelo Congresso, o Código de Defesa do Consumidor (FILOMENO, 2008, p.

14).

Em 11 de setembro de 1990, foi sancionada a lei nº 8.078, denominada Código de

Defesa do Consumidor, a fim de assegurar os direitos do consumidor, bem como disciplinar

as relações jurídicas de consumo.

Antonio Prudente de Almeida Neto, de maneira acertada afirma que:

[...] a criação do Código de Defesa do Consumidor não decorreu de mera conveniência legislativa, mas sim, da obediência do Poder Legislativo à vontade do Poder Constituinte, traduzida em expresso comando constitucional (art 5º, XXXII da CF/1988 c/c art. 48 do ADCT). (NETO, 2010, sp.).

Tal afirmação pode ser confirmada através da leitura do artigo 1º, do referido código,

o qual dispõe que:

[...] o presente código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos dos arts. 5°, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e art. 48 de suas Disposições Transitórias. (BRASIL, Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, 2011, sp.).

Com a criação do Código de Defesa do Consumidor, em 1990, o direito do

consumidor, apesar de antes já ter certo amparo no ordenamento jurídico brasileiro, veio a

afirmar-se como disciplina jurídica autônoma.

Sobre o CDC, Rizzatto Nunes afirma, que ele:

[...] é um subsistema jurídico próprio, lei geral com princípios especiais voltada para a regulação de todas as relações de consumo, tão caras à sociedade de massas contemporânea e representando o mais importante e largo setor da economia. (NUNES, 2011, p. 160).

Da mesma forma, a lei consumerista brasileira pode ser considerada:

[...] muito mais do que um conjunto de normas inovadoras, em diversos aspectos do direito, é muito mais uma filosofia de ação, eis que traça uma política ou um conjunto de diretrizes que devem ser seguidas para que o

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18

consumidor seja efetivamente protegido e defendido. (FILOMENO, 2008, p. 15).

Conforme aduz Paulo R. Roque A. Khouri (2009, p. 19), o CDC “[...] apresenta-se,

na doutrina, como um microssistema jurídico, absolutamente autônomo em relação ao código

civil[...]”, que era anteriormente utilizado, como já dito, para regular as relações

consumeristas, no Brasil, “[...] ou a qualquer lei, inclusive, com princípios só a ele

aplicáveis”. Tais princípios, de acordo com Rizzatto Nunes (2011, p. 157), são estabelecidos,

no código, ao longo de seus capítulos e seções, os quais são:

[...] o do protecionismo e do imperativo de ordem pública e interesse social, que permite, por exemplo, que o magistrado aplique regras legais ex officio (art. 1º); o da vulnerabilidade (art. 4º, I); o da hipossuficiência (art. 6º, VIII); o do equilíbrio e da boa-fé objetiva (art. 4º, III); o do dever de informar (art. 6º, III); o da revisão das cláusulas contrárias (art. 6º, V); o da conservação do contrato (art. 6º, V); o da equivalência (art. 4º, III, c/c o art. 6º, II); o da transparência (art. 4º, caput) e o da solidariedade (parágrafo único do art. 7º). (NUNES, 2011, p. 157).

Faz-se mister abordar o princípio relacionado ao protecionismo do consumidor, de

início, haja vista a própria introdução ao CDC (BRASIL, Lei nº 8.078/90, 2011, sp.) deixar

claro que tal lei trata sobre a proteção ao consumidor. Isso leva ao entendimento que “[...]

todas as normas instituídas no CDC tem como princípio e meta a proteção e a defesa do

consumidor” (NUNES, 2011, p. 160). Como já dito, a proteção ao consumidor deve-se ao

fato desse ser considerado vulnerável, mais fraco, em relação ao sistema econômico

capitalista vigente.

Diante de todas as inovações trazidas com o CDC, resta claro que o mesmo veio

beneficiar os consumidores, que, nas palavras supracitadas de John F. Kennedy, formam o

maior grupo econômico. A respeito das conquistas trazidas com a Lei nº 8.078/90,

brilhantemente expressa Eduardo Oliveira Ferreira, que diz que:

Com a codificação e organização jurídica do Direito do Consumidor, os brasileiros conseguiram conquistas de maiores garantias e respeito frente aos fornecedores de produtos. O Direito do Consumidor se tornou um ramo muito estudado pelos juristas e pelos interessados por ter demonstrado cada vez mais sua função social dignamente constitucional. (FERREIRA, 2007, sp.).

Certo é que os legisladores brasileiros, à época, empenharam-se em criar o Código de

Defesa do Consumidor, pois o mesmo se mostra bem completo e inovador, servindo de

exemplo a outros países:

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19

Depois do Código, o Brasil consolidou-se como uma referência na proteção do direito dos consumidores em nível mundial, seja servindo como paradigma para legislações estrangeiras, seja pelas ações de seus órgãos e entidades de defesa do consumidor que, frequentemente, têm notoriedade internacional. (RELATÓRIO: 20 anos de vigência do Código de Defesa do Consumidor, 2010, sp.).

1.3 CONCEITOS BASILARES DA LEI CONSUMERISTA

O legislador, quando na criação da Lei nº 8.078/90, Código de Defesa do Consumidor,

resolveu trazer no próprio texto legal a definição, bem elaborada, dos sujeitos e objetos da

relação de consumo, conceituando consumidor, fornecedor, produto e serviço, logo no Título

I, em seu Capítulo I, que trata, respectivamente, “Dos Direitos do Consumidor” e “Das

Disposições Gerais” (BRASIL, Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, 2011, sp.). Todavia,

para o melhor entendimento dos conceitos trazidos pelo código, também é necessária a breve

análise do que a doutrina traz a respeito desses.

1.3.1 Consumidor

A princípio, vale dizer, que consumidor, em um conceito simplista, é “[...] a pessoa

que compra para uso próprio gêneros ou mercadorias.” (CONSUMIDOR, In: Dicionário

Online de Português, 2012, sp.), tal definição, conforme dito, é muito simples e não se adequa

ao que a legislação consumerista trata a respeito do que é consumidor.

O CDC, em relação a quem é consumidor, dispõe em seu artigo 2º que:

Art. 2º Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo. (BRASIL, Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, 2011, sp.).

A análise do conceito de consumidor deve começar a partir da análise do caput do

supracitado artigo.

Pessoa física deve ser entendida como:

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20

[...] qualquer pessoa natural, que compra produtos ou contrata serviços, visando ao atendimento de uma necessidade pessoal, ou de seu grupo familiar, ou ainda para oferecer como presente a outrem. (FILOMENO, 2008, p. 26).

Enquanto pessoa jurídica é:

[...] uma entidade fictícia criada pelo direito, a congregar pessoas físicas, com ou sem a constituição de um patrimônio social, mas sempre com um fim definido em seus atos constitutivos, de cunho lucrativo ou não, também pode ser considerada consumidora, desde que, assim como a pessoa física, seja destinatária final de determinado produto ou serviço. (FILOMENO, 2008, p. 26).

Afirma Rizzatto Nunes que, a respeito de pessoa jurídica, “[...] a norma não faz

distinção, trata-se de toda e qualquer pessoa jurídica, quer seja uma microempresa, quer seja

uma multinacional, pessoa jurídica civil ou comercial, associação, fundação, etc.” (NUNES,

2011, p. 162).

O verbo empregado na lei é “adquirir”, o qual deve ser interpretado no seu sentido

mais amplo, de obter, a título gratuito ou oneroso. Rizzatto Nunes expõe que consumidor

tanto é quem efetivamente adquire, obtém, o produto ou serviço, como também aquele que,

mesmo não o tendo adquirido, utiliza-o ou o consome; para melhorar o entendimento a

respeito disso, ele exemplifica, dizendo que “[...] se uma pessoa compra cerveja para

oferecer aos amigos numa festa, todos aqueles que a tomarem serão considerados

consumidores.” (NUNES, 2011, p. 162); tal modalidade de consumidor é chamada de

consumidor por equiparação

A compreensão do termo “destinatário final”, citado no referido artigo é de extrema

importância para o entendimento de quem pode ser considerado consumidor, principalmente

em questões referentes à pessoa jurídica. Quanto a isso, Paulo R. Roque A. Khouri, diz que

“[...] pela leitura do artigo, depreende-se que não basta que o cidadão retire o produto do

mercado, importa que ele o utilize como destinatário final.” (KHOURI, 2009, p. 34).

A respeito disso, José Geraldo Brito Filomeno, afirma:

[...] se o produto ou serviço atende a uma necessidade efetiva ou imposta a uma pessoa jurídica e não são utilizados como insumos, componentes, ou valor agregado a outros produtos ou serviços, então será ela, também, consumidora, tal qual uma pessoa física. (FILOMENO, 2008, p. 26).

Pode-se destacar duas correntes que explicam a destinação final, tratado no art. 2º, do

CDC, sendo elas: a maximalista e a finalista. A controvérsia, entre as duas correntes, dá-se,

pois, para os adeptos da corrente maximalista, o destinatário final é o destinatário fático, ou

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21

seja, aquele quem procedeu a retirada do produto da cadeia de fornecimento, como aduz Júlio

Moraes Oliveira (2010, sp.). Pode-se dizer que a corrente maximalista adota uma noção

objetiva de consumidor:

[...] pois o que interessa é o objeto da relação. Para os defensores desta corrente, a destinação dada ao produto é irrelevante, é um posicionamento mais abrangente, aceitam, inclusive, a relação de consumo entre dois profissionais. (OLIVEIRA, 2010, sp.).

De outro lado, estão os adeptos da corrente finalista, que defendem uma noção

subjetiva de consumidor e discordam que profissionais que adquirem o produto, para ser

usado no exercício de sua função, seja consumidor, afirmando:

[...] ser o destinatário final aquele que retira o produto do mercado e dá a ele uma destinação final de uso, isto é, o consome na cadeia produtiva é uma noção subjetiva de consumidor, pois aqui o sujeito da relação é fundamental, enquadra-se nesta definição o destinatário fático e econômico da cadeia, ou seja, o produto é consumido para uso próprio e não é destinado a qualquer outro beneficiamento posterior. A teoria finalista pura retira do conceito de consumidor a relação existente entre dois profissionais. (OLIVEIRA, 2010, sp.).

O STJ, atualmente, tem adotado a teoria finalista, para o entendimento de destinatário

final que caracteriza o consumidor, e tem levado em consideração a vulnerabilidade dele,

baseado no art. 4º, inciso I, do CDC, principalmente no que concerne à pessoa jurídica, “[...]

pois a lógica de todo o sistema consumerista é justamente proteger o vulnerável, seja ele

pessoa jurídica ou pessoa física.”, como afirma Júlio Moraes Oliveira (2010, sp.), salientando

que, no caso concreto, a pessoa jurídica deve demonstrar sua vulnerabilidade.

É importante ressaltar que a lei consumerista não apenas se atém ao seu art. 2º, para

tratar do conceito de consumidor. O CDC também traz mais três conceitos de consumidor,

que são os chamados “consumidores por equiparação”, no parágrafo único, do art. 2º, e nos

artigos 17 e 29.

O artigo 2º, do Código de Defesa do Consumidor, em seu parágrafo único, expressa

que “equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que

haja intervindo nas relações de consumo” (BRASIL, Lei nº 8.078, de 11 de setembro de

1990, 2011, sp.). Com tal disposição, o legislador percebeu que era necessário tratar o

consumidor coletivamente, não apenas individualmente, ainda que de forma indeterminável,

mas desde que tenha intervindo nas relações de consumo. Paulo R. Roque A. Khouri, quanto

a isso, afirma que “[...] contra os abusos cometidos pelo contrato de massa, que é o contrato

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22

de adesão, o legislador deu ao consumidor um direito coletivo ou ‘de massa’” (KHOURI,

2009, p. 40).

O art. 17, da lei consumerista, equipara o consumidor às vítimas do acidente de

consumo, as quais foram atingidas pelo evento danoso, mesmo que não tenham sido

consumidoras diretas. Bem exemplifica Rizzatto Nunes sobre isso, quando diz que:

[...] na queda de um avião, todos os passageiros (consumidores do serviço) são atingidos pelo evento danoso (acidente de consumo) originado no fato do serviço da prestação do transporte aéreo. Se o avião cai em área residencial, atingindo a integridade física ou o patrimônio de outras pessoas (que não tinham participado da relação de consumo), estas são, então, equiparadas ao consumidor, recebendo todas as garantias legais instituídas no CDC. (NUNES, 2011, p. 173).

A respeito do que expressa o art. 29, do CDC, sobre consumidor, Paulo R. Roque A.

Khouri afirma que:

[...] justamente por ser equiparado a consumidor, não é exigida a efetiva aquisição de bens e é [sic] serviços. O simples fato de poder vir a contratar, estando exposto a uma prática abusiva, é suficiente para merecer proteção até mesmo por meio das chamadas ações coletivas, de que trata o art. 81 do CDC. (KHOURI, 2009, p. 41 e 42).

1.3.2 Fornecedor

O CDC traz o conceito de fornecedor através da redação do art. 3º, caput, do CDC.

Com a leitura da redação desse texto legal, pode-se verificar que podem ser fornecedoras

todas as pessoas capazes, físicas ou jurídicas, bem como os entes despersonalizados. Vale

dizer que o rol de atividades elencadas é exemplificativo, não se exaurindo no texto legal.

Fornecedor é aquele que coloca “[...] produtos e serviços no mercado, à disposição

dos consumidores.” (FILOMENO, 2008, p. 32), mas deve estar presente, na sua figura, o

elemento da profissionalidade, como também o da habitualidade da sua atividade econômica,

de acordo com Paulo R. Roque A. Khouri (2009, p. 46).

Nas palavras de Paulo R. Roque A. Khouri:

Não basta a simples existência de um contrato de compra e venda ou de prestação de serviços para que aquele que adquiriu o bem ou serviço seja protegido pelo CDC. Ainda que tenha adquirido o bem ou serviço o tenha feito como consumidor, ou seja, para um uso não profissional, pode não

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23

haver nessa relação uma relação jurídica de consumo. É que, se quem lhe forneceu o bem ou serviço não se encaixa no conceito de fornecedor, não haverá relação de consumo e, por conseguinte, não haverá como acionar o CDC. (KHOURI, 2009, p. 46).

O art. 3º, caput, do CDC, traz que fornecedor é “[...] toda pessoa física ou jurídica,

pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados [...]”

(BRASIL, Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, 2011, sp.), assim, é importante dizer o

que se entende sobre tais itens.

A pessoa física fornecedora pode ser o profissional liberal, que recebeu uma proteção

especial do CDC, tratada no § 4°, do art. 14, pois não deve responder por responsabilidade

objetiva, mas culpa, em caso de danos em decorrência de defeitos da prestação de serviço ou

do produto; também pode ser aquela pessoa que vende produtos, sem ter-se estabelecido

como pessoa jurídica; e aquela que, mesmo sem ser caracterizada como profissional liberal,

presta serviços, a exemplo do eletricista, conforme explica Rizzatto Nunes (2011, p. 178).

Quanto à pessoa jurídica considerada fornecedora, o artigo supracitado é claro em

afirmar que toda pessoa jurídica, seja ela pública ou privada, nacional ou estrangeira pode ser

considerada fornecedora, desde que atendidos os critérios já abordados. A respeito da pessoa

estrangeira, citada na redação do art. 3º, Rizzatto Nunes diz que a referência a ela no artigo:

[...] tem relevo na hipótese da pessoa jurídica admitida como estrangeira em território nacional e que, nessa qualidade, presta serviços ou vende produtos. Por exemplo, a companhia aérea que aqui faz escala ou a companhia teatral estrangeira que vem ao País para apresentações. (NUNES, 2011, p. 177).

No que diz respeito à pessoa jurídica pública, o CDC afirma que essa pode ser

considerada fornecedora. Com a análise do art. 6º, inciso X, da lei consumerista, que garante

ao consumidor a prestação de serviços públicos em geral, de forma adequada e eficaz,

entende-se que o Estado pode ser considerado fornecedor. O art. 22, do CDC, também

expressa que o Estado, representado pelos “[...] órgãos públicos, por si ou suas empresas,

concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento [...]”

(BRASIL, Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, 2011, sp.) deve prestar serviços públicos

eficientes. Sobre o tema, Paulo R. Roque A. Khouri defende que o CDC tratou o Estado

como um fornecedor equiparado, porque:

[...] mesmo não obtendo remuneração alguma pelos seus serviços próprios, ou não necessitando a prestação desses serviços da celebração de qualquer contrato, o Estado é obrigado a prestá-los indistintamente a todos os cidadãos, contribuintes ou não. A Lei nº 8.078/90 a ele se refere como

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fornecedor tanto nos arts. 3º e 6º, X, como no art. 22, sem excepcionar serviço público próprio de impróprio. (KHOURI, 2009, p. 50).

Em relação a ente despersonalizado, Rizzatto Nunes diz que pode ser a massa falida, a

pessoa jurídica quebrada com a continuidade das atividades e as pessoas jurídicas de fato que

“[...] sem constituir uma pessoa jurídica, desenvolvem, de fato, atividade industrial,

comercial, de prestação de serviços etc.” (NUNES, 2011, p. 177), a exemplo do “camelô”.

Pode-se concluir, então, que fornecedor é:

Aquele que oferece ao mercado, habitualmente, bens e serviços visando ao lucro, que participa da cadeia produtiva, ou pratica alguns atos dentro desta cadeia, seja produzindo diretamente, ou distribuindo, ou simplesmente intermediando o fornecimento de bens e serviços. E, para que assim seja enquadrado, não importa que seja nacional ou estrangeiro, público ou privado, pessoa jurídica regularmente constituída ou não (entes despersonalizados). O que vai importar para o conceito de fornecedor é que ele esteja oferecendo bens e serviços, com habitualidade e profissionalidade, ao mercado. (FILOMENO, 2008, p. 47).

1.3.3 Produto

O § 1°, do art. 3º, do CDC, expressa que “[...] produto é qualquer bem, móvel ou

imóvel, material ou imaterial.” (BRASIL, Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, 2011,

sp.).

Rizzatto Nunes aduz que:

Esse conceito de produto é universal nos dias atuais e está estreitamente ligado à ideia do bem, resultado da produção no mercado de consumo das sociedades capitalistas contemporâneas. É vantajoso seu uso, pois o conceito passa a valer no meio jurídico e já era usado por todos os demais agentes do mercado (econômico, financeiro, de comunicações etc.). (NUNES, 2011, p. 179).

De acordo, ainda, com Rizzatto Nunes (2011, p. 180), o texto legal visa garantir o

asseguramento da relação jurídica de consumo na realização de toda e qualquer compra e

venda, pretendendo que nada lhe escape. Vale dizer que, segundo ele, inclusive o produto

gratuito, entregue como amostra grátis é abarcado pela lei consumerista, resguardando os

direitos do consumidor (NUNES, 2011, p. 183).

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25

1.3.4 Serviço

A definição de serviço está expressa no § 3°, do art. 3º, do CDC, in verbis:

[...] serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista. (BRASIL, Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, 2011, sp.).

Segundo José Geraldo Brito Filomeno, “[...] o Código de Defesa do Consumidor

abrange todo e qualquer tipo de serviço, entendido como uma utilidade usufruída pelo

consumidor e prestada por um fornecedor determinado, num facere (fazer)” (FILOMENO,

2008, p. 34).

Deve-se atentar para o final da redação do artigo, pois dispõe que estão excetuadas as

relações de caráter trabalhista; assim, tais relações não podem ser consideradas como serviços

prestados no âmbito da legislação consumerista.

1.3.5 Relação de consumo

Após definido o que é consumidor, fornecedor, produto e serviço, pode-se então dizer

o que é a relação de consumo.

A relação de consumo é a relação jurídica entre o fornecedor de um lado e o

consumidor do outro, em polos distintos, que são as partes de tal relação, os sujeitos ou

personagens, estando presente, também, o objeto, que pode ser produto, serviço, ou ambos.

Paulo R. Roque A. Khouri afirma que na relação de consumo:

[...] deve estar presente um consumidor, como destinatário final de bens e serviços, e um fornecedor, que com habitualidade e profissionalidade fornece bens e serviços ao mercado. (KHOURI, 2008, p.33).

A importância da identificação da relação jurídica de consumo é abordada por Daniel

Diniz Manucci, que afirma que:

[...] a importância de se identificar uma relação de consumo dentro de um negócio jurídico está no fato de poder se estabelecer com precisão a competência para a incidência do Código de Defesa do Consumidor como

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26

corpo legal para dirimir os conflitos, pois se configurada tal relação o consumidor poderá experimentar todas as vantagens relativas à sua aplicação. (MANUCCI, 2000, sp.).

Tem-se então que o Código de Defesa do Consumidor é uma norma especial e que,

para que ela seja aplicada ao caso concreto, faz-se necessário que os sujeitos da relação

estejam dentro dos critérios estabelecidos pelo CDC, enquadrando-se como consumidor, de

um lado, e fornecedor do outro. De outra, caso as partes não preencham os requisitos, restará

evidenciada uma relação jurídica civil, na qual aplica-se as disposições do Código Civil, que

disciplina tal relação.

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27

2 O CONTRATO

2.1 CONCEITUAÇÃO

Contratar é uma tarefa bem mais corriqueira do que se possa imaginar a princípio. O

contrato está presente na vida das pessoas de forma quase onipresente, pois em vários

momentos, ao longo do dia, costuma-se contratar, o que é tão comum que, muitas vezes, não

se percebe que o está fazendo. Por isso, entender o contrato é de suma importância,

principalmente quando estuda-se relações jurídicas, em especial as relações jurídicas de

consumo, foco deste trabalho.

O contrato nasceu da realidade social e vem sendo moldado desde a época do Império

Romano e sua existência, principalmente do contrato de troca econômica, a exemplo do de

compra e venda, tem forte impacto na atual sociedade de consumo (MARQUES, 2011, p. 56).

Devido à sua relevância social, faz-se necessário compreender e, para isso, incluir, também, a

tentativa de conceituar o contrato.

O Código Civil de 2002 disciplina os contratos no Título V – Dos Contratos em Geral,

que trata sobre aspectos gerais desses, e no Título VI – Das Várias Espécies de Contratos, que

versa sobre as diversas espécies de contrato (BRASIL, Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de

2002, 2011, sp).

Pode-se dizer, de início, nas palavras de Carlos Roberto Gonçalves, que o contrato

“[...] é a mais comum e a mais importante fonte de obrigação, devido às suas múltiplas

formas e inúmeras repercussões no mundo jurídico.” (GONÇALVES, 2009, p. 01).

Obrigação, por sua vez, pode ser entendida como “[...] um vínculo de direito pelo qual

alguém pode ser constrangido a dar, fazer ou não-fazer alguma coisa.” (MILHOMENS e

ALVES, 2005, p. 05). Deve-se ressaltar que, ao falar de contrato, este vínculo torna-se

existente através da manifestação da vontade das partes; manifestação esta com intuito de

gerar efeitos jurídicos desejados. Assim, pode-se afirmar que o contrato é espécie de negócio

jurídico, que, por sua vez, “[...] é a manifestação de vontade, emitida em obediência aos seus

pressupostos de existência, validade e eficácia, com o propósito de produzir efeitos admitidos

pelo ordenamento jurídico, pretendidos pelo agente.” (GAGLIANO e PAMPLONA, 2011, p.

53).

A natureza jurídica do contrato, portanto, é de negócio jurídico e, para sua formação,

há a necessidade da participação de, pelo menos, duas partes, tratando-se, assim, em regra, de

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28

um negócio jurídico bilateral ou plurilateral (GONÇALVES, 2009, p. 02), no qual ocorre o

acordo de vontades e mútua obrigação de cumprir o acordado, sendo gerados direitos e

obrigações para os sujeitos.

Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho definem o contrato de uma maneira

bastante moderna e direta, quando dizem que contrato é:

[...] um negócio jurídico por meio do qual as partes declarantes, limitadas pelos princípios da função social e da boa-fé objetiva, autodisciplinam os efeitos patrimoniais que pretendem atingir, segundo a autonomia das suas próprias vontades. (GAGLIANO e STOLZE, 2011, p. 47; grifo dos autores).

Por tratar-se de negócio jurídico, o contrato deve ser analisado sob diferentes planos,

os quais são o da existência, o da validade e o da eficácia. O primeiro diz respeito ao

surgimento do negócio jurídico, que deve atender a requisitos mínimos, os quais são: a

manifestação da vontade; um agente para manifestar a vontade; o objeto, que é a prestação da

relação obrigacional a qual foi estabelecida, referindo-se à atividade a ser desenvolvida ou no

bem da vida colocado em circulação; e a forma para a sua exteriorização, que se trata do

veículo de condução da vontade, podendo ser de maneira oral, escrita, mímica, etc. Estando

presentes tais elementos, pode-se afirmar que o contrato, enquanto negócio jurídico, existe

(GAGLIANO E PAMPLONA, 2011, p. 55 e 56).

O plano da validade do contrato, que refere-se a identificar se ele é válido, segundo

Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2009, p. 56 e 57), depende da existência de

alguns pressupostos, como o da manifestação da vontade de maneira livre e de boa-fé, que,

sobre esta, Claudia Lima Marques (2011, p. 60) afirma que, para haver um contrato válido,

que seja fonte de obrigações e direitos, é imprescindível que a vontade seja livre, real, isenta

de quaisquer vícios ou defeitos; da capacidade do agente, não apenas a genérica, mas também

a que possibilita o agente a protagonizar certos tipos de contrato, o que é chamado de

legitimidade, sem a qual o negócio pode ser considerado nulo; a idoneidade do objeto do

contrato, que se manifesta quando esse é “[...] lícito (ou seja, não proibido pelo Direito e

pela Moral), possível (jurídica e fisicamente) e determinado ou determinável (com os

elementos mínimos de individualização que lhe permitam caracterizá-lo).” (GAGLIANO e

PAMPLONA, 2009, p. 57); e a adequação da forma, que deve ser prescrita ou não defesa em

lei, podendo-se exemplificar quando a lei determina um tipo específico, para que o contrato

seja considerado válido, como o da escritura pública registrada, quando na transferência de

imóvel com valor superior a trinta salários mínimos, por exemplo, conforme o art. 108 c/c o

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29

art. 166, do Código Civil de 2002 (BRASIL, Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, 2011,

sp.), que se não respeitado será considerado inválido, nulo.

Interessante é que se dê uma especial atenção à forma do contrato, requisito de

validade do negócio jurídico, já mencionado, pois esta está diretamente relacionada ao que foi

expresso no início deste capítulo, quando se afirmou que as pessoas comumente contratam

sem nem ao menos perceberem que o fazem. Isto se deve à forma do contrato, que, segundo

Carlos Roberto Gonçalves (2009, p. 18 e 19), em regra, é livre, no ordenamento jurídico do

Brasil; tal forma se dá através da manifestação da vontade por qualquer meio, não

obrigatoriamente imposto pela lei, podendo ser através de escrito público ou particular,

palavra escrita ou falada, ou até mesmo através de gestos ou mímicas, etc. O contrato,

todavia, pode ser firmado de forma escrita, pública ou particular, ou verbal, a não ser nos

casos especificados pela lei, que, para garantir maior segurança e seriedade ao negócio, exige

a forma escrita, pública ou particular, adotando a forma especial ou solene, como a exemplo

da escritura pública, anteriormente citada. Gonçalves (2009, p. 19) ainda afirma existir a

forma contratual, que é a convencionada pelas partes, expondo que, mediante convenção, os

contratantes podem determinar que o instrumento público se torne necessário para a validade

do negócio.

A preferência pela liberalidade de forma do contrato, feita pelo legislador, pode ser

constatada através da leitura do art. 107, do Código Civil de 2002, que diz que “a validade da

declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a

exigir” (BRASIL, Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, 2011, sp.). Diante desta

liberalidade de forma que, muitas vezes, contrata-se sem perceber, a exemplo de quando um

estudante pega um ônibus para se locomover à sua faculdade, efetivando, assim, um contrato,

em que ele cumpre a sua obrigação pecuniária, ao pagar o transporte, e a empresa de ônibus

cumpre a sua obrigação, de fazer, no caso, ao prestar o serviço de locomoção.

De acordo, ainda, com Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2009, p. 58),

o último plano, do negócio jurídico, a ser analisado, diz respeito ao da eficácia, que está

relacionado aos elementos acidentais que podem limitar a produção imediata de efeitos ou

mesmo cessá-los, mesmo sendo o negócio jurídico existente e válido, sendo eles: o termo, que

trata-se de evento futuro e certo, o qual pode ser inicial (quando prorroga o começo da

produção de efeitos) ou final (quando faz tais efeitos cessarem); a condição, tratando-se de

evento futuro e incerto, podendo ser suspensiva (que, quando ocorre, pode iniciar a produção

de efeitos) ou resolutiva (que, ao ocorrer, cessa os efeitos); e o modo ou encargo, que é “[...]

determinação acessória acidental de negócios jurídicos gratuitos, que impõe ao beneficiário

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30

da liberalidade um ônus a ser cumprido, em prol de uma liberalidade maior.” (GAGLIANO

e PAMPLONA, 2009, p. 58).

Além das condições já abordadas, sobre a existência, validade e eficácia do contrato,

esse também é norteado por vários princípios, podendo-se destacar o da autonomia da

vontade, do consensualismo, da relatividade dos efeitos, da obrigatoriedade e da boa-fé.

Quanto ao primeiro princípio elencado, o da autonomia da vontade, Carlos Roberto Gonçalves

expressa que:

[...] se alicerça exatamente na ampla liberdade contratual, no poder dos contratantes de disciplinar os seus interesses mediante acordo de vontades, suscitando efeitos tutelados pela ordem jurídica. Têm as partes a faculdade de celebrar ou não contratos, sem qualquer interferência do Estado. (GONÇALVES, 2009, p. 20).

O próprio Gonçalves (2009, p. 22), contudo, entende que a liberdade de contratar tem

tido limitações, a começar pela faculdade de contratar e de não contratar, pois “[...] a vida em

sociedade obriga as pessoas a realizar, freqüentemente [sic], contratos de toda espécie, [...]

como o de transporte, [...] de fornecimento de bens e serviços públicos (energia elétrica,

água, telefone, etc.)” (GONÇALVES, 2009, p. 22). Da mesma forma, segundo ele, existem

restrições quanto à escolha do outro contraente e do estabelecimento do conteúdo do contrato,

tendo esta última “[...] limitações determinadas pelas cláusulas gerais, especialmente as que

tratam da função social do contrato e da boa-fé objetiva, do Código de Defesa do

Consumidor e, principalmente, pelas exigências e supremacia da ordem pública [...]”

(GONÇALVES, 2009, p. 23).

Sobre o princípio do consensualismo, pode-se dizer que, para o aperfeiçoamento do

contrato, basta o acordo de vontades, pois decorre da concepção moderna na qual o contrato

resulta do consenso, independendo da entrega da coisa, sendo esta última parte de outra fase,

a do cumprimento das obrigações que são assumidas pelas partes contratantes

(GONÇALVES, 2009, p. 25).

O princípio da relatividade dos efeitos faz com que, em regra geral, os contratos só

gerem “[...] efeitos entre as próprias partes contratantes, razão por que se pode afirmar que

a sua oponibilidade não é absoluta ou erga omnes, mas, tão somente, relativa [...]”

(GAGLIANO e PAMPLONA, 2011, p. 76). Assim, interessam apenas às partes as

disposições do contrato, exceto em caso de estipulação em favor de terceiro e do contrato com

pessoa a declarar (GAGLIANO e PAMPLONA, 2011, p. 76).

Page 33: O exercício de boa-fé do direito de arrependimento nas relações de consumo - legislação e abrangência

31

Os dois últimos princípios elencados, o da obrigatoriedade e o da boa-fé serão

retratados de forma mais abrangente, mais à frente, devido à relevância para o entendimento

da questão contratual nas relações jurídicas de consumo.

2.2 PACTA SUNT SERVANDA E A TEORIA CLÁSSICA DO CONTRATO

Pacta sunt servanda é a denominação clássica do princípio da obrigatoriedade ou da

força obrigatória do contrato. Tal princípio tem grande valor, pois, sem ele, a palavra dos

homens careceria de força jurídica, o que prejudicaria a segurança das relações contratuais

(GAGLIANO e PAMPLONA, 2011, p. 74).

Segundo Claudia Lima Marques:

A ideia de força obrigatória dos contratos significa que, uma vez manifestada a vontade, as partes estão ligadas por um contrato, têm direitos e obrigações e não poderão se desvincular, a não ser através de outro acordo de vontades ou pelas figuras da força maior e do caso fortuito (acontecimentos fáticos externos e incontroláveis pela vontade do homem). Esta força obrigatória vai ser reconhecida pelo direito e vai se impor ante a tutela jurisdicional. (MARQUES, 2011, p. 68).

A justificativa para a aplicação de tal princípio nos contratos, que é explanada por

Carlos Roberto Gonçalves (2009, p. 28), seria a de que não estando ninguém obrigado a

contratar e, mesmo assim, os que desejarem o fazer, por conta da concessão da ordem jurídica

da liberdade de contratar e de definir os termos e objeto do acordo, o que se relaciona de

forma direta com o princípio da autonomia da vontade já visto, deverão cumprir o contrato,

sendo este válido e eficaz, não podendo resguardarem-se das consequências do mesmo, a não

ser com a anuência da outra parte contratante.

Entende-se, portanto, que, por terem as cláusulas contratuais sido elaboradas pelas

partes contratantes, através da manifestação livre da sua vontade, estas são justas e devem ser

respeitadas acima de tudo. Assim, “[...] o contrato, como diz o art. 1.134 do Código Civil

francês, será a lei entre as partes.” (MARQUES, 2011, p. 68). Todavia, deve-se ressaltar

que, dentro da concepção clássica, existe uma limitação ao princípio do pacta sunt servanda,

que é a escusa por caso fortuito ou força maior, expressa no art. 393 e parágrafo único do

Código Civil de 2002 (GONÇALVES, 2009, p. 28).

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32

O caráter absoluto que se dava ao princípio em voga é compreensível, pois, de acordo

com Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho:

Enquanto predominaram as ideias liberais e individualistas do século XIX, era natural e até compreensível que, partindo-se da ideia (posteriormente reputada como equivocada) de que as partes são formalmente iguais, a vontade que delas emanasse poderia traduzir-se em lei imutável. (GAGLIANO e PAMPLONA, 2011, p. 74; grifo dos autores).

A grande importância dada à autonomia de vontade, bem como à igualdade e liberdade

de contratar, que existiam pelo menos no campo teórico, e que, de fato, desconsiderava a

situação econômica e social dos contraentes, como afirma Claudia Lima Marques (2011, p.

58), está diretamente ligada à teoria clássica do contrato, na qual:

[...] as regras referentes aos contratos deveriam compor um quadro de normas supletivas, meramente interpretativas, para permitir e assegurar a plena autonomia de vontade dos indivíduos, assim como a liberdade contratual. (MARQUES, 2011, p. 58).

A mesma doutrinadora continua a afirmar que:

Esta concepção voluntarista e liberal influenciará as grandes codificações do direito e repercutirá no pensamento jurídico do Brasil, sendo aceita e positivada pelo Código Civil brasileiro de 1916 (CC/1916), que não está mais em vigor desde 11.01.2003. (MARQUES, 2011, p. 58).

Houve uma relativização do princípio do pacta sunt servanda, todavia, pois, como

observa Carlos Roberto Gonçalves (2009, p. 28 e 29), por conta da 1ª Guerra Mundial,

situações contratuais, em que um dos contratantes sofria de onerosidade excessiva,

começaram a ser notadas; cumulado a isto, movimentos sociais surgiram alegando que o

poder econômico acabava por fazer com que os poderosos explorassem economicamente os

mais fracos, sob pena de não contratar. Assim, não poderia mais se falar na obrigatoriedade

dos contratos, de forma absoluta, quando não havia liberdade contratual idêntica entre as

partes.

Com as mudanças sociais ocorridas a partir da segunda metade do século XX, a

exemplo do avanço tecnológico, aumento da atividade industrial e os mercados de consumo

aquecidos:

[...] o princípio da igualdade formal entre as partes contratantes – baluarte da teoria clássica contratual e que sempre serviu de lastro à regra (até então absoluta) do pacta sunt servanda – começou a enfraquecer, descortinando falhas no sistema social, e, sobretudo, afigurando-se, em muitos casos, como

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33

uma regra flagrantemente injusta. (GAGLIANO e PAMPLONA, 2011, p. 42; grifos dos autores).

O entendimento a respeito do desequilíbrio, que pode ocorrer em relação às prestações

dos contratantes, mudou a orientação sobre a força obrigatória das cláusulas contratuais,

passando-se a aceitar, de forma excepcional, a intervenção judicial do conteúdo dos contratos.

Sendo assim, no direito moderno é completamente aceitável a intervenção estatal nos

contratos, por meio de aplicação de leis de ordem pública, para beneficiar o direito coletivo,

ou com intervenção judicial no contrato, para modificar o seu conteúdo ou liberar o

contratante lesado, para que não seja consumado um atentado contra a justiça

(GONÇALVES, 2009, p. 29).

Vale ponderar que o pacta sunt servanda não desapareceu, mas foi suavizado, sendo

que a segurança nas relações jurídicas advindas do contrato é indispensável, ocorrendo,

entretanto, a sua intolerância, com a não obrigatoriedade deste princípio, em decorrência da

disparidade entre os contratantes, por estarem em diferentes patamares, quando há proveito

injustificado de um deles. O próprio Código Civil de 2002, como aduz Carlos Roberto

Gonçalves (2009, p. 29) consagra o princípio em questão, mesmo que de forma implícita,

através do art. 389, que expressa a responsabilidade por perdas e danos, bem como de juros,

atualização monetária e honorários advocatícios, em casos de inadimplência contratual

(BRASIL, Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, 2011, sp.).

2.3 O CONTRATO DE ADESÃO

Ao tratar sobre contrato, importante é que se fale sobre uma modalidade deste negócio

jurídico que adveio com a modernidade: o contrato de adesão. Tal tipo de contrato se faz bem

presente nas relações jurídicas de consumo, além de ser clara expressão da sociedade de

massa e, por isso, é de grande interesse que este seja retratado no presente trabalho.

Os doutrinadores Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, sobre o tema,

afirmam que:

[...] nos dias que correm, em que a massificação das relações contratuais subverteu radicalmente a balança econômica do contrato, a avença não é mais pactuada sempre entre iguais, mas converteu-se, na grande maioria dos

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34

casos, em um negócio jurídico standardizado, documentado em um simples formulário, em que uma parte (mais fraca) incumbe aderir ou não à vontade da outra (mais forte), sem possibilidade de discussão do seu conteúdo. (GAGLIANO e PAMPLONA, 2011, p. 42; grifo dos autores).

O contrato de adesão diferencia-se do contrato paritário, tradicional, em que as

cláusulas e condições do contrato são discutidas livremente pelos contratantes, que

encontram-se em uma situação de igualdade, pois não há essa liberdade, mas sim a elaboração

de todas as cláusulas por apenas uma das partes, sendo a vontade dessa preponderante

(GONÇALVES, 2009, p. 76).

A justificativa, para a criação desta espécie de “contrato de massa”, é abordada por

Claudia Lima Marques, quando diz que:

Como se observa na sociedade de massa atual, a empresa e mesmo o Estado, pela sua posição econômica e pelas suas atividades de produção ou de distribuição de bens e serviços, encontram-se na iminência de estabelecer uma série de contratos no mercado. Esses contratos são homogêneos em seu conteúdo (por exemplo, vários contratos de seguro de vida, de compra e venda a prazo de bem móvel), mas concluídos com uma série ainda indefinida de contratantes. (MARQUES, 2011, p. 71).

Visando, portanto, a uma questão de praticidade e de economia, além de

racionalização e segurança, como expõe Claudia Lima Marques (2011, p. 71), um esquema

contratual é predisposto pela empresa, no caso da relação de consumo, pelo fornecedor, de

forma unilateral, ao consumidor, que simplesmente deve aderir. Dessa forma, um complexo

uniforme de cláusulas é previamente redigido e será aplicado, de maneira indistinta, a toda

série de relações contratuais futuras. Neste sentido, Rizzatto Nunes expressa que os contratos

de adesão:

São contratos que acompanham a produção. Ambos – produção e contratos – são decididos unilateralmente e postos à disposição do consumidor, que só tem como alternativa, caso queira ou precise adquirir o produto ou o serviço oferecido, aderir às disposições pré-estipuladas. (NUNES, 2011, p. 633).

O autor acima mencionado também faz uma importante observação quando afirma que

não há qualquer sentido falar em pacta sunt servanda nos contratos de adesão, pois tal

princípio pressupõe autonomia da vontade no contratar e na discussão sobre o que constará

nas cláusulas contratuais, o que inexiste nesse tipo de contrato. (NUNES, 2011, p. 633).

Claudia Lima Marques (2011, p. 75), ao falar sobre as novas técnicas contratuais,

como o contrato de adesão, observa que estas são muito importantes para o sistema de

produção e distribuição de massa atual, não havendo como retroceder a esse processo e que,

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mesmo com suas vantagens, também traz perigos para os contraentes vulneráveis ou

consumidores e continua afirmando que:

Estes aderem sem conhecer as cláusulas, confiando nas empresas que as pré-elaboraram e na proteção que, esperam, lhes seja dada por um direito mais social. Esta confiança nem sempre encontra correspondente no instrumento contratual elaborado unilateralmente, porque as empresas tendem a redigi-lo da maneira que mais lhe convém, incluindo uma série de cláusulas abusivas e inequitativas. (MARQUES, 2011, p. 75).

Tem-se que ressaltar que o contrato de adesão também tem seus aspectos positivos e a

sua nocividade está mais relacionada ao seu abuso por parte dos fornecedores. Tal modalidade

de contrato adequa-se perfeitamente à produção em escala e ao consumo gerado por esta,

beneficiando, portanto, a atual sociedade de consumo. Assim, deve-se:

[...] reconhecer que, a despeito de sua suscetibilidade às expansões do poder econômico, o contrato de adesão, desde que concebido segundo o superior princípio da função social, e pactuado em atenção ao mandamento constitucional de respeito à dignidade da pessoa humana, é um instrumento de contratação socialmente necessário e economicamente útil, considerando-se o imenso número de pessoas que pactuam, dia a dia, repetidamente, negócios da mesma natureza, com diversas empresas ou com o próprio Poder Público. (GAGLIANO e PAMPLONA, 2011, p. 43; grifo dos autores).

Devido à sua importância para as relações de consumo, o legislador institui o contrato

de adesão no Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 54 (BRASIL, Lei nº 8.078, de

11 de setembro de 1990, 2011, sp.), dispondo, inclusive, que pode ser inserida cláusula, sem

desfigurar a natureza do contrato, assim como tal contrato deve ser redigido de maneira clara,

para facilitar a compreensão pelo consumidor, devendo as cláusulas, que limitem direitos a

esse, terem destaque.

O Código Civil de 2002, vale ressaltar, confere uma especial proteção ao aderente dos

contratos de adesão expressa no seu artigo 423, que estabelece a interpretação mais favorável

àquele (também prevista no art. 47 do Código de Defesa do Consumidor), e no artigo 424,

que declara nula a cláusula que implique renúncia antecipada do contratante aderente a direito

resultante da natureza do negócio (BRASIL, Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, 2011,

sp.).

O fato é que os contratos de adesão já fazem parte da nova realidade contratual e já

encontram-se bastante difundidos:

[...] produzindo-se em múltiplos domínios, como, por exemplo, o dos seguros, o dos planos de saúde, o das operações bancárias, o da venda e

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aluguel de bens. Também as empresas públicas e as concessionárias de serviços públicos empregam esta técnica de contratação em massa. O Poder Público utiliza-se de contratos de adesão nas suas relações diretas com os consumidores de seus serviços e, na maioria das vezes, predispõe as cláusulas dos contratos que serão oferecidos pelos concessionários aos consumidores. (MARQUES, 2011, p. 78).

2.4 A FLEXIBILIDADE CONTRATUAL NO DIREITO DO CONSUMIDOR

Apresentado o contrato, instrumento de extrema importância para as relações jurídicas

patrimoniais, destacando-se as relativas às de consumo, pode-se passar a tratar o tema sobre a

nova perspectiva trazida com a promulgação do Código de Defesa do Consumidor. Antes,

porém, é mister abordar o assunto ressaltando as novidades trazidas à matéria pelo próprio

Código Civil de 2002, no que se refere à socialização do contrato, que acabaram por formar

uma nova teoria contratual e quanto a esta, Claudia Lima Marques afirma que:

Uma nova concepção mais social e intervencionista de contrato massificado aparece no novo Código Civil brasileiro, aprovado pelo Presidente da República, através da Lei 10.406, de 10.01.2002 (CC/2002), o qual introduz os mesmos princípios do Código de Defesa do Consumidor (função social dos contratos, boa-fé objetiva, objetivação do abuso etc.) no sistema do direito privado geral. [...] uma vez que o CC/2002 passa a regular, de forma unificadora, as obrigações civis e comerciais, sem afetar o Código de Defesa do Consumidor, mas servindo a este de nova base conceitual. (MARQUES, 2011, p. 59).

De acordo com Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2011, p. 79), os

princípios e conceitos trazidos pela doutrina civil, denotam uma grande contribuição da

doutrina civil moderna, pois “[...] de nada adianta concebermos um contrato com acentuado

potencial econômico ou financeiro, se, em contrapartida, nos depararmos com um impacto

negativo ou desvalioso no campo social.” (GAGLIANO e PAMPLONA, 2011, p. 79).

Com todas as mudanças sociais, como a já abordada sociedade de massa, que trouxe

reflexos no campo contratual, a exemplo do surgimento dos contratos de adesão, para proteger

os contratantes mais fracos e no que importa primordialmente, aqui, o consumidor, o Estado

teve que se tornar mais intervencionista para recompor o equilíbrio das prestações, o que

tornou possível a inclusão, nas codificações em questão, de princípios sociais relativos aos

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37

contratos. Corroborando com tal entendimento pode-se utilizar o pensamento de Claudia

Lima Marques, quando diz que: Ao Estado coube, portanto, intervir nas relações de consumo, reduzindo o espaço para a autonomia de vontade, impondo normas imperativas de maneira a restabelecer o equilíbrio e a igualdade de força nas relações entre consumidores e fornecedores. (MARQUES, 2011, p. 41).

Um dos importantes princípios trazido pelo Código Civil de 2002 refere-se ao da

função social. Tal princípio inflige o interesse coletivo em detrimento do interesse individual

e teve inspiração na limitação do direito de propriedade ao atendimento da função social

constante no artigo 5º, inciso XXIII, da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, Constituição

da República Federativa do Brasil de 1988, 2011, sp.).

O princípio da função social está expresso no art. 421, do Código Civil de 2002, in

verbis, “[...] a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social

do contrato.” (BRASIL, Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, 2011, sp.), bem como no

art. 2.035, parágrafo único, da mesma codificação, o qual expressa que “Nenhuma convenção

prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este

Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos”. Desta forma, os

sujeitos da relação jurídica, ao celebrarem um contrato, apesar de terem liberdade para

contratar, manifestando suas vontades, devem respeitar às condições impostas pela lei, não

apenas àquelas que se referem às regras formais de validade jurídica, mas, sobretudo, às “[...]

normas de cunho moral e social, que, por serem valoradas pelo ordenamento como

inestimáveis, são de inegável exigibilidade jurídica.” (GAGLIANO e PAMPLONA, 2011, p.

80).

A função social do contrato “tem por escopo promover a realização de uma justiça

comutativa, aplainando as desigualdades substanciais entre os contraentes.”

(GONÇALVES, 2009, p. 05). Mas de que forma isto seria feito? Bem, a resposta é dada pelo

próprio Gonçalves (2009, p. 05) que afirma que este princípio limita a autonomia da vontade

quando esta está em confronto com o interesse social e este deva prevalecer, o que desafia,

inclusive, a clássica concepção de que os contratantes podem fazer tudo o que quiserem, pois

estariam no exercício da autonomia da vontade.

A consequência trazida com o princípio da função social é que este, por exemplo, pode

“[...] possibilitar que terceiros, que não são propriamente partes do contrato, possam nele

influir, em razão de serem direta ou indiretamente por ele atingidos.” (GONÇALVES, 2009,

p. 05).

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38

Miguel Reale, sobre o tema, aduz que: O que o imperativo da “função social do contrato” estatui é que este não pode ser transformado em um instrumento para atividades abusivas, causando dano à parte contrária ou a terceiros, uma vez que, nos termos do Art. 187 [do Código Civil de 2002], “também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”. (REALE, 2003, sp.).

Fica claro, portanto, que o Novo Código Civil de 2002, afastou-se das concepções

individualistas, pelas quais o diploma anterior era norteado, no intuito de se compatibilizar

com a socialização do direito contemporâneo; isto reflete como os valores coletivos

prevaleceram sobre os individuais, mas não distanciando-se do valor fundamental da pessoa

humana, como afirma Carlos Roberto Gonçalves (2009, p. 04).

Cabe, aqui, citar o que diz o Doutor em Direito pela USP e membro do Conselho

Nacional de Justiça Paulo Luiz Netto Lôbo sobre os princípios sociais do contrato e a relação

entre o atual Código Civil brasileiro e o Código de Defesa do Consumidor:

No que concerne aos princípios do contrato, são notáveis as aproximações entre os dois códigos. E a causa reside no fato de ambos pretenderem realizar o ideário do Estado social, distanciando-se do individualismo acentuado que marcou as opções do Código Civil de 1916, fruto do contexto histórico do liberalismo do século XIX e do início do século XX, cuja ideologia foi nele estabelecida. (LÔBO, 2002, sp.).

Com tantas mudanças e a consequente evolução da matéria contratual, no Brasil, não

há como deixar de falar sobre o Código de Defesa do Consumidor, como exemplo destes

avanços conseguidos pela sociedade em matéria de proteção aos direitos, principalmente no

que concerne, obviamente, aos direitos do consumidor, que estão expressamente

representados no art. 6º, do referido código. Sendo assim, é inegável a importância e inovação

trazida com a promulgação da lei consumerista brasileira. Como também poderá ser

observado, a referida lei, ao proteger os interesses do consumidor, flexibilizou os contratos,

levando em consideração as situações em que estes pudessem prejudicar aquele.

A princípio, pode-se afirmar que o princípio da função social também se encontra

resguardado pelo Código de Defesa do Consumidor, conforme aduz Paulo Luiz Netto Lôbo

(LÔBO, 2002, sp.), mesmo que de modo implícito, através do seu artigo 4º, inciso III, no

trecho que dispõe que deve haver a “[...] compatibilização da proteção do consumidor com a

necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios

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nos quais se funda a ordem econômica.” (BRASIL, Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990,

2011, sp.).

Deve-se falar, também, sobre o que concerne a proteção ao consumidor, quando a lei

consumerista reconhece a sua hipossuficiência e vulnerabilidade ante os fornecedores,

buscando, assim, reequilibrar as partes na relação jurídica de consumo, o que está diretamente

ligado a outro princípio, o da equivalência material (LÔBO, 2002, sp.). Tal reconhecimento

pode ser encontrado nos artigos 4º, inciso I, e 6º, VIII, ambos da lei acima mencionada. A

respeito de tal questão, Rizzatto Nunes expõe que:

[...] o consumidor é vulnerável na medida em que não só não tem acesso ao sistema produtivo como não tem condições de conhecer seu funcionamento (não tem informações técnicas), nem de ter informações sobre o resultado, que são os produtos e serviços oferecidos. (NUNES, 2011, p. 629 e 630).

O reconhecimento da hipossuficiência e da vulnerabilidade do consumidor implica em

admitir que esse representa a parte fraca da relação jurídica de consumo. Rizzato Nunes

(2011, p. 630) afirma que esta fragilidade está relacionada a um aspecto de ordem técnica,

pois cabe ao fornecedor escolher o que, quando e de que forma produzir, fazendo com que o

consumidor esteja à mercê do que é produzido, e a um aspecto de ordem econômica, devido

ao fato de, em regra, o fornecedor ter uma capacidade econômica maior que a do consumidor

médio. Ressalte-se que ainda falta, a este último, informações suficientes a respeito dos

produtos e serviços que adquire e conhecimento técnico necessário para compreender o

conteúdo das cláusulas contratuais, principalmente porque o contrato típico, nas relações

jurídicas de consumo, é de adesão, o qual é produzido de forma unilateral pelo fornecedor; daí

a importância deste reconhecimento visando à proteção ao consumidor.

O Código de Defesa do Consumidor (BRASIL, Lei nº 8.078, de 11 de setembro de

1990, 2011, sp.), versa sobre as cláusulas abusivas, dedicando os artigos 51, 52 e 53 para

tratar da questão, devendo-se enfatizar o artigo 51, do código em questão, que cuida das

cláusulas contratuais que são consideradas nulas, as quais são elencadas no referido artigo,

entendendo-se cláusula como “[...] todo e qualquer pacto ou estipulação contratual, escrito

ou verbal, de todas as formas possíveis de fazerem nascer relações jurídicas de consumo.”

(NUNES, 2011, p. 662).

A fase pós-contratual recebeu a devida atenção, também, não se esvaindo a

responsabilidade do fornecedor, por conta dos efeitos que possam ser produzidos pelo

contrato após a sua conclusão. O próprio Código de Defesa do Consumidor garante a proteção

do consumidor em casos de vícios do produto ou do serviço, principalmente vícios ocultos,

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manifestados após o cumprimento do contrato, quando aquele já está utilizando o produto ou

serviço, conforme disposto no citado código, no seu art. 18 e art. 20 (BRASIL, Lei nº 8.078,

de 11 de setembro de 1990, 2011, sp.). Da mesma forma, a lei consumerista também protege o

consumidor, imputando responsabilidade objetiva ao fornecedor, em caso da ocorrência do

chamado defeito, ou acidente de consumo ou, ainda, fato do produto ou serviço, quando esses,

além de não cumprirem a função a que foram destinados (vício), causam outros danos ao

consumidor, o que está previsto nos arts. 12 e 14, do CDC (BRASIL, Lei nº 8.078, de 11 de

setembro de 1990, 2011, sp.).

A respeito disso, Sergio Cavalieri filho aduz que:

[...] mesmo findo o contrato, supondo que o seu adimplemento tenha ido integral e satisfatório, persiste a fase pós-contratual, durante a qual ainda estarão as partes vinculadas aos deveres decorrentes do princípio da boa-fé e ao cumprimento de obrigação contratual secundária (lealdade, diligência, informação), também chamados de deveres post pactum finitum. (CAVALIERI FILHO, 2010, p. 180).

Consolidando a forte proteção ao consumidor, para que a relação jurídica de consumo

seja equilibrada, salvaguardando o consumidor de possíveis abusos cometidos pelo

fornecedor, a lei consumerista, no seu artigo 46 (BRASIL, Lei nº 8.078, de 11 de setembro de

1990, 2011, sp.), efetiva o princípio da transparência, o qual está estampado no caput do art.

4º, da mesma lei, garantindo que os consumidores não serão obrigados a cumprir um contrato

quando não lhe for dada a oportunidade de, previamente, tomar conhecimento do seu

conteúdo ou se a redação daquele dificultar a compreensão do sentido e alcance do texto; e,

no seu artigo 47, estatui que as cláusulas contratuais devem ser interpretadas de maneira mais

favorável ao consumidor, o que “[...] se justifica pelos vários princípios que norteiam os

contratos de consumo, merecendo destaque aqui o protecionismo.” (NUNES, 2011, p. 641).

Por fim, e não menos importante, é necessário falar sobre o fato de o Código de

Defesa do Consumidor colocar o compromisso firmado acima da cláusula contratual,

vinculando a oferta ao anunciante, o que está expresso no art. 30, da referida ordenação, que

dispõe que: Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado. (BRASIL, Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, 2011, sp.)

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41

Denota-se, com o artigo acima citado, que a obrigação do fornecedor vai além do que

o estipulado no contrato e que o direito do consumidor deve ser resguardado, pois este deve

ser mais importante do que as cláusulas contratuais.

A flexibilidade dos contratos no Direito do consumidor fica por conta das disposições

previstas na lei consumerista, acima explanadas, que, visando proteger o lado mais fraco da

relação jurídica, que é o consumidor, como já explicado, pelo fato da sua vulnerabilidade e

hipossuficiência, culminado com o fato do contrato típico utilizado nessas relações ser o de

adesão, que evidencia a fragilidade do consumidor, por não ter este participado da elaboração

daquele, mas apenas tê-lo aderido, suavizou a aplicação do princípio do pacta sunt servanda,

concedendo ao consumidor garantias para protegê-lo de obrigações contratuais que o coloque

em desvantagem.

O que se fez ao conferir proteção ao consumidor e a flexibilizar a força obrigatória dos

contratos, com a lei consumerista, foi, também, atender, destacadamente, ao princípio da

função social do contrato, pois este não interessa somente às partes contratantes, mas a toda a

sociedade, sem que, com isto, fira-se a livre iniciativa de contratar, a qual é garantida pela

Constituição Federal de 1988, no inciso IV, do seu artigo 1º (BRASIL, Constituição da

República Federativa do Brasil de 1988, 2011, sp.), mas garantir que ela não seja irrestrita,

para que não se torne abusiva.

2.5 A BOA-FÉ

Tópico especial deve ser dedicado ao princípio da boa-fé nos contratos, devido à sua

grande importância, não apenas como princípio que os norteia, mas para o adequado

entendimento dos propósitos deste trabalho.

Como já visto, o Código Civil de 2002 dispõe que a liberdade de contratar deve ser

exercida em conformidade com os fins sociais do contrato, mas também preceitua que deve-se

resguardar os princípios da probidade e da boa-fé, conforme seu artigo 422, in verbis: “Os

contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua

execução, os princípios de probidade e boa-fé.” (BRASIL, Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de

2002, 2011, sp.). Como o princípio da boa-fé é o foco deste tópico, deve-se de início deixar

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42

claro o que é a probidade citada no referido artigo, para que o enfoque devido seja dado

àquele princípio; assim, a probidade:

[...] nada mais é senão um dos aspectos objetivos do princípio da boa-fé, podendo ser entendida como a honestidade de proceder ou a maneira criteriosa de cumprir todos os deveres, que são atribuídos ou cometidos à pessoa. Ao que se percebe, ao mencioná-la teve o legislador mais a intenção de reforçar a necessidade de atender ao aspecto objetivo da boa-fé do que estabelecer um novo conceito. (GONÇALVES, 2009, p. 34).

Esclarecido isto, pode-se explanar devidamente sobre o princípio da boa-fé.

Segundo Miguel Reale, “[...] a boa-fé não constitui um imperativo ético abstrato, mas

sim uma norma que condiciona e legitima toda a experiência jurídica, desde a interpretação

dos mandamentos legais e das cláusulas contratuais até as suas últimas consequências.”

(REALE, 2003, sp.). Tal afirmação, do renomado doutrinador, já denota a relevância deste

princípio que recebeu tratamento especial, tanto no Código Civil de 2002, quanto no Código

de Defesa do Consumidor.

A noção de boa-fé (bona fides), como observam Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo

Pamplona Filho (2011, p. 99), foi primeiramente utilizada no Direito Romano, mais como um

conceito ético que uma expressão jurídica, todavia o Direito Alemão, que recebeu a cultura

jurídica romanista, através do Treu und Glauben (lealdade e confiança), que é uma regra

jurídica cuja observância deveria ser aplicada a todas as relações jurídicas, expressa uma

proximidade maior com o princípio da boa-fé que, aqui, é estudado. Deve-se dizer que os

alemães foram os responsáveis pelo desenvolvimento teórico e dogmático deste instituto

(GAGLIANO e PAMPLONA, 2011, p. 100).

Tem-se, contudo, que diferenciar a boa-fé subjetiva, da boa-fé objetiva, pois a boa-fé

pode ser tanto forma de conduta, representada pela subjetiva, como norma de comportamento,

representada pela objetiva (GONÇALVES, 2009, p. 35).

A boa-fé subjetiva “[...] consiste em uma situação psicológica, um estado de ânimo

ou de espírito do agente que realiza determinado ato ou vivencia dada situação, sem ter

ciência do vício que a inquina.” (GONÇALVES, 2009, p. 101). Nesse sentido, Rizzatto

Nunes aduz que:

A boa-fé subjetiva diz respeito à ignorância de uma pessoa acerca de um fato modificador, impeditivo ou violador de seu direito. É, pois, a falsa crença acerca de uma situação pela qual o detentor do direito acredita em sua legitimidade, porque desconhece a verdadeira situação. (NUNES, 2011, p. 195).

Page 45: O exercício de boa-fé do direito de arrependimento nas relações de consumo - legislação e abrangência

43

A forma subjetiva da boa-fé pode ser encontrada em alguns preceitos do Código Civil

atual, como no art. 1.561, caput, que trata dos efeitos do casamento putativo, bem como nos

artigos 1.201 e 1.202, que tratam da posse de boa-fé, por exemplo (BRASIL, Lei nº 10.406,

de 10 de janeiro de 2002, 2011, sp.).

A boa-fé objetiva, por sua vez, “[...] tendo natureza de princípio jurídico – delineado

de um conceito jurídico indeterminado –, consiste em uma verdadeira regra de

comportamento, de fundo ético e exigibilidade jurídica.” (GAGLIANO e PAMPLONA,

2009, p. 101). Podendo ser entendida como:

[...] a “fidelidade” e coerência no cumprimento da expectativa alheia independentemente da palavra que haja sido dada, ou do acordo que tenha sido concluído, representando, sob este aspecto, a atitude de lealdade, de fidelidade, de cuidado que se costuma observar e que é legitimamente esperada nas relações entre homens honrados, no respeitoso cumprimento das expectativas reciprocamente confiadas. É o compromisso expresso ou implícito da “fidelidade” e “cooperação” nas relações contratuais, é uma visão mais ampla, menos textual do vínculo, é a concepção leal do vínculo, das expectativas que desperta (confiança). (MARQUES, 2011, p. 215 e 216; grifo da autora).

O princípio em questão tem a finalidade de garantir a ação sem abuso, fazendo com

que esta não cause lesão a ninguém, cooperando para que o fim desejado, no contrato, seja

atingido, realizando, assim, os interesses de ambas as partes (NUNES, 2011, p. 196). Não é

possível, contudo, elencar todas as hipóteses em que o princípio da boa-fé objetiva pode

configurar-se, pois trata-se de uma norma cujo conteúdo não pode ser fixado de maneira

rígida, pois sempre depende das circunstâncias do caso, o que é importante em um sistema

aberto, pois assim confere ao intérprete a liberdade para estabelecer o seu sentido e o seu

alcance em cada caso isolado (GONÇALVES, 2009, p. 36).

O Código Civil de 2002 incorporou a boa-fé objetiva como cláusula geral no art. 113,

que trata da interpretação dos negócios jurídicos, no art. 187, quando dispõe que comete ato

ilícito aquele que também excede os limites impostos pela boa-fé e no já mencionado artigo

422, que impõe tal princípio como norma de conduta aos contratantes na conclusão e na

execução dos contratos (BRASIL, Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, 2011, sp.).

Quanto ao supracitado artigo 422, do Código Civil de 2002, tem que se falar que o

legislador colocou a probidade e a boa-fé como verdadeira obrigação dos contratantes,

contudo, segundo Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2011, p. 113 e 114),

cometeu uma falha ao determinar que a boa-fé apenas seria observável quando da conclusão e

durante a execução do contrato, pois tal princípio deve incidir inclusive na fase pré-contratual

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44

e na pós-contratual, tendo como base o macroprincípio constitucional da dignidade da pessoa

humana; de outra forma, seria o mesmo que admitir que a legislação permitiria a prática de

condutas desleais nas fases acima mencionadas.

O Código de Defesa do Consumidor incorporou a boa-fé objetiva como princípio que

deve ser seguido para a harmonização dos interesses dos participantes da relação de consumo,

de acordo com o seu artigo 4º, inciso III, e como critério para que seja definida a abusividade

das cláusulas, conforme o seu artigo 51, inciso IV (BRASIL, Lei nº 8.078, de 11 de setembro

de 1990, 2011, sp.).

Sobre tal princípio, no Código de Defesa do Consumidor, Rizzatto Nunes declara que:

O princípio da boa-fé estampado no art. 4º da lei consumerista tem [...] como função viabilizar os ditames constitucionais da ordem econômica, compatibilizando interesses aparentemente contraditórios, como a proteção do consumidor e o desenvolvimento tecnológico. Com isso, tem-se que a boa-fé não serve somente para a defesa do débil, mas sim como fundamento para orientar a interpretação garantidora da ordem econômica [...] (NUNES, 2011, p. 196).

A positivação do princípio da boa-fé objetiva foi uma grande contribuição trazida pela

lei consumerista à interpretação das relações contratuais no Brasil, sendo que, tal lei, além de

impor tal princípio como linha teleológica de interpretação (artigo 4º, III) e como cláusula

geral (artigo 51, IV), positivou vários deveres anexos às relações contratuais, em todo o seu

corpo de normas (MARQUES, 2011, p. 219).

Os autores Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2011, p. 103) afirmam

que, com a nova teoria contratual, há que se entender que o contrato não se esgota apenas na

obrigação de dar, fazer ou não fazer e que, além do dever jurídico principal, o princípio da

boa-fé objetiva também impõe a observância de deveres jurídicos anexos ou de proteção,

tendo como exemplo os deveres de lealdade e confiança, assistência, informação,

confidencialidade, entre outros; sendo que tais deveres são impostos tanto ao sujeito ativo da

relação jurídica obrigacional, quanto ao sujeito passivo.

Quanto a tais deveres anexos, Claudia Lima Marques aduz que:

Reconhecer a existência de deveres anexos de conduta significa, igualmente interpretar o contrato de forma mais abrangente. Redigido de forma não clara, ou atuando o fornecedor em sentido contrário ao que informou ao consumidor (venire contra factum próprio), deverá o fornecedor, uma vez vinculado ex lege por essas promessas e atuações, cumprir o contrato totalmente. O fornecedor deverá realizar as expectativas (agora legítimas) do consumidor, adimplir seu dever principal e seus deveres anexos. (MARQUES, 2011, p. 243).

Page 47: O exercício de boa-fé do direito de arrependimento nas relações de consumo - legislação e abrangência

45

Um dos deveres anexos, cuja observância é imposta pelo princípio da boa-fé objetiva,

é o dever de informação, disposto nos artigos 30 e 31, da lei consumerista, já explanados no

presente trabalho como uma das disposições que denotam a flexibilidade do Código de Defesa

do Consumidor em relação aos contratos, para proteger o consumidor e equilibrar a relação

jurídica. Tal dever é de grande importância nas relações de consumo, pois já é visualizado na

fase pré-contratual, momento em que o consumidor escolhe que produto ou serviço irá

adquirir e é influenciado pelas informações passadas pelo fornecedor, o qual deve prestá-las

de forma em que não haja indução ao erro, dolo, falha ou promessas vazias, pois as

informações passadas são juridicamente relevantes neste tipo de relação jurídica, porque

integrarão a relação contratual futura e deverão ser cumpridas na fase de execução do contrato

(MARQUES, 2011, p. 222 e 223). Ainda, pode-se afirmar que o dever de informar trata-se de

imperativo de lealdade entre os contraentes (GAGLIANO e PAMPLONA, 2011, p. 109).

O dever de informação se faz presente, inclusive, na fase pós-contratual, segundo

Claudia Lima Marques (2011, p. 223). pois há a necessidade de, por exemplo, alertar os

consumidores sobre os riscos descobertos posteriormente à prestação principal nos produtos e

serviços, o que pode ser verificado com a leitura do § 1º, do artigo 10, da lei consumerista

(BRASIL, Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, 2011, sp.). A subsistência dos efeitos dos

deveres anexos à própria vigência do contrato não é algo absurdo, pois a própria doutrina

reconhece tal fenômeno e convencionou chama-lo de “pós-eficácia das obrigações”, que se

justifica por conta da asseguração do correto cumprimento da obrigação principal

(GAGLIANO e PAMPLONA, 2011, p. 116).

Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2011, p.107), ao falarem sobre os

deveres de lealdade e confiança recíprocas, afirmam que tais deveres são anexos gerais de

uma relação contratual, estando o primeiro relacionado aos compromissos assumidos,

respeitando-se os princípios e regras que norteiam a honra e a probidade, e o segundo

relacionado à transparência e à enunciação da verdade, com a correspondência entre a vontade

e a conduta praticada, sem omissões dolosas, formando um elo de segurança jurídica baseada

na confiança entre as partes contratantes. Ao mencionarem a confiança, os doutrinadores

fazem uma importante observação quando afirmam que confiança enquanto:

[...] sentido de crença na probidade moral de outrem, é algo, portanto, que não se outorga por decreto, mas, sim, que se conquista justamente pela prática de uma conduta leal ou se pressupõe em uma sociedade que se pretende reconhecer como civilizada. (GAGLIANO e PAMPLONA, 2011, p. 107; grifo meu).

Page 48: O exercício de boa-fé do direito de arrependimento nas relações de consumo - legislação e abrangência

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Assim, sendo a confiança, advinda da boa-fé, um dever anexo de uma relação

contratual e, segundo os autores acima citados, algo que se conquista ao praticar uma conduta

leal e que também pode ser presumida de uma sociedade civilizada, em uma determinada

relação jurídica, ao se firmar um contrato, as partes devem presumir a boa-fé uma da outra,

desde quando elas não tenham agido de forma que pudesse macular aquela confiança. Em

uma relação jurídica de consumo, então, em que a boa-fé é imposta na sua forma objetiva, tal

afirmação tem uma importância ainda maior, pois, por exemplo, o fornecedor deve presumir a

boa-fé do consumidor quando este faz uso de um direito seu, como o de arrependimento,

explanado no tópico seguinte.

Vale, neste momento, mencionar o que diz Claudia Lima Marques a respeito da boa-fé

objetiva, que, segundo ela:

[...] significa, portanto, uma atuação “refletida”, uma atuação refletindo, pensando no outro, no parceiro contratual, respeitando-o, respeitando seus interesses legítimos, suas expectativas razoáveis, seus direitos, agindo com lealdade, sem abuso, sem obstrução, sem causar lesão ou desvantagem excessiva, cooperando para atingir o bom fim das obrigações: o cumprimento do objetivo contratual e a realização dos interesses das partes. (MARQUES, 2011, p. 216).

O princípio da boa-fé, como pode ser visto, está arraigado nos contratos, por conta das

disposições legais, vislumbradas no Código Civil de 2002 e no Código de Defesa do

Consumidor, principalmente naqueles relacionados às relações jurídicas de consumo, em que

a boa-fé objetiva é imposta. Condutas em consonância com tal princípio são cobradas, pelo

ordenamento jurídico, a ambas as partes contratantes, mas ao analisar a lei consumerista,

verifica-se que o princípio em questão também confere proteção jurídica ao consumidor,

assim como o faz o princípio da função social do contrato, o que é completamente justo, haja

vista aquele representar a parte mais fraca na relação de consumo. Tais princípios acabaram

por conferir o caráter protecionista do Código de Defesa do Consumidor, que é evidenciado

através de sua flexibilidade em relação aos contratos.

A proteção ao consumidor também se traduz na garantia da presunção de que este

esteja agindo com fidelidade e lealdade, sem o intuito de lesionar ou abusar do fornecedor,

cumprindo assim a boa-fé exigida, quando busca anular um contrato que não o satisfez de

forma adequada, não tendo os seus interesses realizados de forma adequada.

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47

3 O DIREITO DE ARREPENDIMENTO

3.1 PREVISÃO LEGAL NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

O contrato, como pode ser vislumbrado no tópico anterior, cada vez menos é uma

figura imutável, da qual as partes estão, de forma irremediável, atreladas e nada pode atingir o

convencionado. É mister que leve-se em consideração, para a correta efetividade e validação

de um contrato, os princípios anteriormente mencionados e suas implicações para as partes e

para o próprio negócio jurídico celebrado. Buscando, portanto, o equilíbrio contratual e a

devida aplicação dos princípios da função social do contrato e da boa-fé objetiva, a legislação

brasileira tem evoluído e buscado cumprir tal enunciado, sendo o Código de Defesa do

Consumidor o maior exemplo disto.

Uma das novidades trazidas com a promulgação da lei consumerista, em setembro de

1990, foi o chamado direito de arrependimento, também chamado de prazo de reflexão,

através do artigo 49 da referida lei, que dispõe, em seu caput, que:

Art. 49. O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio. (BRASIL, Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, 2011, sp.).

Esse direito, em favor do consumidor, traz novidades à matéria contratual e coaduna

com o direcionamento protecionista do Código de Defesa do Consumidor e, segundo Rizzatto

Nunes (2011, p. 645), a norma do artigo 49, do referido código, veio para dar uma proteção

maior aos consumidores que adquirem, fora de estabelecimento comercial, produtos ou

serviços.

O direito de arrependimento existe em outros países, como os da União Europeia, e já

existia, de forma pioneira, nos ordenamentos jurídicos da França, Alemanha e dos Estados

Unidos da América (MARQUES, 2011, p. 869). O também chamado direito de reflexão, por

conta do prazo de reflexão para a desistência da aquisição pelo consumidor, teve sua criação

motivada pelas vendas de porta em porta ou venda em domicílio, técnica comercial de vendas

que ocorrem fora de um estabelecimento comercial, que, por conta de seus benefícios aos

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fornecedores, a exemplo do baixo investimento e ausência de vínculo empregatício com os

vendedores, é bastante difundida na sociedade de massa (MARQUES, 2011, p. 867).

O tipo de venda de porta em porta era muito difundida em países como Estados

Unidos e na Europa, na década de 70, porém, as suas particularidades levaram ao

entendimento de que havia a necessidade de uma disciplina específica para este tipo de venda.

As particularidades ficam por conta dos inconvenientes que a venda de porta em porta traz,

pois ela coloca o consumidor em uma situação de vulnerabilidade bastante evidente, pois este,

sendo perturbado em seu domicílio ou ambiente de trabalho, pelos vendedores, tem pouco

tempo para avaliar se realmente deseja se obrigar; se são, de fato, favoráveis às condições

oferecidas; por não ter a possibilidade de comparação com outros produtos; além de depender

totalmente das informações prestadas pelo vendedor (MARQUES, 2011, p. 867 e 868).

Mencione-se, também, que a modalidade de venda em questão prejudica a concorrência leal,

pois:

[...] sem suportar os ônus fiscais e econômicos para manter um estabelecimento comercial, o fornecedor que utiliza essa técnica vai ao encontro do cliente, que sem poder comparar os preços e a qualidade do produto apresentado e, por vezes, para se livrar de importuno vendedor, decide-se pelo produto oferecido. Igualmente, dos vendedores em domicílio não é exigido um nível profissional maior, pois não existe vínculo empregatício entre ele e o fornecedor do produto, e sua remuneração se darão por prêmios ou porcentagens. Tudo acaba por incentivar que o vendedor se utilize de qualquer artifício, inclusive o de mascarar ou omitir informações importantes para o consumidor sobre o preço, a qualidade e os riscos do produto, para vender mais e alcançar uma retribuição adequada. (MARQUES, 2011, p. 868).

Diante dessa falta de equilíbrio entre as partes, em prejuízo do consumidor, nada mais

justo que garantir a este uma norma específica que o proteja nesta situação específica,

facultando-lhe um prazo para que reflita sobre a aquisição do produto ou do serviço. Devido à

prática da venda de porta em porta ocorrer também no Brasil, o legislador brasileiro entendeu

que seria adequado a garantia legal do prazo de reflexão para o consumidor brasileiro, visando

proteger este, como também desestimular a prática de tal modalidade de venda.

A legislação brasileira apenas dedicou o artigo 49, do Código de Defesa do

Consumidor, para tratar o tema em questão. Faz-se necessário, assim, que se compreenda a

abrangência deste dispositivo legal.

Ada Pellegrini Grinover e os demais autores do anteprojeto da lei consumerista

explicam que com o artigo supra citado:

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O Código consagra o direito de o consumidor arrepender-se e voltar atrás em declaração de vontade que haja manifestado celebrando relação jurídica de consumo. O direito de arrependimento existe per se, sem que seja necessária qualquer justificativa do porquê da atitude do consumidor. Basta que o contrato de consumo tenha sido concluído fora do estabelecimento comercial para que incida, plenamente, o direito de o consumidor arrepender-se. (GRINOVER [et al.], 2007, p. 560).

O direito de arrependimento, nas palavras do doutrinador Sergio Cavalieri Filho:

[...] é um direito unilateral do consumidor de desfazer o contrato, um direito formativo extintivo, tal qual a resolução, a denúncia ou a revogação nos contratos paritários. Direito potestativo (ou formativo), apenas a título de recordação, é aquele ao qual não corresponde um dever, mas um estado de sujeição. (CAVALIERI FILHO, 2010, p. 145).

Tem-se, então, que o consumidor pode desistir de um contrato pactuado com um

fornecedor, desde que atendidos os requisitos elencados pelo artigo 49, da lei consumerista.

Claudia Lima Marques (2011, p. 873) aduz que a norma do artigo citado é uma norma

complexa, que mistura várias figuras:

[...] como o arrependimento, que até então era pré-contratual, a desistência unilateral, enquanto o direito tradicional conhecia somente o distrato, e o prazo de reflexão, que até agora era considerado um simples dever acessório ao contrato. (MARQUES, 2011, p. 873).

Os principais aspectos do direito de arrependimento serão abordados, para que se

entenda de forma objetiva a matéria, pois, como a supracitada doutrinadora mencionou, a

norma que trata de tal direito é complexa.

O primeiro requisito, a se falar, refere-se ao modo ou lugar em que o consumidor

adquire o produto ou serviço. O artigo 49, do Código de Defesa do Consumidor, especifica

que ao consumidor é facultado desistir do contrato “[...] sempre que a contratação de

fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial,

especialmente por telefone ou a domicílio.” (BRASIL, Lei nº 8.078, de 11 de setembro de

1990, 2011, sp.).

O modo mais comum de se adquirir produtos ou serviços, tratando-se de uma relação

jurídica de consumo, é através da realização de alguns procedimentos preventivos, pelo

consumidor, como fazer cotação de preços e verificar as especificações do produto, para então

ir até um estabelecimento comercial escolhido e efetivar a compra e venda já planejada. Há

situações, todavia, em que o consumidor não tem a oportunidade de verificar o produto ou o

serviço, observando suas qualidades e defeitos, pois pode, até mesmo, nem ter visto o produto

antes de adquiri-lo, por exemplo; tais situações são usualmente ocorrentes quando a aquisição

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se dá fora do estabelecimento comercial, por isso a lei consumerista protege o consumidor em

tais situações, ao conceder-lhe prazo para arrepender-se do negócio efetivado, sem ônus

algum (GRINOVER [et al.], 2007, p. 561). Tem-se, então, que:

Nesse tipo de aquisição o pressuposto é que o consumidor está ainda mais desprevenido e despreparado para comprar do que quando decide pela compra e, ao tomar a iniciativa de fazê-la, vai até o estabelecimento. (NUNES, 2011, p. 645).

A lei consumerista menciona a contratação que se dá através de telefone ou a

domicílio, mas deve-se compreender que tal citação é, de forma evidente, exemplificativa,

como aduz Rizzatto Nunes (2011, p. 645), que ainda observa que a preferência do legislador

em exemplificar a contratação por estes meios se deu pelo fato da referida lei ter sido

promulgada no ano de 1990 e, sendo assim, tais tipos, que se realizam fora de estabelecimento

comercial, eram os mais comuns.

A título de exemplo, pode-se citar alguns meios pelos quais o consumidor pode

adquirir produtos e serviços fora do estabelecimento comercial, como: no seu domicílio,

através da visita de um vendedor; através do telefone; mediante correspondência, que pode ser

mala direta, carta-resposta, etc.; por meios eletrônicos, como pela Internet; assistindo

televisão e, posteriormente, comprando via telefone, correio ou Internet (NUNES, 2011, p.

645).

Vale dizer que o tipo de contrato comumente utilizado nesses negócios jurídicos, que

se dão fora de estabelecimentos comerciais, são contratos de adesão, em que o consumidor

não discute as cláusulas, apenas as aceita; o que, como já dito em tópico dedicado aos

contratos, é típico dos contratos realizados em relações jurídicas de consumo, sendo,

inclusive, disciplinados pela lei consumerista.

A proteção dada ao consumidor que adquire produtos e serviços fora do

estabelecimento comercial é de extrema importância e bem condizente com o momento atual,

em que as vendas através da internet tem crescido constantemente. Segundo artigo publicado

no site G1 (BRASIL é o 3º país onde se faz mais compras pela internet, 2011, sp.), o Brasil se

tornou, em 2011, o terceiro país que mais faz compras on-line, sendo que noventa e seis por

cento dos usuários de internet no país, de um total estimado de setenta e quatro milhões, já

realizaram alguma compra por este meio. Nada mais adequado que o ordenamento jurídico

brasileiro tenha previsões legais que possam proteger essa gama tão vasta de consumidores,

que contratam deste modo, como o faz através do direito de arrependimento.

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O prazo de reflexão, que é o lapso temporal ofertado ao consumidor para refletir

calmamente sobre a compra que realizou, segundo o artigo 49, do Código de Defesa do

Consumidor (BRASIL, Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, 2011, sp.), é de sete dias.

Segundo Sergio Cavalieri Filho:

Nesse prazo, o consumidor pode desistir do contrato independentemente de qualquer justificativa. A lei dá ao consumidor a faculdade (direito potestativo ou formativo) de desistir daquela compra de impulso, efetuada sob forte influência da publicidade sem que o produto esteja sendo visto de perto, concretamente, ou sem que o serviço possa ser mais bem examinado. (CAVALIERI FILHO, 2010, p. 145).

O referido prazo passa a contar a partir da data de assinatura do contrato ou do ato do

recebimento do produto ou serviço, como consta na norma do artigo 49, da lei consumerista

(BRASIL, Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, 2011, sp.). Conforme aduz Rizzatto

Nunes (2010, p. 647), para a contagem do prazo é aplicada supletivamente a norma constante

no artigo 132, do Código Civil de 2002, excluindo-se o dia do início e incluindo-se o último

dia, sendo que se o dia da contagem inicial, ou o último dia, cair em um domingo ou feriado,

o início da contagem será adiado para o primeiro dia útil subsequente.

O caso em concreto que vai determinar se a contagem do prazo se dará a partir da

assinatura do contrato ou do ato do recebimento do produto ou serviço. De acordo com o

ensinamento de Sergio Cavalieri Filho (2010, p. 146), quando se trata de contrato que não

importa na entrega do produto ou serviço posteriormente, como, por exemplo, na contratação

de serviço de televisão a cabo, aquisição de seguro, feita por vendedores a domicílio, ou

assinatura de revistas, o prazo será contato a partir da assinatura do contrato; quando se trata

de situação de aquisição de produtos ou serviços, em que a entrega destes é posterior à

celebração do contrato, o prazo começa a correr apenas após o recebimento do produto ou da

prestação do serviço. Sendo assim, no caso de um livro comprado via internet, por exemplo, o

prazo de sete dias apenas começa a ser contado no momento em que o consumidor o recebe,

no endereço informado no momento da compra.

O prazo de reflexão pode também ser maior que os sete dias especificados no artigo

49, do Código de Defesa do Consumidor. Isto apenas acontece quando o fornecedor oferta um

prazo maior para a reflexão e desistência por parte do consumidor. Nesta hipótese, o

fornecedor deve cumprir o prazo ofertado, pois de acordo com o artigo 30, da lei

consumerista, a oferta vincula o fornecedor (NUNES, 2010, p. 647).

Vale dizer que a legislação não exige qualquer justificativa para a desistência do

consumidor. Este pode desistir da compra pelo fato de não ter gostado da cor ou do tamanho

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do produto, pode ter se arrependido de gastar a importância utilizada na aquisição, enfim, as

razões são pessoais e não importam para os efeitos legais. É necessário, apenas, que o

consumidor manifeste a desistência de maneira objetiva (NUNES, 2010, p. 647).

A manifestação da desistência não tem um modo especificado e obrigatório pela lei.

Sendo assim, o consumidor pode utilizar de diferentes meios para manifestar a desistência,

dando ciência da mesma ao fornecedor, como através da Internet, telefone, correio, entrega

pessoal de carta, notificação via Cartório de Títulos e Documentos, entre outros. Ressalte-se

que o prazo da manifestação da desistência pode ocorrer até o último dia e deve ser contado a

partir da remessa do aviso, pois, por não ter o consumidor o controle sobre os meios em que

se manifesta a desistência, não há como garantir que a desistência chegue ao fornecedor

dentro do prazo (NUNES, 2010, p. 647).

Quando o consumidor exerce o direito de arrependimento, não há qualquer ônus para

ele, conforme o disposto no parágrafo único, do artigo 49, do Código de Defesa do

Consumidor, o qual expressa que “Se o consumidor exercitar o direito de arrependimento

previsto neste artigo, os valores eventualmente pagos, a qualquer título, durante o prazo de

reflexão, serão devolvidos, de imediato, monetariamente atualizados.” (BRASIL, Lei nº

8.078, de 11 de setembro de 1990, 2011, sp.). Desta forma, no caso em que o consumidor

desista da aquisição dentro do prazo de reflexão, ele tem direito a ter imediatamente

devolvidas todas as quantias eventualmente pagas, monetariamente atualizadas; sendo que é

considerada cláusula abusiva e, desta maneira, nula, conforme disposição do artigo 51, inciso

II, da lei consumerista, aquela que retire o direito ao reembolso ao consumidor (GRINOVER

[et al.], 2007, p. 563). Em relação a esta questão, Ada Pellegrini Grinover (2007, p. 563) ainda

afirma que, no exercício do direito de arrependimento, o consumidor não tem obrigação de

arcar com as despesas de postagem, frete e outros encargos suportados pelo fornecedor, já que

este último corre o risco do negócio, ao optar por práticas comerciais realizadas fora do

estabelecimento comercial e por saber da possibilidade legal do exercício de tal direito pelo

consumidor, não podendo, este último, ser apenado com as despesas do contrato resolvido.

Quando o consumidor manifesta a desistência, os efeitos da revogação do ato são ex

tunc, reestabelecendo o status quo ante, fazendo como se nunca houvesse existido o negócio

jurídico celebrado, o que justifica a devolução de todas as quantias pagas por aquele, bem

como o pagamento, por parte do fornecedor, de todas as despesas necessárias à devolução do

produto ou serviço (NUNES, 2010, p. 650 e 651).

Em relação à volta ao status quo ante, deve-se ponderar que nos contratos de serviço

já executados, não há como, fisicamente, tal preceito ser cumprido, assim, o consumidor pode

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fazer uso do direito de arrependimento, contanto que reestabeleça o fornecedor na situação em

que este se encontrava antes da contratação, ressarcindo pelo serviço prestado (MARQUES,

2011, p. 877).

No que concerne ao direito de arrependimento, deve ser feita a observação que o

consumidor o manifesta em um contrato consumado, uma compra e venda perfeita e acabada,

em que foram produzidos todos os seus efeitos; não se trata de condição suspensiva e nem de

comodato. O direito de arrependimento é um direito unilateral do consumidor de desfazer o

contrato, é direito formativo extintivo do consumidor, ao qual o fornecedor está sujeito

(CAVALIERI FILHO, 2010, p. 146 e 147).

Faz-se necessário dizer que, conforme explana Sergio Cavalieri Filho (2010, p. 146),

durante o prazo de reflexão, por se tratar de um contrato perfeito, todas as responsabilidades

contratuais podem ocorrer; assim, caso o produto apresente vício ou defeito, o fornecedor

deve indenizar normalmente o consumidor, de acordo com as normas da lei consumerista; de

igual maneira, no caso do perecimento da coisa adquirida, o consumidor não pode mais

exercer o direito de arrependimento, sofrendo os riscos normais do proprietário.

3.2 A COMPRA POR IMPULSO

É notório, diante do exposto, que o direito de arrependimento representa uma proteção

ao consumidor e que foi uma decisão acertada, do legislador, o prever na lei consumerista.

Pode-se dizer, todavia, que tal norma, diante da realidade social atual, poderia ter a sua

abrangência ampliada, motivada pelos fatores que serão arguidos.

O entendimento de que havia a necessidade de uma norma legal, tal qual a constante

no artigo 49, do Código de Defesa Consumidor, veio com a prática das chamadas vendas de

porta em porta, que, como já explanado, refere-se àquelas praticadas fora de estabelecimento

comercial, ocorrendo, principalmente, à época da elaboração da lei consumerista, através da

visita de vendedores nos domicílios dos futuros consumidores, bem como através de telefone

e catálogos. Tais vendas são consideradas abusivas para o consumidor, pois não oferecem, a

este, o tempo necessário para refletir sobre a compra, além da maior probabilidade de os

vendedores utilizarem de artifícios inapropriados para aumentar o número de vendas

(MARQUES, 2011, p. 868). Sobre isto, Claudia Lima Marques afirma que:

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No Brasil, preocupações com essas práticas agressivas de vendas, também chamadas de “vendas sob impulso” (vendas em domicílio, por telefone, por meio de reembolso postal), que deixam clara a vulnerabilidade do consumidor (aposentados, donas de casa, adolescentes etc.), levaram o legislador do CDC a editar norma específica para que fosse assegurado um mínimo de boa-fé nessas relações entre fornecedores e consumidores, pois os instrumentos tradicionais que o direito colocava à disposição dos consumidores (o erro, o dolo e a consequente anulação do contrato) esbarravam em evidentes dificuldades práticas e de prova. (MARQUES, 2011, p. 868 e 869; grifo da autora).

Tem-se, assim, que tais práticas comerciais já eram consideradas abusivas antes

mesmo do advento do Código de Defesa do Consumidor, pois já era de fácil constatação que

o consumidor, diante das relações de consumo advindas dessas práticas, encontrava-se em

uma posição vulnerável em relação ao fornecedor. Acontece que, na atualidade, diante dos

novos métodos praticados, pelos fornecedores, para vender, a vulnerabilidade do consumidor

encontra-se mais notória e acentuada, devendo o ordenamento jurídico se adequar a tal

mudança.

Cláudio Bonatto e Paulo Valério Dal Pai Moraes (2009, p. 195 e 196) tratam da

questão das práticas dos fornecedores, para o convencimento dos consumidores a adquirirem

bens. Segundo eles, atualmente, os fornecedores tem grandes estruturas de marketing, com

vendedores altamente treinados para vender os produtos e serviços, o que leva consumidores a

serem induzidos a adquirir produtos que nem sequer tem condições de pagar, por causa de um

aparato de convencimento, encantamento e imposição, gerando o que eles chamam de “venda

emocional”. Tal prática comercial agressiva, de acordo com estes autores, tem desarmonizado

o mercado de consumo.

O desequilíbrio nas relações de consumo fica evidente, porque o consumidor em

potencial fica exposto a toda a publicidade, que hoje permeia os mais diversos meios, seja

através da televisão, dos jornais, do telemarketing ou da Internet, que os fornecedores o

sujeita.

Sergio Cavalieri Filho sobre o tema, afirma que:

O sistema de vendas externas, mormente pela TV, Internet, e telemarketing, é altamente agressivo, atinge o consumidor em casa, no momento em que ele está mais vulnerável, criando-lhe necessidade artificial sobre algo de que não precisa [...] (CAVALIERI FILHO, 2010, p. 145).

A aquisição de produtos e serviços, motivada pela incisiva publicidade, acima

mencionada, que põe o consumidor em evidente vulnerabilidade, é chamada neste trabalho de

“compra por impulso”, que dá título ao presente tópico. A escolha pelo substantivo “compra”,

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55

ao invés de “venda”, como a exemplo da “venda emocional” citada por Cláudio Bonatto e

Paulo Valério Dal Pai Moraes (2009, p. 195), dá-se pelo fato de o consumidor ser o sujeito

ativo que realiza o ato. Assim, o consumidor realiza uma compra por impulso, ao ver a oferta

de um produto ou serviço, em uma publicidade, cujas qualidades destes são exaltadas pelo

fornecedor, sendo gerada naquele a “necessidade artificial” que Sergio Cavalieri Filho

menciona (2010, p. 145).

Rizzatto Nunes (2011, p. 646) também utiliza o termo “compras por impulso” quando

fala sobre a questão da proteção conferida pela lei consumerista ao consumidor, quanto este

adquire produtos e serviços sob forte influência da publicidade, afirmando, inclusive, que as

compras por impulso podem ser realizadas no estabelecimento, mas faz a ressalva que não

existe a proteção legal para essa situação. Evidente, portanto, que há uma lacuna legal sobre o

tema.

Ao mencionar oferta e publicidade, é mister que se fale sobre um dos deveres

acessórios da boa-fé objetiva, que é imprescindível nos contratos civis em geral, em especial

aos contratos realizados numa relação jurídica de consumo, o dever de informação, o qual é

“[...] a obrigação de comunicar à outra parte todas as características e circunstâncias do

negócio e, bem assim, do bem jurídico, que é seu objeto, por ser imperativo de lealdade entre

os contraentes.” (GAGLIANO e PAMPLONA, 2011, p. 109); entenda-se, aqui, “outra parte”

como sendo o consumidor, por ser este, em relação ao fornecedor, vulnerável e

hipossuficiente, principalmente em relação à parte de conhecimento técnico do produto ou

serviço, objeto do contrato de consumo. Desta forma, o fornecedor tem a obrigação de

comunicar ao consumidor, adequadamente, todas as informações necessárias sobre os

produtos e serviços, o que nem sempre acontece, na prática.

Os anúncios encontrados em sites e catálogos, por exemplo, que vendem produtos e

serviços, muitas vezes, não trazem as informações adequadas sobre estes, o que contraria a

norma expressa no artigo 31, que trata da oferta, do Código de Defesa do Consumidor

(BRASIL, Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, 2011, sp.). A publicidade enganosa, que

altera a capacidade de decisão do consumidor, induzindo-o a erro sobre a qualidade do

produto ou serviço, também é proibida pela lei consumerista, no parágrafo primeiro, do artigo

37 (BRASIL, Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, 2011, sp.), que prevê sanções ao

fornecedor que as pratica, disciplinadas no artigo 63 e nos artigos 64 a 69, da mesma lei,

sendo que tais sanções têm mais um caráter preventivo, para coibir tais práticas comerciais

abusivas.

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56

Quando um consumidor adquire, a título exemplificativo, um celular através de um

site, cuja imagem que o ilustrava não corresponde exatamente à real característica do material

do qual ele é revestido, havendo variação da textura do material, ou a interface do mesmo não

o agrada, por exemplo, ele tem o direito de cancelar o contrato, fazendo uso do direito de

arrependimento, sem nem precisar justificar o motivo que o leva a tomar tal atitude. Quando

um consumidor, todavia, compra um celular dentro de um estabelecimento comercial e só ao

chegar em seu domicílio percebe que o material do qual ele é feito ou a sua interface não o

agradou, não tem o mesmo direito, pois teve a oportunidade de conferir o produto antes de

efetuar a compra. Isto leva a outro ponto: a satisfação do consumidor com o produto ou

serviço adquirido.

A questão levantada no parágrafo anterior expressa uma clara insatisfação do

consumidor, pois não teve as suas expectativas atendidas. Neste caso, a legislação também

poderia conferir o direito de arrependimento ao consumidor, valendo-se do princípio da boa-

fé objetiva, especificamente de seu dever acessório de cooperação, que, de acordo com Sergio

Cavalieri Filho (2010, p. 144), se expressa na obrigação das partes contratantes colaborarem

para que a outra parte obtenha o resultado previsto no contrato, ainda que as partes assim não

tenham convencionado; o resultado previsto pode ser entendido como a expectativa do

consumidor em relação ao produto adquirido, a qual não foi satisfeita.

Ainda utilizando o mesmo exemplo, diga-se que tal celular foi comprado, pois o

consumidor o viu em anúncios publicitários que, constantemente, são veiculados na televisão,

como também através da Internet e revistas, exaltando suas características e que,

implicitamente, passam uma ideia de status a quem o possui; fica claro que o consumidor foi

influenciado pela publicidade incisiva que o fornecedor pratica, denotando a vulnerabilidade

daquele. Tendo o consumidor o comprado fora de estabelecimento comercial, como Internet

ou catálogo, ele pode desistir da compra, dentro do prazo de sete dias do recebimento do

produto, mesmo estando esta já concluída, utilizando-se do direito de arrependimento. No

caso de o consumidor ter realizado a aquisição em um estabelecimento comercial, em uma

loja física, o mesmo direito não lhe confere, apesar deste não estar satisfeito com o produto ou

ter simplesmente se arrependido da aquisição, por perceber que não havia a necessidade de

comprar este determinado aparelho de celular. Verifica-se uma lacuna na legislação, no que se

refere à proteção deste consumidor, pois a situação não se enquadraria na prevista do

parágrafo primeiro, do artigo 37, do Código de Defesa do Consumidor, pois a satisfação do

consumidor, em relação ao produto ou serviço adquirido, trata-se de um critério por vezes

subjetivo. A prática do fornecedor, evidentemente, trouxe prejuízos ao consumidor, pois:

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57

Quando o espírito do consumidor não está preparado para uma abordagem mais agressiva, derivada de práticas e técnicas de vendas mais incisivas, não terá discernimento suficiente para contratar ou deixar de contratar, dependendo do poder de convencimento empregado nessas práticas mais agressivas. (GRINOVER [et al.], 2007, p. 561).

Neste momento, cabe dizer que:

[...] quando se fala em “escolha” do consumidor, ela já nasce reduzida. O consumidor só pode optar por aquilo que existe e foi oferecido no mercado. E essa oferta foi decidida unilateralmente pelo fornecedor, visando seus interesses empresariais, que são, por evidente, a obtenção de lucro. (NUNES, 2011, p. 630; grifo meu).

Na ocorrência de situação, como a supracitada, seria justo que houvesse uma

ampliação da abrangência da aplicação do direito de arrependimento, com base na presunção

da boa-fé do consumidor, que, como citado no tópico referente a tal princípio, conforme o

pensamento de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2011, p. 107) deve ser

presumida quando a outra parte agiu de maneira leal (durante as fases do contrato), bem como

deve ser presumida dentro de uma sociedade civilizada, efetivando um outro dever acessório

da boa-fé, a confiança.

Vale dizer que, no Brasil, não há a possibilidade jurídica de nem mesmo se trocar um

produto adquirido pelo consumidor, que arrependeu-se da compra do mesmo por causa de

alguma característica determinada, a exemplo da cor ou tamanho. Assim, caso alguém compre

uma camiseta para presentear um amigo, contudo esta tenha ficado grande, por exemplo, a lei

não obriga o comerciante a trocá-la, a não ser nos casos previsto nos artigos 12 a 25, do

Código de Defesa do Consumidor (BRASIL, Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, 2011,

sp.), que trata de defeito ou vício no produto ou serviço. Muitos fornecedores, a exemplo de

lojistas, por mera liberalidade e para manter a clientela, acabam por efetivar as trocas, mas o

fazem não por força legal.

Alguns poderiam se colocar contra a possível expansão da abrangência do direito de

arrependimento, nas circunstâncias apontadas, por conta de prejudicar os fornecedores,

contudo, assim como já acontece com a atual forma desse direito, os fornecedores, sabendo da

existência de tal norma e suas possibilidades jurídicas, assumiriam, como já fazem, os riscos

negociais. Sobre estes, pode-se afirmar que representa uma das características principais da

atividade econômica e que cabe ao fornecedor a boa avaliação das possibilidades de sucesso

ou fracasso, na atividade que empenha, pois o risco é seu (NUNES, 2011, p. 237 e 238).

Deve-se dizer também que não é possível afirmar que o fornecedor sofreria um prejuízo maior do que o acarretado pelos consumidores. O fornecedor é considerado a parte

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mais forte da relação jurídica de consumo, abarcando aí, inclusive, o seu poder econômico, que é bem maior do que o do consumidor médio, que de acordo com as diretrizes da lei consumerista é vulnerável diante daquele. Sobre isto, Rizzatto Nunes afirma que a vulnerabilidade tem um aspecto econômico, que:

[...] diz respeito à maior capacidade econômica que, via de regra, o fornecedor tem em relação ao consumidor. É fato que haverá consumidores individuais com boa capacidade econômica e às vezes até superior à de pequenos fornecedores. Mas essa é a exceção da regra geral. (NUNES, 2011, p. 194).

Outro aspecto do direito de arrependimento que pode ser questionado é o do prazo de

reflexão. Segundo Ada Pellegrini Grinover (2007, p. 560), o legislador optou por um prazo de

sete dias, relativamente pequeno, para “[...] evitar eventuais abusos que possam ser

cometidos pelo consumidor.” (GRINOVER [et al.], 2007, p. 560), enquanto a própria

doutrinadora afirma que em outros sistemas jurídicos tal prazo é mais dilatado. A crítica que

deve ser feita não decorre substancialmente do tamanho do prazo, mas sobre como a boa-fé

objetiva, princípio que norteia as relações consumeristas, foi preterida em relação ao

consumidor nessa situação.

Não se pode afirmar, com tanta veemência, que os consumidores cometeriam abusos

ao fazer o uso de um direito potestativo seu, que é o direito de arrependimento, caso o prazo

fosse maior, até porque há requisitos que o consumidor deve respeitar, como a devolução do

produto nas condições em que o recebeu, para poder exercitar tal direito. Apesar da norma do

artigo 49, do Código de Defesa do Consumidor, ser omissa quanto ao que ocorre com o

produto, Claudia Lima Marques (2011, p. 873), afirma que este deve ser devolvido ao

fornecedor, levando em consideração o princípio da interdependência das prestações.

Já há quem defenda a ideia de que o direito de arrependimento deve ter sua

abrangência expandida, abarcando as compras realizadas dentro de estabelecimentos

comerciais, garantindo uma proteção ao consumidor de uma forma mais completa e adequada.

Flávio Citro (2010, sp.) cita o Projeto de Lei nº 5.995/09, do Deputado Antônio

Bulhões, que busca ampliar o direito de arrependimento para os consumidores que adquirem

produtos ou assinam contrato de prestação de serviços diretamente em lojas físicas, desde que

o produto encontre-se nas mesmas condições em que foi recebido e sua embalagem não tenha

sido violada e, em relação a serviço, a prestação não tenha sido iniciada. Segundo consta na

matéria publicada (CITRO, 2010, sp.), a justificativa para esse projeto de lei é a de que,

mesmo comprando em lojas físicas, o consumidor está constantemente exposto à publicidade

e incentivos ao consumo, levando-o à aquisição de produtos e serviços, geralmente

supérfluos, cometendo erros que não são exclusividade de quem compra fora de

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estabelecimentos comerciais, o que pode o levar, também, a comprometer suas finanças e

incapacita-lo de contrair financiamentos para a aquisição de produtos e serviços que são

verdadeiramente essenciais.

A Comissão de Defesa do Consumidor, em 09 de novembro de 2011, aprovou o texto

que amplia o direito de arrependimento para os consumidores que realizam compras

pessoalmente, em estabelecimentos comerciais (CONSUMIDORES poderão ter o direito de

se arrepender de compras feitas pessoalmente, 2011, sp.). Segundo consta na matéria do Uol

(CONSUMIDORES poderão ter o direito de se arrepender de compras feitas pessoalmente,

2011, sp.), o texto aprovado substitui o do Deputado Dimas Ramalho, do PPS-SP, que

considerou as sugestões do Projeto de Lei nº 5.995/09, supracitado, e de mais três projetos de

lei apensados, os quais são o de nº 7.194/10, o de nº 230/11 e o de nº 1.845/11. O referido

texto prevê o direito de arrependimento nas mesmas condições previstas no Projeto de Lei nº

5.995/09, com o adendo de que o fornecedor também deverá informar ao consumidor, por

escrito, sobre o direito de desistência da compra. O projeto tramita em caráter conclusivo e

aguarda a análise da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania.

3.3 OS AVANÇOS EM RELAÇÃO AO DIREITO DE ARREPENDIMENTO

O Código de Defesa do Consumidor foi promulgado em 1990, há mais de 20 anos, e,

portanto, é compreensível que existam lacunas nesta lei, por conta da nova realidade social,

devido aos novos fenômenos jurídicos que surgiram, bem como do avanço tecnológico. Cabe

à doutrina e à jurisprudência acompanhar as novas tendências e suprir tais lacunas,

observando os princípios norteadores dos contratos e da lei consumerista, levando em

consideração, principalmente, a proteção ao consumidor.

A princípio pode-se falar sobre o fenômeno da Internet. Como aduz Déborah Barreto

de Souza (2010, sp.), a abertura comercial da rede mundial de computadores ocorreu em

1995, portanto, cinco anos após a promulgação do Código de Defesa do Consumidor. Por tal

motivo, pode-se entender a razão pela qual o legislador brasileiro não incluiu as vendas pela

Internet, na redação do artigo 49, do Código de Defesa do Consumidor.

De acordo com o Doutor em Direito, Marcel Leonardi (2011, sp.), de início, a doutrina

também não concordava que o direito de arrependimento fosse aplicado aos contratos

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celebrados através da Internet, porque não havia pressão que viesse a influenciar a

manifestação da vontade do consumidor, já que um contrato celebrado através de um

computador só pode ser alcançado através de uma proposta manifestada por outro

computador, assim o consumidor teria programado o seu dispositivo para realizar tal relação

jurídica através deste, tendo refletido, portanto, com antecedência. Outra questão também era

suscitada: a de que a compra era realizada dentro de um “estabelecimento virtual” do

fornecedor, na Internet, não podendo, então, falar-se em compra fora de estabelecimento

comercial (LEONARDI, 2011, sp.).

A teoria do “estabelecimento virtual” era defendida por Fábio Ulhoa Coelho (2007, p.

49) que arguia que o artigo 49, da lei consumerista, não deveria ser aplicada ao comércio

eletrônico, porque o negócio jurídico não foi concretizado fora do estabelecimento do

fornecedor, sendo que o próprio consumidor acessou o estabelecimento virtual, como faria em

uma loja física, por sua iniciativa; poderia, todavia, fazer uso do direito de arrependimento

desde que o website empregasse alguma técnica agressiva para influenciar o consumidor a

adquirir produtos ou serviços.

Marcel Leonardi (2011, sp.) afirma que a jurisprudência brasileira repeliu as teorias

supracitadas, pois a principal justificativa para a aplicação do direito de arrependimento no

comércio eletrônico é a discrepância entre o produto ou serviço esperado, pelo consumidor, e

o efetivamente recebido, pois este apenas tem a oportunidade de avaliar o produto ou serviço

após a entrega ou início da prestação.

O atual entendimento doutrinário é que o uso do advérbio “especialmente”, constante

no referido artigo, quando este dispõe que “O consumidor pode desistir do contrato [...]

sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do

estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio” (BRASIL, Lei nº

8.078, de 11 de setembro de 1990, 2010, sp.; grifo meu), expressa um caráter exemplificativo

e a escolha dos meios de compra “telefone” e “a domicílio” deram-se porque eram os mais

comuns à época (NUNES, 2011, p. 645).

As compras realizadas através de comércio eletrônico também são consideradas

contratação à distância e, sobre isto, Claudia Lima Marques expressa que:

A atividade negocial de oferta de produtos e serviços e de contratação a [sic] distância é hoje “exponencial”, globalizada, tecnológica e virtual, fenômeno cuja importância não pode passar despercebida. As vendas ou contratações a [sic] distância, conhecidas desde o século XIX como as vendas por catálogo ou por correspondência, hoje se servem da ajuda de meios de telecomunicação, como o teleshopping, com contratação por televisão, por

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telefone e mesmo por internet, por e-mail etc. O art. 49 do CDC menciona expressamente essas vendas, todas direta ou indiretamente realizadas através de telefone, como incluídas em seu campo de aplicação. Os novos meios de contratação a [sic] distância, por satélite, cabo e outros que se sucederam, também devem ser considerados incluídos no art. 49 do CDC, em analogia com a expressão “telefone”. (MARQUES, 2011, p. 885; grifo da autora).

As compras realizadas através da Internet, portanto, tem todo respaldo, atualmente,

para que sejam incluídas nas que incidem o direito de arrependimento, seja pela interpretação

do advérbio “especialmente”, considerado como o indicativo de que a norma do artigo 49

apenas exemplifica os meios de compra, ou pela analogia ao telefone, como defende Claudia

Lima Marques. De qualquer forma, os negócios jurídicos realizados através de comércio

eletrônico são entendidos e considerados como sendo realizados fora de estabelecimento

comercial e a lei consumerista é aplicada a tal comércio, mesmo tendo sido este criado após o

advento da referida lei. O novo entendimento a respeito desta questão foi de extrema

importância para a proteção do consumidor, pois pode-se dizer que a Internet tem sido, nos

últimos anos, o meio em que mais se tem realizado contratos de consumo fora de

estabelecimento comercial.

Outra questão controversa, que tem mostrado uma flexibilidade quanto ao cabimento

da aplicação do direito de arrependimento, é a relacionada à compra de imóveis.

Segundo Ada Pellegrini Grinover: [...] se for da essência do negócio jurídico a realização fora do estabelecimento comercial, não incide a norma sob comentário. A compra e venda de imóvel é celebrada, de regra, no recinto do cartório de notas, na presença do oficial. Não se pode considerar essa venda como tendo sido efetivada fora do estabelecimento comercial. O que importa é que as tratativas preliminares (sinal, compromisso de compra e venda etc.) tenham sido concluídas no estabelecimento comercial (nos escritórios da construtora, da imobiliária etc.). (GRINOVER [et al.], 2007, p. 560).

Não coincide, contudo, o posicionamento acima descrito, sobre essa questão, com todo

o entendimento doutrinário. Rizzato Nunes (2011, p. 650) afirma que tal juízo é equivocado.

O supracitado autor ressalva que não há qualquer impedimento legal para que um imóvel seja

vendido através de programas de televendas na televisão e adquirido por telefone, com a

escritura sendo feita posteriormente, bem como é comum observar a ação de corretores-

vendedores que percorrem casas, vendendo lotes de terrenos, ou observar pessoas que dão

entrada, via telefone ou Internet, para adquirir imóvel, e completa:

O erro de quem pensa em excluir o imóvel está atrelado à ideia da escritura. Claro que um dia ela será lavrada no tabelionato. Mas até lá é possível fazer

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o compromisso de compra e venda, recibo de sinal e princípio de pagamento, reserva com entrada, e tudo se encaixa perfeitamente, como uma luva, no texto do art. 49, que fala expressamente na assinatura do contrato, como vimos. (NUNES, 2011, p. 650).

Os contratos de time sharing representam outro fenômeno moderno, que deve ter

atenção especial. Tais contratos também são conhecidos como de tempo compartilhado, ou,

ainda, de “multipropriedade”, e surgiram como uma maneira de oportunizar a um maior

número de consumidores a aquisição de moradas de lazer, com unidades habitacionais que

podem servir a várias pessoas ou famílias, por um tempo especificado (BONATTO e

MORAES, 2009, p. 190 e 191). Os alemães dão atenção especial a este tipo de contrato,

assegurando a aplicação do direito de arrependimento com prazos de reflexão mais dilatados,

que vão desde duas semanas a 180 dias, devido a já reconhecida abusividade que tais

contratos podem representar ao consumidor (MARQUES, 2011, p. 880).

Com os contratos de time sharing, muitos consumidores puderam adquirir produtos

que antes não tinham condições, pelo fato do preço da unidade habitacional compartilhada ser

mais acessível, o que ocasionou em vantagens, não apenas aos consumidores, mas também ao

turismo e até ao meio ambiente (BONATTO e MORAES, 2009, p. 191). Tais contratos, os

quais também se caracterizam como contratos de adesão (BONATTO e MORAES, 2009, p.

192), também existem no Brasil e, apesar da aparente vantagem inicial, mostraram-se lesivos

aos consumidores, devido a algumas práticas desempenhadas pelos fornecedores. Mas foi

necessário um amadurecimento jurídico para que o direito de arrependimento pudesse ser

entendido como cabível nesse tipo de negócio jurídico.

Os fornecedores, com o intuito de vender as unidades habitacionais, no sistema dos

contratos de tempo compartilhado, fazem todo um planejamento de convencimento, bem

estruturado, buscando convencer o consumidor a adquirir o produto. Sobre isto, Claudia Lima

Marques afirma que:

[...] o consumidor é convidado (por telefonemas, com sorteios e premiações) a comparecer ao estabelecimento comercial do vendedor ou representante, especialmente organizado para tal, onde então, em uma festa, coquetel ou recepção, em que se servem bebidas alcóolicas, e num clima de sucesso, realização e prazer, é oferecido o produto através de vídeos, aplausos, brincadeiras e jogos, quando o consumidor é (des)informado sobre o contrato e o assina, assim como o seu pagamento, garantido com a assinatura de vários boletos de cartão de crédito, tudo em um clima “emocional” de consumo e prazer que costuma arrefecer até mesmo advogados e juízes. (MARQUES, 2011, p. 878 e 879; grifo da autora).

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Tais condições, planejadas para convencer o consumidor a firmar o contrato de tempo

compartilhado, são chamadas de “venda emocional” (BONATTO e MORAES, 2009, p. 196).

A priori, pode parecer que o direito de arrependimento não poderia ser aplicado nesta

situação, pois o contrato é firmado dentro do estabelecimento comercial, mas então entra a

evidente evolução e sensibilidade da doutrina para reconhecer a vulnerabilidade do

consumidor e protege-lo das práticas comerciais agressivas, cometidas pelos fornecedores.

O direito de arrependimento tem sido entendido como cabível em situações de venda emocional, pois, de acordo com Cláudio Bonatto e Paulo Valério Dal Pai Moraes:

[...] o início da venda, nos termos dos artigos 30 e 31 do CDC, ocorre no momento da oferta, a qual é formulada por telefone e também fora do estabelecimento, eis que o consumidor é, via de regra, cooptado em semáforos e em entrevistas nas ruas, para participar de coquetéis ou jantares, nos quais o produto é apresentado por vendedores altamente qualificados e preparados, situação que enseja um constrangimento que pode estender-se por várias horas. (BONATTO e MORAES, 2009, p. 196).

Fica evidente que o consumidor encontra-se em desvantagem para contratar, devido à

influência que o fornecedor consegue ter sobre aquele, convencendo-o a adquirir algo que,

muitas vezes, ele não necessita ou não tem condições econômicas para arcar, durante o prazo

convencionado para o pagamento, devendo, portanto, o consumidor ter o direito de

arrependimento. A própria jurisprudência brasileira, de acordo com Claudia Lima Marques

(2011, p. 879) tem entendido assim:

Direitos do consumidor – uso compartilhado de propriedade imobiliária – Nulidade – Devolução de parcelas. Se o vendedor utilizou-se de técnicas de cooptação do consumidor e de vendas, que retiraram deste a possibilidade concreta de tomar conhecimento integral do negócio e de refletir sobre a sua conveniência e oportunidade, máxime quando subscrita proposta em língua espanhola, de natureza adesiva, nulas são as cláusulas impeditivas do arrependimento e limitadoras da devolução integral das parcelas eventualmente adimplidas (...) não poderia obstar o direito prevalente oriundo da legislação consumerista. (TJRS, ApCiv 70001354034, rel, Des. Luiz Ary Vessini de Lima, j. 23.11.2000). (MARQUES, 2011, p. 879).

A posição que os doutrinadores e a própria jurisprudência brasileira tem tomado em

relação aos contratos de tempo compartilhado, por levar em consideração o que eles chamam

de venda emocional, a qual se consubstancia nas práticas de publicidade e marketing

agressivos praticados pelos fornecedores, denota um amadurecimento em relação à ideia da

ampliação da abrangência do direito de arrependimento.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Observou-se, no presente trabalho, que desde as civilizações mais antigas conhecidas,

já havia a preocupação com a proteção ao consumidor. Contudo, foi com o advento da

Revolução Industrial e com o posterior surgimento da sociedade de massa, que percebeu-se

que as relações de consumo deveriam receber atenção especial.

É necessário pontuar que foi a partir da década de 60, do século XX, que houve a

solidificação do direito consumerista, com a criação de diversas organizações internacionais

de defesa dos consumidores, tendo o discurso do então presidente dos Estados Unidos, John

F. Kennedy, como um marco desta nova era, o qual influenciou para a normatização de

diretrizes feitas pelas Organizações das Nações Unidas, visando à defesa e à proteção efetiva

dos consumidores por todo o mundo.

Verificou-se que, no Brasil, a matéria apenas começou a ser devidamente estruturada

com o advento da Constituição Federal de 1988, que instituiu a defesa ao consumidor em seu

artigo 5º, no inciso XXXII, como cláusula pétrea.

Com a promulgação da Lei nº 8.078/90, o chamado Código de Defesa do Consumidor,

que a defesa ao consumidor se consolidou no país. Foi observado que o referido código

mostra-se bastante abrangente e inovador, representando uma evolução no ordenamento

jurídico brasileiro, servindo, inclusive, de inspiração a outras legislações, o que denota que o

legislador agiu de forma acertada na sua elaboração.

Foi interessante notar como a matéria contratual mudou, para se adequar ao caráter

mais social que a legislação brasileira vem ganhando, desde o advento da Carta Magna

atualmente vigente. Um dos principais reflexos dessa mudança foi observado quanto à

aplicação do pacta sunt servanda, que perdeu o seu caráter absoluto, haja vista a observância

de que as partes contratantes, muitas vezes, não estão em um mesmo patamar, havendo

desequilíbrio entre elas, cabendo a intervenção judicial nessas situações, para poder modificar

o conteúdo do contrato ou até liberar o contratante prejudicado.

Observou-se, também, como a sociedade de consumo influenciou no que diz respeito à

matéria contratual, principalmente no que concerne à criação dos contratos de massa, os mais

comuns em relações jurídicas de consumo, que, todavia, acabaram por tornar os consumidores

mais vulneráveis.

Pode-se avaliar como positiva e bastante benéfica, para a sociedade, a linha mais

social que a legislação brasileira optou por tomar. Verificou-se que, com isso, a matéria

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contratual tornou-se mais flexível, principalmente nas relações jurídicas de consumo, sendo o

Código de Defesa do Consumidor de extrema importância para essa nova fase presente. O

destaque dado ao princípio da boa-fé objetiva, na lei consumerista, ao instituí-lo como linha

teleológica de interpretação e como cláusula geral, teve grande influência na interpretação das

relações contratuais no Brasil, o que é memorável, porque o referido princípio impõe a

observância de diversos deveres anexos de conduta para as partes, como o de lealdade e

confiança, assistência, informação e confidencialidade.

Uma das inovações trazidas com o Código de Defesa do Consumidor, que confere

proteção especial ao consumidor, é o direito de arrependimento, disposto no artigo 49, do

referido código, que pode ser definido, brevemente, como o direito do consumidor de desistir

de uma relação contratual firmada com o fornecedor, recebendo de volta a quantia paga pelo

objeto do contrato, que não deseja mais, que pode ser produto ou serviço, não sendo

necessária qualquer justificativa para tal.

Restou claro que, para que o consumidor possa exercitar tal direito, é necessário que a

compra tenha sido realizada fora de um estabelecimento comercial, ou seja, não tenha sido

realizada pessoalmente em uma loja física, mas por algum outro meio, como, por exemplo,

telefone, correio ou Internet; como também está condicionado a um prazo, que é de sete dias,

contados a partir da assinatura do contrato ou do recebimento do produto ou serviço.

Ao analisar a realidade social atual, é possível constatar que o direito de

arrependimento poderia ter sua abrangência ampliada, por conta dos mesmos motivos que

influenciaram para a sua criação, mas também devido aos novos métodos de venda e dos

aparatos utilizados pelos fornecedores para vender, como a agressiva publicidade a que os

consumidores estão expostos a todo o momento, que podem gerar uma necessidade artificial

sobre algo que não precisam, resultando na denominada “compra por impulso”. Deve-se,

também, levar em consideração de que, nem sempre, os consumidores têm o seu interesse

garantido adequadamente, após a aquisição, ou seja, não houve a satisfação esperada em

relação ao produto ou serviço, e que a boa-fé do consumidor deve ser presumida nesses casos,

desde que ele tenha observado o dever acessório de confiança e lealdade, no decorrer das

fases do contrato.

Foi possível verificar, com o presente trabalho, que a legislação brasileira, apesar de

apresentar lacunas, em relação à defesa do consumidor que se enquadra nas situações acima

mencionadas, resguarda diversos princípios que, inter-relacionados, garantem a proteção ao

consumidor tornando possível à ampliação da previsão legal do direito de arrependimento,

sem que isso vá de encontro aos preceitos jurídicos.

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O próprio direito de arrependimento, como observado, desde que foi instituído, já teve

a sua aplicação expandida, a exemplo do atual entendimento de que as compras realizadas

através da Internet são consideradas como feitas fora de estabelecimento comercial, bem

como do posicionamento favorável da doutrina ao entender que nas compras de imóveis

também pode ser cabível a aplicação da norma do artigo 49, da lei consumerista e, por fim, o

fato desse direito já ser conferido aos consumidores que celebram contratos de tempo

compartilhado, mesmo sendo estes celebrados dentro de estabelecimentos comerciais, o que

denota a sensibilidade que a doutrina e a jurisprudência tem tido com a questão, levando em

consideração as práticas comerciais abusivas, relativas à publicidade e marketing, utilizadas

pelos fornecedores. Entende-se, assim, que se poderia ter o mesmo entendimento, que se tem

em relação aos contratos de tempo compartilhado, quanto aos demais contratos de consumo

realizados dentro de estabelecimentos comerciais. Tem-se, contudo, que, com a defesa de tal

medida, não se busca uma superproteção do consumidor, com a ampliação da aplicação do

direito de arrependimento, mas apenas que a legislação se adeque à realidade social e garanta

a proteção ao consumidor nos casos que, nitidamente, ele tem sido prejudicado.

Deve-se dizer que pôde ser percebido que a norma do artigo 49 é muito simplista, para

uma situação jurídica tão complexa; além de haver lacunas em relação às situações aqui

mencionadas, a norma nem sequer obriga que o fornecedor comunique o consumidor sobre o

prazo de reflexão, o que deveria ser feito. Outrossim, também foi observado que o direito de

arrependimento não é muito explorado pela doutrina brasileira, não recebendo a devida

atenção, haja vista o conteúdo mínimo, sobre o assunto, que pode ser encontrado nos

principais livros que tratam do direito do consumidor.

Espera-se que a devida atenção seja dada às atuais transformações sociais, para que,

mais uma vez, o legislador mostre-se sensível e busque a melhor aplicação da justiça social,

através de uma legislação mais completa.

Ressalte-se que o presente trabalho não teve o intuito de esgotar a matéria, tarefa esta

que seria difícil de ser efetivada, haja vista a sua complexidade, principalmente quando se

leva em consideração as constantes mudanças sociais que refletem nas relações jurídicas,

principalmente nas de consumo.

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