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Jessica Cristina Gonçalves Ramos
O EXPRESSIONISMO E A REALIDADE ESTILÍSTICA DEBURTON NO FILME A NOIVA CADÁVER
Uma análise sobre a presença do expressionismo alemão no filme A NoivaCadáver (2005)
Belo Horizonte
Centro Universitário de Belo Horizonte (UNI-BH)2011
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Jessica Cristina Gonçalves Ramos
EXPRESSIONISMO E A REALIDADE ESTILÍSTICA DEBURTON NO FILME A NOIVA CADÁVER
Uma análise sobre a presença do expressionismo alemão no filme A NoivaCadáver (2005)
Monografia apresentada ao curso de Jornalismo do Centro
Universitário de Belo Horizonte (UNI-BH) como requisito parcial àobtenção do grau de Bacharel em Jornalismo;
Orientador: Prof. Luiz Henrique Vieira de Magalhães
Belo Horizonte
Centro Universitário de Belo Horizonte (UNI-BH)
2011
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LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - O Grito de Edvard Munch, 1893 ........................................................................... 27
Figura 2 - Cena de O Gabinete do Dr. Caligari (Das Kabinett des Dr. Caligari, 1919) de
Robert Wiene ........................................................................................................................... 31
Figura 3 - Cena com os pais de Victoria no Mundo dos Vivos ............................................... 41
Figura 4 - Cena com os esqueletos do Mundo dos Mortos ..................................................... 41
Figura 5 - Victoria triste enquanto tem seu espartilho apertado .............................................. 43
Figura 6 - Victor na floresta á noite após fugir do ensaio do casamento ................................ 48Figura 7 - Cena do assassinato de Alan em O Gabinete do Dr. Caligari ............................... 49
Figura 8 - Cena do assassinato de Emily em A Noiva Cadáver .............................................. 49
Figura 9 - Conjunto habitacional Het Scheep. Amsterdã, 1917-21. Michel de Klerk............. 50
Figura 10 - Construção e grandes janelas de vidro da casa de Victoria .................................. 50
Figura 11 - Victoria descendo as escadas de sua casa em direção à grandiosa sala do piano . 51
Figura 12- Torre Einstein. Potsdam, 1917-21. Erich Medelsohn ............................................ 51
Figura 13 - Torre onde mora o Velho Gutknecht no Mundo dos Mortos ............................... 52
Figura 14 - Dr. Caligari com Cesare no filme O Gabinete do Dr. Caligari............................ 53
Figura 15 - Dr. Caligari em meio às casas da cidade no filme O Gabinete do Dr. Caligari .. 54
Figura 16 - Emily em meio às casas do Mundo dos Mortos ................................................... 54
Figura 17 - Emily e Victor no píer da cidade do Mundo dos Vivos........................................ 55
Figura 18 - O Fantasma da Ópera (The Phanton of The Opera, 1925, EUA) ........................ 56
Figura 19 - Close do rosto de Emily ........................................................................................ 57
Figura 20 - Imagem de Emily de corpo inteiro ....................................................................... 57
Figura 21 - Personagem Cesare em O Gabinete do Dr. Caligari............................................ 58
Figura 22 - Expressão de Victor antes de fugir da igreja durante o ensaio de seu casamento 59
Figura 23 - Pais de Victoria descendo a escada de sua casa.................................................... 60
Figura 24 - Pastor na igreja do Mundo dos Vivos ................................................................... 60
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Figura 25 - Esqueleto falante no Mundo dos Mortos .............................................................. 61
Figura 26 - Esqueletos dançantes no Mundo dos Mortos ........................................................ 61
Figura 27 - Trecho dos extras de A Noiva Cadáver em que os bonecos são moldados parafotografia da cena .................................................................................................................... 63
Figura 28 - Expressão de raiva de Emily ao flagrar Victor no quarto de Victoria .................. 65
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 05
2 A ATUAÇÃO DOS ELEMENTOS ESTÉTICOS DO CINEMA .................................. 08
2.1 Os aspectos e termos lingüísticos do cinema .................................................................... 08
2.2 A arquitetura da história no roteiro e narrativa.................................................................. 11
2.3 A construção dos personagens de ficção ........................................................................... 15
3 O EXPRESSIONISMO ALEMÃO E A ANIMAÇÃO EM RELAÇÃO AOCONCEITO DE REALIDADE NO CINEMA ................................................................... 21
3.1 O cinema como representação da realidade ...................................................................... 21
3.2 O surgimento do conceito de estilo e as novas influências ............................................... 22
3.3 Os desafios e avanços da plataforma da animação no cinema .......................................... 23
3.4 O Expressionismo alemão ................................................................................................. 26
3.4.1 O contexto histórico que antecede o cinema expressionista .......................................... 26
3.4.2 A trajetória e as características do cinema expressionista .............................................. 29
4 ANÁLISE DO EXPRESSIONISMO NA ANIMAÇÃO DE BURTON EMCONTRAPONTO AO CONCEITO DE REALIDADE NO CINEMA ............................ 34
4.1 Metodologia de pesquisa ................................................................................................... 34
4.2 O expressionismo e representação da realidade na temática do roteiro e narrativa .......... 35
4.2.1 O expressionismo na narrativa ....................................................................................... 36
4.2.2 A relação entre objetividade e capacidade dramática do roteiro .................................... 44
4.3 O expressionismo e representação da realidade através da linguagem visual ................... 47
4.3.1 O expressionismo na tela ................................................................................................ 47
4.3.2 A estética da animação e conceito de realidade na definição do estilo de Burton ......... 63
5 CONCLUSÃO ..................................................................................................................... 68
REFERÊNCIAS .................................................................................................................... 70
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1 INTRODUÇÃO
Para Martin (2003) a imagem é o elemento base da linguagem fílmica. Trata-se, na verdade,
da matéria prima de expressão do cinema. Tanto por seu caráter objetivo, na capacidade de
representar a realidade com clareza, quanto pela capacidade estética de afetar os sentimentos
do espectador através da imagem artística da realidade. O cinema se desenvolveu na tentativa
de mostrar a realidade, mas segundo o autor, na verdade, nunca poder ser realidade. O cinema
seria então, uma arte que pode usar elementos signicos para exprimir realidade e coisas além
da realidade.
Nessa tentativa de representação do real, o cinema animado também passou por algunsdesafios até se tornar de fato uma forma de arte cinematográfica. Segundo Alberto Lucena
Júnior “Como a pintura, a animação precisava superar a barreira técnica da representação do
real para vir a usufruir da liberdade de formulação da plástica ilimitada” (LUCENA JÚNIOR,
2005, p.13). O cinema surgiu como uma arte que advém da fotografia e com isso teve seus
valores atribuídos à representação do real, isto é, o ponto de partida, motivação e até mesmo o
juízo de valor positivo de um filme era dado na proporção em que ele possibilitava representar
a realidade.
Com o tempo e os avanços na tecnologia cinematográfica, viu-se a possibilidade de construir
narrativas que não precisariam estar vinculadas ao conceito de realismo, desde que
expressassem em igual teor emoção e envolvimento no espectador. Assim, várias outras
vertentes cinematográficas surgiram, como, por exemplo, o idealismo e o expressionismo
alemão. Estes estão mais ligados aos conceitos abstratos, longe da realidade e muito perto da
fantasia.
Mesmo com esse passo na estética e linguagem cinematográfica, a emancipação de valor de
um cinema que não se baseia apenas na representação da realidade levou tempo. E, por isso, a
plataforma da animação demorou ainda mais para ser valorizada enquanto cinema e mais
ainda para ser estudada e analisada. Essa plataforma cinematográfica chegou a ser muitas
vezes confundida com os desenhos animados, vista como prática artesanal e ainda como
“coisa de criança”, por isso ficou deixada de lado por pesquisadores e estudiosos da sétima
arte.
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Se de um lado estão as dificuldades do cinema animado em se emancipar do artesanato, e de
outro as influências expressionistas que abandonam de vez o realismo naturalista, em um
ponto de encontro estão alguns filmes de Tim Burton que carregam em si a junção entre
animação e expressionismo em realizações que envolvem tecnologia, a necessidade industrial
do cinema, as expectativas rigorosas das produtoras, as percepções esperadas para o
espectador e a realização pessoal de Burton. E é necessário mais que a representação da
realidade para atribuição do valor artístico. Como disse Gérard Betton “O expressionismo não
vê, tem visões; impõe-nos vigorosamente sua sensibilidade na representação do mundo
exterior, afastando-se da simples visão empírica dos objetos” (BETTON, 1987, p.14).
Essa pesquisa apresenta-se como uma leitura quanto à presença do expressionismo emcontraponto à representação da realidade no universo da animação no filme A Noiva Cadáver
(Corpse Bride - EUA- 2005) como constituição do estilo do diretor Timothy William Burton,
mais conhecido como Tim Burton.
Gérard Betton (1987) explica que a personagem do diretor está presente no filme, o qual é a
sua auto-biografia. Ainda assim o espectador necessita se identificar com as expressões do
diretor no filme. As diferentes percepções do espectador geram diferentes interpretações e éisso, segundo o autor, que caracteriza o espectador também um criador de significado para o
filme. O trabalho do diretor de cinema Tim Burton possui características muitas vezes
controversas à plataforma e até mesmo ao público de suas animações, isso, pois animação é
um tipo de filme costumeiramente destinado às crianças, e a temática de terror costuma fazer
parte de filmes adultos. Ainda assim suas produções conseguem suprir as necessidades
industriais incentivando novas produções. As temáticas de Burton permeiam quase sempre
entre um terror misturado com humor psicológico, sustentado por personagens principais umtanto anormais e incompreendidos. O contexto quase sempre é trabalhado em uma narrativa
fantástica com mundos conflitantes nos quais a morte é quase sempre a melhor opção, mundo
e é sarcasticamente alegre, e a vida é tristemente melancólica e cruel, características típicas do
expressionismo. Isso é percebido no atraente e feliz mundo dos mortos no filme A Noiva
Cadáver, e na cidade do Halloween, de O Estranho Mundo de Jack.
Para Howard e Mabley (1999) uma história bem contada é aquela que possui uma trajetória
interessante, vivida por personagens também interessantes e também contada de uma forma
tanto quanto interessante. A forma como Burton constrói esses personagens e ambientes quase
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sempre fúnebres e ainda consegue misturar à animação a presença do realismo, na perfeição
da anatomia e movimentos físicos dos personagens, é uma das questões a serem levantadas
pela pesquisa. Existe ainda a proeza de encaixar narrativas e temáticas dotadas de um
expressionismo pouco infantil e ainda tornar tudo isso agradável a três grupos diferentes: o
público infantil, a indústria do cinema e os críticos mais exigentes.
Os segredos por trás dessa construção são possivelmente a chave de abertura para um novo
conceito de produção no animado, esse, que não se fundamenta somente na técnica, mas na
arte e no estilo. Ao analisar as variantes da construção do cinema, Martin (2003) propõe um
novo conceito à linguagem cinematográfica. Trata-se de uma transição do termo “linguagem”,
para “estilo”. “A linguagem, comum a todos os cineastas, é o ponto de encontro da técnica eda estética; o estilo, específico de cada um, é a sublimação da técnica, na estética” (MARTIN,
2003, p.241). Os recursos técnicos e estéticos podem, portanto, guiar essa pesquisa na
exploração do estilo específico de Burton no filme A Noiva Cadáver.
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2 A ATUAÇÃO DOS ELEMENTOS ESTÉTICOS DO CINEMA
2.1 Os aspectos e termos lingüísticos do cinema
Para Betton (1987) todo filme é formado por signos, isto é, elementos de linguagem que
formam significado para o espectador. Signos são códigos que representam algo que se queira
dizer. A palavra, por exemplo, é um signo que representa o que de fato é titulado por ela,
sendo, assim, uma forma de linguagem. Essa linguagem pode ser verbal, ou não. A atribuição
de significado no cinema pode ser dada, por exemplo, através de uma cor, som, cenário,
figurino, enquadramento da câmera e etc. Cada significado, ou resultado, é formado e
construído através da junção de fragmentos necessários em um filme, como os citados (som,
cenário e etc). Esses podem ser chamados de aspectos lingüísticos do cinema. Todos, juntos,
se comunicam com o espectador e formam a obra.
Marcel Martin (2003) atribui ao cinema o valor de obra artística, discutindo, em vários
campos da criação fílmica, a forma com a linguagem se dá para tornar de fato o cinema como
arte. Nesse estudo da linguagem encontramos: a imagem, a câmera, a profundidade de campo,
fenômenos sonoros, montagem, diálogo, tempo e espaço. Cada um desses elementos é
analisado a partir, não só de suas características técnicas e objetivas, mas de um coeficiente
entre estética e subjetividade a partir das intenções particulares do diretor e das percepções do
espectador.
Também nessa linha da subjetividade do filme na relação do criador com o apreciador, Gérard
Betton (1987) trata dos componentes lingüísticos do cinema sob um ponto de vistapsicológico e dramático, isto é, a partir das intenções e objetivos do diretor e das capacidades
desses componentes em causar emoções no espectador. Para isso, o autor conceitua a imagem
como o elemento de percepção emotiva, ou seja, a linguagem que expressa emoção. Posterior
à imagem vem o diálogo, ou falas, como elemento de percepção intelectual, isto é, a formação
ideológica de significado, ou seja, a linguagem que expressa significação.
Quanto ao caráter emotivo e artístico da imagem, Marcel Martin (2003) propõe um olhardiferenciado para o papel da câmera na produção da obra. Para ele, os recursos utilizados pelo
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cineasta através da câmera, bem como enquadramento, movimentos, planos e ângulos
definem um ponto de vista. Ou seja, impõem um olhar específico (e intencionado) da imagem
ao espectador e produzem com isso este ou aquele significado. Isso, pois esses recursos
permitem oferecer superioridade ou exaltação de uma personagem ou mesmo inferiorizá-la
através da hierarquização e destaque da imagem que aparece na tela.
A importância do enquadramento também é destacada por Betton (1987), principalmente
devido à capacidade atribuída por ele ao cinema de expressar várias formas e diferentes
linguagens através desse recurso. O enquadramento, para o autor, pode provocar diversos
resultados subjetivos através do destaque de detalhes da face de atores ou mesmo a escolha de
planos de filmagem, ângulos que ora valorizam isto ou aquilo, e até mesmo os resultados davelocidade da câmera, que se rápida pode gerar uma significação cômica da ação, se lenta,
pode ser dramática e etc. Através desses detalhes captados pela tela, a fisionomia e olhar do
ator são valorizados e expressam outra forma de linguagem que advém da atuação e essa com
significados únicos. Essa linguagem é conceituada como “linguagem Universal” (BETTON,
1987, p.33).
Por outro lado, Martin (2003) explica que apesar da liberdade atribuída à câmera desde que seemancipou do plano e enquadramento estático das primeiras obras do cinema, ainda assim a
ferramenta fica limitada a um espaço na tela. Com isso, o que é mostrado não produz
significado por si só, mas só tem sentido através de uma seqüência, ou seja, um conjunto de
imagens que formam a montagem.
Betton (1987) conceitua a montagem como uma organização do real, isso devido a sua
capacidade de fazer malabarismos com o tempo, espaço, cenários e personagens. Na junçãodesses, a montagem cria uma significação ou mesmo prende a atenção do espectador
organizando as informações de cada cena. Segundo o autor, existem três tipos de montagens.
A montagem rítmica é a junção de tempos fortes e fracos formando quase uma “dança” no
filme. A montagem ideológica é a justaposição de duas ou mais cenas que juntas formam um
significado que só existe nessa relação. A montagem narrativa trata-se da junção de termos
descritivos que formam o tempo no qual os acontecimentos ocorrem. A montagem narrativa
pode ser linear, alternada ou paralela.
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Em contraponto à Betton, Martin (2003) discute mais o efeito e os sentimentos que o cinema
provoca no espectador – que surgem a partir da decifração de símbolos – do que as
especificidades técnicas de seu processo, essas muitas vezes comparadas com a gramática da
linguagem - uma vez que, as imagens entrariam em relação com o espectador e “[...] a relativa
liberdade de interpretação ao espectador reside no fato de que toda realidade, acontecimento
ou gesto é símbolo - ou, mais precisamente, signo - em algum grau” (MARTIN, 2003, p. 92).
Assim o espectador enxerga todo o conteúdo visual através da montagem, que usa símbolos e
esboça o mundo do filme e o que o filme significa para os espectadores.
Betton (1987) explica quais são esses elementos signicos da linguagem, isto é, tudo o que
trabalha a linguagem sintática e sensorial para o espectador e forma um filme. Esseselementos são o tempo e espaço, a palavra e o som, cenário, iluminação, figurino e cores. O
autor os trata sob um ponto vista também subjetivo, sendo os elementos condicionados às
intenções do autor, percepções do espectador e resultados efetivos dessas intenções nessas
percepções.
Segundo Martin (2003), alguns elementos que também atuam em outras plataformas artísticas
como o teatro e a pintura, influenciam, e muito, na linguagem cinematográfica, ou maisespecificamente em sua base: a imagem. Um desses elementos é a iluminação, que apesar de
tentar expressar a realidade, com o fim de representa-la de forma objetiva, climatizando um
cenário de forma a parecer real, é usada de forma artificial, criando uma “realidade artística‟.
Existem ainda outros elementos capazes de influenciar na linguagem do cinema: cor,
vestuário, cenário, o desempenho dos atores e também o formato da tela.
Betton (1987) discute o papel do som na significação ideológica do filme. As falas, ou odiálogo, dão autenticidade à imagem, pois diálogo e imagem se completam e nenhum deles
funciona sozinho, exceto nos filmes mudos que já são produzidos com a intenção de fazer a
imagem falar por si. Fora o caso do cinema mudo, o diálogo tem o poder de trazer significado
ao contexto, enquanto a imagem traz a emoção. Para o autor, o som tem a capacidade de criar
contraste entre cenas silenciosas e barulhentas, e ainda sugere cenários e imagens mesmo que
não estejam sendo expressos na tela. Um exemplo seria uma cena com o barulho e a voz de
uma multidão de guerreiros lutando enquanto a imagem está enquadrada apenas na face do
líder guerreiro. Mesmo que a imagem esteja focada apenas em um rosto de um líder em
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silêncio, o espectador consegue perceber que dentro daquele espaço existe uma multidão.
Assim, o som tem o poder criar uma imagem na mente do espectador.
Já a música, para Betton (1987), possui a capacidade de libertar o espectador da tensão do
silêncio e interfere de forma psicológica no clima da ação. Ainda assim o papel da melodia é
decorativo, ou seja, ela não tem significado por si só. Na verdade, ela deve renunciar a sua
forma própria e se aliar à imagem. Isso porque o espectador não vai ao cinema para ouvir
música, e, sim, assistir a uma narrativa composta de imagem, sons e diálogos.
Tem-se ainda os efeitos dramáticos e psicológicos do cenário, estes que estão relacionados à
parte afetiva do diretor e não devem ocupar o lugar da ação para não distrair o espectador, ouseja, o cenário não deve se sobressair à ação, pois uma vez que o espectador se prende aos
detalhes do cenário, ele não consegue dedicar sua atenção aos acontecimentos da história.
Como o cenário está ligado aos gostos do diretor, existem vários estilos, alguns exemplos são
o cenário realista, carregado de paisagens urbanas e naturalistas, o cenário impressionista,
natural, porém escolhido de acordo com a linha dominante, e o expressionista, que se baseia
em um conceito abstrato, simbólico e deformado, mais ligado à fantasia.
Betton (1987) discute também o papel que a iluminação e cor exercem na profundidade de
campo e no clima estético. Filmes de guerras ou mesmo westerns são normalmente inseridos
em cenários com poucas cores , sem falar na capacidade do filme em preto e branco de
expressar a luminosidade, já que esta é o trunfo do contrate entre os objetos na imagem, uma
vez que não existe separação de cor, a luz torna-se a ferramenta de distinção de formas.
Já o papel do figurino é o de caracterizar a personalidade do personagem, bem como reforçarsuas características dentro da narrativa. Por exemplo, se o personagem é cômico, o figurino
deve fazer referências a isso usando cores, formatos engraçados e etc, se é sério, o figurino
deve expressar sobriedade como tal. Para Betton, as roupas têm também a capacidade de
completar o papel do cenário fazendo referência a épocas e culturas.
2.2 A arquitetura da história no roteiro e a narrativa
Howard e Mabley (1999) lidam com o roteiro como parte crucial para o desenvolvimento de
um bom filme. Não basta fazer uma história, mas ela precisa, antes de tudo, ser bem contada.
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Vários elementos foram desenvolvidos a fim de atingir esse objetivo, porém as regras criadas
funcionam como uma espécie de muleta para os roteiristas exclusivamente comerciais, esses
que se preocupam apenas com a forma como a história será industrialmente rentável e não
sabem fazer roteiro sem uma “receita de bolo”; enquanto os escritores mais tradicionais
acreditam que as regras podem limitar a criatividade. Howard e Mabley tratam as regras como
algo que deve ser visto sob o ponto de vista de princípios que, se utilizados como tais, podem
na verdade desenvolver a criatividade do escritor, além de contribuir para que a história seja
de fato “bem contada”.
Uma história bem contada é aquela que possui uma trajetória interessante, vivida por
personagens tanto quanto interessantes e também contada de forma interessante. Um bomroteiro possui um enredo capaz de gerar impacto no público e especialmente de formular
cenas dramáticas. Uma cena dramática é aquela que gera envolvimento do espectador. “O
escritor que escreve tendo o público em mente consegue fazer com que o espectador se
importe com os personagens, com as circunstâncias e com o desenrolar da história”
(HOWARD e MABLEY, 1999. p. 52).
Para gerar esse envolvimento, o protagonista tem de estar inserido em um contexto de buscapor um objetivo difícil na história, mas possível de alcançar, que é, na verdade, a base de
problematização do roteiro. É necessário ainda, haver um lado opositor a esse objetivo, ou
seja, obstáculos que dificultem o alcance do desejo do personagem principal. E, por fim, a
história tem que chegar a um resultado satisfatório, o que não é necessariamente um final
feliz.
Esse processo é o caracterizado pelos três atos no roteiro. O primeiro ato é a identificação dopersonagem principal e seu objetivo, o segundo é a manifestação dos conflitos gerados pelo
opositor e o terceiro é a resolução dos fatos. “O primeiro ato envolve o espectador com os
personagens e com a história. O segundo ato o mantém envolvido e aumenta seu
comprometimento emocional. O terceiro ato amarra o enredo e leva o envolvimento do
espectador a um resultado satisfatório” (HOWARD e MABLEY, 1999. p. 54).
O conflito, que surge no início da história, na passagem do Ato I para o ato II pode ser um
conflito externo ou mesmo interno. Externo, no caso de empecilhos causados por um vilão,
por exemplo, e interno causado pelas vontades contraditórias, medos, traumas e sentimentos
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do próprio protagonista que o atrapalham em sua busca. Para que esses conflitos sejam
dramáticos, existe o conceito de exposição, isto é, do ponto até onde as informações devem
ser expostas pelo filme para definir o quanto o espectador deve saber sobre a história. Howard
e Mabley (1999) explicam que as conclusões devem ser reveladas aos poucos, a fim de que a
incerteza aumente o impacto no espectador que, em vez de ser apenas observador, no caso de
já saber de tudo antecipadamente, passe, no entanto, a participar da história.
Quanto a essa relação da capacidade dramática da cena em relação ao ponto até onde o
espectador conhece da história, tem-se o drama com gênero objetivo, este que trata da cena
que é dramática por si só, independente se o espectador conhece ou não o personagem. Esse é
o exemplo de um mendigo que mexe no lixo à procura de comida; a cena causa impactomesmo que o público não saiba o nome, a cidade em que vive, ou mesmo qualquer
informação sobre o personagem. Mas também tem-se o drama subjetivo, que é aquele que só
gera impacto se o espectador tem uma pré-informação sobre o personagem. Como exemplo os
autores citam a chamada “ironia dramática”, é o caso de quando o espectador sabe de algo
importante que o personagem não sabe e fica com vontade de avisá-lo. Tem-se também dessa
forma uma cena dramática, mas que só existe em função de uma informação ofertada ao
receptor.
Quanto à forma de expor as informações ou contar a história em um filme, Gomes (1976)
afirma que as variadas faces da narrativa literária são vistas também no cinema. Encontramos:
narração objetiva de acontecimentos, adoção pelo narrador do ponto de vista de uma ou mais
personagens e narração na primeira pessoa do singular. Para esboçar como se emprega a
narrativa cinematográfica, o autor utiliza como objeto, o emprego e efeito da palavra nos
filmes. A forma mais aparente da narrativa dos filmes é a objetiva, ou seja, aquela que ocorreatravés do diálogo. Ainda assim, em uma análise mais profunda, é possível observar a
constante e valiosa presença de outras formas de uso da palavra, agora não-objetiva, nos
filmes. Sendo assim, a palavra passa a ser instrumento narrativo no cinema não somente por
meio de diálogos, mas de ações.
Em concordância com a perspectiva de Gomes(1976), Howard e Mabley (1999) afirmam que
a melhor forma de exposição e revelação de informações importantes, para gerar
dramatização, é por meio de ações, especialmente para externar o que é interno no
personagem. Mesmo com os diálogos, a ação tem um poder maior de revelar informações
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sobre a personalidade do personagem ao espectador. Como exemplo tem-se uma cena em que
um homem bem vestido se aproxima de outro com um revólver escondido nas costas,
enquanto vai se achegando a ele e diz ternamente precisar de uma informação ou ajuda. Nesse
caso, a ação revela muito mais sobre o que a cena quer dizer, do que o diálogo propriamente
dito, já que o diálogo mostra um personagem terno, enquanto a ação mostra suas verdadeiras
intenções ou caráter. “Encontrar ações que revelem emoções interiores complexas é uma das
tarefas mais difíceis que um roteirista enfrenta, mas é aí que está a diferença entre uma
história que funciona e uma que só fala em funcionar” (HOWARD e MABLEY, 1999. p. 62).
Outra forma de exposição e revelação de informações importantes é o subtexto, aquele
diálogo que, em si, diz algo que não é o que está dizendo, por exemplo, um personagem que
diz uma mentira em um diálogo e que o espectador, considerando as cenas anteriores que viu,sabe que a fala do personagem não corresponde à verdade. A parte importante da cena, para o
espectador, não é o discurso, ou seja, o que ele diz, mas sim a revelação ao espectador do
caráter mentiroso que esse personagem possui.
Além da construção dramática, por meio dos três atos, da empatia dos personagens com o
apreciador e das revelações criteriosas através de ações e subtextos, Howard e Mabley (1999)
tratam a respeito de outros aspectos importantes nessa construção. Um deles é a habilidade doescritor em colocar as ações que teriam seu tempo real, no menor tempo fílmico possível, isto
é, uma história que se passa em dias ou anos deve ser bem representada pelo escritor, de
forma a se enquadrar no tempo do filme. Para isso, as etapas da história devem ser divididas
em elipses, isto é, períodos que se encaixem sem que o espectador perceba, como por
exemplo, uma mudança de ambiente, como de uma cena de casamento que muda para uma
cena de lua de mel; essas duas elipses precisam se encaixar de forma harmoniosa. Outro ponto
importante na construção é o caráter do diálogo que deve se identificar, com a personalidade,estado emocional e motivações do falante.
Howard e Mabley (1999) também abordam a importância dos elementos visuais e sonoros.
Esses que devem ser bem referenciados e descritos pelo roteirista para que, assim, a equipe
que for de fato transformar o roteiro em filme possa conseguir atender à proposta inicial do
roteiro. O desafio do roteirista é escrever um filme em uma plataforma de papel, ou seja, é
necessário passar para o papel o máximo de informações que apareceriam na tela. Isso
significa escrever pensando nos recursos do filme (luz, cenário, figurino, sons,
enquadramentos e etc) e usar de todas as formas possíveis para gerar envolvimento e impacto
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no espectador. Se for preciso, ainda é recomendado que o roteirista reescreva o texto
analisando todos os pontos possíveis.
2.3 A construção dos personagens de ficção
De acordo com as percepções de Howard e Mabley (1999) em relação ao roteiro, a elaboração
da história, bem como a construção dos personagens se inicia no texto para depois se tornar
filme. Relacionando o texto do roteiro ao conceito de literatura, Anatol Rosenfeld (2005)
explica que “Na acepção lata, literatura é tudo o que aparece fixado por meio de letras – obras
científicas, reportagens, notícias, textos de propaganda, livros didáticos, receitas de cozinha
etc” (ROSENFELD, 2005, p.11). Sendo assim, o roteiro pode ser considerado um textoliterário. Nesse âmbito o autor fundamenta a construção dos personagens da ficção no campo
da literatura.
Por esse motivo, o uso correto da expressão das palavras ou a forma de linguagem é
importante na literatura, pois esses são responsáveis por fazer referência à aparência física ou
às características psíquicas de um personagem, objeto ou lugar. A literatura, portanto,
necessita de aspectos esquemáticos, principalmente representações de objetos imagináriosconstituídas pelas orações, que é a narração.
Em relação ao que Rosenfeld (2005) chama, na literatura, de aspectos esquemáticos na
montagem das orações e palavras, Gomes (1976) explica que no cinema a narração pode ser
dada por uma exposição aleatória de pontos vistas de personagens diferentes. Existem filmes
em que a narrativa sobre as características de um protagonista, por exemplo, é dada através da
ação e percepção de vários personagens durante a trama, que não o principal. Já a narração emprimeira pessoa do singular ocorre através da fala de um personagem inserido ou não no
filme, que muitas vezes não é proclamada na voz do personagem que aparece na imagem,
pode ser apenas uma fala desprendida da ação presente, mas que apenas narra, assim como na
literatura.
Para Rosenfeld (2005), o cinema e o teatro utilizam de aspectos concretos que são
constituídos pela simples mediação da sensibilidade, isto é, visão, audição e assimilação.
Apesar disso, a obra literária, pode expressar com palavras as características psicológicas de
um personagem sem mencionar sua aparência, já o teatro e o cinema não podem expressar de
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forma direta os aspectos psíquicos sem recorrer à exposição visual física do corpo, da
fisionomia ou da voz. Gomes (2005), também afirma que no filme o conteúdo visual é fácil,
imediato e objetivo, mas o conteúdo trazido pelo narrador vocal também ocorre no cinema e
se dá através do diálogo. Trata-se realmente de um complemento mais rico em exposição de
ponto de vista e fatos. Não só o diálogo, mas, para Rosenfeld (2005), a câmera também
desempenha um papel narrativo no filme. Ele afirma que ela “[...] Focaliza, comenta, recorta,
aproxima, expõe, descreve. O close up, o traveling, o „panoramizar‟ são recursos tipicamente
narrativos” (ROSENFELD, 2005, p.31).
Já para Prado (2005) enquanto no romance as personagens são mediadas pela voz narrativa, e
no cinema pelos diálogos e pela câmera, no teatro é o próprio ator quem fala diretamente aopúblico e com o público. Assim, no romance o interior da personagem é conhecido por meio
do fluxo de consciência, enquanto no teatro esse conhecimento torna-se possível por meio do
diálogo entre a personagem e o confidente, que é uma extensão da própria personagem que
está expondo seus sentimentos. Quanto a essa importância do ator no teatro, Rosenfeld (2005)
explica que a função narrativa, e conseqüentemente fictícia, do teatro está nos personagens.
É precisamente por isso que no próprio cinema e na literatura ficcionais as personagens,embora realmente constituam a ficção, e a evidenciem de forma marcante, podem serdispensadas por certo tempo, o que não é possível no teatro. O palco não pode permanecervazio. (ROSENFELD, 2005, p.31)
Isso ocorre, pelo fato de no teatro não serem mais as palavras que expressam os personagens e
o cenário, mas sim os personagens e o cenário é que expressam as palavras (narram) e se
tornam fonte delas.
Em um ponto de encontro entre romance e teatro, Gomes (2005) define inicialmente o cinemacomo teatro romanceado ou romance teatralizado. Nesse caso, a semelhança com o teatro
vem porque o teatro teria seus personagens encarnados em atores, o que se repete no cinema.
Já a semelhança com o romance ocorre, pois o romance teria através da escrita e literatura a
possibilidade de desenvoltura no tempo e espaço, o que também se repete no campo
cinematográfico através da montagem.
No caso das semelhanças e diferenças entre cinema e teatro, sob um ponto de vista visual, ocampo cinematográfico oferece maiores recursos de intimidade com a personagem, podendo
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focar partes do corpo e propor diferentes formas de movimento e dinâmica de olhar através da
filmagem. Mas a principal diferença, entre teatro e cinema, abordada por Gomes (2005), é o
fato de que no teatro tem-se pessoas, no cinema tem-se a projeção de pessoas e suas vozes.
Isso possibilita no teatro o inesperado verdadeiro que o autor atribui aos possíveis erros que
podem acontecer já que a interpretação e a recepção acontecem de forma simultânea.
Quanto à forma como o personagem se apresenta, seja no cinema através de uma projeção
visual, na literatura através de uma projeção escrita, ou no teatro através de atores, para
Rosenfeld (2005), a personagem em todos os casos é a principal responsável pela
ficcionalidade da obra, porque é ela que, com mais nitidez torna patente e constitui a ficção
uma vez que a camada imaginária da obra se torna densa e concreta através dela. Averificação do caráter ficcional da obra depende, porém, também de três aspectos citados pelo
autor, sendo esses: o problema ontológico, o problema lógico e o problema epistemológico.
O primeiro faz referência à função da oração no texto de ficção. Nesse caso, por exemplo, a
oração “Laura almoçou rapidamente” tem-se uma projeção de um ser fora da oração que pode
tanto existir de verdade, como ser puramente intencional. Na ficção o sujeito projetado pela
oração não precisa existir de forma autônoma (real) como nos textos científicos ou jornalísticos. Trata-se de uma projeção intencional, mesmo que o ser que se busque projetar
seja real. Existe, portanto, uma diferença entre o ser projetado e o ser autônomo, pois o
primeiro existe apenas sob aquele olhar descrito no texto, o segundo existe independente da
oração, e não tem necessariamente que existir quando se trata de ficção. A oração na obra
ficcional tem força realizadora e concretizadora do apreciador. Isso, pois a frase “Laura
almoçou rapidamente” diz respeito a um significado que transcende o mero conteúdo
significativo da oração. Isto é, imagina-se a pessoa do sujeito, esta com um prato de comidasobre a mesa, esta sobre uma cadeira em um espaço e seu conjunto, este em uma casa, esta em
uma cidade, mesmo que nada disso tenha sido dito.
A questão ontológica no cinema se aplica da seguinte forma: enquanto na literatura as
objectualidades são meramente intencionais, isto é, são projeções que só podem ser
delimitadas até certo ponto, já que a imaginação visual do receptor pode avançar além do
esperado, no cinema o que se vê é demasiadamente objetivo e delimitado. Gomes (2005)
afirma que o cinema impõe aspectos físicos integrais e completos de um cenário e
especialmente dos personagens. Já o romance pode se limitar a falar um aspecto que queira
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intencionalmente destacar, dando liberdade ao leitor para imaginar o restante das
características físicas da cena que não está descrito. O autor explica que esse fenômeno marca
uma importante separação entre romance e cinema, pois, o cinema, diferente do romance, tem
a autoria da criação e imposição de todo o conteúdo físico e visual. Apesar disso, Gomes
explica que o filme tem o poder de criar mistérios em relação às características psicológicas
de suas personagens, essas que a literatura faz questão de explicitar na descrição minuciosa da
personalidade e pensamentos dos personagens da narrativa.
O teatro apesar de se aproximar do cinema quanto à exposição visual, de certa forma também
tem seu cenário condicionado ao foco que o personagem em cena o dá, até mesmo no ato de
acreditar que aquele cenário seja ambiente real. Esse fato também se aplica à questãopuramente intencional da projeção no teatro.
O segundo problema citado por Rosenfeld (2005) que atua na verificação da ficcionalidade na
obra é o lógico. Nos textos científicos existem critérios de valorização lógica que podem
julgar um texto falso de acordo com a veracidade dos fatos que expõe. Por exemplo, se um
texto de um historiador trata sobre um acontecimento passado, este deve seguir de forma fiel
aquilo que realmente ocorreu no mundo real para não ser considerado falso. Já no texto de
ficção, a lógica do texto, veracidade ou falsidade está ligada a outros elementos que não se
baseiam na fundamentação precisa em relação ao mundo real, mas sim em originalidade e
coerência. Uma obra ficcional pode, por exemplo, tentar representar a realidade cotidiana
através de uma história e ser considerada falsa por não ser coerente no desenrolar dos fatos. E
um conto de fadas pode ser considerado extremamente original e coerente apesar de contar
uma história que jamais aconteceria no mundo real simplesmente por ser fantasiosa.
O problema epistemológico parte do pressuposto da diferença entre o Eu Lírico e o Eu
Empírico do autor do texto. Em um poema, por exemplo, mesmo que escrito em primeira
pessoa, os sentimentos expostos pelo autor não dizem respeito a ele empiricamente, mas sim
aos sentimentos de um personagem (eu lírico) que se queira projetar. Ou seja, um poema que
fala sobre tristeza, o sentimento exposto busca projetar o que sente uma pessoa que está triste
e não trata necessariamente dos sentimentos reais do autor do texto. Outra questão
epistemológica que define a obra ficcional é a atribuição de ações e advérbios temporais ao
sujeito da oração. Comoe exemplifica o autor, na frase “Laura almoçou rapidamente” essa
pode se tratar de um boletim policial se a continuação for “quando entrou pela porta um
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ladrão e...” o mesmo não ocorre se a continuação for “Sem dúvida pensava angustiada o que
fazer com seus sentimentos em relação à Paulo. Decerto ele não podia partir hoje à noite”.
Certas palavras, como “sem dúvida” “decerto” levam o leitor a participar da intimidade do
sujeito, de modo que é levado a viver a experiência dele. O uso de tais advérbios também
caracteriza o texto de ficção.
Gomes (2005) chega à conclusão de que as diferentes formas da palavra na narrativa do
cinema proporcionaram um escape da limitação da palavra em um campo objetivo e abriu
horizontes estéticos para um cinema em exercício de uma literatura falada. O autor
fundamenta a análise na existência de personagens cinematográficas que são construídas e
expostas exclusivamente de palavras. É caso de personagens que são citadas e lembradas poroutras personagens sem uso de imagens, mas apenas de uma descrição falada originadas das
personagens em cena.
Apesar da importância da palavra na construção de personagens e narrativas, Gomes (2005)
explica sobre a dependência que a palavra tem em relação ao conteúdo audiovisual, uma vez
que a caracterização de determinada personagem vai estar condicionada à expressão facial das
personagens em cena, e muito mais ainda, da entonação da voz que nesse caso impõe umfigurino específico à narrativa e sua interpretação. Portanto, apesar das semelhanças entre
cinema e romance, o primeiro não é construído exclusivamente de palavras, o que, segundo o
autor, faz com que a liberdade dada ao leitor na criação de imagens no romance, não seja uma
realidade nos filmes.
Sob o ponto de vista da importância do personagem, para Gomes (2005) no cinema este se
apresenta como pertencente ao domínio público, isso porque os filmes recriam obras literáriase personagens já existentes com o compromisso de entreter e promover interpretação,
enquanto a personagem literária carrega consigo o nome de um autor exclusivo e não
apresenta um compromisso imediato de ser popular. Mas, ainda assim, Rosenfeld (2005)
afirma que a excelência artística da literatura está condicionada à animação e humanização de
seres ou lugares e de que essa humanização seja identificada através não necessariamente de
uma popularidade, mas no mínimo de empatia. Isso, pois a sensação que o receptor vai ter de
que a projeção das palavras seja de objetos reais só é possível através da colocação do leitor
dentro do mundo imaginário, mercê do foco “personal”. “Assim, o leitor participa dos eventos
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em vez de se perder em uma descrição fria que nunca lhe dará a imagem da coisa”
(ROSENFELD, 2005, p.28).
Para que a história contada no filme gere envolvimento Howard e Mabley (1999) também
descrevem que o protagonista deve causar no espectador um sentimento de empatia, mesmo
que as atitudes do personagem sejam repulsivas. Além de depender de um sentimento de
empatia que parte do receptor, para Betton (1987) a personagem está condicionada ao estilo
do diretor que está presente no filme e é a sua autobiografia. Ainda assim, o espectador
necessita de se identificar com o estilo do diretor no filme. As diferentes percepções do
espectador geram diferentes interpretações e é isso, segundo o autor, que caracteriza o
espectador também um criador de significado para o filme e por fim para a trajetória dospersonagens.
Para Gomes (2005) o que eterniza a vida dos personagens é a junção entre palavras e imagens.
Esses dois elementos juntos funcionam como uma espécie de memó ria da história. “Ainda
aqui o filme trará a sua contribuição destacada à imensa fantasia de memória do mundo”
(GOMES, 2005, p.119).
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3 O EXPRESSIONISMO ALEMÃO E A ANIMAÇÃO EM RELAÇÃO AO
CONCEITO DE REALIDADE NO CINEMA
3.1 O cinema como representação da realidade
Segundo Alberto Lucena Júnior (2005) o cinema surgiu como uma arte que advém da
fotografia e com isso teve seus valores atribuídos à representação do real, isto é, o ponto de
partida, motivação e até mesmo o juízo de valor positivo de um filme era dado na proporção
em que ele possibilitava representar a realidade.
Martin (2003) também discute a tentativa do cinema mostrar a realidade, mas, segundo ele, naverdade, isso nunca pode ser realidade. O cinema seria então, uma arte que pode usar
elementos de linguagem para exprimir a realidade e além da realidade. A forma como essa
representação da realidade é construída, seja com a projeção de uma imagem real ou de um
cenário criado, bem como intenções do diretor e os resultados na percepção do espectador, é
que torna o cinema uma arte. A imagem segundo ele, é a principal responsável pela atribuição
de valor ao cinema, seja essa uma representação fiel da realidade ou simplesmente uma
imagem artística.
A imagem é o elemento base da linguagem fílmica, trata-se na verdade da matéria prima de
expressão do cinema. Tanto por seu caráter objetivo, na capacidade de representar a realidade
com clareza, quanto por seu caráter subjetivo, na capacidade estética de afetar os sentimentos
do espectador através da imagem artística da realidade. Isso, devido ao seu contexto
intelectual, pois os signos utilizados são também capazes de promover uma “significação
ideológica e moral”. Para Martin (2003), essa significação depende não somente da imagem,mas das intenções e recursos utilizados pelo cineasta e das faculdades do espectador.
Também nessa linha, Betton (1987) analisa a representação da realidade atribuída ao cinema e
suas capacidades fílmicas e conclui que a expressão da realidade no cinema é relativa, uma
vez que está condicionada à percepção individual do espectador. Isso se deve aos diferentes
modos de o cinema exprimir idéias, como, por exemplo, a existência de diversos tipos de
realismo, o que torna o realismo ainda mais relativo. Em contraponto ao conceito de
absolutismo da realidade no cinema estão ainda as interferências que a percepção do
espectador sofre de acordo com seu estado de espírito, humor, maturidade e idade, entre
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outros. Segundo Betton, até mesmo o espectador possui um papel criador e/ou transformador
na interpretação de um filme. Isso, pois, mesmo que um único indivíduo assista a um mesmo
filme várias vezes, em cada uma delas esse espectador pode ter uma interpretação distinta.
3.2 O surgimento do conceito de estilo
Lucena Júnior (2005) afirma que devido ao condicionamento do valor do cinema em relação à
representação da realidade, a animação, enquanto uma plataforma do cinema que não tem
suas imagens captadas a partir de ambientes físicos e nem mesmo personagens reais, teve
dificuldades de ganhar espaço. “Como a pintura, a animação precisava superar a barreira
técnica da representação do real para vir a usufruir da liberdade de formulação da plásticailimitada” (LUCENA JÚNIOR, 2005, p.13).
Com o tempo e os avanços na tecnologia cinematográfica, viu-se a possibilidade de construir
narrativas que não precisariam estar vinculadas ao conceito de realismo, desde que
expressassem em igual teor emoção e envolvimento no espectador. Assim, várias outras
vertentes cinematográficas surgiram, como, por exemplo, o idealismo e o expressionismo
alemão. Estes estão mais ligados aos conceitos abstratos, longe da realidade e muito perto dafantasia.
O idealismo caracteriza-se pela escolha de assuntos fantásticos, pelo gosto do mórbido oudo macabro, pelos sentimentos levados ao paroxismo: há uma transfiguração da realidade.Essa transmutação do real em imagens que refletem a sensibilidade, a personalidade ou asintenções deliberadas do autor, pode ser encontrada, em diversos níveis, em todos osfilmes, sendo também essa reorganização do real em grande medida, fruto da imaginaçãocriadora do espectador. (BETTON, 1987, p.13)
Betton (1987) explica a relação da realidade com o idealismo e com o expressionismo. O
primeiro baseado na transfiguração, isto é, mudança da realidade, essa com uma intenção final
de percepção específica. Isso significa modificar os elementos reais da imagem e dos fatos por
uma causa, seja ela atender a um universo só existente na história ou impedir que uma
expressão fiel da realidade prejudique a narrativa. Um exemplo é um romance entre dois
moradores de favela. Se a intenção do filme é mostrar uma história apenas romântica em um
universo terno, a periferia teria de ser mostrada como uma comunidade pobre, mas calma,sem violência.
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Já no expressionismo trata-se, segundo o Betton, de criar um universo, ou seja, que não
existiria na realidade, carregado de fantasia. Como, por exemplo, criar um cenário de um
ambiente físico que não existe, com acontecimentos sem compromisso com a realidade.
Como exemplo tem-se os filmes de Tim Burton, com narrativas fantásticas, mundos
imaginários e seres fantasiosos – como veremos mais adiante. Segundo Betton, o cinema
trabalha na tentativa de fazer parecer real aquilo que é imaginário. Isto é, proporcionar ao
espectador a sensação de que a história realmente está acontecendo. Portanto, o conceito de
realidade se aplica para a impressão causada do espectador e não para a expressão das
imagens em si.
Mesmo com a superação da capacidade subjetiva da imagem em relação à objetiva, Lucena
Júnior (2005) explica que a emancipação de valor de um cinema que não se baseia apenas na
representação da realidade levou tempo. E, por isso, a plataforma da animação demorou para
ser valorizada enquanto cinema e mais ainda para ser estudada e analisada. O autor explica
que o cinema animado chegou a ser muitas vezes confundido com os desenhos animados,
visto como prática artesanal e ainda ganhou a imagem de “coisa de criança”, por isso ficou
deixada de lado por pesquisadores e estudiosos da sétima arte.
Martin (2003) propôs um novo conceito de linguagem cinematográfica que explica o avanço
da animação e de influências como o expressionismo mesmo diante das barreiras impostas
pela “representação da realidade”. Trata-se de uma transição do termo “linguagem”, para
“estilo”. O termo “estilo” proposto por Martin (2003) é a sublimação da linguagem fílmica
atingida através da liberdade cinematográfica, tanto dos cineastas, quanto do espectador,
adquirida na evolução do cinema mundial. Essa sublimação se refere à purificação dalinguagem cinematográfica, isto é, ela passa para outro estado, agora separada e única diante
das outras linguagens. “A linguagem, comum a todos os cineastas, é o ponto de encontro da
técnica e da estética; o estilo, específico de cada um, é a sublimação da técnica, na estética”
(MARTIN, 2003, p.241). A partir dessa liberdade e particularidade é que o autor define
conclusivamente o cinema enquanto arte, sem dívida com outros campos artísticos como a
literatura e o teatro e, portanto, sem amarras atreladas ao conceito de realidade.
3.3 Os desafios e avanços da plataforma da animação no cinema
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Lucena Júnior (2005) trata a arte como um elemento que se fundamenta na técnica, isto é, que
necessita dos procedimentos técnicos de construção como ferramenta para sua concepção
final. Nesse sentido do o universo visual da animação que aparece na tela, não é simplesmente
captado pela câmera como nos filmes tradicionais, mas sim, construído, seja através do
artesanato ou mesmo da computação gráfica. Segundo o autor, a animação esteve, portanto,
presa ao seu processo de realização, limitando sua qualidade artística nas possibilidades
tecnológicas da época em que estava inserida quando teve seu início. Lucena Júnior vê como
solução para isso, os avanços da informática na animação, que permitiram facilitar o processo
de execução, dando mais espaço para a preocupação no fazer artístico e na qualidade da
narrativa.
A computação gráfica surge para a animação como a saída para esse obstáculo, mas volta arepetir-se o ciclo histórico do necessário desenvolvimento técnico para uma posterior eefetiva aplicação de princípios artísticos. Mas a nova e revolucionária técnica, ainda emfranco processo de aperfeiçoamento, deverá implicar em uma nova postura do artista frenteà história da arte e da animação – mais ainda frente a nova sociedade e formação, quesaberá determinar-lhe seu devido lugar. (LUCENA JÚNIOR, 2005, p.28)
Acerca dos avanços técnicos, Lucena Júnior (2005) explica o desenvolvimento histórico da
evolução de equipamentos que resultou na atual realidade dos recursos utilizados paraprodução da animação, bem como as conseqüências para qualidade artística da animação
através dessa evolução. O autor explica o surgimento da animação advindo da necessidade de
expressão de movimento dos personagens e objetos das artes plásticas que começou com a
criação dos primeiros dispositivos ópticos-mecânicos como a Lanterna Mágica até chegar na
inserção da animação computadorizada. A Lanterna Mágica de 1645 criada em Roma,
segundo Lucena Júnior chegou a fazer com que criador fosse acusado de prática de bruxaria,
devido ao espanto que o equipamento causou. Tratava-se de uma caixa com uma fonte de luz
e um espelho curvado em seu interior que possibilitava a projeção de slides pintados em
lâminas de vidro.
Lucena Júnior (2005) explica que vários equipamentos foram sendo criados até levar a
animação rumo à indústria. Assim, após várias tentativas em diferentes engenhosidades de
fazer animação, chegou-se ao momento chamado “A industrialização da animação”. Ao
começar a agradar a indústria da arte a partir do século XX, a animação limita-se a prazos e
intenções industriais que, segundo ele, prejudicam a qualidade de suas produções. “Realizar
um ou outro filme, no tempo que fosse necessário, como fez Winsor McCay, não permitiria o
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desenvolvimento de um mercado que desse sustentação ao oneroso (e conseqüentemente caro)
processo de produção” (LUCENA JÚNIOR, 2005, p.60)
Lucena Júnior (2005) explica que através da necessidade de atender à demanda da produção,
surgem os estúdios de animação, funcionando sob os conceitos de organização empresarial, o
que profissionalizou a produção estética, criando padrões e, por outro lado, anulou a
criatividade e potencial artístico dos criadores. O autor explica que mais tarde alguns artistas
começaram a criar seus próprios estúdios e a patentear seus personagens, possibilitando
novamente a criatividade individual que a padronização dos estúdios industriais não permitia.
Apesar disso, os padrões técnicos possibilitaram a fácil reprodução de animações utilizando
os mesmo personagens em outras histórias, o que gerou vários desenhos que começaram amarcar época e tornarem-se conhecidos.
Lucena Júnior (2005) explica a repercussão dos desenhos animados até o auge do “fenômeno
Disney”, que é como ele chama o sucesso da empresa Walt Disney Pictures na produção de
filmes animados. A manifestação da arte só é dada quando, por trás do objeto artístico, está
um indivíduo motivado com as qualidades e conhecimentos especificamente necessários para
esse empreendimento. Para Lucena Júnior foi o caso de grandes artistas independentes quecomeçaram a surgir e também das produções Disney. Isso ocorreu através de uma junção de
qualidades. “[...] o desenvolvimento da animação tem sido o resultado quase completo da
capacidade de um número limitado de pessoas, que conseguiram a combinação exata de
engenhosidade técnica, imaginação e talento artístico” (LUCENA JÚNIOR, 2005, p.81).
Condicionando o valor artístico da animação à técnica, Lucena Júnior (2005) afirma que, com
o aparecimento de grandes artistas, houve o surgimento também de técnicas inovadoras decriação. O mecanismo de computação gráfica passou por problemas de anulação artística da
criatividade, assim como o surgimento dos estúdios e seus padrões e facilidades, porém assim
como este, a computação gráfica, e até mesmo a animação 3D rumou ao avanço também
artístico até chegar aos dias de hoje.
Sobre a atual situação da arte na animação Lucena Júnior (2005) afirma que em primeiro
lugar na criação artística da animação devem estar os conhecimentos que implicam a criação
visual do artista, isto é, a imaginação, idéia e criatividade do diretor, independente das
técnicas que serão utilizadas a fim de conseguir conceber a criação primária. “Desprezar essa
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orientação significa estar fadado a produzir apenas imagens (apenas amostras descartáveis),
jamais arte” (LUCENA JÚNIOR, 2005, p.442). Para o autor, a operação técnica serve para
formalizar a arte, mas está em um segundo nível, uma vez que, a técnica se modifica e um
mecanismo que pode ser em dado momento inovador, pode ser em outro ultrapassado.
3.4 O Expressionismo alemão
3.4.1 O contexto histórico que antecede o cinema expressionista
Assim, como a animação no cinema, para Claudia Valladão de Mattos (2002), o
expressionismo surgiu de uma proposta nova e passou por dificuldades de aceitação nas artesplásticas, literatura, arquitetura e até no cinema. Em contraposição aos ideais impressionistas,
na época em ascensão, em 1905, nasceu o expressionismo na Alemanha. A corrente artística
perdurou por vinte anos que podem ser divididos em dois períodos: o pré-guerra e o pós-
guerra, referindo-se à Primeira Guerra Mundial. O primeiro momento ocorreu em diálogo
com as vanguardas internacionais e se manifestou unicamente nas artes plásticas e na
literatura. O segundo momento foi marcado na arte expressionista pelo sentimento de
nacionalidade e busca obsessiva por identidade nacional, se manifestando em outros camposda arte.
Devido à importância política e social que esses dois períodos tiveram para o país germânico
e em especial na influência de artistas, Mattos (2002) ressalta que o contexto histórico é o
elemento base para compreensão do expressionismo. Segundo Luiz Nazário (2002), através
da ascensão da burguesia no final do século XIX como conseqüência das revoluções do
século anterior, que estimulou o desenvolvimento material no ocidente, muitos lingüistas eantropólogos passaram a estudar línguas e povos, e por várias classificações próprias
decidiram que os europeus eram superiores em raça, gênio e caráter. Agravando a situação, a
partir da ideologia de uma raça pura, na Alemanha, os judeus, julgados inseparáveis do
capitalismo por serem os principais mercadores da época, foram considerados sem caráter,
inteligência e biologicamente imperfeitos. Tal ideia se propagou até que se decidiu que os
judeus deveriam ser eliminados. Os arianos eram considerados saudáveis, divinos, com
corpos esbeltos, cabelos cor do sol e olhos cor do céu; já os judeus passaram a ser
considerados como bactérias que ameaçavam contaminar a raça pura alemã.
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Os judeus então começaram a tentar se manifestar política, social e culturalmente, o que foi
considerado pelos estetas que apoiavam a estética do ariano como ser divino e perfeito como a
“decadência” da civilização. Sob esse olhar de vírus, doença e decadência atribuído aos
judeus, surgiu o conceito pessimista de “degenerado” e “deformado”, contrários a beleza
divina e perfeita intelectualidade do ariano. Como uma forma de expressão desse conceito
pessimista surge a arte moderna expressionista. Suas obras foram associadas à decadência
física, espiritual e moral influenciadas ideologia nazista, como mostra o famoso desenho
expressionista abaixo O Grito de 1893, feito por Edvard Munch que representa o conceito de
insanidade mental e deformação.
Figura 1- O Grito de Edvard Munch, 1893
Devido às demonstrações de imperfeição ou deturpação das formas físicas, mesmo quando a
arte expressionista atuou com intenções contrárias à guerra, Mattos (2002) acredita que ela
pode ser classificada como uma arte que apoiava os ideais de direita. “ (...) já pelo princípio
de exclusão do diferente, que a norteia, pode ser considerada conservadora, mesmo quando
observada em artistas politicamente engajados nos movimentos de esquerda, como Conrad
Felixmüller” (MATTOS, 2002, p. 43). Assim, em contraponto ao naturalismo e
impressionismo que expressavam corpos perfeitos e esbeltos e imagens mais associadas a
uma forma ideal, nas artes plásticas o expressionismo começa a incomodar mostrando os
contrastes entre o perfeito e o muito imperfeito.
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As primeiras obras expressionistas surgiram através de quatro amigos arquitetos que criaram
o grupo “Die Brücke” (A Ponte) simplesmente em busca de uma nova estética nas artes
plásticas dialogando com ideais internacionais que acabavam de surgir. A intenção do grupo
era a de integrar vida e arte expressando o cotidiano nas obras, de forma que a experiência
relatada nas figuras fosse mais importante do que a figura física em si, tentando assim libertar
a arte da esfera do puramente estético. Em 1911 surge outro grupo chamado “Der Blaue
Reiter” que trouxe um conceito contrário ao do grupo anterior. “Para eles, precisamente a
autonomia da dimensão estética garantiria espaço para o nascimento de uma atitude espiritual
diante do mundo” (MATTOS, 2002, p. 48) Com isso, o novo grupo passou a valorizar a
capacidade estética da obra em “romantizar o mundo” através do mundo inter ior do artista esuas visões proféticas. A partir dessa valorização da estética e da visão particular do artista,
surge o abstracionismo vinculado ao expressionismo, momento este em que o expressionismo
passa a expressar os conceitos pessimistas do momento pré-guerra, mas não somente com a
mera representação do cotidiano, e sim um papel mais enriquecedor por meio da expressão de
idéias através do mundo interior de cada criador da arte, independente de cultura, idade ou
território do qual fazia parte. Tais valores é que estimularam o intercâmbio de ideias entre
artistas expressionistas de vários países, o que com a chegada da guerra tomaria outro rumo: ode expressão da nacionalidade e da cultura essencialmente germânica.
Para Nazário (2002), o início da Primeira Guerra Mundial na Alemanha teve como base o
sentimento de nacionalidade e a luta contra o capitalismo, (considerado difundido pelos
judeus). Os poetas, a imprensa e o governo começam de várias formas a fazer apologia à
guerra, fazendo louvores e honrarias à beleza das lutas e à importância de morrer em batalha
pela pátria. Nesse contexto, a arte expressionista deixa de ser um movimento de intercâmbioartístico e passa a utilizar de sua essência para expressar a identidade nacional despertada pela
guerra. Contudo, através dos fracassos da Alemanha, o cenário econômico começa a tomar
proporções desastrosas no país e várias manifestações, mortes e ataques a judeus começam a
acontecer. Os artistas expressionistas tomam, então, uma postura pacifista, mostrando através
das figuras degeneradas, e ao mesmo tempo expressivas, a verdadeira face da guerra. A
imagem de soldados mutilados e outras que tentavam mostrar um verdadeiro apocalipse.
Mattos (2002) explica que os poetas expressionistas também ganham destaque em versos
quase que proféticos através do olhar individual de cada escritor sobre o momento. Os versos
assim como as figuras expressionistas trazem aspectos abstratos, exaltados, livres de regras,
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com uma nova linguagem, essa de jogar palavras sem compromisso com a linearidade ou com
a sintaxe, mas apenas revelando um universo que só pode ser compreendido de fato se for
enxergado o mundo individual do poeta que os criou.
Com aumento dos pacifistas e o fim da guerra que deixou o país em um estado complicado
tanto econômica quanto politicamente, o expressionismo começa a ganhar destaque e a se
manifestar em outros campos artísticos como arquitetura, teatro, cinema e até vestuário. Nesse
contexto, o governo tentava resolver os problemas econômicos, a alta inflação e os conflitos
políticos. O expressionismo, por sua vez, deixava cada vez mais claro as desigualdades,
manifestando as diferenças e as conseqüências da guerra. Para Mattos (2002) o cenário de
derrota deixado pela guerra, estimula os artistas expressionistas a encontrarem a identidadealemã no estilo gótico. A arquitetura se manifesta dessa forma em uma postura visionária,
com princípios contrários à praticidade e necessidade, agora engajados na criação de formas,
materiais e estruturas inovadoras. “[...] a adesão à poética do Expressionismo de dá enquanto
aproximação com a cultura gótica alemã. Trabalha coma noção de organismo, a partir da qual
a forma se estabelece, e contesta as leis da geometria” (FERNANDES, 2002, p.493). A autora
destaca alguns aspectos marcantes na arquitetura expressionista, como o conceito de
expressão artística ao invés do conceito de necessidade, fazendo com que as construções domovimento tivessem um caráter excessivo, com formas diferentes, sem compromisso com a
praticidade, mais atreladas à inovação e valorização da imaginação. Eram feitas enormes
catedrais góticas e ainda a utilização de janelas de vidro eram uma das principais
características, bem como espaços excessivos e vazios.
Nos princípios adotados pelo governo pós-guerra de melhorias no país e valorização da
educação, começam a ser construídos os teatros para exibição pública de peças. Por volta de1918 com o surgimento do teatro expressionista surge também uma importante plataforma da
arte expressionista, essa que fundava sua importância nas artes plásticas e literatura e ganha
outro meio de destaque: o cinema.
3.4.2 A trajetória e as características do cinema expressionista
Nazário (2002) explica que nos cinco anos anteriores ao início do cinema expressionista, que
começou somente após o fim da guerra, os atores com credibilidade no meio artístico
desprezavam a arte cinematográfica e os atores que dela faziam parte, pois eram na maioria
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das vezes escolhidos e recrutados em cafés, e tidos como desempregados que buscavam
ocupação informal. A temática dos filmes nessa época produzidos – ainda não expressionistas
– era na maioria das vezes melancólica, como de mulheres apaixonadas por soldados em
guerra. Segundo Nazário (2002), “Paul Davidson fez esse cinema ingênuo avançar ao quebrar
o boicote da classe teatral, através de um contrato exclusivo assinado com o sindicato dos
dramaturgos, criando o „filme do autor‟, que trouxe prestígio ao novo meio de expressão”
(NAZÁRIO, 2002, p.507). Sendo assim, o cinema passa a ser valorizado ganhando o olhar de
atores famosos e até mesmo de produtores expressionistas a partir do momento em que o
cinema, enquanto arte, passa a ter autoria, valorizando o artista que o idealiza e executa.
Um dos primeiros filmes quase-expressionistas, como cita Nazário (2002), foi lançado em1913 com o nome O Estudante de Praga (Der Student Von Prag, 1913) de Stellan Rye e Paul
Wegener, o expressionismo pode ser visto na obra através do universo de fantasia, mas se
limita nessa característica. A partir daí os produtores começam a fazer filmes em busca de
temáticas originais, consideradas por eles “mais artísticas” sem a preocupação de se enquadrar
nas narrativas tradicionais e nem em cenários naturalistas. O expressionismo surge então no
cinema, assim como surgiu nas artes plásticas, literatura e cinema, como uma forma de
ruptura dos valores tradicionais e tentativa de expressão da nacionalidade, claro que com ascaracterísticas que foi conquistando ao longo de sua evolução, como o gosto pelo gótico,
pelas distorções das formas como ocorreu na arquitetura, a exemplo da literatura pela
expressão do mundo interior do artista e agora no cinema, mundo do personagem e pela
representação de mundos conflitantes através de manifestações excessivas.
Nazário (2002) cita das características de um dos primeiros filmes que mais se aproximou do
expressionismo, antes mesmo de ser de fato expressionista. Alguns aspectos que servem deanálise para classificar as dimensões de um filme que é expressionista são: atmosfera de
excesso, demência e pesadelo. Trata-se do filme A Igreja do Diabo (Die Teufelskirche, 1919,
ALE), que conta a história de um diabo que vaga na terra levando às pessoas a cometerem
pecados sexuais. Em uma das cenas uma igrejinha de uma aldeia, através de uma possessão de
almas, se transforma em uma catedral gótica. Como dissemos, as catedrais góticas foram
também muito representativas na arquitetura expressionista. Inclusive as outras formas de arte
expressionistas são fundamentais na composição do cinema por inteiro, principalmente nos
cenários, que na maioria das vezes, ao invés de reais, eram pintados por artistas plásticos, ou
quando, como no último caso, a arquitetura era toda inspirada no expressionismo, e
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principalmente na literatura que compunha os personagens e seus excessos psicológicos. Os
filmes expressionistas são marcados, então, pelo gosto pelo mórbido, macabro, distorção de
figuras, temáticas góticas de horror, personagens portadores de insanidades mentais.
Nazário (2002), cita características muito marcantes no cinema expressionista, relacionadas
com a dependência que possui das artes plásticas e como é formado o cenário gótico nessas
obras:
[...] criando e pintando os cenários, os fundos, as perspectivas, os grafismos nas paredes,nos intertítulos, nos cartazes de publicidade e nos placares afixados nas salas. Também oscenógrafos destacavam-se criando exteriores fantasmáticos, construindo casas tortas comfachadas vivas, ruas estreitas e sombrias como tentações e armadilhas; interiores distorcidose fundos descambados, próprios para a pintura animada em que se convertia a cena [...] e osmagos da iluminação obtinham fortes contrastes para marcar uma personagem, realçar umacena, emoldurar uma situação dramática [...] Os iluminadores recriavam em estúdio todauma mascarada fantástica: manchas que deslizavam pelas paredes criando profundidades;focos direcionados que revelavam pouco a pouco elementos sinistros [...] (NAZÁRIO,2002, p.510)
Figura 2 – Cena de O Gabinete do Dr. Caligari (Das Kabinett des Dr. Caligari, 1919) de Robert Wiene
Sendo assim, como mostra a figura a cima, o cinema expressionista, inspirado nas artes da
mesma categoria anteriormente manifestas na pintura, literatura e arquitetura, era muito
marcado pelo conteúdo visual, este que se baseou na deformação de formas e em expressões
de excessos. Por isso os filmes possuíam casas tortas com janelas e portas sem simetria em
ambientes escuros e sombrios que muito lembram a tentativa da pintura em representar o
ambiente pós-guerra. Os excessos são manifestos no cinema inspirados na literatura
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expressionista pelo seu conceito de mundo interior do personagem. Assim, o conteúdo visual,
na maioria das vezes fantasioso, tentava materializar a personalidade dos personagens e seus
sentimentos. Por isso ao tratar de temáticas de insanidade e deformação inspiradas pelo
contexto político, unidas à temática de excessos, mundo interior do personagem e gosto pelo
gótico ligado ao ambiente da guerra eram feitos os filmes expressionistas que tentavam
expressar todas essas características, já que o cinema era mudo, em excessos visuais.
Para Nazário (2002), a apelação gótica e os excessos do cenário expressionista muito
incomodaram alguns críticos de cinema, em especial quando foi lançado o primeiro clássico
essencialmente expressionista, O Gabinete do Dr. Caligari (Das Kabinett des Dr. Caligari,
1919, ALE) do diretor Robert Wiene. Conta este, a história de um psiquiatra que desperta umsonâmbulo que estava adormecido há pouco mais de vinte anos. O sonâmbulo, que dormia em
uma caixa que estava na posse do psiquiatra, ao ser acordado durante um evento em uma
cidadezinha, profetiza a morte de um homem que estava na platéia acompanhando o
espetáculo do doutor. Assim como prevê o sonâmbulo Cesare, Alan é assassinado na mesma
noite. A própria figura de Cesare é macabra, com uma maquiagem carregada embaixo dos
olhos e cenários sinistros. O filme, que reflete em todos os aspectos as características
claramente expressionistas, buscou estar bem distante da realidade, com um estilo fantásticobem acentuado. Artistas plásticos foram contratados para pintar em telas cenários falsos,
simulando até mesmo contrastes de iluminação. Tal proeza fez com que o filme fosse
integralmente gravado em estúdio, o que era raro na época em que em meio ao
expressionismo alguns produtores ainda tentavam dar continuidade aos melodramas
naturalistas.
Mattos (2002) em concordância com Mike Budd (1990) diz que o sucesso de O Gabinete do Dr. Caligari se deve ao seu hibridismo: por ser um produto comercial, isto é: em uma
narrativa tradicional de assassinato como dos filmes de detetive, que atrai e é compressível
para a população. E também por ser um produto artístico original, isto é: de romper com o
universo tradicional, apresentando uma nova estética de mundo. “(...) funde, assim, duas
tradições culturais: a popular e comercial, de simulação realista do mundo; e a artística e
modernista, de estilização transformadora do mundo” (MATTOS, 2002, p. 515). Para o autor
a autenticidade de um filme expressionista depende de uma cenografia delirante. Nesse campo
o cenário fala de forma subjetiva em relação ao personagem e tem a ver com suas
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características psicológicas, com seu mundo interior, com suas alucinações, medos e
fraquezas.
O cinema expressionista, como arte que advém do teatro expressionista, carrega consigo
também as características da dramaturgia expressionista, essa que para Mariângela Alves de
Lima (2002), possui temáticas bastante aliadas à expressão de mundos conflitantes. Entre elas
está o conflito entre crianças e adultos, universo que quase sempre permeia as dramaturgias
expressionistas, muitas vezes representadas por pais autoritários, filhos incompreendidos,
lares sem estrutura familiar ou falta de carinho que acaba gerando fraquezas e melancolias nos
filhos. “De um lado, os jovens, de outro os adultos, representações coletivas do antagonismo
norma e instinto que permeará grande parte das composições da dramaturgia expressionista”(LIMA, 2005, p. 194).
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4 ANÁLISE DO EXPRESSIONISMO NA ANIMAÇÃO DE BURTON EMCONTRAPONTO AO CONCEITO DE REALIDADE NO CINEMA
4.1 Metodologia de pesquisa
Para realização da análise quanto à presença do expressionismo e conceito de objetividade na
composição estilística de Burton no filme A Noiva Cadáver, foram considerados os seguintes
elementos: narrativos – a partir da análise da temática e construção do roteiro, estéticos – a
partir da análise dos elementos físicos e de linguagem do cinema - como cenário, figurino,
som e iluminação. Foi analisado ainda o aspecto técnico quanto à metodologia de
desenvolvimento da animação e por fim foi feito um estudo quanto à relação desses aspectos
na definição do estilo do diretor no longa-metragem. Todos esses aspectos foram estudados a
partir do DVD original do filme, A Noiva Cadáver (Tim Burton‟s Corpse Bride, 2005, EUA)
onde continha o filme e os extras contendo comentários do diretor e dos produtores quanto
aos detalhes a cerca do desenvolvimento da obra.
Em um primeiro momento foram analisados os elementos narrativos, que definem a temática
do roteiro e que aponta as características do expressionismo presentes no enredo da história
através da ação e caracterização dos personagens, bem como a forma como ocorrem os atos,
que também definem a relação da história com a realidade ou ficção. Foram, portanto,
analisados aspectos da narrativa importantes para o estudo quanto à objetividade da história e
presença do expressionismo.
Temática (presença do fúnebre, horror)
Contexto (representação da sociedade burguesa sob o olhar expressionista) Estruturação dos atos, desenvolvimento e desenrolar de conflito (ficcionalidade)
Definição de protagonistas e antagonistas (humanização dos personagens)
Personalidade dos personagens (características psicológicas, ser incompreendido, e
capacidade de gerar identificação em relação ao espectador)
Em um segundo momento, foram analisados os aspectos estéticos que materializam de forma
sensorial (visual e sonora) a presença do expressionismo e a forma como é expressa arealidade artística do filme. Os elementos visuais e sonoros foram estudados a fim de permitir
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identificar as características expressionistas por meio comparativo com as obras consideradas
de fato pertencentes ao movimento expressionista. Os aspectos visuais, como por exemplo, o
cenário também permitiu identificar o universo da obra e sua relação com a representação ou
não da realidade. Os elementos estudados foram luz, cenário, indumentária e som na
expressão dos seguintes pontos:
Expressão de mundos conflitantes
Ambientes escuros com poucas cores subsidiados por contrastes
Arquitetura expressionista (gosto pelo gótico)
Cenário com tortuosidades, falta de simetria e elementos sinistros
Ambiente de pesadelo contrário à representação da realidade
Figurino característico do período expressionista
Presença das músicas clássicas e poemas expressionistas
Em um terceiro momento foram analisados os aspectos técnicos relacionados ao processo da
animação, no que diz respeito aos resultados visuais possíveis a partir do método utilizado,
bem como sua relação com o expressionismo, com a representação da realidade e por fim com
o estilo do diretor Tim Burton:
Stop-motion (a relação direta com as artes plásticas)
O mecanismo de movimentos na relação com a realidade
4.2 O expressionismo e representação da realidade na temática do roteiro e narrativa
No período em que trabalhou na Disney, Tim Burton criou e dirigiu seu primeiro curtaVincent. O filme já apresentava a temática expressionista do diretor que mescla o caráter
infantil da animação com uma estética obscura que permeia temas como Halloween, terror
psicológico, fantasia e humor negro. Com o sucesso de Vicent em 1982, a Disney começou a
considerar as ideias de Burton para O Estranho Mundo de Jack e então fizeram um acordo de
desenvolvimento.
O estranho Mundo de Jack, apesar de não ser dirigido por Burton, foi produzido e co-escritopor ele. As influências de Burton são claras no longa americano de 1993, tanto que o filme é
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iniciado com um poema do mesmo. Além disso, esse filme foi promovido mais tarde como
Tim Burton´s The Nightmare Before Christmas que significa “O Pesadelo Antes do Natal de
Tim Burton” devido à clareza da autoria de Tim Burton devido às influências temáticas.
Mesmo com enredos considerados pouco infantis, Tim Burton teve espaço para criar as
ilustrações que foram a base para O Estranho Mundo de Jack , um dos seus maiores sucessos.
A Walt Disney Pictures decidiu lançar o filme sob nome da Touchstone Pictures porque
acreditavam que o estilo do filme era "muito obscuro e assustador para as crianças" em
relação aos valores dos contos de fadas da Disney. Ao longo dos anos, o longa tem sido visto
como um sucesso financeiro, resultando num investimento pela Disney Digital na publicação
em formato 3D desde 2006.
O filme A Noiva Cadáver foi lançado em 2005 e possui semelhanças com O Estranho Mundo
de Jack. Os dois filmes apresentam os traços comuns das narrativas de Burton, em especial
nas cenas que mostram o mundo dos mortos muito mais alegre que o mundo real. No filme O
Estranho Mundo de Jack a Cidade do Haloween é apresentada com um cenário sombrio e
seres ligados ao terror, mas na cena em que a cidade é apresentada, os personagens estão
alegres, cantando e dançando ao som de músicas animadas. O mesmo ocorre em A NoivaCadáver, pois ao aparecer o mundo dos mortos, os seres e cenários relacionados com a morte,
como esqueletos e caixões, apesar de parecerem assustadores, são apresentados também
cantantes, dançantes e com características cômicas, vistas no rebolado dos seres esqueléticos.
Alguns comerciais de A Noiva Cadáver foram até mesmo acompanhados de canções de O
Estranho Mundo de Jack, mais especificamente a música What's This.
4.2.1 O expressionismo na narrativa
O filme A Noiva Cadáver (Corpse Bride, EUA, 2005), conta a história de Victor, um garoto
que se vê obrigado pelos pais a casar com Victoria, uma garota que ele conhece apenas um
dia antes do casamento arranjado também pelos pais na noiva. Tantos os pais da garota quanto
os pais de Victor, acreditam que o casamento dos filhos irá tirá-los da pobreza, o que ambos
não sabem é que nenhuma das duas famílias possui riquezas. Ao se encontrarem, Victor e
Victoria de apaixonam, mas durante o ensaio dos votos na igreja, o garoto de atrapalha por
não conseguir decorar as falas corretamente e acaba deixando cair uma vela acessa no vestido
de sua futura sogra. Ao ser repreendido pelo pastor que coordenava o ensaio, Victor
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desesperado, por ser uma figura desastrada e vergonhosa, sai correndo da igreja até chegar a
uma floresta em frente à cidade.
Lá, Victor começa a ensaiar os votos e, ao pensar em Victoria, é tomado por um sentimento
de amor que o leva a pronunciar as falas impecavelmente. Ao finalizar os votos Victor simula
colocar a aliança no dedo de Victoria colocando em algo que parece ser um galho. Neste
momento o “galho” começa a se mexer e revela ser a mão de um cadáver que acaba de
acordar com as palavras mágicas dos votos de amor pronunciados. Surge então Emily, uma
cadáver vestida de noiva que diz aceitar o pedido de Victor e o leva para o mundo dos mortos.
Ao chegar ao mundo dos mortos, o garoto se depara com uma série de esqueletos falantes e
dançantes que mostram alegria com a sua chegada. Nesse momento os moradores do mundodos mortos contam a Victor a história da morte de Emily. Ela se apaixonou por um homem,
cujos pais a proibiram de vê-lo, e sem contar a eles, ela pega o vestido de noiva da mãe e vai
se encontrar com seu amor à noite na floresta para se casarem e fugirem juntos. Ela leva
consigo algumas jóias e um anel valioso para começar a nova vida, porém enquanto esperava
o homem na floresta, o mesmo chega e a mata de forma brutal.
A noiva cadáver diz a Victor que desde então aguarda a chegada de um novo amor paralibertá-la de sua tristeza. Victor ganha ainda um presente de Emily que é o seu cachorrinho
Scrabs que havia morrido há um tempo e aparece agora também como um cadáver vivo.
Victor tenta dizer à Emily que precisa voltar para o mundo dos vivos e que não queria ter se
casado com ela, mas a noiva cadáver se entristece e diz que ele agora é o seu marido uma vez
que pronunciou os votos e colocou a aliança em seu dedo. Victor, tentando encontrar uma
forma de voltar para o mundo dos vivos onde sua família, seus futuros sogros e especialmente
Victoria o espera, diz a Emily que quer que ela conheça seus pais. Ao falar uma palavramágica que os leva para o mundo dos vivos, Victor pede a Emily que o espere na floresta
enquanto ele prepara seus pais para a novidade de que se casou, mas na verdade Victor a
deixa esperando e vai ao encontro de Victoria, entrando pela janela de seu quarto. Os dois se
declaram e no momento em Victor vai contar o que houve à sua amada, Emily chega após ter
ficado desconfiada com a demora de seu “marido” e o leva de volta para o mundo dos mortos.
Victória, que vê tudo, fica assustada e diz aos pais que precisa ajudar Victor, mas ela não é
ouvida e nessa altura seus pais desistem do casamento e anunciam que quem vai substituir
Victor como marido de sua filha é Lorde Barkis, um misterioso e desconhecido homem
recém-chegado que se diz muito rico e interessado em Victoria.
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Enquanto isso Emily se entristece e chora no mundo dos mortos com ciúmes de Victor após
tê-lo encontrado no quarto de Victoria e inconformada com sua condição de cadáver. Victor
se compadece da tristeza de Emily devido à sua triste história e tenta confortá-la dizendo não
existe nada de errado com sua aparência. Chega então ao mundo dos mortos Mathew, que
trabalhava como guia da carruagem dos pais de Victor. Morto, ele se encontra com o garoto
no mundo dos mortos e dá a ele a noticia de que Victoria está se casando com Lorde Barkis.
O que ninguém sabe é que o misterioso homem planeja matar a garota após o casamento.
Victor desiludido anda pelo mundo dos mortos, quando escuta uma conversa de Emily com o
Velho Gutknecht em que ele diz que seu casamento com Victor não tem validade, pois os
votos só valem até que a morte os separe, uma vez que a morte já os separou, a única soluçãoseria a morte de Victor também, e para isso, ele teria que pronunciar novamente os votos no
mundo dos vivos e logo depois beber o veneno que paralisa o coração. Emily teme que ao
saber disso Victor vá embora, mas diz que não irá pedir que morra por ela e nesse momento
ele entra e após perder as esperanças de estar com Victoria diz que o fará voluntariamente.
Todos os habitantes do mundo dos mortos se preparam então para subir até o mundo dos
vivos, onde irá ocorrer o casamento de Victor com a noiva cadáver. Durante a pronuncia dosvotos, Victoria observava escondida depois de ter fugido do jantar de seu casamento devido a
uma sinistra invasão de seres esqueléticos do mundo dos mortos em sua casa que fez com que
todos saíssem aterrorizados e ficasse a sós com Lorde Barkis, quando descobriu que ele estava
interessado apenas no dinheiro, que na verdade, sua família nem possui. Enquanto olhava de
longe o casamento de Victor, Emily interrompe seus votos e diz a Victor que um dia alguém
lhe roubou a vida e naquele dia ela não poderia fazer o mesmo com ele, pois seu grande amor
é Victoria, que ao ouvir isso entra na igreja e vai ao encontro de Victor.
Chega então Lorde Barkis dizendo que Victoria é sua mulher. Ele então é reconhecido por
Emily como o homem que a enganou e depois a assassinou na floresta. Emily expulsa Barkis
do local após impedir que ele mate Victor com um facão. Barkis diz que vai embora, mas
antes insulta Emily por sua condição de noiva cadáver desiludida, provocando raiva nos
mortos que estavam na platéia, porém eles nada podiam fazer contra Barkis já que este
pertencia ao mundo dos vivos, no qual os mortos não têm poder. Empolgado em seus insultos,
Barkis bebe o líquido do cálice da igreja, onde continha o veneno que Victor beberia para se
casar com Emily. Sendo assim, o vilão cai morto e se revela em cor azul, o que o identifica
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agora como morto e pertencente ao mundo dos mortos. Os também mortos que
acompanhavam tudo, agora sem restrições, atacam o vilão enquanto a noiva cadáver sai em
direção à porta finalizando a narrativa em um final feliz que se concretiza quando Emily,
agora liberta, se transforma em várias borboletas que voam na direção da lua sob o olhar de
Victor e Victoria abraçados.
A história de amor de Victor e Victoria, apesar de se desenvolver como um típico romance,
possui uma temática que pode ser considerada expressionista pelo fato de possuir como
personagem central uma garota cadáver. A simples representação de um mundo de mortos, o
que é de fato considerado como uma temática de horror, já se enquadra nos parâmetros do
expressionismo. Como disse Nazário (2002) o cinema expressionista se caracteriza pelaescolha de temáticas que envolvem um universo de horror e pesadelo.
Além de o tema estar ligado a um universo de horror, o roteiro ainda apresenta as
características de excesso psicológico dos personagens refletidos na história através de uma
melancolia ao mesmo tempo terna em Victor e até em Emily. Nazário (2002) destaca, no
teatro expressionista, que desencadeou o cinema, algumas características que dizem respeito
aos excessos melancólicos e trágicos contidos na dramaturgia expressionista. “[...] o palcotornava-se por vezes o espaço interno da consciência do protagonista, constituindo os demais
personagens meras projeções dos sentimentos dele. [...] geralmente acompanhando passo a
passo o calvário do protagonista [...] (NAZÁRIO, 2002, p.510). Tais características são
observadas em Victor, que após encontrar seu grande amor com quem iria se casar, se vê
preso a uma cadáver falante com o corpo em estado de decomposição, estando ele (Victor) em
um mundo de mortos. Victor em meio a essa realidade se mostra desde sua apresentação, um
garoto desastrado, tímido, inseguro e triste. Isso até conhecer Victoria, mas o seu amor éimpedido de se concretizar devido justamente às suas fraquezas internas que o fizeram fugir
da igreja durante o ensaio e ir até uma floresta sombria em um clima de melancolia e terror.
Emily, a noiva cadáver, por sua vez está presa ao triste passado que a levou à morte. Um cruel
assassinato vindo do próprio homem a quem entregou seu amor. A temática do trágico, já
fazia parte do conteúdo expressionista no pós-guerra, em especial os filmes de assassinato
como ocorre no primeiro clássico expressionista O Gabinete do Dr. Caligari (Das Kabinett
des Dr. Caligari, ALE, 1919). O estado emocional abalado de Emily é refletido não só na
narrativa do longa, mas em especial na sua aparência física - esta que é uma questão a ser
discutida no próximo capítulo.
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Outra característica expressionista observada na narrativa é a expressão de dois mundos
conflitantes, sendo esses o Mundo dos Vivos e o Mundo dos Mortos. O primeiro, é cheio de
pessoas burguesas que não se importam com os sentimentos dos outros e são corruptas. Isso
pode ser visto no interesse das famílias em casar Victor e Victoria acreditando que a outra
família possui riquezas. O mesmo se vê na atitude do vilão Lorde Barkis que quer se casar
com Victoria esperando receber um dote. Não somente no vilão, mas também em várias
outras formas da narrativa se observa o pessimismo do expressionismo em relação à
burguesia, até mesmo quando o homem que dá as notícias do dia, gritando na rua, diz de
forma pejorativa que Victor sumiu pela floresta com uma mulher misteriosa, dando a entender
que estaria abandonando Victoria. Victor ainda é vítima das fofocas e comentários maldososda população da cidade que se reflete na reação dos pais de Victoria ao ouvir a notícia.
O segundo mundo, esse dos mortos, é dotado de figuras cômicas, como esqueletos que
cantam e dançam, camas em formato de caixões, e até um alegre bar onde os mortos se
reúnem para beber, dançar e conversar. O Mundo dos Vivos é escuro sem cor, sem
iluminação. Já no Mundo dos Mortos, os personagens são coloridos, alegres, usam roupas
exageradas, possuem características visuais marcantes, o cenário é mais claro, vivo e cheio decores. Victor é recebido com alegria e ainda ganha de presente seu cachorrinho que havia
falecido, este se apresenta também como um cãozinho cadáver. Ficção e realidade se
misturam no universo onde o corpo dos personagens é representado de forma fiel ao que
ocorre após a morte, ou seja, os restos são os esqueletos, ou no caso dos que morreram há
pouco, como Emily, em estado de decomposição. Por outro lado, a ficção se manifesta a partir
do ponto que esses corpos têm vida. Cantam, conversam, dançam, demonstram afeto e mais
alegria até mesmo do que o Mundo dos Vivos. A ausência de cor no Mundo dos Vivos bemcomo a ausência de vida na expressão dos personagens é vista na imagem abaixo.
Poisteriormente à essa imagem tem-se a imagem com uma cena do Mundo dos Mortos, na
qual a cores aparecerem de forma mais viva e os personagens também se apresentam de forma
cômica e alegre.
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Figura 3 – Cena com os pais de Victoria no Mundo dos Vivos
Figura 4 – Cena com os esqueletos do Mundo dos Mortos
O antagonismo presente no expressionismo não está somente na representação de dois
mundos, mas também nos conflitos ente pais e filhos, adultos e crianças, como disse Lima
(2002) “De um lado, os jovens, de outro os adultos, representações coletivas do antagonismo
norma e instinto que permeará grande parte das composições da dramaturgia expressionista”
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(LIMA, 2002, p. 194). Isso ocorre em A Noiva cadáver representado tanto no relacionamento
de Victoria com os pais, quanto com Victor e sua família e até mesmo com Emily. Victor é
insultado pelos pais que o tratam como um garoto incapaz de ser amado por uma mulher,
desastrado. Em uma das cenas em que Victor questiona os pais sobre o casamento forçado
dizendo que nem ao menos a noiva o conhece, a mãe de Victor diz “Ao menos isso temos a
nosso favor”. Os esqueletos do Mundo dos Mortos ao contar a histórica trágica do assassinato
de Emily relatam que ela decidiu fugir de casa porque foi proibida pelos pais de namorar o
homem que amava. Essa relação conflitante entre pais e filhos é ainda mais clara no caso de
Victoria. Sua mãe além de arranjar um casamento do qual ela não teve escolha, ainda repetiu
o feito após a desistência do matrimônio com Victor, fazendo-a casar-se com um homem mais
velho, com o qual ela não se simpatizava. Victoria ainda confessa a Victor, logo no início dofilme, seu gosto pelo piano, o qual sua mãe a proíbe de tocar dizendo ser uma prática muito
passional para uma jovem. Outra cena em que isso se repete é no momento em que Victoria se
prepara para conhecer Victor e sua mãe pede à empregada que aperte mais o seu espartilho até
que a garota fique ofegante. O semblante da menina revela seu descontentamento em relação
às vontades da mãe, que além de não condizer com a suas, fazem dela uma garota
incompreendida e solitária, a qual a mãe não dá ouvidos.
Essa cena em que seu espartilho é apertado reflete ainda um importante momento na história
da moda expressionista, que foi o momento em que os espartilhos deixam de ser usados para
usarem-se roupas mais largas realçando as formas naturais do corpo. Logo quando à arte
expressionista do pós-guerra começa a entrar em ascensão, os conceitos invadem também o
mundo da moda. O movimento, enquanto ruptura dos valores tradicionais, buscava trazer
novas propostas que, como dito por Nazário (2002) e por Mattos (2002), não agradou em nada
aos radicais de direita. Esse momento na animação de Burton em que Victoria tem seu vestidoapertado com um semblante de tristeza expressa de forma clara o período de transição, ou
sentimento de ruptura causada pelo expressionismo. Ana Claudia de Oliveira (2002) relata os
conceitos da moda expressionista. “[...] um corpo cujo delineamento é o de sua própria
silhueta e não aqueles que os padrões vestimentares alteravam conferindo-lhe outra
conformação. Livres de qualquer aprisionamento da parte superior pelos corpetes, espartilhos
[...] (OLIVEIRA, 2002, p.553). A mãe de Victoria representa os valores tradicionais,
enquanto Victoria representa a expressividade da essência do movimento que surgiu como um
descontentamento dos valores tradicionais através da expressão muitas vezes pessimista da
realidade para revelar a real vontade do indivíduo. Como disse Lima (2002), tal falto reflete
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um dos temas base que permeiam as narrativas de cunho expressionista: o antagonismo entre
norma e instinto. A imagem abaixo mostra a expressão descontente de Victoria enquanto tem
seu espartilho apertado.
Figura 5 - Victoria triste enquanto tem seu espartilho apertado
Outro fato relacionado ao contexto do movimento expressionista é, como dito anteriormente,
o olhar pessimista para a situação da burguesia. Uma vez que, como relata Nazário (2002), o
movimento artístico surgiu em meio ao princípio da Primeira Guerra Mundial, motivada na
Alemanha por um sentimento socialista como suposto remédio para o mal causado pelo
capitalismo, uns desses maus são os hábitos burgueses, em especial os mercadores e judeus. O
expressionismo, nesse meio, relatava de forma pessimista o cotidiano burguês, associando
essa classe aos inferiores, insanos mentais e etc. A partir daí surgiu no expressionismo o
conceito de deformação humana moral e mental expresso nas obras. Outro momento do pós-
guerra relacionado com a realidade (pessimista sob o olhar expressionista) do burguês foi a
situação econômica enfrentada pela Alemanha no pós-guerra e refletida na baixa de qualidade
vida da população. No filme A Noiva Cadáver essa realidade é bem exposta desde seu início,
quando mostra a família de Victor como vendedores de peixes, estes em estado de pobreza, à
procura de um casamento para o filho que salve à situação da família. Tais críticas podem ser
relacionadas ao expressionismo e sua capacidade expressiva da realidade da época e são vistasem vários momentos durante a animação através personagens como Lorde Barkis, que além
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de roubar as jóias que Emily levou para floresta para fugirem juntos, e assassiná-la, ainda
casa-se com Victoria na esperança de receber um dote.
Observa-se, portanto na narrativa, diversas características passíveis de se relacionar
claramente com o expressionismo. Sendo elas: a temática de horror e pesadelo inserido na
história (que se manifesta de forma mais clara nos aspectos visuais, assunto este para o
próximo capítulo), expressão de mundos antagônicos, conflitos de relacionamento entre pais e
filhos, visão melancólica do personagem como submetido a uma realidade trágica e do ser
incompreendido, expressão de conflito entre norma e instinto e, por fim, crítica à condição
verdadeira da sociedade capitalista, conceito este que fundamentou o surgimento do
expressionismo juntamente com o sentimento de ruptura de valores.
4.2.2 A relação entre objetividade e capacidade dramática do roteiro
Por se tratar de um filme de animação, espera-se que o roteiro seja vinculado a uma temática
infantil. Como disse Lucena Júnior (2005), a animação, até se valorizar como cinema, foi tida
por muito tempo como “coisa de criança”. Por outro lado a temática expressionista surgiu
com um papel crítico e em um universo de horror que não era destinado ao público infantil. Aunião entre animação e expressionismo ocorreu através de várias artimanhas no roteiro. Tais
artimanhas são tratadas por Howard e Mabley (1999) como as estratégias para gerar uma cena
dramática. Uma cena dramática é aquela que gera envolvimento do espectador. “O escritor
que escreve tendo o público em mente consegue fazer com que o espectador se importe com
os personagens, com as circunstâncias e com o desenrolar da história” (HOWARD, 1999. p.
52).
A dramatização da história no longa A Noiva Cadáver ocorre exatamente como explicam
Howard e Mabley (1999), no esquema dos três atos. O primeiro ato, que se refere à
apresentação dos personagens e seus objetivos, se dá no início, quando são mostrados em tela
Victor, sua família, sua personalidade de medroso, inseguro e desastrado logo quando
conhece Victoria e quase deixa o vaso de flor sobre o piano cair, e quando mostra Victoria,
sua relação difícil com a mãe que a proíbe de tocar piano, a relação amigável que surge entre
os dois ao se conhecerem, tudo isso apresenta os dois personagens, suas personalidades e
sentimentos ao expectador que acaba de ter o primeiro contato com os protagonistas da
história. Logo após isso, assim que Victor foge para a floresta e tenta falar os votos de
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casamento da forma correta é apresentado ainda dessa forma ao expectador, o interesse que
existe no personagem em decorar os votos de forma certa e implicitamente é exposto seu
objetivo na história: casar-se com Victoria. Ao aparecer a noiva cadáver e levá-lo para o
Mundo dos Mortos, onde tem a história de sua morte contada, é apresentada ao expectador
mais uma protagonista e seus medos e conflitos, Emily e seus anseios, e ainda seu objetivo: se
libertar do sentimento de abandono, rejeição e violência. Até esse ponto ocorre o primeiro ato
no filme em que são apresentados os três protagonistas e seus objetivos.
O segundo ato, que se refere ao empecilho que surge para atrapalhar a conquista dos objetivos
dos protagonistas, pode ocorre para Howard e Mabley (1999) causado por um antagonista,
que seria um vilão, ou mesmo pelos conflitos internos dos personagens. No filme, comoexistem dois objetivos em questão, o de Emily se libertar, e o de Victor e Victoria se casarem
são os próprios empecilhos um do outro. Isso, pois para a noiva cadáver se libertar, ela
precisaria de um novo amor, este que ela acredita ser Victor, mas Victor ao contrário disso
precisa deixar Emily e conseguir voltar para o Mundo dos Vivos para se casar com Victoria.
No momento em que Victor demonstra seu desespero para voltar para casa, e Emily
demonstra sua raiva por Victor ao ver que ele ama Victoria é revelado o segundo ato, que é o
de problematização na conquista do objetivo. O segundo ato também se desenvolve noobjetivo de Victoria ao tentar ajudar Victor, quando descobre que ele está preso a um cadáver.
Mas dessa vez quem a atrapalha é sua mãe que se revela como uma antagonista e Lorde
Barkis que vai se revelando o grande vilão da trama ao sugerir o casamento com Victoria para
substituir Victor. O antagonista é apresentado no segundo ato com o objetivo de matar
Victoria.
O terceiro ato, de resolução dos fatos, começa quando Victor, após saber que sua amada secasou com Lorde Barkis, decide desistir de seu objetivo e ajudar Emily, casando-se com ela
de verdade e bebendo um líquido mortal para que possam viver no Mundo dos Mortos e
libertá-la de sua triste história. Quando os problemas começam a se resolver, como Barkis
morrer, Victor e Victoria ficarem juntos e Emily se libertar simplesmente por ajudar em uma
história de amor que não era a sua, mas a de Victor, libertando-o para estar com sua amada, aí
se fecha a história em um final satisfatório como explicam Howard e Mabley. “O primeiro ato
envolve o espectador com os personagens e com a história. O segundo ato o mantém
envolvido e aumenta seu comprometimento emocional. o terceiro ato amarra o enredo e leva o
envolvimento do espectador a um resultado satisfatório” (HOWARD, 1999. p. 54).
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O sucesso de cada um dos atos depende ainda, segundo os autores, de que seja possível haver
um sentimento de empatia do expectador em relação ao personagem. Victor se revela logo na
primeira cena do filme como um garoto sensível ao pintar em uma folha o desenho de uma
borboleta que observa em um vidro e logo após é libertada por ele pela janela. A humanização
dos personagens, como a representação de seus medos e fraquezas, fazem com que sejam
vistos sob uma perspectiva humana e assim se tornem simpáticos aos olhos do expectador. A
noiva cadáver, por exemplo, apesar de sua aparência horrível de estado de decomposição, é
humanizada através de sua história trágica, sua voz terna e suas lágrimas de amor por Victor
ao sentir ciúmes dele com Victoria. Emily ainda revela seus complexos em relação à sua
aparência e mostra bondade ao descobrir que seu suposto casamento com Victor não temvalidade, a menos que ele morra, e dizer que jamais pediria a ele para fazer isso por ela. Tal
ato mostra que a bondade de Emily está além de seus próprios desejos. A humanização da
personagem se revela ainda mais forte no fim da trama, quando a mesma diz a Victor que não
pode deixá-lo por ela, porque um dia alguém lhe roubou a vida e ela não pode fazer o mesmo
com ele, deixando Victor livre para estar com Victoria. Esse desenrolar dos fatos, fazem com
que Emily, que surge no início da história como o principal empecilho que atrapalha a história
de amor, como a grande heroína e salvadora dos fatos.
Portanto, de acordo com os elementos que determinam a eficácia do roteiro, o filme A Noiva
Cadáver contém em sua narrativa as exigências descritas pelos três atos e também pela
humanização dos personagens. Quanto ao caráter objetivo da história, isto é, à sua capacidade
de representação da realidade pode-se dizer que uma história em que o protagonista é um
cadáver falante que vive em um Mundo dos Mortos tipicamente expressionista não é
considerada objetiva. É consenso entre vários autores que o cinema, pela objetividade dacâmera, surgiu como uma arte que teve seu valor atribuído à representação do real. Mas
também é consenso, entre os autores estudados nessa pesquisa, que essa barreira foi rompida
pela valorização estilística do diretor atrelada à capacidade de envolvimento gerada no
espectador. Isso vale não só para a imagem, mas também para a construção da história. Para
Rosenfeld (2005), no texto de ficção, a sua lógica, veracidade ou falsidade está ligada à outros
elementos que não se baseiam na fundamentação precisa em relação ao mundo real, mas sim
em originalidade e coerência. Uma obra ficcional pode, por exemplo, tentar representar a
realidade cotidiana através de uma história e ser considerada falsa por não ser coerente no
desenrolar dos fatos. E um conto de fadas pode ser considerado extremamente original e
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coerente apesar de contar uma história que jamais aconteceria no mundo real simplesmente
por ser fantasiosa. Quanto à coerência, a narrativa do filme se desenvolveu de forma correta,
uma vez que respeitou do início ao fim da animação as características por ela mesma impostas
tanto nas personagens, quanto nos aspectos visuais e nos atos. O humor e alegria presentes
nos habitantes do Mundo dos Mortos foi mantido até mesmo quando subiram ao Mundo dos
Vivos. Um exemplo da coerência na história, é que Lorde Barkis ao beber o cálice mortal fica
com a pele de cor azul, a mesma cor que as partes do corpo de Emily que ainda têm pele.
Caracterizando-o como morto.
Também quanto à representação da realidade no roteiro, para Betton (1987) o cinema trabalha
na tentativa de fazer parecer real aquilo que é imaginário. Isto é, proporcionar ao espectador asensação de que a história realmente está acontecendo. Portanto, o conceito de realidade se
aplica para a impressão causada do espectador e não para a expressão das imagens e da
história em si. A imagem, na verdade, é a responsável por concretizar a história. Isso, pois,
para Martin (2003) a imagem é o elemento base da linguagem fílmica, trata-se da principal
responsável pela atribuição de valor ao cinema, seja essa uma representação fiel da realidade
ou simplesmente uma imagem artística. Os recursos utilizados no campo visual fazem parte
dessa pesquisa no capítulo seguinte.
Porém, ainda quanto a relação da realidade do roteiro com a sua capacidade dramática foi
possível observar que filme promoveu a dramatização através do respeito ao esquema dos três
atos e da humanização dos personagens e a narrativa se enquadra nos critérios de realidade no
que diz respeito à coerência dos fatos e originalidade, estas que superam a mera escrita de
fatos passíveis de serem reais.
4.3 O expressionismo e representação da realidade através da linguagem visual
4.3.1 O expressionismo na tela
As características expressionistas em A Noiva Cadáver são ainda mais claras nos aspectos
visuais do que no roteiro. Isso, pois, como disse Nazário (2002) o expressionismo se
manifesta nos excessos gráficos, uma vez que o movimento expressionista surgiu como
categoria que advém das artes plásticas. A grande manifestação expressionista no cinema se
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dá no cenário. Vale ressaltar o que disse o autor quanto ao forte caráter visual do cinema
alemão.
[...] criando e pintando os cenários, os fundos, as perspectivas, os grafismos nas paredes,nos intertítulos, nos cartazes de publicidade e nos placares afixados nas salas. Também oscenógrafos destacavam-se criando exteriores fantasmáticos, construindo casas tortas comfachadas vivas, ruas estreitas e sombrias como tentações e armadilhas; interiores distorcidose fundos descambados, próprios para a pintura animada em que se convertia a cena [...] e osmagos da iluminação obtinham fortes contrastes para marcar uma personagem, realçar umacena, emoldurar uma situação dramática [...] Os iluminadores recriavam em estúdio todauma mascarada fantástica: manchas que deslizavam pelas paredes criando profundidades;focos direcionados que revelavam pouco a pouco elementos sinistros [...] (NAZÁRIO,2002, p.510)
Uma das primeiras características do cenário expressionista é a o abuso dos contrastes de luz,
sendo que na maioria das vezes o ambiente é escuro gerando uma sensação de clima sombrio.
Betton (1987) já citara o importante papel que a iluminação e cor exercem na criação do clima
estético. Segundo o autor, o filme em preto e branco, que é o tipo de filme sob o qual surgiu o
expressionismo, possui grande capacidade de expressar a luminosidade, já que esta é o trunfo
do contrate entre os objetos na imagem, uma vez que não existe separação de cor, a luz torna-
se a ferramenta de distinção de formas. Na animação A Noiva Cadáver , considerando que seu
lançamento se deu em 2005, não teria sentido fazer um filme sem cores devido ao contextotecnológico do cinema atual, mas ainda assim o diretor Tim Burton usou na expressão do
Mundo dos Vivos, um cenário sombrio, com poucas cores e que alternam basicamente em
variações de cinza em meio a um clima escuro no qual as formas são distinguidas também
basicamente pelo trunfo de contrastes como mostra a cena na figura abaixo.
Figura 6 – Victor na floresta á noite após fugir do ensaio do casamento
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Um importante truque feito através da iluminação que ocorreu no clássico expressionista O
Gabinete do Dr. Caligari e se repete em A Noiva Cadáver é o efeito sombra. O assassinato de
Alan, no longa de 1919, é apresentado na tela através da projeção da sombra do assassino
atacando a vítima. O mesmo ocorre na animação de Burton. No momento em que os
esqueletos do Mundo dos Mortos contam a Victor sobre a história da morte de Emily, o
momento do assassinado é ilustrado na tela também no formato de sombra. As duas imagens
abaixos mostram as duas cenas de assassinato, a que ocorre em O Gabinete do Dr. Caligari e
a que ocorre em A Noiva Cadáver respectivamente.
Figura 7 – Cena do assassinato de Alan em O Gabinete do Dr. Caligari
Figura 8 – Cena do assassinato de Emily em A Noiva Cadáver
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Além da iluminação, a arquitetura da cidade do Mundo dos Mortos faz fortes referências ao
período expressionista. Fernandes (2002) destaca da arquitetura expressionista características
claras no estilo das casas, catedral, bem como todo o conjunto arquitetônico do cenário do
filme. Entre essas características está o uso de janelas de vidro em excesso e construções
grandiosas com formatos arrojados que descartam o princípio espacial da necessidade como
mostra a figura abaixo. O uso de vidros nas janelas tornou-se uma das características mais
marcantes da arquitetura expressionista e também é visto no filme na figura posterior.
Figura 9 - Conjunto habitacional Het Scheep. Amsterdã, 1917-21. Michel de Klerk
Figura 10 – Construção e grandes janelas de vidro da casa de Victoria
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No filme todas as casas são cheias de grandes janelas de vidro. Não somente essa
característica, mas também o conceito de espaço que foge do prático, está presente no filme
nas enormes construções com grandes espaços como a sala do piano da casa Victoria
mostrada na cena da figura abaixo.
Figura 11 – Victoria descendo as escadas de sua casa em direção à grandiosa sala do piano
Outra característica da arquitetura expressionista são as torres arredondadas, ou então telhados
oblíquos e finos, da figura abaixo.
Figura 12 - Torre Einstein. Potsdam, 1917-21. Erich Medelsohn
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A semelhança é clara com uma das torres do Mundo dos Mortos no filme A Noiva Cadáver.
Isso pode ser observado na póxima figura.
Figura 13 – Torre onde mora o Velho Gutknecht no Mundo dos Mortos
O cinema expressionista, através da contribuição de artistas plásticos, como explica Nazário
(2002) expressou em seu cenário um novo conceito em arquitetura, não somente preso à
arquitetura expressionista, mas mais ligado ao conceito da pintura expressionista. Enquanto a
arquitetura da época se inspirou em grandes obras, catedrais góticas e novas formas, como é
presente no filme no Mundo dos Vivos; e de todo o clima arquitetônico da cidade e da estética
da igreja onde Victor e Victoria ensaiam, no cinema expressionista a maior parte dos cenários
era falso, pintado por artistas plásticos, e por isso fugiu um pouco da arquitetura
expressionista para buscar atender à uma manifestação artística também da pintura. Como cita
Mattos (2005) o expressionismo, através da visão de que a autonomia da figura estética superasua mera significação, carrega consigo o conceito do abstracionismo. Sendo assim, os artistas
plásticos que faziam os cenários dos filmes buscaram estar mais próximos da fantasia,
expressando o seu mundo interior.
Como dito por Nazário (2002), o grande clássico do expressionismo de 1919, O Gabinete do
Dr. Caligari foi todo gravado em estúdio, e o cenário integralmente feito por artistas
plásticos. A “arquitetura” assim dizendo do cinema, ou melhor, o cenário, ganhou novascaracterísticas. Uma vez que o cinema expressionista surgiu atrelado as artes plásticas,
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consequentemente sua valorização artística dependia da valorização do conteúdo do artista
plástico, por isso era importante que o cenário tivesse certa autonomia artística, por isso, era
necessário que ficasse claro se tratar de uma figura plástica. Por isso, no cinema
expressionista o conceito do fazer parecer real não existia, pois a valorização artística do
cenário e da autoria do artista era mais importante.
Assim, o cinema expressionista desenvolveu algumas características marcantes em seus
cenários que os faziam parecer fantasiosos. São casas tortas, com janelas oblíquas, telhados
inclinados e tortos, ambientes sem simetria, portas também tortas etc. No filme A Noiva
Cadáver, Tim Burton expressa a arquitetura expressionista no Mundo dos Vivos, como
anteriormente mostrado através das grandes construções, mas porém expressa ascaracterísticas fantasiosas no cenário fílmico expressionista no Mundo dos Mortos e até em
algumas poucas cenas do Mundo dos Vivos. O Gabinete do Dr. Caligari mostra claramente o
caráter artístico do cenário expressionistas e sua arquitetura deformada, o que se repete em A
Noiva Cadáver.
Figura 14 – Dr. Caligari com Cesare no filme O Gabinete do Dr. Caligari
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Figura 15 – Dr. Caligari em meio às casas da cidade no filme O Gabinete do Dr. Caligari
Nas imagens acima observa-se as casas tortas com janelas também sem simetria, já na
imagem abaixo no filme A Noiva Cadáver, é possível ver no fundo do cenário as janelas
também sem proporção e formas também tortas, na segunda imagem abaixo vê-se o fundo
com casas em formato oblíquos e no parapeito do alto do píer onde está Emily e Victor, umagrade em formatos curvos.
Figura 16 – Emily em meio às casas do Mundo dos Mortos
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Figura 17 – Emily e Victor no píer da cidade do Mundo dos Vivos
A autonomia do cenário expressionista é uma das características que chama a atenção nos
filmes. Em especial nos filmes de Burton o cenário se torna como uma linguagem que revela
ao espectador muito sobre o que é interno na história e na personalidade dos personagens.
Porém quanto aos efeitos dramáticos e psicológicos do cenário, Betton (1987) diz que estes
estão relacionados à parte afetiva do diretor e não devem ocupar o lugar da ação para não
distrair o espectador, ou seja, o cenário não deve se sobressair à ação, pois uma vez que o
espectador se prende aos detalhes do cenário, ele não consegue dedicar sua atenção aos
acontecimentos da história. Em contraponto a essa idéia, Nazário (2002) diz que é justamente
o cenário, um dos principais responsáveis por falar acerca da história desde o teatro
expressionista.
[...] o palco tornava-se o espaço interno da consciência do protagonista, constituindo osdemais personagens meras projeções dos sentimentos dele. [...] Os atores expressionistasexteriorizavam os sentimentos rebarbativos de seus personagens com gestos desvairados,deformando-se como os objetos da cena, devidamente distorcido pelos cenógrafos.(NAZÁRIO, 2002, p.510)
Uma vez que o cenário dialoga diretamente com os personagens, suas características são
também excessivas. A começar pela noiva cadáver, sua aparência física, possui algunsexcessos bem marcantes. Assim como cita Nazário (2002) sobre a carga de maquiagem nos
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personagens dos filmes expressionistas, como o insano Cesare de O Gabinete do Dr. Caligari,
e outros filmes como Nosferatu, Uma Sinfonia de Horror (Nosferatu – Symphonie des
Grauens, ALE, 1922) de Friedrich Murnau e O Fantasma da Ópera (The Phanton of the
Opera, EUA, 1925) de Rupert Julian na imagem abaixo. Nesse último filme, após a chegada
do expressionismo também no cinema americano, o ator Lon Chaney aparece com uma
maquiagem carregada, olheiras fortes e toda uma caracterização para deixá-lo com um
aspecto o mais assustador possível. Da mesma forma Emily, a noiva cadáver possui
características bem fortes mostradas na segunda imagem abaixo, porém feitas através do
recurso da animação, processo esse que será discutido no último item dessa pesquisa.
Figura 18 - O Fantasma da Ópera (The Phanton of The Opera, 1925, EUA)
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Figura 19 – Close do rosto de Emily
Figura 20 – Imagem de Emily de corpo inteiro
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A noiva cadáver possui características físicas marcantes. No seu rosto é possível ver ainda as
marcas dos golpes que recebeu quando foi assassinada. O seu corpo demonstra claramente
estar em estado de decomposição, algumas partes ainda possuem pele, mas em tom de azul,
que faz referência ao estado de deterioração, e outras partes já estão em ossos. Os ossos do
lado direito das costelas de Emily aparecem sob o vestido rasgado. Durante o filme em várias
cenas a protagonista deixa partes do corpo caírem, como braço e pernas em um momento ou
outro em que as articulações dos ossos se desencaixam pela ausência de tecidos nervosos.
Victor, apesar de representar um personagem não tão atípico, possui características também
marcantes. A aparência do garoto lembra ainda a do sonâmbulo Cesare no filme O Gabinetedo Dr. Caligari. A aparência de Cesare, como mostra imagem abaixo marcante com olheiras
fundas, dizem respeito à insanidade mental do personagem. Victor expressa na narrativa certa
insanidade também através de sua melancolia, desajeito e de seus medos e inseguranças. Isso
fica claro na cena em que sai correndo da igreja após deixar a vela acesa cair no vestido de
sua sogra e ir para floresta recitar os votos de casamento sozinho na escuridão, enquanto
lamenta sua condição. Apesar de mais amenas, Victor possui muitas das características físicas
de Cesare, a começar pelas olheiras e os cabelos mais compridos mostrados nas próximasimagens.
Figura 21 – Personagem Cesare em O Gabinete do Dr. Caligari
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Figura 22 – Expressão de Victor antes de fugir da igreja durante o ensaio de seu casamento
Apesar das aparências físicas, como foi exposto no capítulo anterior, na animação de Burton
os personagens são ternos, simpáticos para o espectador, o que não se aplica ao personagem
Cesare, uma figura feita com objetivo de causar medo. Existe ainda o papel do figurino dos
personagens. Para Betton (1987) sua função é a de caracterizar a personalidade do
personagem, bem como reforçar suas características dentro da narrativa. Por exemplo, se o
personagem é cômico, o figurino deve fazer referências a isso usando cores, formatos
engraçados e etc., se é sério, o figurino deve expressar sobriedade. Para Betton (1987), as
roupas têm também a capacidade de completar o papel do cenário fazendo referência a épocas
e culturas. O figurino, o modo de vida e os hábitos dos personagens da história do filme, por
exemplo, são típicos do período de transição entre os séculos XIX e XX na França, Inglaterra
e Alemanha conforme as especificações de Ana Claudia de Oliveira (2002). A autora destacao cenário urbano, o capitalismo e os desenvolvimentos causados pelas revoluções industriais,
que tiveram como conseqüência as desigualdades sociais bem exemplificadas no filme através
da riqueza de “fachada” das famílias de Victor e Victoria. O uso de espartilhos e barbatanas
visto nas personagens femininas do filme também são típicas da época descrita por Oliveira
(2002), a mesma em que se manifestou o expressionismo.
Em um ponto de encontro entre iluminação, cenário e figurino atrelados ao conceito deexpressão de mundos conflitantes, esse tema base do expressionismo, tem-se a expressão do
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Mundo dos Vivos e do Mundo dos Mortos na animação de Burton. O primeiro, tem uma
iluminação sombria, com um clima de atos que ocorrem quase sempre na calada da noite ou
momento chuvoso, o cenário é tipicamente o da sociedade pré-guerra, o figurino também é
clássico, no sentido de que respeita a época, mas acentuado com as características da
sobriedade no uso da cor como mostram as imagens abaixo.
Figura 23 – Pais de Victoria descendo a escada de sua casa
Figura 24 – Pastor na igreja do Mundo dos Vivos
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Já no Mundo dos Mortos, a iluminação, apesar de ainda ser um pouco escura, é bem mais
clara em relação à do outro citado. O cenário é bem mais colorido, com características ligadas
à fantasia, mas também à questão cômica na peculiaridade dos personagens. Essas
peculiaridades são evidenciadas também no figurino colorido dos personagens, e muitas vezes
na ausência dele, como no caso das caveiras que são apenas esqueletos sem roupa como
mostram as próximas imagens.
Figura 25 – Esqueleto falante no Mundo dos Mortos
Figura 26 – Esqueletos dançantes no Mundo dos Mortos
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Outro elemento marcante nos filmes expressionistas que é visto em A Noiva Cadáver é a
importância da presença do som e da música. O cinema expressionista se manifestou no
período dos filmes mudos e, portanto a música era fundamental para preencher o vazio do
silêncio, como é possível observar no clássico de referência O Gabinete do Dr. Caligari. A
música instrumental clássica pinta climas de medo e ilustra as cenas do longa de 1919. Na
animação de Burton a opção pela música clássica também é presente. Nos extras do DVD que
contém o filme, nos bastidores mostra-se uma orquestra composta por mais de cem músicos
gravando as melodias que compõe a trilha sonora do filme. Uma vez que o cinema atual não é
mudo e, como disse Betton (1987), a música teria um papel apenas decorativo e não
substancial em relação à imagem, Burton busca outra alternativa para tornar o elemento
musical tão importante quanto no tempo do cinema mudo: a poesia musical. Na animaçãodurante vários momentos, as cenas se convertem em musicais, no quais os personagens
cantam e dançam, poemas que exercem função narrativa na história. No início do filme, por
exemplo, é através da letra do cântico dos pais de Victor e de Victoria que é revelado ao
espectador o interesse financeiro das duas famílias no casamento. A história de Emily também
é contada pelas caveiras através uma música em um estilo jazz. E as lamentações de Emily
quanto à sua condição de cadáver também são reveladas em música cantada pela própria
personagem. A musicalidade torna-se assim tão importante na poética da animação quanto foino cinema expressionista. E os poemas, expressos na letra dos versos faz referência à
literatura expressionista no que diz respeito ao caráter profético citado por Mattos (2002). Na
letra da música cantada pelos pais de Victoria e Victor, os casais profetizam que o casamento
arranjado irá tirá-los da miséria. Quanto à característica do eu lírico também falado pela
autora, a cantiga de Emily externa o mundo interior da personagem e ainda em relação à
característica da expressão do trágico, desencadeada pelos pacifistas que queriam mostrar a
verdadeira face da guerra, essa pode ser relacionada à letra da música das caveiras ao detalharo contexto do cruel assassinato de Emily.
Conforme descrito, o expressionismo se manifesta na linguagem cinematográfica da animação
americana através da iluminação sombria e jogo de contrastes, do cenário que reflete a
arquitetura do período do movimento expressionista na igreja gótica, grandes construções e
janelas de vidro e as deformidades incentivadas pelas artes plásticas vistas no excessivo
mundo fantasioso dos mortos, na maquiagem e caracterização dos personagens, na
indumentária dos personagens que também fazem referência à época, na expressão de mundos
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antagônicos através dos contrastes visuais que unem os recursos a cima citados, e por fim
através da musicalidade e da literatura expressa nas letras dos cânticos.
4.3.2 A estética da animação e conceito de realidade na definição do estilo de Burton
O filme A Noiva Cadáver é uma animação totalmente gravada em stop-motion. Essa técnica é
considerada antiga comparada à computação gráfica. Isso, pois, os personagens e os cenários
são feitos de forma artesanal e o filme é formado pela junção das fotografias de cada
movimento. Sendo assim, cada projeção exibida na tela é um frame produzido através da
fotografia de um ambiente e expressão. Na animação de Burton, uma empresa especializada
na criação de bonecos para esse tipo de filme foi contratada para produzir cada um dospersonagens e inclusive o cenário projetado. A imagem a abaixo mostra um dos produtores
moldando a posição dos bonecos para o registro da cena.
Figura 27 – Trecho dos extras de A Noiva Cadáver em que os bonecos são moldados para fotografia da cena
Segundo Lucena Júnior (2005), o mecanismo de computação gráfica passou por problemas de
anulação artística da criatividade, assim como o surgimento dos estúdios e seus padrões e
facilidades, porém assim como este, a computação gráfica, e até mesmo a animação 3D
rumou ao avanço também artístico até chegar aos dias de hoje. O stop-motion por ser
considerado um método mais utilizado no período em que a computação não dispunha de
tantos recursos, acaba sendo uma forma de resgate utilizada pelo diretor Tim Burton dosvalores tradicionais da arte, na questão da materialiade. Isso, pois, apesar de a animação criar
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um ambiente integralmente fictício, a opção pelo stop-motion no sentido da “realidade
artística” proposta por Martin (2003) torna-se ao menos um ambiente palpável comparado ao
ambiente exclusivamente virtual.
A questão da materialização física do ambiente fílmico possibilita ainda que a câmera
desempenhe seu papel narrativo. Papel esse destacado por Martin e Betton (1987) nos planos
de enquadramento e seu poder de apresentar um ponto de vista da cena. Também para
Rosenfeld (2005) a câmera também desempenha um papel narrativo no filme. Ele afirma que
ela “[...] Focaliza, comenta, recorta, aproxima, expõe, descreve. O close up, o traveling, o
„panoramizar‟ são recursos tipicamente narrativos” (ROSENFELD, 2005, p.31). Caso o filme
fosse feito no computador, apesar de esse poder realizar de forma artificial os efeitosnarrativos citados, dispensaria o uso da câmera e o impotante papel artístico do registro feito
por ela
Como dito por Mattos (2002) e Nazário (2002) o expressionismo surgiu nas artes plásticas e
ao se manifestar no cinema esteve preso à presença das artes plásticas no cenário, vistas nos
clássicos filmes expressionistas quase que inteiramente gravados em estúdios pintados por
artistas expressionistas que caracterizam a obra como o mais fantástica possível do ponto devista da ficção. Como todo o cenário e personagens do longa de 2005 de Tim Burton teve de
ser materialmente feito, isso de fato resgata a essência do cinema expressionista condicionado
às artes plásticas. Burton mostra sua preferência pelo stop-motion desde sua primeira
animação, o curta Vincent (Vincent, 1982, EUA) de 1982.
Não somente a questão da importância das artes plásticas na animação, mas também a questão
do desenvolvimento artístico do diretor deve ser levado em consideração uma vez que todosos personagens criados partiram das idéias e características idealizadas por Burton. Esse
conceito, da importância artística acima do nível tecnológico do método de animação, foi
levantado por Lucena Júnior (2005) que disse que em primeiro lugar na criação artística da
animação devem estar os conhecimentos que implicam a criação visual do artista, isto é, a
imaginação, idéia e criatividade do diretor, independente das técnicas que serão utilizadas a
fim de conseguir conceber a criação primária. “Desprezar essa orientação significa estar
fadado a produzir apenas imagens (apenas amostras descartáveis), jamais arte” (LUCENA
JÚNIOR, 2005, p.442).
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As cenas do filme A Noiva Cadáver expressam além de imaginação, devido às peculiaridades
das características físicas dos personagens, bastante objetividade nos movimentos, o que faz
com que o espectador não perceba em momento algum as dificuldades existentes na projeção
de cada cena. Isso muito se deve a uma técnica utilizada na movimentação da expressão facial
dos bonecos que pode ser considerada inovadora em termos de stop-motion. Enquanto as
animações que utilizam esse método têm de fazer várias cabeças de um mesmo boneco, cada
uma com uma fração do movimento, nos extras do DVD do filme A Noiva Cadáver, os
produtores mostram que as cabeças dos bonecos tinham uma série de articulações que
poderiam ser movimentadas através da rotação de uma pequena chave localizada
discretamente nas extremidades da bochecha e queixo. Isso fez com que vários movimentos
pudessem gravados com apenas uma cabeça.
Além de tornar o trabalho mais prático, essa técnica mostrada nos extras do filme, deu mais
naturalidade às expressões, fazendo com que assim fossem movimentadas, durante a fala, as
sobrancelhas, bochechas e nariz dos personagens, fazendo assim um jogo completo de
expressões, bem expresso na riqueza de movimentos expressivos da cena na figura abaixo em
que Emily fica furiosa ao pegar Victor no quarto de Victoria.
Figura 28 – Expressão de raiva de Emily ao flagrar Victor no quarto de Victoria
Além de o stop-motion resgatar os conceitos artísticos do cinema expressionista, tambémproporcionou tal materialidade ao filme que permitiu que este criasse determinada realidade
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artística percebida de forma natural pelo espectador, além de possibilitar a expressão criativa
do diretor nas características peculiares de cada personagem e cenário sem estar condicionada
à tecnologia da computação gráfica. Como disse Betton (1987), o cinema trabalha na tentativa
de fazer parecer real aquilo que é imaginário. Isto é, proporcionar ao espectador a sensação de
que a história realmente está acontecendo. Portanto, o conceito de realidade se aplica para a
impressão causada no espectador e não para a expressão das imagens em si. Enquanto isso,
Martin (2003) diz que mesmo que o cinema tente mostrar a realidade, assim como o fez
Burton ao expressar a realidade da burguesia emergente no fim do século XIX e ao tentar
materializar as cenas através das artes plásticas e do uso de técnicas que tornassem os
movimentos os mais naturais possíveis, ainda assim, na verdade, nunca pode ser realidade. O
cinema seria então, uma arte que pode usar elementos de linguagem para exprimir a realidadee ir além da realidade. A forma como essa representação da realidade é construída, seja com a
projeção de uma imagem real ou de um cenário criado, bem como intenções do diretor e os
resultados na percepção do espectador, é que torna o cinema como uma arte. A imagem
segundo ele, é, portanto, a principal responsável pela atribuição de valor ao cinema, seja essa
uma representação fiel da realidade ou simplesmente uma imagem artística.
Essa forma como o diretor escolhe exprimir sua realidade, seja uma realidade naturalista ouuma realidade do ponto de vista expressionista, é que caracterizam o estilo do diretor. Martin
(2003) propõe assim um novo conceito à linguagem cinematográfica que explica o avanço da
animação e de influências como o expressionismo mesmo diante das barreiras impostas pela
“representação da realidade”. Trata-se de uma transição do termo “linguagem”, para “estilo”.
O termo “estilo” proposto por Marcel Martin (2003) é a sublimação da linguagem fílmica
atingida através da liberdade cinematográfica, tanto dos cineastas, quanto do espectador,
adquirida na evolução do cinema mundial. Essa sublimação se refere à purificação dalinguagem cinematográfica, isto é, ela passa para outro estado, agora separada e única diante
das outras plataformas artísticas. “A linguagem, comum a todos os cineastas, é o ponto de
encontro da técnica e da estética; o estilo, específico de cada um, é a sublimação da técnica,
na estética” (MARTIN, 2003, p.241). A partir dessa liberdade e particularidade é que o autor
define conclusivamente o cinema enquanto arte, sem dívida com outros campos artísticos
como a literatura e o teatro e, portanto, sem ficar preso ao conceito de realidade.
O estilo de Burton se manifesta, no filme A Noiva Cadáver, através de uma realidade autoral
influenciada pelo expressionismo na temática de horror da narrativa, no contexto histórico sob
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o qual a história está inserida, através da expressão de mundos conflitantes, contrastes entre
norma e instinto, visualmente através do cenário fantasioso, ambientes escuros, poucas cores,
uso de contrastes de iluminação, arquitetura coerente com o período expressionista,
manifestação artística também expressionista no cenário através de casas tortuosas e janelas
sem simetria e expressão do eu lírico dos personagens manifesto nos excessos sensoriais.
Toda essa realidade, sem limitar-se a uma realidade naturalista está ainda inserida em um
conceito padrão de narrativa devido à estruturação dos seus atos e humanização de
personagens, o que permitiu tornar, como disseram Howard e Mabley (1999), a história
interessante e os personagens passíveis de gerar identificação no espectador. Definindo assim
a realidade artística, ou estilo de Burton no longa A Noiva Cadáver.
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CONCLUSÃO
Em virtude dos aspectos narrativos, estéticos e técnicos analisados no filme A Noiva Cadáver,
de Tim Burton, é possível detectar que a composição estilística do diretor é inspirada no
expressionismo alemão. Isso se torna claro através das várias formas de expressão coerentes
com o movimento e identificadas na animação.
Em resumo, na narrativa, temos: temática de horror através de um conto em que o
protagonista é um cadáver que leva um mocinho apaixonado para o Mundo dos Mortos
impedindo-o de se casar com sua amada; representação de mundos conflitantes através das
diferenças de comportamento dos personagens do Mundo dos Vivos e Mundo dos Mortos; oolhar pessimista em relação à burguesia expresso pela condição dos pais de Victor e Victoria
bem como suas intenções corruptas no casamento arranjado; no antagonismo entre norma e
instinto através das regras impostas pelos pais de Victoria em contraponto às suas reais
vontades; no conflito entre pais e filhos através ainda dos desentendimentos entre os
protagonistas e seus respectivos pais; na temática de deformação moral, melancolia e ser
incompreendido caracterizado em Victor e suas inseguranças e desjeitos, bem como na
tristeza de Emily por sua história trágica e Victoria por não ter direito de escolher ao menoscom quem vai se casar. Da mesma forma o conceito de realidade se manifesta na narrativa na
busca de representação do contexto histórico do de transição século XIX para o século XX. A
realidade artística também é criada de forma eficiente através da esquematização coerente dos
atos da narrativa possibilitando que o espectador se envolva com a história mesmo que esta se
refira a uma realidade criada.
Nos elementos visuais também conclui-se que a influência expressionista se torna claraatravés da iluminação escura, do uso de contrastes e poucas cores, da arquitetura do cenário
também coerente ao contexto histórico no qual ocorreu o movimento, na expressão também
visual de mundos conflitantes através do impacto de cores do Mundo dos Mortos sobre o
Mundo dos Vivos, da adoção deformada do cenário do mundo fúnebre com casas tortas
dotadas de janelas oblíquas e ambientes de horror e fantasia. O conceito de realidade também
se manifesta na estética do filme através do estado dos corpos dos seres mortos, ora em estado
de decomposição ora em esqueleto, sendo fiéis à condição do corpo humano após a morte. Já
a realidade artística na estética se dá com as influências fantásticas do expressionismo já
citadas, e nas peculiaridades físicas exageradas nas características dos personagens e cenário.
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A noiva cadáver, por exemplo, como explicado, tinha em seu corpo vários sinais de que ele
estava se deteriorando: sinais aparentes das marcas dos golpes de seu assassinato, olheiras
fortes, pedaços do corpo somente em ossos e outros com a pele flagelada e etc.
De acordo com as doses de realidade e realidade artística, influenciadas pelo expressionismo e
atreladas à produção plástica da animação em stop-motion, fica marcado o estilo de Burton no
filme A Noiva Cadáver. Quando Martin (2003) cita o surgimento do conceito estilo embasado
na idéia de que a realidade artística supera a simples necessidade de representação do real e
Lucena Júnior (2005) completa dizendo que na animação a capacidade criativa do diretor
deve superar os padrões técnicos, pode-se encontrar nesses dois pontos, o motivo e a forma,
na qual se manifesta o estilo de Tim Burton em uma animação influenciada por ummovimento que teve sua ascensão há quase cem anos e ainda pode ser considerado original.
Isso se deve, portanto, a uma questão que ultrapassa o mero conceito de objetividade da
imagem ou de tecnologia cinematográfica, trata-se da superação da arte através de escolhas
individuais do diretor que fazem com que o cinema seja uma arte estética, como disse Martin
(2003) que se fundamenta na técnica, mas se supera na estética, ou que como disseram
Howard e Mabley (1999), que utiliza as regras como aliadas para fazer a produção funcionar,
mas não como limitação criativa. Dessa forma expressionismo, fantasia, animação, artesplásticas e coerência, juntos, formam o estilo do diretor Tim Burton no filme A Noiva
Cadáver.
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REFERÊNCIAS
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